| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CRISTINA NEVES | ||
| Descritores: | CÓDIGO DA ESTRADA PARQUE DE ESTACIONAMENTO MANOBRA DE MARCHA ATRÁS ATROPELAMENTO DE PEÃO | ||
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| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 1 | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 483.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS12.º, 21.º, 35.º, N .º1 E 46.º, N.º 1 DO CÓDIGO DA ESTRADA - DL N.º 114/94, DE 03 DE MAIO | ||
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| Sumário: | I -As manobras de marcha atrás, só podem ser realizadas, após prévia sinalização e em local adequado e por forma a que delas, não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (artº 35 do C. da Estrada.) II-Viola grosseiramente as regras estradais, o condutor de veículo automóvel que efectua manobra de marcha atrás num parque de estacionamento, sem verificar o espelho retrovisor, causando com essa conduta o embate num peão que naquela ocasião se encontrava naquele parque de estacionamento. III-Não existido qualquer proibição de permanência ou circulação de peões naquele parque de estacionamento, deve considerar-se a existência de culpa exclusiva do condutor do veículo atropelante. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Recorrente: A..., SA, Recorrido: AA Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Miguel Caldas Luís Manuel Carvalho Ricardo * Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: 
 RELATÓRIO AA, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Ré A..., SA, pedindo que esta seja condenada no pagamento de uma indemnização no valor global de € 67.156,00, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação da Ré até integral pagamento, devidos por danos sofridos na sequência de atropelamento de que foi vítima no parque de estacionamento da oficina com a denominação comercial B..., pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-CR-.., o qual tinha sido deixado nessa oficina, pelo respetivo proprietário, para reparação e que, na ocasião circulava em marcha atrás, conduzido por um funcionário da laudida firma. Assim, uma vez que o acidente foi provocado pelo condutor do veículo de matrícula ..-CR-.., e tendo em conta que a responsabilidade civil emergente dos danos causados em consequência da circulação do mesmo tinha sido transferida para a seguradora Ré, conclui o Autor que esta é responsável pelo ressarcimento dos danos por si sofridos. * Devidamente citada para os termos da presente ação declarativa, a seguradora Ré veio aos autos apresentar a sua contestação, impugnando parte dos factos descritos na petição inicial. Para além disso, alega a seguradora Ré que o proprietário do veículo de matrícula ..-CR-.. perdeu a direção efetiva do mesmo “quando o entregou na oficina B... para ser reparado”, o que significa que “inexiste para a Ré qualquer obrigação de assumir a reparação dos danos resultantes para o Autor do sinistro sub judice, porquanto, aquando da sua ocorrência, quem tinha a direção efetiva do veículo seguro era a B..., e não o Tomador de Seguro”. Nestes termos, conclui a seguradora Ré que a presente ação deve ser julgada improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido contra si formulado. * Citado nos termos e para os efeitos previstos no artº 1, nº 2, do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Castelo Branco juntou aos autos requerimento, nos termos do qual solicitou a condenação da Ré A..., SA no pagamento da quantia de € 1.471,48, “acrescida dos juros legais contados desde a data da notificação da presente reclamação até integral pagamento”, devidos pelo pagamento, ao Autor, a título de subsídio de doença. * A Ré A..., SA veio aos autos contestar o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Castelo Branco, impugnando os factos nele alegados e mais alegando que a certidão junta “não comprova o efetivo pagamento ao Autor da peticionada quantia de € 1.471,48 (…), a título de subsídio de doença”. * O Autor, na sequência da contestação apresentada pela R. seguradora, veio aos autos suscitar o incidente de intervenção principal do proprietário do veículo de matrícula ..