| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO | ||
| Descritores: | SISTEMA DE PROVA LIVRE ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA NO CASO DE VASTO ACERVO FACTUAL E COMPLEXO UNIVERSO PROBATÓRIO REFERENTE A DIVERSOS ARGUIDOS PROVA INDICIÁRIA GRAVIDADE PRECISÃO E CONCORDÂNCIA DOS INDÍCIOS MÁXIMA DA EXPERIÊNCIA PRINCÍPIO DA NORMALIDADE O PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE INFERÊNCIAS LÓGICAS LEIS CIENTÍFICAS REGIME PENAL APLICÁVEL AOS JOVENS DELINQUENTES | ||
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| Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 125.º E 127.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARTIGO 349.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGO 4.º DO D.L. N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO | ||
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| Sumário: | I - No sistema da prova livre o juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão, justificação que é sempre racional e argumentada, não podendo a valoração da prova abstrair-se dessa intenção de racionalidade e de justiça. II - Quando está em causa um vasto acervo factual, referente a diversos arguidos, e um complexo universo probatório, constituído por elementos de prova de variada etiologia, por vezes de sentido probatório diversificado e, até, contrário ou antagónico entre si, a explicitação da análise crítica correlacionada de todos esses meios de prova quanto a todos os protagonistas dos factos redunda numa tarefa de execução muito difícil, por não ser viável a identificação e dissecação de todas as variáveis que concorrem para a formação da convicção do tribunal. III - A validade da prova indiciária depende de os indícios estarem comprovados, por prova directa, de revestirem um elevado grau de gravidade, de serem precisos, plurais, independentes e variados, de forma a que, quando correlacionados, serem concordantes entre si e conduzirem a inferências convergentes ou, excepcionalmente, tratando-se de um único indício, ser dotado de um poder revelador singular, não podendo ocorrer contra indícios que os neutralizem ou fragilizem. IV - A gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento, sendo grave o indício que resiste às objecções que se lhe opõem e que tem uma elevada carga de persuasão, como sucede quando a máxima da experiência que é formulada expressa uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. V - O indício é preciso quando não é susceptível de outras interpretações. VI - Os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão, porque a concorrência de vários indícios num mesmo sentido, partindo de pontos ou premissas diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles. VII - Verificados os respectivos requisitos, o funcionamento da prova indiciária desenvolve-se em três momentos distintos: primeiro, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto, que será o facto sob apreciação. VIII - A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, é uma inferência que permite a afirmação de que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. IX - A máxima da experiência é uma regra que traduz aquilo que sucede na maior parte dos casos, isto é, uma regra extraída de casos semelhantes, mas sendo uma regra, que não pertence ao mundo dos factos, origina um juízo de probabilidade e não de certeza. X - O princípio da normalidade torna-se o fundamento de toda a presunção abstracta, derivando da circunstância de, na dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das actividades humanas, existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos. XI - O princípio da normalidade está intimamente ligado com a causalidade – as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos -, e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam, de maneira uniforme, o desenvolvimento do universo. XII - Assim, o princípio da normalidade, fundamento de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. XIII - As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos, que fazem parte da cultura média ou leis científicas aceites como válidas sem restrição. XIV - Em matérias que impliquem especiais competências técnicas, científicas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa à certeza da afirmação científica. XV - Adquirida a convicção pelo julgador sobre a verificação dos factos essenciais ao preenchimento do tipo legal com base o funcionamento da prova indiciária ou indirecta e das inferências lógicas que esta propiciou, a sindicância, em sede de recurso, do erro sobre a substância de tal juízo presuntivo só é possível em caso de manifesto contra senso ou desrazoabilidade XVI - Ao consagrar o regime penal aplicável aos jovens delinquentes o legislador acolheu o ensinamento de outros ramos do saber, que explicam que na adolescência e no início da idade adulta os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam, não sendo raro que nesse ciclo da vida os jovens enveredem por condutas ilícitas, o que é, em regra, um fenómeno efémero e transitório. XVII - A aplicação deste regime penal não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que ele deve/tem de usar, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, quais sejam poder ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção do jovem, que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não empeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade. | ||
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| Decisão Texto Integral: | * Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra: 
 I. - RELATÓRIO 1. – Nestes autos de processo comum, com o n.º 399/23.0T9VIS, que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Viseu - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi proferido acórdão que culminou com o seguinte dispositivo [que se transcreve[1] apenas na parte que ora interessa, relativa aos arguidos infra identificados]: «Em face do exposto, acordam os juízes que compõem o presente Tribunal Coletivo da Central Criminal da comarca de Viseu, em julgar a acusação pública parcialmente procedente, nos termos sobreditos, e, consequentemente: 
 1) Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, como reincidente, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes previsto e punido pelos artigos 21º e 24.º, alínea i) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 9 (nove) anos de prisão. 2) Condenar a arguida BB, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes previsto e punido pelos artigos 21º e 24.º, alínea i) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 6 (seis) de prisão. (…) 
 
 2. - Inconformados com o decidido, os arguidos AA, BB e CC interpuseram recursos, que foram admitidos, tendo seguido a sua normal tramitação. Transcrevem-se, de seguida, as conclusões formuladas em cada um dos preditos recursos:             a. - Recurso do arguido AA:                   b. - Recurso da arguida BB: «1. O presente Recurso tem por Objecto e circunscreve-se:       
       
 2. Nulidade do Acórdão Recorrido por Falta de Exame Crítico da Prova       
 3. Não Preenchimento dos Elementos Objectivos e Subjectivos do Crimes de Tráfico de Estupefacientes Agravado e a Violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação da Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado   
 4. Inconstitucionalidade da Norma constante do Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido   
 5. Medida Concreta da Pena             c. – Recurso do arguido CC: «1 - Entende o arguido que andou mal, o Coletivo de Juízes ao condená-lo, ante a prova constante dos autos 
 2 - O ponto 1.º dos factos dados como provados deveria ter sido dado como não provado porquanto o arguido nasceu em 26/06/200 e entre final do ano de 2022 e 26 de junho de 2023, o arguido não tinha 16 anos e por isso era inimputável 
 … 
 5 - Por outro lado, resulta do ponto 72 dos factos provados que o arguido esteve institucionalizado até 10 de julho de 2023, pelo que não vivia no …, onde ocorria a atividade, e sim numa Instituição …, que dista a mais de 30 km. 
 6 - Pelo que não decidiu coisa nenhuma em conjunto com os outros ou sozinho; Não executou juntamente com os outros ousozinho qualquer plano definido; Não definiu sozinho ou em conjunto com outros um plano; Não juntou aos outros arguidos os seus esforços, intento e vontade; Não agiu movido pela vontade e facilidade de obter proveitos económicos ( resulta dos autos que não recebeu qualquer contrapartida); Não se dedicava à venda de produtos estupefacientes; Não vendia produtos estupefacientes a um preço superior ao preço de compra, pois não os comprava 
 7 - O arguido jamais poderia ter sido condenado como autor do crime 
 8 - Resulta dos factos dados como provados que o arguido entregava produto a mando do pai e da mãe; que não recebia qualquer contrapartida pela entrega do produto; que era o pai que comprava produto estupefaciente para vender e que foram esporádicas as entregas realizadas por ele. 
 9 - Resulta dos autos 6 entregas 
 10 - A sua atuação não se revelou essencial à prática do crime 
 11 - Ante a sua idade, a sua dependência dos pais e a obediência a que estava obrigado por ser filho e criança, era um mero joguete nas mãos daqueles que, ao invés de o protegerem, o obrigaram a entregar produto estupefaciente para seu proveito entre 10 de julho de 2023 e 6 de novembro de 2023 
 12 - Falta, pois, o preenchimento de um elemento essencial do tipo - Falta o Dolo 
 13 - Falta a consciência de que estava a praticar um crime; falta a vontade de o praticar (pois que agia a mando e em nome do pai), falta o conhecimento que a ação é proibida por lei. 
 … 
 21 - O arguido não tomou parte da decisão. 
 22 - Demonstrativo de tudo o acabado de expor é que o arguido agia a mando dos pais, quando eles assim o decidiam, sem receber qualquer contrapartida. 
 … 
 34 - Também devem ser dados como não provados, os pontos 55, 57, 58 e 59, pois que, apesar de o arguido CC não poder ignorar que se tratava de substâncias estupefacientes, desconhecia que ao obedecer às ordens do pai, a entregar em nome do pai, a receber em nome do pai e a entregar o produto da venda ao pai, estaria a praticar ilícito criminal 
 35 - Para este jovem de 16 anos, recentemente regressado a casa, proveniente de instituição, com parquíssimos recursos académicos ( resulta do ponto 72 dos factos provados que o arguido beneficia de medidas de apoio universais e seletivas dadas as dificuldades de aprendizagem e parcas competências escolares, nomeadamente ao nível da leitura e escrita) e com desejo de agradar ao pai e de lhe obedecer, para assim obter o seu amor e o seu carinho, estava apenas a ser um bom filho, pois que considerava que a ação criminosa era exclusivamente do pai. 
 36 - Face ao exposto deve ser revogada a decisão de condenação e substituída por outra em que o arguido seja absolvido pois só assim se fará justiça 
 37 - Não sendo esse o entendimento de Vossas Excelências, o que apenas se admite por hipótese académica e, entendendo Vossas excelências que o arguido deve ser condenado, sempre o aresto de que se recorre peca por excessivamente severo pois que a pena aplicada é manifestamente desproporcionada considerando os contornos do caso concreto, tendo em conta a factualidade provada, pelo que deve ser nessa medida revogado 
 38 - O Arguido não poderá deixar de beneficiar do regime especial para jovens que se impõe 
 … 3. - O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em primeira instância apresentou respostas … 
 4. - Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto consignou que acompanha as respostas do Ministério Público. 
 5. - Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve respostas. 
 6. - Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir. 
 * II. – FUNDAMENTAÇÃO 1. - …[2]. No caso vertente, são as seguintes as questões a decidir: 
 A – Nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova [cfr. conclusões 2.1 a 2.10 do recurso da arguida BB]; 
 B – Erro de julgamento da matéria de facto [cfr. conclusões 2.11 a 2.21 do recurso da arguida BB e 1 a 36 do recurso do arguido CC]; 
 C – Violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo [cfr. conclusões 3.1 a 3.7 e 3.10 e 3.11 do recurso da arguida BB]; 
 D – Inconstitucionalidade da norma do artigo 127º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada pelo tribunal a quo [cfr. conclusões 4.1 a 4.5 do recurso da arguida BB]; 
 E – Não preenchimento dos elementos objetivo e/ou subjetivo do crime de tráfico de estupefacientes relativamente aos arguidos BB e CC [cfr. conclusões 3.8 e 3.9 do recurso da primeira e conclusões 12 e 13 do recurso do segundo]; 
 F – Medida e espécie das penas F.1 – Redução da medida da pena de prisão aplicada ao arguido AA e suspensão da execução da mesma [conclusões 1.ª a 8.ª do respetivo recurso]. F.2 – Redução da medida da pena aplicada à arguida BB [cfr. conclusões 5.1 a 5.3 do respetivo recurso]; F.3 – Aplicação do regime especial para jovens menores de 21 anos relativamente ao arguido CC, redução da medida da pena e substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade [cfr. conclusões 37 a 71 do respetivo recurso]. 
