Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/00.3TBTCS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA CARVALHO E SÁ
Descritores: CRIME PUNÍVEL COM PRISÃO ATÉ 10 ANOS
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
FACTOS COM EFEITO SUSPENSIVO E INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO.
DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
PRAZO NORMAL DE PRESCRIÇÃO
PRAZO MÁXIMO DE PRESCRIÇÃO
PRAZOS DE SUSPENSÃO INTRODUZIDOS PELAS LEIS TEMPORÁRIAS DE RESPOSTA À SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA PROVOCADA PELO CORONAVÍRUS SARS-COV-2 E DA DOENÇA COVID-19
Data do Acordão: 10/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE TRANCOSO
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 119.º, N.ºS 1, 120.º, N.º 1, ALÍNEA C), E 3, 121.º, N.ºS 1, ALÍNEA C), 2 E 3, E 126.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 7.º, N.ºS 3 E 4, DA LEI N.º 1-A/2020, DE 19 DE MARÇO
ARTIGO 6.º-B, N.º 3, DA LEI N.º 4-A/2021, DE 1 DE FEVEREIRO
Sumário: I - A prescrição do procedimento criminal expressa a renúncia do Estado ao seu direito de punir devido ao decurso de certo período temporal após a prática do facto ilícito típico, porque, decorrido esse tempo, deixa de ser possível cumprirem-se os fins das penas e, também, porque o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais problemáticos a investigação e o consequente apuramento da verdade material.

II - Na contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal deve atender-se aos factos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.

III - A contumácia é a situação processual de suspensão dos termos do processo nos casos de ausência do arguido que não tenha prestado termo de identidade e residência e do qual se desconheça o seu paradeiro.

IV - A declaração de contumácia produz efeitos substantivos, entre eles a prescrição, pois interrompe o prazo de prescrição quer do procedimento criminal, quer das penas e medidas de segurança, e enquanto suspende o decurso do prazo de prescrição, tanto do procedimento criminal, como das penas e medidas de segurança.

V - Estando em causa um crime punível com prisão até 10 anos, praticado em 14-11-2000, e tendo sido declarada a contumácia em 18-1-2005, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, corre desde o dia em que o facto ilícito se consumou e contabiliza-se do seguinte modo:

1º - prazo normal de prescrição: a partir de 18-1-2005 (facto interruptivo) contam-se 10 anos, a que acrescem 10 anos de suspensão (artigo 120.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, do C.P.P.), pelo que em 18-1-2025 está prescrito o procedimento criminal;

2º - prazo máximo de prescrição: a partir de 14-11-2000 (facto delituoso), contam-se 10 anos, a que acrescem 5 anos (artigo 121.º, n.º 3, do C.P.P.), acrescendo ainda os tempos de suspensão – 10 anos pela contumácia – ocorrendo a prescrição do procedimento criminal em 14-11-2025.

VI - O prazo máximo de prescrição só releva se antes não for atingida a prescrição normal, caso em que é prescrição normal que releva.

VII - A causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal estabelecida no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e no artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-A/2021, de 1 de Fevereiro – diplomas que vigoraram durante o período pandémico vivido em Portugal -, apenas não se aplica aos factos praticados durante a sua vigência, podendo ditar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objecto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.

VIII - O decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão 500/2021, arredando qualquer inconstitucionalidade no entendimento de o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, ter estabelecido uma nova e excepcional causa de suspensão da prescrição em matéria contraordenacional, aplica-se igualmente à prescrição do procedimento criminal, não havendo fundamento para se fazer qualquer diferenciação entre esses procedimentos no que tange a esta questão jurídica.

IX - A suspensão introduzida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei.º 1-A/2020, de 19 de Março, vigorou entre o dia 9 de Março de 2020 até ao dia 3 de Junho de 2020, num total de 87 dias, e a suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais e contraordenacionais introduzido pelo n.º 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, vigorou entre 22 de Janeiro de 2021 até ao dia 5 de Abril de 2021, num total de 74 dias.

X - Atendendo a que, no caso, o termo do prazo normal de prescrição ocorreria em 18-1-20025, resulta que o prazo de prescrição apenas se consumou em 28-6-2025, pois a esta data ainda acresceram os 161 dias de suspensão verificada durante a pandemia Covid-19.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

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I. Relatório:


1.1. No processo Comum Singular nº 52/00.3TBTCS, do Juízo Local Criminal de Trancoso do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, foi proferida em 11/02/2025, com a referencia 32006957, decisão com o seguinte teor:
 “Pelos presentes autos foi deduzida acusação pública, no dia 25/01/2001, contra os Arguidos e , por factos ocorridos a 14/11/2000, imputando-lhes, a cada um, a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.º 1, al. c) e n.º 3 do Código Penal (cfr. fls. 99).

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal e, consequentemente, o arquivamento dos autos.

Cumpre apreciar e decidir.

Aos Arguidos é imputada a prática de um crime de falsificação de documento, atualmente previsto e punido pelo art. 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3 do Código Penal … punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.

Estatui o art. 118.º, n.º 1 do CP que o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiver decorrido o prazo de 10 anos, uma vez que o crime imputado aos Arguidos é punido com pena até 5 anos de prisão (n.º 3 do referido preceito), sendo certo que o art. 119.º, n.º 1 do CP estatui que o prazo de prescrição começa a correr no dia em que o facto se tiver consumado. Logo, no caso sub judice, significa que o prazo de prescrição do procedimento criminal se iniciou em 14/11/2000, em virtude da consumação do crime em apreço ocorrer quando os Arguidos utilizaram documentos autênticos (passaportes) indicados na acusação deduzida.

Não obstante, é de ponderar as causas que implicaram a suspensão e interrupção do prazo da prescrição.

Porquanto, o art. 120.º, n.º 1, al. c) do CP dita que o prazo da prescrição do procedimento criminal se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia, não podendo, neste caso, a suspensão ultrapassar o prazo normal de prescrição, nos termos do art. 120.º, n.º 3 do CP.

Acresce que, o art. 121.º, n.º 1 do CP determina que a prescrição do procedimento criminal se interrompe, nomeadamente, com a constituição de arguido e com a declaração de contumácia (als. a) e c)).

Mais acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição e o n.º 3 adita que sem prejuízo do disposto no art. 118.º, n.º 5 do CP a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.

