Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
| Descritores: | EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DO PREÇO DA OBRA VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DO PREÇO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1- A prova dos factos que interessa ao direito não é a certeza lógica, ontológica ou certa em como se verificaram, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida, devendo o facto controvertido ser julgado provado ou não provado de acordo com uma regra de decisão (standard de prova) que é móvel, mas que, em regra, no processo civil, é o da probabilidade prevalecente: se face à prova produzida for mais provável que o facto se tenha verificado do que a hipótese inversa, aquele deve ser julgado provado, impondo-se que seja julgado não provado na hipótese contrária. 2- Em ação instaurada pelo empreiteiro contra o dono da obra reclamando o pagamento do preço devido pela execução dos trabalhos que lhe foram adjudicados, o ónus alegatório e probatório em como esses trabalhos foram concluídos impende sobre o empreiteiro. 3- Todavia, nos casos em que o dono da obra tenha desistido da obra, nomeadamente, por perda de interesse na sua execução, e o empreiteiro o demande para que lhe pague o preço dos trabalhos que efetivamente realizou na execução do contrato de empreitada celebrado, sob pena de se incorrer em contrassenso jurídico e em ilogicidade, não impende sobre o empreiteiro o ónus alegatório e probatório em como concluiu os trabalhos que lhe foram adjudicados, mas apenas dos que realizou efetivamente na execução do contrato de empreitada e cujo preço reclama. 4- Na responsabilidade contratual a iliquidez do crédito obsta à constituição em mora do devedor, salvo se a falta de liquidez for imputável àquele (art. 805º, n.º 3 do CC). 5- Para que que se possa falar em iliquidez é necessário que a dívida não tenha montante certo, por a sua determinação estar dependente de factos ou operações adicionais futuros ou que não foram ainda levados ao conhecimento do devedor, de modo que não está em condições, por razões que não lhe são imputáveis, de saber o exato conteúdo da sua obrigação. 6- Em contrato de empreitada em que as partes não tenham convencionado o modo de determinação do preço devido como contrapartida da execução da obra, aquele deve ser determinado de acordo com o preço que o empreiteiro normalmente praticava à data da celebração do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento da celebração do contrato e no lugar em que o dono da obra deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço da obra é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade (art. 883º, n.º 1, ex vi, art. 1211º, n.º 1, ambos do CC). 7- Tendo o preço devido pela obra sido liquidado pelo tribunal, mediante recurso à equidade, os juros de mora são devidos desde a data da prolação da 1ª instância em que se procedeu à sua liquidação. | ||
| Decisão Texto Integral: | I- Relatório EMP01... Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., ..., instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, residente na Estrada ..., ..., ... ..., ..., pedindo que se condenasse o último a pagar-lhe a quantia de 32.528,12 euros, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados a partir de 09/07/2021 até efetiva e integral pagamento, sobre a quantia de 28.731,50 euros. Para tanto alegou, em síntese: na execução da sua atividade de terraplanagens e construção civil, com intuito lucrativo, em 09/04/2018, acordou com o Réu a realização de um desaterro de pedra, com 570 m3, pelo preço de 28.500,00 euros, acrescido de IVA, a ser pago em três prestações: a primeira, no início de abril de 2018; a segunda, a meio da obra; e a última, no final da obra; em fevereiro de 2019, o Réu solicitou à Autora que, mediante contrapartida de preço, realizasse trabalhos de desaterro e limpeza de um monte, o que aceitou; findos todos os trabalhos contratados, emitiu e enviou ao Réu fatura datada de 14/11/2019, no montante de 35.055,00 euros e com data de vencimento na mesma data; o Réu apenas realizou dois pagamento: um, no montante de 2.000,00 euros, em 14/12/2018, e outro, no montante de 5.000,00 euros, em 18/06/2018, permanecendo em dívida a restante quantia inscrita na fatura, no montante de 28.055,00 euros; a Autora emitiu e enviou ao Réu uma outra fatura, datada de 18/11/2019, no montante de 676,50 euros, com data de vencimento na mesma data, que não liquidou; o Réu devolveu as faturas, em 27/11/2019, dizendo que não lhe diziam respeito. O Réu contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção. Impugnou parte da facticidade alegada pela Autora, dizendo que, no início de maio de 2018, acordou com ela que esta lhe realizaria trabalhos de desmonte de rocha no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., na zona demarcada por estacas, de modo a possibilitar a ampliação do edifício nele existente e, bem assim, limpar um prédio rústico, tudo pelo preço global de 10.000,00 euros, a ser pago: 5.000,00 euros no início da obra, 2.500,00 euros a meio, e o restante no fim da obra; como forma de pagamento das obras acordaram que a Autora ficaria com toda a pedra que extraísse do local; aquando do início dos trabalhos, em maio de 2018, pagou à Autora 5.000,00 euros, e, em dezembro de 2018, entregou-lhe 2.000,00 euros. Invocou a exceção de não cumprimento do contrato, alegando que a Autora não executou os trabalhos nos termos em que tinham sido acordados, posto que não os realizou de acordo com a área delimitada pelas estacas nem à cota acordada. Concluiu pedindo que se julgasse a exceção procedente e que, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente, por não provada. Após suspensão da instância a pedido das partes, com vista a chegarem a um eventual acordo, proferiu-se despacho em que se dispensou a realização da audiência prévia e se ordenou a notificação da Autora para se pronunciar, querendo, quanto à matéria de exceção invocada pelo Réu. Na sequência, a Autora pronunciou-se, impugnando a matéria alegada em sede de exceção, concluindo pela sua improcedência e como na petição inicial. Em 19/09/2022 proferiu-se despacho saneador tabular, fixou-se o valor da causa em 32.528,12 euros, enunciou-se o objeto do litígio, fixou-se os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes. Realizada perícia (cujo relatório foi junto aos autos em 30/10/2023, e os respetivos esclarecimentos em 27/03/2024), teve lugar a audiência final. Em 21/04/025 foi proferida sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente, da qual consta a seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo a presente ação intentada por EMP02... Unipessoal, Lda. contra AA parcialmente procedente e, em consequência, condeno o R. a pagar à A. a quantia global de 11.147,00 euros (onze mil cento e quarenta e sete euros), acrescida dos juros moratórios comerciais, contados desde as datas de vencimento das referidas faturas até integral pagamento da quantia em dívida, absolvendo o R. do demais peticionado. Custas por A. e R. na proporção do respetivo decaimento”. Inconformado com o decidido, o Réu interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões (transcritas pelo aqui relator, dado que as alegações de recurso foram apresentadas em suporte de imagem, o qual se absteve de transcrever as referências ao início e termo dos excertos constantes da gravação nelas identificadas): A- Quanto à matéria de facto: 1- Deve ser considerado como não provado o seguinte facto: «5- A A. realizou no aludido imóvel os trabalhos de desaterro de pedra numa extensão de 570 m3». 2- Desde logo, como consta da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida «as testemunhas inquiridas não demonstraram possuir conhecimento direto acerca da facticidade em análise, relacionada com a extensão dos trabalhos realizados pela A.. 3- Analisada a fundamentação da matéria de facto na sentença recorrida, não é possível verificar os concretos meios de prova em que se baseou o M. Juiz a quo para considerar como provada a quantidade de 570 m3 como trabalhos de aterro em pedra executados pela recorrida. 4- Assim, o M. Juiz a quo considerou este facto como provado apenas porque é essa a quantidade alegada pela recorrida na petição inicial e que consta dos documentos juntos com aquele articulado sob os n.ºs 1 e 3. 5- Do depoimento do legal representante da autora resulta que, no final da obra, não existiu qualquer medição. Ou seja, de acordo com a própria recorrida, o valor de 570 m3 – mesmo que fosse verdadeiro e não é -, surge antes de feito o desaterro, como estimativa. O legal representante da autora afirma, mesmo, que este valor não está correto embora, num depoimento pejado de contradições e de falsidades manifestas, tente fazer crer que a quantidade de desmonte de pedra é superior ao que alegou na petição inicial e consta dos documentos juntos com a p.i. sob os n.ºs 1 e 3. 6- Importa que seja considerado como não provado que «a A. realizou no aludido imóvel trabalhos de desaterro de pedra numa extensão de 570 m3» e que apenas seja considerado como provado que «a A. realizou no aludido imóvel trabalhos de desaterro de pedra», para além de ausência total de prova sobre a extensão da quantidade de pedra extraída, o depoimento do legal representante da autora, BB, prestado no dia 05-08-2025, das 10:06h às 11:16h, ficheiro diligência (…). 7- Face à prova produzida, deveriam ter sido considerados como provados os seguintes factos: c- No início de maior de 2018, o R., acompanhado pelo seu funcionário CC, e o sócio gerente da A. deslocaram-se ao prédio identificado em 2. para este orçamentar o desmonte da rocha necessário à execução da obra. d- A área de intervenção estava, então, marcada no local através da colocação de estacas. e- Então, o sócio gerente da A. apresentou como proposta para executar as duas obras aludidas em 2. e 7. o montante global, total e final de 10.000,00 euros. 8- O M. Juiz a quo considerou que não foi provada facticidade que permitisse concluir no sentido que as partes tivessem convencionado um preço pela execução da empreitada, tendo desconsiderado os depoimentos de parte do legal representante da autora e do recorrido por entender que o interesse que têm no desfecho da ação «permite colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade». 9- No caso concreto, não se poderão comparar as declarações prestadas pelo legal representante da autora, cujas contradições foram evidenciadas, com o depoimento prestado pelo recorrente, sempre seguro, assertivo, fundamentado, sem qualquer contradição e relatando factos confirmados pela testemunha CC. 10- O preço alegado pelo recorrente para a realização dos trabalhos – 10.000,00 euros e a pedra extraída – não é inverosímil, por demasiado baixo, uma vez que excluindo o valor do IVA, temos que a diferença entre o preço alegado pelo recorrente e o preço considerado como justo é de 3.538,00 euros, podendo ser apenas de 2.825,00 euros se considerarmos o valor máximo da pedra extraída. 11- O depoimento prestado pelo recorrente em 18-02-2015, das (…) e o depoimento prestado pela testemunha CC, que prestou depoimento no dia 25-03-2025, das (…), impõe que se considere como provado que: - no início de maio de 2018, o R., acompanhado pelo seu funcionário CC, e o sócio gerente da A. deslocaram-se ao prédio identificado em 2. para este orçamentar o desmonte da rocha necessária à execução da obra. - A área de intervenção estava, então, marcada no local através da colocação de estacas. - Então, o sócio gerente da A. apresentou como proposta para executar as duas obras identificadas em 2. e 7. O montante global, total e final de 10.000,00 euros. 12- Deverá ser considerado como provado que a obra executada pela autora não está concluída, quer no que respeita ao comprimento, quer no que respeita à profundidade. 13- Como resulta da matéria de facto considerada como provada, a obra contratada pelo réu à autora tinha um objetivo muito claro: obter as cotas necessárias à implantação da edificação da ampliação do imóvel existente, de acordo com um projeto devidamente licenciado. 14- O Sr. Perito DD, em relatório adicional, informou que a obra executada pela recorrida não permitia a imediata construção do edifício projetado, o que confirmou nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, através das declarações prestadas no dia 18-02-2025, das (…). 15- O facto de a obra estar inacabada e desapropriada ao fim a que se destinava também é atestado pela testemunha EE, com depoimento gravado no ficheiro (…), arquiteto responsável pela execução do projeto de ampliação do prédio do recorrente, nas seguintes passagens: (…). 16- Importa que seja considerado provado que: «A obra executada pela autora não está concluída, quer no que respeita ao comprimento, quer no que respeita à profundidade»: - o relatório adicional do Sr. Perito; - os depoimentos do Sr. Perito e da testemunha EE, nas passagens suprarreferidas. B- Quanto ao direito 17- Sendo alterada a matéria de facto nos termos pugnados temos que, do preço acordado entre recorrente e recorrida, ainda falta liquidar a importância de 3.000,00 euros, montante que o recorrente tem direito de recusar pagar porque a obra não foi concluída pela recorrida. Sem prescindir, Na hipótese de o recurso sobre a matéria de facto não ser julgado procedente: 18- Como não foi provado qualquer acordo relativo ao momento do pagamento da obra, atento o disposto no n.º 2 do art. 1211º do Código Civil, a obrigação de pagamento do preço apenas venceria no momento da aceitação da obra. 19- Atentas as regras de repartição do ónus da prova e o disposto nos arts. 1208º e 1211º do Código Civil, caberá à recorrida provar que: - Tinha concluído a obra, sem vícios que reduzissem a aptidão para o respetivo uso; - O recorrente tinha aceite a obra – neste sentido cfr., a título de exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em acórdão datado de 25-02-2021, proc. n.º 331/18.3T8TVR.E1, in www.dgsi.pt. 20- Na sentença recorrida não foi considerado como provado que a recorrida tenha concluído os trabalhos acordados, nem que o recorrente tenha aceite a obra, pelo que, não se pode considera vencida a obrigação de pagamento do preço. Ainda sem prescindir, 21- O M. Juiz a quo condenou o recorrente no pagamento da quantia de 11.147,00 euros, com base em critérios e equidade, uma vez que «não resultou demonstrada factualidade que permitisse concluir no sentido de que as partes o tivessem determinado (o preço) ou convencionado o modo de ele ser determinado». 22- Sucede que, o recorrente foi condenado no pagamento de juros desde a data de vencimento das faturas – 18-11-2019 -, tendo o M. Juiz a quo justificado tal condenação da seguinte forma: «Uma vez que o R. deveria ter liquidado o valor em questão na data de vencimento das faturas emitidas pela A., não o tendo feito e sendo tal obrigação a termo certo, o R. incorreu em mora a partir de tais datas (artigos 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Civil». 