Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SANDRA FERREIRA | ||
Descritores: | PROCESSO SUMÁRIO MEDIDA DA PENA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO MP NÃO PREVISÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS DIREITO AO TRABALHO | ||
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Data do Acordão: | 05/14/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 120º, AL. D), 122º, 382º A 384º, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 29º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGOS 2º, 69.º, N.º 1, AL. A), 292º, N.º 1, TODOS DO C. PENAL | ||
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Sumário: | I – No processo sumário quando o Mº Pº não promove, mesmo que o devesse fazer, a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, não tem o juiz o poder de o substituir, atento o que resulta do art. 384º do Código de Processo Penal, dado que nesta forma especial do processo a decisão de suspensão provisória é da exclusiva competência do Mº Público.
II – Em processo sumário ao Juiz de Julgamento está vedada a aplicação do aludido instituto, cabendo ao Juiz de Instrução dar ou negar a sua concordância à suspensão provisória do processo. III – Na consideração global de todas as circunstâncias atendíveis e perante uma TAS de 2,21g/l, afigura-se justa e equilibrada a pena de 95 dias de multa, que se mostra adequada e necessária às elevadas exigências de prevenção que o caso reclama, sendo igualmente consentida pelo grau de culpa do agente. IV – A suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados não está legalmente prevista, pelo que a sua aplicação redundaria na criação de uma sanção inexistente no nosso sistema jurídico, com violação do princípio da legalidade das penas previsto no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa e artigo 2º do Código Penal. V - No confronto do direito ao trabalho com a proteção da segurança rodoviária e a vida das pessoas, a limitação daquele primeiro direito, com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não é arbitrária, mas antes justificada para salvaguarda destes outros interesses igualmente protegidos pela Constituição da República Portuguesa. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo sumário n.º 14/25.8GAPNC, que corre termos pelo Juízo Local Criminal do Fundão, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em 27 de janeiro de 2025, foi proferida sentença, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “DISPOSITIVO: Pelo exposto decide-se condenar arguido AA pela prática, a 24-01-2025, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do C. Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, sendo que operando o desconto previsto no art.º 80º, nº2, do C. Penal, ou seja, descontando um dia de detenção sofrido pelo arguido, no computo geral da pena de multa, temos uma pena de 94 (noventa e quatro) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (sete) euros, o que perfaz a multa global de € 564,00 (quinhentos e sessenta e quatro) euros. - Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias, nos termos do art.º 69º, n.ºs 1, al. a) do C. Penal. - Condenar ainda o arguido no pagamento das custas do presente processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – cfr. arts. 513º, n.º 1 do C.P. Penal, e 8º, n.º 9 do R.C. Processuais, a qual será reduzida a metade, dada a confissão do arguido e o disposto no art.º 344º, n.º 2, al. c), do C. P. Penal. (…) * I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: “CONCLUSÕES I. O recorrente foi detido em flagrante delito e julgado em processo sumário, no qual confessou na integra, de livre vontade e sem reservas os factos que lhe eram imputados; II. O recorrente demonstrou-se arrependido pelo sucedido e tem plena consciência da gravidade da sua conduta, contudo, não pode aceitar a tramitação processual sucedida; III. O Ministério Público não propôs a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281º do CPP, e após requerimento entendeu o Exmo. Juiz a quo que tal conhecimento não era da sua tutela jurisdicional; IV. A redação do art.º 281º, nº1 do CPP foi alterada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, de “pode o Ministério Público decidir-se … pela suspensão do processo” para a atual redação “o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento … determina … a suspensão do processo … sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:”, confirmando o dever do Ministério Público na aplicação da suspensão provisória do processo; V. O Ministério Público tem o dever de suspender o processo quando reunidos cumulativamente, no caso concreto, os pressupostos legais enunciados no art.º 281º do CPP; VI. O recorrente reúne todos os requisitos para a suspensão provisória do processo, sendo primário, não tendo antecedentes criminais de qualquer natureza, nunca lhe tendo sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, agiu com culpa mediana; VII. A TAS não é medida de culpa, nem relevante de culpa grave, segundo o disposto na jurisprudência (ver o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo nº 1856/08.4PBMTS, á data de 18/03/2009, relatado pela Exma. Juiz-Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias), pois não revela para a culpa do agende por depender de fatores externos e alheios: o peso, a idade, o género, o estado psíquico, emocional, físico e de saúde do consumidor, e até mesmo, da pressão atmosférica, alterações bruscas de temperatura, alimentação, além da quantidade e composição da bebida ingerida. VIII. A violação do disposto nos art.º 281º e 384º do CPP causaram a nulidade do processado, conforme previsto no art.º 120º, nº 2, alínea d) do CPP, atendendo a que, o inquérito realizado foi insuficiente por o Ministério Público não ter praticado atos, tal ato, estava legalmente obrigado – suspensão provisória do processo – o que torna a sentença proferida nula por sequência, conforme art.º 122º, nº 1 do CPP, o que, desde já, se requer com as demais consequências legais. IX. O recorrente é primário, confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, demonstrou-se arrependido, tem uma vida familiar e social integrada e organizada; X. As circunstâncias casuísticas do recorrente deveriam depor a favor da redução da pena de multa aplicada ao recorrente, que se irá traduzir num sacrifício exagerado atendendo às prevenções pretendidas. XI. A pena de multa aplicada ao recorrente deverá ser atenuada especialmente, e assim, reduzida ao limite mínimo legal, nos termos do art-º 72º, 73º e 47º do CP. XII. O recorrente recorre ainda, da pena acessória de inibição de suspensão de condução pelo período de 6 meses e 15 dias que lhe foi aplicada, por ser desproporcional face aos factos cometidos e à culpa do agente, que em nosso modesto entender, se trata de culpa mediana; XIII. Å douta sentença recorrida viola os direitos constitucionais do recorrente ao exercício de uma atividade profissional (art.º 58º e 59º da CRP), sustento da sua família (art.º 35º, nº 5 da CRP), dignidade e igualdade (art.º 12º e 13º da CRP), com a condenação em penas desproporcionais (art.º 18º da CRP), pesadas demais em comparação com outras decisões de casos semelhantes; XIV. Além do mais, na mesma Comarca de Castelo Branco, no Processo: 10/25.5GCCTB, Juízo Local Criminal de Castelo Branco - Juiz 1, Processo Sumário (artº 381º CPP), ao arguido BB, reincidente, no mesmo crime, com uma taxa de álcool no sangue de 2,34 g/l, foi condenado na pena de 99 (noventa e nove) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (cinco euros), perfazendo o total de €594,00 (quinhentos e noventa e quatro euros), já com o desconto de 01 (um) dia, cf. artigo 80.º, n.