Neste ponto, é necessário ponderar o art. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril e, posteriormente a Lei n.º 4-B/2020, de 1 de Fevereiro que, em face das excecionais exigências do combate à pandemia COVID-19, estabeleceu a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais.

Assim, criou-se uma nova causa de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança, a par das indicadas no art. 125.º do CP, a qual produziu os seus efeitos desde o dia 09/03/2020 (de acordo com o art. 6.º, n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, que introduziu a primeira alteração à referida Lei n.º 1-A/2020), até ao dia 02/06/2020 (por força do estabelecido na Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) e posteriormente desde o dia 22/01/2021 (através da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro), até ao dia 05/04/2021 (de acordo com a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).

Assim, a conclusão que se pode assacar é que a nova causa de suspensão dos prazo de prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança apenas poderá, então, ser aplicada para os factos praticados na sua vigência (neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/07/2020, proferido no âmbito do processo n.º 76/15.6SRLSB.L1-5, de 24/07/2020, proferido no âmbito do processo n.º 128/16.5SXLSB.L1-5, de 09/03/2021, proferido no âmbito do processo n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5, do Tribunal da Relação do Porto de 14/04/2021, proferido no âmbito do processo n.º 300/19.6Y9PRT-B.P1 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/03/2023, proferido no âmbito do processo n.º 302/11.0GAMMV.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso em concreto, a situação jurídico-fáctica já se encontrava a decorrer e a lei nova temporária, vem agravar a situação dos Arguidos, ainda que de forma temporária e decorrente das excecionais exigências do combate à pandemia COVID-19. Logo, em obediência ao princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, impõe-se concluir que tais causas de suspensão não são aplicáveis ao presente caso.

Volvendo ao caso, tem-se que foi deduzida acusação contra os Arguidos a 25/01/2001, por factos praticados em 14/11/2000, pelo que foi nesta data em que se iniciou o prazo de prescrição. Porém, atento o desconhecimento do paradeiro dos Arguidos e nunca terem sido notificados da acusação contra os mesmos deduzida, foram os Arguidos declarados contumazes, por despacho proferido a 18/01/2005 (cfr. fls. 207), o que acarretou a suspensão e consequente interrupção do prazo de prescrição que se havia iniciado a 14/11/2000.

Ora, com base nestes elementos factuais, resulta que, desde a data da consumação do crime até à presente data, ainda não decorreu o prazo máximo de prescrição, ou seja, de acordo com o preceituado no art. 121.º, n.º 3 do CP é necessário que descontado o tempo de suspensão, decorra o prazo normal de prescrição (10 anos), acrescido de metade (5 anos).

Assim, nos termos do art. 121.º, n.º 3 do CP é necessário que, desde a data da prática dos factos, ocorram 25 anos [10 anos (prescrição normal) + 10 anos (período de suspensão) + 5 anos (metade do prazo normal da prescrição)].

Por conseguinte, a prescrição do presente procedimento criminal autos apenas ocorre a 14/11/2025”.


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1.2. Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“A. O Ministério Público não se conforma com a decisão de fls. 709 e ss, proferida em 11/02/2025, com a referência 32006957, pelo Tribunal a quo, que considerou que a prescrição do procedimento criminal ainda não teve lugar, e ocorre apenas em 14/11/2025 e, nessa medida, determinou que os autos prosseguissem e aguardassem por 3 (três) meses.

B. Entendeu o Tribunal recorrido que se aplica o disposto no art. 121.º, n.º 3 do C.P., e que, ressalvado o período de suspensão (de 10 anos), ainda não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade (de 15 anos), quanto a factos sucedidos no dia 14/11/2000, pelo que o procedimento prescreveria a 14/11/2025.

C. Entende o Ministério Público, ora recorrente, que o procedimento criminal prescreveu a 18/01/2025, porquanto, em síntese, com a cessação da contumácia a 18/01/2015, se iniciou novo prazo normal de prescrição antes interrompido pela mesma declaração de contumácia, sendo que sobre a mesma decorreram 10 anos no dia 18/01/2025;

D. Consequentemente, não há lugar a aplicação do prazo máximo de prescrição previsto no art. 121.º, n.º 3 do C.P., porque não houve nova causa de interrupção desde a cessação da contumácia, tendo findo o prazo normal conforme decorre dos artigos 118.º, n.º 1, alínea b), 119.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, 121.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, todos do Código Penal.

F. Os factos que originaram os presentes autos ocorreram no dia 14/11/2000, e integram a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º do C.P, crime do qual, por despacho de fls. 98, foram os arguidos acusados, todavia estes não prestaram TIR nos presentes autos, e não foi possível notificá-los do despacho de acusação.

G. Por despacho de 18/01/2005, fls. 207 e ss, os arguidos foram declarados contumazes, facto simultaneamente suspensivo e interruptivo da contagem do prazo de prescrição (artigo 120, n.º 1, al. c) e 121.º, al. c), ambos do Código Penal).

H. Nos termos do art. 118.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, do C.P., o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime hajam decorrido 10 (dez) anos, no caso de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a cinco anos, como in casu.

I. A suspensão em virtude da declaração de contumácia não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição, no caso 10 (dez) anos - cfr. art. 120.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, do C.P. pelo que, tendo-se iniciado a contumácia em 18/01/2005, a mesma cessou em

18/01/2015.

J. Sendo a declaração de contumácia igualmente causa de interrupção, após a cessação da suspensão, a contagem do prazo de prescrição reiniciou-se (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal), pelo que, contado novamente o prazo de dez anos desde 18/01/2015,

a prescrição do procedimento criminal sempre ocorreria a 18/01/2025.

K. O prazo máximo de prescrição do procedimento criminal previsto no art. 121.º n.º3 do C.P. apenas ocorre se o prazo normal não se atingir numa data aquém desse prazo

máximo, ou, por outras palavras, este prazo de prescrição só releva se antes não for atingida a prescrição normal, o que pressupõe a verificação de nova causa de interrupção da prescrição (como a constituição como arguido o poderia ter sido no caso dos autos).