-CR-.., da C... Lda. e do Fundo de Garantia Automóvel. Por sentença proferida a 16 de Maio de 2023, o incidente de intervenção principal provocada suscitado pelo Autor foi julgado parcialmente procedente, tendo os chamados C..., L.da e Fundo de Garantia Automóvel sido admitidos “a intervir nestes autos e considerando-se subsidiariamente deduzidos contra os mesmos os pedidos formulados em sede de petição inicial”. * Citado para os termos da presente ação declarativa, o Réu Fundo de Garantia Automóvel juntou aos autos o articulado de contestação, invocando a sua ilegitimidade processual substantiva. * A Ré C..., L.da juntou aos autos o seu articulado de contestação, invocando, desde logo, a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização do Autor, em virtude de ter sido ultrapassado o prazo de três anos a que alude o artº 498, nº 1, do C.C. e impugnando os factos alegados pelo A. Por fim, alega ainda a Ré C..., L.da que, por ter contratado com a Ré A..., SA “um seguro de responsabilidade civil, para segurar os danos decorrentes de sinistros ocorridos no âmbito da atividade que explora”, se absteve de “contratar um seguro de garagista, para todos e cada um dos mecânicos que, não conduzindo viaturas no exterior da oficina, inevitavelmente manobram-nas no interior desta, quer na parte coberta, quer na parte descoberta, onde se situa o parque de viaturas”. Contudo, nunca foi explicado aos representantes legais da Ré C..., L.da que “estavam excluídos da apólice os riscos que devessem ou pudessem ser garantidos por seguro de responsabilidade civil obrigatório, ou que um acidente, por ocorrer com a utilização de veículo, viesse a integrar esta categoria e, consequentemente, esta exclusão, sobretudo quando dentro das respetivas instalações, não na via pública”. Em consequência, conclui a Ré C..., L.da que a cláusula de exclusão da responsabilidade da Ré A..., SA por danos que pudessem ser cobertos por seguro legalmente obrigatório deve ser considerada nula. * Procedeu-se à realização da audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Em sede de despacho saneador foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual passiva invocada pelo Réu Fundo de Garantia Automóvel, tendo ainda sido decidido que, “por extravasarem o objeto da presente ação declarativa, não podem ser apreciadas nestes autos (…), as questões suscitadas pela Ré C..., L.da a propósito das circunstâncias em que foi celebrado o contrato de seguro datado de 24 de agosto de 2017, da nulidade da cláusula de exclusão de responsabilidade dele constante e do âmbito da cobertura contratada pelas partes”. * Após realizou-se audiência de julgamento, sendo proferida sentença na qual se decidiu condenar a R. “A..., SA a pagar ao Autor a quantia de € 941,85 (novecentos e quarenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde o dia 19 de dezembro de 2022 até integral pagamento, bem como a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo a Ré do pedido de pagamento da restante quantia peticionada pelo Autor. Mais decido condenar a Ré A..., SA a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Castelo Branco a quantia de € 1.471,48 (mil, quatrocentos e setenta e um euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde o dia 30 de março de 2023 até integral pagamento. Custas a cargo do Autor e da Ré A..., SA, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 60,05% e 39,95%, respetivamente (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC). “ . 
 * Não conformado com esta decisão, impetrou a R. recurso da mesma relativamente à matéria de facto e de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1. Não se conformando com o teor da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, vem a Recorrente, por via do presente recurso, contestar tal decisão. 2. No entendimento da Recorrente, resultou como provado, em virtude da prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos, que o Recorrido contribuiu para a verificação do acidente de viação sub judice. 3. Veja-se que, do depoimento prestado pela Testemunha BB, funcionário da respectiva Oficina e condutor do veículo seguro aquando da ocorrência do presente sinistro, resulta que o Recorrido se encontrava numa zona interdita à passagem de terceiros a pé, pois tal local apenas se destina ao aparcamento de veículos que foram, ou seriam, objecto de reparação (00:01:37 a 00:01:51, 00:21:04 a 00:21:19, 00:21:31 a 00:22:46, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 03.02.2025). 