º 2 do Código Penal; e Condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias (cf. artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal); (cfr. doc. 1 e 2, que junta em anexo) XV. O Tribunal a quo ao condenar o recorrente na pena acessória de inibição de conduzir por um período de 6 meses e 15 dias, violou o disposto no artº. 71º do CP, por desconsiderar as condições pessoais do agente, designadamente o facto de necessitar de conduzir veículo automóvel como condição sine qua non para o exercício da sua atividade profissional; XVI. As penas acessórias assumem a natureza de uma pena, estarão, portanto, sujeitas ao regime de suspensão ou substituição, nos termos do artº. 73°, nº 2 do Código Penal; XVII. As penas acessórias desempenham uma função preventiva auxiliar da pena principal, não apenas de intimidação, mas de defesa contra a perigosidade individual, contudo, não foram provados quaisquer factos que sustem a perigosidade do recorrente. XVIII. A culpa do agente é o limite máximo inultrapassável de pena concreta a aplicar, a par das exigências de prevenção, que no caso são reduzidas pela inexistência de outros crimes praticados pelo recorrente; XIX. A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada e substituída por outra que, levando em conta o supra alegado, altere a medida da pena acessória, suspendendo a sua execução ou substituindo-a por outra capaz de assegurar os critérios da proporcionalidade e adequação exigidos nos art.º 40, art.º 71 n.º 2 e 73º do CP, que foram violados pela douta sentença recorrida; XX. Ou, caso assim não se entenda, e considerando todas as circunstâncias específicas deste caso concreto, deverá a pena acessória aplicada, ser reduzida para o seu mínimo legal, que salvo melhor opinião, será suficiente e eficiente na prevenção da reincidência deste recorrente, evitando prejuízos extremos na sua vida económica e familiar, conforme se pretende com a política criminal vigente; XXI. Pelo exposto, somos a entender, que uma pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 6 (seis) euros, e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias suspensa na sua execução, seria adequada a salvaguardar as necessidades de prevenção geral e especial do caso em apreço; XXII. A douta sentença recorrida viola os art.º 12º, 13º, 18º, 35º, 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa, os art.º 40º, 47º, 71º, nº 2 e 73º do Código Penal, os art.º 281º e 384º do Código de Processo Penal e a Lei nº 51/2007, de 31 de agosto, sendo nula nos termos dos art.º 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1 do CPP; XXIII. Nestes termos e no mais de direito aplicável, deve o presente Recurso de apelação ser julgado procedente por provado, sendo revogada a douta sentença recorrida, por ser nula nos termos dos art.º 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1 do CPP, e sendo substituída por outra que, absolva o recorrente em virtude da nulidade arguida, ou caso assim não se entenda, que reduza as penas principal e acessória aplicadas ao limite mínimo legal, ou que substitua ou suspenda a execução da pena acessória de inibição de conduzir. Assim decidindo, farão V. Exªs. Exmºs. Senhores Drs. Juízes Desembargadores a costumada, devida e merecida JUSTIÇA!” * O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido a 22.02.2025 * I.3 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, veio o Ministério Público responder ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “Conclusões 1. Um despacho do Ministério Público que fundamenta a não aplicação da suspensão provisória do processo não é recorrível. 2. Quando o Ministério Público não propõe a suspensão provisória do processo, não consente na mesma e o arguido sequer a requer em tempo útil, cf. artigo 384.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não tem o Juiz de a determinar, porquanto tal ato não lhe é legalmente imposto. 3. A proposta de suspensão provisória do processo é da exclusiva competência do Ministério Público, não tendo o Juiz o poder de o substituir, motivo pelo qual não se pode ter por verificada qualquer nulidade da sentença. 4. Ainda que a taxa de álcool no sangue possa ser influenciada pela constituição física e homeostase de cada indivíduo, tal não significa que dependa exclusivamente de fatores externos e não controláveis pelo mesmo. A taxa de álcool no sangue está diretamente relacionada com a quantia de álcool ingerida, sendo tal controlável pelo Recorrente. Quem apresenta uma taxa de álcool no sangue de 2,21 g/l é porque ingeriu elevadas quantidades de álcool. 5. Qualquer cidadão médio quando atinge uma taxa de álcool no sangue de 2,21 g/l sabe que se encontra altamente embriagado e que não reúne as condições mínimas para exercer uma condução segura. 6. Ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa, à ilicitude e às necessidades de prevenção geral e especial, bem andou o Tribunal ao condenar o Recorrente na pena de 94 (noventa e quatro) dias de multa. 7. A aplicação ao recorrente da pena acessória de 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de proibição de conduzir veículos motorizados é adequada e proporcional. 8. Não tem suporte legal a suspensão da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados. 9. A aplicação da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados não colide com o direito ao trabalho constitucionalmente consagrado. 10. Em epítome, a sentença em apreço não merece qualquer reparo. Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se, nos termos acima exarados, a decisão recorrida, dessarte se fazendo inteira e sã justiça. * I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]: “Salvo melhor opinião, o recurso interposto pelo arguido AA foi correctamente admitido e subiu nos termos e com os efeitos legalmente previstos, nada obstando a que deva ser apreciado. * a) Visto o alegado em tal recurso, que se restringe à arguição duma suposta nulidade do julgamento efectuado e à impugnação da medida das penas aplicadas pelo Tribunal recorrido, considera-se não dever o mesmo merecer provimento, desde logo pelas razões já expostas na Resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância. No que se refere à nulidade invocada (aparentemente, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 2 do art. 120º do Código de Processo Penal), parece ser manifesto que a simples circunstância de a redacção do corpo do nº 1 do art. 281º desse mesmo Código ter deixado de dizer que o Ministério Público “pode” determinar a suspensão provisória do processo, para passar a impor que a mesma seja determinada “sempre que se verificarem os seguintes pressupostos”, em nada alterou a natureza discricionária e sujeita a critérios de oportunidade do instituto em causa, tendo em conta o teor dos “pressupostos” que são previstos nas alíneas e) e f) desse mesmo nº 1. Com efeito, dependendo a decisão de suspensão da verificação desses pressupostos e não estando em lado algum prevista a possibilidade de impugnação do juízo formulado a respeito de tal matéria, quer pelo Ministério Público, quer pelo próprio Juiz ao qual caiba manifestar a sua eventual concordância (para não falar do juízo a formular pelo assistente, sendo esse o caso), nunca poderia ser juridicamente exigível a opção por tal medida, por muito incompreensível que se afigure o seu afastamento a qualquer dos sujeitos processuais. Logo, não implicou qualquer nulidade ou irregularidade a decisão do Tribunal recorrido quanto à necessidade de prossecução do julgamento em curso, na sequência do requerimento formulado pelo arguido quanto a esta questão. b) Quanto à impugnação da medida das penas principal e acessória aplicadas ao arguido, apenas se oferece remeter para o já referido na Resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, da qual decorre com clareza a plena justificação das mesmas, tendo em conta as circunstâncias do caso. Assim, apenas se oferece acrescentar ao já referido em tal Resposta que não apenas seria totalmente contra legem a aparentemente pretendida suspensão da execução duma pena acessória (conforme se julga ser entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência), como ainda que, mesmo a ser admissível tal suspensão, nunca a mesma poderia justificar-se, no caso concreto. Com efeito, longe de implicar qualquer injustificada restrição de direitos fundamentais, desde logo o direito ao trabalho, a efectiva execução da pena acessória aplicada ao arguido é, no caso, imposta pela necessidade de dar efectiva resposta à violação dos acrescidos deveres que sobre si impendiam, enquanto motorista profissional – em termos que poderiam mesmo justificar, de jure condendo, a previsão duma específica pena acessória, tal como a prescrita no art. 66º do C. Penal para a violação de similares deveres de conduta profissional. Logo, não tendo a sentença impugnada violado as normas mencionadas no recurso interposto, ou quaisquer outras, parece-nos dever ser a mesma mantida na íntegra.”
