| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CRISTINA PÊGO BRANCO | ||
| Descritores: | LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA ORALIDADE E IMEDIAÇÃO FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DIREITO AO SILÊNCIO DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO FUNÇÃO DA PROVA CRIME DE FURTO QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS APROVEITAMENTO DO RECURSO INTERPOSTO POR UM ARGUIDO AOS CO-AUTORES NÃO RECORRENTES | ||
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| Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA - JUIZ 2 | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 202.º, ALÍNEA C), 203.º, N.º 1, E 204.º, N.º 4, DO CÓDIGO PENAL ARTIGO 341.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 96.º, 127.º, 345.º, N.º 4, E 402.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
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| Sumário: | I - O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assumpção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção, pois só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova. II - A oralidade da audiência significa que os intervenientes estão fisicamente perante o tribunal, o que ao juiz aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, e a imediação é a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. III - A circunstância de o arguido optar por não prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados não obsta a que a sua responsabilidade seja apurada por via de outros meios de prova legais, designadamente através das declarações de co-arguido. IV - O objectivo do artigo 345.º, n.º 4, do C.P.P. é retirar valor probatório a declarações do arguido que sejam totalmente subtraídas ao contraditório. V - A qualificação jurídica dos factos é matéria de conhecimento oficioso. VI - Estando em causa uma situação de co-autoria a alteração da qualificação jurídica, in mellius, dos factos praticados pelo recorrente impõe a alteração da qualificação jurídica dos factos praticados pelos co-autores, mesmo que não recorram, e a reponderação de todas as penas concretas aplicadas. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Relatora: Cristina Pêgo Branco Adjuntos: Ana Carolina Cardoso Sandra Ferreira 
 Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra 
 I. Relatório 1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 5/20.5GBMDA do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira - Juiz 2, foram submetidos a julgamento os arguidos AA, BB, CC e DD, identificados nos autos, pela prática, - os três primeiros, em coautoria material, em concurso efectivo e na forma consumada, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art. 202.º, al. d), todos do CP; - o quarto, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art. 202.º, al. d), todos do CP. 2. Realizado o julgamento[1], foi proferida sentença na qual foi decidido, para além do mais (transcrição): 3. Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido CC o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): … B. Substancialmente, da audiência de julgamento, resultou como provado que o arguido, em conjugação de esforços com os demais arguidos nos autos, de acordo e no seguimento de um plano por si previamente elaborado, dirigiram-se à Rua …, tendo intenção de fazer seus os bens que aí encontrassem, tendo para o efeito arrombando a fechadura porta de acesso anexo da habitação e uma vez lá dentro, retiraram e fizeram os bens melhor identificados na motivação. C. Os demais factos dados como provados, acessórios à prática dos crimes descritos encontram-se detalhados nas motivações do presente recurso que por economia se têm, na presente sede, como reproduzidos. D. Para o efeito, o tribunal a quo diz ter formado a sua convicção levando em linha de conta a “análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente das declarações prestadas pelos arguidos, pelas testemunhas arroladas e inquiridas, e bem assim de todos os documentos juntos aos autos, conjugados com as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova pelo julgador.” (sublinhado nosso) E. Acontece que, da prova testemunhal produzida, não resulta a identificação do aqui recorrente como (co)autor dos crimes de que vinha acusado. F. Como aliás resulta da fundamentação da sentença aqui recorrida “O tribunal valorou as declarações prestadas pelas testemunhas, sendo que, adiante-se, quanto a todas elas, o seu contributo se prendeu com a confirmação do acontecimento dos furtos em causa nos autos, não tendo, todavia, contribuído para apurar a autoria dos mesmos. De facto, nenhuma das testemunhas ouvidas disse ter visto qualquer dos arguidos praticar os factos descritos na acusação.”(sublinhados e negritos nossos) – cf. sentença recorrida. G. Por seu turno, a prova documental produzida e valorada (e mais bem elencada nas motivações) não se apresenta suficientemente capaz de demonstrar que o recorrente realizou os visados atos ilícitos, … J. Por fim, o tribunal a quo diz ter considerado ainda para a formação da sua convicção “nomeadamente das declarações prestadas pelos arguidos”. K. Neste domínio discordamos com tal consideração na medida em que: L. Primeiramente, sucede que, apenas um dos arguidos prestou declarações, e por assim ser, o tribunal a quo não levou em consideração as “declarações prestadas pelos arguidos”, mas sim as declarações prestadas por um dos arguidos. M. A presente alusão não se prende apenas com uma questão de semântica. N. Como demonstrado supra, não existe nos autos elementos probatórios que identifiquem minimamente os autores dos crimes. … R. Aliás, mais à frente (no texto da sentença recorrida), o próprio tribunal se contradiz, designadamente quando versa: “Os demais arguidos não prestaram declarações quanto aos factos” – aliás o arguido DD não compareceu sequer em audiência de julgamento – e nessa medida, pese embora tenham usado de um direito que lhes assiste e que não seja a si que cabe fazer qualquer prova do contrário do que consta da acusação, a verdade é que também, desta forma, não relataram qualquer versão que pudesse colocar em crise a demais prova.” (sublinhado nosso). S. O excerto transcrito assume particular relevância em dois sentidos. T. No primeiro porque contraria categoricamente o anteriormente enunciado na própria sentença, quanto à quantidade de arguidos que prestaram declarações. U. Como também deixa claramente subentendido que o silêncio dos demais arguidos reverte em seu desfavor - “a verdade é que também, desta forma, não relataram qualquer versão que pudesse colocar em crise a demais prova.” V. Temos a afirmação transcrita como extremamente perigosa no quadro jurídico-constitucional vigente, na medida em que parece fazer querer que face à prova produzida em audiência de julgamento caberia ao arguido em silêncio, refutar à luz de um qualquer princípio do contraditório típico de um processo de partes. … DD. Vejamos, o tribunal entende que as declarações prestadas pelo arguido são credíveis porque naturalmente o arguido tende a suavizar a sua participação nos factos de forma a obter dai vantagem pessoal. EE. Neste ponto concordamos em absoluto. FF. Porém das declarações do arguido, das quais resultam a “confissão dos factos” e imputação da coautoria aos demais arguidos, não estranha o tribunal e tem tais declarações como credíveis, contradizendo a primeira premissa de que o arguido tende ao seu favorecimento pessoal na decisão dos factos. GG. Ou seja, o tribunal a quo procura, com o devido respeito, extrair o que lhe convém. … LL. Como tal entendemos que deve a sentença recorrida ser alterada na parte referente à atribuição da autoria dos crimes ao aqui recorrente, na medida em que não foi produzida prova em audiência de julgamento demostrativa de tal facto. MM. O aqui recorrente remeteu-se ao silêncio no uso do seu direito ( melhor elucidado supra) e com tal viu-se condenado pela pratica de factos para os quais não resulta dos autos prova cabal, na medida em que a única referência à presença do recorrente nos factos é feita essencialmente pelo coarguido. NN. As declarações do coarguido são contraditórias, aliás a sentença recorrida reconhece que a versão apresentada em julgamento não se coaduna com a resultante da reconstituição na qual o coarguido colaborou. … SS.Por outras palavras, o tribunal a quo não fez uma ponderação das declarações do arguido ( e da demais prova produzida) para delas extrair a sua convicção, mas antes criou uma convicção (prévia) e socorreu-se de partes das declarações do arguido para validar essa convicção.