Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1169/19.6T8CVL-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RICARDO
Descritores: SERVIDÃO CONSTITUÍDA POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
SERVIDÃO CONSTITUÍDA POR USUCAPIÃO
INDEMNIZAÇÃO
PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – COVILHÃ – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 566.º, N.º 3, 1547.º, 1554.º, 1568º, Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 5.º, N.º 1, 130.º, 487º, Nº1 E 3, 609.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A segunda perícia, face ao disposto no art. 487º, nº3, do C.P.C., tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.

II – Sendo constituída uma servidão de passagem por destinação de pai de família ou usucapião, o proprietário do prédio serviente não tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos daí resultantes.

III – Tratando-se de uma servidão legal de passagem, há lugar à indemnização prevista no art. 1554º do Código Civil, caso o proprietário do prédio serviente formule um pedido nesse sentido.

IV – Não deve ser determinada a realização de uma perícia destinada a apurar prejuízos resultantes da servidão quando o proprietário do prédio serviente não tem direito a ser indemnizado ou quando não formula o respectivo pedido de ressarcimento, nos casos em que lhe assiste esse direito.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO.

AA e marido BB, devidamente identificados nos autos, instauraram no Juízo Local Cível da Covilhã acção comum contra CC, DD, EE, FF, GG, HH e II [1],

pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a:

a) Reconhecerem que o prédio dos autores e de JJ goza de uma servidão de passagem a pé e de automóvel por um caminho, melhor identificado nos artigos 9º e 10º da petição inicial, com as características e dimensões aí elencadas, constituída por destinação de pai de família e usucapião a favor do prédio descrito no artigo 1º do mesmo articulado;

b) Absterem-se de, por qualquer modo, impedir o uso e acesso dos autores ao caminho identificado nos artigos 9º e 10º supra referidos;

c) Retirar de imediato o portão colocado no início do caminho identificado nos artigos 9º e 10º atrás mencionados;

d) Solidariamente, indemnizar os autores pelos danos morais sofridos na quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);

e) A título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento aos autores da quantia de 100€ por cada dia de atraso na retirada do portão colocado no início do caminho identificado nos artigos 9º e 10º já referidos.


***

Paralelamente, deduziram incidente de intervenção provocada de JJ [2], em virtude da mesma ser proprietária de ¾ do imóvel identificado no art. 1º do articulado inicial.

***

Para fundamentar o conjunto de pretensões supra enunciado, alegaram, em resumo, o seguinte:

- A autora mulher é comproprietária, na proporção de ¼, de um prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...86, sendo os réus, por sua vez, proprietários de um imóvel que confronta com o prédio atrás referenciado;

- Há mais de 70 anos, no local onde hoje se encontra edificado o imóvel da autora, existia apenas um prédio rústico propriedade do avô da ora demandante, tendo este último, no ano de 1947, aberto um caminho de acesso a tal prédio;

- O caminho em causa atravessa o prédio dos réus, sendo através do mesmo que se acedia, a pé e de carro, ao imóvel que se encontra na titularidade da autora;

- A única passagem de acesso ao prédio da demandante, com veículos automóveis, é o caminho em questão;

- Os réus HH e DD, em Julho de 2018, colocaram um portão no início do referido caminho, impedindo a autora – e respectivos familiares - de aceder ao seu prédio;

- Consequentemente, deve ser reconhecido que foi constituída uma servidão de passagem por usucapião/destinação de pai de família, com as demais consequências peticionadas nos autos.


***

Os réus contestaram [3], impugnando, de forma motivada, parte da factualidade alegada pelos autores e peticionando, a título reconvencional, caso os pedidos dos autores venham e merecer procedência, que seja autorizada a mudança da alegada servidão para sítio diferente, bem como que seja nomeado um perito que venha aos autos definir em que termos pode essa mudança ser feita da forma menos gravosa para ambas as partes.

Na mesma peça processual, requereram a realização de uma perícia, para as finalidades previstas em sede de reconvenção.     


***

Os autores apresentaram réplica, sustentando que o pedido reconvencional carece de fundamento de facto e de direito.


**

Em 31/3/2022, foi proferido despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, da seguinte forma:

III - Objeto do litígio:

Na ação inicial:

A titularidade pelos autores do direito de servidão de passagem invocado na petição inicial.

O direito dos autores a uma indemnização por danos morais.

Em sede reconvencional, o direito dos réus à mudança do leito da servidão, em caso de procedência da ação inicial.


*

IV - Temas da prova:

1. Saber se o prédio identificado no artigo 4º da contestação se encontra onerado com uma servidão de passagem, a pé e de veiculo automóvel, a favor do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, com as características e nos moldes elencados na petição inicial;

2. Saber se os autores adquiriram o referido direito de servidão por destinação de pai de família e por usucapião;

3. Saber se existe obrigação de os réus removerem o portão colocado no inicio do caminho, identificado nos artigos 9º e 10º da petição inicial;

4. Saber se os autores têm direito a uma indemnização por danos morais, em virtude dos factos descritos nos autos e, na afirmativa, o quantum da mesma.

5. Saber se existe fundamento para a mudança do leito da servidão da Estrada Nacional ...8 para a Rua ... e se tal mudança se mostra exequível;

6. Na afirmativa, saber se tal mudança do leito da servidão se mostra conveniente aos réus e não prejudica os interesses dos autores.”.