23- Se, na sentença recorrida, é reconhecido que o valor das faturas reclamadas nos autos não é devido (a condenação é inferior a metade do valor que consta das mesmas), não se entende como pode o M. Juiz a quo ter considerado que a obrigação de pagamento de preço tinha prazo certo, coincidindo com a data de emissão dessas faturas. 24- Acresce que, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 805º do Código Civil, para existir mora, interessa que a obrigação, além de certa e exigível, seja líquida, ou seja, que esteja apurado o exato montante da prestação, pelo que não estando apurado o seu escorreito montante, não se pode afirmar a culpa do devedor no atraso do cumprimento. 25- Como resulta da sentença recorrida, a obrigação a cargo do recorrente não era líquida, dado que o mesmo tinha direito à redução da prestação que lhe estava a ser exigida, não lhe sendo, por isso, imputável a iliquidez da obrigação, apenas existindo mora após o trânsito em julgado da sentença que, eventualmente, venha a condenar o recorrente – neste sentido, cfr., por exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 08-03-2018, proc. n.º 2141/16.3T8VCT.G1, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16-12-2005, proc. n.º 9014/2005-6 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em acórdão datado de 24-04-1998, Proc. n.º 204/95-1, todos in www.dgsi.pt. 26- A sentença recorrida não fez uma correta aplicação do disposto nos arts. 342º, n.º 1, 406º, 428º, 805º, 1208º e 1211º do Código Civil. Nestes termos e nos melhores doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, julgada a ação improcedente, tudo como é de justiça. * A recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.* A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões: a- Se a sentença sob sindicância padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada provada no ponto 5º e, bem assim, quanto à julgada não provada nas alíneas c), d), e) e o), e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe: - quanto à facticidade julgada provada no ponto 5º, julgar apenas como provado que: “A A. realizou no aludido imóvel trabalhos de desaterro de pedra”; - quanto à julgada não provada nas alíneas c), d) e e), julgá-la provada; e - quanto à julgada não provada na alínea o), julgar provado apenas que: “A obra executada pela Autora não está concluída, quer no que respeita ao comprimento, quer no que respeita à profundidade”. b- No caso de procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, se a sentença recorrida padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e julgar a ação improcedente, absolvendo o recorrente do pedido. Independentemente da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto, se a dita sentença, ainda assim, padece de erro de direito, dado que nela se considerou vencida a obrigação que impende sobre o recorrente de pagar à recorrida o preço da obra que realizou, quando não se provou que aquela tivesse concluído a obra, sem vícios que reduzissem a sua aptidão para o respetivo uso, nem que o recorrente tivesse aceite a obra e se, em consequência, se impõe a sua revogação e julgar a ação improcedente, absolvendo o recorrente do pedido. Sem prescindir, se ao considerar que o recorrente se constituiu em mora quanto ao preço da obra executada e liquidado na sentença (11.147,00 euros), a partir da data de vencimento das faturas, a sentença padece de erro de direito, no segmento em que condenou o recorrente a pagar juros de moratórios comerciais sobre a quantia de 11.147,00 euros, contados desde as datas de vencimento das faturas e se, em consequência, se impõe a revogação desse segmento decisório e, em sua substituição, condenar o recorrente apenas a pagar juros moratórios comerciais contados desde o trânsito em julgado da sentença. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação: 1- A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, com intuito lucrativo, à atividade de terraplanagens e construção civil. 2- Por acordo celebrado entre A. e R., em abril ou maio de 2018, aquela obrigou-se a realizar trabalhos de desaterro da pedra existente no lote do R. destinado à construção de um imóvel, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., tendo-se o R., por sua vez, obrigado a pagar à A. o preço devido por tais trabalhos. 3- A A. deu início aos ditos trabalhos em abril ou maio de 2018. 4- A A. deu por concluídos os supramencionados trabalhos em maio de 2019. 5- A A. realizou no aludido imóvel trabalhos de desaterro de pedra numa extensão de 570 m3. 6- A A., a titular os sobreditos trabalhos por si realizados, emitiu a fatura nº ...69, de 14 de novembro de 2019, no valor de € 35.055,00 (trinta e cinco mil e cinquenta e cinco euros), vencendo-se na data da respetiva emissão. 7- Também em abril ou maio de 2018, o R. solicitou à A., mediante contrapartida do preço respetivo, a realização de trabalhos de desaterro e limpeza de um prédio propriedade do primeiro, sito em ..., ..., concelho ..., trabalhos esses que incluíam arrancar os raizeiros. 8- A A. realizou os trabalhos aludidos em 7. em fevereiro de 2019. 9- A A., a titular os trabalhos referidos em 7., emitiu a fatura nº ...70, de 18 de novembro de 2019, no valor de € 676,50 (seiscentos e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos), vencendo-se na data da respetiva emissão. 10- Para pagamento de parte do preço devido pelos supramencionados trabalhos, o R., no dia 18 de junho de 2018, pagou à A. o montante de € 5.000,00, 11- Tendo o R., no dia 14 de dezembro de 2018, concretizado o pagamento à A. da quantia de € 2.000,00. 12- A A. enviou ao R. as faturas referidas, por carta registada, em 22 de novembro de 2019. 13- O R., no dia 27 de novembro de 2019, respondeu por carta registada, dizendo que as faturas em causa não lhe diziam respeito e que as devolvia. 14- Ainda como forma de pagamento das obras, A. e R. acordaram no sentido de que aquela faria sua toda a pedra extraída no local aludido em 2. 15- Após receber a quantia aludida em 10., a A. parou a obra, alegando ora que tinha uma máquina avariada e que estava à espera de uma peça, ora que o manobrador estava de baixa médica. 16- Em 02 de julho de 2018, o R. dirigiu ao sócio gerente da A. carta a dizer o seguinte: “Lamento ter de tomar esta atitude pois acreditei que o Sr. BB iria ser uma pessoa em que se podia acreditar. Há cerca de duas semanas pedi ao Sr. CC que lhe transmitisse que não estava mais disposto às constantes paragens dos trabalhos na pedreira que se encarregou de destruir, informando-o que aplicaria uma multa de 500,00 € por cada dia que não realizasse os trabalhos combinados. Não me interessa ouvir as desculpas que constantemente tem apresentado porque isso não resolve os prejuízos que me tem causado. Por último informo que, se até ao fim da presente semana os trabalhos não estiverem concluídos deverá desvincular-se da obra acordada.”. 17- Como a obra continuou parada e a A. manteve, no local, uma máquina, em 14 de agosto de 2018 o R. voltou a dirigir à A. uma carta registada, com o seguinte teor: “Em princípio de maio o Sr., BB assumiu o compromisso de destruir a pedreira junto a um meu pavilhão onde assumi o compromisso de fazer uma ampliação nas instalações já existentes do meu inquilino FF. Em 2 de julho enviei-lhe uma comunicação escrita lamentando o seu comportamento e onde informei os prejuízos que tal comportamento me estava a causar estabelecendo uma multa de 500,00€ por cada dia que não realizasse os trabalhos combinados. Como neste momento continuo a faltar ao compromisso com o meu inquilino FF e com outros elementos envolventes deste processo, ver-me-ei obrigado a mover-lhe um processo judicial exigindo que retire a máquina existente na pedreira bem como uma indeminização de acordo com a comunicação que lhe fiz em 2 de julho.”. 18- Depois de receber a carta aludida em 17., a A., em setembro de 2018, reiniciou os trabalhos. 19- O prédio aludido em 2. estava pelo R. arrendado a uma sociedade comercial, 20- Tendo esta arrendatária solicitado ao R. a realização de obras de ampliação do edifício, para expansão da sua atividade. 21- Ao que o R., em 2018, acedeu. 22- Sendo necessário, para realizar tal ampliação, proceder aos trabalhos acima aludidos, de desmonte da rocha existente no local. 23- Ulteriormente, a empresa a quem deveria ser arrendado o imóvel aludido em 2. acabou por decidir mudar de local e, por isso, o R. decidiu não concluir a obra de ampliação a que se destinava o desaterro acima referido. 24- Os trabalhos de escavação de pedra realizados pela A. têm um custo de mercado que ronda os € 30,00 por cada m3. 25- O valor de mercado da pedra resultante da escavação realizada pela A. varia entre os € 5,00 por cada m3 e os € 7,50 por cada m3. 26- Os trabalhos referidos em 7., realizados pela A., têm um custo de mercado que ronda os € 1.110,00. * E julgou não provados os seguintes factos:a- No âmbito do acordo aludido em 2., as partes convencionaram que o preço acordado para a referida obra seria no valor de € 28.500,00, acrescido do imposto de IVA. b- Preço esse que devia ser pago por três vezes: no início, em abril de 2018, no meio da obra e no fim da obra, em maio de 2019. c- No início de maio de 2018, o R., acompanhado pelo seu funcionário CC, e o sócio gerente da A. deslocaram-se ao prédio identificado em 2. para este orçamentar o desmonte da rocha necessário à execução da obra. d- A área de intervenção estava, então, marcada no local através da colocação de estacas. e- Então, o sócio gerente da A. apresentou como proposta para executar as duas obras aludidas em 2. e 7. o montante global, total e final de € 10.000,00. f- Sendo a pagar € 5.000,00 no início da obra a realizar na Rua ..., g- € 2.500,00 a meio dessa obra h- e € 2.500,00 no final dessa mesma obra. i- A A. comprometeu-se a executar a obra na Rua ... no prazo máximo de um mês, j- Sendo que a limpeza do prédio rústico deveria ser efetuada logo após. k- Quando a A. reiniciou os trabalhos, nos termos aludidos em 18., fê-lo com paragens constantes, segundo afirmava o seu sócio gerente, por causa da máquina ou por causa do funcionário, entre outras razões. l- Em dezembro de 2018, o sócio gerente da A. afirmou que a obra já estava executada em mais de metade e, por isso, solicitou o pagamento de € 2.500,00, sob pena de voltar a parar a obra. m- Depois de alguma discussão, as partes acordaram no sentido de que o R. apenas pagaria o montante de € 2.000,00, tendo-se a A. comprometido a acabar a obra até ao final do ano. n- Percebeu o R. que, como a A. estava a executar outras obras em que utilizava a pedra retirada do prédio da Rua ..., ia extraindo a pedra à medida das suas necessidades, poupando, assim, no respetivo transporte e armazenamento. o- A obra executada pela A. não está concluída, pois não está executada de acordo com as estacas colocadas quando da respetiva adjudicação, quer no que respeita ao comprimento, onde tem menos um metro, quer no que respeita à profundidade, onde também tem menos um metro. p- O R. comunicou à A que só pagaria o montante que faltava liquidar (€ 3.000,00) quando esta concluísse a obra. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAA- Da impugnação do julgamento da matéria de facto A.1- (In)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto O recorrente assaca erro ao julgamento da matéria de facto realizado na sentença quanto à facticidade julgada provada no ponto 5º e, bem assim, à julgada não provada nas alíneas c), d), e) e o), pelo que se impõe indagar se deu cumprimento aos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, enunciados, de modo taxativo, no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, dado que, em caso de incumprimento, tal impedirá que o tribunal ad quem possa entrar no conhecimento da impugnação. Estabelece o art. 640º que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (sublinhado nosso). As disposições acabadas de transcrever enunciam os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, cujo cumprimento são impostos ao recorrente com a finalidade de evitar a interposição de recursos de pendor genérico e à salvaguarda cabal do princípio do contraditório, uma vez que o recorrido apenas ficará habilitado de todos os elementos necessários a organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, quando lhe seja dado a conhecer: a concreta materialidade fáctica julgada provada e/ou não provada pela 1ª Instância que é impugnada pelo recorrente; qual a específica decisão que, na sua perspetiva, deverá recair sobre essa matéria; quais os concretos elementos de prova em que funda a impugnação; e, bem assim, qual a lógica de raciocínio percorrida na valoração e conjugação daqueles meios de prova, de modo a evidenciar que o raciocínio probatório seguido pela 1ª Instância é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova, ou seja, que é inconsistente, e antes inculca a versão dos factos que propugna, por ser a que, na sua perspetiva, atinge o patamar da probabilidade prevalecente[2] . Acresce precisar que, atento o disposto no n.º 4 do art. 635º do CPC, as conclusões exercem a função essencial de delimitação do objeto do recurso, sendo nelas fixado o thema decidendum a que o tribunal ad quem vê a sua atividade decisória balizada (a quem não é lícito conhecer de questão não suscitada nas conclusões, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, salvo tratando-se de questão de conhecimento oficioso - arts. 608º, n.º 2 e 615º, n.º 1, al. d)). Dito por outras palavras, o recorrente tem, nas conclusões, de indicar, de forma rigorosa, os concretos pontos da matéria de facto julgada provada e/ou não provada que impugna. Ou seja, nas conclusões de recurso o recorrente tem de dar cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. a) do n.º 1 do art. 640º do CPC, especificando os concretos pontos da matéria de facto que impugna, sob pena de se ter de rejeitar a impugnação do julgamento da matéria de facto, por falta de objeto. Quanto aos restantes ónus impugnatórios primários das als. b) e c) do n.º 1 e secundários da al. a) do n.º 2, ambos do art. 640º, na medida em que não exercem uma função individualizadora das questões submetidas pelo recorrente ao tribunal ad quem, não têm/devem constar das conclusões de recurso, mas sim da motivação[3]. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, analisadas as alegações de recurso verifica-se que o recorrente deu cumprimento suficiente a todos os enunciados ónus impugnatórios, na medida em que discriminou, nas conclusões, os concretos pontos do julgamento da matéria de facto que impugna (ponto 5º dos factos provados e alíneas c), d), e) e o) dos não provados); na motivação de recurso (e, inclusivamente, nas conclusões) indicou: os concretos meios probatórios em que funda a impugnação; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o pontos e as alíneas que impugna; e, finalmente, quanto à prova gravada, identificou o início e o termo da gravação onde constam os excertos dos depoimentos em que funda a impugnação. Destarte, do ponto de vista do cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, dado que o recorrente lhes deu suficiente cumprimento (o que nem sequer vem questionado pela recorrida), não existe qualquer impedimento processual a que esta Relação entre na sua apreciação. A.2- Parâmetros a que deve obedecer a reapreciação do julgamento da matéria de facto pela Relação e em que lhe é consentido alterá-lo Antes de entrarmos na apreciação dos concretos erros de julgamento da matéria de facto que o recorrente assaca à sentença, impõe-se enunciar os parâmetros a que deve obedecer a reapreciação pelo tribunal ad quem dos pontos da matéria de facto julgada provada e/ou não provada que impugna e os critérios em que lhe é consentido proceder à sua alteração. Da conjugação do regime constante dos arts. 635º, n.º 4, 640º e 662º do CPC resulta que, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova (que é o princípio regra vigente no direito processual civil nacional), a Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria tem de realizar um novo julgamento; nele tem de formar a sua convicção de forma autónoma; para a formação dessa sua convicção não só reaprecia os meios de prova especificados por recorrente e recorrido, respetivamente, nas alegações e contra-alegações de recurso, mas todos os que lhe sejam acessíveis e que, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda serem pertinentes para formar uma convicção segura; sem prejuízo das limitações que decorrem da falta de imediação e de oralidade, o novo julgamento a realizar pelo tribunal de recurso não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, gozando, por isso, esta dos mesmos poderes atribuídos à 1ª instância, podendo, nomeadamente, na formação da sua convicção (autónoma) recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o julgador a quo[4]; na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando se suscitarem dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida; sempre que, reapreciando a prova produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, e através das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica o tribunal de recurso consiga relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo; no entanto, em caso de dúvida sobre o julgamento da matéria de facto por ele realizado, nomeadamente, perante depoimentos contraditórios e a fragilidade da prova produzida, se o julgamento da matéria de facto se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde se optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, deverá prevalecer esse julgamento de facto, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[5]. Neste sentido, estabelece o art. 662º, n.º 1 do CPC que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (destacado nosso), do que resulta que, para que o tribunal ad quem possa alterar o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo não é suficiente que a prova produzida indicada pelo recorrente, isolada ou conjuntamente com a demais prova que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento da matéria de facto que propugna, mas antes é necessário que o imponha. O referido comando tem plena justificação quando se pondera estar-se na presença de facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que, tendo presente esse princípio, bem como os da imediação, da oralidade e da concentração e a consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade prevalecente e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar totalmente a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, nem desconsiderar que a imediação, a oralidade e a concentração da prova de que beneficiou tornaram-lhe percetíveis determinadas realidades relevantes para a formação de uma convicção segura, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem, através da audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final. Por isso, a Relação apenas pode/deve alterar o julgamento da matéria de facto quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova constante do processo que entenda pertinente para a formação de uma convicção segura, conclua, com a necessária segurança que a prova pessoal produzida em audiência final, conjugada com a restante prova (documental, pericial e/ou por inspeção), uma vez submetida às regras do normal acontecer, da ciência ou da técnica apontam numa direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, por infirmar os termos do raciocínio probatório por esta adotado, evidenciando ser injustificado e inconsistente, e antes aponta para outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente[6]. Em caso de dúvida, nomeadamente, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida deverá fazer prevalecer a decisão da matéria de facto da 1ª Instância, em observância aos enunciados princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso da matéria de facto[7]. Estabelecidos os parâmetros que se acabam de enunciar, urge entrar na apreciação da concreta impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente. A.3- Impugnação da facticidade julgada provada no ponto 5º A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade: “5- A A. realizou no aludido imóvel trabalhos de desaterro de pedra numa extensão de 570 m3”. E motivou/fundamentou esse julgamento do seguinte modo: “A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial realizada, das declarações e do depoimento de parte prestados, da prova documental carreada para os autos e da prova testemunhal produzida. No que se refere às declarações e depoimento de parte prestados pelo R. e às declarações de parte prestadas pelo legal representante da A. o tribunal entende que, dado o óbvio interesse que estes demonstram no desfecho desta ação, o que sempre permite colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade, apenas poderá atribuir-lhes relevância nas partes que constituam confissão de factos desfavoráveis aos mesmos e nas que se encontrem confirmadas por outros elementos probatórios. (…). No que respeita à extensão dos trabalhos realizados pela A., deverá ter-se presente que no âmbito do relatório pericial realizado se considerou que o desaterro realizado no local aludido em 2. teve uma extensão de 1.205,06 m3. Importa, porém, considerar que, como foi reconhecido pelo legal representante da A. no âmbito das declarações de parte que prestou, tendo ainda sido confirmado pela testemunha GG (que trabalha para a A., sendo filho do sócio gerente desta sociedade comercial), os trabalhos em causa, realizados pela A., não englobaram uma área, com cerca de 247,37 m3, retratada nas fotografias juntas aos autos como sendo correspondente a jardim, a qual tinha sido anteriormente intervencionada por uma outra empresa que não a aqui A. Diga-se que a medição da área correspondente ao aludido jardim foi realizada pelo Sr. perito (cfr. requerimento com a ref.ª ...43). Assim sendo, o terreno onde a A. desenvolveu os seus trabalhos tinha uma área, não de 1.205,06 m3, como consta do relatório pericial, mas de 957,69 m3. Ainda assim, aquela área de 957,69 m3 é substancialmente superior à área invocada pela própria A., que, como se viu, alegou que os trabalhos por si realizados tiveram uma extensão de apenas 570 m3. No que a esta questão respeita, temos que o legal representante da A., no decurso das suas declarações de parte, alegou que a referência à extensão de 570 m3 feita nos documentos nºs 1 e 3 juntos pela A. aos autos se tratou de mero lapso seu, referindo que a A. realizou trabalhos numa extensão de 900 m3 a 1000 m3. Diga-se que o legal representante da A., nesta parte das declarações por si prestadas, se revelou extremamente inseguro, tendo entrado em contradição por variadas ocasiões. Assim, quando questionado sobre o valor atribuído pela A. a cada metro cúbico, o legal representante da A. começou por dizer que tinha acordado com o R. no sentido de tal valor se situar entre os “trinta euros e os trinta e tal euros” por cada metro cúbico, num total de cerca de € 30.000,00. Mais à frente, o legal representante da A., nas declarações de parte que prestou, disse que o valor acordado, afinal, andaria entre os trinta e cinco euros por cada metro cúbico e os quarenta euros por cada metro cúbico, num total que variava entre os € 35.000,00 e os € 40.000,00. Perante tamanhas contradições, o tribunal nunca poderia, nesta parte, valorar o declarado pelo legal representante da A. As testemunhas inquiridas não demonstraram possuir conhecimento direto acerca da factualidade em análise, relacionada com a extensão dos trabalhos realizados pela A., apenas tendo a testemunha HH referido que o legal representante da A. lhe comunicou que a descrição dos metros cúbicos constante dos documentos n.ºs 1 e 3 juntos pela A. estaria incorreta. A verdade é que, analisado o teor dos documentos n.ºs 1 e 3 juntos pela A., se constata que aí consta a referência a trabalhos de “desaterro em pedra com 570 m3”, sendo o preço atribuído a tais trabalhos no valor global de € 28.500,00. Considerando aqueles valores, a tese de que a referência feita à extensão de 570 m3 se tratou de mero lapso não se afigura minimamente credível. De facto, se dividirmos aqueles € 28.500,00 por 570 m3 chegamos ao valor por cada metro cúbico de exatamente € 50,00. Assim sendo, parece evidente que a A., efetivamente, pretendeu incluir nos aludidos documentos trabalhos de desaterro em pedra numa extensão de 570 m3, aos quais atribuiu o valor de € 50,00 por cada metro cúbico, num total de € 28.500,00. Caso o lapso invocado pela A. tivesse ocorrido e considerando os valores por metro cúbico mencionados pelo seu legal representante no decurso das suas declarações de parte (que variaram entre os € 30,00 por m3 e os € 40,00 por m3), então o valor total constante dos aludidos documentos teria de ser inferior ao aí apresentado. Deverá também ser devidamente relevado o facto de a parcela de terreno onde decorreram os mencionados trabalhos de desaterro de pedra não ser composta, na sua totalidade, por pedra. De facto, como confirmaram o R., no âmbito das declarações e do depoimento de parte que prestou, o legal representante da A., no decurso das suas declarações de parte, e as testemunhas II (que foi trabalhador da A., tendo estado na obra aludida em 2.), GG, CC e EE (arquiteto que prestou serviços para o aqui demandado, sendo que o R. é avô do filho desta testemunha), a parcela de terreno em causa era composta por pedra, que designaram de “pedra dura”, mas também por saibro. Isso mesmo vem confirmado pelo teor das fotografias juntas com os requerimentos com as ref.ªs ...24 e ...63, onde se pode ver que a parcela de terreno em causa, ainda que maioritariamente fosse composta por massas de pedra compacta, também era composta por saibro e terra. No relatório pericial, o Sr. perito calculou o custo por metro cúbico dos trabalhos realizados pela A. no pressuposto de toda a extensão intervencionada ser composta por rocha. Nos esclarecimentos por si prestados, por escrito e na audiência final, o Sr. perito mencionou que o terreno em causa era constituído, maioritariamente, por pedra, admitindo que houvesse alguma terra e saibro, desconhecendo, porém, qual a percentagem de cada material existente nessa parcela de terreno. Importa ainda mencionar que, como foi corroborado pelo legal representante da A. no decurso das suas declarações de parte e pela testemunha GG, os trabalhos desenvolvidos pela A. nas partes do terreno composto por rocha maciça foram muito diferentes dos trabalhos realizados nas partes do terreno composto por saibro ou terra, pois que enquanto o saibro e a terra são facilmente removidos com a mera aplicação da pá da máquina retroescavadora, a remoção da rocha maciça é bastante mais difícil, implicando a utilização de outra maquinaria para além da máquina retroescavadora (compressor, darda, alhetas, etc.) e de materiais como o cimento expansivo. Perante o exposto, entende este tribunal que a referência feita pela A., nos documentos nºs 1 e 3 juntos com a petição inicial, a 570 m3 de trabalhos de desaterro em pedra não se deveu a um lapso, antes se tratando da área contabilizada pela A. relativa aos trabalhos, por si realizados, que envolveram o corte e extração de pedra maciça, tendo a A. desconsiderado os trabalhos de desaterro que não envolveram o corte e extração de pedra. Diga-se que na petição inicial a A. alegou ter realizado trabalhos de desaterro de pedra naquela extensão de 570 m3, nunca tendo, mesmo depois de notificada do relatório pericial, vindo requerer a retificação de um qualquer eventual lapso ou a alteração do pedido e/ou da causa de pedir. Assim sendo, considerando o princípio do dispositivo a que alude o artigo 5º do CPC, sendo certo que, nos termos do estipulado pelo artigo 609º, n.º 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, nunca poderia, s.m.o., este tribunal considerar que os trabalhos em causa foram numa extensão superior à invocada pela própria A. Tal questão, porém, não se coloca, pois que, como se viu, resultou demonstrado que os trabalhos realizados pela A., relacionados com a realização do aludido desaterro em pedra, tiveram uma extensão de 570 m3, tal como alegado pela aqui demandante. Assim, considerando o acima exposto, sempre deveria a factualidade inserida no ponto 5. ser dada como provada”. O recorrente impugna a facticidade assim julgada provada sustentado que, como consta da fundamentação da matéria de facto exarada na sentença, as testemunhas inquiridas demonstraram não possuir conhecimento direto sobre a extensão dos trabalhos realizados; a recorrida alegou ter acordado com o recorrente que iria realizar, e ter realizado, um desaterro de pedra com 570 m3; na perícia concluiu-se que o desaterro de pedra realizado foi de 1.205,06 m3; o legal representante da recorrida tentou passar a ideia que a quantidade de 570 m3 de desaterro de pedra alegada na petição inicial e constante dos documentos juntos com esta se tratava de um mero lapso, uma vez que tal área se situaria entre os 900 m3 e os 1.000 m3 e, segundo ele, no final da obra não foi realizada qualquer medição à pedra que foi extraída na sequência da empreitada. Com base argumentário acabado de referir, conclui não ter sido feita qualquer prova sobre a extensão do desaterro de pedra realizado pela recorrida e, bem assim, que, analisada a fundamentação da matéria de facto constante da sentença não é possível alcançar quais os concretos meios de prova em que se baseou o juiz a quo para considerar provada a quantidade de 570 m3, que não fossem os documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 1 e 3. Que dizer? Antes de mais, cumpre referir que, lida a motivação/fundamentação constante da sentença, prefigura-se-nos que dela se retira linearmente que o Senhor Juiz a quo fundamentou a facticidade que jugou provada no teor do relatório pericial junto aos autos em 30/10/2023 (em que o Senhor perito concluiu que: “Analisando o registo topográfico realizado é possível ter a perceção que o volume escavado (1.205,06 m3) foi em rocha); a consideração que os trabalhos realizados pela recorrida não englobaram uma área, com cerca de 247,37 m3, correspondente a jardim, que tinha anteriormente sido já intervencionada (conforme é corroborado pelos elementos de prova que nela identifica), pelo que o volume de pedra escavado ficava reduzido a 957,69 m3; a consideração que esse volume não fora o alegado na petição inicial, pelo que, tratando-se de facticidade essencial integrativa da causa de pedir que fora alegada naquele requerimento inicial, o tribunal encontrava-se adstrito ao volume de pedra alegado, por via do princípio do dispositivo, ou seja, aos 570 m3; e, finalmente, que em todo o caso, resulta da prova produzida (que identifica) que a área intervencionada não era toda em pedra, mas incluía saibro e terra, pelo que o valor alegado tem de ser considerado provado. Destarte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não é certo que, na fundamentação do julgamento da matéria de facto exarado na sentença o Mm.