- quanto à autoria dos crimes. … VV.Nessa medida não produziu o tribunal a quo em audiência de julgamento qualquer prova quanto à autoria do furto a habitação. WW. O arguido declarante, disse-se não ter participado do crime, as testemunhas produzidas nenhuma identificou os autores do crime e da prova documental não resulta demostrada a execução do crime pelo aqui recorrente, questiona-se portanto com que fundamento formou o tribunal a quo, validamente a sua convicção quanto à autoria material do crime de furto qualificado à habitação. XX. Mais, o próprio tribunal qualifica as declarações do coarguido só podem ser consideradas “contraditórias em si mesmas, são contrariadas pela demais prova constante dos autos, designadamente, pelo auto de reconstituição em que o mesmo participou, e em que na realidade declarou ali se ter deslocado com os demais arguidos nestes autos, apontando, como resulta da reportagem fotográfica, os locais por onde foram e a porta por onde acederam.” YY. Questiona-se, portanto, a validade da confissão dos factos, à luz do estabelecido no n.º 4, do art.º 345º e alínea a), do n.º 1, do art. 61º do CPP. ZZ.No caso subjudice fica ainda patente que o silêncio dos arguidos lhes foi notoriamente desfavorável. … DDD. Em face do exposto a Sentença ora recorrida apresenta erro notório na apreciação da prova – nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, als. b) e c) do CPP. … !» 4. Admitido o recurso, apenas o Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, … 5. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer … 6. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu o recorrente, reafirmando o teor da sua peça recursória. 7. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. * II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso … In casu, de acordo com as suas conclusões, o recorrente considera que a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova[2], tendo sido violada a garantia do seu «total e absoluto direito ao silêncio» e indevidamente valorada a «confissão dos factos» por parte de um dos seus co-arguidos, e que devia ter sido proferida decisão absolutória relativamente aos crimes pelos quais vem condenado e ao pedido de indemnização civil. * 2. Da decisão recorrida Previamente à apreciação das questões suscitadas, vejamos qual a fundamentação de facto que consta da sentença recorrida. *1.2. Factos não provados: … *Não foram considerados quaisquer outros factos, nomeadamente, das contestações apresentadas pelos arguidos porque se tratam de factos conclusivos ou meras considerações. *Da motivação da convicção do Tribunal: Os factos dados como provados e como não provados resultaram da análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente das declarações prestadas pelos arguidos, pelas testemunhas arroladas e inquiridas, e bem assim de todos os documentos juntos aos autos, conjugados com as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova pelo julgador. Com efeito, tomou desde logo em consideração o tribunal as declarações prestadas pelo arguido AA, o qual, num discurso ainda que nervoso, confessou ter praticado os factos que respeitam às bombas de combustível, conjuntamente com os arguidos BB e CC. Explicou ao tribunal, em suma, que tinha alugado um carro por ter tido o seu carro avariado, que foi o próprio quem conduziu até local próximo das bombas de combustível, mas que depois o arguido CC quis ficar no carro e conduziu até às bombas de combustível após o mesmo e o arguido BB terem ido retirar a máquina de tabaco do interior do estabelecimento, tendo os três carregado a máquina. Assumiu ter sido o próprio quem partiu a porta, colocaram a mão por dentro e abriram a porta, e que quando retiraram a máquina do sítio tombaram uma televisão, não se recordando, todavia, da box. Concretizou que foi o arguido BB quem tombou a televisão, que até lhe ia partindo a perna, e que talvez a mesma estivesse em cima da máquina do tabaco que levaram. Referiu que estavam em pânico por não ser habitual praticar factos deste género, mas quando indagado por que motivo então o fizeram apenas respondeu que “são horas do diabo, que às vezes se sai de casa e não se sabe para o que se vai, e que aconteceu, mas não devia ter acontecido, só têm que pagar pelos actos”. Acrescentou que tinham conversado sobre o assunto antes, porque queriam ir “roubar” uma máquina na própria casa de um deles, e que lhes disse que não, e conversaram então ir tirar a que está em causa nos autos. Quando questionado se então tinham conversado sobre isso dias antes, disse que foi no dia, esclarecendo que estava em casa e não tinha tabaco e que encontrou os demais arguidos que já “vinham do outro lado”. Declarou que depois de terem carregado a máquina foram em direcção da quinta..., que ali retiraram os bens e dinheiro da máquina que disse serem €30,00 em notas, e havia também moedas, mas não sabe o valor, e que deixaram a máquina no local assim como a botija do gás e o azeite, por, segundo o arguido, já não interessar porque já tinham dinheiro para o vício – declarando que compraram umas pedras. Quanto aos casacos e luvas utilizadas pelos arguidos o mesmo disse que já traziam os casacos porque estava frio, já quanto às luvas afirmou que as deveria trazer no carro pela actividade profissional que desempenha. Porém, quando perguntado quantos pares de luvas trazia no carro, disse não saber. Refira-se que, nesta parte, as declarações do arguido não foram totalmente credíveis na medida em que, e desde logo, o carro que conduzia na altura era alugado, e por isso, não era verosímil que trouxesse consigo vários pares de luvas. O que contribuiu, a par com o referido pelo arguido de que haviam conversado previamente à sua deslocação às bombas de combustível, que os arguidos planearam a execução dos factos anteriormente. O arguido negou, por outra parte, o seu envolvimento nos factos respeitantes aos bens retirados do imóvel onde se encontravam os bens de EE, e que os demais arguidos é que tinham que dizer. Tendo acrescentado que apenas viu uma botija de gás, que os arguidos já traziam no seu carro e passaram para o seu para irem tentar vender à ..., e que depois deixaram onde deixaram a máquina do tabaco. No entanto, nesta sede as declarações prestadas pelo arguido não se revelaram credíveis. Efectivamente, para além de contraditórias em si mesmas, são contrariadas pela demais prova constante dos autos, designadamente, pelo auto de reconstituição em que o mesmo participou, e em