* I.5. Resposta Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer. * I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir:
* II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ ], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal ou de alguma das causas de nulidade da decisão previstas no n.º 1, do artigo 379.º, do mesmo diploma legal. Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes: - Da verificação da nulidade prevista no art. 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal, por o Mº Público - ao não suspender provisoriamente o processo em violação do previsto no art. 281º e 384º do Código de Processo Penal - ter omitido atos a que estava legalmente obrigado e, por consequência, da nulidade de sentença nos termos do art. 122º nº 1 do Código de Processo Penal. - Da atenuação especial da pena nos termos do disposto nos arts. 72º, 73º e 74º do Código Penal. - Do excesso da pena principal que deve ser reduzida ao mínimo legal ou a 80 dias de multa. - Da desproporcionalidade da pena acessória de proibição de conduzir aplicada. - Da suspensão da pena acessória de proibição de conduzir. * Ouvida a gravação da sentença proferida nestes autos dela constam como provados os seguintes factos: 1. No dia 24 de janeiro de 2025, pelas 21H35, na Rua ..., sita em ..., ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula ..-..-DD. 2. O arguido AA, porque ingeriu substâncias de teor alcoólico em momento prévio ao da condução, conduziu, nas circunstâncias acima descritas, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,21 g/l, descontando o erro máximo admissível (equivalente à TAS registada de 2,33 g/l). 3. O arguido AA quis conduzir o mencionado veículo em via pública, como fez, apesar de saber que o fazia sob o efeito de álcool, após ingestão de substâncias de teor alcoólico, e que, por isso, tal conduta não lhe era permitida. 4. O arguido AA agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 5. O arguido é Bombeiro Sapador da Câmara Municipal .... 6. Aufere cerca de 1000 € mensais 7. Reside em casa própria, não tem créditos a cargo, é casado, sendo que a sua esposa não trabalha, é doméstica, tem uma filha com 44 anos. 8. Tem a quarta classe como escolaridade. 9. Não tem antecedentes criminais.
Com relevo ainda para a decisão a proferir resulta da gravação da audiência de julgamento, que no início da mesma foi feito o seguinte requerimento [transcrição]: “(…) fazer aqui uma consideração, entender que aqui o arguido cumpria com os … com os requisitos aqui para a aplicação da suspensão provisória do processo. Eu tive a oportunidade de.. de ler o despacho por parte do Ministério Público, a entender que o Arguido não cumpria, devido aqui ao grau e à taxa de álcool. Apenas dizer-se aqui que se segue e se entende, que segue aqui a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, processo 1856/08.4 PBMTS, em que se diz basicamente que a taxa de álcool no sangue não é aqui medida da culpa, nem releva para a consideração da culpa grave do arguido. E porquê? Explica-se também que essa taxa não pode revelar com a culpa do agente, porque depende de de fatores externos e alheios, nomeadamente o peso, a idade, o género, o estado psíquico, emocional, físico, saúde, neste caso do consumidor e até da da pressão atmosférica, alterações bruscas de temperatura, alimentação e que eh neste sentido apenas que eh fica aqui que se entende eh que o arguido cumpria, com os requisitos para a suspensão provisória do processo e essa, deveria ter sido dada essa oportunidade, e não foi. Eh, pois entendendo-se aqui que não foi cumprida eh a lei e e que se requer a Vossa Excelência que sobre esta parte e que nos dê aqui alguma consideração e que certamente o fará”. Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho: “Presumo que o Senhor Procurador pela exposição que agora acaba de fazer, que mantém a posição. Muito bem. Despacho A suspensão provisória do processo assume-se como um mecanismo processual surgido sobre o signo da oportunidade, sendo ainda hoje pacífico, que o mesmo segue o caminho do consenso à solução de conflito (…) desde que verificadas as condições da sua aplicação. Tal suspensão em fase de inquérito depende da proposta, neste caso, do Ministério Público, ficando condicionada à concordância do juiz e em sede instrução, ficando condicionada à aceitação do Ministério Público. No caso concreto, o Ministério Público não propôs tal suspensão naquilo a que se pode chamar não uma verdadeira fase de inquérito, mas uma fase anterior ao julgamento, mais ou menos célebre, mas que equivale àquela primeira fase a que nos reportamos. Ora, não tendo o Ministério Público proposto qualquer suspensão provisória ao processo ao juiz fica vedada naturalmente dar a sua concordância a algo que não se mostra proposto. Do mesmo modo que ainda que se entendesse possível nesta fase ser aplicada aquela suspensão, o que bem sabido, não se defende, sempre necessitaria de concordância do Ministério Público que já aqui a não manifestou ou pelo contrário, manifestou a sua oposição. E nessa conformidade o tribunal encontra-se impossibilitado, não apenas pela via legal da impossibilidade de aplicação da suspensão do processo em julgamento como também mesmo entender-se a mesma possível pela não concordância do Ministério Público. Assim deverá ter início a audiência de julgamento. Notifique. * II.3- Apreciação do recurso
II.3.1 – Da nulidade prevista no art. 120º, nº 1 al. d) por não ter sido decretada a suspensão provisória do processo
Entende o recorrente que em face da redação do art. 281º do Código Penal, introduzida pela Lei nº 48/2007, o Mº Público tem o dever de suspender o processo quando estão reunidos os pressupostos legais enunciados no art. 281º do Código de Processo Penal, como ocorre no caso concreto. Mais alega que não o tendo feito, ocorreu violação do disposto nos arts. 281 e 384º do Código de Processo Penal, que causou a nulidade do processado conforme o disposto no art. 120º, al. d) do Código de Processo Penal, que acarreta a nulidade da sentença nos termos do art. 122º do Código de Processo Penal. A suspensão provisória do processo constitui uma medida pré-sentencial de consenso, que visa evitar o prosseguimento do processo penal até à fase de julgamento e é aplicada por iniciativa do Ministério Público - na situação que aqui em particular nos interessa - na fase pré-judicial do processo sumário (arts. 382º a 384º do Código de Processo Penal), com a concordância do Juiz de Instrução Criminal, desde que estejam verificados os respetivos pressupostos legais (concordância do arguido e do assistente