º Juiz a quo não tivesse identificado os concretos fundamentos probatórios em que alicerçou a sua convicção e o raciocínio que a partir deles fez para ter julgada provada a facticidade do ponto 5º. Acresce que, da alegação do recorrente parece resultar que, na sua perspetiva, para que fosse consentido ao julgador dar determinado facto controvertido como provado teria de ser produzida prova inabalável e irrefutável quanto à sua verificação, o que não colhe, nem podia colher, à luz do regime legal vigente. Se assim fosse, tratando-se de reconstituir factos/eventos que, a maioria das vezes, são passados e, inclusivamente, futuros, mas raramente presentes, naturalmente que num processo de natureza litigiosa, em que cada parte apresenta a sua versão dos factos, e promove as diligências de prova que entende pertinentes no intuito de convencer o julgador acerca da realidade da sua versão, em que as provas, amiúde vezes apontam para sentidos divergentes, nunca, ou raramente, o tribunal estaria em condições de poder realizar a justiça, tutelando os direitos e os legítimos interesses de quem a ele recorre. Sucede que, como já salientava Manuel de Andrade, a prova dos factos que interessa ao direito “não é a certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”[8], devendo o facto controvertido ser julgado provado ou não provado de acordo com uma regra de decisão (standard) que é móvel, mas que, em regra, é o do grau da probabilidade prevalecente, isto é, se face à prova produzida for mais provável que o facto se tenha verificado do que a hipótese inversa, aquele deverá ser julgado provado, impondo-se que seja julgado não provado na hipótese inversa. Neste sentido expendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa que: “Um standard de prova consiste numa regra de decisão que indica o nível de corroboração de uma hipótese de facto para que tal hipótese possa considerar-se provada, ou seja, para que possa ser aceite como verdadeira. Em regra, no processo civil, esse standard é o da probabilidade prevalecente (more-likely-than-not). Se, após a valoração da prova não for atingido tal patamar ou se as provas produzidas pelas partes forem equivalentes, no sentido de que inexistem parâmetros concretos que justifiquem a prevalência da credibilidade de umas sobre as da contraparte, entra em campo a solução prescrita” no art. 414º do CPC. Adiantam que: “O preceito não se destina a resolver eventuais dúvidas quanto à distribuição do ónus da prova. Tais dúvidas, quando existam, implicam um esforço interpretativo prévio no sentido da sua superação e apenas quando daí não se extrair um resultado inequívoco se poderá asseverar que o ónus da prova pertence à parte a quem o facto aproveita (art. 342º, n.º 3 do CC). A regra do art. 414º apenas opera, se necessário, em momento posterior à valoração da prova, não bastando para a sua aplicação a apresentação de contraprova nos termos do art. 342º do CC”[9]. Isto posto, deixa-se expresso que procedemos à análise de toda a prova documental e pericial junta aos autos e à audição integral da prova pessoal produzida em audiência final. Está em causa determinar o volume de pedra extraída pela recorrida (Autora) no terreno por si terraplanado na execução do contrato de empreitada que celebrou com o recorrente. Na petição inicial, a recorrida alegou que esse volume de pedra extraída ascendeu a 570 m3, que é o volume que inscreveu no orçamento (não assinado pelas partes) junto em anexo àquele articulado inicial como doc. 1, e na fatura também a ele junta como doc. 3. Conforme foi certeiramente considerado pelo juiz a quo em sede de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto, os metros cúbicos de pedra extraída pela recorrida na execução do contrato de empreitada celebrado consubstancia facto essencial integrativo da causa de pedir invocada na petição inicial e em que a recorrida sustentou o pedido condenatório do recorrido que aí formulou. Por isso, por via do princípio do dispositivo, nos termos do art. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC, em sede de julgamento da matéria de facto, o julgador vê a sua atividade decisória delimitada ao concreto volume de pedra extraída que foi alegado pela recorrida na petição inicial (570m3), não lhe sendo consentido dar como provado volume superior, ainda que se prove. Com vista a determinar o volume de pedra extraída pela recorrida na execução do contrato de empreitada, porque se trata de apurar facto passado, que demanda conhecimentos iminentemente técnicos (a obra já tinha sido executada), foi requerida e deferida a realização de uma perícia, cujo relatório foi junto aos autos em 30/10/2023. No identificado relatório, ao primeiro quesito formulado pela recorrida o Senhor perito respondeu: “1- De acordo com o levantamento topográfica realizado por perito topógrafo, o desaterro foi de 1.205,06 m2”; e ao 2º respondeu: “Analisando o registo topográfico e o levantamento topográfico realizado é possível ter a perceção que o volume escavado /1.205,06 m3) foi em rocha”. O referido relatório pericial foi alvo de pedido de esclarecimentos, e, nessa sequência o Senhor perito juntou aos autos, em 27/03/2024, relatório adicional em que esclareceu: “O trabalho do perito topógrafo incidiu na realização do levantamento topográfico do terreno atual e a sobreposição desse levantamento com o levantamento topográfica do terreno existente na Câmara Municipal (onde apresentava o estado do terreno antes da intervenção). Com essa sobreposição o perito topógrafo obteve o volume a escavar de 1.205,26 m3. Importa referir que a consideração do tipo de material da escavação resulta da análise das fotografias durante a fase da obra apresentadas ao perito, onde se visualiza que praticamente todo o terreno era em pedra, bem como da análise da inspeção ao local, onde essa mesma pedra é visível em praticamente todo o talude do terreno”. Logo, resulta do teor da prova pericial que se acaba de identificar que o volume de 1.205,26 m3 de pedra escavada e extraída pela recorrida na execução do contrato de empreitada que celebrou com o recorrente foi determinado pelo Senhor perito de acordo com o seguinte método de trabalho: a) sobreposição do levantamento topográfico fornecido pela Câmara Municipal ..., junto ao processo de licenciamento da obra de ampliação de um pavilhão, propriedade do recorrente e que tinha arrendado a uma sociedade (o qual retrava - ou devia retratar - o estado, incluindo, perfil – cotas de nível - do terreno antes da intervenção realizada pela recorrida na execução do contrato de empreitada), a um outro levantamento topográfico, que o Senhor perito mandou executar e que representa o atual estado do prédio, ou seja, após a execução dos trabalhos pela recorrente; b) análise das fotografias que se encontram juntas aos autos, as quais retratam o prédio antes, aquando e após a intervenção da recorrida (cfr. fotografias juntas aos autos em 27/02/2023 e 11/03/2023), em que constatou que praticamente todo o terreno do prédio era constituído por pedra, facto esse que confirmou aquando da inspeção ao local que realizou no âmbito da perícia, altura em que verificou existir pedra visível em praticamente todo o talude do terreno intervencionado pela recorrida. O que se acaba de dizer foi corroborado pelo Senhor perito, DD, nos esclarecimentos que prestou em audiência final, em que referiu ter sido realizado um levantamento topográfico ao prédio intervencionado pela recorrida, retratando o estado atual daquele (após a intervenção da recorrida) e sobrepôs esse levantamento topográfico ao que foi fornecido pela Câmara Municipal ... e que se encontra junto ao processo de licenciamento relativo à ampliação de um pavilhão nele existente e que foi realizado em outubro de 2017, o qual retrata (ou devia retratar) a situação ou estado do prédio no momento em que aquele pedido de licenciamento deu entrada na Câmara Municipal ..., ou seja, antes da intervenção da recorrida). Analisou as fotografias juntas aos autos, que retratam o estado do prédio antes, no decurso e após a intervenção, as quais demonstram que apesar do terreno estar coberto de vegetação, é constituído sobretudo por pedra, o que também corroborou aquando da inspeção que a ele fez. Foi a partir do descrito método de trabalho que valorizou a quantidade de pedra extraída do prédio pela recorrida, na execução do contrato de contrato de empreitada em 1.205,06 m3. Acontece que, quando questionado sobre se no cálculo do volume de pedra extraído pela recorrida do prédio (1.205,06 m3), considerou a área ajardinada retratada na fotografia junta aos autos antes da intervenção nele realizada pela recorrida e onde, numa outra fotografia que retrata o mesmo prédio antes daquela intervenção, se veem veículos automóveis estacionados, o Senhor perito referiu “pensar” que sim, mas não ter a certeza, para o que teria de analisar novamente os levantamentos topográficos, as fotografias e o relatório pericial. E, quando questionado sobre se a zona ajardinada era também constituída por pedra, o Senhor perito respondeu afirmativamente. Perante as insistências sobre se podia garantir que a zona ajardinada, e toda a área intervencionada pela recorrida era constituída por pedra, se não tinha saibro ou terra, referiu, nomeadamente: “olhando para a parte do jardim não posso dizer (garantir) se há ou não pedra”; “pelo perfil geotécnico a zona do jardim também tinha um perfil de pedra”. “É verdade que não pode dizer se o terreno era 10% de terra e 90% de pedra, ou 20% de terra e 80% de pedra, ou outros valores”; “não pode garantir, em absoluto, o volume de pedra retirado, porque não viu – não esteve lá”. “O que pode dizer é que era sobretudo pedra”. Finalmente, ante as múltiplas insistências, acabou por afirmar que, mesmo admitindo que no cálculo do volume de pedra extraída pela recorrida (1.205,06 m3) considerou a zona ajardinada, o diferencial entre esse valor com o que consta inscrito na fatura junta pela recorrida com a petição inicial (e nela alegado - 570 m3), a pedra retirada da zona do jardim nunca podia atingir o diferencial entre esses dois valores (635 m3), e concretizou essa afirmação dizendo que a zona do jardim é pequena relativamente à restante área do terreno onde os trabalhos foram executados. Acontece que, na sequência dos esclarecimentos vindos a referir foi requerido (e deferido) que o Senhor perito informasse se, no volume de pedra extraída que contabilizou no relatório pericial (1.205,06 m3) estava (ou não) contabilizada a zona do jardim e, no caso positivo, para que indicasse qual a pedra contabilizada naquele volume por si indicado que respeita à zona do jardim. Na sequência, em 06/03/2025, o Senhor perito juntou aos autos esclarecimentos, em que confirmou que no volume de 1.205,06 m3 de pedra extraída tinha contabilizado a zona do jardim e, bem assim, que: “Após análise e sobreposição do levantamento topográfico existente no processo camarário com o levantamento realizado no dia da peritagem ao local, estima-se que o referido volume de jardim é de 247,37 m3”. A propósito da zona de jardim vinda a referir, o recorrente, AA, em sede de depoimento e declarações de parte, referiu que essa zona já tinha sido terraplanada pelo seu inquilino antes da recorrida ter intervencionado o terreno na sequência do contrato de empreitada que com ela celebrou, o que foi confirmado pelo legal representante da recorrida, em sede de declarações de parte, BB, e, bem assim, pelas testemunhas GG (funcionário da recorrida há 8/10 anos, e filho do legal representante desta, onde exerce a atividade de manobrador de máquinas e que disse ter sido ele quem efetuou os trabalhos de desaterro no prédio propriedade do recorrente) e CC (funcionário administrativo do recorrente há vinte anos, no âmbito do que afirmou elaborar contratos de arredamento, receber rendas, emitir recibos de renda, participar em reuniões de condóminos, etc., em virtude do recorrente ser proprietário de múltiplos prédios). Em face do exposto, impõe-se concluir que a zona do jardim não foi efetivamente intervencionada (desaterrada ) pela recorrida na sequência do contrato de empreitada que celebrou com o recorrente (apesar de, no processo de licenciamento da obra de ampliação do armazém que apresentou junto da Câmara Municipal ..., ter junto um levantamento topográfico em que essa zona figurava como não estando então intervencionada), pelo que o volume de pedra alegadamente extraída dessa zona e que foi considerada pelo Senhor perito no cálculo do volume de pedra extraída do prédio pela recorrida na execução do contrato de empreitada (1.205,06 m3) tem de ser subtraído o volume de pedra contabilizada referente à zona ajardinada (247,37 m3). Aqui chegados, tendo em consideração o método seguido pelo senhor perito para calcular o volume de pedra extraída pela recorrida na execução do contrato de empreitada (sobreposição do levantamento topográfico fornecido pela Câmara Municipal ..., junto ao processo de licenciamento da obra de ampliação do armazém – o qual, com exceção da zona do jardim, retrata o terreno antes da intervenção realizada pela recorrida – com o levantamento topográfico que aquele mandou fosse realizado a esse mesmo terreno – que retrata o estado em que este se encontra, na sequência da intervenção efetuada da recorrida; análise das fotografias que se encontram juntas aos autos, as quais retratam a zona intervencionada do prédio antes, no decurso e após a realização dos trabalhos, em que se vê que este é constituído, sobretudo/principalmente por pedra, o que também foi confirmado pelo próprio Senhor perito na inspeção que realizou ao local), nada há a objetar a esse método de trabalho, nem aos volumes de pedra por ele calculados como tendo sido extraídos pela recorrida da área intervencionada na execução do contrato de