que na realidade declarou ali se ter deslocado com os demais arguidos nestes autos, apontando, como resulta da reportagem fotográfica, os locais por onde foram e a porta por onde acederam. Diga-se que o arguido que disse nada saber e nada ter a ver com o assunto, demostrou ser sabedor de diversos aspectos, além de que ora disse que encontrou os arguidos quando estes “já vinham do outro lado, da ... ou de onde viessem”, ora quando confrontado com o facto de anteriormente haver dito que esses factos teriam ocorridos dias antes ter afirmado apressadamente que disse saber por ter tido conhecimento que os arguidos andavam a vender as coisas por ter tentado apurar para “tirar da sua pele aquilo que não vão por em cima de si”. Assim, as declarações do arguido, aliadas às demais provas produzidas em audiência de julgamento e a prova documental constante dos autos, contribuiu para a formação da convicção do tribunal. Cumpre dizer que podendo à partida estranhar-se ou questionar-se se é razoável considerar as declarações do arguido AA como credíveis em parte e como não credíveis noutra, dir-se-á que não estando os arguidos obrigados a falar com verdade e sendo os próprios quem está implicado nos autos, natural será que na parte que à sua participação e possível condenação respeita, pretendam sempre dizer o que melhor os possa salvaguardar, inocentar ou atenuar a eventual pena a aplicar. Pelo que entende o tribunal que, de facto, são cindíveis as declarações prestadas pelo arguido, sendo ponderáveis cada uma das partes que as compõem e valoradas de modo autónomo e díspar. Acrescente-se, aliás, que a isso nada obsta, como tem sido entendido na jurisprudência, já que a apreciação da prova não se encontra tabelada, como não poderia naturalmente estar, sendo ao julgador a quem cabe, na sua livre apreciação da prova e ponderação, aferir da credibilidade que as declarações merecem, e se sendo merecedoras de credibilidade será na sua totalidade ou apenas em parte. Os demais arguidos não prestaram declarações quanto aos factos – aliás o arguido DD não compareceu sequer em audiência de julgamento – e nessa medida, pese embora tenham usado de um direito que lhes assiste e que não seja a si que cabe fazer qualquer prova do contrário do que consta da acusação, a verdade é que também, desta forma, não relataram qualquer versão que pudesse colocar em crise a demais prova. O tribunal valorou as declarações prestadas pelas testemunhas, sendo que, adiante-se, quanto a todas elas, o seu contributo se prendeu com a confirmação do acontecimento dos furtos em causa nos autos, não tendo, todavia, contribuído para apurar a autoria dos mesmos. De facto, nenhuma das testemunhas ouvidas disse ter visto qualquer dos arguidos praticar os factos descritos na acusação. …» * 3. Da análise dos fundamentos do recurso … * Antes de entrar na análise dos fundamentos do recurso, importará proceder à correcção de um lapso detectado no texto decisório. Os arguidos vinham acusados da prática de crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202.º, al. d), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), todos do CP[3], conforme consta da acusação e do próprio relatório da sentença. E, apesar de no segmento da sentença em que se debruça sobre o enquadramento jurídico-penal o Tribunal se referir ora ao mencionado n.º 2, al. e) do art. 204.º, ora ao n.º 1, al. e) do mesmo preceito, a leitura da globalidade da sua explanação permite concluir, sem margem para qualquer dúvida, que nenhuma alteração foi introduzida na qualificação jurídica que constava da acusação e que foi com base na moldura penal abstracta correspondente ao crime p. e p. pelos arts. 202.º, al. d), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), todos do CP, que foram determinadas as penas a aplicar aos arguidos que vieram a ser condenados. Esta conclusão resulta, de resto, como absolutamente evidente da leitura do ponto «2. Determinação da pena» (a fls. 30 da sentença), no qual se faz referência à moldura penal abstracta de dois a oito anos de prisão quando, como é sabido, ao crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204.º, n.º 1, do CP, corresponde a moldura penal abstracta de prisão até cinco anos ou pena de multa até seiscentos dias. Contudo, em contradição com toda a fundamentação aduzida, no dispositivo da sentença consta a condenação dos arguidos pela prática de crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts. 202.º, al. d), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. e), todos do CP. Tratando-se de um manifesto lapso de escrita, cuja eliminação não importa modificação essencial do decidido, nada impede a sua correcção, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do CPP, que agora se determina, devendo anotar-se no dispositivo da sentença, a fls. 46-47, nas als. b), c), f), g), j) e k), as palavras «204.º, n.º 2, al. e)» onde agora consta «204.º, n.º 1, al. e)». * O recorrente alega que a decisão recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova. E, após tecer considerações sobre o teor e a credibilidade das declarações de um dos seus co-arguidos, dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e dos elementos de prova documental, conclui que não poderia o Tribunal ter chegado às conclusões a que chegou, que foi violada a garantia do seu «total e absoluto direito ao silêncio» e indevidamente valorada a «confissão dos factos» por parte do mencionado co-arguido, e que devia ter sido proferida decisão absolutória relativamente aos crimes de furto qualificado pelos quais vem condenado e, consequentemente, ao pedido de indemnização civil. O que pretende, necessariamente, com vista a fundamentar a sua absolvição, é pôr em causa a matéria factual dada como assente na sentença recorrida. 
 Ora, em sede de recurso para o Tribunal da Relação, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: quer por arguição dos vícios a que faz referência o art. 410.º, n.º 2, do CPP (a que se convencionou chamar “revista alargada”), quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma. No primeiro caso, os mencionados vícios decisórios têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova registada e produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP. De acordo com este normativo, sempre que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar: - os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; - as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; - as provas que devem ser renovadas; A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação individualizada dos factos que constam da decisão recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. Por seu turno, a especificação das “concretas provas” corresponde à indicação do conteúdo específico de meio de prova ou de obtenção da prova, com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretende, dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. art. 430.º do CP). E o n.º 4 do art. 412.º estabelece que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», acrescentando o seu n.º 6 que «no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.» 
 No caso, o próprio recorrente deixa claro, quer na motivação quer nas conclusões, que a sua discordância da decisão recorrida se traduz na invocação de um vício da sentença, concretamente o de erro notório na apreciação da prova, considerando que foi violada a garantia do seu «total e absoluto direito ao silêncio» e indevidamente valorada a «confissão dos factos» por parte de um dos seus co-arguidos. Vejamos, pois. 