4. Pese embora a Testemunha CC, filho do Recorrido, tenha afirmado, em sede de depoimento prestado, que ambos se encontravam naquele local a observar os carros que estavam para a venda (00:03:22, 00:27:07 a 00:27:16, 00:28:30 a 00:28:52, em sede de sessão de audiência de julgamento realizada a 06.12.2024, a verdade é que nesse preciso parque de estacionamento não se encontrava qualquer viatura a ser comercializada. 5. Tal factualidade decorre, de forma clara e inequívoca, do depoimento prestado pelo Funcionário da Oficina, BB. 6. Depoimento este, corroborado pela prova documental produzida em sede nos presentes autos, nomeadamente, dos fotogramas constantes no Relatório de Averiguação junto pela Recorrente na sua contestação. 7. Sendo certo que, analisados tais fotogramas, facilmente se pode constatar que os veículos estacionados naquele parque não dispõem de qualquer sinalética anunciado a sua venda. 8. Ora, considerando que o Recorrido não poderia estar no referido parque de estacionamento, pois ali não se encontrava qualquer veículo exposto para venda, porquanto não era aquele o local destinado para o efeito, sempre se deverá salientar que inexiste qualquer causa que justifique, e, em última instância, legitime, tal comportamento. 9. Em bom rigor, o acidente de viação sub judice não teria ocorrido se o Recorrido permanecesse no local destinado à comercialização de veículos, devidamente delimitado para o efeito, anexo à referida oficina, ao invés de se encontrar num parque de estacionamento onde é proibida a passagem a terceiros a pé. 10. Assim, dúvidas não subsistem que o Recorrido contribuiu para a produção deste acidente de viação. 11. Sucede, porém, que, o Tribunal a quo acabou por imputar, exclusivamente, ao Condutor do veículo, a culpa efectiva pela ocorrência do sobredito sinistro. 12. Motivo pelo qual se impugna a decisão relativa à matéria de facto e, bem assim, se requer a reapreciação da prova gravada pelo Tribunal ad quem, de acordo com o art. 640.º do CPC. 13. Neste sentido impõe-se a alteração da matéria dada como provada e não provada, nos seguintes termos: a) O facto n.º 6 dos factos dados como provados deverá ser alterado para “No dia 7 de Agosto de 2018 o Autor, sem qualquer motivo justificativo, encontrava-se no parque de veículos, onde é proibida a passagem de pedestres, anexo às instalações da oficina denominada B..., situada na Estrada Nacional ...8 – ..., 18 B, ..., ..., explorada pela Ré C..., Lda.”; b) O facto n.º16 dos factos dados como não provados deverá ser dado como provado, com a seguinte alteração “Nas circunstâncias indicadas em 6. e 7. dos factos considerados provados, o Autor passava a pé, num local onde era proibida tal passagem, inexistindo qualquer causa que motive a sua conduta”. 14. Efectivamente, existe, in casu, uma verdadeira concorrência de culpas entre o Recorrido e o Condutor do veículo seguro pela ocorrência do acidente de viação em apreço. 15. Por conseguinte, o Tribunal a quo, ao abrigo do preceituado no art. 570.º/1 do CC, apena deveria ter condenado a Recorrente na proporção da responsabilidade a ser fixada ao Condutor do veículo seguro. Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, e, consequentemente: (a) O facto n.º 6 dos factos dados como provados deve ser alterado para “No dia 7 de Agosto de 2018 o Autor, sem qualquer motivo justificativo, encontrava-se no parque de veículos, onde é proibida a passagem de pedestres, anexo às instalações da oficina denominada B..., situada na Estrada Nacional ...8 – ..., 18 B, ..., ..., explorada pela Ré C..., Lda.”; (b) O facto n.º16 dos factos dados como não provados deve ser dado como provado, com a seguinte alteração “Nas circunstâncias indicadas em 6. e 7. dos factos considerados provados, o Autor passava a pé, num local onde era proibida tal passagem, inexistindo qualquer causa que motive a sua conduta”. Consequentemente, Deve a Sentença recorrida ser substituída por outra que condene a Recorrente apenas na proporção da responsabilidade que vier a ser fixada ao Condutor do veículo seguro.” 
 * Pelo A. não foram interpostas contra-alegações. 
 * QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar: * Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores-adjuntos, cumpre decidir. 
 * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto: “Factos provados Tendo-se procedido à realização da audiência final, e após apreciação de toda a prova produzida nos autos, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 24 de setembro de 2018, o Autor AA apresentou queixa crime contra a Ré C..., L.da, por ter sido atropelado no parque da respetiva oficina no dia 7 de agosto de 2018. 2. A queixa a que se alude em 1. deu origem à instauração do processo de inquérito ao qual foi atribuído o NUIPC 413/18.... e que correu termos na Secção de Inquéritos da Procuradoria do Juízo Local Criminal do Fundão. 3. No âmbito do processo de inquérito identificado em 2., o Ministério Público considerou indiciada a prática, pelo arguido BB, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, n.º 1 e 3, do Código Penal, e propôs a suspensão provisória desse processo. 4. Mediante despacho proferido a 15 de outubro de 2019, o Ministério Público determinou o arquivamento do processo de inquérito identificado em 2., por se encontrar decorrido o período da suspensão provisória do processo fixado em cinco meses e por terem sido cumpridas, pelo arguido, as injunções propostas. 5. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...76, o proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-CR-.., DD, transferiu para a Ré A..., SA a responsabilidade civil emergente dos danos causados em consequência da circulação desse veículo. 6. No dia 7 de agosto de 2018 o Autor encontrava-se no parque de veículos anexo às instalações da oficina denominada B..., situada na Estrada Nacional ...8 – ..., 18 B, ..., ..., explorada pela Ré C..., L.da. 7. Nessa ocasião, o veículo de matrícula ..-CR-.., conduzido pelo funcionário da oficina BB, saiu, de marcha-atrás, da parte coberta das instalações da oficina identificada em 6.. 8. O proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-CR-.., DD, tinha-o deixado na oficina identificada em 6. com vista a ser reparado. 9. O condutor do veículo de matrícula ..-CR-.., BB, por não se ter apercebido da presença do Autor, embateu no mesmo. 10. O filho do Autor, que também se encontrava no local, gritou para avisar o condutor do veículo de matrícula ..-CR-... 11. Quando se apercebeu de que o veículo de matrícula ..-CR-.. se deslocava na sua direção, o Autor tentou colocar as mãos no veículo para amortecer o embate. 12. Em consequência do embate, o Autor caiu no chão. 13. Em consequência do embate e da queda, o Autor sofreu uma ferida na região occipital, a qual apresentava sangramento, edema no joelho esquerdo e dores na coluna vertebral e nas mãos. 14. Logo após o embate, o Autor levantou-se e deslocou-se para o interior das instalações da oficina. 15. Os Bombeiros do ... foram chamados ao local, prestaram os primeiros socorros ao Autor e transportaram-no até ao Centro Hospitalar ..., onde deu entrada no serviço de urgência. 16. No serviço de urgência do Centro Hospitalar ... foram diagnosticados ao Autor traumatismo crânio-encefálico, edema do joelho esquerdo e edema da interfalângica do terceiro dedo da mão direita, por trauma. 17. No próprio dia 7 de agosto de 2018 foi concedida alta ao Autor. 18. Após essa data o Autor continuou a ser seguido e tratado em consultas de ortopedia, de psicologia e de psiquiatria. 19. O Autor nasceu no dia ../../1958. 20. À data do acidente o Autor desempenhava a sua atividade profissional como tecelão. 21. À data do acidente o Autor auferia uma remuneração mensal de € 679,00. 22. O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Castelo Branco, no período compreendido entre os dias 25 de agosto de 2018 e 2 de dezembro de 2018, pagou ao Autor a quantia total de € 1.471,48, a título de subsídio de doença e prestação compensatória de subsídio de Natal. 23. No período subsequente à data do acidente o Autor vestia-se e fazia a sua higiene pessoal com o auxílio de terceira pessoa. 