empreitada e, bem assim, da zona ajardinada (esta não intervencionado e cujo volume de pedra tem, por isso, de ser deduzido aos 1.205,06 m3 calculados pelo perito). Na verdade, tratando-se de calcular um volume de pedra que foi extraída pela recorrida na execução do contrato de empreitado e que, por isso, à data da realização da perícia e, inclusivamente, à data da instauração da presente ação, era já passado, não se descortina outro método adequado para se determinar o volume de pedra extraída. Os levantamentos topográficos representam os limites de um determinado terreno e o respetivo relevo. O levantamento topográfico junto pelo recorrente ao processo de licenciamento de ampliação do armazém existente no prédio intervencionado pela recorrida, representa (ou devia representar) o estado do prédio em que essa obra a licenciar devia ser executada. Por isso, o dito levantamento topográfico, com exceção da zona ajardinada, representa o estado do prédio intervencionado pela recorrida antes da intervenção. Por sua vez, o levantamento topográfico que o Senhor perito mandou fosse executado no âmbito da perícia que realizou representa o atual estado do prédio. Toda a prova produzida é concordante no sentido de que, após a intervenção realizada pela recorrida, o prédio não foi alvo de qualquer outra intervenção, pelo que o levantamento topográfico em causa representa o estado do prédio na sequência da intervenção que nele foi realizada pela recorrida. A sobreposição dos dois levantamentos topográficos, permite que um técnico devidamente apetrechado (como é o caso do senhor perito, que é engenheiro civil), possa, com rigor científico, não só determinar a área intervencionada pela recorrida em termos de comprimento e largura, como também em termos de profundidade, e assim determinar o volume de pedra, saibro e/ou terra que dele foi extraído na intervenção realizada pela recorrida. Quanto às caraterísticas do terreno na área intervencionada, as fotografias juntas aos autos confirmam que aquele era (e é) constituído, principalmente, por pedra, o que também foi constatado pelo Senhor perito na inspeção que realizou ao prédio no âmbito da perícia, o que tudo não invalida que essa área também seja constituída por saibro e terra. E igual conclusão se impõe extrair quanto à zona ajardinada (não intervencionada pela recorrida, mas anteriormente, pelo arrendatário do armazém nele existente) uma vez que essa zona se situa no seguimento do terreno intervencionado, apresentando, por isso, caraterísticas geológicas necessariamente iguais/idênticas. Por conseguinte, atento o standard de prova da probabilidade prevalecente é mais provável que o volume de pedra extraída pela recorrida do prédio propriedade do recorrente, na execução do contrato de empreitada que celebraram ascenda a 957,69 m3 (1.205,06 m3 – 247,37 m3) que a hipótese inversa. Acontece que, atento o princípio do dispositivo, que não consente ao juiz que julgue como provado um volume de pedra extraída superior ao que foi alegado na petição inicial, a prova produzida não impõe que se julgue como não provada a facticidade do ponto 5º, mas antes que seja julgada provada. Decorre do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso que o recorrente assaca ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª instância quanto à facticidade julgada provada no ponto 5º, que assim se mantém inalterada. A.4- Impugnação da facticidade julgada não provada nas alíneas c), d) e e) O julgador a quo julgou como não provados os seguintes factos: “c- No início de maio de 2018, o R., acompanhado pelo seu funcionário CC, e o sócio gerente da A. deslocaram-se ao prédio identificado em 2. para este orçamentar o desmonte da rocha necessário à execução da obra. d- A área de intervenção estava, então, marcada no local através da colocação de estacas. e- Então, o sócio gerente da A. apresentou como proposta para executar as duas obras aludidas em 2. e 7. o montante global, total e final de € 10.000,00”. E motivou/fundamentou as mencionadas respostas negativas nos termos seguintes: “A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial realizada, das declarações e do depoimento de parte prestados, da prova documental carreada para os autos e da prova testemunhal produzida. No que se refere às declarações e depoimento de parte prestados pelo R. e às declarações de parte prestadas pelo legal representante da A. o tribunal entende que, dado o óbvio interesse que estes demonstram no desfecho desta ação, o que sempre permite colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade, apenas poderá atribuir-lhes relevância nas partes que constituam confissão de factos desfavoráveis aos mesmos e nas que se encontrem confirmadas por outros elementos probatórios. (…) Quanto aos factos inseridos nas alíneas a. a c. e e. a h., respeitantes ao preço acordado entre as partes para os trabalhos em causa, temos que o legal representante da A., no âmbito das declarações de parte que prestou, apresentou, como já se aludiu, uma versão muito pouco convincente, tanto dizendo que as partes acordaram no sentido de atribuir a esses trabalhos o valor por metro cúbico de € 30,00, como dizendo que tal valor deveria ascender a € 45,00. Sem surpresa, o R., no âmbito das declarações e depoimento de parte que prestou, apresentou, no que à dita factualidade respeita, uma versão mais conforme com a por si alegada na contestação. A testemunha CC também apresentou uma versão consonante com a alegada pelo R. Ora, se é certo que as declarações prestadas pelo legal representante da A. a este respeito, face às contradições acima referidas, nenhuma relevância assumiram para a formação da convicção do tribunal, também é certo que o declarado pelo R. e, bem assim, pela testemunha CC nunca poderia ser relevado pelo tribunal, designadamente, no sentido de permitir concluir pela veracidade da factualidade inserida nas alíneas e. a h. Na verdade, como resulta do teor do relatório pericial junto aos autos, o preço pelo R. invocado para a realização dos trabalhos em discussão (€ 10.000,00), mesmo considerando que a A. poderia fazer sua a pedra retirada do local aludido em 2., mostra-se demasiadamente baixo, não sendo minimamente verossímil a versão de que a aqui A. tivesse aceitado realizar todos os trabalhos acima referidos mediante o recebimento de apenas € 10.000,00 e da pedra que lograsse retirar daquele local. Importa ainda considerar que nenhum elemento probatório documental foi junto aos autos com aptidão a demonstrar qual das versões se mostra conforme com a realidade. De facto, os documentos n.ºs 1 e 2 juntos pela A. não se mostram assinados pelo R., tratando-se de documentos elaborados pela própria A. sem qualquer intervenção do R. Assim sendo, nunca poderiam tais documentos ser considerados elementos probatórios demonstrativos da veracidade da factualidade constante das alíneas a. e b. Perante o exposto, entendo que não foi produzido qualquer elemento de prova apto a demonstrar a veracidade de qualquer uma das aludidas versões apresentadas pelas partes, pelo que sempre deveria a factualidade constante das alíneas a. a c. e e. a h. ser considerada não provada. No que respeita à alegada existência de estacas no prédio aludido em 2., no sentido de demarcar a área de intervenção da A., e à falta de conformidade dos trabalhos realizados pela A. com o que havia sido acordado entre as partes, constata-se que o R., no âmbito das declarações e do depoimento de parte que prestou, e a testemunha CC disseram que haviam sido colocadas naquele prédio tais estacas e que a A. foi previamente informada de que o trabalho em causa deveria englobar uma área e uma profundidade superiores à que a A. acabou por realizar. A testemunha EE referiu que, considerando o fim a que se destinava, o trabalho realizado pela A. deveria ter englobado uma área maior, sendo que a escavação deveria ter sido em maior profundidade. Mais disse esta testemunha que durante a execução da obra falou com alguém que se apresentou como trabalhador da A., que não sabe identificar, tendo-lhe transmitido que a escavação realizada deveria ter mais profundidade, o que não foi pela A. realizado. As referidas testemunhas arroladas pelo R. disseram não ter conhecimento de ter sido entregue à A. o projeto relacionado com a obra que o R. pretendia realizar no prédio aludido em 2., sendo que o R. reconheceu não ter entregado à A. o projeto em causa. Por sua vez, o legal representante da A., no âmbito das declarações de parte que prestou, negou que existissem no prédio aludido em 2. quaisquer estacas, tendo referido que a A. realizou a obra em causa nos termos solicitados pelo R., apenas se tendo este queixado, já depois do início da obra, quanto ao local de escavação numa zona do prédio em causa. As testemunhas II e GG disseram que não estavam colocadas estacas no prédio aludido em 2., sendo que foram realizados todos os trabalhos que haviam sido indicados pelo legal representante da A. As mencionadas testemunhas arroladas pela A. disseram ainda que nunca lhes foi exibido qualquer projeto relativo à obra que o R. pretendia realizar no prédio aludido em 2. Colocado perante as versões divergentes acima expostas, não dispõe este tribunal de quaisquer elementos adicionais que permitam atribuir maior credibilidade a uma em detrimento da outra, sendo certo que, também no que a esta questão respeita, não foi produzido qualquer elemento de prova documental. Importa referir que o facto de a obra realizada poder não estar totalmente conforme com o fim a que a mesma se destinava não significa, por si só, que as partes tivessem acordado no sentido da realização da obra de forma diferente da que foi pela A. efetivada, podendo ter-se dado o caso de o R., depois do início dos trabalhos, ter concluído no sentido de que tal obra, considerando o fim a que se destinava, deveria ser realizada numa extensão e numa profundidade ligeiramente superiores à inicialmente acordadas. A verdade é que, perante a prova produzida, não se afigura possível a este tribunal considerar demonstrado que as partes acordaram no sentido da realização, pela A., de trabalhos numa extensão superior e com uma maior profundidade relativamente aos trabalhos que esta acabou por executar no prédio aludido em 2. e que a área onde tais trabalhos deveriam ser realizados estivesse, nesse prédio, delimitada por estacas. Deste modo, outra alternativa não restava que não fosse a de considerar não provada a factualidade inserida nas alíneas d. e o”. O recorrente imputa, por um lado, erro de direito ao assim decidido, sustentando não se poder desconsiderar, de antemão, a prova relativa às declarações de parte, como, na sua perspetiva, foi feito pelo tribunal a quo, o qual ter-se-ia projetado no julgamento da matéria facto que realizou, ao ter desconsiderado o depoimento e as declarações prestadas pelo próprio; e por outro, erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que, contrariamente às declarações de parte que foram prestadas pelo legal representante da recorrida (cujas contradições são evidentes), prestou, na sua perspetiva, um depoimento sempre seguro, assertivo, fundamentado, sem qualquer contradição e relatando factos confirmados pela testemunha CC. Conclui que o depoimento que prestou em 18/02/2015, e o depoimento prestado pela testemunha CC, no dia 25/03/2015, impõe que se considere provada a facticidade das alíneas c), d) e e). A propósito do erro de direito que o recorrente assaca ao julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo, que alegadamente desvalorizou, de antemão, as declarações de parte por si prestadas e as que foram prestadas pelo legal representante da recorrida, cumpre esclarecer que, no que respeita à valoração das declarações de parte sem valor confessória e que apenas beneficiam o declarante, a doutrina e a jurisprudência nacionais têm vindo a assumir três posições distintas: tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, segundo a qual as declarações de parte sem valor confessório e que apenas beneficiam o próprio declarante têm, essencialmente, natureza supletiva, não podendo, por si só, fundar um juízo de prova, salvo nos casos de prova única, em que inexista outra prova; tese do princípio de prova, nos termos do qual as declarações de parte sem valor confessório não são suficientes para que, sem outros elementos de prova que as corroborarem, fundar um juízo de prova; e, finalmente, tese do valor autónomo das declarações de parte, que postula que, apesar das suas especificidades, as declarações de parte sem valor confessório são autossuficientes para fundar um juízo de prova[10]. Quanto ao aqui relator, após um momento inicial em que aderiu à tese do princípio de prova, desde há muito que a abandonou e aderiu à tese da autossuficiência ou do valor autónomo das declarações de parte sem valor confessório e que apenas beneficiam quem as presta, atento o comando do n.