L. Entre 18/01/2015 e o dia 18/01/2025 não foi possível localizar qualquer dos arguidos, pelo que não foram estes formalmente constituídos nessa qualidade (apenas por força da acusação, o que não interrompe a suspensão), nem foram notificados da acusação e, assim, não se verificou nova interrupção com reinício de novo prazo de prescrição – cfr. art. 121.º, n.º 1 e 2 do C.P., a contrario – pelo que o prazo normal de prescrição de 10 (dez)anos correu ininterruptamente e alcançou o seu termo.

M. Antes de chegarmos ao prazo máximo da prescrição do procedimento criminal previsto no artigo 121º, nº 3 do C.P, torna-se sempre imperativo verificar se, na contabilização quanto ao prazo normal se atingiria uma data aquém desse prazo máximo, situação em que releva sempre esse prazo normal, e não o prazo máximo, que só funcionará, pois, quando o prazo normal fique para além desse prazo máximo.

N. No caso, chega-se à prescrição normal (18/01/2025), antes da máxima, (14/11/2025), razão pela qual é a primeira que releva, e sendo pois tal entendimento também mais favorável aos arguidos.

O. A prescrição do procedimento criminal ocorreu em 18/01/2025 e bem assim a

extinção da responsabilidade criminal dos arguidos, pelos factos em causa nos presentes autos.



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1.3. O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado, e efeito suspensivo.

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1.4. Os arguidos não apresentaram resposta ao recurso interposto pelo M.P..

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1.5. Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer, …

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1.6. Cumprido o disposto no art.º 412 do CPP, os arguidos não ofereceram resposta.
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1.7. Proferido despacho liminar, foram os autos aos “vistos” e teve lugar a conferência.
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II – Questão a decidir:

Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a única questão a examinar e decidir no âmbito do presente recurso prende-se com a questão de saber:

se o procedimento criminal movido aos arguidos AA e BB, se encontra ou não prescrito.
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III – DA ANÁLISE DO FUNDAMENTO DO RECURSO

Com relevo para a questão a decidir resultam da decisão recorrida os seguintes factos provados:

3.1. Nos presentes autos foi deduzida acusação pública, no dia 25/01/2001, contra os Arguidos e , por factos ocorridos a 14/11/2000, imputando-lhes, a cada um, a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.º 1, al. c) e n.º 3 do Código Penal (cfr. fls. 99), punível com pena de prisão de seis meses a cinco anos, ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

3.2. Os arguidos não prestaram TIR nos presentes autos, e não foi possível notificá-los do despacho de acusação.

3.3. Consequentemente, por despacho de 18/01/2005, fls. 207 e ss, os arguidos foram declarados contumazes.


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Vejamos se o procedimento criminal movido aos arguidos … e …, se encontra ou não prescrito.

Quer o Tribunal a quo quer o Recorrente estão de acordo quanto às seguintes premissas:

- Que de acordo com o art. 118.º, n.º 1 b) do CP, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime em causa nos autos, tiver decorrido o prazo de 10 anos, uma vez que o crime imputado aos Arguidos é punido com pena até 5 anos de prisão (art. 256º/1 c) e n.º 3 do C.P.).

- Que de acordo com o art. 119.º, n.º 1 do CP, o prazo de prescrição começa a correr no dia em que o facto se tiver consumado, logo, no caso em apreço, o prazo de prescrição do procedimento criminal se iniciou em 14/11/2000, em virtude da consumação do crime em apreço ter ocorrido quando os Arguidos utilizaram documentos autênticos (passaportes) indicados na acusação deduzida.

- Que, de acordo com o art. 120º/1 c) do C.P., o prazo de prescrição do procedimento criminal se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia, pelo que a suspensão da prescrição em virtude da declaração de contumácia tem duração de dez anos, o que significa que, tendo-se iniciado a contumácia em 18/01/2005, a mesma cessou em 18/01/2015.

- Que, de acordo com art. 121.º, n.º 1 do CP, a prescrição do procedimento criminal se interrompe, nomeadamente, com a declaração de contumácia (als. c), mais acrescentando o 121º n.º 2 que, depois de cada interrupção, começa a correr novo prazo de prescrição, ou seja, após a cessação da suspensão, a contagem do prazo de prescrição reinicia-se.

O foco de divergência reside no seguinte ponto:

Na tese do recorrente, a declaração de contumácia que suspende a prescrição do procedimento criminal “(…) não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição”, pelo que, a suspensão da prescrição em virtude da declaração de contumácia, apenas pode ter a duração de dez anos, em face do crime em apreço, não podendo ultrapassar o prazo normal de prescrição (cfr. artigo 118.º, n.º 1, al. c), do Código Penal), ou seja, após a declaração da contumácia (18/1/2005), já decorreram 10 (dez anos), que correspondem ao limite máximo da suspensão por causa daquela declaração e outros 10 (dez) anos, que correspondem ao prazo da prescrição normal, contados desde 18/01/2015, pelo que a prescrição do procedimento criminal terá ocorrido a 18/01/2025.

Já de acordo com a tese da Mª Juiz a quo, de acordo com o n.º 3 do art. 120º do C.P., sem prejuízo do disposto no art. 118.º, n.º 5 do CP, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição (10 anos) acrescido de metade ( 5 anos).

Assim, de acordo com este entendimento é necessário que, desde a data da prática dos factos tenha decorrido 25 anos ( 10 anos de prescrição normal + 10 anos de período de suspensão + 5 anos de metade do prazo normal de prescrição), pelo que a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá a 14/11/2025.

Note-se que a redação do artigo 121º/3 do C.P., em vigor à data da prática dos factos, previa que “prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido prazo normal de prescrição acrescido de metade”, tendo essa redação sido alterada pela entrada em vigor da Lei nº 19/2013 de 21/2 (diploma que veio rever o CP) que passou a estipular que o prazo de prescrição do procedimento se suspende durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia, não podendo neste caso a suspensão ultrapassar o prazo normal de prescrição”, ou seja, em 2013 ficou estipulado que a declaração de contumácia nunca poderia justificar a suspensão desse prazo para além do prazo normal de prescrição – no nosso caso, 10 anos.

Entremos então no âmago da discussão.

O crime em apreço tem a moldura penal abstrata de pena de prisão de seis meses a cinco anos ou pena de multa de 60 a 600 dias.