**

Concomitantemente, foi admitida a requerida perícia, tendo o respectivo objecto sido fixado nos seguintes termos:

1) É possível o acesso, pedonal e de veículo automóvel, ao logradouro do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, através da Rua ..., sem a realização de quaisquer obras?

2) Na negativa, é possível tal acesso, pedonal e de veículo automóvel, com a realização de obras?

3) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 2), quais os trabalhos a realizar, o custo dos mesmos e o tempo necessário à sua execução?

4) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 2), quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os autores, a eventual mudança de acesso - da Estrada Nacional ...8 para a Rua ... - ao logradouro do prédio referido no artigo 1º da petição inicial?”.


***

Em 27/4/2022, foi junto aos autos o respectivo relatório pericial, apresentando o mesmo, relativamente às questões que foram colocadas no despacho que fixou o objecto da perícia, o seguinte teor:

Quesitos

1) É possível o acesso, pedonal e de veículo automóvel, ao logradouro do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, através da Rua ..., sem a realização de quaisquer obras?


a. O acesso ao logradouro do prédio identificado no art.º 1 da PI, nomeadamente o troço entre o arruamento, anteriormente chamado de Rua ... e atual Rua ..., tem a seguinte configuração esquemática:

O troço entre a Rua ... e o logradouro do prédio do AA(s) tem um desenvolvimento de cerca de 8,00m, com uma largura de 2,45m, junto ao arruamento, 2,35m junto ao logradouro, uma largura mínima de 2,20m, quer na seção mais estreita do troço quer junto ao arruamento com o portão, de duas folhas aberto. Tem ainda uma floreira, com 0,40x4,80m, com 0,20m de altura, que reduz a secção de circulação em 0,40m, ficando com uma largura útil de 1,80m. Tem ainda uma laranjeira, junto ao “Barraco”, cujos ramos condicionam a altura útil do troço, registando-se 1,90m de altura abaixo dos ramos da laranjeira. Encontrando-se pavimentado com argamassa de cimento e pedra;

b. O acesso pedonal é possível e sem restrições;

c. Relativamente ao acesso de veículos automóveis, a largura útil existente é de 1,80m (2,20-0,40) e a largura máxima para veículos automóveis1 é de 2,55m. Pelo que o acesso a viaturas automóveis com largura superior a 1,70m, para garantir uma margem de segurança de cerca de 0,10m, não é possível, sem a realização de trabalhos de demolição do “Barraco”, de muros, da floreira, corte da laranjeira e posterior reposição de muros e pavimento.

2) Na negativa, é possível tal acesso, pedonal e de veículo automóvel, com a realização de obras?

a. Sim. Com a realização de obras, nomeadamente a demolição do “Barraco”, de muros, da floreira, corte da laranjeira e posterior reposição de muros e pavimento, de forma a garantir uma largura mínima superior a 2,55m, mais 0,10m de margem de segurança. Largura que garante o acesso a qualquer veículo automóvel;

3) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 2), quais os trabalhos a realizar, o custo dos mesmos e o tempo necessário à sua execução?

a. Junta-se em anexo mapa com a descrição, medições e estimativa orçamental dos trabalhos a realizar para garantir uma largura mínima de cerca de 2,65m no troço entre a Rua ... e o logradouro do prédio do AA(s). Cujo valor total estimado é de 3.271,00€ (três mil duzentos e setenta e um euros), valor a que acresce o imposto sobre o valor acrescentado, à taxa legal em vigor;

b. Estima-se que o prazo necessário para a execução dos trabalhos será de 60 dias.

4) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 2), quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os autores, a eventual mudança de acesso - da Estrada Nacional ...8 para a Rua ... - ao logradouro do prédio referido no artigo 1º da petição inicial?

a. O prejuízo que resulte da mudança de acesso pode ser por desvalorização do prédio, por perda de benfeitorias ou por custos imputados pela mudança;

b. Objetivamente o maior prejuízo advém de o acesso passar a ser feito por um arruamento secundário da aldeia em detrimento de um acesso por uma Estrada Nacional, podendo-se quantificar esse prejuízo numa desvalorização do prédio do AA(s) em cerca de 2,5% do seu valor;

c. Em termos de perdas de benfeitorias, poderemos contabilizar a perda do Barraco, no qual se inclui os muros, da floreira e da laranjeira. Estimando-se um valor global destas benfeitorias em cerca de 2.500,00€;

d. Por outro lado, o AA(s) para ter acesso ao seu prédio, deixando de utilizar o caminho entre a EN...8 e o logradouro, terá de percorrer uma distância diferente, caso se desloque de Norte ou do Sul para o seu prédio. Sendo que neste caso é ligeiramente inferior se vier de Norte, menos cerca de 15m, e relativamente superior se vier de Sul, cerca de 235m, conforme cálculo seguinte:

Estimando-se que o AA(s), em média, por dia, efetua duas deslocações para Sul, ida e volta, teremos no final de cada ano percorridos cerca de 180,00Km (365 x 2 x 235m), que a um valor de 0,25€/km significa um prejuízo anual de cerca de 45,00€ (0,25 x180,00). Considerando-se nulo o prejuízo decorrente do acesso ser feito de norte.

e. Haverá ainda a somar a estes prejuízos os custos do restabelecimento do acesso ao prédio em condições idênticas, largura, ao existente desde a EN...8


***

Em 6/6/2022, os autores apresentaram articulado superveniente, admitido liminarmente por despacho proferido a 29/6/2022, tendo os réus, nessa sequência, deduzido a competente resposta [4], na qual requereram que o Sr. Perito visse esclarecer, em termos percentuais, em que medida ficará o prédio dos réus desvalorizado face às circunstâncias referidas no articulado superveniente e na resposta.