se este existir no processo; ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; não haver lugar a medida de segurança de internamento; ausência de um grau de culpa elevado; ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir). Este regime acolhe o princípio de oportunidade para crimes de reduzida gravidade onde o Ministério Público, com o acordo do arguido e com a aceitação do juiz de instrução, suspende provisoriamente o processo penal e determina a sujeição do primeiro a regras de comportamento ou injunções durante um determinado período de tempo. Como refere Maia Costa [Código de Processo Penal Comentado, pág. 986] em sede de inquérito e, acrescentamos nós, na fase de apresentação prevista nos arts. 382º a 384º no que ao processo sumário diz respeito, “a decisão de suspensão é da exclusiva responsabilidade do Ministério Público ... cabendo ao juiz de instrução um papel somente fiscalizador da legalidade, ou seja, da verificação dos pressupostos legais da suspensão”. A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, acentuou a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 ao Ministério Público ao substituir a expressão “pode (…) decidir-se (…) pela suspensão do processo” pela expressão “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina (…) a suspensão do processo”. Porém, esta nova redação não retira à suspensão provisória do processo as características inerentes ao princípio da oportunidade que acolhe. E, por isso, não retira ao Mº Público uma margem de discricionariedade, embora seja, naturalmente, uma discricionariedade vinculada, desde logo, porque está condicionada à observância dos requisitos e pressupostos fixados na lei e aos deveres de imparcialidade e objetividade que norteiam a sua atividade. E esta discricionariedade vinculada manifestar-se-á na apreciação dos requisitos materiais deste instituto, como seja, a ausência de um grau de culpa elevado e da satisfação das exigências de prevenção geral, através da aplicação do instituto. Mas como vem sendo entendido pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando o Mº Público não determina a suspensão provisória do processo, ainda que devesse fazer, o Juiz não tem o poder de o substituir Neste sentido pode ver-se o Acórdão do TRG de 19.03.2018 [processo nº 140/17.7PFGMR.G1, disponível in www.dgsi.pt] onde se escreve: “I - Quando o Mº Pº não promove, mesmo que o devesse fazer, a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, não tem o juiz o poder de o substituir, atento o que resulta do art. 384º do Código de Processo Penal. II – É que no processo sumário a decisão de suspensão provisória é da exclusiva competência do Mº Público”. No mesmo sentido os acórdãos do TRL de 26.11.2015 e de 20.04.2017 [respetivamente proferidos no processo nº 989/14.2SILSB.L1, e no processo 1401/16.8PBCSC.L1-9, ambos disponíveis in www.dgsi.pt]. Invoca a este propósito o recorrente, que não tendo o Mº Público aplicado a suspensão provisória do processo, ocorreu a nulidade prevista no art. 120º, nº 1 al. d) do Código de Processo Penal. 1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte. 3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: b)(…) c) (…) d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.
Analisando o requerimento apresentado pelo arguido não se vislumbra que do mesmo se possa extrair a arguição da aludida nulidade, porquanto apenas exarou e requereu o seguinte: “fazer aqui uma consideração, entender que aqui o arguido cumpria com os requisitos para a aplicação da suspensão provisória do processo. Eu tive a oportunidade de ler o despacho por parte do Ministério Público, a entender que o Arguido não cumpria, devido aqui ao grau e à taxa de álcool. Apenas dizer-se (…) que se segue aqui a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, processo 1856/08.4 PBMTS e em que se diz basicamente que a taxa de álcool no sangue a não é aqui medida da culpa, nem revela para a consideração da culpa grave do arguido. E porquê? Explica-se também que essa taxa não pode revelar com a culpa do agente, porque depende de fatores externos e alheios, nomeadamente o peso, a idade, o género, o estado psíquico, emocional, físico, saúde, neste caso do consumidor e até da pressão atmosférica, alterações bruscas de temperatura, alimentação e que eh neste sentido apenas que eh fica aqui e que se entende que o arguido cumpria, com os requisitos para a suspensão provisória do processo e essa deveria ter sido dada essa oportunidade, e não foi. Pois, entendendo-se aqui que não foi cumprida a lei e que se requer Vossa Excelência que sobre esta parte e que nos dê aqui alguma consideração e que certamente o fará. Ora, deste requerimento, não se extrai a invocação da aludida nulidade e muito concretamente por violação do disposto no art. 120º, nº 1 al. d) do Código de Processo Penal. O recorrente não invoca ali o referido normativo, nem enquadra a situação na omissão de qualquer ato legalmente obrigatório, antes manifestando o seu desacordo com a decisão proferida pelo Mº Público e solicitando ao juiz de julgamento uma tomada de decisão. Lendo o requerimento dele apenas se extrai que o arguido pretendia obter do Juiz de Julgamento uma tomada de posição relativamente à suspensão provisória do processo, que lhe havia sido negada, e foi precisamente sobre tal matéria que o respetivo despacho recaiu, afirmando o Mmº Juiz de julgamento: “tal suspensão em fase de inquérito depende da proposta, neste caso, do Ministério Público, ficando condicionada à concordância do juiz e em sede instrução, ficando condicionada à aceitação do Ministério Público. No caso concreto, o Ministério Público não propôs tal suspensão naquilo a que se pode chamar não uma verdadeira fase de inquérito, mas uma fase anterior ao julgamento, mais ou menos célebre, mas que equivale àquela primeira fase a que nos reportamos. Ora, não tendo o Ministério Público proposto qualquer suspensão provisória ao processo ao juiz fica vedada naturalmente dar a sua concordância a algo que não se mostra proposto. Do mesmo modo que ainda que se entendesse possível nesta fase ser aplicada aquela suspensão, o que bem sabido, não se defende, sempre necessitaria de concordância do Ministério Público que já aqui a não manifestou ou pelo contrário, manifestou a sua oposição. E nessa conformidade o tribunal encontra-se impossibilitado, não apenas pela via legal da impossibilidade de aplicação da suspensão do processo em julgamento como também mesmo entender-se a mesma possível pela não concordância do Ministério Público. Assim deverá ter início a audiência de julgamento. Notifique.
