Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
653/21.6T9LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÁTIMA SANCHES
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADO
CO-AUTORIA
MEDIDA DAS PENAS
Data do Acordão: 06/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º, 164º N.º 2 ALÍNEA A), 177º N.º 1 ALÍNEA C), N.º 4 E N.º 6, DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 412º Nº3 ALÍNEAS A) E B) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Sumário: 1 - A norma do artigo 26º do Código Penal faz assentar a coautoria num acordo, mas, para que este exista, é suficiente a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime.

2 - Conforme resulta da matéria de facto provada, os arguidos levaram a cabo a conduta ilícita de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos, sendo indubitável que atuaram em coautoria.

3 - No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os atos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a atuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.

Decisão Texto Integral:

            Acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO

            1. No processo comum coletivo, com o NUIPC653/21.6T9LMG que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz 2, foi proferido acórdão, em 12-11-2024 [referência96598682], com o seguinte dispositivo (transcrição):

            «Em face de todo o exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo da Instância Central, Secção Criminal, em:

a) Julgar inimputável em razão da idade o arguido AA e, em consequência, absolver este arguido dos 4 (quatro) crimes de violação agravados, p. e p. pelos artigos 164º n.º 2 alínea a), 177º n.º 1 alínea c), n.º 4 e n.º 6 todos do Código Penal, cuja prática lhe era imputada;

b) Condenar o arguido BB, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e concurso efectivo, de 4 quatro crimes de violação agravados, p. e p. pelos artigos 164º n.º 2 alínea a), 177º n.º 1 alínea c), n.º 4 e n.º 6 todos do Código Penal, nas penas parcelares de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, por cada um deles;

c) Efectuado o cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar o arguido BB, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva;

d) Condenar também o arguido BB nas penas acessórias:

- De proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 8 (oito) anos;

- De proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 8 (oito) anos;

e) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por CC e condenar, cada um, dos arguidos/demandados no pagamento àquela, da quantia de €15.000,00, (quinze mil euros), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado;

f) Consignar-se não ser aplicável a amnistia nem o perdão, previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, relativamente à condenação sofrida pelo arguido;

g) Condenar ainda o arguido BB nas custas do processo, fixando em 3 UC o valor da taxa de justiça devida, acrescida dos demais encargos do processo;

h) Sem custas cíveis ou criminais para o arguido AA;

i) Condenar ainda demandante e o demandado BB, nas respectivas custas do pedido de indemnização, na proporção dos respectivos decaimentos.»

**

            2. Inconformado com o decidido, o arguido AA interpôs recurso do acórdão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

            «1. Interpõe-se recurso do douto acórdão proferido em primeira instância, que condenou o aqui arguido/demandado, no pedido de indemnização civil deduzido pela vítima.

2. Nestes termos, apenas se coloca em crise o tribunal a quo na medida em que este condenou o aqui arguido/demandado AA, num pedido de indemnização civil, no montante de € 15,000.00 euros, quando foi o mesmo absolvido dos crimes de que vem acusado.

3. Cremos assim, salvo o devido respeito e consideração pelo Tribunal recorrido, que quando este decide condenar o aqui recorrente no PIC, tendo-o absolvido do crime que deu origem ao processo nos autos, incorre em erro de julgamento.

4. Vejamos, o coletivo de juízes a quo fundamentam o acórdão proferido relativamente ao pedido de indemnização civil – que é, exclusivamente, a matéria recorrida – no ponto 3.4.

5. Ora, não podemos anuir com esta decisão, pois que, entendemos que foi realizado um erro de julgamento.

6. Muito menos podemos anuir com a afirmação: “De realçar que, pese embora o arguido AA seja inimputável criminalmente, é imputável civilmente, nos termos do disposto no artigo 488º n.º 2 do Código Civil.”

7. Pois, tendo em conta os factos dados como provados, concertados com a fundamentação do acórdão, resultou claro e cristalino que o aqui recorrente, à data da prática dos factos de que vem acusado, - que não se apurou com exatidão em que data ocorreram - seria inimputável por ser menor de 16 anos, ao abrigo do art. 19.º CP

8. Assim, e bem, diga-se, uma vez que não se apurou com exatidão a idade do aqui recorrente na data dos factos de que vinha acusado, sempre ter-se-ia de lançar mão do princípio in dúbiu pro reo, e como tal ser o aqui recorrente absolvido dos aludidos crimes de violação agravada (p. e p. pelo artigo 164.º n.º 2 al. a) do CP).

9. Ou seja, foi o aqui recorrente/arguido/demandado ABSOLVIDO dos crimes pelos quais veio acusado.

10. O que nos impele a questionar: se um arguido é ABSOLVIDO dos crimes de que vem acusado, como pode ser condenado num pedido de indemnização civil, relativamente a esse mesmo crime?

11. Cremos que a reposta deve ser clara e cristalina: não podia ser condenado no pedido de indemnização civil condenado.

12. O princípio da adesão, tal como se encontra desenhado no art. 71.º, do CPP, não podem tirar-se quaisquer conclusões sobre esta temática, pois não tem outro alcance que não seja a obrigatoriedade de o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no processo penal respetivo, com exceção dos casos previstos no n.º 1 do art. 72.º do CPP.

13. Ou seja, tal como o elemento gramatical do artigo precedentemente identificado indica, o pedido cível “fundado na prática de um crime” tem em vista obter o ressarcimento dos danos causados pelo ILÍCITO CRIMINAL.

14. Sucede que, in casu, o arguido foi absolvido dos crimes de que veio acusado!

15. Logo, a base de sustentação do pedido de indeminização civil sempre teria de cair, quanto ao aqui recorrente, uma vez que este NÃO foi condenado pela prática dos factos.

16. Deve nesta medida alterar-se o acórdão recorrido, e absolver o aqui Recorrente AA do pedido de indemnização civil contra si formulado.

17. Acresce que, não pode existir uma dualidade do julgador, na medida em que considera inimputável o arguido, na vertente criminal, e por outra banda já o considera imputável para afeitos de responsabilidade civil.

18. Até porque, a indemnização por danos emergentes de um crime é regulada pela lei Civil (vide art. 129.º do CP).

19. Logo têm de se verificar os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, que se encontra regulada na Lei Civil, nos artigos 483.º e seguintes do CC.

20. Porém, o tribunal a quo – com o devido respeito – olvidou-se de se debruçar pelo artigo 488.º n.º 1.º do CC

21. Por sua vez, o abrigo do artigo 123.º do CC determina a incapacidade dos menores, com idade inferior a 18 anos.

22. Logo, como não se logrou apurar, com precisão, a data da prática dos factos, e tendo sido admitido – como foi, e bem diga-se - que o arguido seria inimputável em razão da idade, deveria o tribunal recorrido socorrer-se das normas supra descritas.

23. A capacidade jurídica do aqui arguido sempre ter-se-ia de aferir, aquando da alegada prática dos factos.

24. Ora, o mesmo a data, só tinha 15 anos, e ao abrigo do supra exposto não detinha capacidade jurídica, face à sua menoridade,

25. Nesta medida, é assim claro que o recorrente nunca poderia ser condenado a um pedido de indemnização civil, porquanto o mesmo não detém capacidade jurídica para ser demandando.

26. Deve assim, ser absolvido o aqui recorrente do pedido de indemnização civil contra si formulado, e ao qual foi condenado, no valor de € 15.000,00 euros.

27. Caso assim não se entenda,

28. Com relevância para a sua fixação foi dado como provado no ponto 29 e 30 da matéria de facto que, “29. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita sofreu a assistente CC de ansiedade, ataques de pânico, preocupação, vergonha e tristeza; 30. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita sofreu a assistente CC de desconforto, insegurança, medo e desconfiança com terceiros.”

29. Ou seja, mais nenhuns factos foram provados relativamente aos danos não patrimoniais sofridos.

30. Bastou-se assim o tribunal, para arbitrar a indemnização, cremos, com os relatórios juntos aos autos, mas sem a eles fazer referência na fundamentação.

31. Assim os factos dados como provados no acórdão, não são necessários e suficientes para preencher os pressupostos pela responsabilidade civil extracontratual.

32. Acresce que, o arguido/recorrente foi condenado - a pagar uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 15.000,00 euros.

33. No entanto, considerando-se procedente o recurso deverá o mesmo ser desonerado do pagamento de qualquer indemnização.

34. Caso o mesmo não seja procedente nesses termos, sempre se dirá que a indemnização é manifestamente exagerada atendendo aos danos sofridos pela assistente.

35. Vejamos, o demandando, atualmente, ainda vive em casa dos pais; só concluiu o 6.º ano de escolaridade; atualmente encontra-se desempregado, pelo que não aufere quaisquer rendimentos; assim, a condição económica do arguido, é extremamente moderada e frágil.; arbitrar uma indemnização civil, a um jovem – atualmente - de apenas de 19 anos - que não aufere rendimentos, e quando os aufere são parcos, é estar a colocar em crise a sua prórpria auto-subsitência.

36. Assim sendo, atendendo à situação económica do arguido, deverá a indemnização por danos não patrimoniais ser reduzida em montante nunca superior a € 2.000,00 euros.»

3. Igualmente inconformado com a condenação de que foi objeto, o arguido BB interpôs recurso do acórdão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

«1ª- O presente recurso, tem por objecto saber se o arguido cometeu 2 ou 4 crimes de violação.

2ª - Para o caso de se entender, como entende o recorrente que apenas praticou 2 crimes então a pena a aplicar, em cúmulo jurídico, nunca deve ser superior a 2 anos e 6 meses de prisão.

3ª - Se se entender como entendeu o Tribunal recorrido que o arguido cometeu 4 crimes de violação, então a pena a aplicar, em cúmulo deve ser de 4 anos, em vez de 4 anos e 10 meses como foi decidido pelo Tribunal

4ª- Tendo o Tribunal a quo decidido condenar o recorrente na pena única de 4anos e 10 meses de prisão efectiva , sem ter obedecido aos critérios traçados pelo artigo 71º do Código Penal, o Tribunal a quo violou essa norma na medida em que “A culpa é a razão de ser da Pena, e também o fundamento para estabelecer a sua dimensão.”

5ª - A verdade é que já não pode aceitar que o Tribunal a quo não tenha optado pela suspensão da execução da pena aplicada.

6ª – Como ensina o Professor Figueiredo Dias, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta.

7ª- De facto, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que a pena a aplicar em concreto ao arguido deve resultar da actuação de exigências de prevenção especial, numa moldura de prevenção geral, respeitando o limite máximo consentido pela culpa.

8ª- Pelo que, deve ser dada ao arguido, sempre, a possibilidade de comprovar à sociedade e a si próprio, que está disposto a refazer a sua vida, inserido-se na sociedade, necessitando para tal que a pena aplicada nos presentes autos seja reduzida para os cinco anos e suspensa na sua execução.

9ª- Com efeito, mais importante do que a própria condenação, só a recuperação para a vida em sociedade, através do processo de ressocialização.

10ª - Pelo que a necessidade das penas, mormente as de natureza privativa de liberdade, dependem da sua necessidade imperiosa, adequação e proporcionalidade para a protecção dos bens jurídicos que a norma incriminadora visa proteger.

11ª - A tudo isto, acresce que, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta, como ensina o Magister Figueiredo Dias: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicionalproibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigência preventivas, sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberaldo Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, estabelecer uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estadual e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.” (Parte I – Questões fundamentais, A doutrina geral do crime, pág. 120).

12ª- Tal princípio de culpa significa, como já se disse, não só que não há penas sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.

13ª- In casu, a condenação do arguido aqui recorrente, na pena 4 anos e 10 meses de prisão efectiva é completamente desproporcional e desajustada à situação dada como provada nestes autos.

14ª - Devendo, a pena aplicada reduzida para 4 anos suspendendo-se a sua execução, como é pretensão do arguido.

15ª Mas se se entender que a pena aplicada pelo Tribunal recorrida é justa e equilibrada  e ajustada ao caso concreto, então a mesma também deve ser suspensa na sua execução.

16ª- O arguido /recorrente ao longo dos anos tem procurado ter uma vida estável na sociedade, tendo um trabalho, tem uma vida familiar estável, e é um jovem, com apenas 21 anos de idade e que à data da prática dos factos tinha 19 anos e sem antecedentes criminais.

17ª – Aqui se corrobora o Ac. RP de 28.05.2008 (Relatora Desembargadora Maria do Carmo Dias DD), in www.dgsi.pt “(...) sabemos que um delinquente (e não  me refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro. É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permitam criar uma “identidade não criminal”. Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade. É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando. (...)”.

18ª – Na senda do entendimento perfilhado no referido Acórdão da Relação do Porto e que aqui se acompanha, é digno de ser reconhecido o esforço do arguido para se ressocializar após o tempo de cumprimento de pena de prisão.

22ª - Com o devido respeito, e contrariando a posição perfilhada pelo Tribunal a quo, encontram-se verificadas circunstâncias que permitem criar uma esperança fundada de que o arguido interiorize o carácter ilícito e censurável da sua conduta e sinta a sua condenação como um alerta e uma advertência bastantes para que, no futuro, não mais volte a delinquir.

23ª - Sendo credível que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão permitir-lhe-ão concretizar o esforço já iniciado de viver em conformidade com os valores ético-jurídicos comunitários, mas também, e sobretudo, se afastar da prática de futuros crimes.

24ª - Vislumbrando-se uma esperança fundada de que o recorrente pode, em liberdade, lograr a sua socialização.

Nestes termos, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, e considerando os factos constantes dos autos, deve ser dado provimento ao presente recurso, com fundamento na motivação apresentada.»

4. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu a este último recurso[1] concluindo da seguinte forma (transcrição):

«1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do mesmo, pelo que não se tratarão as questões não elencadas nas conclusões do recurso do arguido.

2. O arguido não impugna, da forma legalmente prevista, a decisão recorrida quanto à matéria de facto, pese pareça pretender invocar erro de julgamento, concretamente quanto à questão da co-autoria de dois dos crimes de violação agravada imputados ao arguido.

3. O arguido não indicou os factos incorrectamente julgados, as provas que impunham decisão diversa ou que devem ser renovadas, nem deu cumprimento ao ónus de impugnação especificada;

4. Apenas se ancorando numa frase descontextualizada das declarações para memória futura da menor, e olvidando todas as demais de onde decorria, à saciedade, a co-autoria do arguido recorrente

5. O Acórdão recorrido não padece de erro notório na apreciação da prova, nem o mesmo resulta da decisão recorrida, o mesmo sucedendo com qualquer outro previsto no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal;

6. No caso em apreço decorrem da factualidade dada como provada todos os elementos necessários para que se concluísse pela co-autoria do arguido relativamente a dois dos quatro crimes de violação agravada;

7. Não sendo necessário que cada co-autor desempenhe todos os actos da execução típica, bastando que desempenhe uma das tarefas necessárias à prossecução e execução do plano comummente ou conjuntamente delineado ou a que aderiu;

8. O arguido detinha, com o outro co-arguido, o domínio do facto e podia ter impedido a ocorrência dos factos, sendo que a sua actuação complementa a do outro arguido e completam-se num todo unitário: ora agarrando ambos a vitima, ora despindo e um outro partes do vestuário da vítima, ora a manietando e prendendo as pernas à vez de forma a que o outro pudesse concretizar a violação, assim a contrangendo a suportar tal actuação, etc…

9. Cada um dos arguidos praticou actos que eram essenciais à execução do plano comum e a realização da conduta típica por 4 vezes, pelo que nada há a apontar à condenação do arguido recorrente por 4 e não por 2 crimes de violação agravada.

10. O arguido não coloca em causa a medida da pena parcelar por cada um dos crimes de violação agravada, mas tão só a pena única, pretendendo a sua redução para 4 anos ao invés dos 4 anos e 10 meses de prisão

11. A ponderação que o Tribunal fez não nos merece qualquer censura, nem a medida concreta da pena a que chegou para cada um dos crimes, tanto mais que a pena concretamente aplicada a cada um dos crimes se se situa abaixo do ponto médio da moldura penal aplicável e ainda próxima do limiar mínimo de tal moldura.