 Como já acima referimos, os vícios decisórios a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça[4], o erro notório na apreciação da prova, como os demais vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e tem de ser de tal modo evidente que uma pessoa de mediana compreensão o possa descortinar[5]. E existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis[6]. «Tem que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio e não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida», lê-se no Ac. do STJ de 24-01-2008, Proc. n.º 4085/06 - 5.ª[7]. Por outro lado, o erro notório na apreciação da prova não pode ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova – art. 127.º do CPP. Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo Tribunal, sendo irrelevante, na ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção alcançada pelo recorrente sobre os factos[8]. Para avaliar se a decisão padece de qualquer dos vícios enunciados nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, há que apreciar, por um lado, a matéria de facto e, por outro, a respectiva fundamentação (os fundamentos da convicção), designadamente a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que conduziram o Tribunal a determinadas conclusões. No que respeita a este último aspecto, relevam, para além dos meios de prova directos, como sejam os documentos, depoimentos, exames periciais, etc., os procedimentos lógicos de prova indirecta: as presunções. «A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).»[9] 
 Impõem-se ainda algumas considerações no que respeita ao princípio da livre apreciação da prova. «A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo. (…) A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros»[10]. «Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte: - a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência; - sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material; - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana; - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis – como a intuição. Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo). A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova. A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade. A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex.. A imediação vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.»[11] 
 Por outro lado, é um dado assente que a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo e a fiscalização, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência, mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão dos outros meios de prova, a oralidade e a imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório[12]. Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 374.º, n.º 2 do CPP[13]. Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que o “fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127.º do CPP, sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objectividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação. No mesmo sentido podem ver-se diversos autores, designadamente Rodrigues Bastos[14], que refere que ao juiz «…não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação», Cavaleiro de Ferreira[15], que escreve que «o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no direito probatório», e ainda Germano Marques da Silva[16]: «O juízo sobre a valoração da prova faz-se em diversos níveis. Num primeiro dependente da imediação, nele intervindo elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo intervindo as declarações e induções que realiza o julgador a partir de factos probatórios, que hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios de experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”». 
 De entre abundante jurisprudência quanto a tal matéria, quer das Relações quer do Supremo Tribunal de Justiça, cita-se apenas, pela sua particular clareza, o proferido por este último Tribunal em 23-04-2009, no âmbito do Proc. n.º 114/09 - 5.ª[17]: «(…) a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo apuramento global do acontecido, ou a reapreciação do objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos, e em regra excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto. Quanto ao julgamento de facto pela Relação, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.» 
 Importará, ainda, sublinhar que o Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo. Por outro lado, também nada obsta a que a convicção do Tribunal se funde num único depoimento, desde que o mesmo ofereça credibilidade bastante. Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se»[18], não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus. E não é decisivo para se poder concluir pela realidade dos factos descritos na acusação ou na pronúncia que haja provas directas do seu cometimento pelo arguido, designadamente que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticá-los ou que o próprio arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que os factos se passaram da forma ali narrada. Ou seja, dentro do quadro probatório global a apreciar existem, para além da prova directa, «os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções[19]. 
 Analisada a sentença recorrida, quanto aos factos (provados e não provados) e sua motivação, verifica-se que o Tribunal formou a sua convicção na apreciação conjugada e crítica dos elementos documentais juntos aos autos (concretamente os relatórios de exame pericial de fls. 131-133, 136-138, 173-174, 176-177 e 181-182; as fotografias de fls. 9-12; o auto de apreensão de fls. 15-16; o auto de reconhecimento de objectos e termo de entrega de fls. 17-19; o auto de busca e apreensão e respectiva autorização de fls. 27-30; o auto de busca e apreensão de fls. 31-32; os relatórios fotográficos de fls. 33-35, 77-83 e 91-92, 107, 118-119 do vol. I e de fls. 12 e 70-72 do Apenso A; o auto de reconstituição de fls. 36-40; o auto de apreensão e termo de entrega de fls. 44-46; a cópia de contrato de aluguer de veículo de fls. 45; o auto de reconstituição de fls. 50-54; o auto de leitura de dados do Facebook de fls. 56-58 e 41-43 do Apenso A; os autos de apreensão de fls. 65-67; o relatório táctico de inspecção ocular de fls. 75-76; os relatórios técnicos de inspecção judiciária de fls. 88-90, 105-106 e 116-117; o auto de apreensão de fls. 13-14 do Apenso A; o auto de reconhecimento de objectos e termo de entrega de fls. 15-18 do Apenso A; os autos de reconstituição e respectivos consentimentos de fls. 30-34 do Apenso A e de fls. 35-39 do Apenso A; o relatório táctico de inspecção ocular de fls. 68-69 do Apenso A; o relatório de imagens de CD de fls. 223-224 do Vol. 2; a certidão permanente da sociedade “A..., S. A.” de fls. 233-244 do Vol. 2; e a certidão permanente da sociedade “B..., Lda.” de fls. 245-248 do Vol. 2; e os CRC dos arguidos juntos aos autos), das declarações do arguido AA (único dos arguidos que as prestou, como repetidamente se lê na fundamentação da convicção, apesar da inicial referência genérica às «declarações prestadas pelos arguidos») e do demandante civil, EE, e dos depoimentos das testemunhas FF e GG (ambos militares da GNR), HH (gerente da empresa “B..., Lda.”, proprietária do posto de abastecimento de combustível onde tiveram lugar os factos em causa nos autos), II e JJ (ambas a desempenhar funções no referido posto de abastecimento de combustível, que ali chegaram após os factos), KK (que se referiu ao veículo que observou na zona de abastecimento de ar/água desse posto, na noite dos factos), LL (que depôs sobre o estado em que ficou a máquina de tabaco, sem conseguir esclarecer os valores, em tabaco e dinheiro, que esta continha na ocasião), MM (que encontrou no seu terreno agrícola alguns dos bens retirados dos dois locais alvo de assalto), explicando em que medida foram ou não valorados e por que motivos lhe mereceram, ou não, credibilidade. Nessa apreciação crítica, procedeu, para além do mais, a uma análise detalhada das declarações prestadas pelo arguido AA, assumindo que foram decisivas no apuramento da participação dos arguidos BB e CC nos factos em causa, relevando a sua assunção da prática, juntamente com aqueles, do crime perpetrado no posto de abastecimento de combustível em co-autoria com aqueles e explicando com clareza por que motivos a sua negação do crime cometido no imóvel pertencente a EE não mereceu credibilidade, por contrariar os demais elementos probatórios constantes dos autos, que indica. O recorrente insurge-se contra a matéria de facto fixada, concretamente contra a circunstância de ter sido dada como provada a sua intervenção, como co-autor, nos dois ilícitos em causa nos autos, afirmando, em síntese, que a valoração das declarações do seu co-arguido AA como elemento decisivo, ou mesmo único, para a sua condenação, uma vez que a prova testemunhal e documental não é suficiente para demonstrar essa sua participação, constitui violação da garantia do seu «total e absoluto direito ao silêncio»[20]. E alega que, por outro lado, foi indevidamente valorada a «confissão dos factos» desse mesmo co-arguido, porquanto «é notório que quanto ao furto à habitação as declarações são inócuas e quanto ao furto às bombas de combustível não são credíveis», não podendo «ser tidas como válidas, por força do estabelecido no n.º 4, do art.º 345º e alínea a), do n.º 1, do art. 61º do CPP». A argumentação do recorrente evidencia que a sua impugnação se prende, não com o texto da decisão, mas com a forma como o Tribunal recorrido apreciou e valorou a prova, que não prescinde da análise de elementos estranhos àquele texto. Questão de erro de julgamento e não de erro notório na apreciação da prova, a chamada impugnação ampla da matéria de facto, com reapreciação da documentação junta aos autos e da prova gravada, encontra-se fora do objecto do presente recurso, por opção do próprio recorrente[21]. 