 
 2. – O acórdão alvo de recurso tem, no essencial, o seguinte teor: «(…) 
 Com interesse para a boa decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:   * 2.2 Factos não Provados 
 Com interesse para a decisão a proferir, não se provou que: … * Convicção do Tribunal Para a formação da respetiva convicção, o Tribunal para a prova dos factos provados atendeu essencialmente às declarações prestadas pelos arguidos, aos depoimentos das testemunhas inquiridas e bem assim aos seguintes meios de prova que constam dos autos: 
 A – Documental e Pericial … * B - Relatórios de sessões de interceções telefónicas[3]   …   …   …   …   - A testemunha EE declarou na sessão em causa é a voz do seu ex-companheiro (desc.), que se identificava como primo do FF, e em que foi a filha GG a fazer a chamada 
 …   …   …   …   …   … 
                 Além das sessões transcritas, relevaram igualmente, entre muitas outras, as seguintes sessões: · … · … Alvo 131900040, apenso IV · …   * C - Declarações dos Arguidos e Depoimentos das Testemunhas … 
 
 
 
 3. – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS A – Nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova [cfr. conclusões 2.1 a 2.10 do recurso da arguida BB]; A arguida, ora recorrente, … começa por alegar, em apertada síntese, que o tribunal a quo não procedeu a um exame crítico da prova em termos minimamente aceitáveis, pois na parte do acórdão em que elenca as provas para sustentar os factos dados como provados socorreu-se dos depoimentos testemunhais, dos relatórios de diligência externa e dos relatórios de sessões das interceções telefónicas aí mencionados, dos relatórios sociais e dos certificado de registo criminal dos arguidos, mas, expurgadas as transcrições de algumas partes dos depoimentos das testemunhas e das conversações resultantes das interceções telefónicas, sem avaliar minimamente tais elementos probatórios – no que que respeita à prova testemunhal, limitou-se a citar alguns trechos dos depoimentos das testemunhas, mesmo quando algumas dessas partes dos depoimentos são contraditadas por outros depoimentos e declarações dos arguidos e prova de outra natureza como a documental e a pericial, não especificando, em termos minimamente lógicos, os motivos pelos quais essa prova difere, contraditando-a ou atestando-a, da restante; impunha-se, em vista do exame crítico das provas a que se refere a última parte do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, que se explicitasse de modo concreto e objetivo, designadamente, as razões que levaram o tribunal a quo a não considerar, e porquê, as declarações dos arguidos, bem como a considerar mais relevante o depoimento das testemunhas dos órgãos de polícia criminal do que todas as demais inquiridas no decurso do processo e ouvidas em audiência de julgamento; nesta parte, o acórdão recorrido viola o preceituado no sobredito preceito legal, razão pela qual, atento o que dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, está ferido de nulidade, que expressamente argui. Vejamos. Efetivamente, estabelece o artigo 379º, n.º 1. al. a), que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do artigo 374º. Por seu turno, o artigo 374º do Código de Processo Penal, enunciando os requisitos da sentença, dispõe no seu n.º 2: “[a]o relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. A fundamentação constitui, sem dúvida, o segmento mais complexo da sentença, decompondo-se em três partes distintas: a enumeração dos factos provados e não provados; a exposição dos motivos que fundamentam a decisão; e a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal[4]. Em face do disposto no artigo 368º, n.º 2, a enumeração dos factos provados e não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização e, ainda, sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa, pois esta tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e, ainda, os que resultarem da prova produzida em audiência, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 339º[5]. No que concerne à exposição dos motivos que fundamentam a decisão, são eles de facto e de direito. Os motivos de facto «…que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência[6]. E, no âmbito da decisão de direito, o juiz deve enunciar as normas legais que os factos convocam e que são determinantes do sentido da decisão. Em sede de motivação da decisão factual, o juiz não está processualmente vinculado a efetuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova constantes dos autos ou indicados pelos sujeitos processuais, mas apenas a selecionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa, ou seja, aqueles que serviram de base à seleção da matéria de facto provada e não provada. A indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal consiste, assim, na «…enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.»[7] Em suma, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, a sentença tem que conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido»[8]. Com efeito, tendo em perspetiva a descoberta da verdade material – escopo último do processo penal português –, vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, segundo o qual “[s]alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Como decorrência de tal princípio, ressalvado o valor probatório específico do caso julgado (artigo 84º), da prova pericial (163º), dos documentos autênticos e autenticados (169º) e da confissão integral e sem reservas (344º), no processo de formação da convicção do julgador, as primeiras regras a observar são, naturalmente, as da lógica – que resultam da estrutura nomológica da realidade física e emergem, fundamentalmente, da intervenção do princípio da causalidade –, seguidas pelas regras da experiência – resultantes da acumulação de experiência do homem comum ao longo dos séculos sobre o normal acontecer das coisas. Todavia, ainda que norteada pela lógica e pelas regras da experiência comum, a apreciação que o juiz do julgamento faz da prova não pode deixar de ser «... uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais –, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.»[9] O sistema da prova livre não se abre, por assim dizer, ao arbítrio, ao subjetivismo ou à emotividade. Antes exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não se pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça[10]. Em suma, o juiz é livre no que respeita ao ato de traçar a arquitetura do raciocínio que está obrigado a construir com as provas disponíveis, incluindo as indiciárias, o qual conduzirá à aquisição de uma convicção sobre a existência, inexistência ou dúvida insuperável quanto aos factos sob julgamento[11], desde que observe o quadro normativo sobre as regras referentes à valoração e proibição de certos meios de prova e as exigências de motivação transparente e clara desse raciocínio lógico de forma a ser apreensível pelos destinatários da decisão e pelo cidadão comum. Importa, porém, estarmos cientes que quando está em causa um vasto acervo factual, referente a diversos arguidos, e um complexo universo probatório, constituído por elementos de prova de variada etiologia – prova pessoal [por declarações, depoimentos, esclarecimentos, etc.], prova pericial, prova documental, prova por reconstituição, etc. –, por vezes de sentido probatório diversificado e, até, contrário ou antagónico entre si, a explicitação da análise crítica correlacionada de todos esses meios de prova quanto a todos os protagonistas dos factos redunda numa tarefa de execução muito difícil, por não ser viável a identificação e dissecação de todas as variáveis que concorrem para a formação da convicção do tribunal. 
 Ora, no caso vertente, analisada a motivação da decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão, sob o item “CONVICÇÃO DO TRIBUNAL”, constata-se que o tribunal a quo, além de elencar os meios de prova em que se baseou, procedeu à análise crítica dos mesmos. Com efeito, começou o tribunal a quo por enunciar os meios de prova que contribuíram para a sua convicção quanto aos factos que considerou provados, enunciando-os, nomeadamente, os relatórios de diligência externa, a reportagens fotográficas, os autos de apreensão, os relatórios de exame pericial dos produtos estupefacientes, os relatórios de sessões de interceções telefónicas, as declarações dos arguidos que as prestaram e os depoimentos testemunhais, dando nota, em regra, por súmula, mais ou menos extensa, do seu conteúdo ou contributo probatório. Refira-se que, no que tange à prova emergente das interceções telefónicas, além de mencionar resumidamente o que resultava das comunicações a que se reportavam as dezenas de sessões de escutas que descriminou, o tribunal a quo transcreveu, até, mais de duas dezenas de conversações que entendeu mais relevantes. E, no que concerne às declarações dos arguidos, deu nota do que estes disseram de forma tão abrangente que permite perceber as inflexões de discurso que, por vezes, adotaram. Também os depoimentos das testemunhas foram sintetizados de modo que permite compreender o seu relevo probatório. Seguidamente, o tribunal a quo encetou o exercício de análise crítica e concatenada dos diversos meios de prova, assinalando em que medida as declarações dos arguidos e os depoimentos testemunhais lhe inspiraram, ou não, credibilidade, explicando as razões. Expôs o seu raciocínio de forma clara e assertiva, segundo as regras da lógica e da experiência comum. É, pois, absolutamente evidente que não estamos perante falta de exame crítico da prova. Na realidade, a recorrente discorda do exame crítico que foi efetuado pelo tribunal a quo, como deflui genericamente da sua alegação e de que é expressiva a afirmação de que se os meios de prova tivessem sido devidamente aferidos permitiriam fundamentar uma perspetiva da factualidade dada como provada bem díspar daquela que foi considerada [cfr. conclusão 2.5]. Aliás, a recorrente vai ainda mais longe, asseverando que a prova produzida em audiência de julgamento e contida nos autos é insuficiente para dar como provados os factos assim considerados. Mas o facto de a recorrente divergir da forma como o tribunal a quo analisou os múltiplos meios probatórios que concorreram para a formação da sua convicção e entender que aqueles são insuficientes para se considerarem provados os factos em causa não pode servir de pretexto para invocar a ausência de exame crítico da prova, que, repisa-se, não se verifica. Como decorrência, improcede a arguição de nulidade do acórdão. 
 
 B – Erro de julgamento da matéria de facto [cfr. conclusões 2.11 a 2.21 do recurso da arguida BB e 1 a 36 do recurso do arguido CC]; Como vimos de assinalar, é patente a dissensão da recorrente … quanto à forma como o tribunal a quo avaliou e valorou os elementos de prova, sustentando, em resumo, ainda que de forma genérica e algo redundante, que a prova produzida em audiência de julgamento e a incorporada nos autos, incluindo os elementos probatórios invocados na motivação do acórdão, não permitem considerar provados os factos que se lhe referem, antes impõem conclusão contrária – que não praticou qualquer “facto com ressonância criminal”, “correlacionado com o crime de tráfico de estupefacientes agravado”. Especifica que nenhuma das testemunhas revelou qualquer conhecimento direto de nenhum episódio de “tráfico de estupefacientes” em que tivesse estado envolvida, que não existe qualquer interceção telefónica entre si e alguém ligado ao “tráfico de estupefacientes”, alegando que as conversas tidas com o coarguido AA se prendem apenas com a relação conjugal dos mesmos, que nenhum produto estupefaciente foi encontrado na sua posse e que não existe qualquer fotografia, relatório, documento ou informação que demonstre a sua ligação ao “tráfico de estupefacientes”. Também o arguido … discorda da apreciação que o tribunal a quo efetuou dos meios de prova e da consequente decisão de considerar provados os factos que indica na parte que lhe respeita. Alega, para tanto, em síntese, que nasceu em ../../2007 e entre final do ano de 2022 e 26 de junho de 2023 não tinha 16 anos, pelo que era inimputável em razão da idade, e esteve institucionalizado até 10 de Julho de 2023, pelo que não residia no Bairro ..., onde os factos ocorreram, mas sim numa instituição sita no ..., ou seja, a mais de 30 km de tal local; ademais, não firmou qualquer acordo com os restantes arguidos para a venda de produto estupefaciente, não se dedicando a tal atividade, apenas entregando por seis vezes produto estupefaciente a mando dos seus pais, tendo-se limitado a obedecer às ordens dos mesmos, donde decorre que atuou sem dolo e sem consciência da ilicitude da sua conduta; foram, por isso, incorretamente julgados os pontos 1, 52, 53, 55, 57, 58, 59 e 72 da factualidade dada como provada. 