***

Em 12/10/2022, foi proferido despacho a aditar dois pontos aos temas da prova [5] [6] e a determinar que se realizasse uma perícia, com o seguinte objecto:

1) Se estiver estacionado um veículo automóvel no logradouro do prédio identificado no artigo 4º da contestação, tal impede o acesso de veículo automóvel ao prédio identificado no artigo 1º da petição inicial (logradouro e garagem) (ou seja, o local em causa tem largura suficiente para a passagem de um veículo automóvel caso esteja estacionado, em simultâneo, outro veículo automóvel)?

2) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 1), quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores da existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?”.


***

Em 17/7/2023, foi apresentado o novo relatório pericial, cujo teor, relativamente às questões colocadas no despacho de 12/10/2022, é o seguinte:


***

Em 7/9/2023, os réus deduziram reclamação contra o relatório pericial, nos seguintes termos:        

1. Veio o Sr. Perito apresentar novo Relatório Pericial, em complemento ao relatório de 26.04.2022, para responder aos seguintes quesitos:

“1) Se estiver estacionado um veículo automóvel no logradouro do prédio identificado no artigo 4º da contestação, tal impede o acesso de veículo automóvel ao prédio identificado no artigo 1º da petição inicial (logradouro e garagem) (ou seja, o local em causa tem largura suficiente para a passagem de um veículo automóvel caso esteja estacionado, em simultâneo, outro veículo automóvel)?

2) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 1), quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores da existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?”

2. Relativamente ao primeiro quesito, esclareceu o Sr. Perito que o estacionamento de uma viatura no troço pavimentado em calçada de granito impede o acesso ao prédio identificado no artigo 1º da Petição Inicial, uma vez que o troço tem uma largura de cerca de 2,80m;

3. Significando isto que o local não tem largura suficiente para a passagem de um veículo automóvel caso esteja estacionado, em simultâneo, outro veículo;

4. Este facto resulta, naturalmente, não só na impossibilidade de os RR. estacionarem em frente ao seu prédio, caso venha a ser reconhecida a servidão requerida pelos AA., como numa limitação geral do uso do exterior da sua propriedade;

5. Facto que devia ter sido levado em consideração na resposta ao segundo quesito e, como se verá, não o foi;

6. Com efeito, relativamente ao segundo quesito, salvo o devido respeito, a resposta apresentada pelo Perito não é de todo esclarecedora, nem corresponde ao que de facto se pretendia saber;

7. A páginas 7 do relatório o Sr. Perito refere que existe uma “natural desvalorização do prédio, caso seja constituída a servidão de passagem, que, automaticamente, deriva da desvalorização deste, em comparação com um outro sobre que não seja imposto tal ónus”,

8. O que parece lógico;

9. Contudo, existe uma clara insuficiência no que diz respeito à indicação do valor da desvalorização do prédio em caso de constituição da servidão, pois

10. Em vez de apresentar um valor que resulte da ponderação dos diversos fatores relevantes, como seja:

• Avaliação do modo como o direito de propriedade fica limitado pela existência de um caminho afeto a terceiros;

• Avaliação da questão da privacidade ou falta dela;

• Avaliação da segurança e em que medida pode a mesma ser afetada em virtude da existência de um caminho aberto a terceiros, conhecidos e desconhecidos dos RR.;

• Avaliação do modo em como a existência de um caminho poderá influenciar – de forma negativa – a eventual vontade de aquisição por parte de um potencial comprador, ou, pelo menos, o valor dessa aquisição;

• Avaliação da perda de direitos básicos dos RR. ou de qualquer outro eventual proprietário do prédio que atualmente lhes pertence, uma vez que tal caminho, a ser reconhecido, impede não só que os proprietários do prédio e seus convidados estacionem em frente ao mesmo, antes tendo que estacionar na via pública (EN...8), como limita de uma forma geral a utilização do exterior do seu prédio;

• Avaliação da limitação da acessibilidade ao imóvel dos RR.

11. Vem o Sr. Perito apresentar um “cálculo do valor do troço”, que se limita a averiguar a área do troço, atribuir-lhe um valor e determinar esse valor como “a desvalorização”;

12. Ora, não pode esta resposta ser tida como a definitiva em resposta ao quesito 2 ([…] quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores da existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?”), porquanto os prejuízos serão muito mais além do que a mera atribuição de um valor aritmético à área que constitui a eventual Servidão;

13. É relevante saber qual o valor de desvalorização em termos de valor de mercado do imóvel, comparando, nessa perspetiva, o valor do imóvel tendo em conta todas as limitações referidas supra, face ao valor do imóvel caso essas limitações não existam;

14. Essa perspetiva é muito mais abrangente do que aquela que o Sr. Perito aborda no Relatório Pericial, sendo substancialmente mais relevante e só assim respondendo de forma plena ao Quesito formulado;

15. Pois, como é evidente, a valorização ou desvalorização de um imóvel não é determinada somente pelos seus m2;

16. Ou seja, sem a servidão temos um prédio com uma configuração física que permite aos RR. estacionar o seu veículo e fazer uso do exterior sem qualquer limitação, e já a existência de servidão elimina a possibilidade de uso daquela área, o que significa que passamos a ter uma vivenda sem local para estacionar e com uso exterior limitado;

17. Nestes termos, no que diz respeito à resposta ao Quesito 2, o Relatório Pericial é deficiente, uma vez que não faz a ponderação de todos os fatores relevantes, antes limitando-se a fazer um cálculo aritmético que, com todo o respeito, qualquer pessoa conseguiria fazer com base nos mesmos dados.

18. Pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 485.º do CPC, requer-se a V/Exa. seja o Sr. Perito notificado para corrigir a apontada deficiência, retificando o relatório pericial de forma a dar uma resposta completa e cabal ao Quesito n.º 2.”.


**

Em 7/1/2024, foi proferido despacho a determinar que o Sr. Perito completasse o relatório pericial, nos termos requeridos pelos réus, tendo o mesmo, nessa sequência, em 31/1/2024, apresentado a seguinte peça processual:

1. INTRODUÇÃO

Refere-se o presente documento ao esclarecimento ao relatório de peritagem nos termos solicitados pelo Meritíssimo Juiz, no âmbito do Processo n.º 1169/19.....

2. OBJECTIVO

Pretende-se com o presente relatório responder a um pedido de esclarecimento e fundamentação do relatório anteriormente apresentado.

3. CONSIDERAÇÕES

Atento o requerimento apresentado pelo Digníssimo Mandatário dos Réus, nomeadamente cumpre- me fazer as seguintes considerações:

a) No troço em questão, caso esteja estacionado/parado um veiculo, impede a circulação e/ou condiciona o estacionamento de um outro, uma vez que a movimentação do primeiro ficaria sempre dependente do segundo;

b) O prédio dos Réus, nomeadamente junto à edificação, possui um espaço onde se pode estacionar um veículo ligeiro, sem que tal ato impeça a circulação no troço em questão, conforme se pode observar na imagem seguinte

c) Em relação ao ponto 10, do requerimento referido anteriormente, não cabe ao perito avaliar fatores subjetivos, nem tão pouco decidir sobre o reconhecimento aos autores da existência da servidão de passagem, que a existir e se for essa a douta decisão, implica que toda a ponderação dos fatores relevantes descritos no referido n.º 10 deixem de fazer sentido, porque os Autores terão direito à servidão de passagem. Caso a decisão seja de não reconhecer aos Autores a servidão de passagem os fatores relevantes descritos no n.º 10 não existem;

d) A avaliação de um prédio, urbano ou rústico, resulta, simplificando a justificação, numa metodologia definida pelo perito avaliador, sendo o signatário deste relatório de avaliação pertence à “Lista Oficial de Peritos Avaliadores da Região Centro”. A metodologia utilizada é aquela que para o perito, tendo por base o seu conhecimento, experiência e formação profissional que lhe conferiu essa competência, melhor se ajusta ao caso em apreço, baseando esses cálculos e metodologias no seu conhecimento, formação e experiência, não se limitando a fazer uns meros cálculos aritméticos.

ESCLARECIMENTOS

18. Pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 485.º do CPC, vem reque-se a V/Exa- seja o Sr. Perito notificado para corrigir a apontada deficiência, retificando o relatório pericial de forma a dar uma resposta completa e cabal ao Quesito n.º 2.

2) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 1), quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores à existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?

a) O perito considera que, atentas as considerações efetuadas anteriormente, nada tem a corrigir na resposta dada ao Quesito 2), pelo que mantém a resposta dada:

a. Em termos concretos e objetivos, o prejuízo pelo reconhecimento aos autores da existência de uma serventia, cinge-se à partilha de um espaço com os autores e à impossibilidade da sua utilização para outros fins que não seja o acesso ao prédio dos autores e à edificação e ao espaço restante do logradouro do prédio dos réus, nomeadamente ao espaço que permite o estacionamento junto à edificação de uma viatura ligeira;

b. Em termos de desvalorização do prédio dos réus, os prejuízos do prédio serviente, a sua menor valia, serão considerados na fixação do prejuízo, causado pela natural desvalorização do prédio, caso seja constituída a servidão de passagem, que, automaticamente, deriva da desvalorização deste, em comparação com um outro sobre que não seja imposto tal ónus. Na imagem seguinte podemos observar, a azul, o troço sobre o qual poderá existir a área serviente, com uma área de cerca de 122,36m2;


c. Em anexo, juntam-se os cálculos justificativos, que conduziram ao valor médio unitário do solo do logradouro do prédio dos RR de 13,00€/m2;

d. Assim, considera-se que o prejuízo causado pela natural desvalorização do prédio, caso seja constituída a servidão de passagem, corresponde a 50% do valor do troço sobre o qual poderá existir a área serviente, ou seja, para uma área de cerca de 122,36m2, teremos o valor de 795,34€:

i. V= 122,36m2 x 13,00€/m2 x 50% = 795,34€”.


