Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
256/24.3T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
DECLARAÇÃO DE DESPEDIMENTO
EXIGÊNCIA DE DECLARAÇÃO INEQUÍVOCA
AMEAÇA DE DESPEDIMENTO SOB CONDIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 357.º, N.º 7, DO CÓDIGO DO TRABALHO, 224.º, N.º 1, E 342.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, consubstanciando uma declaração unilateral deste de natureza recetícia (n.º 7 do artigo 357.º do CT e n.º 1 do artigo 224.º do C.C.), declaração esta que tem de ser inequívoca e concludente.

II – Não consubstancia uma declaração inequívoca de cessação da relação contratual existente entre as partes a declaração da legal representante da Ré para a Autora, na sequência de uma discussão devida ao gozo da folga, de que se ela não viesse trabalhar no dia seguinte, e decidisse gozar a folga, escusava de voltar ao trabalho.

III – Esta declaração constitui uma ameaça de despedimento sob condição e não aquela declaração inequívoca e concludente de despedimento.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente no ...,

intentou a presente ação de processo comum, contra

A... Unipessoal, Lda., com sede em ..., ...

alegando, em síntese, que em 07/07/2023 celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo certo pelo período de seis meses; em 27/07/2023 a ré fez cessar o contrato, tendo despedido verbalmente a Autora, não tendo dado cumprimento ao disposto no artigo 344.º, n.º 1, do CT, nem tendo havido qualquer processo disciplinar prévio, cessação ilícita tendo, por isso, direito a ser indemnizada e aos salários vencidos até ao termo do contrato. 

Termina formulando o seguinte pedido:

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, devendo, em consequência, ser declarada a cessação do contrato de trabalho, com efeitos reportados a 27 de Julho de 2023, e por via disso ser a ré condenada a pagar à autora a quantia global de 5286,88 €, (cinco mil duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos), nos termos que se discriminaram nos artigos supra, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da cessação do contrato e até integral pagamento.”

                                                             *
            Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, a
Ré apresentou contestação alegando, em sinopse, que:

Não houve qualquer despedimento mas sim uma situação de abandono do posto de trabalho imputável apenas à Autora.

Conclui dizendo que:

Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente ação de condenação ser julgada totalmente improcedente, por não provada com as demais consequências legais.

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador e dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento, conforme resulta das respetivas atas.                                                                                       *

Foi, depois, proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a presente ação, declarando-se a cessação do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré, com efeitos reportados a 27 de Julho de 2023, condenando-se a ré A... Unipessoal, Ld.ª a pagar à autora AA a quantia global de €5 286,88 (cinco mil duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento e até integral pagamento.

                                                             *

A Ré notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…).

                                                                       *

A Autora apresentou resposta concluindo:

(…).

                                                           *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Questão prévia

Impugnação da matéria de facto

A Ré recorrente interpôs o presente recurso com impugnação da matéria de facto pugnando que, por força da reapreciação da matéria de facto, se considere não provada a matéria descrita no ponto 7 do elenco dos factos provados.

Acontece que independentemente de se considerarem provados ou não provados os factos suprarreferidos, é nosso entendimento que, pelas razões que mais adiante explicitaremos, a matéria apurada já permite apreciar as questões suscitadas pela recorrente.

Assim sendo, a reapreciação da matéria de facto pretendida pela recorrente revela-se inútil, pelo que, tendo em conta a proibição da prática de atos inúteis, ou seja, o princípio da limitação dos atos (artigo 130.º do CPC) não procederemos à mesma.

Na verdade, como se refere no acórdão do STJ, de 17/05/2017, disponível em www.dgsi.pt:

<<III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo.

IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.>>

                                                             *

Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela recorrente, quais sejam:

1ª – Se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

2ª – Se a A. não foi verbalmente despedida pela Ré.

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1. Em 07 de julho de 2023, a autora e a ré subscreveram um acordo escrito denominado “contrato individual de trabalho a termo certo”, pelo período de 6 meses,

2. Com início a 01/07/2023 e cessação prevista em 31/12/2023, para exercer as funções de trabalhadora auxiliar de serviços de restauração e alojamento, mediante a retribuição de 760,00 € mensais.

3. Com o seguinte teor:

“ACORDO/CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO

Entre A... UNIPESSOAL, LDA, com o NIPC ...87 e o NISS ...77, com domicílio fiscal na Estrada ..., ... ... ... — ..., designado como Primeiro Outorgante, e AA Contribuinte nº ...75 e o Niss - ...02 portador de documento do Passaporte ... pela República de Marrocos 27/02/020, residente na Estrada ... — ..., como segundo outorgante, é celebrado o presente contrato de trabalho a termo, a que os outorgantes se obrigam nos seguintes termos:

A 1° Outorgante é uma empresa que se dedica à atividade de Restauração e Alojamento, com o CAE 56101.

