Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2041/24.T9VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÁTIMA SANCHES
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
ELEMENTOS TÍPICOS DA CONTRAORDENAÇÃO
NEGLIGÊNCIA
ERRO SOBRE A ILICITUDE
ESCOLHA E MEDIDA DA SANÇÃO APLICADA
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 05/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ALÍNEAS A), C) E D) DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º, ARTS 31º, Nº 5, ALÍNEAS C) E D) E 59.º, N.º 2, AL. K) E N.º 4, AL. B), TODOS DO REGIME DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA (REASP) – LEI N.º 34/2013, DE 16 DE MAIO; ARTS 31º, Nº 5, ALÍNEAS C) E D) E 59.º, N.º 2, AL. K) E N.º 4, AL. B), DA LEI Nº 34/2013 DE 16-05; ARTIGO 100º, Nº 2, ALÍNEA A), DA PORTARIA Nº 273/2013 DE 20-08; ARTIGOS 17.º, N.º 4, 58.º, N.º1, ALÍNEAS B) E C), 62.º, N.º 1 E 64º, Nº 2 DO RGCO; ARTS 374.º E 379.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Sumário: 1 - Nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação sobre a existência de sistema de videovigilância, sobre a entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença e sobre o responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.

2 - Nas farmácias e nos postos de abastecimento de combustível é obrigatório adoptar o sistema de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens.

3 - Os requisitos exigidos pelo artigo 58º do RGCO visam garantir que o destinatário da decisão administrativa exerça, de forma cabal, os seus direitos de defesa e tal mostra-se assegurado sempre que aquela decisão, ao nível da fundamentação de facto, contenha “a descrição dos factos imputados”.

4 - A decisão administrativa proferida nos presentes autos, embora não prime pelo rigor técnico, contém os elementos imprescindíveis para a caracterização da atuação negligente da arguida, não afectando as garantias de defesa, nem dificultando o exercício do direito de impugnação judicial.

5 - Com efeito, a arguida, por via da impugnação judicial que oportunamente deduziu, revelou perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e a que títulos o foram.

6 - Em sede de decisão administrativa não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial.

7 - Não se pode admitir que a arguida/recorrente não tinha consciência da ilicitude da sua conduta, na medida em que tendo um sistema de videovigilância por imposição legal, sabia necessariamente que teria que cumprir com as regras referentes ao seu funcionamento.

8 - Mas mesmo que se concluísse que existia falta de consciência da ilicitude, aquela seria sempre censurável (cf. artigo 9.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações), já que se trata de requisitos legais específicos, restringidos a certas áreas de atividade como um posto de abastecimento de combustível, sendo também certo que esta legislação em concreto já está em vigor há vários anos.

Decisão Texto Integral:

            Acordam os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. RELATÓRIO

1. No processo de contraordenação com o n. º...21, a Secretaria Geral da SGMAI aplicou a "A..., S. A.”, a coima de €7 500,00 (sete mil e quinhentos euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31º, nº 5, alíneas c) e d) da Lei nº 34/2013 de 16-05 conjugado com o artigo 100º, nº2, alínea a) da Portaria nº273/2013 de 20-08.

2. Não se conformando com essa decisão administrativa, a arguida impugnou-a judicialmente, dando origem aos autos com o NUIPC2041/24.3T9VIS, tendo sido proferido despacho, ao abrigo do disposto no artigo 64º nº2 do RGCO, cujo dispositivo é o seguinte (transcrição):

«De harmonia com o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso de contraordenação apresentado pela recorrente A..., S.A. e em consequência, decide-se

a) Condenar a arguida A... S.A. pela prática da contraordenação grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 31.º, n.º 5, al.. c) e d) e ainda artigo 59.º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b), ambos do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) – Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, conjugado com o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto, a título de negligência (artigo 17.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações), na coima de 3.750,00 € (três mil setecentos e cinquenta euros).

b) Condenar a recorrente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) U.C.»

3. Inconformada, a arguida "A..., S. A.”, interpôs o presente recurso, concluindo assim a respetiva motivação e petitório (transcrição):
            «1.ª - A douta decisão recorrida, ao ter julgado parcialmente procedente o recurso oportunamente apresentado pela ora recorrente e ao tê-la condenado pela prática de uma contra-ordenação, p. p. pelo art.º 31.º, n.º 5, al. c) e d) e 59.º, n.º 2, al. k e n.º 4, al. b) do Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada (REASP), na coima de € 3.750,00, procedeu a uma errada interpretação e aplicação da lei;
2.ª - A decisão condenatória administrativa e a douta sentença proferida violaram o disposto nas alíneas b) e c) do n.º1 do art.º 58.º do R.G.C.O. e art.º 374.º e 379.º do Código de Processo Penal, por manifesta falta de fundamentação.
3.ª - A douta sentença recorrida desconsiderou em absoluto os factos e circunstâncias alegadas e provadas documentalmente pela arguida/recorrente.
4.ª - Da análise do elenco de factos provados e não provados nada consta quanto à contratação da empresa certificada para a instalação do sistema de videovigilância por parte da arguida/recorrente, como nada se fez constar quanto à emissão por aquela da respectiva declaração de conformidade do sistema, apesar do documento junto aos autos.
5.ª - O Tribunal ‘a quo’, ao não determinar a verificação ou não verificação de factos que se mostrem relevantes para o processo, está a omitir um dos aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade por violação do disposto no art.º 379.º, n.º 1 al. a) do C.P.P. – nulidade que se invoca.
6.ª - A factualidade imputada à arguida também não preenche os tipos objectivo e subjectivo do ilícito pelo qual vem condenada e a douta sentença recorrida nada refere quanto a este último.
7.ª - Sem que se mostre preenchido o tipo subjectivo, não pode formular-se um juízo de censura e desvalor dos factos cuja autoria são atribuídos à ora recorrente;
8.ª - A decisão recorrida é falha (também) na demonstração do preenchimento da negligência do tipo e da negligência da culpa, não podendo aceitar-se que se concretize em formulações vagas e conclusivas, como as vertidas na decisão, segundo a qual o comportamento da arguida foi “desfasado do tipo de atuação que um explorador e responsável pelo referido estabelecimento comercial deve adotar.”
9.ª - A decisão recorrida não alude ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo – o que, só por si, determina a absolvição da recorrente.
10.ª - A recorrente recorreu a uma empresa certificada para a instalação das câmaras de videovigilância no seu estabelecimento.
11.ª - O art.º 31.º, n.º 1 do REASP estabelece um conjunto de imposições aplicáveis às ‘entidades titulares de alvará ou licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art.º 3.º podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objectivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área de administração interna’.
12.ª - Não consta de nenhum número, nem de nenhuma alínea do citado artigo que tais deveres/imposições recaem também sobre a entidade obrigada a contratar os serviços de videovigilância.
13.ª - A arguida não é uma entidade titular de alvará ou licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art.º 3.º do REASP, não sendo, por isso, responsável pela afixação das informações alegadamente omitidas. Aliás,
14.ª - De acordo com o art.º 1.º do REASP, a Lei 34/2013, de 16 de Maio, ‘estabelece o regime do exercício da actividade de segurança privada e da organização dos serviços de autoproteção’.
15.ª - A arguida não se dedica ao exercício da actividade de segurança privada e organização de serviços de autoproteção. Consequentemente,
16.ª - O Regime de Exercício da Actividade de Segurança privada não lhe é aplicável, não tendo a arguida incorrido na prática de qualquer contra-ordenação. Por outro lado,
17.ª - A empresa responsável pela instalação de câmaras de videovigilância emitiu uma declaração de conformidade do sistema, inculcando na recorrente a convicção de que as exigências legais e regulamentares estavam observadas. Com efeito,
18.ª - Ao ter solicitado a prestação de tal serviço a empresa certificada, acreditou a arguida, legitimamente e de boa-fé, que a empresa por si contratada agiria em conformidade com todas as exigências legais, tanto na instalação das câmaras como no aviso colocado nas suas instalações. Assim,
19.ª - Se erro houve por parte da aqui impugnante deve ter-se por desculpável, o que consubstancia erro sobre a ilicitude e, consequentemente, ausência de culpa na actuação da ora recorrente, circunstância que também determina a absolvição da arguida/recorrente.
20.ª - Na eventualidade de se entender que a arguida incorreu na prática da contra-ordenação imputada, deverá a coima que lhe foi aplicada – inadequada, excessiva e manifestamente desproporcionada – ser substituída pela sanção de admoestação, por estarem verificados os pressupostos enunciados no art.º 51.º do R.G.C.O.
21.ª - Na eventualidade de assim se não entender, atendendo à culpa diminuta da arguida, à inexistência de benefício económico, à ausência de antecedentes contra-ordenacionais, à conduta anterior da arguida (contratação de empresa especializada para aplicação do sistema de videovigilância) e à conduta posterior da mesma (a arguida requereu de imediato que a empresa responsável pela instalação do sistema de videovigilância desse cumprimento à afixação da informação a que alude a alínea c) do n.º 5 do art. 31.º), sempre se dirá que a atenuação especial da coima nos termos do disposto no art.º 59.º, n.º 9 do REASP é a sanção mais ajustada e proporcionada ao caso dos autos.
22.ª - Sendo certo que a pena especialmente atenuada cumprirá as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sanção que deverá ser aplicada para eventualidade de se concluir pela existência de contraordenação a título de negligência, e caso se conclua que a pena de admoestação não satisfaz os requisitos a que alude o art.º 51.º do R.G.C.O..
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e por via disso:
a).- Ser julgada provada e procedente a nulidade invocada e, em consequência, ser ordenado o arquivamento dos autos;
Para a hipótese de assim se não entender,
b).- Deverá ser revogada a douta sentença recorrida, pois que a recorrente não incorreu na prática da contraordenação pela qual foi condenada
Ainda para a hipótese de assim se não entender,
c).- Concluindo-se pela prática da contraordenação, deverá a sanção aplicada ser revogada (por inadequada, excessiva e por manifesta desproporcionalidade) e substituída por simples admoestação, atendendo à reduzida gravidade, à culpa diminuta da impugnante, bem como à inexistência de qualquer benefício económico e antecedentes contraordenacionais de idêntico teor.
Ainda para a hipótese de assim se não entender,
d).- Caso se conclua que a admoestação não é aplicável aos presentes autos, atendendo à culpa diminuta da arguida, à inexistência de benefício económico à ausência de antecedentes contraordenacionais, à conduta anterior da arguida (contratação de empresa especializada para aplicação do sistema de videovigilância) e à conduta posterior da mesma (a arguida requereu de imediato que a empresa responsável pela instalação do sistema de videovigilância desse cumprimento à afixação da informação a que alude a alínea c) do n.º 5 do art.º 31.º), sempre se dirá que a atenuação especial da coima, nos termos do disposto no artigo 59º nº9 do REASP, é a sanção mais ajustada e proporcionada ao caso dos autos.»