***

Por requerimento apresentado a 15/2/2024, os réus requereram a realização de uma segunda perícia, com os seguintes fundamentos

1. Foram os ora RR. Reconvintes notificados do novo Relatório apresentado pelo Perito, Eng. KK, no qual se pretendia que procedesse aos esclarecimentos solicitados pelo Mma. Juiz, no seguimento do Requerimento/Reclamação apresentada pelos RR. em 07/09/2023;

2. Sucede, porém, que, mais uma vez, o Perito nomeado não apresenta uma resposta completa às questões formuladas, as quais são da maior relevância no caso dos presentes autos;

3. Os ora RR. não pretendem desvalorizar o trabalho e a ciência do Sr. Perito, mas tendo em conta tudo o que está implicado nestes autos, entendem que é necessária a ponderação de critérios mais abrangentes do que aqueles que são apresentados no Relatório Inicial e nos esclarecimentos agora apresentados;

4. Com efeito, da presente ação advirá uma das seguintes soluções: a) não reconhecimento de qualquer servidão de passagem; b) reconhecimento de uma servidão nos termos formulados pelos AA.; ou c) reconhecimento de uma servidão, com ordenação da alteração da mesma de forma a diminuir o prejuízo que tal reconhecimento implica para os RR. (cfr. pedido reconvencional formulado pelos RR. na Contestação);

5. Assim, é essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa que seja apresentada uma resposta completa e cabal a ambos os quesitos formulados pelo douto Tribunal no Despacho datado de 12/10/2022;

6. No caso concreto, e com todo o respeito, que é muito, pelo Sr. Perito nomeado, entendem os RR. que continua a não ser dada uma resposta idónea ao quesito 2 (“Quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores da existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?”);

7. Em sede de esclarecimentos, veio o Sr. Perito manter a resposta inicialmente apresentada, nada mais acrescentando, e referindo que “não cabe ao perito avaliar fatores subjetivos”;

8. Sucede, porém, que, no caso dos presentes autos, só será apurada a verdade e feita Justiça se na decisão da causa forem ponderados todos os critérios relevantes, incluindo os fatores que o Sr. Perito qualifica como “fatores subjetivos”;

9. Refere o Sr. Perito, na alínea c) das suas “Considerações”, que “(…) o reconhecimento aos autores da existência da servidão de passagem (…) implica que toda a ponderação dos fatores relevantes descritos no referido n.º 10 deixem de fazer sentido, porque os Autores terão direito à servidão de passagem”,

10. E que “Caso a decisão seja de não reconhecer aos Autores a servidão de passagem os fatores relevantes descritos no n.º 10 não existem”;

11. Parece o Sr. Perito não ter perceção que o objetivo da Peritagem é o de trazer aos autos elementos que podem ser relevantes para ajudar o douto Tribunal a decidir;

12. Ou seja, é objetivo da peritagem a ponderação, prévia à decisão a ser proferida nos presentes autos, dos fatores relevantes descritos no ponto 10 do requerimento dos RR.,

13. Pelo que não se entende o alcance do referido na mencionada al. c) das “Considerações” feitas no Relatório agora apresentado;

14. Assim, continuam os RR. a entender que a resposta ao quesito e/ou posteriores esclarecimentos deveria ter tido em conta pelo menos os seguintes fatores:

- Avaliação do modo como o direito de propriedade fica limitado pela existência de um caminho afeto a terceiros;

- Avaliação da questão da privacidade ou falta dela;

- Avaliação da segurança e em que medida pode a mesma ser afetada em virtude da existência de um caminho aberto a terceiros, conhecidos e desconhecidos dos RR.;

- Avaliação do modo em como a existência de um caminho poderá influenciar – de forma negativa – a eventual vontade de aquisição por parte de um potencial comprador, ou, pelo menos, o valor dessa aquisição;

- Avaliação da perda de direitos básicos dos RR. ou de qualquer outro eventual proprietário do prédio que atualmente lhes pertence, uma vez que tal caminho, a ser reconhecido, impede não só que os proprietários do prédio e seus convidados estacionem em frente ao mesmo, antes tendo que estacionar na via pública (EN...8), como limita de uma forma geral a utilização do exterior do seu prédio;

- Avaliação da limitação da acessibilidade ao imóvel dos RR;

- Avaliação da perturbação e sossego dos RR;

- Avaliação/ponderação da devassa do imóvel.

15. Ou seja, é relevante saber qual o valor de desvalorização em termos de valor de mercado do imóvel, comparando, nessa perspetiva, o valor do imóvel tendo em conta todas as limitações referidas supra, face ao valor do imóvel caso essas limitações não existam;

16. Nestes termos, o Relatório Pericial e Esclarecimentos apresentados continuam a ser deficientes, uma vez que não fazem a ponderação de todos os fatores relevantes para a boa decisão da causa, antes limitando-se a fazer um cálculo aritmético que, com todo o respeito, não é suficiente e idóneo para apurar a real e efetiva desvalorização do prédio dos RR. em caso de reconhecimento de uma servidão de passagem;

17. Assim, tendo em conta que o perito nomeado continua a não responder de forma cabal a ambos os quesitos formulados, não obstante tal ter sido ordenado pelo douto Tribunal,

18. E tendo em conta que é o próprio perito que refere que “a metodologia utilizada é aquela que para o perito, tendo por base o seu conhecimento, experiência e formação profissional que lhe conferiu essa competência, melhor se ajusta ao caso em apreço (…)”;

19. Tendo, portanto, ignorado por completo a determinação de esclarecimentos levada a cabo pelo Tribunal,

20. Consideram os ora RR. que é essencial para a descoberta da verdade a realização de uma segunda perícia, nos termos do disposto no artigo 487.º e ss, o que se requer;

21. A mencionada perícia deverá ter por objeto a resposta ao Quesito 2 formulado pelo douto Tribunal no despacho datado de 12/10/2022: “Quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores da existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?”