 Como sobressai da síntese da argumentação esgrimida, neste conspecto, nos recursos dos identificados arguidos – BB e CC –, estes pretendem impugnar a matéria de facto tida como provada pelo tribunal a quo. Como é consabido, a impugnação, em sede de recurso, da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: mediante a arguição de vício de texto prevista no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal – dispositivo que consagra uma forma de reexame da matéria de facto mais restrita, comummente designada de revista alargada – ou através de recurso amplo e efetivo da matéria de facto, previsto no artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma, a denominada a impugnação ampla da decisão da matéria de facto. Na primeira hipótese, a discordância do recorrente traduz-se na invocação de vício(s) da decisão recorrida expressamente descriminado(s) no artigo 410º, n.º 2, e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; optando pela segunda hipótese, o recorrente terá de socorrer-se de provas contidas nos autos e examinadas em audiência, que deverá especificar nos moldes imperativamente prescritos no artigo 412º, n.ºs 3 e 4. Concretizando melhor: Estatui o artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal que «[m]esmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) erro notório na apreciação da prova.» Os elencados vícios constituem defeitos estruturais e intrínsecos da decisão, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte patenteada pelo respetivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando, por isso, excluída a possibilidade de consideração de outros elementos extrínsecos ou exógenos, ainda que constem do processo, emergentes de prova constituída ou advinda do próprio julgamento[12]. No âmbito da análise dos vícios decisórios, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto, o tribunal de recurso não aprecia a matéria de facto – no sentido de reapreciação da prova –, limitando a sua atuação, num exercício de exegese hermenêutica, à deteção dos vícios que a decisão recorrida evidencia e, não sendo possível saná-los, determina a remessa do processo para novo julgamento, em consonância com o preceituado no artigo 426º do Código de Processo Penal. A matéria de facto que padeça dos sobreditos vícios está «(…) ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por erroneamente apreciada»[13], razão pela qual, ainda que aqueles não sejam invocados, são de conhecimento oficioso – cfr. acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95[14]. Por seu turno, na modalidade de impugnação ampla da matéria de facto visa-se uma reapreciação autónoma, pelo tribunal ad quem, sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos “pontos de facto” que o recorrente considera incorretamente julgados, através da (re)avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida. Está em causa o erro de julgamento e, como tal, a apreciação não se adstringe ao texto da decisão recorrida, desenvolvendo-se em torno do que emerge da prova e do que dela se pode extratar. Contudo, como vem reiteradamente assinalando a doutrina[15] e a jurisprudência[16], nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não demanda a realização de um novo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, tendo em perspetiva os concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Precisamente porque não se trata de um julgamento ex novo, não cabe à Relação reapreciar toda a matéria factual dada como provada ou não provada na primeira instância, nem analisar toda a prova ali produzida e documentada nos autos, sendo a reapreciação segmentada e parcelar – circunscreve-se aos pontos de facto que o recorrente individualiza obrigatoriamente no recurso como estando, em seu entender, incorretamente julgados, cabendo-lhe, também, indicar as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa. Daí que não baste ao recorrente formular genericamente a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto e apontar o sentido que deve ser dado à prova. O reexame da matéria de facto, pelo tribunal ad quem, consubstancia uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, estritamente balizada, pela lei, aos pontos fácticos erroneamente julgados, na perspetiva do recorrente, e ao reexame das provas que escoram esse entendimento – o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe unicamente emitir um juízo crítico no que se refere aos pontos concretos que sejam delimitados e indigitados como incorretamente julgados. Como bem observa Paulo Saragoça da Matta[17], ao tribunal de recurso cabe apenas aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Ou seja, como é frequentemente afirmado, não compete ao tribunal de recurso fazer um novo julgamento para formar uma nova convicção, fazendo tábua rasa do julgamento da 1ª instância, mas antes apurar se a convicção formada por esse tribunal tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os demais elementos existentes nos autos podem fornecer. E é exatamente porque o recurso em que se impugne [amplamente] a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação em conformidade com o estabelecido no artigo 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. A referida especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Por seu turno, a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado. Desenvolvendo, o recorrente tem que indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido, os que foram considerados quando não o podiam ser – nomeadamente, por constituírem meios de prova proibidos – ou, então, de colocar em crise a avaliação da prova efetuada pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência dos elementos probatórios – atenta, sobretudo, a sua qualidade [credibilidade e força probatória] – em que se estribaram tais conclusões e que explicitar o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430º do mesmo diploma). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência – havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo aquele indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, em consonância com o estabelecido nos nºs 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal, que assim regem: “4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…). 6. O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”. De acordo com o decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012[18], «…basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações». É, assim, possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, atualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do n.º 4 do citado artigo 412º. Materializando, no que se refere à prova oral – declarações de arguidos, assistentes e partes civis, depoimentos de testemunhas e esclarecimentos de peritos ou consultores técnicos – o recorrente tem de individualizar quais as particulares passagens nas quais ficaram gravadas as frases que, por si só ou conjugadas com outros meios de prova, impunham decisão diversa quanto ao facto impugnado. Em suma, para dar cabal cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, evidenciando-o, sendo que, no que tange à prova oral, tem que referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as – se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados – ou mediante a indicação do(s) segmento(s) da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos – quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência [o que não obsta a que, também nesta eventualidade, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]. Mas o escrupuloso cumprimento do ónus de especificação pelo recorrente, sendo fator indispensável de cognoscibilidade pelo tribunal superior da impugnação ampla da matéria de facto, não constitui garantia da procedência desta. Com efeito, é necessário que dessa especificação explicitada e fundamentada resulte comprovada a desconformidade entre o efetivo conteúdo dos meios probatórios e o considerado pelo tribunal a quo, a insustentabilidade lógica ou a arbitrariedade da decisão recorrida e a demonstração de que a versão probatória e factual alternativa proposta no recurso é a [única] correta. Nesse caso, concluindo-se que o tribunal a quo não podia ter dado os concretos factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detetado, nos termos previstos no artigo 431º, al. b), do Código de Processo Penal. No entanto, se a convicção do julgador for objetivável face ao princípio da livre apreciação da prova e aos critérios de apreciação da validade e do valor probatórios dos meios de prova produzidos e se a versão apresentada pelo recorrente for meramente alternativa e igualmente possível deverá manter-se a opção do julgador em 1.ª instância, por força da plenitude dos princípios da oralidade e da imediação da prova de que este beneficia, pois, de outra forma, seriam violados tais princípios. Neste sentido, aliás, se pronunciou já o Tribunal Constitucional, ao aceitar que o verdadeiro julgamento da causa é o realizado na 1.ª instância, no qual regem os princípios da imediação e da oralidade, onde são produzidas todas as provas e o tribunal contacta diretamente com os intervenientes processuais[19]. Com efeito, como referia Cavaleiro de Ferreira[20], o tribunal tem liberdade na tarefa de formação da sua convicção, embora sempre vinculada aos princípios em que se consubstanciam o direito probatório e as normas da experiência comum, da lógica e regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório. Assim, com ressalva do valor probatório específico de alguns meios de prova e das proibições de valoração de outros especificados na lei, como bem observa Paulo Saragoça da Matta[21], «[c]onstitui regra quase intangível do processo penal hodierno a regra segundo a qual a apreciação da prova é “livre”. Por outras palavras, que a prova é apreciada “em consciência” pelo Tribunal (processo penal espanhol), ou ainda que a apreciação de prova se faz de acordo com a regra da “íntima convicção” do julgador (processo penal francês) ou do seu “livre convencimento” (processo penal italiano). Assim acontece no direito processual penal português, mercê da inequívoca afirmação do art. 127.º do CPP.» Importa, porém, ter presente que o juízo sobre a valoração da prova é poliédrico. Como explica Germano Marques da Silva[22], «[n]um primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio, que há de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.» É por demais consabido que, em particular nos casos de prova por declarações, depoimentos e esclarecimentos, em regra produzidos oralmente, a credibilidade dos mesmos está intimamente conexionada com o respetivo conteúdo, mas, também, com a forma como foram prestados, sendo, por isso, a imediação fundamental. Atribuir, ou não, crédito ao que diz, ou não diz, uma pessoa convocada a prestar declarações ou depoimento é uma questão de convicção pessoal, condicionada por diversas circunstâncias. Assim, importa, desde logo, ter em consideração que a declaração e o depoimento, quando realizados de boa fé, se traduzem no relato ao Tribunal da representação da realidade percecionada, interpretada e memorizada pelo declarante e pelo depoente, respetivamente, segundo as suas idiossincrasias. Quando o declarante e o depoente estão de má fé farão um relato adulterado do que percecionaram, interpretaram e memorizaram, em função do que é favorável aos interesses e objetivos que os movem. Daí que, mais do que o declarante e o depoente dizem ou não dizem, importa o modo como o fazem, nomeadamente a postura corporal, os gestos e expressões fisionómicas, as hesitações nas respostas às questões que lhes são colocadas, o tom da voz, os olhares de cumplicidade trocados com um ou outro interveniente processual ou o desviar do olhar do interlocutor, enfim numa multiplicidade de pormenores que, a maioria das vezes, apenas a oralidade e a imediação permitem percecionar. Como tal, tem de aceitar-se que existe uma impressão causada no julgador, um conhecimento de base subliminar, que só a imediação em primeira instância possibilita ao nível mais elevado e que, por isso, existirá sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, em função de fatores que intervêm na apreciação da credibilidade de depoimentos que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes na audiência[23]. Nessa “margem de insindicabilidade” entram os elementos racionalmente não explicáveis e, até, de cariz emocional inerentes ao ser humano e às suas idiossincrasias que constituem parte importante do processo de formação da convicção, como antes sinalizámos. Porém, se é certo que há elementos do juízo de credibilidade das declarações e depoimentos que escapam à 2.ª instância – como são os pertencentes à linguagem não-verbal, que só a 1.ª instância está em condições de percecionar pela imediação –, outros há que podem ser retidos na gravação áudio da linguagem verbal e percecionados naquela instância de recurso – como é o caso do juízo sobre a razão de ciência, a espontaneidade, a fluência, a segurança, a verosimilhança e a plausibilidade da narrativa efetuada pelo declarante/depoente –, igualmente importantes para determinar a sua credibilidade, que não dependem da imediação, mas antes do raciocínio lógico que o julgador deve efetuar e espelhar na fundamentação da sua convicção. Assim, se na motivação da decisão de facto o tribunal de 1.ª instância explicitou, como lhe compete, as razões pelas quais deu credibilidade a um depoimento ou a uma declaração, a margem de “insindicabilidade” desse juízo pela Relação restringe-se àqueles elementos que estejam exclusivamente dependentes da imediação, e já não àqueles que não o estejam, sob pena de esvaziamento da via de impugnação ampla da matéria de facto. Importa, ainda, ter presente que, mesmo que não haja prova direta de determinados factos, o tribunal não está impedido de formular a sua convicção acerca dos factos em discussão, de acordo com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos, o que nos remete para o âmbito da prova indireta, indiciária, circunstancial ou por presunção, ou seja, a que se refere a factos diversos do tema da prova (prova direta), mas que permite, com o auxílio de regras da lógica e da experiência, uma ilação quanto a esse tema. Daí que se perante determinada situação as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis e o tribunal a quo – que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade –, fundamentada e justificadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso – que está limitado na apreciação que pode fazer nos sobreditos moldes –, que opte por ela. E se a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum[24], nos termos antes sinalizados. 