4. O Ministério Público respondeu à motivação da Recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões (transcrição):

«1) Tribunal a quo apreciou, previamente, a invocada nulidade por falta de fundamentação da decisão administrativa, que julgou improcedente.

2) No caso dos autos, analisado o teor da decisão administrativa, no seu todo, concluímos que, um homem médio, em face da mesma, compreende o seu sentido, bem como os seus motivos, designadamente o comportamento que é imputado, que o mesmo é imputado a título de negligência, e qual a prova em que tal se sustenta

3) Sendo suficiente a fundamentação da decisão administrativa à luz do critério exposto, pelo que somos de entender ser de concluir pela improcedência da nulidade invocada da decisão administrativa.

4) Da douta decisão recorrida, resulta que dela consta a enumeração dos factos provados e não provados, e dos meios de prova que os fundamentam.

5) Entendemos não ocorrer qualquer nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo, pelo que deverá, nesta parte, ser improcedente o recurso interposto.

6) No Despacho em crise há pronúncia/decisão expressa sobre a questão suscitada pela arguida recorrente e que está indicada no preâmbulo do despacho em crise.

7) Pronunciou-se relativamente à concreta questão suscitada pela arguida recorrente, no que se refere quanto à contratação da empresa certificada para a instalação do sistema de videovigilância por parte da arguida/recorrente.

8) Ainda que no despacho em crise não tenha dado como provado esse facto relativo, o qual se afere do documento 1, junto aos autos a fls. 42, o tribunal a quo não deixou se pronunciar de forma expressa acerca da relevância desse facto.

9) Pelo que somos de entender que não está verificada a nulidade por omissão de pronúncia.

10) Não temos dúvidas que o facto 1 se reconduz aos elementos objetivos da contraordenação imputada e o facto 2 se reconduz aos elementos subjetivos da contraordenação imputada (negligência).

11) Pelo que resultou provado nos autos, o comportamento da arguida/recorrente reconduz-se à negligência.

12) A arguida/recorrente exerce atividade profissional e comercial, mediante a exploração de um posto de combustível.

13) Prescreve ainda o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto que «As farmácias e os postos de abastecimento de combustível devem adotar os seguintes sistemas de segurança obrigatórios: a) Sistema de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens.»

14) Pelo que, somos de entender que bem andou o tribunal a quo julgar aplicável à arguida recorrente o REASP.

15) A arguida “A... S.A.” foi condenada pela prática de uma contraordenação classificada de grave.

16) Esta classificação legal da contra-ordenação (grave) em causa afasta desde logo a possibilidade da aplicação da medida de admoestação, prevista no artigo 51º, do RGCO.

17) A circunstância de o tribunal a quo ter considerado a conduta negligente isso apenas faz cair a culpa de “muito grave” para “menos grave”, mas não é considerada por si só diminuta ou reduzida.

18) Pelo que inadmissível será de aplicar a sanção de admoestação.

19) Entende-se não estarem verificados os pressupostos da atenuação especial, porquanto nos autos inexistem quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do ilícito que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.

20) Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se os termos da decisão recorrida.»

5. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, subscrevendo o teor da resposta acima mencionada.

            6. Não foi apresentada resposta a este parecer e, efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal.

            II. FUNDAMENTAÇÃO

            1. Delimitação do objeto do recurso.

            Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal[1], e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

            Note-se que tais disposições se mostram aplicáveis ao Processo contraordenacional, por força do disposto no artigo 41º nº1 do RGCO.

            Assim, o Tribunal de Recurso conhece apenas da matéria de Direito, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as enumeradas supra, mormente as nulidades da sentença e os vícios elencados no artigo 410º do Código de Processo Penal.

            Atentas as conclusões formuladas pela Recorrente as questões a decidir são as seguintes:

            – Saber se ocorre nulidade da decisão administrativa, decorrente da violação do disposto no artigo 58º do RGCO e nulidade da decisão recorrida nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea a) do Código de Processo Penal – [conclusões 1.ª a 5.ª]

            – Saber se se mostram, ou não preenchidos os elementos típicos da contraordenação por que a Recorrente foi condenada [conclusões 6.ª a 17.ª]

            – Saber se ocorre erro sobre a ilicitude [conclusões 18.ª a 19.ª]

            – Escolha e medida da sanção aplicada - [conclusões 20.ª a 22.ª]

           

            2. Da decisão recorrida.

O Despacho recorrido (já que a decisão em recurso foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 64º nº2 do RGCO) tem o seguinte teor (transcrição):

            «2.1. Da nulidade da decisão (artigo 374.º, n.º 2 Código de Processo Penal)

Nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações) para integração de lacunas é subsidiariamente aplicável a lei processual penal.

E nessa medida estabelece o artigo 62.º, n.º 1 do mesmo diploma que «recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação.»

Dispõe o artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações) que «a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias».

Esta norma estabelece assim, os elementos e requisitos que a decisão condenatória da autoridade administrativa deve conter, em paralelismo com o estabelecido no artigo 374.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

O citado artigo 58.º, n.º 1 tem também paralelismo com os requisitos de concretização exigidos para a acusação em processo penal - artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal - que refere «A acusação contém, sob pena de nulidade: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;»

A fundamentação exigida para uma decisão condenatória efetuada por uma autoridade administrativa é menor por comparação com uma sentença penal, a qual exige, necessariamente, um maior rigor ao nível da explicação do raciocínio logico efetuado até à formulação de juízo condenatório[2].

Tais requisitos (os do artigo 58.º, n.º 1 referido) visam, salvaguardar a possibilidade de um cabal e efetivo exercício dos direitos de defesa, o qual só existirá se ao visado pelo procedimento contraordenacional for possibilitado um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados[3].

Ou seja, exige-se que a decisão administrativa seja condicionada por mínimos de concretização.

No caso dos autos, analisada a fundamentação da decisão administrativa e descrição dos factos da mesma, resulta não assistir razão à recorrente porquanto a mesma se mostra suficientemente fundamentada, mormente cumprindo o preceituado no artigo 58.º, do Regime Geral das Contraordenações.