Mas, mesmo que se admitisse que ao invocar a ilegalidade da não aplicação da suspensão provisória do processo estava a invocar uma qualquer nulidade (o que não fez) certo é que também não recorreu do despacho exarado pelo Mmº Juiz de julgamento, que assim, transitou em julgado. Deste modo, não podem os posteriores atos ser afetados, designadamente nos termos do disposto no art. 122º do Código de Processo Penal. No que concerne às nulidades da sentença têm estas um regime próprio consagrado no art. 379º do Código de Processo Penal, que prescreve: 1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Ouvida a gravação efetuada constata-se que a sentença proferida, não condenou por factos diversos (arts. 358º e 359º) e contém: a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; c) os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada; d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º Ouvida a sentença dela se extraem “as razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (…)fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.»[ Ac. do STJ, de 15-10-2008, citando o acórdão do mesmo Tribunal, de 03-10-2007, Proc. n.º 07P1779 -3.ª; (cfr. Acs. do STJ de 3.10.2007, proc. 07P1779; de 19.05.2010, proc. 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 17.09.2014, proc. 1015/07.3PULSB.L4.S1; de 14.12.2016, proc. 303/14.7JELSB.E1.S1; de 13.12.2018, proc. 308/10.7JELSB-L3.S1 e de 11.07.2019, proc. 22/13.1PFVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt]. Para além disso nenhuma omissão de pronúncia se verificou, na medida em que – como acima já referimos – o Juiz no processo sumário não pode substituir-se ao Mº Público na decisão sobre a suspensão provisória do processo, tanto mais que após a alteração introduzida ao art. 384º do Código de Processo Penal, pela Lei nº20/2013 de 21.02, deixou de ser possível formular requerimento nesse sentido no início da audiência de julgamento, e a competência para formular juízo de concordância ou discordância é do Juiz de Instrução Criminal e não do Juiz de Julgamento [cf. para além da jurisprudência já invocada o Acórdão do TRP de 26.02.2014 , processo nº 213/13.5PDPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt]. Inexiste, pois, qualquer nulidade de sentença, improcedendo também nesta parte o recurso interposto. * III – Da medida da pena
Pretende o recorrente que a pena lhe seja especialmente atenuada, mais afirmando que a pena aplicada foi excessiva e desproporcional, devendo ser reduzida ao mínimo legal ou, no limite, a 80 dias, mantendo-se o quantitativo diário. No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre, antes do mais, atentar, no referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.04.2017 [processo nº 47/15.2IDLRA.C1, disponível in www.dgsi.pt], onde se escreve: “Fixada a pena é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Relativamente à determinação do quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada”. A censura que o tribunal de recurso pode fazer sobre a decisão respeitante à determinação da sanção, incide sobre todos os elementos fornecidos pelo tribunal que, não tendo sido considerados para a questão da culpabilidade, são relevantes para a determinação da sanção, bem como sobre todos os elementos que considerou “adquiridos” (e porque considerou adquiridos uns e outros não) e ainda sobre a forma, fundamentada, porque valorou esses fatores na decisão final. É função do recurso - antes de tudo, analisar criticamente, os “parâmetros” da determinação de sanções. Os poderes deste Tribunal abrangem nesta matéria, entre outras, a avaliação dos fatores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou de moldura da culpa, a atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, quando se encontrarem violadas regras de experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada. Assim, é forçoso concluir que o Tribunal de 2ª Instância apenas deverá intervir quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Começa o recorrente por invocar a atenuação especial da pena (conclusão XI) sem que, todavia, concretize essa menção. Nos termos do art. 72º do Código Penal: “1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. 3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo. Como se refere no Acórdão do STJ de 06.10.2021 [processo 401/20.8PAVNF.S1, disponível in www.dgsi.pt] “I - A atenuação especial da pena está reservada para os «casos extraordinários ou excecionais». Para a generalidade dos casos a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente. II - A substituição da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-se quando no caso concreto existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e “que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” – art. 72.º, n.º 1, do CP. III - Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla. (…)” Ora, dos autos não resulta qualquer circunstância excecional – e o arguido também a não invocou - que aponte para uma forte diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, que façam a moldura penal estabelecida tornar-se desadequada. Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, improcede, nesta parte o recurso interposto. Vejamos então a graduação da medida da pena efetuada: Em primeiro lugar, porque se refere às finalidades das penas e medidas de segurança, importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Por sua vez, decorre do artigo 70.º do Código Penal, sob a epígrafe “critério de escolha da pena”, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. O conteúdo deste artigo sintetiza o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminais na nossa ordem jurídica. Conforme refere Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 74, 75 e 113), face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, existe um princípio de preferência pelas reações criminais não detentivas face às detentivas. Resulta deste princípio que as medidas de segurança detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa da liberdade esta tem necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente. Fernanda Palma, (Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pág. 35), afirma “a decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese. (... ) A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão”, isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes. Neste particular referiu-se na sentença recorrida: “Este é um crime que é punido, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa, sendo que para fazer aquilo que se chama a escolha da pena, o tribunal atende às chamadas necessidades de prevenção geral e necessidades de prevenção especial. Necessidades de prevenção geral são como que uma mensagem para a sociedade para que a norma violada mantenha o seu vigor, mantenha a sua validade, para que as pessoas recebam a mensagem que uma vez violada esta norma, ela acarreta consequências jurídicas, neste caso consequências penais. Já no que diz respeito às necessidades de prevenção especial, elas dirigem-se exclusivamente à pessoa do arguido neste caso à sua pessoa. Ora, as necessidades