O prazo da prescrição do procedimento criminal (e não da pena pois nunca foi proferida sentença nestes autos) é de 10 anos [artigo 118º, nº 1, alínea b) do Código Penal, doravante CP], correndo tal prazo desde o dia em que o facto se consumou (no caso, em 14/11/2000), em virtude da consumação do crime em apreço ocorrer quando os Arguidos utilizaram documentos autênticos (passaportes) indicados na acusação deduzida – cfr. artigo 119º, nº 1 do mesmo diploma.

Portanto, à partida, o procedimento criminal prescreveria no dia 14/11/2010.

Ninguém duvida que a prescrição do procedimento criminal expressa a renúncia por parte do Estado ao seu direito de punir, recusa esta estribada no decurso de certo período temporal. Tal significa que, decorrido certo tempo após a prática de um facto ilícito-típico, deixa de ser possível o procedimento criminal, radicando a razão de ser deste instituto na impossibilidade de se cumprirem os fins das penas, nomeadamente na desnecessidade da prevenção geral e especial, relacionada com o esquecimento do facto criminoso por efeito do lapso de tempo entretanto decorrido.

Como nos ensina Jorge de Figueiredo Dias «quem for sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reação criminal há muito tempo já ditada correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização e de segurança” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699.

O balizamento da perseguição do facto criminoso, por efeitos da prescrição, funda-se, ainda, no reconhecimento de que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais problemáticos a investigação e o consequente apuramento da verdade material.

Na linha do sentenciado pelo Acórdão da Relação do Porto de 12/5/2021 (Pº 327/05.5PGMTS-A.P1): «O instituto da prescrição serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir. Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção».

Por isso, «a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância dos crimes e das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada. E, por isso, a prescrição é “uma autolimitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado» - Ac da RL de 8/03/2017, processo 27/01.5IDLSB.L1.-3, in www.dgsi.pt (c/ voto vencido).

Neste ponto radica a razão de ser dos institutos da interrupção e da suspensão do procedimento criminal.

A lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal (cfr. artigos 120º e 121º do CP).

De facto, na contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal deverá atender-se aos factos que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição, sendo que, enquanto a interrupção da prescrição inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo por inteiro, na suspensão da prescrição o prazo decorrido não se inutiliza, voltando a correr a partir do dia em que cessa a causa a suspensão (cfr. artigos 120º, nº 3 e 121º, nº 2, ambos do CP).

Será que existem, in casu, causas de suspensão ou interrupção de tal prazo?

Nos autos, temos o seguinte ato plausível de constituir causa de interrupção ou suspensão desse prazo: a declaração de contumácia - facto interruptivo e suspensivo, nos termos dos artigos 120º, nºs 1, alínea c) e 3 e 121º, nº 1 c) do CP.

Ora, a contumácia é a situação processual de suspensão dos termos do processo, nos casos de ausência do arguido, que não tenha prestado termo de identidade e residência, e que, pois, assim se desconhece o seu paradeiro, e implica para o mesmo a adoção de um conjunto de medidas tendentes a compelir o arguido a comparecer em julgamento, e interessar-se pelo andamento dos autos. Atualmente o instituto da contumácia encontra-se previsto nos arts. 335.º a 337.º, do CPP.

O art. 335.º, sob a epígrafe “Declaração de contumácia”, dispõe o seguinte:

«1 - Fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do artigo 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas no n.º 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz

2 - Os editais contêm as indicações tendentes à identificação do arguido, do crime que lhe é imputado e das disposições legais que o punem e a comunicação de que, não se apresentando no prazo assinado, será declarado contumaz.

3 - A declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da realização de atos urgentes nos termos do artigo 320.º

4 - Em caso de conexão de processos, a declaração de contumácia implica a separação daqueles em que tiver sido proferida.

5 - A declaração de contumácia não impede o prosseguimento do processo para efeitos da declaração da perda de instrumentos, produtos e vantagens a favor do Estado”.

Por sua vez, o Artigo 336.º sob a epígrafe, “Caducidade da declaração de contumácia”, consagra:

«1 - A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo anterior.

2 - Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência, sem prejuízo de outras medidas de coação, observando-se o disposto nos n.os 2, 4 e 5 do artigo 58.º

3 - Se o processo tiver prosseguido nos termos da parte final do n.º 5 do artigo 283.º, o arguido é notificado da acusação, podendo requerer abertura de instrução no prazo a que se refere o artigo 287.º, seguindo-se os demais termos previstos para o processo comum».

O Artigo 337.º, sob a epígrafe “Efeitos e notificação da contumácia”, dispõe o seguinte:

«1 - A declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior ou para aplicação da medida de prisão preventiva, se for caso disso, e a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração.

2 - A anulabilidade é deduzida perante o tribunal competente pelo Ministério Público até à cessação da contumácia.

3 - Quando a medida se mostrar necessária para desmotivar a situação de contumácia, o tribunal pode decretar a proibição de obter determinados documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas, bem como o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido.

4 - Ao arresto é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo 228.º

5 - O despacho que declarar a contumácia é anunciado nos termos da parte final do n.º 13 do artigo 113.º e notificado, com indicação dos efeitos previstos no n.º 1, ao defensor e a parente ou a pessoa da confiança do arguido.

6 - O despacho que declarar a contumácia, com especificação dos respetivos efeitos, e aquele que declarar a sua cessação são registados no registo de contumácia».

Assim é que, a declaração de contumácia produz efeitos substantivos, entre

eles, em sede prescrição:

- a declaração de contumácia interrompe o prazo de prescrição quer do procedimento criminal (art. 121º, nº1, al. c), do Código Penal), quer das penas e medidas de segurança (art. 126º, nº 1, al. b), do C.P.);

- enquanto vigorar a contumácia suspende-se o decurso do prazo de prescrição tanto do procedimento criminal (art. 120º, nº1, al. c), do C.P., como das penas e medidas de segurança (art. 121º, nº1, al. b), do CP.

Como se decidiu no Ac. do TRC, de 08/03/2023, Relator Paulo Guerra 302/11.0GAMMV.C1, disponível em www.dgsi.pt., posição à qual aderimos:

“Teremos ainda de trazer à colação o preceituado na lei penal quanto ao prazo máximo de prescrição do procedimento criminal que corresponde ao prazo normal da prescrição acrescido de metade desse prazo – aqui fala-se do prazo em que, desde o seu início, independentemente das causas de interrupção da prescrição, mas ressalvando o tempo de suspensão da prescrição, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar (cfr. artigo 121º, nº 3 do CP).