º 3 do art. 466º do CPC, que as sujeita ao princípio da livre apreciação da prova e, como tal, sob pena de incorrer na sua violação, não se pode degradar à partida aquelas, considerando-as destituídas de valor probatório, salvo nos casos de serem corroboradas por outros elementos de prova. No entanto, o que se acaba de dizer, não significa que o julgador não deva considerar, na valorização das declarações de parte sem valor confessório as suas especificidades próprias, desconsiderando que são prestadas por quem delas beneficia, o que demanda que na sua valoração deve assumir cauteladas acrescidas. As ditas cautelas não impedem que se funde um juízo de prova quando a factos que beneficiam o próprio declarante, quando apresente uma versão dos factos assertiva, objetiva, fundamentada, sem contradições e que se mostre conforme às regras do normal acontecer, de modo a que sua versão fáctica atinja o patamar da probabilidade prevalecente, devendo desconsiderá-las no caso contrário. Foi precisamente isto que, salvo melhor opinião, foi feito pelo Senhor Juiz a quo, em que, após um momento inicial, em que diz desconsiderar as declarações e depoimento de parte prestados pelo recorrente e, bem assim, as declarações de parte prestadas pelo legal representante da recorrida, logo, de seguida, na fundamentação do julgamento da matéria de facto, a propósito de cada um dos pontos e alíneas do julgamento de facto que realizou, não deixou de apelar às mesmas e de apontar as concretas razões pelas quais não serviam para contraditar a restante prova produzida ou, na ausência de outra prova, fundar nelas um juízo positivo de provado. Destarte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não é certo que a 1ª Instância tenha incorrido em erro de direito ao desvalorizar, de antemão e imotivadamente, as declarações e depoimento de parte prestadas pelo recorrente. Posto isto, é certo que, em sede de depoimento e declarações de parte o recorrente, AA, referiu que, na sequência da sua inquilina lhe ter pedido que ampliasse o armazém que lhe tinha dado de arrendamento, acedendo a esse pedido, acabou por contactar o legal representante da recorrida, com quem se encontrou no prédio, acompanhado pelo seu funcionário CC (a testemunha JJ), a quem comunicou pretender que preparasse o terreno a fim de nele ser construída a ampliação do armazém, dizendo ao legal representante da recorrida que o projeto da ampliação se encontrava na Câmara, e a quem indicou os limites da área a ser intervencionada; afirmou que essa área se encontrava então demarcada por estacas, que tinham sido colocadas pelo CC (seu funcionário) de acordo com as indicações que recebera do arquiteto que elaborara o projeto da ampliação; na altura também comunicou ao legal representante da recorrida que, além daquele trabalho, pretendia que limpasse e arrancasse uns raizeiros existentes num monte, sua propriedade. Referiu que, na sequência das negociações que então tiveram lugar acabou por ser acordado que a recorrida realizaria os ditos trabalhos a troco de 10.000,00 euros, que seriam pagos em três tranches: uma, no início da obra, outra a meio da obra, e a última no final desta, a que acrescia a pedra que a recorrida retirasse do prédio na sequência da obra que nele iria realizar, que ficaria sua propriedade, sem que o respetivo valor tivesse de ser pago ao recorrente, mas antes acrescendo ao preço de 10.000,00 da obra que diz ter sido acordado. Também é certo que a versão dos factos que se acaba de referir foi corroborada pela testemunha CC (relembra-se, funcionário administrativo do recorrente há vinte anos), à exceção do que infra se dirá. E também é verdade que a versão dos factos apresentada por AA e pela testemunha CC foi contraditada pelas declarações de parte prestadas pelo legal representante da recorrida, BB, que referiu que, na altura em que se deslocou ao prédio apenas estava presente o recorrente, e não também a testemunha CC. O recorrente disse-lhe que pretendia que fosse feita uma terraplanagem no terreno para ampliação da fábrica nele existente à cota dessa fábrica e indicou-lhe a área por onde pretendia fosse feita a terraplanagem, ou seja, indicou-lhe a largura e o comprimento da área a intervencionar, e disse-lhe que “era para cortar à cota da fábrica que lá estava. Depois o empreiteiro (que iria executar a ampliação da fábrica/armazém) é que faria as sapatas”. O legal representante da recorrida referiu ser falso que, na altura, existissem quaisquer estacas no terreno, designadamente, demarcando a área a ser intervencionada, no que neste aspeto, a sua versão dos factos foi efetivamente corroborada pelas testemunhas GG (relembra-se, filho do depoente e funcionária da recorrida há 8/10 anos) e II (que trabalhou na recorrida durante dez anos, até há cerca de 2 anos atrás), as quais, na sequência do contrato de empreitada celebrado com o recorrente, trabalharam naquela obra de terraplanagem do prédio. O legal representante da recorrida, BB, também referiu que, na altura, não acordou com o recorrente o preço que este tinha de pagar como contrapartida da obra de terraplanagem que pretendia fosse feita, mas apenas acordou o preço por m3 de pedra a extrair na sequência da terraplanagem que iria ser efetuada, fazendo-lhe um preço mais baixo do que o habitualmente é cobrado pela recorrida, na medida em que acordaram que a pedra que fosse extraída na execução do trabalho ficaria para a última. Referiu que acordou com o recorrente que o preço da obra seria determinado, a final, após medição do volume de pedra que fosse extraída, multiplicando esse volume pelo preço por m3 acordado. Disse ter-se limitado a dar ao recorrente uma estimativa do preço final da obra, estimativa essa que calculou mediante a medição do comprimento e da largura do terreno a ser intervencionado que o recorrente lhe indicou e, bem assim, tendo presente a cota de escavação que este lhe referiu, pretendendo que logo, na altura, comunicou ao recorrente que a obra iria ser cara, porque o volume de pedra que nela iria ser extraída ascenderia a cerca de 900/1000 m3, obtendo dele por resposta para que avançasse, que ele pagaria. Disse ter acordado com o recorrente que este pagaria 10 ou 15% do preço da obra (já não tem presente qual das duas percentagens foram acordadas) no início desta; metade do preço a meio da obra (a quantia de 17.000,00 euros), e a parte remanescente no final desta. Quanto aos trabalhos de limpeza do monte e extração dos raizeiros, BB negou que o recorrente lhe tivesse falado desse trabalho na altura em que se encontraram e contrataram os trabalhos de terraplanagem, afirmando que o último apenas lhe falou desse trabalho e com ele contratou a sua execução pela recorrida já quando a obra de terraplanagem do prédio estava em curso e já avançada. Ora, se é certo que a versão dos factos apresentada pelo legal representante da recorrida, BB apresenta múltiplas contradições, que aqui nos abstemos de enunciar (mas que, desde logo, são evidenciadas pela parte do excerto das declarações que acima transcrevemos), não menos certo é que a versão dos factos apresentada pelo recorrente e pela testemunha CC apresenta incongruências e inverdades, que não podem ser descuradas. Concretizando: O recorrente e a testemunha CC pretenderam ter sido celebrado um único contrato de empreitada, isto porque, no encontro que o recorrente teve com o legal representante da recorrida, em que negociaram e acordaram no contrato, logo lhe falou que era para realizar a obra de terraplanagem do armazém e para que fosse efetuada a limpeza do monte e arranque dos raizeiros, estando incluído no preço de 10.000,00 euros (que pretendem ter sido acordado) o montante devido por todos esses trabalhos. Acontece que a referida versão dos factos não foi a que veio a ser julgada provada na sentença recorrida (cfr. pontos 2º e 7º dos factos apurados), sem que o recorrente a tivesse impugnado, com o que reconheceu a inveracidade da versão dos factos que foi apresentada por si, e pela testemunha CC, em audiência final. O recorrente e a testemunha CC pretenderam ter sido acordado com o legal representante da recorrida um preço global de 10.000,00, afirmando o recorrente ter sido acordado que uma parte desse preço seria paga logo no início da obra, a outra parte a meio da obra e, finalmente, o remanescente no final da obra. Acontece que a testemunha CC (que pretende ter estado presente na negociação e celebração do contrato de empreitada), para além de nada ter referido quanto a um acordo que tivesse sido estabelecido entre o recorrente e o legal representante da recorrida quanto ao modo como o pretenso preço de 10.000,00 euros seria liquidado, afirmou que, logo no início da obra de terraplanagem, quando os trabalhos já estavam em curso, o legal representante da recorrida pediu-lhe para que falasse ao recorrente para que “lhe adiantasse algum dinheiro”, o que fez, acabando, nessa sequência, o recorrente por entregar ao legal representante da recorrida 5.000,00 euros, por conta do preço da obra contratada. E pretendeu que, mais tarde, quando a obra já estava avançada, o legal representante da recorrida lhe solicitou novamente que falasse com o recorrente para lhe “adiantar mais algum dinheiro” e que, nessa sequência, o recorrente adiantou mais 2.000,00 euros por conta do preço da obra. Ora, em face do que se vem dizendo, não só a testemunha CC contrariou a versão dos factos apresentada pelo recorrente em sede de depoimento e declarações de parte, como as versões antagónicas que sustentam não podem deixar de suscitar fundadas dúvidas quanto à sua fidelidade com a realidade dos factos efetivamente acontecida. O recorrente e a testemunha CC referiram que, na altura em que se encontraram com o legal representante da recorrida, a área de terreno a ser intervencionada pela recorrida estava demarcada por estacas, as quais tinham sido colocadas pelo próprio CC, “de acordo com instruções do arquiteto”. Acontece que, compulsado o depoimento prestado por EE, que disse ter coordenado o projeto de arquitetura da obra de ampliação do armazém com os projetos de especialidade e ter-se deslocado à obra, por diversas vezes, para verificar a sua evolução e, bem assim, ser pai do neto do recorrente (vive em união de facto com a filha do último), não corroborou a dita versão dos factos que foi apresentada pelo recorrente e pela testemunha CC, posto que não aludiu à colocação de estacas por quem quer que fosse, delimitando a área de terreno a ser intervencionada, sob suas instruções, mas o que afirmou é que, na altura, o projeto de ampliação do armazém já estava na Câmara e já se encontrava licenciado, pelo que “era fácil (a qualquer pessoa habilitada, nomeadamente, empreiteiro), delimitar, por estacas, a área a intervencionar”. Acresce que o recorrente e a testemunha CC pretenderam que tendo a recorrida dado o trabalho por terminado, como, na sua perspetiva, o trabalho executado não estava concluído em termos de largura, comprimento e cota, teve lugar uma reunião entre os mesmos, o legal representante da recorrida e o arquiteto, a quem o último terá comunicado ao legal representante da recorrida que a obra não estava concluída. Mais uma vez, a versão dos factos apresentada pelo recorrente e pela testemunha CC não é confirmada pela testemunha EE, nem por qualquer outro elemento de prova. Com efeito, a testemunha EE referiu que, de uma das vezes que se deslocou à obra, para verificar a evolução dos trabalhos, encontrou nela um pessoa jovem (com cerca de 30 anos de idade, que julga não ser agora capaz de reconhecer) e que, face à constatação que a terraplanagem já realizada não estava ao nível de cota necessária à construção da ampliação do armazém (era necessário afundar, pelo menos, mais 40 centímetros de terreno, a fim de possibilitar a construção de um espaço para edificação de sapatas e de drenagem, este por baixo do piso da ampliação do armazém que iria ser edificado) e, bem assim, ser ainda necessário terraplanar uma zona junto ao armazém existente, em termos de largura e comprimento, de modo a criar um espaço onde fosse possível aos trabalhadores que iriam construir a ampliação do armazém trabalharem e circularem, altura em que comunicou esses factos ao tal jovem, que logo lhe respondeu “não faço mais, fica assim, porque não foi isso que foi acordado”. Destarte, em suma, a versão dos factos apresentada pelo recorrente e pela testemunha CC não é corroborada por quaisquer outros elementos de prova; as suas versões dos factos, mostram-se contraditórias (no segmento acima referido) e noutros (acima também identificados), não foram corroboradas pela testemunha EE, arquiteto. Acresce que, o recorrente e a testemunha CC confirmaram que o primeiro recebeu as faturas (juntas com a petição inicial) que a recorrente lhe remeteu e que, nessa sequência, o primeiro devolveu-as à procedência, por carta, com o argumento de que aquelas “não lhe diziam respeito”, o que é corroborado pelo teor da carta junta com a petição inicial, como doc. 8. Ora, se segundo a versão dos factos apresentada pelo recorrente e pela testemunha CC, os trabalhos de terraplanagem que tinham sido contratados pelo recorrente à recorrida ainda não estavam concluídos em termos de comprimento, largura e profundidade, e as faturas não espelhavam o preço da obra que alegadamente tinha sido acordado, não se compreende que o recorrente tivesse devolvido as faturas, afirmando à recorrida que “não lhe diziam respeito”, quando naturalmente era esperável que as tivesse devolvido com a menção de que os “trabalhos contratados não estavam concluídos ou estavam deficientemente executados” e/ou que o preço nelas inscrito “não era o que tinha sido acordado”. Precise-se que, tendo a testemunha CC sido confrontado com o texto da carta e as perplexidades que o mesmo suscita perante a versão dos factos que tinha apresentado, CC limitou-se a dizer que a dita carta lhe foi ditada pelo recorrente, pelo que era ao último que devia ser perguntado do motivo de ter devolvido as faturas com a menção de que “não lhe diziam respeito”. Por sua vez, quando questionado o recorrente da razão de não ter ainda liquidado à recorrida a quantia de 3.000,00 euros que, de acordo com a sua versão dos factos, permanecia ainda em dívida (o preço da obra que pretendeu ter sido acordado ascendia a 10.000,00 euros, dos quais disse terem sido liquidados 5.000,00 euros e 2.000,00 euros), respondeu espontaneamente não ter pago aqueles três mil euros “para o castigar”, isto é, para castigar/sancionar o legal representante da recorrente quando, face àquela que fora a sua versão dos factos era esperável que tivesse dito não ter liquidado esse montante porque a obra contratada (terraplanagem) não estava concluída. Em suma, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a versão dos factos que foi por si apresentada em sede de depoimento e declarações de parte e, bem assim, a apresentada pela testemunha CC estão longe de patentearem as caraterísticas de objetividade e de assertividade que lhes pretende emprestar, mas antes encerram contradições e incoerência - que acima se apontaram -, as quais as tornam imprestáveis para que possam fundar um juízo de provado. Por isso, a prova produzida não impõe que se julgue como provada a facticidade das alíneas c), d) e e) dos factos julgados não provados na sentença, mas antes impõe o juízo de não provado decidido pela 1ª Instância, impondo-se, em consequência, julgar improcedente a impugnação e manter inalterada a facticidade julgada não provada nas identificadas alíneas c), d) e e), o que se decide. A.5- Impugnação da facticidade julgada não provada na alínea o). O julgador a quo julgou como não provado que: “o- A obra executada pela A. não está concluída, pois não está executada de acordo com as estacas colocadas quando da respetiva adjudicação, quer no que respeita ao comprimento, onde tem menos um metro, quer no que respeita à profundidade, onde também tem menos um metro”. Advoga o recorrente que “a obra contratada pelo réu à autora tinha um objetivo muito claro: obter as cotas necessárias à implantação da edificação do imóvel existente, de acordo com um projeto devidamente licenciado. O Sr. Perito, em relatório adicional, informou que a obra executada pela recorrida não permitia a imediata construção do edifício projetado, o que confirmou nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, através das declarações prestadas no dia 18-02-2025, das (…). O facto de a obra estar inacabada e desapropriada ao fim a que se destinava também é atestado pela testemunha EE”. Conclui, perante os identificados elementos de prova impor-se julgar provado que: «A obra executada pela autora não está concluída, quer no que respeita ao comprimento, quer no que respeita à profundidade». Antecipe-se, desde já, sem razão. É um facto que a obra de terraplanagem contratada pelo recorrente à recorrida se destinava a permitir a construção da ampliação de um armazém/fábrica que o primeiro tinha arrendado a uma sua inquilina, e que essa finalidade foi por ele comunicada ao legal