de prevenção geral são certamente as mais elevadas que os tribunais conhecem. Nós estamos a falar de um crime que tem vindo sucessivamente a aumentar ao longo dos anos. Eh, aumentou 9,4% em 2023 quando comparado com 2022, 43,4% em 2022 quando comparado com 2021, 12,4% em 2021 quando comparado com 2020. Um crime que foi cometido, segundo os últimos dados que temos, que se reportam a 2023, 64 vezes por dia ao longo de todos os dias do ano. E para além disso, eh, ainda segundo os últimos estudos em Portugal, 1/3 dos acidentes em Portugal ocorre porque condutores exercem a condução sobre o efeito álcool. E, portanto, de facto, estamos a falar de umas necessidades de prevenção geral elevadíssimas, nada comparadas, naturalmente, com as necessários de prevenção especial, isto é, com aquilo que se reporta exclusivamente à sua pessoa. Estamos a falar de um arguido com um passado criminal completamente isento de repreensão, um arguido inserido a nível familiar, a nível social a nível profissional. E, considerando estes fatores, o tribunal tem de ser de lhe aplicar a pena de multa. Pena de multa é essa que varia entre os 10 e os 120 dias, sendo que para determinar a medida concreta desta pena, o tribunal atenda àquilo que se chamam as circunstâncias agravantes e atenuantes do caso concreto. As circunstâncias agravantes deste caso, desde logo, naturalmente, a ilicitude dos factos por conta da taxa de álcool no sangue. Estamos a falar de uma taxa muito elevada, uma taxa que já caminha para o dobro daquela que é considerada crime. Ainda também a este respeito é de notar que uma taxa de álcool no sangue de 2 g por litro corresponde a um aumento do perigo a de haver um acidente de 80 vezes. E, portanto, estamos a falar, de facto, de uma taxa elevadíssima, ainda acima deste número, porque lhe dei apenas, ou porque dei apenas um número de vezes correspondente a uma taxa de 2 g por litro. Por outro lado, também a intensidade do dolo, isto é, a vontade de cometer o crime. Tinha pleno conhecimento que tinha ingerido bebidas alcoólicas, tinha pleno conhecimento que estava no exercício da condução e, portanto, fê-lo eh sabendo disso. Não podemos também deixar de referir e pese embora, pese embora o horário, portanto um horário em que a maior parte da população já se encontra em casa, mas ainda assim estamos a falar de uma rua que tem já alguma afluência rodoviária e isso também pesa de alguma maneira, embora, como digo, a uma hora que o tráfego não era certamente ou, não é por norma certamente muito, muito visível, digamos assim. Por outro lado, se existem circunstâncias atenuantes que se posicionam favoravelmente em relação ao arguido, desde logo a sua postura em tribunal, uma postura correta, colaborante, assumiu os factos, contextualizou-os, é verdade, mas assumiu-os desde o início. Por outro lado, também a sua integração familiar, social, económica, profissional, a sua falta de antecedentes criminais por crimes de qualquer natureza. E, portanto, o tribunal entende de lhe aplicar uma pena de multa de 95 dias à taxa diária ou ao montante diário de 6 €, sendo que o montante mínimo são cinco. E, portanto, atendendo às suas condições de vida, o tribunal entende ser de aplicar o montante diário de seis 6 euros. Já no que diz respeito à pena acessória de proibição de conduzir. É uma pena assessória obrigatória. O tribunal não pode dispensá-la, não pode atenuá-la, não pode suspendê-la, não pode substituí-la, tem obrigatoriamente que a aplicar. É uma pena que varia entre os 3 meses e os 3 anos, sendo que para fazer aquilo também é que se chama a medida concreta ou determinada a medida concreta desta pena, o tribunal atende a tudo aquilo que já se disse acima quanto às circunstâncias agravantes e atenuantes deste caso concreto e atendendo também àquilo que tem sido a jurisprudência mais recente. A título meramente exemplificativo, temos, por exemplo, no acórdão da relação de Coimbra e de o acordo, o recurso número 345704 com uma taxa de álcool no sangue de 1,81 a proibição de 5 meses e 15 dias; no recurso 3108/05 taxa de 1,84, proibição de 6 meses. Recurso 26 17/05, taxa de 2,76, proibição de 8 meses. Recurso 1619/05, taxa de 3,3, proibição de 11 meses. Recurso número 221/07.5, taxa de 2,56, proibição de 7 meses. Recurso 8183.6, taxa de ..só um segundo, pena acessória de 7 meses e taxa de (…) de 2.6 . Portanto, considerando tudo isto, o tribunal entende de aplicar uma pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses e 15 dias. E, portanto, de uma forma muito sucinta, o tribunal decide condenar o arguido AA pela prática no passado dia 24 de janeiro de 2025 de um crime de condução do veículo em estado embriaguez previsto no artigo 292 número 1 do Código Penal e 69 número 1 al. a) do mesmo código na pena de 95 dias de multa à razão diária de 6 € bem como pena de multa sim bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com no período de 6 meses e 15 dias”. Ora, é absolutamente certo que são fortes as necessidades de prevenção geral em matéria de circulação rodoviária, continuando a verificar-se atualmente uma preocupante e elevada taxa de sinistralidade nas estradas portuguesas, não raras vezes devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Por sua vez a culpa consiste no juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, com a acção ilícita-típica, sendo ainda necessário que a conduta seja culposa, isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por traduzir uma atitude interna, pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual ele tem de responder perante as exigências do dever ser sociocomunitário. Esta culpabilidade não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência, sendo antes um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. * IV- Da pena acessória
Entende o recorrente que o quantum da pena acessória de proibição de conduzir se revela exagerada, entendendo que o tribunal desconsiderou as condições pessoais do recorrente, designadamente o facto de necessitar de conduzir veículo automóvel como condição sine qua non para o exercício da sua atividade. Conclui que a pena acessória ultrapassa a culpa verificada devendo ser reduzida e suspensa a sua execução ou substituída por outra capaz de assegurar os critérios da proporcionalidade e adequação que forma violados. Mais entende que a não ser suspensa deverá ser reduzida ao mínimo legal ou a 3 meses e 15 dias. Eestabelece o Artigo 69.º n.