 Ora, atendo-nos ao texto decisório, e só a esse podemos atender, basta uma leitura atenta da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida para verificar que, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. Como é sabido, os arts. 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, ambos do CPP, «proíbem expressamente que o arguido possa ser desfavorecido em consequência de em julgamento não prestar declarações ou, prestando-as, se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas. Esta proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos desfavoráveis ou que simplesmente o valore como circunstância agravante da pena. A jurisprudência do TEDH, que não atribui ao direito ao silêncio um valor absoluto e admite em circunstâncias excepcionais que dele possam ser retiradas ilações desfavoráveis, não tem, entre nós, qualquer acolhimento (…) O silêncio não é tido como um elemento de prova sujeito ao princípio da livre apreciação e muito menos como um indício ou presunção de culpa. Considera-se que essa possibilidade esvaziaria de sentido o direito à não-incriminação, pois equivaleria a estabelecer a obrigatoriedade do arguido prestar declarações – visto que, não o fazendo, se extrairia uma consequência no sentido da admissão da culpabilidade.»[22] Contudo, se o direito ao silêncio por parte do arguido[23], que incide «sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar» (art. 61.º, n.º 1, al. d), do CPP), significa que o mesmo não é obrigado a auto-incriminar-se e que o seu silêncio não pode desfavorecê-lo, não podendo o tribunal valorá-lo como indício de culpabilidade sobre aqueles factos (cf. art. 343.º, n.º 1, do CPP), é também certo que o exercício desse direito não o pode beneficiar. Como, de há muito, tem sido o entendimento constante do STJ, expresso, entre muitos outros, no acórdão de 10-01-2008, Proc. n.º 07P3227[24]: «(…) o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio (cfr. AcSTJ de 21/02/2006, Proc. º 260/06-5 e de 24/10/2001, Proc. nº 2762/01-3). Tem entendido, este Supremo Tribunal, que: – Na avaliação da personalidade não está em causa o direito ao silêncio, em ordem a extrair deste um juízo desfavorável relativamente àquela. Porém usando o arguido daquele direito, fica impedido o tribunal de se socorrer de elementos que poderiam levá-lo a uma atitude de compreensão em termos de culpa, susceptível de se repercutir na medida da pena e no prognóstico do seu comportamento futuro, com interesse para as exigências de prevenção especial e da própria necessidade da pena. (AcSTJ de 30/10/1996, Proc. nº 59/96) – Resultando da factualidade provada e respectiva motivação que o arguido, usando do direito ao silêncio, não prestou quaisquer declarações em julgamento, e não podendo, obviamente, ser prejudicado por isso, certo é que impediu, desse modo, que o tribunal tivesse um melhor acesso à sua personalidade, condições de vida sócio-familiares, e perspectivas de reinserção social. (AcSTJ de 10/03/2004, Proc. nº 258/04-3) – Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silencia. (AcSTJ de 20/10/2005, Proc. nº 2939/05-5) – O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado, a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória. Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática e actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto. (AcSTJ de 05/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 159) – Esta exigência de interiorização nada tem a ver com a problemática da não exigência de auto-incriminação, que se funda no facto do arguido não dever ser obrigado a concorrer para a descoberta da verdade servindo de meio de prova (direito de defesa). No entanto, se o arguido decidir não contribuir para a descoberta da verdade, também não pode pretender que o tribunal reconheça o que ele próprio não foi capaz de reconhecer. (AcSTJ de 27/04/2006, Proc. nº 794/06-5) – Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio. (AcSTJ de 14/06/2006, Proc. nº 2175/06-5) (…)» 
 E a circunstância de o arguido optar por não prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados não pode obstar a que a sua responsabilidade seja apurada por via de outros meios de prova legais, designadamente através das declarações de co-arguido. Como, de resto, se afirma, entre outros, no acórdão do STJ de 25-03-2015, Proc. n.º 1504/12.8PHLRS.L1.S1-3[25] – citado pelo recorrente – no qual se lê: «Relativamente à questão de admissibilidade da relevância do depoimento de co arguido mantem-se integralmente o entendimento já sufragado por este colectivo[2][26] no sentido de que a admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada. Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o principio do “nemo tenetur se ipsum accusare” que deriva desde logo da tutela jurídico-constitucional de valores, ou direitos fundamentais, como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico-constitucional do principio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio “nemo tenetur”. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (art. 61, , nº l, al. c). Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valorado contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art. 343 nº1) como em se tratando de silêncio parcial (art. 345° nº 1). Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio “nemo tenetur” a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (confr a v. g. arts. 58 nº2,. 61 nº1, aI. a); 141 nº 4. 343 nº1).» E ainda, em excerto que o recorrente não transcreve: «A eficácia de tais normas é contrafacticamente assegurada através da sanção da proibição de valoração. Porém, a proibição de valoração incide sobre o silêncio que o arguido adoptou como a melhor estratégia processual e, como é evidente, não poderá repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilizar criminalmente o arguido. Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio. (…)» 
 No caso, em apreço, basta atentar no texto da decisão recorrida para constatar que o Tribunal não retirou do silêncio do recorrente (ou de outros co-arguidos) qualquer consequência desfavorável relativamente à prática dos factos, em violação do preceituado no art. 343.º, n.º 1, do CPP. Valeu-se, sim, da globalidade dos elementos probatórios constantes dos autos, entre os quais se contam as declarações prestadas pelo co-arguido AA, sendo à valoração que destas foi feita que se reconduz a discordância do recorrente. 