12. A medida da pena única de prisão aplicada ao arguido respeita todos os critérios legais, e foi fixada tendo por base uma moldura já especialmente atenuada por força da aplicação do regime penal de jovens adultos tida em consideração na fixação das penas parcelares;

13. Numa moldura situada entre os 2 anos e 8 meses de prisão e os 10 anos e 8 meses de prisão, a pena única foi fixada numa medida que excede apenas em 2 anos e 2 meses o limiar mínimo de tal moldura penal

14. Medida que se peca é pela sua brandura e não pelo excesso.

15. O Tribunal ponderou, e sopesou adequada e justamente, pluralidade de actos, os danos psicológicos decorrentes da conduta, a falta de sentida ressonância critica e arrependimento, a elevadíssima gravidade e censurabilidade global dos factos, ponderando também a sua inserção social e ausência de antecedentes criminais.

16. O limite da culpa não foi violado e as exigências de prevenção são particularmente fortes face à personalidade do arguido revelada nestes factos e no seu modo de actuação, a reclamar um exigente esforço de ressocialização do arguido.

17. Uma pena abaixo da medida fixada, conduziria a um sentimento de profunda indignação por parte da comunidade e um sentimento de impunidade para condutas tão repugnantes como estas, em particular se considerarmos que estamos perante 4 crimes de violação sobre uma (ainda) menor.

18. Em face das concretas circunstâncias em que o arguido actuou, de forma repetida, conjugadas com a personalidade evidenciada pelo arguido, reveladora de falta de auto-censura ético-social do seu comportamento e de controlo dos seus impulsos sexuais, existe perigo da prática pelo mesmo de factos de idêntica natureza.

19. Tanto mais que o arguido não revelou em julgamento o mínimo de arrependimento ou sequer alguma consciência critica em relação ao crime cometido, evidenciando não ter interiorizado a desconformidade da sua conduta à lei e também de absoluto desrespeito pela vítima

20. A mera circunstância do arguido se mostrar integrado familiar e socialmente, o que poderia levar a um eventual prognóstico favorável relativamente ao comportamento ulterior do arguido, não implica, nem impõe que se conclua, como pretende o arguido, pela suspensão da execução da pena de prisão, até porque tal não obstou à pratica dos factos

21. Importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a confiança ao sistema repressivo penal

22. Pelo que bem andou o tribunal colectivo ao aplicar ao arguido uma pena efectiva de prisão.

Deve, pois, improceder o recurso do arguido.»

5. A assistente/demandante CC, respondeu a ambos os recursos, formulando as seguintes conclusões:

«1. A sentença recorrida está devidamente fundamentada e não enferma de qualquer nulidade ou erro de julgamento quanto à matéria de facto ou de direito.

2. A responsabilidade civil do arguido menor está devidamente sustentada nos preceitos legais e na jurisprudência, não havendo razão para a sua modificação ou redução.

3. A indemnização fixada respeita os princípios da equidade e da proporcionalidade, refletindo a gravidade dos danos sofridos pela assistente.

4. A pena aplicada ao arguido BB revela-se justa e equilibrada, tendo em conta a gravidade dos crimes e as exigências de prevenção.

5. Os recursos interpostos pelos arguidos carecem de fundamento jurídico e não merecem provimento.»

6. Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à posição e argumentos constantes da resposta a que se aludiu supra.

7. Não foi apresentada resposta a este parecer e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, dela procedendo a decisão colegial que segue. 

           

II - FUNDAMENTAÇÃO  

1. Delimitação do objeto dos recursos.

            Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal , e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

            A propósito do objeto do recurso interposto pelo arguido BB, cabe tecer breves considerações, tendo em conta o que consta da douta resposta do Ministério Público ao mesmo recurso.

            Entende o Ministério Público que, embora de forma incorreta, o Recorrente pretende impugnar a matéria de facto.

            Compreende-se a cautela, porém, não se descortina nem nas conclusões, nem nas alegações a intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, mas apenas uma confusão entre aquilo que é matéria de facto e matéria de direito.

            Com efeito, em sede de conclusões (e são estas que delimitam o objeto do recurso) não consta qualquer referência à matéria de facto provada como erradamente fixada. Concretamente, não consta qualquer referência a concretos pontos que o Recorrente considere incorretamente julgados e muito menos qualquer indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida [artigo 412º nº3 alíneas a) e b) do Código de Processo Penal].

            Apenas, em sede de motivação do recurso, após transcrição de segmentos das declarações para memória futura da vítima,  (confundindo factos com aquilo que são os pressupostos da unidade ou pluralidade de infrações) se afirma que “Não resulta, na opinião do recorrente, que das declarações prestadas pela vítima CC, tenham sido praticados 4 crimes de violação”; “resulta das declarações da vítima que o ora recorrente praticou 2 crimes de violação, um num primeiro dia, no quarto, e outro no dia seguinte na garagem”; “Não houve em momento algum, nas declarações da vítima, constrangimento da vítima para que esta praticar com outrem cópula, coito anal ou coito oral.”

            Ora, parece-nos claro que, nem em sede de motivação (e tal não bastaria) o Recorrente manifestou de forma clara a intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a, de forma confusa, aludir às declarações prestadas pela vítima para daí retirar, sem se preocupar com os factos, a conclusão de que o número de crimes foi dois e não quatro.

            Atento o exposto, não erigiremos como questão a decidir no recurso, porque seria ir muito para além daquilo que consta do recurso, o erro de julgamento.

            Acresce que, lido o acórdão, também não se deteta no mesmo qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal.

            Assim, atento o objeto dos recursos, tem-se por estabilizada a matéria de facto nos precisos termos decididos no acórdão recorrido.

           

Feitas estas considerações prévias, atentas as conclusões formuladas pelos Recorrentes, as questões a decidir são as seguintes:

            1 – Número de crimes praticados pelo Recorrente BB [recurso interposto pelo arguido BB – conclusões 1. e 2.]

            2 – Medida da pena única aplicada [recurso interposto pelo arguido BB – conclusões 3., 4., 6., 7., 11., 12. e 13.]

3 – Substituição da pena de prisão por pena de prisão suspensa na sua execução [recurso interposto pelo arguido BB – conclusões 5., 8. a 10. e 14. a 24.]

4 – Erro de Direito no que toca à condenação do arguido AA no pagamento de indemnização [recurso interposto pelo arguido AA].

2. Apreciação.
          2. 1. Da decisão recorrida.

Atento o objeto dos recursos, importa ter presente o teor do acórdão prolatado nos autos, na parte atinente aos mesmos (transcrição):

            «2.1. Matéria de facto provada

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. A CC nasceu a ../../2006 e é filha de EE e de FF, residindo com a progenitora, no concelho ...;

2. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2021, a vítima CC deslocou-se com os arguidos, a pedido do arguido BB, à residência deste, sita na Urbanização ..., ..., ...;

3. Lá chegados dirigiram-se todos ao quarto do arguido BB, ao que os arguidos pediram que a vítima se sentasse na cama, o que fez;

4. Os arguidos tiraram o telemóvel da mão da vítima que se encontrava a assistir, através do mesmo, a uma aula virtual do 8º ano, e desligaram-na;

5. De seguida, os arguidos agarraram a vítima, tendo esta desferido um pontapé num deles, por forma a se soltar, sem sucesso;

6. Com recurso à força física, o arguido BB tirou a camisola da vítima ao mesmo tempo que o arguido AA lhe puxou as calças para baixo, tendo a vítima pedido que a deixassem ir embora;

7. Por forma a constranger a vítima a suportar actos de natureza sexual, contra a sua vontade, e de evitar que a mesma saísse do local, os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, agarraram a vítima nos braços e prenderam-lhe as pernas;

8. Aproveitando que a vítima se encontrava manietada em virtude da força física sobre si exercida, o arguido BB, após se despir, colocou-se em cima da vítima e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores;

9. Após, o arguido BB cedeu o seu lugar ao arguido AA que, após se despir, se colocou em cima da vítima, que continuava manietada e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores;

10. Durante os factos acima descritos, os arguidos beijaram a boca da vítima e apalparam-na em zonas intimas, sendo que a vítima tentou por várias vezes com recurso aos pés que os arguidos a soltassem, sem sucesso;

11. Até à data, a vitima não tinha mantido quaisquer relações sexuais;

12. No dia seguinte, alegando que queriam pedir desculpas pessoalmente sobre o que tinha acontecido e falar com a vítima CC, os arguidos solicitaram que a mesma se deslocasse novamente à residência do arguido BB, ao que a vítima, por acreditar naqueles, acedeu;

13. Lá chegada, deslocaram-se à garagem da habitação, momento em que os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, agarraram a vítima e empurraram-na para o chão;

14. Em comunhão de esforços e intentos, os arguidos despiram a vítima, puxando as suas calças para baixo e encostaram-na a uma máquina que ali se encontrava bem como a agarraram nos braços e prenderam-lhe as pernas, por forma a constrangê-la a suportar actos de natureza sexual, contra a sua vontade;

15. O arguido BB agarrou-lhe os braços e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem;

16. Por sua vez, o arguido AA agarrou nos braços da vítima e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem;

17. Durante os factos acima descritos os arguidos diziam à vítima para estar quieta bem como a beijaram na boca e apalparam-na em zonas intimas;

18. Na sequência dos factos descritos a 15 e 16, a vítima sangrou e sentiu dores;

19. Os arguidos em todos os factos acima descritos usaram, em comunhão de esforços e intentos, da força física para obrigar a vítima a suportar os referidos actos sexuais, segurando no corpo da mesma;

20. A vítima CC tinha, à data dos factos acima referidos, 14 anos, idade que os arguidos, bem conheciam;

21. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de, através de actos de violência, satisfazerem os seus impulsos sexuais lascivos e libidinosos, praticando os actos sexuais supra descritos na vítima CC, em comunhão de esforços e intentos, sabendo que obrigavam a mesma a manterem consigo práticas sexuais, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, de forma violenta através do recurso à força física, fazendo-se valer da superioridade física que possuíam sobre a vitima e impedindo-a assim de resistir, o que quiseram e conseguiram;

22. Bem sabiam os arguidos que as suas condutas eram de molde a prejudicar, como prejudicaram, o normal desenvolvimento da liberdade e da autodeterminação sexual da vítima CC bem como a sua sã personalidade e livre desenvolvimento, ofendendo assim o sentimento de criança, inocência, de modéstia e vergonha da vítima bem como a integridade física e psicológica daquela, o que quiseram e conseguiram;

23. Os arguidos sabiam que a força física exercida contra a vítima era idónea a vencer a resistência efectiva da mesma, e a que mantivessem com a mesma, os actos sexuais supra descritos, causando-lhe medo e inquietação, o que quiseram e conseguiram;

24. Bem sabiam os arguidos que a vítima, face à sua idade e ao seu contexto familiar, circunstâncias que conheciam, era uma pessoa débil e fragilizada, situação de que se aproveitaram para melhor concretizar os seus intentos, o que quiseram e conseguiram;

Factos resultantes da alteração não substancial comunicada aos arguidos

25. A CC apresentava valores clinicamente expressivos no âmbito da ansiedade e somatização, expressão ansiogénica traduzida em aparente patologia de índole orgânica, depressão e fragilidades no âmbito da sua auto-estima, nomeadamente, sensibilidade interpessoal que se centra em sentimentos de inadequação pessoal e inferioridade, particularmente na comparação com os outros, auto-depreciação, hesitação, desconforto e timidez nas interacções sociais;

26. A CC evidenciava uma postura pueril, com algum comprometimento cognitivo e fragilidade emocional que interferem com a sua capacidade analítica. Ao nível do juízo crítico, por referência ao expectável em função da sua faixa etária, evidencia fragilidades tanto na interpretação de si como dos outros, o que se traduz em limitações no âmbito da capacidade para interpretar as situações de risco e de se auto-regular nesse sentido bem como de antecipar eventuais circunstâncias de vitimização, encontrando-se por isso exposta nessas situações e constituindo-se particularmente vulnerável e permeável à solicitação de terceiros;

27. A CC demonstrava uma leitura romantizada do mundo e das interacções sociais, com evidente carência afectiva e necessidade de se sentir integrada;

28. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária, consciente e em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que todas as supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal e, não obstante, quiseram levá-las a cabo e alcançarem os correspectivos resultados delituosos.

Factos do pedido de indemnização civil

29. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita sofreu a assistente CC de ansiedade, ataques de pânico, preocupação, vergonha e tristeza;

30. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita sofreu a assistente CC de desconforto, insegurança, medo e desconfiança com terceiros.

Condições pessoais e sociais do arguido BB

31. À data dos alegados factos ocorridos em data não concretamente apurada, mas que se situa no início de 2021, o arguido vivia com os progenitores em ..., num apartamento de tipologia 3, adquirido com o recurso ao crédito, situação habitacional que se mantém;

32.  O pai trabalhava na construção civil (situação que mantém no estrangeiro) e a progenitora trabalhava na agricultura em regime de biscate. Face às ausências frequentes do pai por motivos profissionais, a progenitora assumiu sempre o papel principal no processo educativo do arguido. Em Abril de 2021, os pais separaram-se, permanecendo o arguido junto da mãe, prosseguindo esta a assegurar as prestações da casa ao Banco, actualmente, no montante de 333 euros por mês;

33. Há cerca de 3 meses, que a progenitora cumpre um contrato de trabalho de um ano, como auxiliar numa instituição de ..., vocacionada para formandos com necessidades especiais, auferindo o salário mínimo nacional, repercutindo-se no agravamento, na actualidade, das condições económicas de subsistência, parcialmente atenuadas com o apoio da família de origem;

34. O arguido BB contava naquele período temporal, com 19 anos de idade e frequentava o 11º ano de escolaridade no Agrupamento de Escolas ..., em ..., revelando um fraco empenho nos estudos, e dificuldades de interacção com os colegas. Por opção sua, desistiu da vida académica e foi então cumprir o serviço militar como voluntário em Chaves, onde esteve 1 mês, sendo obrigado a desistir por problemas físicos num pé, que o incapacitavam para a vida militar e mesmo para a prática do futebol, a que então se dedicava;

35. Alguns meses decorridos, inscreveu-se num curso de formação na área de auxiliar de saúde, promovido pelo IEFP e que decorre nas instalações da A... em ... e que lhe dará a partir do próximo mês de Maio, a equivalência ao 12º ano de escolaridade. Segundo refere, a sua expectativa é concluir a escolaridade mínima obrigatória que o certificarão no concurso de acesso à PSP ou G.N.R.;

36. O arguido BB exerce, há cerca de um mês, trabalhos agrícolas por conta de outrem, auferindo €45,00 ao dia;

37. O arguido BB é o único filho de um casal de ..., ..., tendo crescido num contexto intrafamiliar investido afectivamente e demasiado protector, junto da avó materna e ancorado numa situação económica equilibrada alicerçada nos hábitos de trabalho dos progenitores. O agregado familiar mudou-se para ... no período da adolescência do arguido, adquirindo casa própria com o apoio material proporcionado por um tio materno, então, emigrado;

38. No plano afectivo, o arguido teve uma relação de namoro de 5 anos que terminou, sem justificar os motivos, atribuindo-lhe pouco significado;

39. Ao nível socio-residencial, o arguido não regista dificuldades de inserção;

Repercussões da situação jurídico-penal do arguido

40. O presente processo é o primeiro em que BB se confronta com aparelho de justiça, o que lhe tem suscitado apreensão. Refere um impacto significativo sobretudo ao nível emocional, compreendendo a natureza da acusação que lhe é dirigida a si e ao coarguido, AA, seu primo, cujo relacionamento de proximidade entre ambos, aparentemente, se terá deixado de verificar;

41. Identifica o papel da vítima, os seus direitos, a necessidade de estes serem respeitados o que a não se verificar exige a intervenção jurídico penal para repor a validade da norma violada;

42. Assume que com o desenrolar das diligências processuais e com a aproximação da data da audiência, a ansiedade tem crescido, procurando estabilidade junto do seu psiquiatra, Dr. GG, no Centro Médico ..., a última consulta realizada em 27 de julho de 2023, mas complementada com um plano de medicação que assegura estar a cumprir;

43. O apoio familiar é proporcionado pela progenitora, conhecedora desde o início do processo, situação também do conhecimento do pai (emigrado), não obstante, o pouco envolvimento afectivo deste nos últimos meses, nas necessidades do filho.