Em face do exposto, julga-se improcedente a nulidade arguida. 
*

Não existem outras nulidades ou questões prévias a apreciar.
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3. Fundamentação

Matéria de Facto provada:

1. No dia 12-10-2021, pelas 15:15 horas, no posto de abastecimento de combustível, sito na Quinta ... – ..., em ..., com sistema de videovigilância em funcionamento, encontravam-se afixados, em diversos locais do exterior e interior, avisos da existência de sistema de videovigilância, sem fazer menção à entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença, e ao responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.

2. O comportamento da arguida, através do seu representante, apresentou-se pouco zeloso, diligente e desfasado do tipo de atuação que um explorador e responsável pelo referido estabelecimento comercial deve adotar. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente sabendo que que ao agir como o fez não observou os deveres de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
*

Factos não provados:

Inexistem.
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Motivação:

O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada tendo em conta o que resulta do auto de notícia de fls. 9/12, factualidade essa que convergiu na factualidade inserta na decisão administrativa impugnada, a qual, no que concerne à matéria de facto supra, não é posta em causa pela arguida/recorrente.

Note-se que se o Tribunal opta pela decisão por «simples despacho», prevista no artigo 64.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contraordenações, no que concerne à matéria de facto, é porque entende que sobre a matéria relevante para a decisão, o processo já fornece todos os elementos necessários, encontrando-se a mesma já estabilizada[4].

A conduta da arguida reconduz-se à não adoção do cuidado a que estava obrigada no exercício da atividade por si desenvolvida e como tal ao cumprimento da legislação em vigor, de que poderia ser capaz.
*

Fundamentação de Direito

Assente que está a matéria de facto, cumpre agora proceder ao seu enquadramento jurídico.

Por decisão da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), foi a arguida/recorrente A..., S.A., NUIPC ...80, com sede na Praça ..., ... ..., condenada pela prática da contraordenação grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 31.º, n.º 5, al.. c) e d) e ainda artigo 59.º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b), ambos do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) – Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, conjugado ainda com o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto, na coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).

O artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada – doravante REASP), estabelece o objetivo e âmbito da citada lei, prescrevendo que «1 - A presente lei estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e da organização de serviços de autoproteção. 2 - A presente lei estabelece ainda as medidas de segurança a adotar por entidades, públicas ou privadas, com vista à proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes.»

Dispõe o artigo 31.º do REASP, sob a epígrafe «Sistemas de videovigilância»:

«1 - As entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 3.º podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objetivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna. (…)

5 - Nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação sobre as seguintes matérias:

a) (Revogada.)

b) A menção «Para sua proteção, este local é objeto de videovigilância»;

c) A entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção o nome e alvará ou licença;

d) O responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.»

De acordo com o disposto no artigo 59.º, n.º 2, al. k) do REASP, trata-se de uma contraordenação grave, à qual corresponde uma coima entre 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros e 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros), isto nos termos do n.º 4, al. b) do mesmo artigo.

Por último prescreve ainda o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto que «As farmácias e os postos de abastecimento de combustível devem adotar os seguintes sistemas de segurança obrigatórios: a) Sistema de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens.»

Voltando ao caso dos autos, cumpre aferir se o recorrente violou ou não as normas supra referidas.

Como tal, daquilo que resulta da factualidade provada, mostra-se preenchido o elemento objetivo da contraordenação, isto é, a falta de menção à entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença, e ao responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos. Aliás quanto a esta matéria a mesma não é sequer colocada em crise pela recorrente pelo que não merecerá maiores considerações.

Quanto ao elemento subjetivo:

Nos termos do estabelecido no artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.»

No artigo 59.º, n.º 8 do REASP é expressamente prevista a punibilidade da tentativa e da negligência.

O dolo consiste genericamente, no conhecimento e vontade de praticar o facto e reveste qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º, do Código Penal, aplicável ex vi, artigo 32.º, do Regime Geral das Contraordenações, a saber: dolo direto (o agente representa o facto que preenche o tipo e atua com intenção de o realizar), o dolo necessário (o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta) e o dolo eventual (o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e atua conformando-se com aquela realização).

Por outro lado, a negligência consiste sempre numa atuação do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (cf. artigo 15.º, do Código Penal igualmente aplicável ex vi artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações).

Daquilo que resultou provado nos autos, o comportamento da arguida/recorrente reconduz-se à negligência, pois que, «o comportamento da arguida, através do seu representante, apresentou-se pouco zeloso, diligente e desfasado do tipo de atuação que um explorador e responsável pelo referido estabelecimento comercial deve adotar. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente sabendo que que ao agir como o fez não observou os deveres de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz».

Como tal face aos factos e ao atrás referido conclui-se que a recorrente praticou a contraordenação grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 31.º, n.º 5, al.. c) e d) e ainda artigo 59.º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b), ambos do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) – Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, conjugado ainda com o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto, a título de negligência (cf. artigo 59.º, n.º 8 do REASP).
*

Quanto à questão levantada pela recorrente em sede de impugnação referente ao «Erro sobre a ilicitude»

Ainda que não tenha sido produzida prova, por terem sido notificados os sujeitos processuais nos termos do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações, mas ainda que o alegado pela recorrente, nesta matéria, nomeadamente que acreditava que a instalação das câmaras  de videovigilância cumpria todas as exigências legais, uma vez que contratualizou o serviço a uma empresa firmada e credível no setor da segurança privada,  resultasse provado, nenhuma relevância teria.

Veja-se.  

Uma vez que a arguida/recorrente exerce atividade profissional e comercial, mediante a exploração de um posto de combustível, tendo conhecimento da legislação aplicável e tendo capacidade para atuar de outra forma, considera-se que inexiste qualquer situação de erro a apreciar como previsto nos artigos 8.º n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações e 16.º e 17.º do Código Penal.

Sendo, portanto irrelevante um alegado/eventual desconhecimento do dever que sobre a arguida recaia (ter em diversos locais do exterior e interior do estabelecimento, avisos da existência de sistema de videovigilância, sem fazer menção à entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença, e ao responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos), pois a arguida/recorrente podia e devia saber de tal dever inerente ao funcionamento de tal sistema de videovigilância de que tira proveito no seu estabelecimento comercial.

Importa referir ainda e, não menos relevante, que (contrariamente ao argumentado pela arguida/recorrente e salvo o devido respeito) a alegada contratação de uma entidade vocacionada para assegurar os procedimentos relativos à instalação do sistema de videovigilância, não releva para a decisão da causa em apreço. Tal situação reportar-se-á a um eventual incumprimento contratual de um terceiro relativamente à arguida, a discutir em sede de eventual responsabilidade civil, não consubstanciando assim causa de exclusão da responsabilidade contraordenacional desta.

Sendo a arguida/recorrente a proprietária daquele estabelecimento comercial de fornecimento de combustíveis, dotado de um sistema de videovigilância, recaía sobre si a respetiva responsabilidade de zelar (por si só ou por intermédio de outrem) pela observância das respetivas normas inerentes ao funcionamento desse sistema de videovigilância[5].

Igualmente não se pode referir que a arguida/recorrente não tinha consciência da ilicitude da sua conduta, na medida em que tendo um sistema de videovigilância por imposição legal, sabendo necessariamente que teria que cumprir com a regras referentes ao seu funcionamento. Mas mais, mesmo que não se entendesse deste modo e se concluísse que existia falta de consciência da ilicitude, aquela seria sempre censurável (cf. artigo 9.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações), já que se trata, como se disse, de requisitos legais específicos, restringidos a certas áreas de atividade como um posto de abastecimento de combustível, sendo também certo que esta legislação em concreto já está em vigor há vários anos.

Com efeito, «este juízo de censura característico do direito contraordenacional não contempla a «atitude ético-reprovável do agente», assentando antes na «responsabilidade social pela evitação da conduta infratora», isto é, «a censurabilidade da culpa do agente mede-se pela sua responsabilidade social pela evitação da conduta infratora e não pela sua atitude interna, ao invés do que sucede no âmbito do direito penal»[6].