1 - O Segundo Outorgante é admitido ao serviço do Primeiro Outorgante, com a categoria profissional de Trabalhador Auxiliar de Serviços de Restauração e Alojamento, tendo de desempenhar as seguintes funções: tarefas inerentes à restauração e alojamento, tais como ajudar na cozinha, servir à mesa e arrumação de quartos, assim como outras que o primeiro outorgante indicar relacionadas com a actividade;

2 - Ao segundo outorgante é atribuído um vencimento mensal de 760,00E Setecentos e Sessenta Euros ), sendo o pagamento mensal efetuado em dinheiro, sujeito aos descontos legais em vigor, o valor do alojamento e alimentação que será fornecida pela empresa é no valor de 260,00E/mensais que será descontado mensalmente no vencimento.

3 — O local de trabalho é no Restaurante da primeiro outorgante ou eventualmente em outro local onde o Primeiro desenvolva a sua atividade.

4 — O período de trabalho é de Segunda- Feira a Domingo e tem a duração de 40 horas semanais, sendo distribuídas de acordo com as necessidades do primeiro outorgante;

5 - O presente contrato tem início em 01 de Julho de 2023 e termina a 31 de Dezembro de 2023;

3'

A segunda outorgante prestará o seu trabalho a titulo exclusivo para a 1 a outorgante.

4 1)

A duração das férias e respetivo subsídio serão calculados de harmonia com o estabelecido nos artigos 237.° a 247.° da Lei n° 7/2009 de 12/02.

O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho é C.C.T, entre a CAP -Confederação dos Agricultores de Portugal e a FESAHT Federação dos Sindicato da Agricultura., .(publicado no BTE n°24 de 2011/6/29);

- Em face da celebração do presente contrato, e na sua vigência, assim como, caso seja, após a sua cessação, a segunda outorgante declara não fornecer ou divulgar por via imediata ou mediata, identidade de clientes e fornecedores, conteúdos e informações que lhe venham a ser confiados ou concedidos e que possam, de alguma maneira pôr em risco, deturpar a imagem e o bom nome, evidenciar metodologias de organização, trabalho e comerciais do primeiro outorgante:

6'

Em face da celebração do presente contrato, e na sua regência, assim como, caso seja, após a cessação, O 2° outorgante declara não fornecer ou divulgar, por via imediata ou mediata, elementos, conteúdos e informações, que lhe venham a ser confiados ou concedidos e que possam, de alguma maneira, por em risco, deturpar a imagem e o bom nome, evidenciar metodologias de organização, trabalho e comerciais da 1 ° outorgante.

As partes acordam que, para julgamento de quaisquer questões emergentes do não cumprimento deste contrato, o foro competente seja o Tribunal de Trabalho da Covilhã.

As questões omissas no presente contrato, serão aplicáveis as disposições legais previstas no Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, que a esse respeito se mostrem adequadas, assim como CCT aplicável.

Lido, ratificado e achado conforme vai o contrato ser assinado pelas Outorgantes.

..., 07 de Julho de 2023”[2]

4. A autora já desempenhava ininterruptamente essas mesmas funções para a ré desde o dia 01/06/2023, e anteriormente,

5. Nos primeiros 15 dias do mês de abril, também desempenhou tais funções sob a direção, fiscalização e autoridade da ré,

6. Tendo em qualquer dos casos um horário de 40 horas semanais, de segunda-feira a Domingo.

7. Em 27 de julho de 2023, na sequência de uma discussão devida ao gozo da folga, a legal representante da ré disse à autora que se ela não viesse trabalhar no dia seguinte, e decidisse gozar a folga, escusava de voltar ao trabalho[3].

8. Desde essa data não mais a autora compareceu ao trabalho.

9. Fora estipulado entre a autora e a ré que esta fornecia alimentação e habitação àquela, em face do que lhe descontava no vencimento o valor de 260,00 € mensais.

10. No mês de junho a ré pagou à autora € 50,00 e

11. No final de julho pagou-lhe € 363,76

12. A ré descontou à autora o valor do alojamento fornecido.

13. A ré não lhe pagou as quantias referentes a salários, proporcionais de subsídio de férias e de Natal, as férias vencidas e não gozadas e indemnizações pela cessação do contrato.

14. A Autora vivia juntamente com o marido numa casa cedida pela Ré, a qual é propriedade do marido da sócia gerente da Ré.

Factos não provados

A. No período de 01/06/2023 a 27/07/2023, a ré colocou a autora a dormir numa “palheira” juntamente com ovelhas e galinhas.