22. Deverá ainda a Perícia ser formulada numa perspetiva de avaliação do imóvel com base em dois cenários (“i. em caso de não reconhecimento da servidão de passagem; e ii em caso de reconhecimento da servidão de passagem”) e tendo em consideração os fatores descritos nos pontos 14 e 15 supra e/ou outros que o Perito nomeado entenda serem relevantes;

23. Face a tudo o que expôs supra e ao teor dos “esclarecimentos” apresentados, entendem os RR. que para a nova Perícia deverá ser nomeado um Perito inscrito na Lista de Avaliadores de Imóveis registados na CMVM, ou equivalente, o que se requer;

24. Mais requerem os RR. sejam dispensados de proceder ao pagamento da nova perícia, tendo em conta que já procederam ao pagamento de Peritagem, não lhes sendo imputável a incompletude da resposta (e dos esclarecimentos) apresentada pelo Sr. Perito KK.”

****

Os autores opuseram-se à realização da segunda perícia, nos seguintes moldes:           

Pretendem os RR. que seja determinada a realização de uma segunda perícia nos termos do disposto no artigo 487º e seguintes do CPC.

Sendo certo que entendem os AA. carecer de fundamento o requerido pelos RR. Que apenas pretendem protelar mais no tempo uma acção que está pendente em juízo desde Setembro de 2019.

Na verdade, pretendem os RR. obter com a perícia, a actual e a segunda que requerem, um resultado que apenas vá de encontro à sua pretensão e não que seja aquela que efectivamente é o resultado da constatação e conhecimentos técnicos do perito que a realize.

Alegando e tentando sustentar com o seu requerimento a “deficiência” do relatório pericial e respectivos esclarecimentos com o argumento de que não fazem a “ponderação de todos os factores relevantes para a boa decisão da causa”.

Sem que, com o devido respeito, os RR. fundamentem adequadamente o que afirmam em ordem a que seja ordenada uma segunda perícia.

E insistindo apenas na “real e efetiva desvalorização do prédios dos RR. em caso de reconhecimento de uma servidão de passagem”.

Bem sabendo que, ainda que lhe assistisse razão quanto a tal desvalorização, que não assiste, tal desvalorização não estaria apta a produzir o efeito por si pretendido, ou seja, a extinção da servidão ou a obrigação de os AA. demolirem parte das construções existentes no seu prédio.

Sendo certo que nos termos do disposto no artigo 1568º do CC o proprietário do prédio serviente pode exigir a mudança da servidão para sítio diferente se a mudança “não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante”.

Pelo que se entende dever ser indeferido o requerido pelos RR., nomeadamente por falta de fundamentação com relevância para a boa decisão da causa.”.


***

Por despacho proferido a 16/10/2024, foi indeferida a realização da segunda perícia, nos seguintes termos:

Ref. 3505714:

Pelo requerimento com a referência que antecede vieram os recorrentes requerer a realização de uma segunda perícia, nos termos que constam do alegado requerimento e que se aqui se dão por reproduzidos, invocando, em síntese, a incompletude da resposta e esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito ao Quesito n.º 2 formulado pelo douto Tribunal no despacho datado de 12/10/2022.

Notificada, a autora opôs-se à realização da segunda perícia.

Vejamos.

Prescreve o artigo 487º, nº3, do Código de Processo Civil que a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.

A segunda perícia é, assim, o meio de reação contra a inexatidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexatidão e a corrijam.

Ora, o que resulta do requerimento apresentado pelos réus é que os mesmos discordam do relatório pericial apresentado nos autos.

Discordar significa não concordar, divergir, da posição manifestada pelo perito.

Contudo, salvo o devido respeito por opinião contrária, a realização de segunda perícia não tem por objetivo alcançar um relatório com o qual as partes concordem, até porque, como maioritariamente acontecerá, uma das partes sempre estará mais perto de concordar com o relatório do que a outra.

Assim, uma segunda perícia não poderá realizar-se apenas porque o relatório pericial alcançado pela primeira perícia contraria ou não satisfaz os interesses de uma das partes, mas sim por no relatório existir inexatidão (insuficiência, incoerência e incorreção) dos respetivos termos, máxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspecionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correção técnica, esta implicará resultado suscetível de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa.

Isto é, o que a lei pretende com a realização da segunda perícia é que sejam dissipadas quaisquer dúvidas sérias que tenham ficado a subsistir da primeira perícia sobre a perceção ou apreciação dos factos investigados, que possam ter relevância na decisão sobre o mérito da causa.

É este conceito mais abrangente que vem sendo aceite pela doutrina e pela jurisprudência - LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 554-555, acórdãos STJ de 25-11-2004, proc. n.º 04B3648, e da Relação do Porto de 23-11-2006 e 07-10-2008, procs. n.º 0636189 e 0821979, e da Relação de Lisboa de 28-09-2006, proc. n.º 6592/2006-6, todos em www.dgsi.pt.

Ora, o que resulta do relatório pericial junto aos autos foi que o perito respondeu a todos os quesitos que lhe foram formulados, bem como a todos os esclarecimentos posteriormente solicitados pelas partes.

Do relatório pericial apresentado não resultam quaisquer elementos que nos permitam concluir que o perito viu mal os factos ou emitiu sobre eles juízos de valor que não merecem confiança ou que não satisfazem.

Assim, não se afigura existir qualquer necessidade ou conveniência de submeter à apreciação de outro perito os factos que já foram apreciados.

Em face do exposto, indefere-se a segunda perícia requerida pelos réus.   

Notifique.”.