24. Nessa altura, o Autor sentia fortes dores de cabeça, sentia tonturas ao baixar-se e perdas de equilíbrio ao andar. 25. O telemóvel, de marca Samsung, de que o Autor era proprietário, no valor de € 150,00, ficou partido em consequência do acidente. 26. O Autor apresenta uma cicatriz na região occipital. 27. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor é fixável no dia 25 de novembro de 2018. 28. O défice funcional temporário total sofrido pelo Autor é fixável no período de 96 dias. 29. A repercussão temporária na atividade profissional total é fixável no período de 86 dias. 30. O denominado Quantum Doloris é fixável no grau 2, numa escala com sete graus de gravidade crescente. 31. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do Autor é fixável em 5 pontos. 32. O dano estético permanente é fixável no grau 1, numa escala com sete graus de gravidade crescente. 33. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau 1, numa escala com sete graus de gravidade crescente. 34. Por causa das dores que continua a sentir, o Autor deslocou-se ao serviço de urgência do Centro Hospitalar ... nos dias 28 de setembro e 19 de novembro de 2018. 35. Ainda hoje o Autor sente dores de cabeça, tonturas e desequilíbrio quando faz esforços ou executa movimentos bruscos. 36. O Autor continua a tomar medicação por causa das dores que sente. 37. Ainda hoje o Autor sofre ansiedade quando tem que circular em veículos automóveis, por temer a ocorrência de outro acidente. 38. Na data em que ocorreu o acidente a Ré C..., L.da não beneficiava de seguro de garagista. 39. A presente ação declarativa foi instaurada no dia 14 de dezembro de 2022. 40. A intervenção principal da Ré C..., L.da foi admitida por sentença proferida a 16 de maio de 2023. 41. A Ré C..., L.da tem por objeto a manutenção de veículos automóveis ligeiros, nomeadamente a reparação e manutenção mecânica abrangendo todo o serviço de oficina, comercialização de peças automóvel sobressalentes novas e usadas, montagem e comercialização de pneus e jantes novos e usados, bem como os demais serviços de reparação elétrica, eletrónica e pintura, comercialização por grosso e a retalho de veículos ligeiros novos e usados, para transporte de passageiros, transporte de mercadorias, mistos e veículos de todo o terreno, bem como a importação e exportação deste tipo de veículos. 42. No dia 24 de agosto de 2017 a Ré C..., L.da celebrou com a Ré A..., SA o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...32, através do qual transferiu para esta a responsabilidade civil extracontratual emergente dos danos causados a terceiros em consequência de sinistros ocorridos no estabelecimento comercial por si explorado “quando originados pela exploração normal da atividade segura”. 43. Mediante carta datada de 18 de fevereiro de 2019, a Ré A..., SA comunicou à Ré C..., L.da o seguinte: 
 “Assunto: Terceiro: AA Apólice: n.º ...32 – A... Comércio Ocorrência em 07 de agosto de 2018 Exmos. Senhores, Reportamo-nos à participação efetuada por V. Exas., por via da qual tomamos conhecimento que, na data supra indicada, no parque pertencente às vossas instalações, ocorreu o atropelamento do terceiro por um veículo entregue por um cliente para reparação, na sequência de uma manobra efetuada por um funcionário da vossa empresa. Após cuidada análise dos elementos em presença, constatámos que o acidente participado não tem enquadramento nas coberturas concedidas pela apólice, designadamente na cobertura de RC Exploração, na medida em que a mesma exclui das garantias, através do disposto na Cláusula 3ª, Cobertura D.8, n.