B. Tal casa dispunha de um quarto equipado com ar condicionado com cama, mesa de cabeira e roupeiro, de uma divisão destinada a sala e cozinha com sofá e casa de banho.

C. No dia 27 de julho de 2023, a Autora foi ter com a representante da Ré e com o filho desta o Sr. BB, dizendo-lhes que não pretendia continuar a trabalhar para a Ré, que apenas pretendia o pagamento dos dias de trabalho que fizera.

D. No dia 31 de julho, a Autora foi ter com a sócia gerente da Ré e com o filho desta BB e sem justificar o motivo pelo qual se encontrava a faltar desde o dia 27 de Julho, exigiu o pagamento do seu ordenado.

E. A gerente, na frente do seu filho, de alguns clientes e demais presentes procedeu ao pagamento do vencimento da Autora no valor de € 641,24 (seiscentos e quarenta e um euro e vinte e quatro cêntimos), em numerário por exigência desta.

F. A Autora ausentou-se da localidade de ..., para parte incerta.

                                           *

                                           *

b) - Discussão

1ª questão

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Alega a recorrente que a sentença é nula porque o tribunal não se pronunciou sobre se a Ré tinha ou não motivo justificável para recusar a folga alegadamente peticionada pela Autora e, ainda, porque também não se pronunciou sobre as questões suscitadas pela Ré no seu requerimento de 05/09/2024, referência 3694763, quanto às fotos e mensagens juntas pela Autora em audiência de discussão e julgamento.

Vejamos:

Conforme resulta do artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC a sentença é nula quando:

<<O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…);>>.

Na verdade, conforme impõe o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, <<o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.>>

O tribunal deve apreciar todas as questões que lhe foram apresentadas pelas partes, sob pena de nulidade da decisão, o que já não ocorre com a falta de discussão de todas as razões ou argumentos invocados.

Nas palavras do Professor Alberto dos Reis[4], <<são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão>>.

Significa isto que o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são apresentadas, <<de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)>>[5].

Ora, resulta do que ficou dito que a omissão de pronúncia respeita a questões e não a argumentos, factos ou apreciação da prova.

Se a sentença recorrida fez, ou não, uma errada apreciação da prova ou subsunção jurídica da matéria descrita no ponto 7 do elenco dos factos provados são questões que cumpre apreciar em sede de impugnação da matéria de facto e de fundamentação jurídica e não de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Aliás, não resulta dos autos, nomeadamente da audiência de discussão e julgamento, que a “questão” a que se refere a recorrente - se a Ré tinha ou não motivo justificável para recusar a folga alegadamente peticionada pela Autora - tenha sido apresentada ao tribunal pelas partes.

Assim sendo, inexiste a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

Improcedem, assim, as conclusões da recorrente.

                                                            

2ª questão

Se a Autora não foi verbalmente despedida pela Ré.

Como já referimos, a Ré recorrente alega que no caso da entidade patronal fazer depender a manutenção do contrato de uma condição, é ao trabalhador que cabe decidir se a relação laboral se deveria manter ou não; este tinha o dever de ter o cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real da Ré, o que não se verificou no presente caso, não pode ter-se por verificado o despedimento verbal; a legal representante da Ré não praticou qualquer ato revelador da vontade de proceder ao despedimento da Autora, ou no sentido de a impedir de prestar a sua atividade, de forma a que a Autora se pudesse considerar como tendo sido despedida, sendo que, a partir 28/07 não se apresentou mais ao trabalho, tendo apenas comunicado com os representantes da Recorrente, com o intuito de que estes lhe pagassem a sua retribuição e nada mais, pelo que, deve julgar-se não ter havido despedimento da Autora por parte da Recorrente e, em consequência, ser a Recorrente absolvida do pagamento de qualquer indemnização por despedimento à Autora.

Por outro lado, na sentença recorrida decidiu-se pela existência de um despedimento da Autora, por parte da Ré, consubstanciado no comportamento desta ao dizer àquela que se ela não viesse trabalhar no dia seguinte e decidisse gozar a folga, escusava de voltar ao trabalho.

Vejamos:

Como refere Pedro Furtado Martins[6], <<o despedimento é uma declaração de vontade do empregador dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. (…)

Contudo, para que exista um despedimento – embora ilícito – basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.>>

Na verdade, o despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, consubstanciando uma declaração unilateral deste de natureza recetícia, ou seja, que se torna eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário (n.º 7 do artigo 357.º do CT e n.º 1 do artigo 224.º do C.C.), declaração esta que tem de ser inequívoca e concludente.