 A este propósito, diga-se, antes de mais, que não tem cabimento a afirmação de que essas declarações não podem «ser tidas como válidas, por força do estabelecido no n.º 4, do art.º 345º e alínea a), do n.º 1, do art. 61º do CPP». O art. 345.º, n.º 4 do CPP estabelece que «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2.» O que este preceito pretende é retirar valor probatório a declarações do arguido que sejam totalmente subtraídas ao contraditório, o que, de todo, não é o caso dos autos, em que o arguido AA esteve presente na audiência de discussão e julgamento e não se recusou a responder a quaisquer questões que lhe tenham sido colocadas, designadamente para avaliar da sua credibilidade. 
 No que respeita à possibilidade de valoração das declarações de co-arguido, alinhamos com a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça. A mesma mostra-se espelhada em inúmeros acórdãos desse Tribunal – dos quais é exemplo o de 12-03-2008, proferido no Proc. n.º 694/08 - 3.ª[27], mencionado na anotação ao art. 345.º do CPP Comentado[28], pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, –, dos quais citamos o de 20-06-2012, proferido no Proc. n.º 258/01.8JELSB.C1.S1 - 3.ª[29]: «IX - O eixo do posicionamento jurisprudencial do STJ relativamente ao valor probatório das declarações de co-arguido radica na ideia de que, fundamentalmente, o que está em causa é a posição interessada do arguido, que, assumindo o seu impedimento para depor como testemunha, não está impedido de prestar declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal, numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, as declarações do co-arguido podem, e devem, ser valoradas no processo. X - Uma coisa são proibições de prova, que são verdadeiros factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta, a valoração da prova. Nesta última está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais. XI – A resposta à questão de saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes co-arguidos é afirmativa e dimana, desde logo, da regra do art. 125.º do CPP que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado, não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da CRP que aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação. Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido, que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, se reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido, ofende o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos. Portanto, a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido. XII – É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tais como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. Para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas é razoável que o coarguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal e se converte numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial que pesa contra a mesma. Assim, estamos em crer que é importante, em sede de credibilização do depoimento, que o mesmo seja corroborado objectivamente. XIII - Não se trata de, à partida, criar, em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido incriminatório dos restantes arguidos em termos de admissibilidade como meio de prova, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto. A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação. Igualmente assume relevo uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação. XIV – O eixo fundamental da questão reside no facto de o depoimento incriminatório de coarguido estar sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, pela sua sujeição à regra da investigação, da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório (art. 32.º da CRP) nenhum argumento subsiste à validade de tal meio de prova.»[30] 
 Criticamente analisadas pelo Tribunal as declarações prestadas pelo co-arguido AA, que foram devidamente submetidas ao contraditório, não perpassando no texto decisório que o mesmo tenha sido movido nas suas declarações (ou no seu anterior comportamento processual) por qualquer espécie de interesse pessoal em incriminar ou prejudicar os demais co-arguidos ou de obter para si um benefício, nada obstava a que aquelas fossem, como foram, valoradas pelo Tribunal, em conjugação com os demais elementos de prova. E a discordância que o recorrente manifesta da credibilidade concedida aos diversos elementos probatórios e da convicção formada pelo Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, apesar de legítima, não é, pelos motivos já acima explanados, válida enquanto impugnação da matéria de facto. 
 Em suma, a fundamentação da decisão, no exame crítico da prova, explica, de forma detalhada, os motivos pelos quais os elementos de prova foram, conjugadamente, valorados no sentido em que o foram, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu o tribunal, que beneficiou da oralidade e da imediação, à convicção alcançada, com suporte na regra estabelecida no art. 127.º do CPP, não se mostrando violado – ao contrário do que afirma o recorrente – qualquer princípio, norma legal ou regra da experiência na apreciação da matéria de facto. E uma apreciação global dos elementos de prova, nos termos permitidos pelo texto da decisão, leva-nos a subscrever a convicção formada pelo Tribunal recorrido, em face de dados objectivos conjugados com as regras da experiência comum, da normalidade da vida e das coisas, sem que se vislumbre qualquer apreciação arbitrária da prova, em violação dessas regras, pois que a conjugação e ponderação crítica desses elementos permite as deduções ou interpretações efectuadas. Apesar das críticas do recorrente, que espelham a sua visão subjectiva da prova, aludindo a alguns elementos probatórios mas “esquecendo” outros, as conclusões extraídas pelo Tribunal recorrido não foram além do que é razoavelmente suportado pelas regras da livre apreciação da prova, incluindo as das presunções naturais, não existindo qualquer elemento retirado da própria decisão que indicie ter ocorrido erro, notório ou não, na apreciação da prova. A convicção do Tribunal está, repete-se, explicada de forma racional e motivada e formou-se para lá de qualquer dúvida razoável. Sendo inequívoco que a prova tem como função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º, n.º 1, do C. Civil[31]) ela não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência, uma certeza absoluta, lógico-matemática, bastando que ela permita alcançar «um grau de certeza que as pessoas mais exigentes reclamariam para dar como verificado um certo facto» ou que permita afastar toda a dúvida razoável: não qualquer dúvida, mas a dúvida fundada em razões adequadas. Como se reafirma no acórdão do STJ, proferido em 23-11-2017 no Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5[32], «Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base na prova produzida afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que o arguido praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta mas apenas e só o grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões adequadas. O que há-de ser feito mediante uma «valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência comum». 