º 1 al. a) do CP, com a epígrafe “Proibição de conduzir veículos com motor”, o seguinte: 1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º; A pena acessória é uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, revestindo a natureza de uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente [cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, p. 165 e ss..] Acrescentando [ob. cit., p. 158]: “Condição necessária, mas nunca suficiente, de aplicação de uma pena acessória e, assim, a condenação numa pena principal; (…) Para além deste requisito torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie da pena acessória”. A aplicação da pena acessória tem, pois, uma “função preventiva adjuvante da pena principal”, não sendo de aplicação automática mas estando, ao invés, submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade e proporcionalidade. Aliás, nos crimes relacionados com o tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal, de multa – que, sendo esta a imposta, os infratores pagam, normalmente, sem grande inconformismo – ou de prisão suspensa na sua execução – que é vista até como menos onerosa que aquela. Daí que esta pena seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento do crime cometido no exercício da condução e, na situação presente, de condução em estado de embriaguez. Possuindo essa função preventiva adjuvante da pena principal, tem subjacente um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a sua concreta determinação se imponha, igualmente, o recurso aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, o que vale dizer que dada a paridade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, na respetiva definição haverá, em princípio, que atentar numa certa proporcionalidade entre a medida da pena principal e da sanção acessória que cabem ao caso, pese embora nada na lei imponha que as penas acessórias tenham de ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais [Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.12.2017, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.02.2018, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.]. Tratando-se de verdadeiras penas criminais e estando ligadas a considerações de culpa e de prevenção, como acima se referiu, a determinação da medida concreta das penas acessórias e concretamente da prevista no art.º 69 do CP, efetua-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.ºnº 1 e 2 do Código Penal. O Tribunal a quo efetuou uma análise ponderada e correta dos parâmetros de fixação da pena (já acima os transcrevemos a propósito da pena principal), Sendo certo que havendo uma tendencial proporcionalidade entre a pena principal e a pena acessória - até porque os critérios da sua aplicação são tendencialmente os mesmos - estas não têm de ser matematicamente equivalentes, desde logo, pela diversidade dos objetivos de política criminal e finalidades que lhe estão subjacentes. Porém, como se refere no AC TRL de 27.06.2023 [proc. nº 1052/22.0PBSNT.L1-5, disponível in www.dgsi.pt] “(…) a tendência legislativa vai no sentido do agravamento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por crimes cometidos sob a influência do álcool, como veio a suceder com a redação dada ao artigo 69.º do Código Penal, pela Lei n.º 77/2001, de 13 de julho, em vigor à data da prática dos factos, que definiu com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevou o limite mínimo e o limite máximo de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respetivamente. O que evidencia o seu relevo em termos de política criminal, como instrumento de prevenção e combate aos elevados índices de sinistralidade rodoviária, para que contribui, como um dos fatores mais relevantes, a condução sob o efeito do álcool e a não interiorização, pelos condutores portugueses, por fatores culturais enraizados, da incompatibilidade entre o consumo de bebidas alcoólicas e o exercício da condução”. A ausência de antecedentes criminais do arguido, nascido em 1954, aponta para o carácter isolado da sua conduta e a propensão para o respeito pelas normas do Direito. O arguido está integrado familiar, social e profissionalmente, pelo que as necessidades de prevenção especial não sendo diminutas, não são elevadas. O arguido confessou os factos e mostrou arrependimento, o que não deixou de ser valorado pelo Tribunal a quo. Porém, o grau de ilicitude do facto é elevado, atenta a concreta taxa de álcool verificada – veja-se que a taxa que faz a conduta integrar a prática de crime é de 1,2g/l e o arguido conduzia com uma taxa álcool de 2,21 g/l, descontando o erro máximo admissível (equivalente à TAS registada de 2,33 g/l). O arguido atuou com dolo direto. Reiteram-se aqui as considerações acerca das elevadas as exigências de prevenção geral positiva, tendo em conta os elevados índices de sinistralidade rodoviária em Portugal, que se repercute muitas vezes na perda de vidas humanas, o que impõe a necessidade de medidas dissuasoras efetivas, tendo, neste campo, particular importância a pena acessória em apreço, sobretudo quando os valores de álcool no sangue se distanciam já com algum relevo do limite mínimo de 1,2 g/l, como ocorre na situação presente, o que acarreta uma maior (e exponencial) potenciação do perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados. Neste sentido o acórdão do TRC de 03.12.2008 [proc. 207/08.2GCACB.C1, disponível in www.dgsi.pt]. Ora, a segurança rodoviária é um bem jurídico fortemente valorado pela comunidade e, consequentemente, a aplicação de uma pena dissuasiva mostra-se justificada pela necessidade de restabelecer a paz comunitária. Deste modo, apesar da ausência de antecedentes criminais do arguido, da sua idade e inserção social, as prementes exigências de prevenção geral, bem como as restantes circunstâncias supramencionadas e designadamente a elevada culpa e ilicitude verificadas – tendo por base uma moldura que vai dos três meses aos três anos de proibição de conduzir veículos com motor – levam-nos a concluir que a pena acessória de 3 meses e 15 dias seria insuficiente para satisfazer as finalidades da punição, mostrando-se bastante desproporcionada, por exígua, até em face da pena principal aplicada - que se cifrou em 95 dias de multa numa moldura penal de 10 a 120 dias de multa – e, como tal, ineficaz para satisfazer as funções que lhe são atribuídas. Em face do exposto e considerando os limites mínimos e máximos assinalados para a pena acessória de proibição de conduzir no tipo legal de crime em apreço afigura-se adequada, proporcional e justa à situação em apreço a pena acessória de 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias, aplicada pelo Tribunal a quo. Pugna ainda o recorrente pela suspensão da execução da referida pena acessória, entendendo que ao não o fazer o tribunal violou os arts. 35º, nº 5 e 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa. Defende que a condução é condição sine qua non da sua atividade profissional e como tal apenas a suspensão desta pena acessória ou a sua substituição por outra lhe garante o exercício da sua atividade profissional. Cremos ser unânime na jurisprudência a impossibilidade da suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis. Assim se pronunciaram entre outros o Acórdão do TRP de 27.09.2011, Proc. nº 249/11.0PALGS; o Acórdão do TRP de 07.12.2022, processo nº 314/22.9PFVNG.P1; o Acórdão do TRE de 24.05.2018, processo nº 324/17.8PBBJA.E1; o Acórdão do TRE de 21.11.2023, processo nº 33/23.9GBNIS.E1; o Acórdão do TRL de 20.02.2019, Processo n.º 236/18.8PCPDL.L1-3; o Acórdão do TRL de 27.06.2023, processo nº 1025/22.0PBSNT.L1-5; o Acórdão do TRC de 16.11.2011, processo nº 87/11.0GTCTB.C1 e ainda o Acórdão do TRC de 24-04-2013, processo 77/11.3GBNLS.