44. Caso venha a ser condenado, se a medida penal o permitir, manifesta a adesão a uma medida de execução na comunidade com intervenção especializada na área da sexualidade/intimidade;

45. No posto da PSP ..., o arguido não está referenciado em qualquer outro processo judicial.

Condições pessoais e sociais do arguido AA

46. À data dos factos AA residia com os pais na aldeia de residência. O ambiente familiar é avaliado como funcional e afectivamente coeso, mesmo que se perceba a dificuldade dos pais em exercerem a sua autoridade durante o processo educativo deste único descendente;

47. Residem numa habitação de tipologia T3, propriedade do avô materno que possui boas condições de habitabilidade e conforto, estando integrada numa zona sem problemas sociais. Pagam uma renda mensal de 200€;

48. O pai trabalha diariamente na agricultura recebendo 40€ por dia de trabalho. Simultaneamente ainda desenvolvem alguma agricultura de subsistência o que lhes permite satisfazer as necessidades da família com tranquilidade. Mensalmente suportam custos de água 5€, luz 60€, Internet 35€, telecomunicações 45€;

49. AA frequentou a escola até aos 18 anos, só tendo concluído o 6º ano de escolaridade por total desmotivação para as actividades letivas. Apresentou problemas de comportamento, tratando-se de um jovem rebelde e com dificuldade em adequar o comportamento às regras escolares. Quando era repreendido acatava as sugestões. Manteve um relacionamento razoável com os colegas e professores;

50. Pretende ingressar no mercado de trabalho, mas só irregularmente desempenha algumas actividades agrícolas indiferenciadas. A maioria do tempo permanece em casa inactivo;

51. No passado praticou futebol no clube local, mas já abandonou esta actividade. Enquanto atleta manteve boas relações com os colegas, treinadores e adversários;

52. No passado o arguido manteve alguns relacionamentos afectivos, mas sem grandes compromissos, que decorreram dentro da normalidade. Neste momento não mantém alguma relação;

53. AA é bem conhecido na comunidade não se observando sentimentos de estigmatização social.

Repercussões da situação jurídico-penal do arguido

54. Estão a decorrer diligências no âmbito do NUIPC 3214/23...., porque em 05/06/2023, houve notícia do seu alegado envolvimento em eventuais ilícitos de natureza sexual, ocorridos numa viagem de autocarro;

55. A existência do actual processo não tem repercussões significativas na sua inserção familiar porque continua a beneficiar do apoio incondicional dos pais. Contudo, mantinha relações próximas com o primo BB, coarguido neste processo, que foram prejudicadas, conduzindo a um afastamento entre ambos;

56. A nível profissional também não se registam repercussões relevantes porque o jovem só excepcionalmente desempenha algumas actividades agrícolas junto do empregador do progenitor;

57. Este processo decorre no Tribunal de Viseu e os eventuais factos teriam ocorrido em ... pelo que não têm visibilidade na comunidade de residência;

58. AA assume um discurso normativo, centrado no respeito pelo próprio e por terceiros relativamente às expectativas sociais e ao ordenamento jurídico. Contudo percebe-se alguma incongruência entre esta postura e os contactos com o aparelho de justiça, pese embora não haja condenações;

59. Identifica o papel da vítima, os seus direitos, a necessidade de estes serem respeitados o que a não se verificar exige a intervenção jurídico penal para repor a validade da norma violada.

60. Antecedentes criminais

61. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

2.2. Matéria de facto não provada

Para além dos factos conclusivos e em contradição com os que resultaram provados, não se provou qualquer outro facto sujeito a julgamento com relevância para a decisão da causa.

2.3. Motivação da matéria de facto

A convicção do tribunal no que respeita à factualidade assente formou-se com base na apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e a que consta dos autos e recurso às regras de experiência comum.

Quanto à filiação e idade da CC, valorou o tribunal o assento de nascimento constante dos autos a fls. 8-9.

No mais, na ausência de prestação de declarações por parte dos arguidos em sede de audiência de julgamento e de qual fosse a sua versão sobre a factualidade em causa nos autos, posto que, no uso do direito que a lei lhes confere, se remeteram ao silêncio, o tribunal deu relevância para apuramento dos factos dados como provados, desde logo, ao depoimento prestado pela CC para memória futura.

Com efeito, a factualidade provada foi descrita de forma clara e objectiva pela ofendida CC no seu depoimento para memória futura prestado em 18 de Novembro de 2021, conforme auto de fls.91 e transcrição de fls. 189ss.

Nesse âmbito a CC explicou, no essencial, em súmula, que:

«… O BB era um amigo meu e o AA é o primo dele e tipo… Eu já conhecia o BB há bastante tempo, porque estudei com ele. Ele, tipo, nunca fez nada comigo, porque… tinha respeito por causa de ser irmã de um rapaz, pronto, que era popular e tal. E tipo há 1 ano… vai fazer um ano, ele ligou-me para ir ter com ele de tarde. Eu estava a ter aulas por… virtuais. E eu fui. Com os dados móveis, fui durante a aula. E fiquei com eles, porque estávamos a tratar de um assunto, porque… alguém estava-se a fazer de um ex meu e eu descobri que era mentira, que não era o meu ex e tal. E, tipo, quando cheguei lá, a tal pessoa não apareceu e eu estava com o BB e o primo dele. E eles disseram assim para eu ir ter com eles para casa, fazer… acompanhar. Como eles moravam perto de mim, eu fui. Chegando lá, eles disseram que podia entrar, que não fazia mal, não estava lá ninguém, ninguém ia-se importar. E… eu fui. Pronto. Aí fomos para o quarto deles, tipo, estava eu em aulas ainda, eles tiraram-me o telemóvel e desligaram a aula. E depois começaram a agarrar, a empurrar para cima da cama, a tirar-me a roupa…

E… prontos… fizeram-me aquilo, não é? Violaram-me os dois…

Juiz – Pronto. Quando tu dizes: «Fizeram-me aquilo.», tiveram ações sexuais contigo, é isso?

CC – Sim.

Juiz – Sim, pronto. Então, os dois?

CC – Sim.

Juiz – Pronto. E depois o que é que se passou mais?

CC – Eu quando… eles ouviram um barulho, não sabiam o que era, mandaram-me embora. E eu fui a correr para casa. Estava mal, com é normal.

Juiz – Sim.

CC – Fui para casa… pronto, comecei a tomar um banho, limpar-me, pronto. Eles mandaram-me mensagem e no a seguir a pedir desculpas, que não queriam fazer aquilo. E queriam falar comigo para pedir desculpas pessoalmente.

Juiz – Sim.

CC – E eu fui ter com eles. Pronto, depois eles estavam na garagem, eles disseram: «Vem aqui em baixo, porque não podemos ir para cima.». Eu fui ter à garagem e… eles começaram-me a agarrar de novo, empurraram-me contra o chão. Começaram a tirar a roupa, depois meteram-me numa máquina encostada. Não sei o que era aquilo. Não lembro bem. E começaram a fazer de novo… E, pronto. E quando eu fui para casa, estava com sangue na roupa. Hum… Eles aí ainda, tipo, disseram assim: «Damos-te 10 euros, mas não contes a ninguém sobre o que aconteceu.». Literalmente, trataram-me como eu fosse … uma prostituta. E, pronto, foi o que aconteceu. Passando… bastante tempo é que… estava eu a conversar com a minha mãe sobre famosos e tal, eu disse… eu virei-me assim para ela: «Eu não gostava de ser famosa nem ter aqueles corpos, porque ia acontecer coisas ruins, que acontecem a toda hora.». Ela começou a suspeitar e aí fui eu que lhe contei o que se passou. No dia seguinte, ela que ligou ao Centro de Saúde e pediu para… fazer exames para ver se estava tudo bem comigo, com o meu corpo. E foi aí que aconteceu isto tudo. E agora é que estou aqui.

Juiz – E onde é que ele vive, o BB?

CC – Está a ver o liceu? É pra cima. Tinha uns prédios e umas vivendas.

Juiz – Sim.

CC – Ele mora nos prédios. Que é das garagens verdes.

Juiz – Pronto. Tu identificaste, portanto, dizes que é o BB, andou contigo no sétimo, não é? Dizes que tem 18 ou 19… tem 18 ou 19 anos.

CC – Sim.

Juiz – Tens a certeza?

CC – Ele não estudou comigo, mas estudou na mesma escola.

Juiz – Ah! Quando disseste no sétimo ano, nunca foi da tua turma?

CC – Não, não. Portanto, ele será mais velho do que tu?

Juiz – Sim. Pronto. E o AA quem é?

CC – O AA é o primo do BB. Ele não é de cá. Também não… É para longe, não sei para onde é que é.

Juiz – Não é de cá?

CC – Não.

Juiz – É primo dele?

CC – É.

Juiz – Mas não vive cá em ...?

CC – Não.

Juiz – E não sabes… Ele era AA… Ele é AA quê?

CC – DD.

Juiz – DD. Bem, olha… E sabes que é primo do BB, é isso? Do BB?

CC – Sim.

Juiz – Que dizes que mora ali ao pé do liceu, nuns prédios com umas garagens verdes. É isso, CC?

CC – Sim.

Juiz – Pronto. Olha, e depois? Quando é que isto aconteceu pela primeira vez? Tu disseste que estavas a ter aulas, que vai fazer um ano. Se te recordas quando é que foi?

CC – Foi no tempo… que estava a ficar calor. Ainda não fez um ano. Foi, tipo… foi nos fins de 2020. Por aí.

Juiz – Finais de 2020?

CC – Era 20 ou 21, nos inícios. Sei que era por aí: ou no fim de 2020 ou nos inícios de 2021.

Juiz – Pronto. Mas isto terá sido mais ou menos há 1 ano ou há…

CC – Vai fazer ainda um ano.

Juiz – Ainda vai fazer um ano.

CC – Vai.

Juiz – Tens ideia que ainda não fez um ano, não?

CC – Tenho.

CC – Estava no oitavo.

Juiz – Estavas no oitavo? Pronto. É só porque tu terás disso aqui a determinada altura que foi em setembro. Não deste setembro último, já do outro.

CC – Setembro?

Juiz – É o que está aqui.

CC – No ano passado, em setembro?

Juiz – Setembro do ano anterior, sim.

Juiz – Pronto. Tens ideia que vai fazer um ano, é isso?

CC – Sim.

Juiz – E que terá sido em 2021. Portanto, durante este ano ainda?

CC – Sim.

Juiz – Que estamos, ainda estamos em 2021. Não sabes se no início do ano, se a meio do ano? Terá sido em 2021?

CC – Sim.

… Juiz – O BB. Pronto. E o que é que ele disse para irem para casa dele?

CC – Ele disse que a pra… para me acompanhar e tal. Pra ir lá... Eu costumo acompanhar toda a gente a casa, já é um vício, porque eu tenho confiança nos meus amigos.

Juiz – Pronto. Chegaram lá e para onde é que foram?

CC – Subi… entrámos dentro do prédio e fomos para o quarto.

Juiz – Para o quarto. Já tinhas ido a casa do BB alguma vez?

CC – Não.

Juiz – Recordas-te de que andar era?

CC – Era o primeiro andar, no… do lado direito.

Juiz – Primeiro andar direito.

CC – É. Acho que era o direito. Porque de frente é o esquerdo.

Juiz – Foste a mais alguma divisão que não o quarto?

CC – Não.

Juiz – Só ao quarto?

CC – Só.

Juiz – Era o quarto de quem?

CC – Era o quarto dele.

Juiz – Dele? Recordas-te como é que era a cama?

CC – Os lençóis tinha… cobertores azuis.

Juiz – Cobertores azuis. Mas se te recordas de algum pormenor do quarto?

CC – Tem um móvel no canto ao lado da porta, um móvel grande, um móvel à frente da cama e uma televisão. E tem uma varanda.

Juiz – Tinha varanda. Recordas-te da cor dos móveis?

CC – Eram castanhos.

Juiz – Castanhos. Se a cama era de casal, individual? Se te recordas.

CC – Era de casal. Era de casal.

… CC – Tipo, eles estavam a conversar os dois, pronto, a sós; eu estava ali na aula.

Eles começaram a falar comigo, a dizer: «Senta-te na cama. Está à vontade.», sentei-me, pronto. Eles tiraram, tipo, o telemóvel e começaram-me a agarrar. Um deles ainda levou um pontapé naquele lugar, mas… continuaram.

Juiz – Sim.

CC – E… prontos. Começaram a tirar a roupa…

Juiz – Tiraram a roupa dele?

CC – Sim.

Juiz – Quem é que tirou a tua roupa? Se é que tiraram a roupa.

CC – Foi o BB que tirou a parte de cima. E o AA tirou a parte de baixo.

Juiz – Sim, senhora. Pronto. Olha, depois disseste que eles mantiveram relações sexuais contigo. Que tipo de relações sexuais e que mantiveram?

CC – Como assim?

Juiz – Que tipo de relações sexuais que mantiveram? Há vários tipos de relações sexuais, também sabes disso. Não é? Não? Tá bem. Então, o que é que eles fizeram contigo?

CC – Tiraram a roupa, meteram-se em cima de mim…

Juiz – Sim.

CC – …começaram-me a agarrar.

Juiz – Sim.

CC – E depois… pronto.

Juiz – Pronto. Mas eu queria que tu dissesse o pronto.

CC – Eh…

Juiz – Sim, CC, diz. Hum?

CC – Como é que eu vou explicar? Eu não sei. Eu não sei explicar.

Juiz – Não sabes explicar?

CC – Não.

Juiz – Eles meteram pénis na tua vagina? É isso que eu te queria perguntar.

CC – Sim.

Juiz – Tens a certeza?

CC – Tenho.

Juiz – Os dois?

CC – Não, foi só o BB que começou. Depois é que foi o primo.

Juiz – Pronto. Mas os dois? Um de cada vez, mas os dois?

CC – Sim.

Juiz – Quando eu te pergunto os dois…

CC – Ah, sim.

Juiz – Sim. Pronto. E se depois fizeram mais alguma coisa contigo?

…. CC – Forçaram. Tipo, agarraram-me, estava a dizer que queria ir embora e, tipo, não estavam a deixar. Depois é que foi o primo.

Juiz – Juiz – Pronto mas Forçaram-te como? Agarraram-te como?

CC – Agarraram nos braços e começaram, tipo, a prender-me as pernas. Pronto.

Juiz – Gritaste?

CC – Estava sempre a dizer para me deixar ir embora, que eu ia contar ao meu irmão…

Juiz – Sim.

CC – E, prontos, eu ainda os ameacei a dizer que ia mandar os ciganos atrás deles, matá-los.

Juiz – Sim.

CC – Só que eles não ligaram, disseram para estar calada, que não ia fazer nada disso.

… CC – Eu não deixei, não estava a deixar. Eu estava sempre a tentar tirá-los de cima de mim com os pés.

Juiz – Sim.

CC – Só como eles me tinham prendido, não estava a dar.

…Juiz – …e disseste que recebeste mensagens. De quem?

CC – Foi do BB.

Juiz – A dizer o quê?

CC – A dizer para eu não contar nada a ninguém. E que queria pedir desculpas pelo que tinha acontecido.

Juiz – Sim.

Juiz – E depois fizeram mais alguma coisa contigo?