De facto, «a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude é passível de ser aferida através da análise de elementos como a experiência profissional do agente e a inserção no círculo de atividade em que labora, o critério do esforço de reflexão e de informação exigível ao papel social ou à disponibilidade de conhecimento ou capacidade de acesso ao regime legal em vigor.[7]» 

Por conseguinte e não relevando esta matéria para efeitos daquela responsabilidade contraordenacional da arguida/recorrente, não se verifica qualquer erro sobre a ilicitude.
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Da sanção a aplicar

Conforme já supra se referiu, nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 31.º, n.º 5, al. c) e d) e ainda artigo 59.º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b), ambos do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) – Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, conjugado ainda com o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto, a contraordenação cometida pela recorrente é punível com coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros).

Foi aplicada pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna à recorrente, a coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), pela prática da contraordenação já supra mencionada, contraordenação essa classificada como grave.

Ora, tratando-se de um comportamento negligente, a moldura aplicável, tal como estabelecido no artigo 59.º, n.º 4, qual seja entre 7.500,00 € e 37.500,00 € é reduzida a metade nos seus limites máximo e mínimo, ainda que o artigo 17.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações se referida apenas ao limite máximo, isto porque se entende que «A aplicação de coimas fixas, sem qualquer possibilidade de graduação em função das circunstâncias do caso concreto, contraia frontalmente os princípios que regem o direito penal e o direito contra-ordenacional. O artigo 17.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações, que prevê a redução do montante máximo da coima quando na decisão não se distinga o comportamento doloso do negligente, deverá ser alvo de uma interpretação extensiva, em nome da coerência do sistema jurídico e em benefício do condenado, reduzindo-se a metade também o valor mínimo da coima aplicável[8] ».

Assim sendo, a moldura aplicável ao caso seria de 3.750,00 € a 18.750,00 €.

Preceitua o artigo 18.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações que «A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.»

Como tal, a gravidade da contraordenação, que «resulta da respetiva ilicitude definida em função da maior ou menor desconformidade dos factos relativamente aos comandos derivados do ordenamento jurídico»[9].

No caso, afigura-se média a ilicitude da contraordenação.

A culpa «(…) não pode deixar de integrar um juízo de censura, dirigido ao agente, pelo facto de, tendo podido agir em conformidade com os seus deveres do cidadão, o não ter feito. Nesta sede, a que voltaremos, já expressámos as virtualidades e os defeitos como foi perspetivado.»

O benefício económico deve ser entendido como «(…) todo o proveito económico que não ocorreria no património do agente se este tivesse adotado a conduta que o ordenamento lhe impunha e não tivesse contrariado a ação administrativa.[10]» 

Do que resultou dos autos, a arguida/recorrente agiu na forma negligente e não se apurou qualquer benefício económico derivado da prática da contraordenação em causa.

Assim, e considerando que se desconhece antecedentes contraordenacionais à arguida, afigura-se ajustado, adequado e proporcional aplicar à arguida uma coima no mínimo legal de 3.750,00 € (três mil setecentos e cinquenta euros).
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Da atenuação especial:

Dispõe o n.º 9 do artigo 59.º do REASP que nas situações em que houver lugar à atenuação especial da sanção, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.

Inexistindo norma expressa no Regime Geral das Contraordenações sobre os pressupostos da atenuação especial, a jurisprudência tem entendido que se aplica o artigo 72.º do Código Penal[11].

No caso concreto, entende-se não estarem verificados os pressupostos da atenuação especial, porquanto nos autos inexistem quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do ilícito que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente, que in casu foi considerada no patamar mínimo (negligencia).
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Da aplicação de uma admoestação

No seu requerimento de impugnação da decisão administrativa, a recorrente pugna pela aplicação de uma simples admoestação, em substituição da sanção aplicada, atendendo à reduzida gravidade e culpa diminuta da impugnante, bem como, à inexistência de qualquer benefício económico por parte desta.

Dispõe o artigo 51.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro “quando a reduzida gravidade da infração e a culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.

O Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) não prevê expressamente a aplicação de admoestação mas, ainda assim, não se pode considerar que a mesma não tem aplicabilidade, pois que para além de o legislador não a ter afastado expressamente, não há razões para que este tipo de contraordenações tenham um regime mais severo, nesta matéria, do que o aplicável para os crimes.

Assim, configurando-se a admoestação como uma verdadeira pena de substituição a mesma impõe como requisitos cumulativos de aplicação a reduzida gravidade da contraordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.

A gravidade da contraordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.

Para aferir da reduzida gravidade da infração, desde logo um fator a ter em consideração é a classificação da contraordenação como leve, ou ainda pela previsão de aplicação de coimas reduzidas[12].

Ou seja, «Constituindo a admoestação a menos grave das sanções previstas no nosso ordenamento jurídico, quer penal, quer contraordenacional, parece-nos evidente que a possibilidade da sua aplicação, nos termos previstos no artigo 51º do RGCO, estará reservada às contraordenações leves.[13]»

Considerando que a referida contraordenação, tal como já supra se referiu, no que se refere à sua classificação, encontra-se graduada como grave[14] (cf. artigo 59.º, n.º 2, al. k) do REASP, e não se considerando assim reduzida a gravidade da infração e da culpa da recorrente, entende-se não ser de aplicar ao caso concreto a substituição da sanção por admoestação.»

            3. Apreciação do recurso.

            No âmbito do recurso contraordenacional, o Tribunal da Relação posiciona-se como o Supremo Tribunal de Justiça se posiciona no processo penal, ou seja, funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito, exceção feita para os casos em que para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, oficiosamente, ou seja, por sua iniciativa, decida conhecer dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2 do Código de Processo Penal.

Como bem se salienta no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de abril de 2012[15] (remetendo-se para a breve, mas esclarecedora, referência ao nascimento e evolução do direito das contraordenações que aí é feita):

 “O regime geral das contraordenações e coimas [DL n.º 433/82 de 27-10] apresenta uma nítida autonomia face ao Código Penal, decorrente da valoração e opção política do legislador em resultado da diversidade ontológica entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, da natureza da censura ético-penal correspondente a cada um e da distinta natureza dos órgãos decisores.”

            Tal distinção reflete-se sobremaneira no que concerne ao princípio da culpa.

            Como bem assinala o Prof. Augusto Silva Dias[16], “O princípio da culpa no direito das contra-ordenações conhece uma maior flexibilidade dogmática e probatória relativamente ao direito penal”.

Com efeito - sustenta o mencionado Autor - “Para esta flexibilidade concorre a circunstância de o parâmetro normativo no Direito das Contra-Ordenações ser constituído pelo papel social: no centro da imputação subjectiva e da censura estão as representações, procedimentos e comportamentos típicos do papel em cada sector da actividade económica e social: o empresário, o contribuinte, o condutor, o intermediário financeiro, etc., diligentes e criteriosos. O papel é densificado mediante o conjunto de deveres, práticas e usos que regulam o exercício de cada sector de actividade e se espera que cada participante cumpra ou adopte (...). No plano da imputação subjectiva, em particular na negligência, o papel fornece o padrão de cuidado cujo incumprimento constitui o desvalor da acção. No plano da culpa, a censura tem o sentido de uma admonição ou reprimenda social, de um “... mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas” (...) e o conteúdo ou objecto da censura é o desempenho defeituoso do papel, ou seja, o desvio relativamente ao procedimento-padrão no sector da actividade em causa (...). A intensidade da reprimenda variará consoante esse desvio seja maior ou menor”.

Nesta linha de pensamento tem-se pronunciado o Tribunal Constitucional, citando-se, a título de exemplo, o Acórdão nº 336/2008, de 19/06/2008[17], no qual se afirma:

“(…) existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 144-152, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).

A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.

É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contraordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).

Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das contra-ordenações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio concurso de infracções (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit., pág. 150).

Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).

(...)

Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social."

Efetuado este enquadramento geral centrado na autonomia do ilícito de mera ordenação social em face do ilícito penal que nos parece fundamentar ter em consideração, atento o objeto do recurso, revertamos ao caso em apreço.

3.1.Da nulidade da decisão administrativa e do despacho recorrido.

3.1.1. - Nulidade da decisão administrativa, decorrente da violação do disposto no artigo 58º do RGCO

Insurge-se a Recorrente contra aquilo que considera ter sido uma violação do disposto no artigo 58º do RGCOC, uma vez que, compulsado o teor da decisão administrativa proferida nos autos (acima transcrita), dela não constam os elementos exigidos pela lei, concretamente, pelo artigo 58º do RGCO, redundando tal omissão em nulidade da mesma decisão.