Mas antes de chegarmos a este prazo máximo, torna-se sempre imperativo verificar se nas contas quanto ao prazo normal se atingiria uma data aquém desse prazo máximo, situação em que releva sempre esse prazo normal e não o prazo máximo que só funcionará, pois, quando o prazo normal fique para além desse prazo máximo.

Note-se que esta redação do artigo 120º decorreu da entrada em vigor da Lei nº 19/2013 de 21/2 (diploma que veio rever o CP) pois, antes da sua entrada em vigor, a declaração de contumácia tinha por consequência a suspensão infinita de tal prazo de prescrição – em 2013 foi decidido que a declaração de contumácia nunca poderia justificar a suspensão desse prazo para além do prazo normal de prescrição – no nosso caso, 10 anos.

Esta redação do artigo 120º é claramente mais favorável aos arguidos do que a norma vigente à data da prática dos factos (anterior a 2013), como é bem de ver.

De facto, e aplicando o artigo 2º, nº 4 do CP, não nos podemos esquecer que para se apurar do regime mais favorável aos arguidos não basta a comparação das individualizadas normas para afirmar que a estatuição atual é mais favorável (por ser menor o período de suspensão), sendo necessário verificar todo o regime de prescrição do procedimento (suas causas de suspensão e interrupção e respetivos prazos), que vigorou desde a data dos factos até à atualidade, não sendo possível escolher as normas que em cada um dos diferentes dispositivos legais que em cada momento era mais benéfico aos mesmos.

Em sede de aplicação da lei no tempo, em matéria de prescrição, a regra é a de que a lei aplicável é aquela que se encontre em vigor no momento da prática do crime, não podendo, por isso, ser aplicada retroativamente lei mais gravosa para o arguido como é o caso da lei que alongue o prazo de prescrição ou acrescente novas causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, cfr. nº 1 do artigo 2º do CP

No caso em apreço, a lei posterior que veio fixar um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia é concretamente mais favorável para os arguidos, uma vez que tal prazo é agora de 10 anos (corresponde ao prazo normal de prescrição), não havendo definição de prazo no anterior regime, o que equivaleria a vermos o prazo – e o processo - indefinidamente suspenso”.

Ora, aplicando os ensinamentos vertidos naquele douto aresto, no nosso caso, a Mª Juiz a quo entendeu que, desde a data da pratica dos factos teria de decorrer 25 anos ( 10 anos de prescrição normal + 10 anos de período de suspensão + 5 anos), correspondente a metade do prazo normal de prescrição, aplicando a redação da lei vigente à data da prática dos factos, apesar de ser menos favorável aos arguidos.

Aqui labora, a nosso ver, o seu equívoco.

Segundo cremos, partindo dos ensinamentos daquele douto aresto, a partir dessa data de 18/01/2015 começa a contar um novo prazo de 10 anos (o prazo normal) e não o de 10 + 5, assente que apenas iremos buscar esses 5 anos quando estamos a contabilizar o prazo máximo do nº 3 do artigo 121º e não quando estamos a contabilizar o prazo normal de prescrição.

Note-se que a Mª Juiz a quo faz depois acrescer a esse prazo de 15 anos os 10 anos da suspensão da contumácia, o que lhe perfaz a data alargada 25 anos (14/11/2025), essa, de facto, a data em que se atingiria, na sua perspetiva, o prazo máximo da prescrição que, no caso, fica para além do prazo normal que se atingiu, a nosso ver, e aqui se concordando com o recorrente, no dia 18/01/2025.

Por conseguinte, e falando apenas do prazo normal de prescrição (a primeira operação a fazer, e antes da contabilização do prazo máximo), as contas fazem-se do seguinte modo:

- partindo da data inicial de 14/11/2000, temos um ato interruptivo a 18/01/2005, a partir do qual contamos mais 10 anos (o prazo da prescrição ligado ao crime em apreço), depois, contamos mais 10 anos, durante o qual esteve suspenso tal prazo, à luz do artigo 120º, nºs 1, alínea c) e 3 do CP. Ou seja, atinge-se a data de 18/01/2025, aquém da data do prazo máximo da prescrição que é a de 14/11/2025, como se verá a seguir.

Já o prazo máximo da prescrição teria de ser aferido assim:

-contam-se a partir do dia do evento delituoso – 14/11/2000 - 15 anos (10 anos da prescrição a que acrescem 5 anos, por ser metade desse prazo), a que se deve aditar o prazo de 10 anos por força da redação dada em 2013 ao nº 2 e 3 do artigo 120º, pelo facto de ter existido uma causa de suspensão, por força da declaração de contumácia.

Logo, tal prazo máximo sempre ocorreria na data de 14/11/2025

Em termos esquemáticos:

1º- PRAZO NORMAL: A partir de 18/01/2005 (facto interruptivo) contam-se 10 anos, a que acrescem 10 anos de suspensão (artigo 120º/1 c) e 3) – logo 18/01/2025 (está prescrito o procedimento criminal).

2º PRAZO MÁXIMO: A partir de 14.11.2000 (facto delituoso), contam-se 10 anos, a que acrescem 5 anos (artigo 121º/3), acrescendo ainda os tempos de suspensão – 10 anos pela contumácia - logo 14/11/2025 (data em que viria a estar prescrito o procedimento criminal).

Todavia, como bem refere o Recorrente estribando-se na Jurisprudência vertida no douto acórdão ao qual aderimos, este prazo de prescrição só releva se antes não for atingida a prescrição normal. No caso, chega-se à prescrição normal antes da máxima, razão pela qual é a primeira que releva.

Numa breve síntese cronológica:

- data da prática dos factos: 14.11.2000 (inicia-se o prazo normal de prescrição de 10 anos);

- data da declaração da contumácia: 18.01.2005 (suspensão do prazo de prescrição);

- data do termo da contumácia: 18.01.2015 (interrupção do prazo de prescrição);

- prazo máximo de prescrição: 18.01.2025.