Assim sendo, é nosso entendimento que a matéria descrita no ponto 7 do elenco dos factos provados - em 27 de julho de 2023, na sequência de uma discussão devida ao gozo da folga, a legal representante da ré disse à autora que se ela não viesse trabalhar no dia seguinte, e decidisse gozar a folga, escusava de voltar ao trabalho – não consubstancia uma declaração inequívoca e concludente de cessação da relação contratual existente entre as partes.

Na verdade, tal declaração constitui uma ameaça de despedimento sob condição e não aquela declaração inequívoca, sendo certo, no entanto, que a relação laboral existente entre as partes cessou, posto que a Autora, a partir daquela data, não mais compareceu ao trabalho.

Como se decidiu no acórdão do STJ, de 08/07/2020, disponível em www.dgsi.pt:

<<Como tem salientado a jurisprudência da Secção Social deste STJ o despedimento de facto pressupõe uma conduta inequívoca do empregador que traduza para um declaratário normal uma vontade clara do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho, cabendo ao trabalhador o ónus da prova da existência de um despedimento (cfr. Acórdão de 10/10/2018, proferido no Proc. n.º 11615/15.2T8SNT.L1.S29, Acórdão de 7/9/2017, proferido no Proc. n.º 2242/14.2TTLSB.L1.S1, Acórdão de 9/7/2014, proferido no Proc. n.º 2242/14.2TTLSB.L1.S1 , todos publicados em www.dgsi.pt.)

Também no Acórdão de 11/4/2018, proferido no Proc. n.º 19318/16.4T8PRT.P1.S1 sumariou-se «Constituindo o despedimento estruturalmente um negócio jurídico unilateral recetício, a vontade do empregador, de fazer cessar o contrato de trabalho, tem de ser “inequívoca” e “concludente”, pelo que somente são admitidos os “despedimentos tácitos”, também chamados “de facto”. que estejam corporizados num seu comportamento evidente e claro, do qual decorra, necessariamente, a manifestação da sua vontade de romper a relação laboral».

Na doutrina Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, págs. 149 e segs.) refere que o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, acrescentando que o despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respetivo procedimento.

O mesmo autor faz notar que para que exista um despedimento ̶ ainda que ilícito ̶  basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.

(…)

Como se refere no Acórdão do STJ de 27-02-2008, proferido no Recurso n.º 4479/07 «I. O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho. II - Essa declaração de vontade é recetícia, o que significa que, para se tornar eficaz, tem de ser levada ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil)».

Por seu turno, no Acórdão do STJ de 21-10-2009, proferido no Proc. n.º 272/09.5YFLSB refere-se «A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela».>>

Regressando ao caso dos autos, tendo em conta a declaração da Ré suprarreferida, impunha-se à Autora (como a qualquer normal declaratário) que diligenciasse por recolher mais elementos no sentido de se esclarecer sobre a vontade real daquela.

Dito de outra forma, impunha-se à Autora que no dia seguinte à folga se apresentasse no local de trabalho a fim se inteirar da vontade da Ré quanto à continuação da relação laboral existente entre as partes.

Em suma, tendo em conta a matéria de facto provada não ocorreu o despedimento ilícito da Autora, sendo que, era sobre esta que impendia o respetivo ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC) e, consequentemente, a mesma não tem direito à indemnização peticionada e fixada na sentença recorrida, no montante de € 3.875,99.

Procedem, assim, as conclusões da recorrente. 

                                                             *

Assim sendo, na parcial procedência das conclusões da Ré recorrente, impõe-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

                                                             *                                                        

IV – Sumário[7]

(…).

                                                               *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência da apelação, acorda-se em:

- revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 5.286,88, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia total de € 1.410,89 (mil quatrocentos e dez euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimentos e até integral pagamento

e, no mais,

- em manter a sentença recorrida.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo da Ré recorrente, na proporção de 1/3, posto que a Autora se encontra isenta das mesmas.

                                                             *

                                                             *


 Coimbra, 2025/05/16

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(Paula Maria Roberto)

______________________

(Mário Rodrigues da Silva)

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(Felizardo Paiva)


                                                                                                                                                                                                                                                                 


[1] Relator – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
   Felizardo Paiva

[2] Facto introduzido ao abrigo do disposto no artigo 72º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, junto pela autora, não impugnado pela ré e submetido a discussão.
[3] Facto introduzido ao abrigo do disposto no artigo 72º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, que resultou do depoimento da testemunha CC e dos documentos junto na audiência de julgamento, constantes da Ref.ª n.º 37452128 de 09/07/2024 e submetidos a discussão e contraditório.
[4] Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 143.
[5]  Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 737.
[6] Cessação do Contrato de Trabalho, 2ª edição, Principia, págs. 73 e 74.
[7] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.