***

Não se conformando com o despacho que indeferiu a realização de uma segunda perícia, os réus interpuseram o presente recurso, no qual formulam as seguintes conclusões:

“1. O presente Recurso versa sobre o despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância que indefere a realização de segunda perícia, requerida pelos RR. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 487.º do CPC;

2. Na jurisprudência mais recente tem-se verificado uma tendência de admissão dos Recursos de Apelação nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, que versem sobre despachos proferidos por Tribunais de 1.ª instância que indeferem a realização de 2.ª perícia;

3. O que faz sentido, porquanto a segunda perícia é um novo elemento de prova, i.e., tem total autonomia em relação à primeira perícia, sendo ambas – primeira e segunda perícia - valoradas livremente e sem dependência uma da outra;

4. Ademais, atento o disposto no artigo 488.º do CPC, a segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, onde se inclui o regime recursório;

5. Motivos pelos quais deve considerar-se que a segunda perícia tem cabimento na alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, devendo, por isso, o presente recurso ser admitido, o que se requer;

6. Os autos em apreço têm por objeto uma servidão de passagem, requerida pelos AA. em relação ao prédio dos RR., aqui Recorrentes;

7. Por despacho datado de 12.10.2022 determinou o Tribunal a quo que se procedesse à realização da perícia requerida pelos réus, a qual tinha por objeto, entre outras, a resposta ao quesito: “2) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 1), quais os prejuízos concretos e objetivos que acarreta, para os réus, a procedência da presente ação, i.e., o reconhecimento aos autores da existência de uma servidão de passagem com as características e nos moldes elencados na petição inicial, designadamente, ao nível da desvalorização do prédio daqueles?”

8. Em 07.07.2023 o Sr. Perito juntou Relatório Pericial aos autos;

9. Os Recorrentes apresentaram reclamação do mencionado relatório em 07.09.2023, alegando, em suma, a insuficiência da resposta apresentada pelo perito em relação ao quesito 2);

10. O Tribunal a quo concordou com a Reclamação apresentada pelos Recorrentes e, na sequência da mesma, por despacho de 07.01.2024 ordenou ao perito que apresentasse os esclarecimentos necessários;

11. Em resposta ao Despacho supra, em 31.01.2024 o Perito apresentou o documento designado “Relatório de Peritagem – Esclarecimentos”, onde escreveu que nada tinha a corrigir na resposta anteriormente apresentada e que mantinha o teor da mesma, nada tendo esclarecido;

12. Por requerimento datado de 15.02.2024 os Recorrentes requereram a realização da segunda perícia;

13. Do n.º 1 do artigo 487.º resulta a possibilidade de requerer a realização de segunda perícia precisamente por discordância relativamente ao relatório perícial apresentado;

14. Do requerimento apresentado pelos Recorrentes ficou bem patente que o que está em causa não é uma mera discordância do teor do Relatório Pericial, mas sim o facto de o mesmo continuar a sofrer da insuficiência e inexatidão que inicialmente foram anotados pelos Recorrentes, com concordância do Tribunal a quo.

15. Se o objeto da perícia é saber qual a desvalorização do prédio dos RR. em caso de reconhecimento da servidão, parece lógico que se vá mais longe do que a mera multiplicação entre a área objeto de servidão e o valor a que corresponde o m2 na zona;

16. Na avaliação do Perito deveriam ser tidos em conta diversos fatores, como sejam, entre outros que se entendam pertinentes: - Avaliação do modo como o direito de propriedade fica limitado pela existência de um caminho afeto a terceiros; - Avaliação da questão da privacidade ou falta dela; - Avaliação da segurança e em que medida pode a mesma ser afetada em virtude da existência de um caminho aberto a terceiros, conhecidos e desconhecidos dos RR.; - Avaliação do modo em como a existência de um caminho poderá influenciar – de forma negativa – a eventual vontade de aquisição por parte de um potencial comprador, ou, pelo menos, o valor dessa aquisição; - Avaliação da perda de direitos básicos dos RR. Ou de qualquer outro eventual proprietário do prédio que atualmente lhes pertence, uma vez que tal caminho, a ser reconhecido, impede não só que os proprietários do prédio e seus convidados estacionem em frente ao mesmo, antes tendo que estacionar na via pública (EN...8), como limita de uma forma geral a utilização do exterior do seu prédio; - Avaliação da limitação da acessibilidade ao imóvel dos RR;

- Avaliação da perturbação e sossego dos RR; - Avaliação/ponderação da devassa do imóvel.”;

17. O Perito nem sequer considerou – para o bem ou para o mal, com agrado ou desagrado dos Recorrentes – tais fatores, pelo que o Relatório pericial padece, obviamente, de insuficiência;

18. É relevante saber qual o valor de desvalorização em termos de valor de mercado do imóvel, comparando, nessa perspetiva, o valor do imóvel tendo em conta todas as limitações referidas supra, face ao valor do imóvel caso essas limitações não existam;

19. Se o objetivo da perícia é saber qual a desvalorização de um imóvel mediante o reconhecimento de uma servidão de passagem que não só o atravessa, como implica que o mesmo deixe de poder ter um portão fechado que o proteja da invasão ou atravessamento por terceiros desconhecidos, todos os fatores supra referenciados têm que ser levados em conta;

20. Um cálculo aritmético entre o valor por m2 e o montante de área “perdida” ou “ocupada” pela servidão, com todo o respeito, não é suficiente e idóneo para apurar a real e efetiva desvalorização do prédio dos RR. em caso de reconhecimento de uma servidão de passagem;