º 2, alínea c) das Condições Gerais, os prejuízos garantidos por qualquer seguro de responsabilidade civil que o Tomador de Seguro ou Segurado sejam legalmente obrigados a contratar, conforme será o caso do seguro obrigatório de garagista. Por outro lado, de conformidade com o disposto na alínea j) da referida Cláusula, encontram-se igualmente excluídos os danos resultantes da circulação de veículos. Em face do exposto, ficamos impedidos de proceder à liquidação de qualquer indemnização ao abrigo das garantias concedidas pela presente apólice de seguro. Ficando ao dispor de V. Exas. para os demais esclarecimentos, apresentamos os nossos melhores cumprimentos”. * Factos não provados Após a realização da audiência final não ficaram demonstrados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir, não se tendo provado, designadamente: 1. O Autor foi notificado do teor da decisão de arquivamento a que se alude em 4. dos factos considerados provados no dia 15 de outubro de 2019. 2. Quando se apercebeu de que o veículo de matrícula ..-CR-.. se deslocava na sua direção, o Autor gritou, na tentativa de avisar o condutor do veículo. 3. Nas circunstâncias indicadas em 14. dos factos considerados provados o Autor foi levado para o interior das instalações da oficina com o auxílio do seu filho e de um dos donos da oficina. 4. Já no interior das instalações da oficina, o Autor sentiu-se indisposto e perdeu os sentidos. 5. No serviço de urgência do Centro Hospitalar ... foram diagnosticados ao Autor traumatismos na coluna cervical, cervicalgias com radiação aos ombros e traumatismo da coxa esquerda, tendo havido necessidade de ser reanimado nas urgências. 6. Depois de lhe ter sido concedida alta, o Autor continuou a ser seguido e tratado no serviço de consulta de neurocirurgia. 7. Em consequência do acidente o Autor sofreu um período de 109 dias de doença, todos eles com afetação da sua capacidade de trabalho. 8. Como consequência direta do acidente, o Autor sofreu traumatismo da coluna cervical com radiação aos ombros e traumatismo da coxa esquerda. 9. À data do acidente o Autor contava 61 anos de idade. 10. Por recomendação médica, o Autor manteve-se em repouso quase absoluto durante um período prolongado. 11. Até ao final do mês de agosto de 2019, para se deslocar a consultas externas e ao Centro de Saúde, o Autor tinha que pedir à sua esposa ou ao seu filho. 12. No período de internamento e convalescença, o Autor suportou o pagamento de despesas no valor total de € 450,00 com o gasóleo gasto nas deslocações efetuadas a consultas. 13. O Autor não consegue levantar os braços, nem pegar em pesos. 14. O Autor não consegue concentrar-se quando executa tarefas que exijam um maior esforço mental, começando a sentir fortes dores de cabeça e tendo necessidade de interromper as tarefas que se encontra a desempenhar. 15. O Autor sofre constantes perdas de memória. 16. Nas circunstâncias indicadas em 6. e 7. dos factos considerados provados, o Autor passava a pé, num ângulo morto, atrás do veículo de matrícula ..-CR-...” 
 * DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Insurge-se o recorrente contra a decisão que a condenou considerando que o tribunal deveria ter apreciado também a culpa do A. na produção do acidente, por, segundo alega, da prova produzida ter resultado que este se encontrava naquela ocasião numa zona onde lhe era proibido estar. Funda a sua discordância quanto a esta decisão no depoimento do condutor do veículo atropelante BB e no teor do relatório junto com a sua contestação, no qual, em seu entender, resulta que naquele local não existiam veículos para venda, requerendo assim a alteração do ponto de facto 6 para o seguinte: “6 - No dia 7 de Agosto de 2018 o Autor, sem qualquer motivo justificativo, encontrava-se no parque de veículos, local onde é proibida a passagem de pedestres, anexo às instalações da oficina denominada B..., situada na Estrada Nacional ...8 – ..., 18 B, ..., ..., explorada pela Ré C..., Lda.” Requer ainda a alteração do facto dado como não provado que deveria ter sido dado como provado, com a seguinte alteração: “16 - Nas circunstâncias indicadas em 6. e 7. dos factos considerados provados, o Autor passava a pé, num local onde era proibida tal passagem, inexistindo qualquer causa que motive a sua conduta”. 