 Volvendo ao caso dos autos, percorrendo a motivação dos recursos da arguida … e do … é evidente que pretenderam impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto. Todavia, nem um nem outro dos recorrentes cumprem o ónus de especificação que sobre eles impende nos moldes supra explicitados. … 
 Como explica Paulo Pinto de Albuquerque[25], a Lei n.º 48/2007, de 29.08, mudou profundamente o regime de impugnação da matéria de facto. O legislador tem dois objetivos: tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida no recurso da decisão sobre a matéria de facto e pôr cobro ao dever de transcrição dos registos gravados. O novo regime articula-se com as regras novas sobre a documentação das declarações prestadas na audiência e o acesso dos sujeitos processuais a esta documentação. A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado. De harmonia com o já mencionado acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, «[i]mpõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorretamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta (…).» Estamos, assim, perante incumprimento do ónus de especificação legalmente exigida, previsto no artigo 412º, n.ºs 3, als. a) [no caso da recorrente BB], e b), e 4, do Código de Processo Penal, nos termos supra assinalados, que é insuscetível de correção ou aperfeiçoamento, ao abrigo do preceituado no artigo 417º, n.º 3, do Código de Processo Penal, razão pela qual não se convidaram os recorrentes para o efeito. Efetivamente, como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência, apenas nas situações em que as sobreditas especificações não são vertidas nas conclusões, mas constam da motivação do recurso, pode haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento. Não contendo também o corpo das motivações as preditas especificações legalmente exigidas – como sucede in casu em ambos os recursos –, não estamos apenas perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas antes de deficiência substancial da motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insuscetível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afetada, não poder ser conhecido. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois se o recorrente, no corpo da motivação do recurso, se absteve do cumprimento do ónus de especificação, que não é meramente formal, antes tendo implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciando as especificações, então o convite à correção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a perentoriedade do prazo de apresentação do recurso[26]. No mesmo sentido se vem pronunciado também o Tribunal Constitucional, ao entender não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afetem a motivação do recurso e não apenas as conclusões[27]. Também os Tribunais da Relação vêm entendendo em sentido idêntico[28]. Destarte, conclui-se pela impossibilidade de conhecimento dos recursos dos arguidos … no que à decisão sobre a matéria de facto respeita. 
 Não obstante, o tribunal de recurso poderá, e deverá, até, sindicar a bondade da decisão da matéria de facto, verificando se ocorre algum dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, maxime a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão o erro notório na apreciação da prova, uma vez que estes são de conhecimento oficioso. No caso em apreço, tendo resultado inviável a reapreciação ampla da matéria de facto, ainda que por motivo exclusivamente imputável aos recorrentes, na tarefa de revista alargada visando a deteção dos aludidos vícios deverá este tribunal perscrutar a decisão sobre a matéria de facto tendo particular atenção às perplexidades manifestadas por aqueles. Ora, analisado o acórdão, não se vislumbra qualquer um dos enunciados vícios. Com efeito, o tribunal a quo discriminou os meios de prova em que se baseou, explicitou o respetivo conteúdo na sua essência, assinalando em que medida a prova pessoal lhe inspirou, ou não, credibilidade, e explanou, de forma clara e assertiva, como, analisando, crítica e conjugadamente, os múltiplos elementos probatórios, segundo os imperativos da lógica e os ditames da experiência comum, alcançou a convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados, não se detetando qualquer incongruência ou implausibilidade. Permanece, assim, incólume a decisão revidenda sobre a matéria de facto. 
 
 C – Violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo [cfr. conclusões 3.1 a 3.7 e 3.10 e 3.11 do recurso da arguida BB]; A recorrente … invoca a violação do princípio do in dubio pro reo e do disposto no artigo 32º, n.º 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 14º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e no artigo 5º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Alega a recorrente, de forma singela, que é forçoso concluir que não existe prova, direta ou indireta, de que praticou os factos e que, mesmo que assim não fosse, na ausência de juízo de segurança, vale o princípio da presunção da inocência e do in dubio pro reo por força do qual o tribunal deve decidir sempre a favor do arguido, o que não sucedeu em relação a si. Vejamos. A presunção de inocência, inscrita no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos demais preceitos de instrumentos de direito internacional supra citados – todos aplicáveis por força do art. 8.º, n.ºs 1, 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa – e acolhida no artigo 32º, n.º 2, da Constituição, é um princípio de inspiração jusnaturalista iluminista que assenta na dignidade do ser humano e na defesa da sua posição individual perante a omnipotência do Estado. Impõe-se ao longo de todo o processo criminal e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido, sendo, por isso, mais abrangente do que o princípio do in dubio pro reo, já que este é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a veracidade de determinados factos[29]. Assim, o princípio in dubio pro reo, como decorrência do princípio da presunção da inocência, constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, resolva tal dúvida em sentido favorável ao arguido. Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio atua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objetivo e tipo subjetivo –, quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais atualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena[30]. Não é, porém, toda a dúvida, lançada em abstrato, que legitima o funcionamento deste princípio – estando em causa factos pretéritos existe sempre uma dúvida abstratamente possível sobre a sua verificação e/ou autoria, na certeza de que quem os aprecia não os presenciou. Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto – após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais –, deixa o julgador (objetivo e distanciado do objeto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de formação de uma convicção positiva sobre a realidade e/ou a autoria de um facto, distingue-se da dúvida abstrata, meramente possível, ou hipotética. Apenas a dúvida séria e razoável – identificada, resultante da apreciação exaustiva e crítica dos meios de prova relevantes em conformidade com os critérios legais de produção e valoração da prova – impede a valoração dessa dúvida na perspetiva contrária ao interesse do arguido. Assim, dúvida e convicção constituem como que a face e verso do critério geral de apreciação da prova, limitando-se reciprocamente. Ambas devem ser fundamentadas na apreciação crítica e racional dos meios de prova. Acabando a livre convicção positiva onde surge a dúvida razoável; e deixando de subsistir a dúvida razoável quando o tribunal estabelece a convicção positiva ancorada numa análise objetiva e racional dos meios de prova validamente produzidos e valorados em conformidade com os critérios legais. A livre convicção assenta na legalidade da prova, nos critérios de apreciação vinculada e, na ausência destes, na razoabilidade da sua apreciação à luz do critério previsto no art. 127º do CPP. E o princípio in dubio pro reo assenta, afinal, no mesmo critério. Uma e outro estão limitados pela legalidade da prova, pela prova de apreciação vinculada, pela razoabilidade da análise crítica dos meios de prova produzidos oralmente em audiência, pela objetividade e racionalidade da análise em função das regras do convívio social, da proximidade ou distanciamento dos depoentes em relação ao caso e/ou pessoas envolvidas no processo, do seu interesse no resultado do processo, das humanas paixões subjacentes a cada depoimento, na falível condição humana[31]. Ademais, convém sublinhar que apenas está em causa a dúvida que se suscite ao julgador, e não aos sujeitos processuais, condicionados na sua análise valorativa da prova pelos respetivos interesses em jogo, dos quais não se conseguem distanciar e que lhes retiram objetividade. Como decorrência do que vimos expondo, constitui entendimento jurisprudencial pacífico que o tribunal de recurso apenas pode concluir pela violação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência se do texto da decisão recorrida resultar notoriamente – em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, no âmbito da revista alargada que supra aludimos – que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, perante essa dúvida, optou por decidir em sentido desfavorável ao arguido, ou se, apreciando a impugnação ampla da matéria de facto, por erro de julgamento, concluir que, em face da prova produzida, essa dúvida – razoável e fundada – deveria ter-se suscitado no espírito do julgador, impondo-se que a resolvesse em sentido favorável ao arguido. Ora, no caso vertente não foi possível apreciar a impugnação ampla da matéria de facto pelas razões explanadas aquando da análise da questão precedente, pelo que resta atentarmos no texto do acórdão, concretamente, na motivação da decisão factual. Analisada esta, verifica-se que o tribunal a quo não deixa transparecer qualquer dúvida sobre a matéria de facto que considerou como provada, ao contrário do que sucedeu quanto aos factos que considerou como não provados, conforme explicou de forma clara – perante um “impasse probatório”, que afirmou que “não pode em circunstância alguma ser resolvido contra os arguidos”, fez “funcionar o princípio in dubio pro reo”. Por outro lado, atentando-se nas razões que presidiram à valoração da prova produzida, enunciadas na motivação da decisão de facto, que se revelam consentâneas com as regras da lógica e da experiência comum e não se descortinando a violação de quaisquer normativos ou princípios relativos ao direito probatório, decidindo o Tribunal a quo de acordo com a livre convicção, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, sustentada nas provas que indicou, resulta evidenciado o iter analítico percorrido e a segurança da convicção que alcançou quanto à factualidade que exarou como provada. Por conseguinte, in casu, nada permite, sequer, equacionar a violação dos princípios basilares em análise e dos normativos invocados pela recorrente. Improcede, pois, também esta questão. 