*

A terminar, diremos ainda, que estamos completamente de acordo com a tese sustentada no parecer da Digna Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, segundo a qual a causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal estabelecida nas Leis nº 1-A/2020 (artigo 7º, nºs 3 e 4) e nº 4-B/2021 (artigo 6º-B, nº 3) – diplomas que vigoraram durante o período pandémico recentemente vivido também em Portugal -, não se aplica apenas aos factos praticados durante a sua vigência, sendo apta a ditar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.

Por isso, terá este tribunal ainda de aferir da aplicação dessas leis temporárias, apesar dos factos dos autos serem muito anteriores às datas dos ditos diplomas.

Neste particular discordamos do entendimento do tribunal a quo quanto à não aplicação ao caso dos prazos de suspensão previstos nas leis -A/2020, de 19 de Março, 4-A/2020, de 6 de Abril e 4-B/2020, de 1 de Fevereiro que, perante as excecionais exigências do combate à pandemia Covid-19, estabeleceram uma nova e excecional causa de suspensão da prescrição em matéria criminal e contraordenacional, máxime no artigo 7º da Lei 1-A/2020.

Sobre essa causa de suspensão, aderimos ao que clara e brilhantemente foi decidido no acórdão 500/2021, de 9/06/2021, do Tribunal Constitucional, que arreda qualquer inconstitucionalidade no entendimento de que se estabeleceu uma nova e excecional causa de suspensão da prescrição em matéria criminal e contraordenacional com o artigo 7º da Lei 1-A/2020.

Decidiu o Tribunal Constitucional, nesse acórdão - processo 353/2021 -, “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”.

No entanto, e como bem se vê da leitura desse acórdão, os argumentos valem igualmente para a prescrição do procedimento criminal, não havendo fundamento para se fazer qualquer diferenciação entre esses procedimentos no que tange a esta controversa e controvertida questão jurídica.

Nesse acórdão do Tribunal Constitucional, e de muito relevante importância, encontramos escrito, entre o demais, o seguinte:

(…) 27. Percorridos os dados mais relevantes da doutrina, da jurisprudência dos tribunais comuns, da jurisprudência do TEDH e do TJUE e, mais importante ainda, da jurisprudência constitucional, crê-se ser nesta altura possível traçar o quadro de relacionamento do instituto da prescrição com o princípio da legalidade penal à luz do qual deverá ser encarada a questão da compatibilidade do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, com a exigência de lei prévia, na dimensão correspondente à proibição da retroatividade in pejus.

Ao estatuir que «[n]inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» (n.º 1), nem sofrer «penas que não estejam expressamente cominadas em lei anterior» (n.º 3) ou «mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos» (n.º 4), o artigo 29.º da Constituição consagra o princípio da legalidade penal em termos equivalentes à sua formulação latina nullum crimen sine lege, nulla poena sine praevia lege poenali, da autoria de Anselm von Feuerbach, que corresponde, ainda hoje, ao modo de enunciação universal daquele princípio.

O princípio encontra-se estabelecido para as leis que determinam os pressupostos da relevância criminal das condutas ativas e omissivas - o complexo do facto punível - e para as leis que estabelecem as respetivas consequências jurídicas - as penas. Na dimensão correspondente à exigência de lei prévia, dele resulta que o legislador não pode atribuir relevância criminal a factos passados, nem punir mais severamente crimes praticados em momento anterior.

As normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras (neste sentido, quanto à proibição da analogia, v. Acórdão n.º 205/1999). A sua recondução ao âmbito de aplicação do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4.º, da Constituição, só poderá fazer-se, por isso, com apoio em argumentos jurídico-constitucionais, os quais, por sua vez, haverão de extrair-se, não da classificação das normas atinentes ao instituto da prescrição segundo os critérios desenvolvidos no plano infraconstitucional, mas antes da ratio da proibição da retroatividade in pejus e, por conseguinte, dos próprios fundamentos do princípio da legalidade penal. Ainda que para justificar uma leitura maximizadora das garantias inerentes àquela proibição, não deixa de ser esse o sentido em que adverte Pedro Caeiro: a distinção entre normas processuais formais e normas processuais materiais não deve constituir um «prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas» — ou de certa norma — «àquela proibição da retroatividade, mas sim um resultado da correta delimitação do âmbito de aplicação da retroatividade desfavorável» (“Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Coimbra Editora, p. 243). O que vale por dizer que, quando se trata de determinar o estatuto constitucional de certo elemento legal à face do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, importa ter em definitivo presente, «não tanto a integração deste ou daquele instituto no direito penal ou processual, quanto a função atribuída pela Constituição ao princípio da irretroatividade» (Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, ob. cit., p. 59).

28.É sabido que o princípio da legalidade penal tem como fundamento a ideia de que um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) deve proteger o indivíduo não apenas através do direito penal, mas também do direito penal (cf. Claus Roxin, ob. cit., p. 137). Trata-se, portanto, de um princípio defensivo, que atribui aos cidadãos posições de defesa perante o Estado, enquanto titular oficial do poder punitivo. Em sintonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, onde foi pela primeira vez consagrado, o princípio da legalidade penal continua a ter como função proteger o indivíduo perante o direito penal, colocando-o a salvo de uma intervenção estadual excessiva ou arbitrária.

A proibição da retroatividade in pejus explica-se inteiramente a esta luz: ao contrário do que sucede com a imposição da retroatividade in mellius, «que possui uma génese e um fundamento especificamente político-criminal», ligado à «ausência de exigências de prevenção que justifiquem a persistência da aplicação ao caso da lei (mais severa) que vigorava no momento da prática do facto», a proibição da retroatividade in pejus tem uma génese e um fundamento «marcadamente político-jurídico», diretamente associado à «defesa da liberdade e da segurança dos cidadãos contra o arbítrio do Estado» (Pedro Caeiro, loc. cit., p. 235-236, itálico aditado). É justamente isso que explica que, não obstante «ser questionável a existência de um verdadeiro direito do agente a que a inércia do Estado na prossecução penal o beneficie» (Acórdão n.º 205/1999), as normas relativas à prescrição, designadamente as que estabelecem as causas de interrupção e de suspensão do prazo respetivo, se encontrem, prima facie, subordinadas à proibição da retroatividade in pejus.

Apontam para essa conclusão dois dados essenciais.