CC – E para ir ter com eles no… amanhã.

Juiz – Sim.

CC – Pronto.

Juiz – Então e depois?

CC – Depois, tipo…

Juiz – No dia seguinte, disseste que foste ter com eles.

CC – Sim.

Juiz – Aonde?

CC – Foi ao prédio.

CC – Fui ter com eles ao prédio.

Juiz – Ao prédio. E depois estavam lá os dois?

CC – Tavam.

Juiz – Pronto. E quando chegaste ao prédio, o que é que aconteceu?

CC – Fui com eles para a garagem…

Juiz – Sim.

CC – …porque eles disseram que não podíamos estar lá em cima.

Para pedir desculpas e tal.

Juiz – Sim.

CC – E eu fui.

Juiz – Foste com eles para a garagem. Sim. Depois na garagem, o que é que aconteceu?

CC – Fizeram a mesma coisa que em cima, só que… prontos, atiraram-me pro chão.

Juiz – Sim.

CC – Começaram-me a tirar a roupa em…

Juiz – E também te obrigaram.

CC – Sim.

Juiz – Agarraram-te? Eu ainda não percebi quem é que te agarrava ou se era à vez que te agarravam.

CC – Diga?

Juiz – Quem é que te agarrava?

CC – Era o BB.

Juiz – BB? Então, mas se houve uma altura em que era o BB que estava a ter relações sexuais contigo, quem é que te agarrava?

CC – Não, tipo, o BB estava-me a agarrar nos braços e…

Juiz – Sim.

CC – …fazia. E tipo…

Juiz – Então, e quando era o AA?

CC – O AA era só quando… pedia, tipo…

Juiz – Quando…?

Forçaram te com uma sacaram te?

CC – Pedia para ele sair.

Juiz – Mas depois alguém tinha que te agarrar.

CC – Sim, tipo, agarravam, encostavam-me na parede com… com força…

Juiz – Sim.

CC – …e, tipo, diziam assim: «Agora fica quieta aí.». Eu estava traumatizada, é normal, perdi minha virgindade.

Juiz – Pronto. Nunca tinha tido relações sexuais com ninguém?

CC – Não.

Juiz – Não? Então, mas no dia anterior não tinha sangrado, foi só nesse dia?

CC – Foi.

…CC – O AA tem 15 ou 16.

Juiz – 15…?

CC – Ou 16.

Juiz –Olha CC agora vou ter que fazer esta pergunta, não é para tu vai se dar mal, mas então.

CC – Nessa altura.

Juiz – Tinha 15 ou 16? Também não sabes se tinha 15 ou 16?

CC – Eu não o conhecia.

…. CC – Pois, eu também pensando no que eu fiz também acho que fui ridícula. Sabendo que podia acontecer de novo, eu fui.

Juiz – Pois, por isso é que eu queria que tu esclarecesses.

CC – Foi… Eu também não sei o que deu em mim, se quer saber. Eu não sei.

Juiz – Não sabes, pronto. Mas então dizes que das duas vezes que eles te agarraram. Hã?

CC – Sim.

Juiz – Mas agarrava-te um, agarrava-te outro? Ainda não percebi muito bem esse agarrar.

CC – Os dois estavam-me a agarrar, só que, tipo, era só quando iam fazer.

XE 100 e olha antes disso que idade tem o HH.

Juiz – Então e não tentaste fugir?

CC – Eu estava traumatizada, não sabia o que fazer.

Juiz – Não sabias o que fazer.

CC – Não, naquele momento… Em cima, tipo, no quarto ainda eu tentei…

…..CC – Só fiquei com dores no corpo.

….CC – Tipo, tinha… tinha uma máquina, que não sei o que era mesmo… ao lado da porta de onde se entra. E tinha lá um… muitas coisas. Tinha bolas. Tinha muita coisa, não lembro muito bem. A gente tu vais pagar. Percebendo que podia acontecer de novo, eu fui.

… CC – Era garagem do prédio.

Juiz – Do prédio. Sim. Mas era individual daquele apartamento?

CC – Não, era do apartamento.

Juiz – Do apartamento?

Juiz – Então, mas como é que entravas para garagem?

CC – Pelo apartamento.

Juiz – Pelo apa…

CC – Entrava… entrasse na porta…

Juiz – A porta de entrada do prédio, é isso?

CC – Sim.

Juiz – E depois?

CC – Subia-se as escadas e depois tinha um lugar que era para se ir pela… para baixo, onde tinha, tipo, as garagens todas.

Juiz – Do prédio inteiro?

CC – Sim.

Juiz – Então, subias e descias?

CC – Era.

dores no corpo.

Juiz – Quando dizes que subias umas escadas, era de acesso ao prédio?

CC – Sim, as escadas eram o acesso ao prédio.

Juiz – Sim.

CC – E depois tinha outras que era para ir para as garagens.

Juiz – Dentro do prédio, depois tinha outra para depois ires para as garagens?

CC – Sim.

Juiz – E depois dizes que as garagens eram individuais?

CC – São.

Juiz – Lembras-te como é que ele abriu o portão da garagem? Não?

CC – Foi com umas chaves que tinha lá com ele, tipo, ele abriu o portão.

Juiz – Dizes que te encostaram a uma máquina? Sabes que máquina era essa?

CC – Hum…

Juiz – Se te recordas. Não?

CC – Não sei se era uma máquina de lavar… não faço ideia.

Juiz – Pronto. Não fazes ideia, é isso? Não. Já disseste que nunca tinhas tido relações sexuais?

CC – Sim.

Juiz – Se eles também te beijaram, apalparam?

CC – Fizeram de tudo.

Juiz – Tudo?

CC – Sim. Tipo, beijaram-me, apalpar, agarraram...

CC – Fizeram aquilo comigo. Que eu… que eu não gosto de dizer.

….CC – Meteram dentro de mim…

Juiz – Sim. Na vagina?

CC – Sim.

Juiz – E há bocadinho já te perguntei se meteram em mais algum lado.

CC – Não.

Juiz – Não. Pronto. Sabes se eles ejacularam?

… CC – Não evacuaram.

Juiz – Não ejacularam, é isso?

CC – É isso.

Juiz – Mas sabes o que é?

CC – Sei, é o espermatozoide.

Juiz – Sim. Nem um nem outro, é isso?

CC – Nem um nem outro.

Juiz – Pronto. Nem num dia nem noutro.?

CC – Sim.

Juiz – Sim, senhora. Se tiraram o soutien? Há bocadinho, não te perguntei.

CC – Não, não tiraram. Só tiraram a camisola e arredaram para cima.

Juiz – Sim, senhora. E as calças? As calças…

CC – As calças puxaram todas para baixo e tiraram.

…CC – Eram umas calças pretas que eu tinha, só que já se estragaram. E estava com umas botas com um pouco de salto.

Juiz – Sim.

CC – E era um top assim por aqui.

Juiz – Top curto.

CC – É… não é bem curto, é um pouco em cima do umbigo.

…Juiz – Eles usaram preservativos, CC?

CC – Não.

Juiz – Não.

Procurador – Tem a certeza disso?

Juiz – Tens a certeza?

CC – Tenho.

….Juiz – Então, dizes que contaste à tua mãe quando estavam lá a ver famosos e achaste que era altura para contar à tua mãe. Foi quando ela depois ligou para o…

CC – Foi.

Juiz – …para o Centro de Saúde. Também falastes com a enfermeira, é isso? Olha… O que eu te ia só perguntar? É que há bocadinho… Se depois disto, voltaste a contactar com eles?

….Juiz – Olha, tens a certeza que… que tu contaste à tua mãe e a tua mãe depois é que ligou para o Centro de Saúde e falaste com a Enfermeira ou foi o contrário? Tu falaste com a Enfermeira e ela é que foi contar à tua mãe?

CC – Não, não foi a minha mãe que contactou com a Enfermeira, depois… a Enfermeira, passando um tempo… não sei o que é que fez. A CPCJ ligou à minha mãe para ir lá. Da CPCJ, estive na Polícia a falar e agora estou aqui.”

Assim, como se vê, a CC tudo descreveu em sede de memória futura, o que fez de forma espontânea, circunstanciada e escorreita, assumindo não recordar alguns pormenores, o que permitiu formar uma dada convicção segura no sentido dado como provado, por merecerem inteira credibilidade as suas declarações.

Dados os múltiplos factores que interferem na aquisição, retenção e recuperação de dados no processo de memorização do testemunho, as pequenas discrepâncias sobre factos ocorridos são perfeitamente explicáveis em resultado do tempo decorrido, sobretudo quando, como aqui ocorre, se trata de relatar alguns detalhes de uma dada acção repetida cuja memória fica marcada pelo essencial da violência sexual sucedida.

Seja como for, o relato dos acontecimentos pela ofendida CC, sendo fortemente plausível no contexto e locais por si referidos, num encadeamento lógico dos factos que descreveu, mostrou-se no essencial sincero, detalhado e despreocupado da busca de uma qualquer versão interessada dos factos, o que tudo lhe confere persuasão bastante nos termos comprovados sobre a dinâmica e ocorrência dos factos.

Descreveu o quarto e a garagem onde os factos ocorreram, onde verbalizou nunca ter estado antes, de forma pormenorizada e sem hesitações, tudo a apontar para a veracidade do seu relato, também em conjugação com as fotografias de fls. 103-106.

O relato feito pela CC, teve respaldo no depoimento prestado em audiência de julgamento por parte da sua mãe, EE, que explicou embora de forma ansiosa e nervosa - o que se nos afigura ser perfeitamente aceitável e normal perante a factualidade em causa nos autos -, nomeadamente, como teve conhecimento dos factos, dos seus autores, do estado anímico e psicológico em que a sua filha se encontrava em data anterior à da revelação e como ficou posteriormente. Mais relatou as diligências que encetou após a filha lhe ter contado os factos e o acompanhamento que fez à CC em todo este processo.

“Em matéria de “crimes sexuais” as declarações do ofendido têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, pelo que não aceitar a validade do depoimento da vítima poderia até conduzir à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta como são os crimes sexuais.

A experiência científica nesta área ensina que as vítimas de crimes sexuais tendem a não verbalizar o sucedido remetendo-se a um penoso silêncio, recatando a traumática experiência e quando a revelam fazem-no de forma sentida e muitas das vezes com retalhos de memória selectivos.”, como sucedeu no caso dos autos.

Contudo, o depoimento para memória futura prestado pela CC, no essencial, encontrando respaldo no depoimento prestado pela testemunha EE, acima identificada, sua mãe, a quem revelou os acontecimentos, nenhuma dúvida deixa sobre a credibilidade e espontaneidade do respectivo teor.

De resto, ressalta das declarações prestadas pela CC e pela EE que o presente processo se iniciou sem que tal fosse o seu propósito, sendo que, da parte da mãe, a sua preocupação foi saber da saúde da filha e daí que tivesse contactado o Centro de Saúde, que depois deu notícia dos factos à CPCJ, tudo como também resulta de fls.22-68.

Por outro lado, o exame de perícia médico-legal realizados à então ainda menor CC, confere credibilidade aos relatos feitos pela mesma.

Com efeito, do Relatório de Avaliação Psicológica Forense de fls. 229ss resulta, em síntese que:

“No que respeita a eventual sintomatologia psicopatológica, a avaliação da CC identifica valores clinicamente expressivos no âmbito da ansiedade e somatização, i.e. expressão ansiogénica traduzida em aparente patologia de índole orgânica, depressão e fragilidades no âmbito da sua auto-estima, nomeadamente sensibilidade interpessoal que se centra em sentimentos de inadequação pessoal e inferioridade, particularmente na comparação com os outros, auto-depreciação, hesitação, desconforto e timidez nas interacções sociais. Identificam-se ainda cognições, impulsos e comportamentos experimentados como persistentes e aos quais o indivíduo não consegue resistir embora sejam de natureza indesejada e um pensamento projectivo pautado por hostilidade e suspeição. Na esfera comportamental identifica-se identicamente significância clínica.

Entende-se, consequentemente, que deve manter o acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico de que beneficiará. os elementos passíveis de apurar em contexto de avaliação constatou-se que a examinada se apresentou orientada no espaço e no tempo, auto e alopsiquicamente. A CC evidencia uma postura pueril, com algum comprometimento cognitivo e fragilidade emocional que interferem com a sua capacidade analítica. Ao nível do juízo crítico, por referência ao expectável em função da sua faixa etária, evidencia fragilidades tanto na interpretação de si como dos outros, o que se traduz em limitações no âmbito da capacidade para interpretar as situações de risco e de se auto-regular nesse sentido bem como de antecipar eventuais circunstâncias de vitimação, encontrando-se por isso exposta nessas situações e constituindo-se particularmente vulnerável e permeável à solicitação de terceiros. Demonstra uma leitura romantizada do mundo e das interacções sociais, com evidente carência afectiva e necessidade de se sentir integrada – atenta a etapa desenvolvimental em que se encontra - pelo que se reforçada pelo outro tenderá a procurar corresponder, numa expectativa pueril e desajustada.

Os resultados da avaliação psicológica indicam que apresenta suficientes recursos cognitivos, emocionais e um funcionamento psicológico que lhe permitem testemunhar de forma consistente sobre experiências autobiográficas. A CC evidenciou competências perceptivas e capacidade para responder às questões que lhe foram colocadas com um discurso espontâneo, enquadramento espácio-temporal e alusão a detalhes periféricos. Identificam-se ainda dinâmicas comummente descritas na literatura da especialidade, nomeadamente a manutenção do segredo e auto-culpabilização.

Como impacto, a narrativa da CC remete para a auto-culpabilização e decorrente repercussão nas suas relações interpessoais e actividade social, que passou a limitar e restringir como consequência das vivências abusivas que relata, para além da intensificação da fragilidade da sua auto-estima e auto-imagem. Para o retardamento da revelação terá concorrido a sua auto-culpabilização, por a posteriori entender ter-se colocado em situação de risco e perceber uma insuficiente capacidade de evitar o sucedido, e a necessidade de corresponder às expectativas da progenitora, que considera ter desiludido.” (o sublinhado é nosso).

Relativamente às datas concretas em que os factos ocorreram, não foi possível determiná-las, sendo que a CC, nas suas declarações para memória futura apontou para início de 2021 e a testemunha EE referiu, tanto quanto se recorda, que a filha lhe terá dito que tudo se havia passado em finais de Dezembro de 2020, inícios de 2021.

Já no tocante ao elemento subjetivo dos crimes praticados pelos arguidos foram consideradas as regras da experiência comum em face dos relatados comportamento do arguido e do contexto em que os factos foram praticados.

Relativamente aos factos dados como provados do pedido de indemnização civil, resultaram do teor das declarações da própria CC, dos depoimentos das testemunhas EE (mãe da CC) II (irmão da CC) e JJ (companheiro da mãe da CC), tudo em conjugação com as regras de experiência comum e ainda com o teor do relatório de avaliação psicológica junto a fls. 229ss, de onde resulta que: “Como impacto, a narrativa da CC remete para a auto-culpabilização e decorrente repercussão nas suas relações interpessoais e actividade social, que passou a limitar e restringir como consequência das vivências abusivas que relata, para além da intensificação da fragilidade da sua auto-estima e auto-imagem. Para o retardamento da revelação terá concorrido a sua auto- culpabilização, por a posteriori entender ter-se colocado em situação de risco e perceber uma insuficiente capacidade de evitar o sucedido, e a necessidade de corresponder às expectativas da progenitora, que considera ter desiludido” e também da informação clínica de fls. 657, de onde resulta a existência de um quadro de ansiedade stress pós-traumático  baixa autoestima e comportamentos desviantes e desajustados, quadro que melhorou após intervenção especializada.

Quanto às condições de vida familiar, social e profissional dos arguidos, bem assim a sua personalidade, o tribunal formou a convicção com base nas declarações dos próprios conjugadas com os respectivos relatórios sociais junto aos autos e, quanto ao BB, o depoimento da testemunha KK (mãe do BB), indicada pela sua defesa.

Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, considerou o tribunal os últimos certificados de registo criminal dos mesmos, junto aos autos.

3. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

3.1. Da responsabilidade criminal

Assentes os factos, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.

Os arguidos encontram-se acusados da prática, em co-autoria material, na forma consumada e concurso efectivo de quatro crimes de violação agravado, previstos e punidos pelo artigo 164º n.º 2 alínea a) do Código Penal, agravados nos termos do disposto no artigo 177º n.º 1 alínea c) e n.º 6 e 177º n.º 4 do Código Penal (esta última agravação na sequência da alteração da qualificação jurídica dos factos oportunamente comunicada aos arguidos).

Do crime de violação sexual

Dispõe o artigo 165º n.º 2 alínea a) que “Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

Por sua vez, dispõe o artigo 177º n.º 1 alínea c) do Código Penal que: “As penas previstas nos artigos 163º a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimos e máximos, se a vítima: c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez”.

Já o artigo 177º n.º 4 do Código Penal, diz que: “As penas previstas nos artigos 163º a 168º e 171º a 175ºº n.ºs 1 e 2 do artigo 176º e no artigo 176º-A são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o crime for cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas”.

E, finalmente, o artigo 177º n.º 6 do Código Penal dispõe que: “As penas previstas nos artigos 163º a 165º, 168, 174º, 175º e no n.º 1 do artigo 176º, são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 16 anos” – actualmente esta alínea corresponde ao n.º 7, na redacção da Lei 15/2024, de 29/01.

Incorre no crime de violação, p. e p. pelo artigo 164° n.° 2, alínea a) do C. Penal, quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objectos.

No que ao caso interessa são elementos relevantes do tipo :

- a vítima e agente do crime;

- a prática de actos de introdução vaginal (cópula);

- os meios de coacção (violência) e o constrangimento;

- o nexo de causalidade adequada entre a violência e a prática daqueles actos;

- a título de dolo, em qualquer das suas formas.

Demonstrado ficou que, Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2021, a vítima CC deslocou-se com os arguidos e a pedido do arguido BB, à residência deste, sita na Urbanização ..., ..., ...; Lá chegados dirigiram-se todos ao quarto do arguido BB, ao que os arguidos pediram que a vítima se sentasse na cama, o que fez; Os arguidos tiraram o telemóvel da mão da vítima que se encontrava a assistir, através do mesmo, a uma aula virtual do 8º ano, e desligaram-na; De seguida, os arguidos agarraram a vítima tendo esta desferido um pontapé num deles, por forma a se soltar, sem sucesso; Com recurso à força física, o arguido BB tirou a camisola da vítima ao mesmo tempo que o arguido AA lhe puxou as calças para baixo, tendo a vitima pedido que a deixassem ir embora; Por forma a constranger a vítima a suportar actos de natureza sexual, contra a sua vontade e de evitar que a mesma saísse do local, os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, agarraram a vítima nos braços e prenderam-lhe as pernas; Aproveitando que a vítima se encontrava manietada em virtude da força física sobre si exercida, o arguido BB, após se despir, colocou-se em cima da vítima e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores; Após, o arguido BB cedeu o seu lugar ao arguido AA que, após se despir, se colocou em cima da vítima, que continuava manietada e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores; Durante os factos acima descritos, os arguidos beijaram a boca da vítima e apalparam-na em zonas intimas, sendo que a vítima tentou por várias vezes com recurso aos pés que os arguidos a soltassem, sem sucesso; Até à data, a vitima não tinha mantido quaisquer relações sexuais; No dia seguinte alegando que queriam pedir desculpas pessoalmente sobre o que tinha acontecido e falar com a vítima CC, os arguidos solicitaram que a mesma se deslocasse novamente à residência do arguido BB, ao que a vítima, por acreditar naqueles, acedeu; Lá chegada, deslocaram-se à garagem da habitação, momento em que os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, agarraram a vítima e empurraram-na para o chão; Em comunhão de esforços e intentos, os arguidos despiram a vítima, puxando as suas calças para baixo e encostaram-na a uma máquina que ali se encontrava bem como a agarraram nos braços e prenderam-lhe as pernas, por forma a constrangê-la a suportar actos de natureza sexual, contra a sua vontade; O arguido BB agarrou-lhe os braços e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem; Por sua vez, o arguido AA agarrou nos braços da vítima e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem; Durante os factos acima descritos os arguidos diziam à vítima para estar quieta bem como a beijaram na boca e apalparam-na em zonas intimas; Na sequência dos factos descritos a 15 e 16, a vítima sangrou e sentiu dores; Os arguidos em todos os factos acima descritos usaram, em comunhão de esforços e intentos, da força física para obrigar a vítima a suportar os referidos actos sexuais, segurando no corpo da mesma;

É incontroversa, pois, em face da factualidade descrita, a investida violenta dos arguidos, na busca dos seus propósitos libidinosos.

Sendo evidente o uso pelos arguidos da força física e também psíquica, nos moldes descritos nos factos provados, a mesma foi usada de modo a conseguir a prática do acto sexual, como evidente ficou a inexistência de vontade livre da vítima para o efeito, temos, pois, preenchido o elemento violência que integra o tipo de crime em apreço - (Cfr. sobre a caracterização do conceito de violência: entendendo ser suficiente a inexistência de vontade livre da vítima para a prática do ato (contra ou sem a vontade da vítima) RC 12.01.96, CJ, t.1, 165; defendendo que não basta a simples falta de consentimento Figueiredo Dias, in Actas da Comissão Revisora, pg.251, Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal de Cascais, in CJ, 1997, t.2, pg.289; alertando que o carácter estático ou passivo da vítima poderá surgir, em si mesmo, como aspecto defensivo da própria liberdade sexual ou integridade física, João Mouraz Lopes, in “Os Crimes contra a Liberdade Sexual e Autodeterminação Sexual no Código Penal”, 3ª ed., 2002, pg.37, perfilha um entendimento amplo do conceito de violência de modo a impedir a valoração do consentimento da vítima quando este não é totalmente livre (moral ou fisicamente)).

De igual forma ninguém duvidará que, no caso concreto, através do meio utilizado (violência física e psíquica), os arguidos queriam e conseguiram constranger a vítima a sofrer (comportamento sexual puramente passivo da vítima) a introdução dos seus pénis vagina daquela (cópula).

Provado ficou também que em todas as relatadas actuações os arguidos agiram com consciência e vontade da factualidade descritiva do tipo legal em apreço.

Com efeito, representando o tipo de ilícito em todos os seus contornos objectivos, os arguidos actuaram com intenção de conseguir o resultado típico.

Em face do exposto, considerando os factos provados, incorreram os arguidos, cada um, na prática de 4 (quatro) crimes de violação sexual agravados, p. e p. pelo artigo 164° n.º 2 alínea a), 177º n.º 1 alínea c), n.º 4 e n.º 6 todos do C. Penal, puníveis com pena de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses (moldura resultante das agravações indicadas).

A agravação dos crimes praticados resulta do facto destes crimes terem sido cometidos pelos dois arguidos, ou seja, duas pessoas, do facto de a vítima ser pessoa vulnerável e do facto da vítima ser menor de 16 anos, o que evidencia, em desfavor dos arguidos, um maior desvalor da acção e um maior grau de ilicitude.

                Da co-autoria

Da prova recolhida é inequívoco que os arguidos agiram de comum acordo e comunhão de esforços, com conhecimento do que faziam no modo acima descrito, com intenção de actuar de acordo com o plano e modo de execução que traçaram.

Com efeito a execução conjunta do facto não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos organizados ou planeados que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um deles constitua elemento componente do conjunto da acção e se revele essencial à produção daquele resultado acordado.

Assim, como se sublinha no Acórdão do STJ de 27-05-2009, o co-autor “tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à obtenção da finalidade pretendida. A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume”. Neste contexto, “a co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção. Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva” (cf. Acórdão atrás citado).

Assim, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha na execução de todos os actos ou tarefas organizadas ou planeadas com vista a produzir o resultado típico pretendido, importante é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção daquele objectivo, dispondo e exercendo cada um deles na corresponde tarefa singularmente desenvolvida o apontado domínio funcional do facto.

As condutas dos arguidos BB e AA surgem já na fase da execução daqueles crimes de violação, sendo que tal execução dependeu da repartição de tarefas entre os arguidos considerando que o contributo de cada um dos arguidos mostrou-se essencial para o cometimento dos crimes pelos quais se encontram acusados, pois que desse contributo dependia o se, o como e o quando da consumação de tais crimes, sendo certo que sem o contributo prestado por cada um deles, os mesmos não teriam ocorrido da forma descrita.

Ambos os arguidos tinham o domínio do facto no que toca aos actos de consumação daqueles crimes, pois detinham a possibilidade de dominar finalisticamente a realização dos tipos legais, ou seja, a possibilidade de a deixar continuar, deter ou interromper, pelo que se constituem como co-autores destes crimes.

Estando, por conseguinte, verificada uma situação de co-autoria material, nos termos previstos no artigo 26.º do Código Penal, devem os arguidos ser condenados pela prática dos ilícitos criminais acima tipificados nesses termos, isto é, em co-autoria material e na forma consumada.

Da (in)imputabilidade do arguido AA

Resulta dos autos que o arguido AA nasceu no dia ../../2005.

Resulta ainda dos factos provados que os mesmos ocorreram, em data não concretamente apurada, no início do ano de 2021, não se logrando apurar as datas concretas em que os factos ocorreram, pelo que, em face da data de nascimento do arguido AA, subsiste a dúvida sobre se este arguido, nessa altura, teria 15 ou 16 anos, já que completaria 16 anos no dia 3 de Fevereiro de 2021.Dispõe o artigo 19º do Código Penal que “Os menores de 16 anos são inimputáveis”.

Ora, como se disse, não se apurando a idade do arguido AA na data dos factos pelos quais vinha acusado, subsiste a dúvida sobre a mesma, dúvida essa que, não tendo sido sanada, terá que ser resolvida em seu benefício, em nome do princípio in dúbio pro reo.

Por ser assim, impõe-se a absolvição do arguido AA dos quatro crimes de violação agravados, cuja prática lhe era imputada.

Da aplicação do regime de jovens adultos – arguido BB

O arguido BB era, à data da prática dos factos menor de 21 anos, pelo que será de ponderar a aplicação do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, diploma que regula o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, concretamente o disposto no artigo 4º.          

Existem sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a sua reinserção social, atentas as circunstâncias que depõem a seu favor, como sejam o facto de não terem antecedentes criminais e o descrito quanto à sua situação social e familiar no relatório social, o qual se mostra favorável.

Por conseguinte, importa aplicar ao arguido a atenuação prevista no artigo 73º n.º 1 do Código Penal, nos termos do qual (cf. n.º 1 alíneas a) e b)), o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior.

Sendo a pena abstracta aplicável de 4 (quatro) anos a 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, dará, no caso, uma moldura penal que se situa entre 9 meses e 18 dias de prisão e 8 anos, 10 meses e 10 dias, relativamente a cada um dos crimes de violação agravados p. e p. pelo artigo 164º n.º 2 alínea a), 177º n.º 1 alínea c), n.º 4 e n.º 6 do Código Penal, nos termos dos artigos 73º e 41º n.º 1 todos do Código Penal e 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09.

3.2. Medida concreta da pena

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido BB importa, agora, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar, tendo em conta as penas e molduras legais consideradas, ainda que nos termos do preceituado no art.70º do C.Penal, se deva dar preferência a uma pena não privativa de liberdade.

Consabidamente o critério geral de escolha da pena radica exclusivamente em exigências de prevenção (geral ou especial), centrando-se, agora, a função da culpa na determinação da medida da pena.

Ora, atenta a pluralidade de crimes cometidos pelo arguido com conexão circunstancial entre si, a sua gravidade, tudo conjugado com a falta de arrependimento e as elevadas exigências de prevenção geral, não obstante a inexistência de antecedentes criminais, torna-se necessária a aplicação da pena de prisão para satisfação das finalidades da punição relativamente aos crimes puníveis com pena alternativa de multa.

Considerando que a medida da pena concreta deve ser fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, nos termos do art.71º n.º 1 do C. Penal, tendo como referência os fatores enumerados de forma não taxativa no n.° 2 desse preceito, haverá que levar em consideração:

- O grau da ilicitude dos factos que em qualquer dos casos, sem perder de vista a gravidade própria valorada na moldura abstracta correspondente, afigura-se forte, atenta a intensidade e natureza dos actos praticados;

- Agrava também a ilicitude do facto contra este arguido o modo capcioso da sua actuação, com forte domínio da vitima;

- O modus operandi mostra especial desvalor na sua forma de execução perante as acções típicas descritivas;

- É intensa a gravidade das comprovadas consequências fundamentalmente ao nível psicológico e emocional da vítima, embora não sejam conhecidas lesões físicas dessa actuação;

- O dolo do arguido, sendo directo, revela acentuada intensidade, traduzida no empenho e energia revelada na execução dos actos que praticou e os obstáculos e as contra motivações sociais que teve de vencer para concretizar o seu propósito;

- Contra o arguido apresentam-se os fins ou motivos que determinaram, ou seja, a satisfação dos seus desejos sexuais que sobrepôs aos interesses da dignidade e liberdade da vítima;

- A sujeição da vítima a comportamentos humilhantes e vexatórios, com forte violação de bens e valores fundamentais como a liberdade sexual, intimidade, segurança, tranquilidade e vida privada, é um sentimento muito reprovável;

- Consubstanciam factores de risco de reincidência a falta de arrependimento e ausência de consciência critica dos factos;

- As consequências pessoais dos factos para a vítima são elevadas, já que, sobretudo as condutas de natureza sexual prejudicam gravemente o desenvolvimento da personalidade e vivência individual, sendo certo que tinha 14 anos à data dos factos e viu-se confrontada com experiências sexuais de natureza violenta e completamente desajustadas para a sua idade;

- O grau de violação dos deveres impostos ao arguido é elevado;

- O arguido beneficia de integração familiar e social;

- Não tem antecedentes criminais;

- As exigências de prevenção geral neste tipo de crimes, é sabido, têm vindo a ganhar crescente relevância na sociedade contemporânea, a significar uma preocupação comunitária da maior grandeza pelas suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como colectivamente, constituindo a sua ofensa, motivo de generalizado e crescente repúdio social.

Por tudo isto, tem-se como ajustadas aos critérios do art.71º e às finalidades da punição, condenar o arguido BB, pela prática, sob a forma de autoria material, consumada e em concurso efectivo:

- das penas parcelares de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão por cada um dos 4 (quatro) crimes de violação agravados, p. e p. pelo artigo 164° n.º 2 alínea a), 177º n.º 1 alínea c), n.º 4 e n.º 6 do C. Penal - puníveis com pena de prisão de 9 meses e 18 dias a 8 anos, 10 meses e 10 dias.

Cúmulo jurídico

Estando os crimes cometidos pelo arguido numa relação de concurso, há que fixar uma pena conjunta, nos termos do disposto no art.77º, nº1 do C. Penal.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas pelos vários crimes (n.º 2 do art.71º, do C. Penal) - 2 (dois) anos e 8 (oito) meses e 10 (dez) anos e 8 (oito) meses.

Tendo em conta os critérios enunciados no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, importa considerar, na pena única em conjunto, a gravidade de todos os factos praticados pelo arguido, bem como a personalidade por ele manifestada e as respectivas condições pessoais apuradas.

Considerando a conjugação dos factos sobreditos a propósito da medida concreta da pena e a personalidade do arguido neles revelada, sobressaindo a pluralidade de actos de diferente natureza nas sobreditas condições, os danos psicológicos decorrentes da sua conduta, a falta de sentida ressonância critica, ponderando também a sua inserção social e ausência de antecedentes criminais, mas considerada a elevadíssima gravidade e censurabilidade global dos factos, nos termos do disposto no art.77º do C.Penal, afigura-se equilibrada em cúmulo jurídico destas penas parcelares, a pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.