 
 D – Inconstitucionalidade da norma do artigo 127º do Código de Processo Penal na dimensão normativa cm que foi aplicada pelo tribunal a quo [cfr. conclusões 4.1 a 4.5 do recurso da arguida BB]; Sustenta, ainda, a arguida/recorrente BB que no acórdão recorrido, a dado passo, afirma-se “Revertendo para os elementos subjetivos foram consideradas as regras da experiência comum”, contudo é inconstitucional a norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada na motivação do acórdão, ou seja, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova direta, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o tribunal a quo, com a decisão que proferiu, o princípio da normalidade na utilização da prova indireta. Vejamos. É inquestionável que, mesmo que não haja prova direta de determinados factos, o tribunal não está impedido de formar a sua convicção acerca dos factos em discussão de acordo com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos, o que nos remete para o âmbito da prova indireta, indiciária, circunstancial ou por presunção, ou seja, a que se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permite, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto a esse tema. Nas palavras de Susana Aires de Sousa[32], «(…) prova indireta, indiciária, lógica ou por presunção diz respeito a procedimento racional ou lógico em que a partir de um facto provado (o indício) se retira a existência de um outro facto essencial ao objeto do processo.» Em processo penal, de acordo com o disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal, são admissíveis as provas que não forem proibidas, pelo que é legitimo o julgador tirar ilações de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, conforme previsto no artigo 349º do Código Civil. Destarte, na formação da convicção não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensinava Vaz Serra[33] que «[a]o procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência». Já Cavaleiro de Ferreira[34] sustentava que “[a] prova indiciária tem suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indireta do que aqueles em que se mostra possível uma prova direta”. Luís Filipe de Sousa[35] observa que «[t]oda a prova assenta numa inferência e sempre que julgamos presumimos” e, ainda, que “a prova por presunção desempenha, a par dos clássicos meios de prova, duas funções no processo, quais sejam: a de proporcionar ao juiz a convicção suficiente sobre a (in)existência dos factos em apreciação, bem como a de contribuir para esse resultado em concordância com outras provas». Também a jurisprudência[36] tem decidido no sentido de que a prova indireta ou indiciária pode e deve assumir o mesmo valor, senão superior, que a prova direta, desde que verificados determinados requisitos. Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, «[e]ncontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, "... as provas que não forem proibidas pela lei" (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova)»[37]. Também o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a temática, tendo decidido no acórdão n.º 521/2018[38] “[n]ão julgar inconstitucional, por violação dos princípios da presunção de inocência e da estrutura acusatória do processo penal, consagrados nos n.os 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição, o artigo 125.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal”. Nada obstando, assim, a que o julgador lance mão da prova indiciária e por presunções judiciais, tendo em perspetiva o grau de exigência probatória imanente ao processo penal por força dos princípios basilares da presunção da inocência e do in dubio pro reo constitucionalmente consagrados, impõe-se, porém, um exercício dialético metódico seguindo um desenho que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a aperfeiçoar ao longo dos anos. José Santos Cabral[39], cujos ensinamentos aqui seguiremos de perto, sustenta que a «prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova direta, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica». Assim, os indícios devem estar devidamente comprovados, por prova direta, devem revestir um elevado grau de gravidade, devem ser precisos, plurais, independentes e variados, mas, quando correlacionados, concordantes entre si e conduzirem a inferências convergentes ou, excecionalmente, tratando-se de um único indício ser dotado de um poder revelador singular, não podendo ocorrer contra indícios que os neutralizem ou fragilizem. A gravidade do indício está diretamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objeções que se lhe opõem e que tem uma elevada carga de persuasão, como sucede quando a máxima da experiência que é formulada expressa uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno, o indício é preciso quando não é suscetível de outras interpretações, mas, sobretudo, o facto indiciador deve estar amplamente provado. Além disso, os indícios devem ser concordantes, convergindo na direção da mesma conclusão. A concorrência de vários indícios num mesmo sentido, partindo de pontos ou premissas diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras. Verificados os enunciados requisitos, o funcionamento da prova indiciária desenvolve-se em três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob apreciação. Assim, em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida, tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efetiva-se com a colocação respetiva de cada facto ou circunstância acessórios e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, dando lugar à reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exatidão e o valor dos indícios, assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios. A máxima da experiência é uma regra que traduz aquilo que sucede na maior parte dos casos, isto é, uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação de que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza, mas como uma possibilidade mais ou menos ampla. Sendo uma regra, não pertencendo, pois, ao mundo dos factos, a máxima da experiência origina um juízo de probabilidade e não de certeza. O princípio da normalidade torna-se o fundamento de toda a presunção abstrata. Tal normalidade deriva da circunstância de, na dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das atividades humanas, existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos. O referido princípio está intimamente ligado com a causalidade – as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos – e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam de maneira uniforme o desenvolvimento do universo. O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Por outras palavras, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstrata, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstrata se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respetiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura média ou leis científicas aceites como válidas sem restrição. Em matérias que impliquem especiais competências técnicas, científicas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, é evidente que a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa à certeza da afirmação científica. Adquirida a convicção pelo julgador sobre a verificação dos factos dos factos essenciais ao preenchimento do tipo legal com base o funcionamento, nos sobreditos moldes, da prova indiciária ou indireta e das inferências lógicas que esta propiciou, em sede de recurso, o erro sobre a substância de tal juízo presuntivo só é sindicável em caso de manifesto contra senso ou desrazoabilidade[40]. Retornando ao caso dos autos, importa, antes de mais, transcrever o parágrafo de que foi extraída, cirurgicamente, a expressão mencionada pela recorrente, o qual tem o seguinte teor: «Revertendo para os elementos subjetivos foram consideradas as regras da experiência comum em face dos relatados comportamentos dos arguidos e do contexto em que os factos foram praticados, tudo conjugado ainda com o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.» Outrossim, importa assinalar que tal parágrafo surge após a exaustiva descriminação dos meios de prova e respetivo conteúdo e da análise crítica e correlacionada do que o tribunal a quo extraiu dos mesmos em termos probatórios e que lhe permitiu formar a sua convicção quanto aos atos objetivos praticados pelos diversos arguidos. Ora, como já ensinava Cavaleiro de Ferreira[41], «o elemento subjectivo da infracção, como conclusão de direito que é, não pode fazer-se derivar imediatamente da prova, mas deduzir-se desta, através das ilações que segundo as regras de experiência comum se extraem dos factos na medida em que sejam meras consequências ou prolongamento deles. Pois, trata-se de factos, que não deixam de o ser, mas que assumem uma particular especificidade, visto consistirem em realidades do foro psíquico, logo internos do sujeito. Tais factos não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento». Efetivamente, tratando-se de factos atinentes ao processo psíquico, nas suas vertentes cognitiva e volitiva, que se inserem no domínio da vida interior dos arguidos, caso não sejam admitidos por aqueles dificilmente podem ser percecionados pelas testemunhas ou por outros elementos de prova, sendo, por isso, insuscetíveis de apreensão direta. Temos, por isso, de nos socorrer da análise dos factos materiais, designadamente dos comportamentos em apreciação e de outros factos indiciários para, em face dos padrões de normalidade dos seres humanos e das regras da experiência comum, abstraindo de qualquer patologia que possa afetar a forma de pensar, de sentir ou de querer, interpretá-los e extrair conclusões sobre esse processo interior, de consciência e vontade de atuação. Foi precisamente isso que o tribunal a quo fez, pois, analisando os «relatados comportamentos dos arguidos» e o «contexto em que os factos foram praticados», conjugado com «o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas» que antes descrevera, em face das regras da experiência comum e da lógica, atingiu a conclusão que exarou como provada quanto aos denominados “elementos subjetivos”. Com efeito, os comportamentos dos arguidos, nomeadamente, os cuidados que adotaram – entre outros, a utilização de linguagem cifrada nas comunicações entre si e com os consumidores, a ocultação dos produtos estupefacientes e a dissimulação dos atos de transação dos mesmos, tudo por forma a esconderem a sua atividade ilícita e a evitarem serem detetados pelos órgãos de polícia criminal –, e tratando-se de pessoas adultas e sem afetação sensível das suas capacidades intelectuais e emocionais, são expressivos de uma atuação livre, voluntária e consciente da ilicitude e da punibilidade nos moldes descritos na factualidade provada. No que respeita, concretamente, à arguida/recorrente BB, tendo em conta os factos objetivos que resultaram provados quanto a ela, com base nos meios de prova e pelas razões explanadas na motivação do acórdão, e considerando, ademais, que a mesma atuou de forma concertada com o seu companheiro, o qual já sofreu múltiplas condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, tendo em conta as regras da experiência comum, da normalidade social e da lógica, é evidente que estava ciente da ilicitude da sua conduta e, ainda assim, quis prossegui-la. Assim, atentando na globalidade da motivação do acórdão – como se impõe, e não do singelo excerto invocado pela recorrente, parcial e descontextualizado –, o tribunal a quo não fez qualquer interpretação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, no sentido alegado por aquela, nomeadamente, no que se refere aos factos atinentes ao processo psicológico interno de representar a ilicitude da atuação e querer atuar em conformidade. Ante o exposto, não se verifica a invocada constitucionalidade. 
 
 E – Não preenchimento dos elementos objetivo e/ou subjetivo do crime de tráfico de estupefacientes relativamente aos arguidos BB e CC [cfr. conclusões 3.8 e 3.9 do recurso da primeira e conclusões 12 e 13 do recurso do segundo]; Como perpassa transversalmente da argumentação recursiva, a recorrente … sustenta que não se mostram verificados os elementos objetivo e subjetivo do crime de tráfico de estupefacientes [agravado] porque entende que não provaram quaisquer factos que, quanto a si, integrem, desde logo, o ilícito base [artigo 21º do DL n.º 15/93, de 22.01] e, muito menos, a circunstância agravante prevista na al. i) do artigo 24º do mesmo diploma. Explicando melhor, a recorrente volta a discutir a prova produzida, … Ou seja, a recorrente apenas entende que não se mostram perfetibilizados os elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito e da agravação porque não aceita os factos que foram considerados provados pelo tribunal a quo. Todavia, como analisámos anteriormente, por motivo exclusivamente imputável à recorrente não foi conhecida a impugnação ampla da matéria de facto, não se detetou, oficiosamente, qualquer vício que afetasse a decisão sobre a mesma, permanecendo aquela inalterada. Assim, todo o exercício argumentativo assenta no pressuposto de que os factos referentes à recorrente que foram tidos pelo tribunal a quo como provados fossem considerados não provados por este tribunal ad quem, como aquela almejava, mas assim não sucedeu. A recorrente elabora, pois, com base em premissas inexistentes, pelo que fica prejudicada a apreciação da questão da subsunção legal. Os factos que resultaram efetivamente provados, que não sofreram qualquer modificação, integram indubitavelmente os elementos típicos do crime de tráfico de estupefacientes [agravado], pelas razões aduzidas no acórdão recorrido e que aqui nos dispensamos reproduzir. Também nesta questão não assiste razão à recorrente BB. 