Considera que da mesma decisão não constam quaisquer factos suscetíveis de integrar o elemento subjetivo, não sendo legítimo concluir por uma forma de culpa sem qualquer substrato factual para tal. Concretizando, a autoridade administrativa concluiu por uma atuação a título negligente, sem que da decisão constem factos suscetíveis de integrar o elemento subjetivo consubstanciado nessa modalidade de culpa.

Desta nulidade conheceu o tribunal a quo em sede de despacho ora objeto de recurso, julgando-a improcedente.

Adere-se, na íntegra, a essa decisão e aos respetivos fundamentos, que se dão aqui por reproduzidos remetendo para a transcrição supra.

Acresce que.

Estabelece o artigo 58º do RGCO que:

1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) A coima e as sanções acessórias.

2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:

a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;

b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

3 - A decisão conterá ainda:

a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;

b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”

A Recorrente não põe em causa que constam da decisão administrativa todos os elementos elencados, à exceção do mencionado na alínea b) do nº 1, pois considera que a mesma não descreve os factos imputados suscetíveis de integrar o elemento subjetivo, mostrando-se, assim, infundamentada.

Não obstante, a decisão cumpre as exigências legais, também, em nosso entender, no que se reporta àquela alínea b) do nº1.

Mesmo no que tange ao elemento subjetivo, a decisão explana como, a partir dos factos objetivos e concatenando-os com as regras de experiência comum, conclui estar provado que a arguida agiu com negligência. Com efeito, ali consta que:

 “O comportamento da arguida, através do seu legal representante, apresentou-se pouco zeloso, diligente e desfasado do tipo de atuação que um explorador e responsável pelo referido estabelecimento comercial deve adotar. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente sabendo que ao agir como o fez não observou os deveres de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.

Pois embora mesmo não pretendendo cometer a infração, a arguida tinha o poder ou a possibilidade de atuar de modo diferente, por forma a impedir que ela se verificasse, isto é, podia ou tinha a possibilidade de diligenciar para que os avisos da existência de sistema de videovigilância, afixados em diversos locais do exterior e interior do estabelecimento, fizessem menção à entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença, e ao responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.

Deste modo, e na falta de elementos que permitam assacar um comportamento doloso à arguida, terá de se concluir por um comportamento negligente, dado que se mostra desfasado do tipo de atuação que um profissional daquela área normalmente avisado adotaria, revelando uma atitude interna específica da culpa negligente, ainda que inconsciente (…).

Em conformidade com o que ficou dito, considera-se que a arguida agiu com negligência, a qual se infere e decorre da materialidade fática em que se consubstancia a infração, por a culpa resultar da omissão de um dever geral de cuidado ínsito à violação da norma em causa, já que é exigível, in casu, o conhecimento e acatamento das regras legais vigentes.

A arguida ao agir da forma descrita (…) teve um comportamento negligente, uma vez que ao atuar como atuou, não procedendo com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas está obrigada e de que é capaz, agiu com o grau de culpa na forma negligente.”

Como bem assinala o Ilustre Desembargador Cruz Bucho no acórdão de 24-09-2007 do Tribunal da Relação de Guimarães[18], por si relatado, a propósito do conteúdo do dever de fundamentação que se impõe à autoridade administrativa na decisão que profere:

III – Por isso, sublinham os Consº Simas Santos e Lopes de Sousa, as exigências feitas no citado artigo 58° “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercido desses direitos” (Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pág. 387)

IV – Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que “uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença.

V – O que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa” (Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, CoI. De Jur. Ano XXV!lI, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, procº nº 1223/03, in www.trc.pt).

VI – Acresce que, devendo a fundamentação ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, no caso dos autos, a questão se reveste extrema simplicidade, não requerendo nenhuma fundamentação especial para que se torne clara para a arguida como de resto, para qualquer cidadão: foi-lhe imputado o facto de a mesma funcionar com o estabelecimento de restauração e bebidas há cerca de um ano, sem possuir a respectiva licença de utilização

VII – No caso concreto, a fundamentação da decisão é mais do que suficiente, uma vez que a arguida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e as razão por que tais factos lhe foram imputados, sendo certo, por outro lado que, é obvio, face ao seu teor, qual o processo lógico da formação daquela decisão Administrativa.”

 Assim, os requisitos exigidos pelo artigo 58º do RGCO visam garantir que o destinatário da decisão administrativa exerça, de forma cabal, os seus direitos de defesa e tal mostra-se assegurado sempre que aquela decisão, ao nível da fundamentação de facto, contenha “a descrição dos factos imputados”.

Tal descrição deve permitir ao arguido perceber qual a conduta que lhe está imputada, isto é, a sua leitura deve permitir compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais o agente é condenado, de modo a que este possa adequadamente impugnar os fundamentos dessa condenação.

Tem sido este o entendimento da jurisprudência, de que são exemplos os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Junho de 2003, (Santos Cabral Coletânea, Tomo III, pp. 40) e da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2004, www.dgsi.pt processo 2448/2004-4, Duro Mateus Cardoso) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Março de 2011, processo 583/09.0T2OBR.C1, Paulo Guerra e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4 de Abril de 2004, (www.dgsi.pt processo 483/04-1 Ribeiro Cardoso).

Ainda no mesmo sentido, também Oliveira Mendes e Santos Cabral salientam que “o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.”[19]

Com efeito, a decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal.

Na verdade, como assertivamente se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 20/06/2017[20]:

I. As exigências formais no processamento das contra-ordenações não se equiparam às do processo penal, apresentando aquelas autonomia decorrente da valoração e opção política do legislador em resultado da diversidade ontológica entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, da natureza da censura ético-penal correspondente a cada um e da distinta natureza dos órgãos decisores;

II. Apesar de, na parte relativa aos factos provados, apenas constarem os que integram o elemento objectivo da infracção, referindo a decisão administrativa na parte decisória que a arguida "... agiu com dolo, já que toda a acção ilícita foi praticada de forma voluntária e com pleno conhecimento que incumpria os requisitos estabelecidos ...", deve entender-se que da decisão administrativa constam os factos relativos ao elemento subjectivo da infracção imputada;

III. A expressão "dolo" tem um sentido claro no uso vulgar de cada cidadão para que o agente possa saber do que se trata quando uma infracção lhe é imputada a esse título, o que permite ao arguido adequada impugnação dos fundamentos da condenação e exercício dos seus direitos de defesa.”

Ora, voltando ao caso vertente, como se viu, verifica-se que na decisão administrativa consta, na parte atinente aos “factos provados”, a referência à circunstância de à arguida caber o dever de ter diligenciado e informar-se quanto à obrigação da colocação das placas informativas por força do artigo 60º-B da Lei nº 34/2013 de 16 de maio, o que não fez não acautelando, assim, aquele dever objetivo de cuidado, pelo que se considerou ter agido com negligência.

É certo que, no rigor dos princípios, estamos em presença de um tratamento conjunto de factos e de considerações de teor jurídico, sem separação rigorosa entre uns e outras como a boa técnica jurídica aconselha.

Porém, como se disse, e ora se reitera, em sede de decisão administrativa não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial.

Na verdade, a leitura atenta da decisão administrativa proferida conduz à conclusão de que, embora do ponto de vista formal a peça apresentada não prime pelo rigor técnico aborda de uma forma perfeitamente aceitável o elemento subjetivo, acabando por considerar que a arguida agiu com negligência e o porquê dessa conclusão.

Daí que se possa concluir que, sem ser modelar nesse âmbito, a decisão administrativa contém os elementos imprescindíveis para a caracterização daquela matéria atinente à atuação negligente da Recorrente, não afetando, assim, as garantias de defesa, nem dificultando o exercício do direito de impugnação judicial, uma vez que a arguida não ficou privada de apresentar os argumentos que entendesse úteis e também não ficou impedida de invocar todos os elementos de facto e de direito suscetíveis de permitirem ao tribunal a apreciação dessa matéria.

Ademais, há que sublinhar que a arguida, por via da impugnação judicial que oportunamente deduziu, revelou perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa, e a que título o foram, o que significa que a fundamentação da decisão, tal como se encontra exarada, foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa.

Assim, improcede a arguição de nulidade da decisão administrativa.

 

3.1.2. - Nulidade da decisão recorrida nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea a) do Código de Processo Penal.

Considera a Recorrente que, tendo alegado e provado documentalmente, em sede de impugnação da decisão administrativa, que contratou empresa certificada para a instalação do sistema de videovigilância e que esta emitiu declaração de conformidade do sistema e sendo tal matéria relevante, deveria a decisão recorrida ter levado à matéria de facto provada tal circunstância e que, não o tendo feito, mostra-se ferida de nulidade por falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea a) do Código de Processo Penal.