 Decidindo: 
 a) Da apreciação do recurso quanto à matéria de facto; 
 Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [1] Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC. A saber: - A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados; - A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa; - E a decisão alternativa que é pretendida.”[2] O recorrente nas suas alegações satisfaz estes requisitos, quer quanto à indicação dos pontos que pretende ver alterados e à matéria que pretende ver aditada, quer quanto à concreta indicação dos meios de prova em que baseia o seu pedido de reapreciação da matéria de facto, quer na indicação das concretas passagens da prova gravada. Nada obsta assim à reapreciação do recurso relativamente à impugnação da matéria de facto. Volvendo ao mérito da impugnação, pretende a apelante que seja considerado assente que o lesado se encontrava num local onde era proibida a passagem de pedestres, sem qualquer motivo justificado, devendo assim ser-lhe imputada parte da culpa na produção do sinistro. Trata-se de uma pretensão da recorrente que constitui uma conclusão que teria de resultar de matéria fáctica que não foi alegada nos articulados, ou seja, que naquele local privado fosse proibida a passagem ou permanência de pessoas estranhas à oficina e que o lesado ali se encontrasse sem motivo justificado. Mais, seria ainda necessário alegar e provar que a proibição de entrada ou circulação de pedestres naquele local estava devidamente sinalizada e que a proprietária do espaço tinha tomado medidas para impedir a entrada, ainda que inadvertida, de peões naquele espaço. Como seria necessário de igual forma que, referindo a testemunha BB, condutor do veículo atropelante e funcionário da C... Lda., que antes de iniciar a condução do veículo atropelante, vira o atropelado naquele local, que os tivesse informado da (só agora alegada) “proibição” e os tivesse convidado a abandonar o local. Estes factos essenciais (artº 5 nº1 do C.P.C.) não foram alegados e, nessa medida, não foram objecto de contraditório nem de conhecimento pelo tribunal recorrido, não o podendo apenas ser em fase de recurso. Acresce que, ainda que assim não fosse e que por hipótese se pudesse considerar que estes são factos instrumentais, como o pretende a apelante, seria ainda assim necessário que tivessem resultado da instrução da causa (ex vi do artº 5, nº2, al. a), do C.P.C.). Ora, o pretendido pela recorrente não tem também qualquer apoio na prova produzida e é frontalmente contrária a esta. Em primeiro lugar, quer a testemunha CC (filho do lesado), quer a testemunha BB (condutor do veículo atropelante), foram unânimes no motivo para a presença do lesado nas instalações da firma em causa: era um cliente que tinha um veículo para reparação naquela oficina e que aí se tinha deslocado para saber do seu veículo, acrescentando ainda a testemunha CC que o seu progenitor se encontrava a ver carros existentes naquele parque destinado ao estacionamento de viaturas (ainda que privado), supostamente também para venda. Em segundo lugar, do depoimento do condutor do veículo atropelante também não resultou que o lesado se encontrasse num “local onde é proibida a passagem de pedestres”, mas apenas um conjunto de considerações, opiniões e insinuações lamentáveis, sobre o facto de o lesado não dever estar parado num parque de estacionamento (não naquele em específico mas em qualquer parque, referindo inclusive o do Continente) também o dever ter visto e insinuando até que este se atirou propositadamente para trás da carrinha, “teria alguma intenção” e posteriormente teria fingido estar mais magoado do que estava. Enfim um depoimento deplorável e desculpabilizante de quem não assume, nem pretende assumir, qualquer erro ou falta e que é contraditório com o próprio relatório junto pela R. seguradora, e com toda a restante prova produzida. A pretensão da R. seguradora não é de acolher, mantendo-se inalterada a matéria de facto apurada na primeira instância. 
 * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Funda a recorrente, nas suas conclusões, a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso no facto de, no seu entender, o lesado ter tido também culpa na produção do acidente. A pretensão da R. seguradora assentava na alteração da matéria de facto e soçobra, tendo em conta a improcedência da impugnação e os factos que se deram como provados. Com efeito, tem de se concluir pela culpa exclusiva do condutor do veículo atropelante, dada a actuação do condutor do veículo, que efectuou manobra de marcha atrás sem qualquer preocupação ou cuidado com as pessoas que se encontravam naquele parque de estacionamento, de cuja presença naquele mesmo local tinha conhecimento, conforme resultou das suas declarações. Com efeito, antes da realização de qualquer manobra, seja de mudança de direcção, de entrada numa via, inversão de marcha ou marcha atrás, exige-se ao condutor que, para além da sinalização prévia da manobra (artº 12 e 21 do C. da Estrada), se certifique em todos os momentos que a manobra a realizar não coloca em perigo os demais veículos que transitem na via ou os peões que nela se encontrem. Nega-se assim provimento ao recurso interposto pela R. 
 * DECISÃO * As custas da acção fixam-se pelo apelante (artº 527 n1 do C.P.C.). Coimbra 30/09/25 
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