representante da recorrida, a quem também informou já haver processo de licenciamento da ampliação pendente na Câmara Municipal ..., na medida em que os factos acabados de referir foram corroborados pelo recorrente, em sede de depoimento e declarações de parte, e pelo legal representante da recorrida, BB, em sede de declarações de parte. Também é certo que o trabalho de terraplanagem que, na sequência da celebração do contrato de empreitada, foi executado pela recorrida não permite executar o trabalho de ampliação do armazém, para o que será necessário escavar, pelo menos, mais 40 centímetros do terreno que foi terraplanado pela recorrida e, bem assim, terraplanar uma área de terreno adicional, situada junto ao armazém/fábrica a ampliar, o que tudo é corroborado pelo recorrente, pelas testemunhas CC e EE, pelo relatório pericial complementar, junto aos autos em 27/03/2024, e pelos esclarecimentos prestados pelo perito. Acontece que saber se a obra executada pela recorrida está (ou não concluída) depende daquilo que concretamente foi acordado entre o recorrente e o legal representante da recorrida aquando da negociação e contratação dos trabalhos – celebração do contrato de empreitada. É que, ainda que a recorrida, através do seu legal representante, BB, tivesse conhecimento da concreta finalidade prosseguida pelo recorrente com os trabalhos que este lhe estava a contratar e que, inclusivamente, soubesse que já existia projeto de ampliação do armazém/fábrica, na Câmara Municipal ..., junto ao processo de licenciamento daquela ampliação – o que tudo, reafirma-se, era do efetivo conhecimento do legal representante da recorrida –, esta, sem prejuízo do dever que sobre si impendia de, face às concretas condições em que a terraplanagem lhe estava a ser adjudicada, de ter de alertar o recorrente (dono da obra) de que a terraplanagem que pretendia fosse executada era desadequada à concretização da finalidade que lhe indicou (ampliação do armazém), cumprido esse dever, quando ele se impusesse, apenas estava obrigada, e obrigou-se, a executar os concretos trabalhos de terraplanagem que o recorrente de indicou e adjudicou. Ora, o recorrente e a testemunha CC pretenderam que, na altura da negociação e da contratação dos trabalhos de terraplanagem, a área do terreno a ser terraplanada estava demarcada por estacas, o que tudo, conforme antedito, não foi corroborado por quaisquer outros elementos de prova. O legal representante da recorrida, BB, em sede de declarações de parte referiu que, aquando da negociação e celebração do contrato de empreitada relativo à terraplanagem do terreno, não existiam colocadas nele quaisquer estacas e que a área a terraplanar, em termos de comprimento, largura e cota/profundidade lhe foi indicada pelo recorrente, que lhe terá dito que depois seria o empreiteiro que viesse a ser contratado para construir a ampliação do armazém que faria as sapatas. Por sua vez, as testemunhas II e KK (que não estiveram presentes nas negociações entre recorrente e legal representante da recorrida que culminaram na celebração do contrato de empreitada), limitaram-se a afirmar terem realizado os trabalhos de terraplanagem do prédio de acordo com as instruções que foram recebendo do legal representante da recorrida. Por último, a testemunha EE relatou que, numa das deslocações à obra, alertado o jovem que lá se encontrava, para a necessidade de terraplanar uma zona que ainda não se encontrava terraplanada e de rebaixar o terreno já terraplanado, em pelo menos, mais 40 centímetros, por forma a viabilizar a construção da ampliação do armazém, este lhe respondeu: “não faço mais, fica assim, porque não foi isso que foi acordado”. Destarte, em face do exposto, tendo presente as contradições em que incorreram o recorrente e a testemunha CC e as perplexidades que a versão dos factos por eles apresentada suscitam (acima já enunciadas), que as tornam imprestáveis para com base nas suas declarações se darem os factos controvertidos como provados, a prova produzida não impõe que se julgue como provado que «A obra executada pela autora não está concluída, quer no que respeita ao comprimento, quer no que respeita à profundidade», mas, tal como foi decidido pela 1ª Instância, impõe que se conclua pela não prova da facticidade constante da al. o) dos factos não provados na sentença, o que se decide. Aqui chegados, na improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância mantém-se inalterado. B- Do direito Na improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, mantendo-se inalterado o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, encontra-se prejudicado o conhecimento dos erros de direito que assaca à sentença recorrida e que colocou na dependência da procedência da impugnação. Resta apreciar os dois erros de direito que o recorrente imputa à decisão de mérito proferida na sentença e que não são dependentes da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto que operou. B.1- Exigibilidade da obrigação de pagamento do preço da obra Sustenta o recorrente que a decisão de mérito constante da sentença recorrida padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e absolvição do pedido, uma vez que não se provou a existência de qualquer acordo relativo ao momento do pagamento da obra, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 1211º do Código Civil, a obrigação de pagamento do preço apenas se vence no momento da aceitação da obra. Assim, na sua perspetiva, atentas as regras do ónus da prova e o disposto nos arts. 1208º e 1211º daquele Código, competia à recorrida, na presente ação em que pede a sua condenação a pagar-lhe o preço da obra que pretende estar em dívida provar que: a) tinha concluído a obra convencionada, sem vícios que reduzissem a aptidão para o respetivo uso; e b) que o recorrente tinha aceite a obra. Ora, não tendo na sentença recorrida sido considerado provado que a recorrida tivesse concluído os trabalhos acordados, nem que o recorrente tivesse aceite a obra executada, não se pode considerar vencida a obrigação de pagamento do preço, impondo-se julgar a ação improcedente. Vejamos se lhe assiste razão. Dispõe o art. 1207º do Código Civil (CC), que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. E o art. 1211º, n.º 2 do mesmo diploma que “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no ato de aceitação da obra”. O contrato de empreitada é, assim, um contrato sinalagmático, na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes, em que a obrigação assumida pelo empreiteiro de realizar a obra tem, como contrapartida sinalagmática, o dever do dono da obra de lhe pagar o preço. É também um contrato oneroso, porque o esforço económico que decorre das obrigações neles assumidas é suportado pelas duas partes e existem vantagens correlativas para ambas. É comutativo, por ambas as partes conhecerem as vantagens patrimoniais que dele decorrem no momento da sua celebração. E é consensual por resultar do simples acordo estabelecido entre as partes[11]. O pagamento do preço constitui a principal obrigação que recai sobre o dono da obra e, conforme referido, é o correspetivo da obrigação do empreiteiro de construir a obra. O momento do pagamento do preço é normalmente estabelecido por acordo das partes, mas na falta deste, salvo uso em contrário, deve ser pago no ato de aceitação da obra (n.º 2 do art. 1211º do CC). A aceitação é o ato de vontade pelo qual o dono da obra declara que esta foi executada a seu contento[12]. Por isso, a regra supletiva do art. 1211º, n.º 1 do CC mostra-se em plena concordância, por um lado, com a circunstância de a empreitada ser um contrato de resultado, em que empreiteiro se obriga a realizar para a outra parte uma obra, mediante um preço, em que aquelas obrigações se encontram ligadas por um nexo sinalagmático e, por outro, com o facto de, no ato de aceitação da obra, o dono desta estar obrigado a verificar se aquela está nas condições convencionadas e sem vícios (art. 1218º do CC). Acresce que, conforme refere Pedro Romano Martinez, “parece lógico que o vencimento da obrigação de pagar o preço se verifique no momento da aceitação, pois é nessa altura que, por via de regra, se opera a transferência da propriedade da obra para o comitente (art. 1212º, n.º 1 do CC). Daí que, uma parte da jurisprudência, atento os ónus alegatórios que impendem sobre o autor (que, nos termos dos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC, está obrigado a alegar na petição inicial os factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu e de onde faz derivar o direito em que faz assentar o pedido) e as regras de repartição do ónus da prova constantes do art. 342º do CC (nos termos das quais, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado impende sobre quem o alega, enquanto a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito compete àquele contra quem a invocação é feita), perfilhe o entendimento que, em ação instaurada pelo empreiteiro contra o dono da obra, para pagamento do preço, incumbe-lhe, além do mais, o ónus alegatório e probatório em como concluiu a obra convencionada com o dono da obra (réu/demandado) e que essa obra foi aceite pelo último[13], enquanto outra corrente postula que sobre o empreiteiro apenas impende o ónus alegatório e probatório em como concluiu a obra contratada, mas já não em como esta foi aceite pelo dono da obra[14]. Tendo presente as referidas correntes jurisprudências, tendo presente que o ato de aceitação se reconduz a um ato de vontade do empreiteiro, em que declara que aquela está executada a seu contento, e que o mesmo poderá recusar emitir essa declaração de modo a impedir que o empreiteiro reclame o pagamento do preço em dívida em juízo, aderimos ao último dos entendimentos jurisprudenciais acabados de enunciar, o que também se mostra em plena concordância com o facto de, no caso da obra executada padecer de defeitos, ser sobre o dono da obra que impende o ónus alegatório e probatório em como denunciou os defeitos ao empreiteiro e dos concretos defeitos de que padece a obra[15]. Revertendo ao caso dos autos, em sede de petição inicial a recorrida alegou ter executado/realizado todos os trabalhos que lhe foram encomendados pelo recorrente no âmbito dos dois contratos de empreitada que com ele celebrou – cfr. ponto 9º da p.i., em que alegou ter emitido e remetido ao recorrente as faturas que aí identifica uma vez “findos todos os trabalhos”. Acontece que, a propósito do contrato de empreitada tendo por objeto a terraplanagem do prédio do recorrente, tendo em vista a execução da obra de ampliação de um armazém, não se apurou que recorrente (dono da obra) e recorrida (empreiteira) tivessem acordado o modo como o pagamento do preço da obra se processaria, pelo que, na ausência de prova de existência de uso em contrário, o preço deve ser pago no ato da aceitação (art. 1211º, n.º 2 do CC), o que, conforme antedito, em ação instaurada pelo empreiteiro contra o dono da obra reclamando o pagamento do preço da obra acordada, de acordo com as regras enunciadas nos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 2, al. d), do CPC e 342º, n.º 1 do CC, impõe sobre o empreiteiro o ónus alegatório e probatório em como concluiu a obra contratada com o demandado. No caso dos autos, apesar de ter alegado ter concluído os trabalhos de terraplanagem que lhe foram contratados pelo recorrente, o certo é que a recorrida não logrou fazer prova dessa facticidade, posto que apenas provou que os ditos trabalhos tiveram início em abril ou maio de 2018 e foram dados por concluídos em maio de 2019 (cfr. pontos 3º e 4º dos factos apurados), o que naturalmente não significa que os trabalhos de terraplanagem convencionados estivessem realmente concluídos/realizados quando a recorrida os considerou como tal - concluídos. Acontece que, a quantia de 11.147,00 euros, em que a recorrente foi condenada a pagar à recorrida na sentença sob sindicância respeitam a trabalhos que foram efetivamente encomendados pelo primeiro à última, no âmbito dos contratos de empreitada celebrados e que foram por ela efetivamente realizados na execução desses contratos. Na sentença, em sede de exceção de não cumprimento do contrato que fora invocada pelo recorrente na contestação, ponderou-se, além do mais, que aquela exceção nunca poderia “ser julgada procedente, isto porque a empresa a quem deveria ser arrendado o imóvel aludido em 2 acabou por decidir mudar de local e, por isso, o R. decidiu não concluir a obra de ampliação a que se destinava o desaterro acima referido. Ou seja, o R., mecê da mudança de local da referida empresa, acabou por perder interesse na conclusão da obra a que se destinava aquele desaterro, o que significa que o próprio destino deixou de interessar ao R.. Assim sendo, nunca poderia considerar-se que a falta imputada pelo R. à Autora assuma relevo significativo, sendo que, perante tal circunstancialismo, a recusa do R. em proceder ao pagamento do preço em falta sempre deveria ser considerada desproporcional relativamente àquela falta. Conclui-se, pois, no sentido da improcedência da exceção invocada pelo R.”. O segmento decisório em que assentou a improcedência da exceção de não cumprimento do contrato vinda a referir e os pressupostos fácticos e jurídicos em que assentou essa decisão de improcedência não foram colocados em crise no âmbito do presente recurso, pelo que aquela encontra-se transitada em julgado quanto a eles. Ora, se é certo que a prova da efetiva conclusão dos trabalhos contratados em contrato de empreitada impende sobre o empreiteiro, quando esse elemento (realização da obra contratada) seja apresentado como elemento desencadeador da obrigação do dono da obra de lhe pagar o preço, já nos casos em que o dono da obra tenha desistido ou tenha perdido o interesse na sua execução, não se pode impor ao empreiteiro, em ação em que demande o dono da obra com vista a obter a sua condenação judicial a pagar-lhe apenas os trabalhos que lhe foram efetivamente adjudicados e que foram realmente por ele executados, o ónus alegatório e probatório em como concluiu a obra que lhe foi adjudicada, por esse entendimento consubstanciar um contrassenso jurídico e uma ilogicidade. Destarte, estando, por decisão transitada em julgado, decidido que o recorrente perdeu o interesse na obra que adjudicou à recorrida, contrariamente ao pretendido, não impendia sobre a recorrida o ónus alegatório e probatório em como tivesse concluído a obra que lhe foi adjudicada no âmbito do contrato de empreitada celebrado para que possa obter a condenação judicial daquele a pagar-lhe os trabalhos que efetivamente realizou na execução dos contratos. Acresce que, ainda que assim não fosse (como é), sempre se impunha neutralizar, com fundamento no instituto do abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC, a alegação do recorrente de que a recorrida não fez prova em como efetivamente concluiu a obra que lhe adjudicou, quando se verifica ter devolvido à recorrida as faturas que esta lhe remeteu, com fundamento de que não lhe diziam respeito; não ter provado que a recorrida não tivesse realizado os trabalhos de terraplanagem que lhe adjudicou; que os trabalhos realizados não correspondam aos que efetivamente lhe adjudicou e/ou se encontram deficientemente executados; e quando desistiu da ampliação da obra do armazém e, consequentemente, dos trabalhos adjudicados, vindo apenas alegar o incumprimento pela recorrida do ónus probatório em como tivesse realizado a totalidade dos trabalhos que lhe adjudicou como meio de obstar a que seja condenado a pagar-lhe o preço (que permanece em dívida) dos trabalhos que esta efetivamente realizou na execução do contrato de empreitada celebrado. Decorre do excurso antecedente não proceder o fundamento de recurso de inexigibilidade da obrigação de pagamento do preço que vem invocado pelo recorrente, impondo-se julgá-lo improcedente, o que se decide. B.1- Do vencimento da obrigação de pagamento do preço Sustenta o recorrente que a sentença recorrida, no segmento em que o condenou a pagar juros de mora, sobre a quantia de 11.147,00 euros, contados desde as datas de vencimento das faturas que esta lhe remeteu até integral pagamento, padece de erro de direito, isto porque, como resulta do próprio teor daquela, a obrigação de pagar o preço dos trabalhos que foram realizados pela recorrida era ilíquida, tendo apenas sido liquidada na sentença, pelo que, nos termos do n.