Em primeiro lugar, cabe referir que a decisão recorrida não é uma sentença, mas sim, um despacho.

Com efeito, resulta dos autos que notificados, quer o Ministério Público, quer a Arguida, para se pronunciarem quanto à prolação de decisão por simples despacho, nada foi dito ou requerido, tendo o Tribunal conhecido da impugnação por mero despacho nos termos do disposto no artigo 64º nº2 do RGCOC.

Estabelece o artigo 64º do RGCOC:

Artigo 64.º

Decisão por despacho judicial

1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.

2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.

3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.

4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.

5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação.”

Resulta expressamente do disposto no nº4 do preceito transcrito qual a exigência de fundamentação desta decisão quando, por via da mesma se altere a condenação operada pela autoridade administrativa, como é o caso dos autos.

Nesse caso, o juiz deve fundamentar a sua decisão tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.

As decisões no processo contraordenacional têm de ser fundamentadas, à semelhança do que se prevê nº nº4 do artigo 97º do C. P. P., para as decisões em processo criminal, em que se impõe que as decisões sejam fundamentadas, com especificação dos motivos de facto e de direito.

No nº4 deste artigo 64º referem-se os requisitos da fundamentação das decisões que mantenham ou alterem a condenação do arguido.

Assim, mesmo nos casos de confirmação da decisão recorrida é necessário fundamentar a decisão quanto aos factos provados, ao seu enquadramento jurídico e à graduação das sanções, efetuando uma explícita revisão da decisão condenatória, não bastando uma simples manifestação de concordância com esta.”[21]

Assim, deve entender-se que, a decisão por mero despacho, cumpridas as respetivas exigências legais para que assim seja (não oposição do Ministério Público e do Arguido e o juiz não considerar necessária a audiência de julgamento, por ser de julgar procedente alguma exceção dilatória ou perentória, ou a questão que é objeto do recurso ser apenas de direito ou, quando a questão que é objeto do recurso é de facto e o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento), deve ser fundamentada nos termos expressamente previstos no artigo 64º do RGCOC, não lhe sendo aplicáveis as exigências de fundamentação previstas para a sentenças no artigo 374º do Código de Processo Penal, e muito menos, a consequência da nulidade prevista no artigo 379º do mesmo código, preceito aplicável, apenas às sentenças.

Ora, compulsada a decisão recorrida logo se tem de concluir que a mesma cumpre aquelas exigências de fundamentação, sendo certo que, como já se assinalou, mesmo que assim não fosse, estaríamos na presença, não de nulidade com os contornos definidos no artigo 379º do Código de Processo Penal, mas perante mera irregularidade a sujeitar ao regime previsto no artigo 123º do Código de Processo Penal.

A sem razão da Recorrente é ainda mais evidente tendo em consideração que a mesma reconduz a invocada nulidade por falta de fundamentação ao facto de o Tribunal a quo não ter feito constar dos factos a circunstância por si alegada e provada documentalmente, e que reputa de relevante, de que contratou empresa certificada para a instalação do sistema de videovigilância e que esta emitiu declaração de conformidade do sistema.

É que, como bem assinala o Ministério Público na sua douta resposta, o Tribunal pronunciou-se sobre essa circunstância nos termos de infra referiremos a propósito da questão da invocada ausência de consciência da ilicitude.

Atento tudo o exposto, sublinhando que a decisão recorrida não é uma sentença, mas um despacho cuja fundamentação exigida é a que decorre do disposto no artigo 64º nº4 do RGCOC, considera-se que a mesma se mostra devidamente fundamentada, não ocorrendo a invocada nulidade da decisão judicial pelo que, também nesta parte o recurso improcede.

3.2.Do preenchimento dos elementos típicos da contraordenação por que a Arguida foi condenada.

Compulsadas as conclusões 6.ª a 17.ª, verificamos que a Recorrente se insurge contra a sua condenação nos termos constantes da decisão recorrida, uma vez que, na sua perspetiva, não se mostram preenchidos os elementos típicos constitutivos da infração.

O regime legal a ter em conta é o que segue.

 

Artigo 1.º, n.ºs 1 e n.º 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada – doravante REASP):

«1 - A presente lei estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e da organização de serviços de autoproteção.

2 - A presente lei estabelece ainda as medidas de segurança a adotar por entidades, públicas ou privadas, com vista à proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes.»

Artigo 31.º nº1 e 5 alíneas c) e d) do REASP:

«1 - As entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 3.º podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objetivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.

 (…)

5 - Nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação sobre as seguintes matérias:

(…)

c) A entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção o nome e alvará ou licença;

d) O responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.»

Artigo 59.º, n.º 2, alínea k) e nº4 alínea b) do REASP:

«2 - São graves as seguintes contraordenações:

(…)

k) O incumprimento do preceituado nos n.ºs 4 a 6 e 9 do artigo 31.º;

(…)

4 - Quando cometidas por pessoas coletivas, as contraordenações previstas nos números anteriores são punidas com as seguintes coimas

(…)

b) De 7 500 (euro) a 37 500 (euro), no caso das contraordenações graves;»

Artigo 100.º, n.º 1, alínea a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto:

«As farmácias e os postos de abastecimento de combustível devem adotar os seguintes sistemas de segurança obrigatórios:

a) Sistema de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens.»

Quanto ao elemento objetivo considera a Recorrente que não sendo uma entidade titular de alvará ou licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art.º 3.º do REASP, não é responsável pela afixação das informações alegadamente omitidas.

Ora, a Recorrente exerce atividade profissional e comercial, mediante a exploração de um posto de combustível, logo, nos termos do disposto no artigo 100º n.º 1, alínea a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto acima transcrito, é obrigatório que adote o sistema de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens.

Assim sendo, como é, também parece ser inquestionável que sobre si impende a obrigação prevista no artigo 31º nº5 do REASP.

Este dispositivo legal não nos suscita qualquer dúvida sobre quem é a entidade responsável pela afixação daquelas informações.

Se tais informações são obrigatoriamente afixadas em local bem visível nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo e se os postos de combustível são locais desse tipo, naturalmente o responsável por tal estabelecimento comercial é o responsável pelo cumprimento de tal obrigação.

Não temos, pois, dúvidas, quanto ao preenchimento do elemento objetivo.

Quanto ao elemento subjetivo.

Consta da decisão recorrida o seguinte:

«2. O comportamento da arguida, através do seu representante, apresentou-se pouco zeloso, diligente e desfasado do tipo de atuação que um explorador e responsável pelo referido estabelecimento comercial deve adotar. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente sabendo que que ao agir como o fez não observou os deveres de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.

(…)

Quanto ao elemento subjetivo:

Nos termos do estabelecido no artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.»

No artigo 59.º, n.º 8 do REASP é expressamente prevista a punibilidade da tentativa e da negligência.

O dolo consiste genericamente, no conhecimento e vontade de praticar o facto e reveste qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º, do Código Penal, aplicável ex vi, artigo 32.º, do Regime Geral das Contraordenações, a saber: dolo direto (o agente representa o facto que preenche o tipo e atua com intenção de o realizar), o dolo necessário (o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta) e o dolo eventual (o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e atua conformando-se com aquela realização).

Por outro lado, a negligência consiste sempre numa atuação do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (cf. artigo 15.º, do Código Penal igualmente aplicável ex vi artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações).

Daquilo que resultou provado nos autos, o comportamento da arguida/recorrente reconduz-se à negligência, pois que, «o comportamento da arguida, através do seu representante, apresentou-se pouco zeloso, diligente e desfasado do tipo de atuação que um explorador e responsável pelo referido estabelecimento comercial deve adotar. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente sabendo que que ao agir como o fez não observou os deveres de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.»

Em face da decisão assim transcrita, também se nos afigura não serem legítimas quaisquer dúvidas sobre o preenchimento do elemento subjetivo, este agora expresso em sede de factos provados com correção (tendo em conta o que constava a decisão administrativa) como resulta do texto “A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente sabendo que que ao agir como o fez não observou os deveres de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.”

Mostram-se, pois, preenchidos, tanto o elemento objetivo como o elemento subjetivo, constitutivos da infração por que a Recorrente foi condenada, improcedendo o recurso, também nesta parte.

3.3.Do invocado erro sobre a ilicitude.