 Tudo isto para concluir como começámos, ou seja, que é perfeitamente perceptível o percurso lógico que levou o Tribunal recorrido, que beneficiou da oralidade e da imediação, a dar como provados os factos susceptíveis de integrarem o cometimento (também) pelo arguido dos crimes pelos quais foi condenado. E que o fez sem que as suas conclusões sejam ilógicas ou inaceitáveis, não se podendo afirmar que um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, facilmente se dê conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou de que foram desrespeitadas regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. A decisão mostra-se coerente, harmónica, destituída de antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para suportar uma segura solução de direito. Não ocorre, pois, qualquer dos vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, designadamente o de erro notório na apreciação da prova, invocado pelo recorrente. O que sucede é que este discorda da convicção formada pelo Tribunal, considerando que houve uma errada apreciação da prova disponível, mas tal, a existir, configuraria um erro de julgamento, só sindicável através de uma impugnação ampla, envolvendo a análise de elementos estranhos ao texto da decisão e a reapreciação da prova gravada, via que, como acima se referiu, não foi a seguida. A matéria de facto terá de considerar-se, assim, definitivamente fixada nos termos em que o foi pelo Tribunal recorrido. * O recorrente, que pugna pela sua total absolvição em consequência de uma substancial alteração dos factos dados como provados que, como vimos, não mereceu acolhimento, não questiona o enquadramento jurídico-penal dos factos apurados. Contudo, sendo a qualificação jurídica matéria de conhecimento oficioso, importará atentar na circunstância de, como observado pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, ser diminuto o valor dos bens subtraídos, no que respeita ao furto ocorrido no posto de abastecimento de combustível. Na verdade, «(e como já decorria da acusação) o valor apurado relativamente a este crime em concreto não chega ao montante de 102€, sendo que apenas foi dado como provado o furto de 30€ em numerário, sem que se tenha conseguido apurar qual o valor da máquina de tabaco e do tabaco também retirados (facto provado j).» Assim, em face do disposto nos arts. 202.º, al.c), e 204.º, n.º 4[33], ambos do CP, a condenação por tais factos não poderia ser por crime de furto qualificado, mas apenas pelo crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP. Erro de qualificação jurídica que importa corrigir, encontrando a punição dessa conduta do recorrente dentro da moldura penal abstracta correspondente a este último ilícito, que é a de prisão até 1 (um) mês a 3 (três) anos ou pena de multa de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias – cf. arts. 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, ambos do CP. Nenhuma questão se suscita, por outro lado, quanto à qualificação jurídica do outro ilícito, que não se vê motivo para alterar. * Nos termos do art. 402.º, n.º 2, al a), do CPP, salvo se for fundado em razões meramente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes. No caso dos autos, os arguidos AA, BB e CC vinham acusados, como co-autores, (também) do aludido crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do CP, vindo a ser efectivamente condenados pela prática desse crime, como seus co-autores. Estando em causa uma situação em que existe, materialmente, uma co-autoria, a exigência de coerência em que assenta o art. 402.º do CPP impõe que a alteração da qualificação jurídica operada, in mellius, pelo recurso, se estenda aos arguidos AA e BB, não obstante estes não terem recorrido da sentença condenatória. Assim, também quanto aos não recorrentes importará reponderar a pena concreta que lhes foi imposta, pela prática do crime cometido ocorrido no posto de abastecimento de combustível, no âmbito da moldura penal abstracta prevista pelo art. 203.º, n.º 1, do CP. Vejamos, pois. 
 O art. 70.º do CP refere que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Esta regra, que se reporta às penas alternativas, vale para as penas substitutivas da pena de prisão, ao abrigo do art. 45.º, n.º 1, do CP: «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)». Por outro lado, dispõe o art. 40.º do CP que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» (n.º 1), e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2). É, pois, de acordo com as proposições fundamentais de política criminal sobre a função e os fins das penas condensadas nesta norma, que estabelece um modelo de prevenção, que haverá que interpretar e aplicar os critérios de determinação da medida da pena. Como se escreve no Ac. do STJ de 16-01-2008 (Proc. n.º 4565/07 - 3.ª)[34], «O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente». Assim, dentro dessa linha de orientação, o Tribunal terá de atender, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 71.º do CP, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. 
 «Na escolha da pena, considera Figueiredo Dias, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Essa prevalência opera a dois níveis diferentes: - em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração; - em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita. Por seu turno, a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.»[35] 
 Depois de aludir aos critérios que devem presidir à determinação da medida da pena e às molduras penais abstractamente aplicáveis, o Tribunal pronunciou-se relativamente à fixação das penas concretas, parcelares e única, a aplicar a cada um dos arguidos, nos seguintes termos (transcrição): *b) Concurso de crimes De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.” O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Acresce que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. Como refere Lobo Moutinho (in Da unidade à pluralidade dos crimes no Direito Penal Português, páginas 1346 e seguintes) “o espírito último da formação da pena conjunta e, com ela, do concurso de crimes é o de não deixar influir negativamente na determinação das consequências dos crimes perpetrados pelo arguido o facto (que, num Estado de direito, por força do nemo tenetur se detegere, nunca lhe será sequer imputável) de não ter sido atempada e separadamente punido por cada crime cometido. A formação da pena conjunta é, assim, como que a tentativa de, na medida do possível, não deixar alterar (se se quiser, de repor) a situação que teria existido se tivesse havido um conhecimento, condenação e punição dos crimes à medida que o agente os foi cometendo. É como que um “conhecimento superveniente” do ou dos crimes perpetrados antes do último crime”. Em caso de concurso de crimes previu, então, o legislador que fosse determinada uma pena única, prescrevendo no n.º 2 do citado artigo os termos em que se encontra a moldura legal aplicável nesse caso. Assim, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” Pelo que fica dito, conclui-se que a moldura abstracta da pena única a aplicar quanto às penas de prisão aplicadas aos arguidos são as seguintes: - Quanto ao arguido AA de 2 anos e 3 meses a 4 anos e 5 meses; - Quanto ao arguido BB de 2 anos e 3 meses a 4 anos e 6 meses; - Quanto ao arguido CC de 2 anos e 6 meses a 5 anos. A pena única do concurso será determinada considerando, nomeadamente, os factos apreciados e valorados no seu conjunto e a sua relação ou desconexão uns com os outros; e a personalidade do agente, manifestada nos factos de molde a apreciar se a conduta do agente se traduziu num acto isolado, ou se, ao invés, permite denotar uma ausência de respeito pelas normas jurídicas. Cabe realçar nesta sede que, na globalidade, a ilicitude das condutas dos arguidos é acentuada, considerando que os mesmos agiram de forma livre, voluntária, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizar de, contra a vontade dos proprietários dos bens, subtrair e fazer seus os mesmos. Acresce que os arguidos agiram da forma descrita sem que tenham assumido a sua prática, com ressalva parcial do arguido AA, como se disse. Importa considerar, por outra parte, que os factos foram praticados em idênticas circunstâncias e em espaço temporal circunscrito, estando conexionados uns com os outros. Por outro lado, relevam todas as circunstâncias já acima referidas. Ou seja, a ausência de antecedentes criminais quanto a AA e BB, e a existência de um antecedente criminal de CC por crime de diversa natureza, a inserção profissional, laboral e social dos mesmos, e a sua postura em julgamento. Ponderadas, então, as circunstâncias do caso concreto, isto é, conjugadamente os factos e a personalidade do arguido, entende-se por adequada a aplicação: - Ao arguido AA de uma pena única de 3 anos e 3 meses de prisão; - Ao arguido BB de uma pena única de 3 anos e 4 meses de prisão; - Ao arguido CC de uma pena única de 3 anos e 9 meses de prisão.» Relativamente à escolha da pena, que agora se impõe relativamente ao crime de furto (ocorrido no posto de abastecimento de combustível), cuja moldura penal prevê, em alternativa, a imposição de pena de prisão ou de multa, dir-se-á que, para além da inquestionável relevância das necessidades de prevenção geral que se fazem sentir relativamente a ilícitos da natureza daquele a que se reportam os autos, dada a preocupante frequência com que vêm ocorrendo, sobressai no caso vertente o elevado grau de ilicitude dos factos, pela forma da sua execução e a gravidade das suas consequências, provocando significativos estragos, que em muito ultrapassam o valor cuja subtracção resultou provada. Acresce a ausência de capacidade de autocensura revelada pelos arguidos, com excepção do arguido AA, que, apesar da ausência de antecedentes criminais por parte desse arguido e de BB, impõe alguma atenção às necessidades de prevenção especial de socialização, pelo que se entende ser de afastar a preferência legal pela pena não privativa da liberdade, por só a de prisão satisfazer as finalidades da punição, permitindo prevenir o cometimento de futuros crimes. 