Da suspensão execução da pena de prisão

Cumpre agora decidir se a pena de prisão aplicada ao arguido deverá ou não ser suspensa na sua execução, uma vez que não atinge os 5 anos.

Segundo o disposto no artigo 50º n.º 1 do C.P., “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, o n.º 5 dispõe que: “O período de suspensão é fixado entre um ano e cinco anos”.

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade - artigo 40º n.º 1 -, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.

Assim, para a aplicação daquela pena é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

O preceito em referência atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (Cfr. Figueiredo Dias, in “Velhas e novas questões sobre o tema de suspensão da execução da pena”, RLJ, Ano 124, pág.68 e “Direito Penal Português – “As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, §518, págs.342/343).

Como se salientou no Ac. do STJ de 08.05.97 (Proc. nº 1293/96), in www.dgsi.pt. “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.

Ponto é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição. “O sentido destas é, aliás, nesta sede, o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos” (Ac. do STJ de 28/7/2007, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Conselheiro Rodrigues da Costa).

Como escreve Figueiredo Dias: “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expetativas comunitárias” (Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, pág.333, §501).

Assim, em face da factualidade apurada, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a cometer novo crime; e ainda que as expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não sairão defraudadas.

Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.

Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.

É esta também a posição do Supremo Tribunal de Justiça.

No caso dos autos, haverá que ponderar as concretas circunstâncias do caso e a gravidade dos factos, integrantes de um tipo de criminalidade que vem crescendo e com contornos cada vez mais graves, causando repúdio à sociedade em geral e também aqueles que tomaram conhecimento dos factos, ocorridos num meio de diminuta densidade populacional e entre jovens que frequentavam a mesma Escola, reclamam uma resposta assertiva por parte do tribunal, com vista à salvaguarda da futura paz social que foi afectada com a conduta criminosa relevada pelo arguido.

De realçar ainda a gravidade e a violência dos factos praticados, que fazem denotar por parte do arguido a ausência de controlo dos seus instintos sexuais e de interiorização da desconformidade da sua conduta em relação aos valores da liberdade e autodeterminação sexual tutelados pelas respectivas normas incriminadoras e também pelo desrespeito da autodeterminação sexual da vítima.

Por isso, haverá que atender às exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de criminalidade – que na maior parte das vezes culminam, não só com as lesões físicas provocadas às vítimas, mas também com traumas psicológicos que perduram nestas ao longo da vida.

No caso dos autos, o arguido não revelou em julgamento o mínimo de arrependimento ou sequer alguma consciência critica em relação ao crime cometido, pautando a sua postura por uma total falta de colaboração, o que não o beneficia.

Com efeito, a postura do arguido inculca a ideia de que o mesmo não interiorizou a desconformidade da sua conduta à lei e também de absoluto desrespeito pela vítima e desprezo, o que torna a sua conduta ainda mais censurável.

E, pese embora a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido e a inserção social de que beneficia, as concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o arguido actuou, de forma repetida, conjugadas com a personalidade evidenciada pelo arguido, reveladora de falta de auto-censura ético-social do seu comportamento e de controlo dos seus impulsos sexuais, não pode deixar de inculcar que existe perigo da prática pelo mesmo de factos de idêntica natureza. Aliás, a sua integração a nível pessoal, familiar e social, não se revelaram impeditivas da actuação do mesmo que se mostra provada nos autos.

Todos estes factores fazem perspectivar como incontornável a consideração de que só uma pena privativa da liberdade satisfaz as exigências de prevenção geral acima referidas e também as necessidades de prevenção especial, onde se alicerça o receio de novas prevaricações.

Deverá, pois, o arguido cumprir a pena de prisão aplicada.

3.3. Das Penas acessórias

Dispõe o artigo 69º B, n.º 2 do Código Penal que: 2- É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco a 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A, quando a vítima seja menor”

Por sua vez, dispõe o artigo 69º-C, n.º 2 do Código Penal (na versão actual dado que em concreto é mais favorável ao arguido) que: 2- Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.

Verificando-se no caso em apreço os pressupostos formais (condenação por crime previsto no artigo 164º do Código Penal) e materiais (pois os factos ilícitos são inequivocamente graves e foram praticado contra menor de idade), haverá que cumulativamente com a pena principal, o arguido BB ser condenado nas penas acessórias acima referidas.

Relevando para a determinação temporal desta pena os critérios já acima enunciados, mas particularmente as exigências de prevenção especial (neste sentido, cf. Maria João Antunes), entende-se fixar em 8 (oito) anos, a duração de tais penas acessórias.

3.4. Do Pedido de indemnização civil

Considerando que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil - art. 129º do C. Penal - cumpre desde já indagar da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito perpetrado pelos demandados (a saber, facto voluntário, ilícito, culpa, dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano).

Consabidamente, nos termos do disposto no artigo 483º, nº1 do C. Civil, a responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe, antes de mais, um acto voluntário (ainda que negligente) de alguém, sendo esse ato de natureza ilícita. Esse acto deve ser atribuído a alguém e tem de causar dano a outrem como consequência directa e necessária.

No caso em apreço é manifesto que o comportamento ilícito e objetivamente controlável dos arguidos/demandados lhe é reprovável ou censurável pelo direito, na medida em que podiam e deviam ter "agido" de outro modo, desde logo, não atentando contra a liberdade, juventude e o livre crescimento sexual da vítima, sendo que tal lhe era exigido por lei - art.487º, nº2, do C. Civil.

Com efeito, verificada a matéria considerada provada dúvidas não existem de que os arguidos praticaram por acção, factos voluntários, já que eram passíveis de controlo por parte dos mesmos, sendo antijurídicos ou contrários ao direito, porque violadores de direitos individuais de outrem e, assim, ilícitos (cfr. art.483º, do C. Civil).

É manifesto que o comportamento dos arguidos violou um direito que é fundamental de qualquer pessoa e de relevante tutela penal e civil: o direito à liberdade e autodeterminação sexual e ao livre desenvolvimento da então menor CC, de 14 anos de idade.

Ora, uma vez que os arguidos podiam e deviam ter agido de outra forma, a sua conduta é ético-juridicamente censurável e, assim, culposa, tendo actuado os arguidos com dolo directo.

De realçar que, pese embora o arguido AA seja inimputável criminalmente, é imputável civilmente, nos termos do disposto no artigo 488º n.º 2 do Código Civil.

Em relação aos danos sofridos pela menor cumpre salientar que em consequência da conduta dos arguidos, acima descrita, sofreu a assistente CC de ansiedade, ataques de pânico, preocupação, vergonha e tristeza e ainda desconforto, insegurança, medo e desconfiança com terceiros, de modo a criar-lhe um conflito de valores interior e insegurança perante as relações futuras com os seus pares.

Pode, pois, dizer-se que, em consequência dos factos praticados pelos arguidos, o seu confronto com as instâncias judiciais e no seio escolar, a CC sofreu, pois, e de forma necessária, vergonha, tristeza, ansiedade, nervos, intranquilidade, constrangimento e insegurança sobre a sua liberdade sexual e integridade pessoal, bem assim instabilidade emocional.

Não são, contudo, conhecidas lesões físicas da vitima, mas sofreu, como se disse, danos psicológicos.

Posto isto, a conduta dos arguidos causou, em face da gravidade dos factos praticados e os bens jurídicos atingidos, danos de natureza não patrimonial naturalmente bastante graves para justificarem a fixação de uma compensação - art.496.° do C. Civil.

Os actos cometidos pelos arguidos contra a então menor CC, revestem-se de considerável gravidade e, atenta a sua intensidade e natureza, maior censurabilidade merece a conduta daqueles, a significar que agiram naturalmente com culpa grave.

Estão em causa prejuízos não patrimoniais, que – reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, não se repercutem no património do lesado e, portanto, não são suscetíveis de avaliação pecuniária, embora sejam compensáveis –pretium doloris ou ressarcimento tendencial de angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional.

Apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (conforme o artigo 496º do Código Civil) e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a situação económica do agente e do lesado e demais circunstâncias do caso concreto (conforme o artigo 494º ex vi artigo 496º, nº 3, ambos do Código Civil).

No presente caso releva sobremaneira a intensidade e natureza da conduta dos arguidos sobre a vitima, com repercussão no estado emocional da mesma e alterações na sua vida, implicando uma culpa agravada no contexto em que a generalidade dos factos ocorreram a partir da vulnerabilidade da então menor, a qual se viu confrontada com experiências sexuais de natureza violenta completamente desadequadas para a sua idade.

Os arguidos beneficiam de condição social favorável, exercendo actividade laboral regular, segundo os próprios, em actividades agrícolas.

Atento o exposto, temos que a referida conduta do arguido é grave e merecedora de adequado e justo reparo à vitima, nos termos do artigo 496º, nº1 e nº3, do Código Civil, segundo critérios de equidade, já que estão em causa danos de natureza não patrimonial.

Tendo presente a gravidade e intensidade do dolo, o contexto em causa e as condições socioeconómicas do arguido, atentas as regras da experiência comum, sem olvidar o elevado grau de culpabilidade, temos como adequado arbitrar o montante indemnizatório, a título de compensação por danos não patrimoniais, no valor de €15.000,00 (quinze mil euros), cada um, à vitima CC.

Tendo as supra fixada indemnização pecuniária por facto ilícito sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566º do Código Civil, vence juros de mora, à taxa legal, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da notificação, como peticionado, em conformidade com o decidido no acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 09/05/2002.

Da aplicabilidade da Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto

Desde logo, sem necessidade de outras considerações, porque a moldura abstracta das penas aplicáveis aos crimes pelos quais o arguido será condenado não respeitam os limites do artigo 4.º da lei n.º 38-A/2023 de 02 de Agosto, entendemos não ser de aplicar a amnistia.

O mesmo se diga em relação ao crime de violação sexual p. e p. no artigo 164º do Código Penal, cuja aplicação se encontra excluída por via do estatuído no artigo 7.º, n.º 1, av) da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de Agosto.»

2.2. - Apreciação dos recursos.

            2.2.1. Do número de crimes praticados pelo Recorrente BB.

Compulsadas as conclusões 1. e 2. do respetivo recurso, verificamos que o recorrente BB pugna por que se considere que praticou, não quatro, mas dois, crimes de violação.

Em sede de motivação do recurso, o Recorrente sustenta esta sua pretensão alegando que não resultou provado que tenha constrangido a vítima a praticar com o arguido AA cópula, coito anal ou oral.

Vejamos.

Ao arguido BB vem imputada a prática de quatro crimes de violação em coautoria com o arguido AA.

Assim, para além dos dois crimes que praticou levando a cabo cópula vaginal com a vítima (relativamente aos quais o Recorrente não contesta a sua prática), foi coautor da prática, por parte do arguido AA de dois outros atos de cópula vaginal com a mesma vítima.

Sobre o conceito de autoria dispõe o artigo 26.º do Código Penal, que: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

            Como tem sido entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, na comparticipação criminosa sob a forma de coautoria são essenciais dois requisitos:

- uma decisão conjunta, tendo em vista uma obtenção de um determinado resultado

- uma execução igualmente conjunta.

Certo é que aquela decisão conjunta, ou seja o acordo com outro, ou com outros, tanto pode ser expresso como tácito, e a aludida execução conjunta, se traduz numa participação direta na execução do facto, numa contribuição objetiva para a sua realização, não sendo indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os atos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final.

 Sobre o alcance deste normativo, Figueiredo Dias[2] defende que a responsabilidade do coautor só se verifica na precisa medida em que a execução se encontre coberta pela decisão conjunta. Ações singulares de um dos coautores que vão para além dela (casos ditos de excesso), sejam elas praticadas com dolo ou por negligência, só podem ser, em princípio, imputadas ao seu autor singular. O excesso só pode caber na responsabilidade dos não excedentes na medida em que possa imputar-se – o que, nota F. Dias, não constituirá caso raro – ao seu dolo, ao menos eventual. Sem prejuízo, como é óbvio, de nos restantes casos ficar ressalvada uma responsabilização por negligência, nos termos gerais.

Por outro lado, Faria Costa escreve que para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros”)[3]

O coautor, de acordo com a terceira proposição do artigo 26º do Código Penal, é aquele que toma parte direta na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.

Exige-se, portanto, uma decisão conjunta e uma participação na fase executiva, ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, que o coautor “preste neste estádio uma contribuição objetiva para a realização do facto.[4]

 Essencial é a ideia segundo a qual o princípio do domínio do facto se combina aqui com a exigência de uma repartição de tarefas, que assinala a cada comparticipante, contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição.

Acrescenta, ainda, o mesmo autor que “de acordo com o critério central do domínio do facto, é indispensável que do contributo objetivo dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer ou pôr à disposição os meios de realização. Juízo este, sobre o relevo da contribuição para o facto, que deve ser alcançado numa consideração ex ante e não ex post»[5]

Como se salientou no acórdão do STJ de 02-05-2007[6]:

Na coautoria o coautor é senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direção, na execução conjunta do facto, ou seja no plano de execução comum, como pela negativa, podendo impedi-lo, ainda que não se torne necessária a prática de todos os factos que integram o iter criminis – cf. Maria da Conceição Valdágua, in O Início da Tentativa do Co-Autor, 1985, ed. Danúbio, págs. 155-156, na esteira de Roxin, Stratenwerth, Welzel e Jescheck, ali citados, e BMJ 341.º, págs. 202 e ss..”

Ponderados todos estes contributos, consideramos que a norma do artigo 26º do Código Penal faz assentar a coautoria num acordo, mas, para que este exista, é suficiente a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime.

Ora, no caso dos autos, resulta da matéria de facto provada, concretamente da vertida nos pontos 1. a 17., 19., 21. e 28.[7] que os arguidos levaram a cabo a conduta ilícita de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos.

É indubitável, pois, que existiu uma execução conjunta do facto ilícito, sendo igualmente, indubitável que atuaram em coautoria.

Como resulta do acima explicitado, no que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os atos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a atuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.

É, por isso, indiscutível que os arguidos atuaram em coautoria, não oferecendo, por isso, qualquer dúvida de que o Recorrente, praticou, como coautor, quatro crimes de violação.

            Assim, improcede, nesta parte, o recurso.

2. 2. 2. Da medida da pena única aplicada ao arguido BB.

Emerge das conclusões 3., 4., 6., 7., 11., 12. e 13. do recurso interposto pelo arguido BB, que o mesmo se mostra inconformado com a medida da pena única encontrada pelo Tribunal a quo.

Não contesta o Recorrente a medida concreta das penas parcelares.

O Tribunal a quo decidiu condenar o arguido BB, pela prática, em coautoria, na forma consumada e concurso efetivo, de 4 quatro crimes de violação agravados, previstos e punidos pelos artigos 164º n.º 2 alínea a), 177º n.º 1 alínea c), n.º 4 e n.º 6 todos do Código Penal, nas penas parcelares de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, por cada um deles. Em cúmulo jurídico, decidiu condenar o mesmo arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.

O Tribunal fundamentou esta sua decisão (no que tange à pena única) pela seguinte forma (transcrição):

«Estando os crimes cometidos pelo arguido numa relação de concurso, há que fixar uma pena conjunta, nos termos do disposto no art.77º, nº1 do C. Penal.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas pelos vários crimes (n.º 2 do art.71º, do C. Penal) - 2 (dois) anos e 8 (oito) meses e 10 (dez) anos e 8 (oito) meses.

Tendo em conta os critérios enunciados no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, importa considerar, na pena única em conjunto, a gravidade de todos os factos praticados pelo arguido, bem como a personalidade por ele manifestada e as respectivas condições pessoais apuradas.