 Por seu turno, o recorrente CC alega que falta «o preenchimento de um elemento essencial do tipo – falta o dolo» e «a consciência de que estava a praticar um crime; falta a vontade de o praticar (pois que agia a mando e em nome do pai), falta o conhecimento que a ação é proibida por lei» e conclui, a final, que «foram violados os artigo 14.º e 26.º do Código Penal e substituído por outro em que seja o arguido absolvido da prática do crime previsto no artigo 25.º a) do DL 15/93 de 22 de janeiro». Porém, tal alegação constitui o corolário da argumentação por si expendida com vista à reversão da factualidade provada … Ora, pelos motivos explanados em sede própria, no âmbito da questão da impugnação da matéria de facto provada, não sofreu esta qualquer modificação. Como tal, decorre de forma linear dos sobreditos pontos da matéria de facto que o recorrente CC atuou pela forma objetivamente ali descrita e, apesar de representar todas as circunstâncias da factualidade típica, agiu livremente, com vontade de assim proceder, consciente da ilicitude e punibilidade da sua conduta, como resulta, neste particular, dos pontos 54, 55, 57, 58 e 59. É, pois, manifesto que se mostra preenchido o elemento subjetivo do tipo de crime em causa, maxime o dolo, que revestiu, aliás, a forma direta [cfr. 14º, n.º 1, do Código Penal]. … 
 
 
 F – Medida e espécie das penas Os arguidos recorrentes, BB, CC e AA, insurgem-se quanto ao concreto quantum das penas que lhes foram irrogadas, que consideram excessivo, e os dois últimos, também, quanto ao facto de não terem sido substituídas por outras cuja aplicação reclamam, nos termos e pelos fundamentos que cada um deles verteu nos respetivos recursos e que, oportunamente, detalharemos. Por ora, antes de apreciarmos individualizadamente a pretensão de cada um dos identificados recorrentes, importa traçar o quadro em que se inscreve a questão da determinação concreta da pena, tanto mais que que a doutrina[42] e a jurisprudência, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça[43], têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Posto isto, importa clarificar que o exercício de determinação concreta da pena compreende, em regra, três fases distintas; primeiramente, há que apurar a moldura penal abstratamente aplicável ao crime em questão e aferir da existência de circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes, suscetíveis de atuarem sobre a mesma e definir a moldura concreta; num segundo momento, há que proceder à escolha da pena a aplicar, na eventualidade de ao crime serem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, em consonância com o disposto no artigo 70.º do Código Penal; subsequentemente, há que determinar a pena concreta dentro dessa moldura, atendendo ao vertido nos artigos 40º, n.º 2, e 71.º do Código Penal, ou seja, a medida concreta da pena é fixada em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral), sendo, nomeadamente, as circunstâncias mencionadas no n.º 2 daquele último normativo importantes para a determinação quer da culpa, quer das exigências de prevenção especial; consoante a espécie e a medida da pena fixada, poderá haver uma quarta fase, de ponderação da substituição por outras penas menos gravosas admissíveis no caso. Tal exercício tem subjacentes princípios jurídicos basilares reconhecidos em estados de direito democrático, com consagração em instrumentos de direito internacional, acolhidos na Constituição da República Portuguesa e densificados na legislação penal ordinária. Assim, importa ter presente que o direito penal pauta-se pelo princípio da intervenção mínima ou ultima ratio, assumindo um papel subsidiário ditado pela necessidade de proteção de bens jurídicos relevantes. Implicando incontornavelmente a defesa desses interesses conflito com os direitos fundamentais, liberdades e garantias dos cidadãos deve a intervenção penal observar o princípio da proporcionalidade que o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa erige a conditio sine qua non em matéria de intrusão e limitação daqueles direitos, liberdades e garantias. Compreende o princípio da necessidade, que impõe a eleição, entre as medidas que são igualmente aptas para o objetivo pretendido, daquela que é menos prejudicial para os direitos dos cidadãos, o princípio da idoneidade, que manda que as limitações dos direitos fundamentais postuladas na lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesmas sejam adequadas à prossecução das suas finalidades e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos à sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com a importância do objetivo que se pretende atingir. Os fins das penas, na expressão normativa do artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, reconduzem-se à “protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, pelo que a aplicação da pena deverá ter em vista a manutenção ou, até mesmo, o reforço da confiança da comunidade na ordem jurídico-penal posta em causa com o ilícito perpetrado pelo arguido, a reposição contra fáctica da norma violada e, desse modo, a defesa da ordem jurídica e da paz social (prevenção geral positiva), mas, de igual modo, propiciar a reintegração do condenado na comunidade, fazendo-se, desse modo, jus às exigências da prevenção especial positiva, tendo em perspetiva os comandos constitucionais nucleares vertidos nos artigos 1º, 13º, n.º 1, 18º, n.º 2, e 25º, n.º 1, atinentes à inviolabilidade da dignidade humana. No âmbito dos fins das penas predomina, segundo Figueiredo Dias, «a ideia de que só finalidades relativas de prevenção geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida»[44]. São, assim, as necessidades de prevenção – geral positiva [tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada] e especial de socialização – que relevam para a decisão de optar pela pena não privativa da liberdade – pena alternativa ou pena de substituição – como resulta dos critérios estabelecidos nos artigos 40º, n.º 1, e 70º do Código Penal, não se divisando qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (cfr. artigo 40º, n.º 2, do Código Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta. Destarte, o patamar mínimo da pena há de ser dado «pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, proteção que assume um significado prospetivo que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena»[45]. E o patamar máximo é estabelecido pela medida da culpa, conforme resulta do disposto no n.º 2 do citado artigo 40º. A este propósito, salienta Figueiredo Dias[46] que dentro do binómio culpa/prevenção há que ter em conta que a medida da pena não poderá ultrapassar a medida da culpa; a verdadeira função desta na teoria da medida da pena reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso, pois a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas, sejam de prevenção a nível geral positiva ou negativa, de integração ou intimidação, sejam de prevenção, neutralização ou pura defesa social. A culpa não concorre, portanto, para a definição da medida da pena, mas indica o limite máximo desta. Segundo Anabela Rodrigues[47], este é «o único entendimento consentâneo com as finalidades de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade. E não compensar ou retribuir a culpa – esta é, todavia, o pressuposto e limite daquela aplicação, diretamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente». E será dentro de tais limites que “podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de proteção dos bens jurídicos”[48]. Por conseguinte, «a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual ´já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem por irremediavelmente em causa a sua função tutelar´; será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista de reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar»[49]. Daí que, quando o artigo 71º, n.º 1, do Código Penal estabelece que a “determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar do preceituado no artigo 40º do mesmo diploma. Em suma, as exigências de prevenção geral definirão o limite mínimo da pena e a culpa o limite máximo, criando, assim, a moldura dentro da qual se hão de fazer sentir as exigências de prevenção especial ou de ressocialização. Na tarefa de delimitação das exigências de prevenção especial, atender-se-á a diversas variáveis atinentes à conduta do agente, idade, vida familiar e profissional, entre outras, em consonância com o preceituado no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, ou seja, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime – sob pena de ocorrer dupla valoração –, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as ali elencadas de forma exemplificativa: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente [alínea a)]; a intensidade do dolo ou da negligência [alínea b)]; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [alínea c)]; as condições pessoais do agente e a sua situação económica [alínea d)]; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [alínea e)]; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [alínea f)]. Em resumo, os fatores descritos nas alíneas a), b), c) e e), parte final, referem-se à execução do facto, os referidos nas alíneas d) e f) à personalidade do agente e o referido na alínea e) à conduta anterior e posterior ao facto e devem ser ponderados com cuidado, « dada a particularíssima ambivalência de que são dotados: só em concreto se pode determinar o papel, agravante ou atenuante, que desempenham circunstâncias como as da condição económica e social do agente, a sua idade e sexo, a sua educação, inteligência, situação familiar e profissional, etc., quando conexionadas com o círculo de deveres especiais que ao agente incumbiam»[50]. Efetuado um perfuntório périplo pelos critérios gerais norteadores da operação de determinação da natureza e da medida da pena, passaremos a apreciar a pretensão e a argumentação esgrimida por cada um dos recorrentes supra identificados. 
 F.1 – Redução da medida da pena de prisão aplicada ao arguido AA e suspensão da execução da mesma [conclusões 1.ª a 8.ª do respetivo recurso]. O arguido … pugna pela redução da pena de prisão para quantum não superior a cinco anos e pela suspensão da respetiva execução, ainda que sujeita a regime de prova, ou, caso assim se não entenda, que a medida da pena se fixe em quantum não superior a seis anos de prisão, alegando, em suma, que o tribunal a quo não teve devidamente em consideração as circunstâncias atenuantes que lhe são favoráveis nem a culpa com que atuou. Cumpre assinalar, desde logo, a falta de rigor patenteada no recurso, no qual o recorrente refere repetidamente – quer na motivação, quer nas conclusões – que foi condenado numa pena de oito anos de prisão e alude à “natureza dos crimes”, a “cúmulo jurídico” e a “pena única”, como se tivesse sido condenado pela prática, em concurso efetivo, de vários crimes quando, na verdade, foi condenado pela prática, em coautoria material, como reincidente, de um único crime de tráfico de produtos estupefacientes [agravado] na pena de 9 (nove) anos de prisão. Ademais, cabe referir que a almejada redução da pena de prisão para 5 anos e subsequente suspensão da sua execução ou, pelo menos, para 6 anos, se mostram prejudicadas pela incontornável circunstância de o limite mínimo da moldura penal abstratamente aplicável no caso do recorrente, por força da reincidência, ser de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão. Explicando melhor, o recorrente foi condenado, como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21º e 24.º, al. i), do DL n.º 15/93, de 22/01, e 75º, n.ºs 1 e 2, e 76º, n.º 1, do Código Penal, donde resulta a moldura penal abstrata de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses a 15 (quinze) anos de prisão. Ora, o recorrente não diverge, no recurso que interpôs, da condenação pela reincidência, que, de resto, se mostra devidamente justificada, pelo que a pena nunca poderia ser fixada em medida inferior a 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, ficando, em consequência, liminarmente excluída a ponderação da sua suspensão, uma vez que esta apenas pode ocorrer relativamente a penas de medida não superior a cinco anos [cfr. artigo 50º, n.º 1, Código Penal]. Não obstante, vejamos se é de reduzir a pena concretamente aplicada – 9 (nove) anos de prisão. Alega o recorrente que, pese embora os factos dados como provados no acórdão, neste não foi tido em consideração o facto de «ter 61 anos de idade, ser o patriarca e quem sustenta a família e uma âncora da mesma, a sua irrepreensível conduta no E.P. ... que não só o relatório social como outros documentos no processo o provam bem como o facto de, apesar de ser toxicodependente, desde a sua prisão todas as análises ao sangue são negativas e (…) cumpre com tudo o que lhe é pedido». A enunciada alegação também padece de falta de rigor, pois, desde logo, tendo o recorrente nascido em ../../1966, tem atualmente 59 anos de idade – e não 61 anos –, e, em regra, de sustentação factual. Com efeito, tendo em perspetiva o alegado pelo recorrente, apenas resultou efetivamente provado que o seu comportamento, no estabelecimento prisional, tem sido globalmente adequado, que vivia, à data dos factos em apreço nos autos, com a companheira, a coarguida BB, e os quatro filhos de ambos, e que a subsistência do agregado tinha como principal fonte as prestações sociais de que beneficiava há vários anos. Como se vê, aquilo que se provou é substancialmente diverso do alegado pelo recorrente. Mas, ainda que assim se não entendesse, nunca as circunstâncias alegadas pelo recorrente teriam o peso atenuante por si pretendido. Aliás, a título meramente exemplificativo, a alegada posição de patriarca e âncora da família impunha-lhe acrescido dever de se abster de envolver os seus familiares, como a sua companheira, BB, o seu filho CC e o seu neto, AA, na atividade de tráfico de estupefacientes. Ao invés, as circunstâncias que depõem contra o recorrente ponderadas pelo tribunal a quo são múltiplas e gravosas, destacando-se, também a título meramente ilustrativo, porque particularmente impressivo, que o recorrente praticou os factos em causa nestes autos em período temporal em que beneficiava de liberdade condicional e que ostenta sete condenações criminais, cinco delas por crimes de tráfico de estupefacientes, revelando uma clara propensão para a prática deste tipo de crime e evidenciando absoluta indiferença pelos bens jurídicos protegidos pela incriminação e insensibilidade às reações penais anteriores. Ante o sumariamente exposto e a ponderação efetuada pelo tribunal a quo no acórdão a este respeito, que aqui damos por reproduzida, afigura-se particularmente evidente que a pena de prisão de 9 (nove) anos se mostra adequada e proporcionada à elevada gravidade dos factos e à acentuada culpa do recorrente, sendo que qualquer pena fixada abaixo de tal limite poria em causa de forma irremediável a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e não se mostraria suficiente para acautelar as elevadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir in casu. Improcede, pois, totalmente a pretensão recursiva do recorrente AA. 