Compulsadas as conclusões 18.ª e 19.ª, verificamos que a Recorrente se insurge contra o facto de a decisão recorrida não ter ponderado que ocorre, no caso dos autos, causa de exclusão da culpa, consubstanciada no erro sobre a ilicitude, nos termos do disposto no artigo 17º do Código Penal.

Sustenta que, ciente da obrigação de instalar no estabelecimento que explora um sistema de câmaras de videovigilância, contratou para o efeito uma empresa certificada e, emitido por parte da mesma, documento que corporiza uma declaração de conformidade do sistema instalado, acreditou que cumpria todas as exigências legais.

Atuou, assim com erro sobre a ilicitude, erro que não seria censurável, atentas as circunstâncias invocadas.

Vejamos.

A decisão recorrida pronuncia-se expressamente sobre esta questão nos seguintes termos:

«Quanto à questão levantada pela recorrente em sede de impugnação referente ao «Erro sobre a ilicitude»

Ainda que não tenha sido produzida prova, por terem sido notificados os sujeitos processuais nos termos do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações, mas ainda que o alegado pela recorrente, nesta matéria, nomeadamente que acreditava que a instalação das câmaras  de videovigilância cumpria todas as exigências legais, uma vez que contratualizou o serviço a uma empresa firmada e credível no setor da segurança privada,  resultasse provado, nenhuma relevância teria.

Veja-se.  

Uma vez que a arguida/recorrente exerce atividade profissional e comercial, mediante a exploração de um posto de combustível, tendo conhecimento da legislação aplicável e tendo capacidade para atuar de outra forma, considera-se que inexiste qualquer situação de erro a apreciar como previsto nos artigos 8.º n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações e 16.º e 17.º do Código Penal.

Sendo, portanto irrelevante um alegado/eventual desconhecimento do dever que sobre a arguida recaia (ter em diversos locais do exterior e interior do estabelecimento, avisos da existência de sistema de videovigilância, sem fazer menção à entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença, e ao responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos), pois a arguida/recorrente podia e devia saber de tal dever inerente ao funcionamento de tal sistema de videovigilância de que tira proveito no seu estabelecimento comercial.

Importa referir ainda e, não menos relevante, que (contrariamente ao argumentado pela arguida/recorrente e salvo o devido respeito) a alegada contratação de uma entidade vocacionada para assegurar os procedimentos relativos à instalação do sistema de videovigilância, não releva para a decisão da causa em apreço. Tal situação reportar-se-á a um eventual incumprimento contratual de um terceiro relativamente à arguida, a discutir em sede de eventual responsabilidade civil, não consubstanciando assim causa de exclusão da responsabilidade contraordenacional desta.

Sendo a arguida/recorrente a proprietária daquele estabelecimento comercial de fornecimento de combustíveis, dotado de um sistema de videovigilância, recaía sobre si a respetiva responsabilidade de zelar (por si só ou por intermédio de outrem) pela observância das respetivas normas inerentes ao funcionamento desse sistema de videovigilância.

Igualmente não se pode referir que a arguida/recorrente não tinha consciência da ilicitude da sua conduta, na medida em que tendo um sistema de videovigilância por imposição legal, sabendo necessariamente que teria que cumprir com a regras referentes ao seu funcionamento. Mas mais, mesmo que não se entendesse deste modo e se concluísse que existia falta de consciência da ilicitude, aquela seria sempre censurável (cf. artigo 9.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações), já que se trata, como se disse, de requisitos legais específicos, restringidos a certas áreas de atividade como um posto de abastecimento de combustível, sendo também certo que esta legislação em concreto já está em vigor há vários anos.

Com efeito, «este juízo de censura característico do direito contraordenacional não contempla a «atitude ético-reprovável do agente», assentando antes na «responsabilidade social pela evitação da conduta infratora», isto é, «a censurabilidade da culpa do agente mede-se pela sua responsabilidade social pela evitação da conduta infratora e não pela sua atitude interna, ao invés do que sucede no âmbito do direito penal».

De facto, «a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude é passível de ser aferida através da análise de elementos como a experiência profissional do agente e a inserção no círculo de atividade em que labora, o critério do esforço de reflexão e de informação exigível ao papel social ou à disponibilidade de conhecimento ou capacidade de acesso ao regime legal em vigor.» 

Por conseguinte e não relevando esta matéria para efeitos daquela responsabilidade contraordenacional da arguida/recorrente, não se verifica qualquer erro sobre a ilicitude.»

A decisão, também nesta parte, não nos merece censura.

Acresce que, compulsado o documento a que a Recorrente faz referência, do mesmo apenas consta que a empresa contratada pela Recorrente “atesta a conformidade com as normas técnicas aplicáveis aos sistemas de segurança dos seguintes equipamentos técnicos (alarme e/ou videovigilância) (…) Os quais foram vistoriados, na data de 28/09/2020 em (…)”.

Qualquer pessoa, mas sobretudo qualquer empresário na posição da Recorrente percebe perfeitamente que por via do documento em causa a empresa certificada apenas atesta que os equipamentos que instalou estão em conformidade com as normas técnicas aplicáveis aos mesmos e nada mais.

Nada no documento em causa permite desculpar à Recorrente o incumprimento da obrigação de afixação no estabelecimento que explora das informações exigidas. A empresa contratada instalou os equipamentos e responde pelo cumprimento das normas técnicas a que os mesmos estão sujeitos, relativamente à obrigação em causa nos presentes autos e que a Recorrente não cumpriu, a mesma é da sua inteira responsabilidade, não sendo a contratação da empresa em causa admissível como circunstância desculpante da sua conduta.

Em conclusão, improcede o recurso também nesta parte.

 

  3.4. – Da escolha e medida da sanção aplicada.

3.4.1. – Da substituição da coima por admoestação.

A Recorrente considera que, em face da conduta apurada nos autos, deveria a coima aplicada ter sido substituída por admoestação.

A decisão recorrida ponderou esta possibilidade afastando-a com os seguintes argumentos:

«No seu requerimento de impugnação da decisão administrativa, a recorrente pugna pela aplicação de uma simples admoestação, em substituição da sanção aplicada, atendendo à reduzida gravidade e culpa diminuta da impugnante, bem como, à inexistência de qualquer benefício económico por parte desta.

Dispõe o artigo 51.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro “quando a reduzida gravidade da infração e a culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.

O Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) não prevê expressamente a aplicação de admoestação mas, ainda assim, não se pode considerar que a mesma não tem aplicabilidade, pois que para além de o legislador não a ter afastado expressamente, não há razões para que este tipo de contraordenações tenham um regime mais severo, nesta matéria, do que o aplicável para os crimes.

Assim, configurando-se a admoestação como uma verdadeira pena de substituição a mesma impõe como requisitos cumulativos de aplicação a reduzida gravidade da contraordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.

A gravidade da contraordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.

Para aferir da reduzida gravidade da infração, desde logo um fator a ter em consideração é a classificação da contraordenação como leve, ou ainda pela previsão de aplicação de coimas reduzidas[22].

Ou seja, «Constituindo a admoestação a menos grave das sanções previstas no nosso ordenamento jurídico, quer penal, quer contraordenacional, parece-nos evidente que a possibilidade da sua aplicação, nos termos previstos no artigo 51º do RGCO, estará reservada às contraordenações leves.[23]»

Considerando que a referida contraordenação, tal como já supra se referiu, no que se refere à sua classificação, encontra-se graduada como grave[24] (cf. artigo 59.º, n.º 2, al. k) do REASP, e não se considerando assim reduzida a gravidade da infração e da culpa da recorrente, entende-se não ser de aplicar ao caso concreto a substituição da sanção por admoestação.»

Em sede de recurso, a Recorrente não aduz argumentos novos, fundamentando a sua pretensão no facto de a culpa ser diminuta, não ter retirado da prática da infração qualquer benefício económico, nem causado qualquer prejuízo a terceiro.

Como resulta do acima transcrito e, do teor literal do artigo 51º do RGCOC a circunstância de não ter retirado benefício ou causado prejuízo com a prática da infração não é pressuposto legal da aplicação de admoestação, pelo que, nesta parte, soçobra o recurso.

Por merecerem a nossa total concordância, transcrevem-se aqui as considerações tecidas na douta resposta ao recurso a propósito da questão em análise, remetendo para a Doutrina e Jurisprudência também ali citada:

«A arguida “A... S.A.” foi condenada pela prática da contraordenação grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 31.º, n.º 5, al. c) e d) e ainda artigo 59.º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b), ambos do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP) – Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, conjugado com o artigo 100.º, n.º 1, al. a) da Portaria 273/2013, de 20 de agosto, a título de negligência (artigo 17.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações), na coima de 3.750,00 € (três mil setecentos e cinquenta euros).