º 3 do art. 805º do CC, apenas se constituirá em mora e na consequente obrigação de pagar juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, considerando-se que o devedor se constitui em mora quando, por facto que não lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (art. 864º do CC). Nas obrigações pecuniárias a indemnização devida pela mora corresponde, em princípio, aos juros legais (art. 806º do CC). Na responsabilidade contratual, a iliquidez do crédito devido ao credor obsta à constituição em mora do devedor, salvo se a falta de liquidez for imputável ao último (n.º 3 do art. 805º do CC), o que se justifica pelo facto deste não poder cumprir, enquanto se não apurar o objeto da prestação a que está obrigado. É necessário que o devedor saiba quanto deve para que possa cumprir com a obrigação[16]. Para que se possa assim falar em iliquidez é necessário que o valor da obrigação não esteja apurado pelas partes ou, pelo menos, pelo devedor, quer por esse apuramento estar dependente de factos ou operações adicionais que ainda não ocorreram ou não foram realizadas, quer porque esses factos ou operações ainda não foram levados ao conhecimento do devedor, de modo que o último não está em condições de saber o exato conteúdo da sua obrigação[17]. No caso dos autos, lê-se na sentença que: “O litígio surgido entre as partes centra-se, além do mais, no acordado entre as partes quanto ao preço devido pelos trabalhos realizados pela A. A verdade é que não resultou provado o que, em concreto, foi acordado entre as partes no que respeita ao preço a liquidar pelo R. à A. pelos sobreditos serviços por esta prestados. O artigo 883º, n.º 1, do CC dispõe que “Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.”. In casu, não estando o preço fixado por entidade pública, não resultou demonstrada factualidade que permitisse concluir no sentido de que as partes o tivessem determinado ou convencionado o modo de ele ser determinado. Resultou, no entanto, demonstrado que os trabalhos de escavação de pedra realizados pela A. têm um custo de mercado que ronda os € 30,00 por cada m3. Ora, uma vez que a A. realizou no aludido imóvel trabalhos de desaterro de pedra numa extensão de 570 m3, deverá o preço desses trabalhos ser fixado em € 17.100,00, ao que acrescerá IVA à taxa legal, num montante total de € 21.033,00. Como também resultou demonstrado, as partes acordaram, ainda como forma de pagamento do preço devido pelas referidas obras, que a A. faria sua toda a pedra extraída no local aludido em 2. A este respeito, foi dado como provado que o valor de mercado da pedra resultante da escavação realizada pela A. varia entre os € 5,00 por cada m3 e os € 7,50 por cada m3. Tendo a A., como se viu, realizado trabalhos de desaterro de pedra numa extensão de 570 m3, temos que a pedra que a mesma retirou do local e fez sua tinha um valor global situado entre os € 2.850,00 e os € 4.275,00. Recorrendo a critérios de equidade, deverá o valor da pedra retirada pela A. do local ser fixado em € 3.562,50, correspondente ao valor mínimo acima aludido (€ 2.850,00) acrescido de metade da diferença entre aqueles dois valores (€ 712,50). Deste modo, calculando a diferença entre o preço dos trabalhos realizados pela A. no imóvel aludido em 2., que ascendeu a € 21.033,00, e o valor da pedra que a A. fez sua, que ascende a € 3.562,50, constata-se que o R., pelos ditos trabalhos, deveria ter liquidado à A. a quantia de € 17.470,50 (IVA incluído). No que respeita aos trabalhos referidos em 7., realizados pela A., temos que os mesmos têm um custo de mercado que ronda os € 1.110,00. Uma vez que a A., quanto a estes trabalhos, apenas pediu o pagamento da quantia de € 676,50, deverá ser este o valor a atender, não podendo o tribunal, atento o disposto no artigo 609º do CPC, condenar o R. em quantia superior à pedida pela demandante. Do exposto, decorre que, recorrendo aos critérios estabelecidos no artigo 883º, n.º 1, do C.C., respeitantes ao preço do mercado no momento do contrato e no lugar em que o devedor deva cumprir, recorrendo ainda a juízos de equidade, o valor que deveria ser liquidado à A. pelos trabalhos por esta realizados ascendia à quantia global de € 18.147,00 (€ 17.470,50 + € 676,50 = € 18.147,00). Como igualmente resultou provado, o R., para pagamento de parte do preço devido pelos supramencionados trabalhos, pagou à A. a quantia total de € 7.000,00. Assim sendo, o valor que resta liquidar à A., devido pelos trabalhos por si realizados, ascende a € 11.147,00 (IVA incluído)”. Ou seja, não tendo sido apurado que as partes tivessem acordado o preço devido à recorrida como contrapartida pela execução dos trabalhos adjudicados, a 1ª instância determinou o preço pela realização dos trabalhos efetivamente efetuados de acordo com os critérios enunciados no art. 883º, n.º 1, ex vi, art. 1211º, n.º 1, ambos do CC, tendo fixado o preço do m3 de pedra extraída de acordo com o respetivo valor de mercado, que multiplicou pelos m3 de pedra efetivamente extraída pela recorrida na execução do contrato. Dado que se apurou que ao valor do preço dos trabalhos executados as partes acordaram que se subtrairia o valor da pedra extraída, a qual ficaria para a recorrida, determinou o valor dessa pedra por recurso à equidade, com o que alcançou o preço devido pela recorrente como contrapartida dos trabalhos de terraplanagem realizados. A esse valor somou o montante dos trabalhos realizados na execução do outro contrato de empreitada e subtraiu a esse valor global as quantias já pagas pelo recorrente por conta do preço, alçando o preço global em dívida de € 11.147,00 (IVA incluído). A sentença recorrida, quanto aos aspetos acabados de referir, não foi colocada em crise no âmbito do presente recurso, pelo que, quanto a eles transitou em julgado. Acontece que o Senhor Juiz a quo considerou que o recorrente se tinha constituído em mora em relação à dita quantia, desde a data de vencimento das faturas que lhe foram remetidas pela recorrida, com o que a interpelou para que lhe pagasse o preço dos trabalhos realizados na execução daqueles contratos, não obstante o valor nelas inscrito não fosse o efetivamente em dívida, com o argumento de que “deveria ter liquidado o valor em questão na data de vencimento das faturas emitidas pela A., não o tendo feito e sendo tal obrigação a termo certo, o R. incorreu em mora a partir de tais datas (artigos 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Civil)”, o que não se subscreve. Com efeito, as faturas remetidas pela recorrida ao recorrente não têm nelas inscrito o valor do preço devido como contrapartida dos trabalhos efetivamente realizados na execução dos contratos de empreitada. Na data de vencimento inscrita nessas faturas, esse valor era ilíquido, posto que, pese embora delas constassem os m3 de pedra que foram extraídos pela recorrida na execução da terraplanagem, faltava ao recorrente saber qual o preço por m3 que era normalmente praticado pela recorrida (empreiteira) para aquele tipo de trabalho. Não tendo a recorrida indicado nas faturas emitidas a informação acabada de referir, o preço deveria ser determinado de acordo com o valor de mercado do trabalho executado (n.º 1 do art. 883º do CC), informação essa que também não foi facultada. Acresce que ao preço do trabalho realizado impunha-se descontar o valor da pedra extraída pela recorrida (que ficaria para ela), cuja determinação dependia, desde logo, da qualidade e da quantidade de pedra extraída e do preço de mercado para cada uma das qualidades de pedra extraída. Essa informação não foi fornecida pela recorrida ao recorrente aquando do envio das faturas e não era acessível ao recorrente. Aliás, a dita informação também não foi facultada ao tribunal a quo, tanto assim que fixou o valor da pedra por recurso a critérios de equidade. Destarte, por razões não imputáveis ao recorrente, o preço devido pelo último como contrapartida dos trabalhos realizados pela recorrida na execução dos dois contratos de empreitada celebrados, à data do vencimento das faturas, era ilíquido e apenas se tornou líquido com a prolação da sentença recorrida. Por isso, os juros moratórios à taxa comercial, a calcular sobre a quantia de 11.147,00 eros, apenas são devidos a partir da prolação da sentença recorrida (e não do respetivo trânsito em julgado, conforme pretende o recorrente)[18]. Procede parcialmente o presente fundamento de recurso. Decorre do excurso antecedente impor-se julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogar o segmento decisório em que se condenou o recorrente a pagar juros de mora desde as datas de vencimento inscritas nas faturas e, em sua substituição, condenar o recorrente a pagar juros de moratórios comerciais, calculados sobre a quantia global de 11.147,00 euros, contados desde 21/04/2025 (data da prolação da sentença recorrida) até integral pagamento, confirmando-se, no mais, a sentença. D- Das custas Nos termos do disposto no art. 527º, n.ºs 1 e 2, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, quem dele tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do recurso a parte vencida, na proporção em que o for. Tendo o presente recurso procedido parcialmente, as custas do mesmo devem ficar a cargo de recorrente e recorrida na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 90% para o recorrente e em 10% para a recorrida. * V- DecisãoNesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência: a- revogam o segmento decisório da sentença em que se condenou o recorrente a pagar à recorrida juros de mora desde as datas de vencimento inscritas nas faturas e, em sua substituição, condenam o recorrente a pagar àquela juros de moratórios comerciais, calculados sobre a quantia global de 11.147,00 euros (onze mil cento e quarenta e sete euros), contados desde 21/04/2025 até integral pagamento; b- no mais, confirmam a sentença. * As custas do recurso ficam a cargo de recorrente e recorrida na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 90% para o recorrente e em 10% para a recorrida.* Notifique.* Guimarães, 25 de setembro de 2025 José Alberto Moreira Dias – Relator Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto José Carlos Pereira Duarte – 2º Adjunto [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 797. [3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sou, ob. cit., pág. 798, em que salientam ser “objeto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso”. Adiantam: “O Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação (STJ 9/6/16, 6617/07, STJ 31/05/16, 1572/12, STJ 28/04/16, 10006/12, STJ 11/04/16, 449/410, STJ 19/02/15, 299/05 e STJ. 27/01-15, 1060/07). O STJ. tem afirmado que na verificação do cumprimento dos ónus de legação previstos no artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ. 03/10/19, 77/06, STJ 12/07/18, Proc. 167/11 e STJ 21/03/18, 5074/15)” (sublinhado e destacado nosso”. No mesmo sentido: Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 147, em que se lê: “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. (…). As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, n.º 3.” E fls. 152 a 159, em que conclui: A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 3 e 641º, n.º 2, al. b); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); c- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d- Falta de especificação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e- Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação” (sublinhado e destacado nosso). Enuncie-se que o principal pomo da controvérsia jurisprudencial existente ao nível do Supremo Tribunal de Justiça prendia-se em saber se, a par dos concretos pontos da matéria de facto, o recorrente tem também de incluir nas conclusões de recurso o resultado pretendido relativamente a cada um desses pontos que impugna. Essa polémica jurisprudencial encontra-se atualmente, pelo menos, parcialmente ultrapassada pelo acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) n.º 12/2023, de 17/10/2023, Proc. 8344/16.6T8STB.E1-A.S1, publicado no D.R., n.º 220/2023, Série I, de 14/11/2029, em que se uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. [4] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem menção em contrário. [5] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1. [6] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 797, nota 4. [7]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609. [8] Manuel A. Domingues de Andrade “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 191 e 192. [9] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Atotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 506e 507 e doutrina e jurisprudência que aí citam. [10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 552, e múltipla jurisprudência que aí citam. [11] Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., Almedina, pág. 362. [12] Ac. R.G., de 04/04/2024, Proc. 6321/17.6T8BRG.G1. [13] Ac. STJ., de 09/07/2002, Proc. 02B2257. [14] Acs. STJ., de 04/03/2010, Proc. 5445/07.2TBVNG; RC., de 09/04/2014, Proc. 144746/10.9YIPRT.C1. [15] Acs. RG., de 22/10/2020, Proc. 17/18.9T8CBT.G1; RP., de 24/02/2014, Proc. 1175/11.9TBVLG.P1; RC., de 24/02/2015, Proc. 73511.2TBFND.C1. [16] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 65. [17] Ac. R.C., de 23/10/2012, Proc. 2073/10.9T2AVR.C1. [18] Acs. STJ., de 01/06/2004, Proc. 04A1526; de 27/01/1993, Proc. 082507; R.G., de 29/10/2020, Proc. 951/19.9YIPRT.G1; de 08/03/2018, Proc. 2141/16.3T8VCT.G1; RC., de 23/10/2012, Proc. 20/3/10.9T2AVR.C1. |