Em primeiro lugar, importa levar em conta que tanto as causas de interrupção como as causas de suspensão da prescrição se destinam a tornar «efetiva a possibilidade de se vir a aplicar o Direito Penal no caso concreto» (cf., uma vez mais quanto à proibição da analogia relativamente à interrupção da prescrição, Acórdão n.º 205/1999): as primeiras porque têm por efeito a inutilização do tempo de prescrição já decorrido (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal); as segundas porque originam a paralisação do decurso do prazo de prescrição pelo tempo em que perdurar o evento suspensivo, observados os limites máximos fixados na lei (artigo 120.º, n.º 6). Assim, a exigência de que umas e outras se encontrem fixadas em lei prévia tenderá a considerar-se justificada a partir da ideia de controlo do exercício do poder punitivo do Estado através do Direito que previamente criou: as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus, na medida em que se destinam a proteger o indivíduo contra possíveis abusos por parte do legislador, opõem-se à possibilidade de o Estado, através da ampliação retroativa do elenco das causas de interrupção ou suspensão da prescrição, mitigar ou até mesmo reverter a débito do arguido os efeitos da «sua inércia ou incapacidade para realizar a aplicação do Direito no caso concreto» (cf., uma vez mais quanto à proibição da analogia em matéria de interrupção da prescrição, Acórdão n.º 205/1999). Neste sentido, a proibição da aplicação retroativa das normas que estabelecem as causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal partilhará dos fundamentos da proibição da aplicação retroativa das normas que estabelecem os pressupostos da responsabilidade: tal como esta, também aquela será imposta em nome da defesa do cidadão contra a discricionariedade e o arbítrio ex post facto.

Em segundo lugar, importa não perder de vista que a ratio da proibição da retroatividade in pejus se liga igualmente ao princípio da confiança. Como se escreveu no Acórdão n.º 261/2020, as garantias inerentes àquela proibição assentam «numa ideia de previsibilidade (por sua vez enraizada no princípio da confiança) das normas, no sentido em que qualquer cidadão, para além de não poder ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data em que praticou os factos (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição)» (Acórdão n.º 261/2020). Na síntese do Tribunal Constitucional italiano, formulada em jurisprudência posterior à chamada “saga Taricco”, a «proibição em causa visa garantir ao destinatário da norma uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal» (Acórdão n.º 32 de 2020, ponto 4.3.1.), previsibilidade que é, em regra, afetada quando se alteram para o passado as condições em que o facto criminoso pode ser sancionado.

Pois bem.

Mesmo não pondo em causa que, em matéria de prescrição, o conceito de retroatividade é dado tempus deliti e não pelo terminus do prazo - o que, conforme se viu, não corresponde sequer à orientação sufragada no Acórdão n.º 449/2002 -, não restam dúvidas de que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, pela sua singularidade, escapa totalmente a ambas as rationes com base nas quais é possível justificar o alargamento às normas sobre prescrição das garantias inerentes à proibição da retroatividade.

29. A medida constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 — já o notámos — insere-se no âmbito de legislação temporária e de emergência, aprovada pela Assembleia da República para dar resposta à crise sanitária originada pela pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19.

No cumprimento do seu dever de proteção da vida e da integridade física dos cidadãos (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da Constituição, respetivamente), o Estado adotou um conjunto de medidas destinadas a conter o risco de contágio e de disseminação da doença, baseado na implementação de um novo modelo de interação social, caracterizado pelo distanciamento físico e pela diminuição dos contactos presenciais.

No âmbito da administração da justiça — vimo-lo também —, o cumprimento desse dever de proteção conduziu à excecional contração da atividade dos tribunais, concretizada através da sujeição dos atos e diligências processuais ao regime das férias judiciais referido no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, e, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020, à regra da suspensão, pura e simples, de todos os prazos processuais previstos para aquele efeito. Para os processos urgentes, começou por estabelecer-se um regime especial de suspensão dos prazos para a prática de atos, ainda que com exceções (artigo 7.º, n.º 5, da Lei n.º 1-A/2020), que a Lei n.º 4-A/2020 acabou por modificar, impondo a sua normal tramitação desde que fosse possível assegurar a prática de atos ou a realização de diligências com observância das regras de distanciamento físico.

Por força desta paralisação da atividade judiciária, que se estendeu à justiça penal, os atos processuais interruptivos e suspensivos da prescrição deixaram de poder praticar-se no âmbito dos procedimentos em curso, pelo menos nas condições em que antes o podiam ser. Relativamente aos procedimentos criminais, assim sucedeu com a dedução da acusação, a prolação da decisão instrutória e a apresentação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo (artigos 120.º, n.º 1, alínea b), e 121.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal), a declaração de contumácia (artigos 120.º, n.º 1, alínea c), e 121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal) e a constituição de arguido (121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal). Já no âmbito dos procedimentos contraordenacionais, o mesmo se verificou, pelo menos, com a prolação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima (artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), e 28.º do RGCO), a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou qualquer notificação (artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RGCO), a realização de quaisquer diligências de prova (artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RGCO) e a prolação da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima (artigo 28.º, n.º 1, alínea d), do RGCO).

É este particular e especialíssimo contexto que está subjacente à fixação, por lei parlamentar, de uma causa de suspensão da prescrição que não somente é transitória, como se destinou a vigorar apenas e só durante o período em que se mantivesse — se manteve — o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária e pelo concomitante imperativo de proteção da vida e da saúde dos operadores e utentes do sistema judiciário: suspendeu-se o decurso do prazo de prescrição porque se suspenderam os prazos previstos para a prática dos atos suscetíveis de obstar à sua verificação; suspenderam-se os prazos previstos para a prática desses (e de outros) atos processuais porque se suspendeu a atividade normal dos tribunais de modo a prevenir e conter o risco de infeção dos intervenientes no sistema de administração da justiça, incluindo dos próprios arguidos.

Como bem notou o Tribunal recorrido, encontramo-nos, pois, diante de um «mecanismo normativo […] instrumental», destinado a fazer face a uma «situação de rutura e anormalidade», em estreita e indissociável relação com o já designado «“lockdown” da justiça penal» (Gian Luigi Gatta, “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 30, n.º 2, maio-agosto de 2020, p. 297 e ss.) originado pela crise sanitária, que afetou em intensa medida — ou mesmo eliminou — a possibilidade de serem praticados os atos processuais suscetíveis de interromper e de suspender a prescrição.