Esta classificação legal da contra-ordenação (grave) em causa afasta desde logo a possibilidade da aplicação da medida de admoestação, prevista no artigo 51º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, pois que objectiva e expressamente, trata-se de uma contraordenação com gravidade (neste sentido, entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018; Processo nº 2551/17.9T8ENT.E1; Relator, Dr. Gomes de Sousa, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2018, publicado no D.R nº 219/2018, Série I de 14 de Novembro de 2018; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2014, Processo nº 656/13.4TBPNF.P2; Relator Dra. Elsa Paixão; o Acórdão da Relação de Évora de 15-12-2022, disponíveis em www.dgsi.pt .

No fundo, a admoestação trata-se de uma alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples, ou seja, quando quer a gravidade do ilícito quer a culpa sejam reduzidos (cfr: PAULO PINTO de ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 222 e ss. e SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, Contra- Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2011, p. 394).

Na verdade, para a aplicação da admoestação terão de verificar-se no caso concreto, dois requisitos legais, a pouca relevância do ilícito e a diminuta culpa do agente, cumulativamente e não em alternativa um do outro. E, se neste caso concreto, resultaram provados factos relevantes relativos à menor culpa do arguido/recorrente, como sejam actuação ser qualificada como negligente, a ausência de antecedentes contra-ordenacionais, contudo, foi a Recorrente condenada por uma contra-ordenação que a própria formulação legal do preceito tipificador da conduta, classifica como grave.

Ora, por si só, esta classificação legal da contra-ordenação em causa afasta desde logo a possibilidade da aplicação da medida de admoestação, prevista no artigo 51º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, pois que objectiva e expressamente, trata-se de uma contraordenação com gravidade.

Sempre se dirá que a circunstância de o tribunal a quo ter considerado a conduta negligente isso apenas faz cair a culpa de “muito grave” para “menos grave”, mas não é considerada por si só diminuta ou reduzida.

Ora, no caso em apreço, preenchidos que se encontram os elementos objectivos e subjectivos do tipo e uma vez que estamos perante uma contra-ordenação tipificada como grave, inadmissível será de aplicar a sanção de admoestação.»

Em suma, muito embora se possa dizer que está presente o requisito da culpa diminuta, falece o requisito da diminuta gravidade do ilícito, pelo que a decisão não nos merece censura, também a este nível.

3.4.2. – Da atenuação especial da coima.

Nos termos da conclusão 21.ª, sustenta a Recorrente que:

«(…) atendendo à culpa diminuta da arguida, à inexistência de benefício económico, à ausência de antecedentes contra-ordenacionais, à conduta anterior da arguida (contratação de empresa especializada para aplicação do sistema de videovigilância) e à conduta posterior da mesma (a arguida requereu de imediato que a empresa responsável pela instalação do sistema de videovigilância desse cumprimento à afixação da informação a que alude a alínea c) do n.º 5 do art. 31.º), sempre se dirá que a atenuação especial da coima nos termos do disposto no art.º 59.º, n.º 9 do REASP é a sanção mais ajustada e proporcionada ao caso dos autos.»

Em primeiro lugar há que assinalar que a invocada conduta posterior aos factos - a arguida requereu de imediato que a empresa responsável pela instalação do sistema de videovigilância desse cumprimento à afixação da informação a que alude a alínea c) do n.º 5 do art. 31.º - Não consta da matéria de facto apurada nos autos, sendo matéria que a Recorrente só agora, em sede de recurso, vem trazer à liça.

Nessa medida, trata-se de matéria que não pode ser tida em conta por este Tribunal de recurso, limitado que está, como se sabe, à matéria de facto tida em consideração ou invocada antes da prolação da decisão recorrida.

Sobre esta questão, também a decisão recorrida se pronunciou, o que fez pela seguinte forma:

«Dispõe o n.º 9 do artigo 59.º do REASP que nas situações em que houver lugar à atenuação especial da sanção, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.

Inexistindo norma expressa no Regime Geral das Contraordenações sobre os pressupostos da atenuação especial, a jurisprudência tem entendido que se aplica o artigo 72.º do Código Penal[25].

No caso concreto, entende-se não estarem verificados os pressupostos da atenuação especial, porquanto nos autos inexistem quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do ilícito que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente, que in casu foi considerada no patamar mínimo (negligencia).»

Efetivamente, embora se tenha concluído, no caso dos autos, que a Arguida atuou com culpa na sua forma menos grave (negligência) nada mais se apurou que possa levar a concluir por uma atuação em que a ilicitude do facto se mostra diminuída de forma acentuada e em que, também de forma acentuada, se mostre reduzida a necessidade da pena (sanção) – Artigo 72º do Código Penal.

Resulta dos autos que a Recorrente não tem registadas anteriores condenações pela prática de contraordenações e também resulta dos autos que não se apurou a retirada de qualquer benefício económico ou a causação de qualquer prejuízo. Porém, tais circunstâncias são critérios de dosimetria da coima, conforme resulta do disposto no artigo 18º do RGCOC e que foram devidamente ponderados e de forma a favorecer a Recorrente, já que, a coima fixada no mínimo legal.

Atento o exposto, improcede o recurso, também nesta parte.

III. DISPOSITIVO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal o Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida "A..., S. A.”, e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.

            Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça a suportar pela recorrente.


 (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - artigo 94º, n.º 2, do CPP)

                                               Coimbra, 14-05-2025       

Os Juízes Desembargadores

Fátima Sanches (Relatora)

Helena Lamas (1ª Adjunta)

Isabel Gaio Ferreira de Castro (2ª Adjunta)

(data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)



[1] Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
[2]   Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 09-01-2019, processo n.º 257/18.0T8SRT.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[3]   Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações – Anotações do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, pág. 334.
[4]   Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 03-05-2004, processo n.º 362/04-2, consultável em www.dgsi.pt.
[5]   No seguimento do explanado cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 5386/22.3T8LRS.L1-9, de 25-05-2023, disponível em www.dgsi.pt.
[6] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 67.
[7]   In Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-09-2020, processo n.º 726/19.5T9TNV.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[8]   Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03-10-2018, processo n.º 1117/17.8T8VFR.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[9]   Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-09-2008, processo n.º 1680/08-1, consultável em www.dgsi.pt.
[10]   Cf. igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-09-2008, processo n.º 1680/08-1, consultável em www.dgsi.pt.
[11]  Vide entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-01-2022, processo n.º 12808/21.9T8PRT, disponível em www.dgsi.pt.
[12]   Veja-se por exemplo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-03-2023, proferido no processo n.º 369/22.6Y4PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[13]   Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05-03-2024, processo n.º 2597/23.8T8FAR.E1.
[14] Veja-se a abundante jurisprudência entende que só o facto de a contraordenação se encontrar classificada como grave afasta desde logo a possibilidade da substituição da sanção por admoestação – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-09-2014, processo n.º 656/13.4TBPNF.P2, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018, processo n.º 2551/17.9T8ENT.E1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2023, processo n.º 86/22.7T8VLS.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Prolatado no âmbito do processo nº 2122/11.3TBPVZ.P1, Relator: Joaquim Gomes, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[16] in “Direito das Contra-Ordenações”, Almedina, Reimpressão, 2019, págs. 65/66
[17] Disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080336.html
[18] Acórdão prolatado no âmbito do processo nº1403/07-1, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[19] In “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 3ª ed. Almedina, p. 191 a 194.
[20] Prolatado no âmbito do processo nº127/16.7TNLSB.L1-5, Relator: Vieira Lamim, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[21] Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa in “Contra-ordenações Anotações ao Regime Geral”, 2ª edição Dezembro de 2002, Vislis editores, página 377/378.
[22]   Veja-se por exemplo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-03-2023, proferido no processo n.º 369/22.6Y4PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[23]   Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05-03-2024, processo n.º 2597/23.8T8FAR.E1.
[24] Veja-se a abundante jurisprudência entende que só o facto de a contraordenação se encontrar classificada como grave afasta desde logo a possibilidade da substituição da sanção por admoestação – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-09-2014, processo n.º 656/13.4TBPNF.P2, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018, processo n.º 2551/17.9T8ENT.E1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2023, processo n.º 86/22.7T8VLS.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[25] Vide entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-01-2022, processo n.º 12808/21.9T8PRT, disponível em www.dgsi.pt.