 
 F.2 – Redução da medida da pena aplicada à arguida BB [cfr. conclusões 5.1 a 5.3 do respetivo recurso]; A recorrente …, prevenindo a eventualidade de não se concluir pela sua absolvição, pugnou, subsidiariamente, pela redução da medida concreta da pena que lhe foi aplicada para quantum “não muito afastada do limite mínimo” da moldura penal abstratamente aplicável. Como evola de forma cristalina da leitura da motivação do recurso, a recorrente manifesta a sua discordância quanto à dosimetria da pena que lhe foi aplicada por entender que a mesma se mostra desproporcional e desadequada, tendo em consideração as exigências de prevenção geral e especial que em concreto se fazem sentir. Todavia, a recorrente não avança razões tangíveis para tanto, limitando-se a discorrer sobre alguns dos vetores a contemplar na determinação da medida concreta da pena, nomeadamente, a culpa e as exigências de prevenção, geral e especial, e a apelar à fixação de uma pena mais benévola. Isto dito, a recorrente não aponta, verdadeiramente, as razões da sua discordância, melhor dizendo, em que consiste o erro do tribunal a quo que pretende reverter por via do recurso. Com efeito, a recorrente limita-se a invetivar este tribunal ad quem a ter em consideração que «conforme decorre da Prova junta aos Autos e da que foi produzida em Audiência de Julgamento: - Não tem contra si quaisquer Processos pendentes; - É uma pessoa conscienciosa; - Está integrada no núcleo familiar - Não tem antecedentes criminais - Tem uma filha com problemas graves de saúde - Teve vários processos de violência doméstica contra o co-arguido AA, os quais acabou por desistir.» Ora, como bem assinala o Ministério Público na resposta ao recurso, no que concerne ao facto de não ter antecedentes criminais, verifica-se que tal circunstância já foi expressamente sopesada a seu favor pelo tribunal a quo aquando da determinação da medida concreta da pena. No que tange a estar integrada no núcleo familiar e ter uma filha com graves problemas de saúde, tal circunstancialismo já se verificava à data dos factos e nunca foi fator que a inibisse de praticar o crime em causa nos autos, antes pelo contrário, aproveitou a circunstância de estar inserida nesse núcleo familiar para arrastar para a prática do crime de trafico de estupefacientes o seu filho mais novo, CC, e o seu neto, AA, o que apenas lhe agrava a culpa, obliterando a alegação – conclusiva, refira-se – de que “é uma pessoa conscienciosa”. E quanto à alegação de ter tido vários processos de violência doméstica contra o coarguido AA, dos quais acabou por desistir, ainda que se provasse que efetivamente era vítima de tal tipo de crime não poderia tal circunstância ser considerada como atenuante a seu favor nestes autos, em que está em causa o crime de tráfico de estupefacientes que cometeu em coautoria com aquele seu companheiro. Por outra banda, analisada a fundamentação do acórdão no segmento da determinação da medida concreta das penas – acima transcrita e que aqui nos dispensamos de reproduzir –, verifica-se que o tribunal a quo, em observância dos critérios legais supra enunciados, ponderou exaustivamente todos os fatores pertinentes para o efeito, de forma assertiva e com respaldo na facticidade apurada, não se detetando qualquer incorreção ou desconformidade. Isto posto, tendo em perspetiva que a moldura abstrata correspondente ao crime de tráfico de produtos estupefacientes [agravado] previsto e punido pelos artigos 21º e 24.º, alínea i), do DL n.º 15/93 em que incorreu a recorrente é de prisão de 5 a 15 anos, a fixação da pena concreta apenas um ano acima do limite mínimo até se mostra benevolente. Inexiste, pois, qualquer motivo para reduzir a pena irrogada à recorrente BB, improcedendo a pretensão desta nesse sentido. 
 
 F.3 – Aplicação do regime especial para jovens menores de 21 anos relativamente ao arguido CC, redução da medida da pena aplicada e substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade [cfr. conclusões 37 a 71 do respetivo recurso]; Acautelando a possibilidade de não vir a ser absolvido em consequência da impugnação da matéria de facto que promoveu, como efetivamente veio a suceder, o arguido/recorrente CC manifesta a sua discordância quanto à pena que lhe foi aplicada. Sustenta, em resumo, que não pode deixar de beneficiar da atenuação especial da pena decorrente da aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, uma vez que tinha acabado de completar 16 anos à data da prática dos factos e se mostram verificados os demais pressupostos para o efeito, pelas razões que, de forma repetitiva, aduz ao longo da motivação e das conclusões, bem como que devem ser consideradas as circunstâncias atenuantes que elenca e que não foram consideradas pelo tribunal a quo e, em consequência, deve a pena ser reduzida para o mínimo legalmente previsto e, subsequentemente, substituída por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, pois que tal se mostra suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que em concreto de fazem sentir. Começando pela primeira parte da sobredita questão, efetivamente o ora recorrente CC, tendo nascido em ../../2007, completou 16 anos em ../../2023, idade que tinha quando praticou os factos em causa nos autos, o que demanda a ponderação da aplicação do regime especial para jovens criado pelo DL n.º 401/82, de 23.09. Com efeito, dispõe o artigo 9º do Código Penal que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial, ou seja, o mencionado diploma, em cujo preâmbulo se explica que o regime ali definido assenta na ideia de que “o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado” e que “o direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores”, sendo o princípio geral imanente o da “maior flexibilidade na aplicação das medidas de correção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão-só uma medida corretiva”. “Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”. Ao consagrar tal regime, o legislador acolheu o ensinamento de outros ramos do saber, que explicam que na adolescência e no início da idade adulta os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. E não sendo raro que nesse ciclo da vida os jovens enveredem por condutas ilícitas, o certo é que, em regra, essa criminalidade é um fenómeno efémero e transitório. Com efeito, embora uma elevada percentagem dos adolescentes participem, ocasionalmente, em atos levemente antissociais só uma percentagem muito diminuta é que toma parte repetidamente em graves atos antissociais, e destes só uma pequena parte é que entra na criminalidade séria. Importa, por isso, conforme refere o próprio legislador, evitar a estigmatização, o que só se consegue com o afastamento, sempre que possível, da aplicação da pena de prisão. Conclui-se, deste modo, que a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, por conseguinte, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que ele deve/tem de usar, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, quais sejam poder ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expetativas de reinserção de um jovem. No caso de ser aplicável pena de prisão, de acordo com o citado artigo 4º, a pena deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. Dos fundamentos deste regime legal resulta que na ponderação sobre a aplicação da norma contida no referido artigo 4º não se pode atender de forma exclusiva ou desproporcionada à gravidade da ilicitude ou da culpa do agente. Com efeito, a aplicação do regime da atenuação especial da pena, quando esta seja de prisão, depende do juízo que possa e deva ser formulado relativamente às condições do jovem arguido. Esse juízo deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não empeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade. Salvaguardadas que sejam, naturalmente, as exigências de prevenção geral ligadas à proteção de bens jurídicos, deve-se ponderar, no entanto, a importância fundamental que para essa proteção assume a reinserção do agente. Ora, como é consabido, a reinserção pode ser injustificadamente dificultada ou mesmo comprometida por uma pena de reclusão em ambiente prisional que importe um período de afastamento da vida individual e social em liberdade desproporcionado relativamente às exigências de reintegração do jovem. Isso mesmo deve ser avaliado em cada caso, aquando da ponderação das finalidades da pena, de forma a que, quando for de concluir que aquele excesso resulta da determinação da pena concreta no quadro da moldura penal abstrata, se opte pela sua atenuação especial, em obediência ao espírito do citado artigo 4º, uma vez que a atenuação da pena implicará uma moldura penal abstrata que permitirá uma pena concreta provavelmente mais adequada a alcançar a reinserção social do condenado. Para tanto, haverá que fazer um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para esse juízo no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projeção de personalidade especialmente desvaliosa. 