Não é demais sublinhar que se trata de uma suspensão, e não de uma interrupção, do prazo prescricional: o tempo de prescrição já decorrido desde a data da consumação do ilícito típico não é inutilizado; apenas o seu decurso é paralisado pelo tempo correspondente à paralisação do normal processamento dos termos ulteriores dos processos em curso.

Neste contexto, é evidente que a causa de suspensão da prescrição estabelecida no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 apenas se encontraria apta a cumprir aquela função se pudesse aplicar-se aos procedimentos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência. Como refere Gian Luigi Gatta a propósito de norma congénere aprovada em Itália (artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17 de março de 2020), «[t]rata-se de uma disposição temporária pensada precisamente para os processos em curso e, como tal, para ter eficácia retroativa. Suspende-se uma atividade em curso por força da impossibilidade do seu prosseguimento, determinando-se um prazo para o seu reatamento, congelando-se o intervalo de tempo entretanto volvido. A suspensão é forçada: não é imputável a ninguém e não há razão para que beneficie quem quer que seja» (loc. cit., p. 303).

Esta última afirmação é especialmente relevante: conforme se verá em seguida, ela sintetiza, na verdade, as duas razões que explicam a impossibilidade de reconduzir a causa de suspensão prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, à ratio da proibição da retroatividade in pejus, consagrada no artigo 29. º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição.

30. Dizer-se que a suspensão «não é imputável a ninguém» é o mesmo que dizer-se que a suspensão não é imputável ao Estado.

Tendo em conta os fundamentos inerentes ao princípio da legalidade penal, tal constatação, para além de correta, é particularmente esclarecedora.

A suspensão do decurso do prazo de prescrição dos procedimentos sancionatórios pendentes durante o período em que vigoraram as medidas de emergência adotadas na Lei n.º 1-A/2020 não se destinou a permitir que o Estado corrigisse ou reparasse os efeitos da sua inércia pretérita no âmbito do exercício do poder punitivo de que é titular. Destinou-se apenas e tão só a responder aos efeitos de uma superveniente e não evitável paralisação do sistema de administração da justiça penal, imposta pela necessidade de controlar e conter a disseminação de um vírus potencialmente letal. Tratando-se de uma causa de suspensão e não de interrupção do prazo de prescrição, cuja vigência não excedeu o lapso temporal durante o qual se verificou a afetação ou condicionamento da atividade dos tribunais, nem conduziu — reticus, não tinha sequer a virtualidade de conduzir — à reabertura dos prazos prescricionais já integralmente decorridos, a sua aplicação aos procedimentos pendentes não exprime qualquer excesso, arbítrio ou abuso por parte do Estado contra o qual faça sentido invocar as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus: ao determinar a aplicação a procedimentos pendentes da suspensão da prescrição em razão da pandemia então em curso, a solução adotada limita-se, na verdade, a assegurar «a produção do efeito útil da norma de emergência» (idem, p. 313), não ingressando no âmbito da esfera defensiva que é assegurada pelo princípio da legalidade.

Não é diferente a conclusão a que se chega se encararmos a proibição da retroatividade in pejus a partir da proteção da confiança, como fez o Tribunal recorrido.

Se tal proibição visa garantir ao destinatário uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal, é relativamente evidente, quando se trate de estender o respetivo âmbito de incidência para além dos limites traçados pela letra dos n.ºs 1, 3 e 4, do artigo 29.º, que a sua invocação deixará de ter fundamento se o evento em causa se situar no mais elevado grau daquilo que não é por natureza antecipável, como sucede com a paralisação do sistema de administração da justiça penal ditada pelo súbito e inesperado surgimento de uma pandemia à escala global.

(…) Em suma: para além de absolutamente congruente com o mais amplo critério seguido na jurisprudência do TEDH e do TJUE, a norma extraída dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes.

31. Tudo o que se disse até agora assentou na consideração da causa de suspensão da prescrição estabelecida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, independentemente da natureza criminal ou contraordenacional dos procedimentos em curso. (…)”. (bold, negrito e sublinhado nossos).

Nessa conformidade, na linha deste entendimento, tal suspensão foi inicialmente introduzida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei º 1-A/2020, de 19 de Março, vigorando entre o dia 9 de Março de 2020 até ao dia 3 de Junho de 2020, num total de 87 dias - cfr. artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, e artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000, de 29 de Maio; posteriormente, no decorrer da evolução da pandemia, voltou a vigorar um regime de suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais e contraordenacionais introduzido pelo n.º 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, vigorando entre 22 de Janeiro de 2021 até ao dia 5 de Abril de 2021, num total de 74 dias - cfr. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, tudo num total de 161 dias.

Em conclusão, aderindo-se ao entendimento vertido no citado acórdão do Tribunal Constitucional, máxime ao teor do excerto acima transcrito e consideramos que o prazo de prescrição terá ocorrido em 28/06/2025, pois que à data indicada pelo recorrente para o termo da prescrição, à qual aderimos (18/01/2025), ainda acrescerão os 161 dias de suspensão verificada durante a pandemia Covid-19.

Em conformidade, o procedimento criminal pelos factos praticados pelos arguidos

e prescreveu a 28/06/2025, (cfr. disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, 118.º, n.º 1, al. b); 119.º, n.º 1; 120.º, n.º 1, al. c) e n.º 3; 121.º, n.º 1, al. c); todos do Código Penal e Leis nº 1-A/2020 (artigo 7º, nºs 3 e 4) e nº 4-B/2021 (artigo 6º-B, nº 3).

O despacho recorrido incorre, pois, em indevida apreciação do direito, concretamente na errónea interpretação dos art. 121.º e 123.º do C.P.


IV. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em:
a) Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Publico, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declara que a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 28/06/2025, com a consequente extinção da responsabilidade criminal de … e …, pelos factos em causa nos presentes autos, nos termos do disposto nos artigos 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3,  118.º, n.º 1, alínea b), 119.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, 121.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, todos do Código Penal.

Sem custas por delas estar isento o M.P.


                 Coimbra, 08/10/2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

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( Draª Maria da Conceição Barata dos Santos Miranda)

1º Adjunto

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( Maria Alexandra F. Guiné)

2º Adjunto