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt A este propósito cita-se ainda o Acórdão deste TRC de 08.03.2017, processo nº 183/16.8GATBU.C1 onde se escreveu: “O regime jurídico das penas acessórias está regulado nos art.ºs 65.º a 69.º do CP, não se prevendo aí a possibilidade da suspensão da sua execução ou do seu cumprimento em regime descontínuo. Aliás, a pretensa analogia com o regime das penas de prisão não ocorre, já que nestas está em causa a liberdade das pessoas, que beneficia de protecção constitucional, enquanto que na inibição de conduzir está em causa a privação temporária de uma faculdade legal acessória que nem todos os cidadãos detêm. Se é verdade que o direito à liberdade integra o cerne dos direitos, liberdades e garantias que beneficiam de protecção constitucional directa (artº 27º, CRP), o mesmo já não acontece com a faculdade de conduzir. Por outro lado, não está directamente em causa o direito à segurança no emprego (artº 53º, CRP), pois que não estamos perante um despedimento, nem sequer perante uma privação de um direito secundário, como pena acessória, que possa conduzir, inexoravelmente, a esse mesmo resultado. Existem alternativas que o arguido deverá procurar, constituindo as mesmas uma consequência da pena aplicada. Assim sendo, e não estando em causa qualquer direito, liberdade ou garantia com garantia constitucional directa, não se mostra violado o artº 18º da CRP. Aliás, mesmo relativamente aos direitos fundamentais, como o direito à liberdade, pode acontecer a sua privação por força de sentença penal condenatória ou de aplicação de medida de coacção (artº 27º, CRP)”. Na verdade, contrariamente ao que sucede relativamente ao regime jurídico atinente às penas de prisão, a que aludem os artigos 50º e ss do Código Penal, ali não se prevê a possibilidade da suspensão da sua execução com ou sem caução. Assim sendo, suspender a execução de tal pena, ou substituí-la por uma pena alternativa, seria criar uma sanção inexistente no nosso sistema jurídico, com violação do princípio da legalidade das penas previsto no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa e artigo 2º do Código Penal. Assim, não se encontrando prevista essa possibilidade de suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir não pode o tribunal aplicá-la. Invoca ainda o recorrente que a aplicação desta pena acessória viola o seu direito ao trabalho na medida em que necessita de conduzir para exercer a sua profissão. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta interligação/ dicotomia entre o direito ao trabalho e a proibição e conduzir veículos, designadamente no acórdão n.º 440/02, de 23.10.2002, proferido no processo 281/2002, ou mais recentemente no Acórdão nº 742/2021 de 23.08.2021 [disponível in Tribunalconstitucional.pt], aí se referindo o seguinte: (…) A atribuição à pena acessória de proibição de condução de um conteúdo fixo - proibição de condução de veículos com motor de qualquer categoria - constitui uma faculdade ao alcance do legislador ordinário. No âmbito da reação à chamada criminalidade rodoviária, o legislador encontra-se constitucionalmente habilitado a optar por uma solução que, tendo em vista assegurar uma maior eficácia político-criminal à pena acessória aplicável, integre no âmbito da proibição o exercício da faculdade de condução de veículos motorizados de qualquer categoria, excluindo a possibilidade de tal proibição ser positiva ou negativamente delimitada de modo a não comprometer a faculdade de condução de categorias específicas de veículos, para as quais o condenado se encontre igualmente habilitado. Simplesmente, impor nestes casos à pena acessória a contração necessária (ou na extensão necessária) a permitir a acomodação, durante o período temporal correspondente à sua medida, dos pressupostos necessários ao exercício sem interrupções das tarefas que integram a profissão livremente escolhida pelo condenado é resultado que se não retira, nem dos princípios da necessidade e da proporcionalidade das sanções penais - que, como vimos, apenas permitem censurar sanções criminais manifestamente arbitrárias ou excessivas -, nem, em geral, dos limites a que, por força do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, se encontram sujeitas as quaisquer leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. (…)Tal conclusão foi expressa no Acórdão n.º 440/2002 nos termos que se seguem: «Mas, ainda que fosse demostrada aquela factualidade (ou seja, que o recorrente inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão), adianta-se desde já que a objetiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada. Efetivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspetiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspetiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.» Simplesmente, não se pode dizer que as vantagens que a comunidade retira da medida estadual em causa sejam desproporcionais às desvantagens com que tal medida atinge o «membro da comunidade jurídica» que a deverá suportar - no caso, o condenado pela prática do crime de desobediência por recusa de submissão às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas (sobre o princípio da proibição do excesso, Maria Lúcia Amaral, A Forma da República – Uma introdução ao estudo do direito constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 186). Tal como a impossibilidade de restringir a proibição de condução acessoriamente aplicável a certa categoria de veículos motorizados ou de excluir dessa proibição a condução da categoria de veículos habitualmente utilizada pelo arguido no exercício da sua atividade profissional, também a execução necessariamente integral, contínua e efetiva da referida pena acessória se justifica pela necessidade de imprimir maior eficácia político-criminal aos instrumentos de reação à criminalidade rodoviária, tendo em conta os elevados índices de sinistralidade que lhe estão associados, não podendo dizer-se que constitua uma medida inidónea, desnecessária ou excessiva em face de tal desiderato. (sublinhado nosso). Deste modo no confronto do direito ao trabalho com a proteção da segurança rodoviária e a vida das pessoas, a limitação daquele primeiro direito não é arbitrária, mas antes justificada para salvaguarda de outros bens ou interesses igualmente protegidos pela Constituição da República Portuguesa, como sejam a segurança rodoviária a integridade física e a vida dos condutores e outros utentes das vias públicas. Inexiste assim qualquer violação do disposto nos arts. 35º, nº 5, 58º ou 59º da Constituição da República Portuguesa, ou das restantes disposições constitucionais invocadas. *** V. Decisão
Pelo exposto acordam, os Juízes desta 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em: - Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida nos seus precisos termos. Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. * (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Coimbra 14 de maio de 2025 Sandra Ferreira (Juíza Desembargadora Relatora) Paulo Guerra (Juiz Desembargador Adjunto) Sara Reis Marques (Juíza Desembargadora Adjunta)
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