 Não merece censura a operação de determinação das penas parcelares que, como se mostra transcrito, atendeu a todos os factores que, para esse efeito, importava considerar (e que, de resto, não vinha questionada). Reponderando agora tais factores, apenas quanto ao crime de furto simples, por força da correcção introduzida na qualificação jurídica, à luz da diversa moldura penal abstracta prevista para este ilícito, tendo em conta todos os elementos reunidos nos autos, em conformidade com o disposto no art. 71.º, n.º 2, do CP, e considerando que a medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime, entre esses limites se devendo satisfazer, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, às quais cabe, em última análise, a função de determinação da medida da pena dentro dos limites supra assinalados, considera-se necessário, proporcional e adequado à culpa de cada um dos agentes fixar as seguintes penas concretas: - uma pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão para o arguido AA; - uma pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão para o arguido BB; - uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o arguido CC. 
 Relativamente à pena única, face ao disposto no art. 77.º do CP, o Tribunal recorrido procedeu à devida ponderação da globalidade dos factos e da personalidade de cada um dos agentes, em moldes que, embora relativamente sintéticos, se aceitam, uma vez que a pena conjunta é aplicada não em sentença ou acórdão resultante de conhecimento superveniente do concurso de crimes mas tão-só em face de penas parcelares fixadas no próprio processo e no mesmo julgamento, nas quais foram já sopesados os factos e a personalidade dos agentes[36]. E na sua determinação o Tribunal recorrido somou à pena parcelar mais grave uma fracção da restante pena que se contém nos limites legalmente definidos. 
 Reformulando tal operação, perante as novas penas parcelares agora fixadas para um dos ilícitos em presença e os limites da pena única que daí decorrem, considerando em conjunto os factos e a personalidade dos arguidos, não olvidando as exigências de prevenção geral, de tutela das expectativas comunitárias contra o facto, de dissuasão de potenciais delinquentes, nem as de prevenção especial, que reclamam, pela via da pena, a interiorização da consciência do acto ilícito, em termos de prevenção da reincidência, e levando em conta os critérios orientadores decorrentes da jurisprudência do STJ nesta matéria[37], considera-se adequado às exigências de prevenção e à culpa concreta dos agentes recorrente fixar as seguintes penas únicas: - uma pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão para o arguido AA; - uma pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão para o arguido BB; - uma pena de 3 (três) anos de prisão para o arguido CC. 
 Determinadas as penas únicas, o Tribunal ponderou ainda, como se lhe impunha, a questão da suspensão da sua execução, e optou pela aplicação de tal pena de substituição, por entender ser possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro dos arguidos, subordinando tal suspensão a regime de prova, matéria que não vem questionada e que se mantém, por considerarmos que permanece ajustada às necessidades de prevenção especial, fixando-se agora o período da suspensão da pena em medida igual à da pena única a cada um deles imposta. * Mantendo-se inalterados os factos dados como assentes e a correspondente condenação dos arguidos pela prática dos crimes que lhe vinham imputados, embora com uma alteração, in mellius, na respectiva qualificação jurídica, subsiste a sua responsabilidade civil nela fundada, cujos pressupostos a factualidade fixada pelo Tribunal a quo permite ter por integrados e cuja absolvição vem peticionada pelo recorrente apenas por decorrência da absolvição da acção penal. 
 Por todo o exposto, improcede o recurso do arguido CC (que se cingia à apreciação da matéria de facto, de cuja alteração pretendia retirar a sua absolvição), apesar da alteração introduzida na qualificação jurídica e na medida concreta da(s) pena(s) aplicada(s). * III. Decisão Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em a) determinar, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do CPP, a correcção do texto da sentença recorrida nos termos acima explicitados a fls. 31-32; b) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CC; c) alterar, oficiosamente, a qualificação jurídica de um dos crimes pelos quais os arguidos vinham condenados e, estendendo aos arguidos AA e BB, não recorrentes, os efeitos desta decisão, nos termos do art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP, revogar a decisão recorrida relativamente às penas aplicadas pela prática do crime de furto qualificado ocorrido no posto de abastecimento de combustível, e condenar os arguidos, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, nas seguintes penas: - o arguido AA, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; - o arguido BB, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; - o arguido CC, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. d) Mantendo, no mais, o decidido, condenar os arguidos nas seguintes penas únicas, que ficarão suspensas, por igual período, com sujeição a regime de prova: - o arguido AA, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; - o arguido BB, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão; - o arguido CC, na pena de 3 (três) anos de prisão. e) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa). Notifique. * * Coimbra, 24 de Setembro de 2025 
 
 [8] «A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, de acordo com jurisprudência há muito firmada – cf. Acs. do STJ de 19-09-1990, BMJ 399.º/260; de 21-06-1995, BMJ 448.º/278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório); de 01-10-1997, Proc. n.º 876/97 - 3.ª; de 08-10-1997, Proc. n.º 874/97 - 3.ª; de 06-11-1997, Procs. n.ºs 666/97 e 122/97, de 18-12-1997, Procs. n.ºs 47325 e 930/97, Sumários de acórdãos do STJ, Vol. II, págs. 156, 158, 216 e 220; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247; de 19-01-2000, Proc. n.º 871/99 - 3.ª; e de 06-12-2000, Proc. n.º 733/00. Ou, como se dizia no Ac. de 18-12-1997, Proc. n.º 701/97, Sumários, ibidem, pág. 220, a convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso.» - cf. Ac. do STJ de 04-12-2008, Proc. n.º 2507/08 - 3.ª, ibidem. E mais recentemente no acórdão do STJ de 01-07-2020, Proc. n.º 39/11.0GAPNF.P1.S2 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de acórdãos), no qual se reafirma que «a prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga, conforme art. 127.º, do CPP, e não de acordo com a apreciação que dela fazem os destinatários da decisão.» [35] Cf. Ac. do STJ de 29-04-2009, Proc. n.º 939/07.2PYLSB.S1 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). |