Considerando a conjugação dos factos sobreditos a propósito da medida concreta da pena e a personalidade do arguido neles revelada, sobressaindo a pluralidade de actos de diferente natureza nas sobreditas condições, os danos psicológicos decorrentes da sua conduta, a falta de sentida ressonância critica, ponderando também a sua inserção social e ausência de antecedentes criminais, mas considerada a elevadíssima gravidade e censurabilidade global dos factos, nos termos do disposto no art.77º do C.Penal, afigura-se equilibrada em cúmulo jurídico destas penas parcelares, a pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.»

Considera o Recorrente que a pena única aplicada é desproporcional e desajustada à situação dada como provada nos autos, reputando como adequada uma pena de 4 (quatro) anos de prisão.

Na sua perspetiva, o Tribunal violou o disposto no artigo 71º do Código Penal, pois que a pena aplicada vai além da medida da culpa.

Apreciando.

Naturalmente que se subscrevem as considerações de teor doutrinário constantes do recurso e atinentes aos critérios de dosimetria das penas.

Porém, não se vê o que pretende o Recorrente dizer quando afirma que a medida da pena encontrada ultrapassa a medida da culpa, quando é certo que o arguido/recorrente atuou com dolo direto persistindo na intenção delituosa com particular intensidade (dois dos crimes foram praticados num dia e os outros dois no dia seguinte e pela forma ardilosa descrita nos autos), sendo certo que a pena única encontrada se nos afigura adequada, tendo em conta a moldura abstrata do cúmulo.

Neste particular, subscreve-se o teor da douta resposta do Ministério Público no seguinte segmento que se transcreve:

«Quanto à pena única, única que o arguido coloca em causa, cumpre referir que a pena aplicável ao concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (ou seja 10 anos e 8 meses) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas pelos vários crimes (ou seja, 2 anos e 8 meses), nos termos do n.º 2 do art.71º, do Código Penal.

Nesta moldura penal abstracta, e fazendo apelo aos critérios enunciados no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal e que já apontámos, o Tribunal colectivo fixou a pena concreta em 4 anos e 10 meses de prisão, ou seja, numa medida que excede apenas em 2 anos e 2 meses o limiar mínimo de tal moldura penal, ponderando a gravidade de todos os factos praticados pelo arguido, bem como a personalidade por ele manifestada e as respectivas condições pessoais apuradas. Na referida ponderação, o Tribunal colectivo, salientou ainda “a pluralidade de actos de diferente natureza nas sobreditas condições, os danos psicológicos decorrentes da sua conduta, a falta de sentida ressonância critica, ponderando também a sua inserção social e ausência de antecedentes criminais, mas considerada a elevadíssima gravidade e censurabilidade global dos factos”.

Tal opção e ponderação não nos merece qualquer censura considerando a factualidade que o tribunal deu como provada e os factores que o Tribunal teve em consideração e acima descritos.

Diremos, pois, que, o Tribunal não pecou, e, seguramente, se pecou, foi pela sua benevolência neste caso concreto e não por excesso.

O limite da culpa não foi violado e as exigências de prevenção são, como se disse, particularmente fortes face à personalidade do arguido revelada neste facto e no seu modo de actuação, a reclamar um exigente esforço de ressocialização do arguido.

A violência sexual é, comunitariamente, um comportamento repugnante, porque repercute falta de ressonância ética do agente com respeito ao valor fundamental da pessoa, da sua liberdade sexual, basilar a uma sã convivência pacífica, severamente punido na generalidade das legislações, como se disse no acórdão do STJ supra citado.

Uma pena abaixo deste limite fixado, reconduziria a um sentimento de profunda indignação por parte da comunidade e um sentimento de impunidade para condutas tão repugnantes como estas, em particular se considerarmos que estamos perante 4 crimes de violação sobre uma (ainda) menor.»

Em suma, no que concerne aos princípios e critérios orientadores da dosimetria da pena única, compulsada a decisão em recurso verifica-se que se trata de decisão que os interpreta de forma correta, não se descortinando na mesma (nem o Recorrente especifica essa sua alegação por referência a concretos pontos da decisão, limitando-se a fazer a afirmação genérica de violação do disposto no artigo 71º do Código Penal e dos limites ditados pela culpa) qualquer desacerto.

Sendo a moldura abstrata a ter em conta, atentos os factos provados e o disposto no artigo 77º nº2 do Código Penal, a de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses, a medida concreta da pena encontrada, que foi de prisão de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses é, afinal, uma pena fixada ao nível do 1/4 da moldura útil aplicável.

Reafirmamos, assim, que para além de a pena única em causa não se mostrar exagerada, foi determinada no cumprimento rigoroso dos critérios legais estabelecidos para o efeito, pelo que nenhum motivo ocorre para que a mesma seja alterada.

Improcede o recurso, também nesta parte.

2.2.3. Da substituição da pena de prisão por pena de prisão suspensa na sua execução.

Resulta das conclusões 5., 8. a 10. e 14. a 24. que o recorrente BB se insurge contra o facto de, sendo a pena única aplicada inferior a 5 (cinco) anos, não ter o Tribunal a quo substituído a mesma por pena de prisão suspensa nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal.

Vejamos.

Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como resulta deste normativo legal, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão; e um pressuposto material.

A este propósito, ensina Figueiredo Dias[8]: «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto».

Acrescentando, assertivamente, o mesmo Autor:

«A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Expende ainda o conceituado mestre:

«Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.».

Há que referir também, na esteira de Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal” Anotado e Comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, pág. 191, que a suspensão da execução da pena de prisão não se traduz numa faculdade jurídica, consubstanciando, antes, um verdadeiro poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a medida em causa, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos.

Inexiste um dever de suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, mas há um poder-dever, funcional e vinculado, de determinar essa suspensão com fundamento nos factos decorrentes do prognóstico favorável que o julgador tenha efetuado.

No caso sub judice, o Tribunal a quo fundamentou a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos transcritos supra, sopesando, em síntese os seguintes aspetos:

            - As elevadas exigências de prevenção geral manifestadas no caso, tendo em conta a natureza do ilícito praticado (cada vez mais frequente e com contornos cada vez mais graves) e a gravidade das circunstâncias que rodearam a sua prática (factos ocorridos num meio pequeno e do conhecimento dos alunos que frequentavam a mesma escola que o arguido e a vítima) a reclamarem “uma resposta assertiva por parte do tribunal, com vista à salvaguarda da futura paz social”

            - A gravidade e violência dos factos praticados e o que os mesmos revelam em termos da desconformidade da personalidade do arguido em relação aos valores da liberdade e autodeterminação sexual;

            - As elevadas exigências de prevenção especial, resultantes, em particular, do facto de o arguido não ter exteriorizado, por nenhuma forma, qualquer arrependimento, ou sequer consciência crítica em relação à sua conduta, pese embora, milite em seu favor o facto de não ter antecedentes criminais e de se mostrar inserido familiar e socialmente, sendo elevado o risco de cometimento de novos ilícitos, tanto mais que aquela situação familiar e social não foi impeditiva da prática dos ilícitos em causa nos autos.

            Concordamos com a fundamentação aduzida pelo tribunal a quo para não suspender a execução da pena aplicada ao arguido.

            Analisemos, contudo, as razões de dissensão do Recorrente, as quais, adianta-se deste já, não vão muito além de vagas considerações de cariz teórico, sem evidenciação da sua repercussão no caso concreto.

            Em primeiro lugar, alega o Recorrente em favor da sua pretensão que lhe “deve ser dada a possibilidade de comprovar à sociedade e a si próprio que está disposto a refazer a sua vida, inserindo-se na sociedade, necessitando para tal que a pena aplicada nos presentes autos seja reduzida para os cinco anos e suspensa a sua execução.”

                Desconsiderando o lapso manifesto quando refere a redução da pena para cinco anos (quando a fixada já é inferior) a verdade é que tal oportunidade depende da verificação dos pressupostos legais e não de quaisquer considerações genéricas sobre as capacidades e possibilidade de ressocialização do arguido ou de manifestações de propósitos de ressocialização.

            Depois, alega o Recorrente que “ao longo dos anos tem procurado ter uma vida estável na sociedade, tendo um trabalho, tem uma vida familiar estável, e é um jovem, com apenas 21 anos de idade e que à data da prática dos factos tinha 19 anos e sem antecedentes criminais.”

            De notar que a decisão recorrida não deixa de mencionar estes aspetos relativos à juventude e inserção familiar, laboral e social do arguido, bem como a ausência de antecedentes criminais, porém, assinala, e bem, que aquela inserção já existia à data da prática dos factos e, de todo o modo, não suplantam as apontadas necessidades de prevenção especial e, com especial acuidade, as de prevenção geral manifestadas no caso.

Em suma, não logrou o Recorrente demonstrar, por recurso à matéria de facto apurada e aos critérios legais expostos, que se encontram “verificadas circunstâncias que permitem criar uma esperança fundada de que o arguido interiorize o carácter ilícito e censurável da sua conduta e sinta a sua condenação como um alerta e uma advertência bastantes para que, no futuro, não mais volte a delinquir,”

Concorda-se, pois, com a decisão do Tribunal a quo, mas urge salientar que no contexto atual de proliferação de manipulação de crianças e jovens no sentido da adesão a comportamentos de pendor misógino e sexualmente violentos, nomeadamente no contexto das redes sociais, exacerba as necessidades de prevenção geral, não podendo enviar-se à sociedade uma mensagem de impunidade deste tipo de condutas.

Por outro lado, como vimos, a suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes, o que não se afigura fundado no caso do arguido.

Em suma, improcede totalmente o recurso interposto pelo arguido BB, confirmando-se, quanto a ele, na íntegra, o acórdão recorrido.

2.2.4Do erro de Direito no que toca à condenação do arguido AA no pagamento de indemnização.

Insurge-se o recorrente AA contra a sua condenação no pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais à demandante CC, da quantia de €15 000,00 (quinze mil euros).

Alega que tendo sido declarado inimputável em razão da idade e, por isso, absolvido da prática dos crimes que lhe vinham imputados, não poderia ser condenado no pagamento de indemnização que se funda na prática daqueles ilícitos criminais.

Entende que não podia o julgador considerá-lo inimputável na vertente criminal e imputável para efeitos de responsabilidade civil.

Nesta sequência, argumenta que, sendo a indemnização por danos emergentes de um crime, regulada pela lei civil (artigo 129º do Código Penal), a responsabilidade pela indemnização de tais danos só se verifica que se verificarem os respetivos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

Acresce que, o artigo 123º do Código Civil determina a incapacidade dos menores com idade inferior a 18 anos e, sendo o Recorrente, à data, menor de 18 anos, não tinha capacidade jurídica para ser demandado.

Relembremos o que consta do acórdão recorrido a este propósito:

“Considerando que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil - art. 129º do C. Penal - cumpre desde já indagar da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito perpetrado pelos demandados (a saber, facto voluntário, ilícito, culpa, dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano).

Consabidamente, nos termos do disposto no artigo 483º, nº1 do C. Civil, a responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe, antes de mais, um acto voluntário (ainda que negligente) de alguém, sendo esse ato de natureza ilícita. Esse acto deve ser atribuído a alguém e tem de causar dano a outrem como consequência directa e necessária.

No caso em apreço é manifesto que o comportamento ilícito e objetivamente controlável dos arguidos/demandados lhe é reprovável ou censurável pelo direito, na medida em que podiam e deviam ter "agido" de outro modo, desde logo, não atentando contra a liberdade, juventude e o livre crescimento sexual da vítima, sendo que tal lhe era exigido por lei - art.487º, nº2, do C. Civil.

Com efeito, verificada a matéria considerada provada dúvidas não existem de que os arguidos praticaram por acção, factos voluntários, já que eram passíveis de controlo por parte dos mesmos, sendo antijurídicos ou contrários ao direito, porque violadores de direitos individuais de outrem e, assim, ilícitos (cfr. art.483º, do C. Civil).

É manifesto que o comportamento dos arguidos violou um direito que é fundamental de qualquer pessoa e de relevante tutela penal e civil: o direito à liberdade e autodeterminação sexual e ao livre desenvolvimento da então menor CC, de 14 anos de idade.

Ora, uma vez que os arguidos podiam e deviam ter agido de outra forma, a sua conduta é ético-juridicamente censurável e, assim, culposa, tendo actuado os arguidos com dolo directo.

De realçar que, pese embora o arguido AA seja inimputável criminalmente, é imputável civilmente, nos termos do disposto no artigo 488º n.º 2 do Código Civil. “(sublinhado nosso)

Vejamos.

Pese embora, como se verá infra, entendamos ser acertada a decisão de condenar o Recorrente no pagamento de indemnização à vítima CC, não se podem sufragar os argumentos nesse sentido, constantes do acórdão em recurso.

É inquestionável que, atento o disposto no artigo 129º do Código Penal, a atribuição e cálculo de indemnização civil de danos decorrentes da prática de um crime se baseia em critérios puramente civis.

Importa ter presente, igualmente, o disposto no artigo 377º, nº 1 do Código de Processo Penal:

“A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 82º”.

Nos termos do disposto no artigo 483º do Código Civil:

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”

Assim, a responsabilidade civil por factos ilícitos, assenta, para além do mais (ato voluntário, ilícito e causador de danos a terceiro) no pressuposto de que o ato causador dos danos seja culposo.

Ora, resulta dos autos e foi declarada pelo Tribunal a quo a inimputabilidade em razão da idade do Recorrente, pelo que, não pode, de todo, dizer-se que a sua conduta é culposa (dolosa como afirma o Tribunal a quo quando se refere à responsabilidade civil) o que motivou, aliás, a sua absolvição não obstante a prova de todos os factos por que vinha acusado.

A inimputabilidade em razão da idade, a que alude o artigo 19.º do Código Penal – “Os menores de 16 anos são inimputáveis” - é uma causa de exclusão da culpa, pelo que, parece-nos, não poderia o Tribunal, para efeitos da responsabilização civil, considerar que o Recorrente atuou com dolo direto, conforme transcrito supra.

Aqui chegados, cumpre averiguar se, num caso como o dos autos, não obstante estarmos em presença de ato não culposo, pode o autor de ato ilícito ser responsabilizado civilmente.

Importa, antes de mais, dizer que o Recorrente, à data em que foi demandado civilmente, tinha plena capacidade para estar, por si só, em juízo.

Com efeito, estabelece o artigo 122.º do Código Civil que “É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade.” E o artigo 123º do mesmo código prescreve que: “Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos.”

Tal incapacidade é suprida “pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respetivos” – Artigo 124º do Código Civil.

Resulta dos autos que o Recorrente foi notificado do pedido de indemnização contra si deduzido pela Assistente e, ao mesmo tempo, notificado para o contestar em 23-10-2023 [referência6278244] e que o mesmo nasceu em ../../2005.

Assim, tendo naquela data (e é essa data que importa no que tange à sua capacidade para estar em juízo) 18 anos de idade, a sua capacidade judiciária, sob este ponto de vista tem-se por assente.

Passemos à questão enunciada supra, isto é, saber se o Recorrente pode ser responsabilizado civilmente por ato ilícito que praticou em data em que era inimputável em razão da idade, nos termos definidos pela lei penal.

            Como ensina Germano Marques da Silva[9] in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, 297: “A decisão do pedido civil não depende da decisão sobre a questão penal. Pode suceder que, a final, o arguido venha a ser absolvido da acusação da prática do crime que é objeto do procedimento penal e seja condenado na indemnização civil, como também pode suceder que o arguido seja condenado pela prática do crime e absolvido do pedido de indemnização civil.”[10]

            Conforme referido pelo STJ no acórdão de 17/03/2016[11], citando o acórdão do mesmo Tribunal de 10-07-2008 (Proc. 1410/08”: “se o arguido for absolvido de um crime e, se subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual)  que se possa fundamentar nos mesmos factos- seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco (cfr. v.g.  Acórdãos do STJ de 25/01/96 in CJ (STJ), ano IV, Tomo 1, 189 e de 02/04/98, CJ (STJ), anoVI Tomo 2, 179).”          