 No caso vertente, importa atentar na factualidade exarada como provada sob o ponto 72, da qual perpassa uma imagem global do trajeto de vida e da personalidade do ora recorrente … substancialmente distinta da que este invoca no seu recurso. Com efeito, ressuma do antedito ponto da matéria de facto provada que aquele arguido apresenta um percurso de vida desestruturado, decorrente da sua inserção em agregado familiar disfuncional, marcado pela negligência ao nível da frequência escolar, falta de adesão consistente a tratamento médico adequado e pela ausência do pai durante vários anos, por cumprimento de pena de prisão, tal como os irmãos mais velhos, culminando na institucionalização do mesmo nos períodos de 17/12/2021 a 10/07/2023 e após 09/11/2023, por força da reclusão dos seus progenitores. Não obstante a aplicação da medida de acolhimento residencial ter temporariamente interrompido a sua exposição ao contexto familiar e permitido a reintegração escolar, a falha na aquisição de competências básicas de leitura escrita, bem como de hábitos de trabalho e de cumprimento de regras, a par de um percurso escolar marcado pelo elevado absentismo e falta de motivação/valorização, têm obstaculizado uma adesão efetiva e consistente à formação escolar. O recorrente revela fraca tolerância à frustração e tendência para assumir um comportamento agressivo perante as contrariedades, o que tem contribuído para o seu envolvimento em ocorrências como suspeito da prática de comportamentos ilícitos. Assim, está referenciado como suspeito em diversas ocorrências na PSP ... e na GNR ..., entre os quais: - NPP 178650/2024, NUIPC 397/24...., Crimes contra a propriedade em 01/04/2024; - NPP 538494/2023; NUIPC 1367/23...., Crimes contra a integridade física, em 06/11/2023; - NPP 538671/2023; NUIPC 1366/23...., Crimes contra a liberdade pessoal, em 02/11/2023; - NPP 468828/2023; NUIPC 1199/23....; crimes contra a integridade física, em 26/09/2023; - NPP 461427/2023; NUIPC1176/23...., Crimes contra a integridade física, em 22/09/2023; - NPP 437381/2023; NUIPC 1122/23...., Crimes contra a propriedade, em 07/09/2023; - NPP 383052/2023; NUIPC 984/23...., Crimes contra a propriedade, em 07/08/2023; - NPP 318127/2023; Crimes contra a integridade física, em 01/07/2023; - NUIPC 27/24....; Ameaças e Coação. - NUIPC 32/24....; Ofensas à integridade física simples; - NUIPC 36/24....; Ofensas à integridade física simples; - NUIPC 55/24....; Ofensas à integridade física simples; - NUIPC 96/24....; Ofensas à integridade física simples; - NUIPC 140/24....; Ofensas à integridade física simples. Acresce que o arguido já foi alvo de intervenção tutelar educativa, tendo sido acompanhado no âmbito da execução de um plano de conduta na suspensão do processo n.º 3107/21.... e duas medidas de acompanhamento educativo, de 18 e 12 meses respetivamente nos processos n.º 1481/2... e n.º1481/20...., já terminadas, tendo registado um cumprimento irregular de tais medidas, sendo alguns dos inquéritos acima mencionados instaurados no decurso destas medidas. O arguido ostenta um comportamento impulsivo e por vezes agressivo, sobretudo em situações de frustração e exigência, mostrando-se reativo face ao desfecho do presente processo, excluindo qualquer cenário de eventual condenação, sendo certo que na audiência de julgamento, no exercício de um direito que lhe assiste, optou por não prestar declarações, razão pela qual, na ausência de outras provas e uma vez que se trata de factos do domínio psicológico, não ficou demonstrado que efetuou algum juízo de autocritica, que interiorizou o desvalor da sua conduta e que se mostra arrependido. Ora, da descrita matéria de facto provada não é possível retirar elementos que permitam constituir base para fazer crer que a redução da pena de prisão por via da atenuação especial da pena decorrente da aplicação do regime especial para jovens possa contribuir para a reintegração do arguido na sociedade, nos termos anteriormente explicitados. Com efeito, do cenário factual que antecede sobressai que, apesar das circunstâncias relativas às condições de vida, socioeconómicas e familiares desfavoráveis e que terão contribuído sobremaneira para o trajeto de vida adotado pelo arguido e para a formação da personalidade deste, foi já o mesmo alvo de intervenção tutelar educativa em três processos nos moldes acima descriminados, que não surtiu o pretendido efeito corretivo e dissuasor de comportamentos desviantes. Assim, nada permite fundamentar um juízo de prognose positivo sobre o desempenho futuro da personalidade do jovem arguido, revelando o mesmo elevadas necessidades de prevenção especial a realizar por via da aplicação de pena que sublinhe a necessidade de mudar o rumo da sua vida. Ante o exposto, secunda-se a decisão do tribunal a quo de não aplicar a atenuação especial da pena de prisão facultada pelo regime especial para jovens contido no DL n.º 401/82, de 23.09. 
 Isto posto, passemos à segunda parte da argumentação do recorrente, que critica o tribunal a quo «por não ter considerado como atenuantes: a posição subalterna – só cumpria ordens dos pais … Porém, se atentarmos na fundamentação do acórdão supra transcrita, que nos dispensamos de aqui reproduzir, verificamos que, ao contrário do preconizado pelo recorrente, o tribunal a quo teve em consideração a generalidade das invocadas circunstâncias, mas, obviamente, mas na estrita medida em que resultaram provadas, que não consentem, pois, as considerações subjetivas e tendenciosas por aquele tecidas. Ademais, o tribunal a quo atribuiu o devido peso atenuante ou agravante consoante tais circunstâncias tinham tais virtualidades. Assim, a título meramente exemplificativo, note-se que, pese embora o recorrente assumisse uma posição subalterna relativamente aos seus pais, os arguidos AA e a arguida BB, provou-se que agiu de forma livre, voluntária e consciente, nos moldes melhor explicitados na factualidade provada, atuando com dolo direto. Ademais, ignora intencionalmente o recorrente outras circunstâncias que militam contra si, tais como o facto de a sua atuação ter por objeto heroína e cocaína, duas das substâncias estupefacientes com efeitos mais perniciosos para os consumidores, de não apresentar integração sócio familiar e profissional nem evidenciar ter interiorizado o desvalor da sua atuação delituososa, o que eleva as exigências de prevenção especial e as consabidas prementes exigências de prevenção geral em face do flagelo social que o crime de tráfico de estupefacientes representa. Tendo o arguido incorrido, como autor material, na prática do crime de tráfico de estupefacientes [de menor gravidade] previsto e punido pelo artigo 25º, a), do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma legal, com pena de prisão de um a cinco anos, a fixação da pena concreta em 2 (dois) anos, ou seja, no primeiro quarto da moldura penal correspondente, mostra-se perfeitamente proporcionada, não merecendo qualquer reparo. 
 O recorrente pugna, finalmente, pela substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, prevista no artigo 58º do Código Penal. As penas de substituição constituem, no nosso ordenamento jurídico, verdadeiras penas, com um regime jurídico em larga medida individualizado, e surgem como resposta ao impacto potencialmente mais negativo que positivo para o condenado em decorrência da execução de penas de prisão de curta duração, sendo que, atualmente, também a pena principal de multa pode ser substituída. Como ensina Figueiredo Dias[51], a opção pelas penas substitutivas deve basear-se nas necessidades de prevenção geral, mas, em particular, de prevenção especial de sociabilização do agente e o critério a observar «é, em toda a sua simplicidade, o seguinte: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação. (…) Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.». Em suma, o critério essencial que deve presidir à substituição das penas é o da adequação da pena substitutiva às necessidades e finalidades da punição. Na tarefa de ponderação da substituição da pena principal concretamente fixada, o tribunal está sujeito a uma discricionariedade vinculada, já que tem o poder-dever de assim decidir caso se mostrem verificados os pressupostos formais e materiais para tanto. Inexistindo uma hierarquia legal de penas de substituição, quando o tribunal tenha ao seu dispor mais do que uma pena de substituição a realizar de forma adequada as finalidades da punição, o critério de escolha da pena a aplicar terá que assentar na avaliação das exigências de prevenção especial ou de socialização que se fazem sentir em concreto, optando-se por aquela que, atenta a prognose favorável no sentido da ressocialização em liberdade e a não oposição das irrenunciáveis exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, as realiza de forma mais adequada e menos gravosa para o arguido. No caso em apreço, tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 2 (dois) anos de prisão é admissível a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos nos artigos 58.º e 59.º, pela suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos 50.º a 57.º, ou por regime de obrigação de permanência na habitação, como dispõem os artigos 43.º e 44.º, todos do Código Penal (estas duas últimas, penas substitutivas em sentido impróprio como parte da doutrina a denomina, por corresponderem a uma forma alternativa de “cumprimento” da pena de prisão). O tribunal a quo decidiu que a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 3 anos, condicionada a regime de prova, com a obrigação de cumprimento dos deveres, além do mais, de o recorrente se manter ativo profissionalmente e/ou prosseguir com a sua formação escolar durante todo o período de suspensão, se abster de deter, possuir e consumir estupefacientes e responder e/ou cumprir com todas as convocatórias do técnico de reinserção social, prestar a este as informações mencionadas nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 54.° do Código Penal e de colaborar ativamente na elaboração e execução do plano de reinserção social, nos termos previstos nos artigos 50º, n.º 1, 2, e 5, 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por entender que tal seria adequado às finalidades da punição. Efetivamente, considerando as fragilidades que o arguido CC evidencia na formação da sua personalidade e na aquisição de competências que lhe permitam adotar comportamentos normativos, afigura-se-nos que a suspensão da execução da pena mediante regime de prova e a imposição de deveres, a concretizar com o apoio e supervisão da DGRSP, entidade vocacionada para o efeito, são aptos a alcançar as finalidades da punição, maxime, a reinserção social daquele. Mostra-se, assim, adequada e acertada a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, inexistindo, por isso, motivo para se equacionar a prestação de trabalho a favor da comunidade, tanto mais que o recorrente, no uso de faculdade legal, se recusou a prestar declarações e, como tal, nem sequer deu o necessário consentimento para tanto. Mas, independentemente disso, a prestação de trabalho a favor da comunidade não apresenta o potencial reeducativo que carateriza o regime de prova e de que o recorrente carece, pelo que sempre seria de excluir aquela pena de substituição. Improcede, pois, também esta pretensão do recorrente CC. 
 * III. – DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos … e, em consequência, confirmar o decidido. * Custas pelos arguidos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, individualmente, nas quantias correspondentes a 3 (três) unidades de conta relativamente ao arguido AA e 4 (três) unidades de conta relativamente aos arguidos BB e CC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma]. * Cumpra-se o disposto no artigo 425º, n.º 6, do Código de Processo Penal. * (Elaborado pela relatora, sendo revistos e assinado eletronicamente pelas signatárias – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)  * 
 Isabel Gaio Ferreira de Castro [Relatora] Fátima Sanches [1.ª Adjunta] Maria José Matos [2.ª Adjunta] 
 [1] Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se alterações da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.  [8] Cfr. o acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/1992, CJ, Tomo I, pág. 36, e o acórdão do Tribunal Constitucional de 2/12/98, DR Ia Série, de 05/03/1999. [26] Cfr. o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, os acórdãos de 31-10-2007 (processo n.º 07P3218), de 03-12-2009 (processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1), de 28-10-2009 (processo n.º 121/07.9PBPTM.E1.S1), de 10-01-2007 (processo n.º 3518/06), de 04-01-2007 (processo n.º 4093/06) e de 04-10-2006 (processo n.º 812/06). |