O que, aliás, está em consonância com o que estipula o já transcrito supra, artigo 377º do Código de Processo Penal e a que se reporta o AUJ do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/99[12], que sobre a matéria decidiu:

«Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no Artº 377º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual».

            Assentamos, pois, na conclusão de que a absolvição em termos criminais não determina necessariamente a absolvição do pedido de indemnização civil deduzido no mesmo processo crime.

            Mas mesmo em caso de inimputabilidade, nos termos em que a mesma se encontra definida na Lei Civil - Artigo 488.º do Código Civil que estabelece que: “Não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório. 2 - Presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos.” - está prevista a possibilidade de atribuição de uma indemnização ao lesado a suportar por pessoa inimputável.

            O artigo 489º do Código Civil é do seguinte teor:

“1. Se o acto causador dos danos tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivo de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância.

2. A indemnização será, todavia, calculada por forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos.”

Ou seja, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/09/2008[13]:

 “O código admite, assim, que a pessoa inimputável seja condenada a indemnizar, total ou parcialmente (desde que não seja possível obter a reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância) quando razões de equidade assim o imponham: porque o agente tenha bens por onde responder, porque o lesado tenha ficado em difícil situação económica, porque seja avultado o montante do prejuízo, porque seja particularmente grave a conduta do agente ou séria a violação cometida – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª ed., Vol. I, p. 557.

Sendo certo, como destaca o mesmo autor (ob. cit., p. 557, em nota de rodapé) que a responsabilidade do inimputável tem a sua justificação como medida de proteção do lesado e não na culpa do agente.”

Regressando ao caso dos autos.

Resultou provado que o Recorrente praticou atos suscetíveis de integrar o elemento objetivo do ilícito de violação agravada e que dessa conduta resultaram para a vítima danos de natureza não patrimonial.

Posto que declarado inimputável em termos criminais, por não se ter provado que à data, tivesse 16 anos de idade, não resulta dos autos a prova de qualquer facto de onde se retire que o mesmo, no momento da prática dos factos, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, mas mesmo que assim não fosse, como vimos, nem por isso estaria afastada, in limine a sua responsabilidade civil pelos dados causados pela sua conduta voluntária e ilícita. 

Esclarecedor (por se debruçar sobre um caso com muitas semelhanças com o dos autos) é o acórdão do STJ de 12-01-2017[14] que embora termine por remeter as partes para os meios civis, o faz por razões que não se mostram verificadas nos autos:

XI - Decorre da conjugação do disposto nos arts. 488.º, n.º 1 e 489.º, n.º 1, ambos do CC que se admite que o inimputável seja condenado a indemnizar total ou parcialmente o lesado, respondendo nos termos em que responderia se fosse imputável e praticasse o mesmo facto mas com uma diferença importante: ele responde por razões de equidade.

XII - A indemnização deve ser, todavia, calculada de modo a não prejudicar os alimentos do inimputável nem os deveres legais de alimentos que recaiam sobre ele (art. 489.º, n.º 2), pelo que, o apontado requisito específico da equidade tem de ser avaliado perante as circuns­tâncias concretas do caso, ponderando especialmente as possibilidades do inimputável e as necessidades dos demandantes.

XIII - Apurada só no julgamento a inimputabilidade do demandado ficaram radicalmente modificados os termos da causa e daí faltarem, logicamente, dados necessários a uma decisão conscienciosa. Esta torna-se, até formalmente impossível sem o inimputável estar representado por um curador ad litem, que a sua situação exige, nos termos dos arts. 10.º e 14.º do CPC [correspondentes aos actuais arts. 16.º e 20.º do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26-06].

XIV - As diligências para a intervenção desse curador não se coadunam, porém, com a regular sequência do processo crime, além de faltarem elementos indispensáveis para se julgar o pedido cível segundo a equidade, daí que, se entenda, por as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil implicarem o retardamento anormal do processo e inviabilizarem, aqui, uma decisão rigorosa sobre a indemnização peticionada, por insu­ficiência de factos para se julgar sobre a equidade, que, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 82.º do CPP, está indicado remeter as partes, em tal matéria, para os tribunais civis.

Ora, como já se assinalou supra, no caso dos autos, à data em que foi demandado civilmente, o Recorrente tinha plena capacidade para estar, por si só, em juízo, pois que tinha completado 18 anos de idade. Por outro lado, os autos fornecem elementos de facto bastantes para que se possa aferir se a equidade exige a condenação e em que medida.

Assim, a primeira incidência a que verdadeiramente importa dar resposta, prende-se com a necessidade de estabelecimento de indemnização por razões de equidade [porque o agente tenha bens por onde responder, porque o lesado tenha ficado em difícil situação económica, porque seja avultado o montante do prejuízo, porque seja particularmente grave a conduta do agente ou séria a violação cometida].

Relativamente à situação económica do lesado e do lesante [circunstâncias de ter o agente bens por onde responder ou ter o lesado ficado em difícil situação económica], o que resulta dos autos é que não existe qualquer desequilíbrio, tratando-se de pessoas de nível social e económico similares.

  Quanto ao montante do prejuízo [ser avultado o montante do prejuízo], verificando-se apenas danos de natureza não patrimonial, não está em causa um “prejuízo” no sentido patrimonial do termo.

Já quanto à particular gravidade da conduta e/ou seriedade da violação cometida, entendemos que os factos a revelam de forma evidente, justificando-se, por esta via a fixação de uma indemnização.

Com efeito, trata-se de conduta repetida, praticada em coautoria com outro indivíduo, consubstanciada na prática de quatro atos de cópula vaginal mediante o uso de violência contra uma vítima com apenas 14 anos de idade e que, à data, nunca tinha tido este tipo de contacto sexual.

É indubitável, pois, a particular gravidade da conduta.

Atento tudo o exposto, embora com fundamentos diferentes, confirma-se o acórdão recorrido na parte em que fixa uma indemnização a cargo do demandado AA.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.

O Recorrente contesta, igualmente, por exagerado, o montante indemnizatório fixado.

Alega o Recorrente que os factos provados, no que aos danos causados concerne, não assumem gravidade tal que justifique o montante arbitrado e, por outro lado, a sua situação económica, sendo extremamente frágil, coloca-o, tendo de suportar o pagamento de tão elevada quantia, numa situação que faz perigar a sua própria subsistência.

Vejamos.

Preceitua o n.º 2 daquele artigo 489. ° do Código Civil, que a indemnização a atribuir deve ser calculada por forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme ao seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos. 

O que basicamente ficou demonstrado ao nível dos danos sofridos pela Demandante foi o assinalado infra:

8. Aproveitando que a vítima se encontrava manietada em virtude da força física sobre si exercida, o arguido BB, após se despir, colocou-se em cima da vítima e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores;

9. Após, o arguido BB cedeu o seu lugar ao arguido AA que, após se despir, se colocou em cima da vítima, que continuava manietada e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores;

15. O arguido BB agarrou-lhe os braços e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem;

16. Por sua vez, o arguido AA agarrou nos braços da vítima e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem;

18. Na sequência dos factos descritos a 15 e 16, a vítima sangrou e sentiu dores;

22. Bem sabiam os arguidos que as suas condutas eram de molde a prejudicar, como prejudicaram, o normal desenvolvimento da liberdade e da autodeterminação sexual da vítima CC bem como a sua sã personalidade e livre desenvolvimento, ofendendo assim o sentimento de criança, inocência, de modéstia e vergonha da vítima bem como a integridade física e psicológica daquela, o que quiseram e conseguiram;

23. Os arguidos sabiam que a força física exercida contra a vítima era idónea a vencer a resistência efectiva da mesma, e a que mantivessem com a mesma, os actos sexuais supra descritos, causando-lhe medo e inquietação, o que quiseram e conseguiram;

29. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita sofreu a assistente CC de ansiedade, ataques de pânico, preocupação, vergonha e tristeza;

30. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita sofreu a assistente CC de desconforto, insegurança, medo e desconfiança com terceiros.

Danos, pois, muito relevantes se se tiver em conta que se tratava de criança com 14 anos de idade e com especiais fragilidades ao nível emocional e cognitivo, como resulta da factualidade descrita nos pontos 25., 26. e 27. dos factos provados.

Porém, como assinalado supra, importa ter em consideração que o montante da indemnização fixado não pode alhear-se da circunstância de garantir que o demandado não fica em situação de carência económica.

Ora, resultou provado nos autos que a situação pessoal e económica do demandado é a seguinte:

46. À data dos factos AA residia com os pais na aldeia de residência. (…)

47. Residem numa habitação de tipologia T3, propriedade do avô materno que possui boas condições de habitabilidade e conforto, estando integrada numa zona sem problemas sociais. Pagam uma renda mensal de 200€;

48. O pai trabalha diariamente na agricultura recebendo 40€ por dia de trabalho. Simultaneamente ainda desenvolvem alguma agricultura de subsistência o que lhes permite satisfazer as necessidades da família com tranquilidade. Mensalmente suportam custos de água 5€, luz 60€, Internet 35€, telecomunicações 45€;

49. AA frequentou a escola até aos 18 anos, só tendo concluído o 6º ano de escolaridade por total desmotivação para as actividades letivas. (…)

50. Pretende ingressar no mercado de trabalho, mas só irregularmente desempenha algumas actividades agrícolas indiferenciadas. A maioria do tempo permanece em casa inactivo;

56. A nível profissional também não se registam repercussões relevantes porque o jovem só excepcionalmente desempenha algumas actividades agrícolas junto do empregador do progenitor;

Ressuma da factualidade transcrita que os meios económicos do obrigado à indemnização são exíguos.

Porém, as suas necessidades básicas mostram-se asseguradas, pois que o mesmo vive com os pais que garantem a sua satisfação, não se colocando, pois, a questão da eventual privação dos alimentos necessários.

Por outro lado, resulta da mesma factualidade que sobre o mesmo não impende qualquer dever legal de alimentos. 

É bem certo que o demandado tem uma muito baixa formação académica e quase nula experiência profissional, mas trata-se atualmente de jovem adulto com capacidade de desenvolver atividade profissional, sendo que, a indemnização não pode deixar de ter um sentido reparador para quem sofreu a violação dos seus direitos de forma tão grave. 

Nesta conformidade, consideramos que o montante fixado no acórdão recorrido se mostra equilibrado fazendo uso correto de juízos de equidade, não se vislumbrando razão para o alterar. 

Improcede, assim, o recurso.  

III – DISPOSITIVO.

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos BB e AA, do acórdão proferido nos autos, que se confirma.

Custas a cargo dos arguidos/recorrentes fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 3 UCs (três unidades de conta) - Artigos 513º, nº1 do Código de Processo Penal e 8º, nº9, do Regulamento das custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma.


            (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

                                               Coimbra, 11-06-2025      

Os Juízes Desembargadores

Fátima Sanches (Relatora)

Capitolina Fernandes Rosa (1ª Adjunta)

Helena Lamas (2ª Adjunta)

 (data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)


           


[1] Relativamente ao recurso interposto pelo arguido AA, o Ministério Público juntou requerimento em que justifica a sua posição de não apresentar resposta no facto de o recurso ser limitado a matéria cível e, por isso, não ter interesse em agir.
[2] In “Direito Penal – Parte Geral”, I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 793.
[3] “Formas de Crime”, Jornadas de Direito Penal, Lisboa: CEJ, 1983, p. 170.
[4] Op. Cit. pág. 794.
[5] Op. Cit. Pág. 795.
[6] Prolatado no âmbito do processo nº07P1024, relator: Cons.º Armindo Monteiro, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[7] A matéria de facto em causa tem o seguinte teor:
1. A CC nasceu a ../../2006 e é filha de EE e de FF, residindo com a progenitora, no concelho ...;
2. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2021, a vítima CC deslocou-se com os arguidos, a pedido do arguido BB, à residência deste, sita na Urbanização ..., ..., ...;
3. Lá chegados dirigiram-se todos ao quarto do arguido BB, ao que os arguidos pediram que a vítima se sentasse na cama, o que fez;
4. Os arguidos tiraram o telemóvel da mão da vítima que se encontrava a assistir, através do mesmo, a uma aula virtual do 8º ano, e desligaram-na;
5. De seguida, os arguidos agarraram a vítima, tendo esta desferido um pontapé num deles, por forma a se soltar, sem sucesso;
6. Com recurso à força física, o arguido BB tirou a camisola da vítima ao mesmo tempo que o arguido AA lhe puxou as calças para baixo, tendo a vítima pedido que a deixassem ir embora;
7. Por forma a constranger a vítima a suportar actos de natureza sexual, contra a sua vontade, e de evitar que a mesma saísse do local, os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, agarraram a vítima nos braços e prenderam-lhe as pernas;
8. Aproveitando que a vítima se encontrava manietada em virtude da força física sobre si exercida, o arguido BB, após se despir, colocou-se em cima da vítima e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores;
9. Após, o arguido BB cedeu o seu lugar ao arguido AA que, após se despir, se colocou em cima da vítima, que continuava manietada e introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando-o em movimentos de vai vem, provocando-lhe dores;
10. Durante os factos acima descritos, os arguidos beijaram a boca da vítima e apalparam-na em zonas intimas, sendo que a vítima tentou por várias vezes com recurso aos pés que os arguidos a soltassem, sem sucesso;
11. Até à data, a vitima não tinha mantido quaisquer relações sexuais;
12. No dia seguinte, alegando que queriam pedir desculpas pessoalmente sobre o que tinha acontecido e falar com a vítima CC, os arguidos solicitaram que a mesma se deslocasse novamente à residência do arguido BB, ao que a vítima, por acreditar naqueles, acedeu;
13. Lá chegada, deslocaram-se à garagem da habitação, momento em que os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, agarraram a vítima e empurraram-na para o chão;
14. Em comunhão de esforços e intentos, os arguidos despiram a vítima, puxando as suas calças para baixo e encostaram-na a uma máquina que ali se encontrava bem como a agarraram nos braços e prenderam-lhe as pernas, por forma a constrangê-la a suportar actos de natureza sexual, contra a sua vontade;
15. O arguido BB agarrou-lhe os braços e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem;
16. Por sua vez, o arguido AA agarrou nos braços da vítima e após se despir, introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma, sem uso de preservativo, friccionando em movimentos de vai vem;
17. Durante os factos acima descritos os arguidos diziam à vítima para estar quieta bem como a beijaram na boca e apalparam-na em zonas intimas;
19. Os arguidos em todos os factos acima descritos usaram, em comunhão de esforços e intentos, da força física para obrigar a vítima a suportar os referidos actos sexuais, segurando no corpo da mesma;
21. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de, através de actos de violência, satisfazerem os seus impulsos sexuais lascivos e libidinosos, praticando os actos sexuais supra descritos na vítima CC, em comunhão de esforços e intentos, sabendo que obrigavam a mesma a manterem consigo práticas sexuais, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, de forma violenta através do recurso à força física, fazendo-se valer da superioridade física que possuíam sobre a vitima e impedindo-a assim de resistir, o que quiseram e conseguiram;
28. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária, consciente e em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que todas as supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal e, não obstante, quiseram levá-las a cabo e alcançarem os correspectivos resultados delituosos.

[8] In “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e sgts.
[9] in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, 297
[10] No mesmo sentido Maia Gonçalves (CP – Anotado e Comentado 12ª Edição, página 429).
[11] Prolatado no âmbito do processo nº13/09.7TALSA.C1.S1, relator: Cons.º Arménio Sottomayor, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[12] In DR Iª Série, nº 179, de 3/08/1999
[13] Prolatado no âmbito do processo nº512/04.7TAACB.C1, relator: Belmiro Andrade, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[14] Prolatado no âmbito do processo nº408/15.7JABRG.G1.S1, relator: Cons.ª Isabel Pais Martins, disponível para consulta em www.dgsi.pt
Em igual sentido o acórdão do STJ de 31-01-1996, prolatado no âmbito do processo nº048157, relator: Cons.º Pedro Marçal, igualmente disponível em www.dgsi.pt