21. O Tribunal a quo deu razão a este entendimento dos Recorrentes quando ordenou ao perito que apresentasse esclarecimentos em relação ao relatório pericial apresentado, pelo que não se entende por que motivo agora desvaloriza tais argumentos;

22. O tribunal proferiu, pois, duas decisões contraditórias, sem qualquer explicação cabal para o efeito e sem qualquer fundamento que se possa julgar válido;

23. O tribunal indeferiu a realização da segunda perícia, não obstante ter admitido a reclamação anteriormente apresentada, mesmo tendo em conta que estão em causa exatamente os mesmos fundamentos e motivos, em face de uma resposta apresentada exatamente nos mesmos termos pelo Perito;

24. O pedido de realização de segunda perícia não resultou da mera discordância em relação ao resultado do relatório pericial, mas sim da insuficiência do mesmo e dos critérios levados em consideração para tal resultado, e ainda da incompetencia do perito – declarada pelo próprio - para fazer tal avaliação;

25. O Perito ignorou por completo a determinação de esclarecimentos levada a cabo pelo Tribunal, mas mais ainda: revelou que não tem conhecimento, experiência e formação profissional para fazer a avaliação requerida noutros termos;

26. É, pois, essencial para a descoberta da verdade a realização de uma segunda perícia, nos termos do disposto no artigo 487.º e ss, o que se requer;

27. Os RR., aqui Recorrentes, fundamentaram devidamente os motivos de discordância com a avaliação realizada pelo perito;

28. Mais alegaram que o objetivo da segunda perícia é o de se corrigir a insuficiência do Relatório, sendo que, no n.º 3 do artigo 487.º a expressão “inexatidão” é utilizada num sentido amplo, abrangendo também “insuficiência”;

29. O Requerimento de realização de segunda perícia não tem um caráter impertinente ou dilatório, tendo sido bem demonstrada, pelos Recorrentes, a pertinência do requerido e a sua essencialidade para a boa decisão da causa;

30. Por todos os fundamentos apostos supra, não se aceita a Decisão do Tribunal a quo que indeferiu a segunda perícia;

31. Requerendo-se ao douto Tribunal ad quem que revogue o Despacho recorrido e o substitua por outro que admita o meio de prova em causa, a segunda perícia.”.


***

Não foram apresentadas contra-alegações.

**

Questão objecto do recurso: admissibilidade da 2ª perícia requerida pelos réus, ora apelantes.

***

II – FUNDAMENTOS.    

2.1. Fundamentação de facto.

Com interesse para a apreciação do presente recurso, importar considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.


***

2.2. Enquadramento jurídico.

Sustentam os apelantes, com fundamento no regime previsto no art. 487º, nº1, do C.P.C. [7], que o Tribunal a quo deveria ter deferido a realização de uma segunda perícia, em virtude do relatório incorporado nos autos em 31/1/2024 não se ter pronunciado sobre as questões colocadas no requerimento de 7/9/2023.

A propósito desta matéria, no Acórdão da Relação de Guimarães de 12/7/2016 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/28DB4EFFBA05D88C8025802E00495648), foram expostos, de forma pertinente, os seguintes princípios:

“(…) 2) A segunda perícia referida nos artºs 487º e sgs, CPC, pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão.

3) Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por, nele e no relatório em que assenta, existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respectivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptível de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa. (…) ”.

Em sentido idêntico, pronunciou-se a Relação do Porto em Acórdão de 21/1/2020 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1f84f0a132093a0980258518004f78e0), sendo referido o seguinte:        

“II - Com a consagração da possibilidade de realização de segunda perícia, visou o legislador tão só possibilitar a dissipação de concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia, relativas a específicas questões suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito.”. primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito.

III - Para tanto, e não sendo lícito realizar no processo atos inúteis (art. 130º, do CPC), impõe-se que sejam densificadas, com fundamentos sérios, as razões da discordância.”

Como vimos, em 12/10/2022, foi proferido despacho que admitiu a produção de prova pericial [8], sendo fixado o respectivo objecto, o qual diz respeito aos prejuízos que poderiam advir para os réus da procedência da acção, ou seja, prevendo a possibilidade de vir a ser reconhecida a servidão de passagem que os autores invocam, pretendeu-se, através da perícia, apurar o impacto que essa circunstância teria na esfera jurídica dos demandados, em particular ao nível patrimonial.

Os réus deduziram reclamação contra o relatório apresentado em 17/7/2023, indicando as questões que, em seu entender, deveriam ter sido analisadas (cf. peça processual de 7/9/2023), sendo que o Sr. Perito, após despacho que determinou a prestação de esclarecimentos, apresentou o relatório de 31/1/2024. 

Considerando insuficientes os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito na resposta à reclamação, os ora apelantes requereram que fosse realizada uma nova diligência pericial, indicando a matéria que, de acordo com a sua tese, deveria ter sido abordada no correspondente relatório.

O primeiro aspecto que cumpre realçar – e este ponto afigura-se essencial no caso vertente – traduz-se na circunstância de, no litígio em apreço, não se discutir se os réus poderão sofrer prejuízos em consequência do reconhecimento do direito real que os autores invocam.

Com efeito, o que está unicamente em análise é o reconhecimento da aludida servidão e a possibilidade (questão que os recorrentes suscitaram em sede reconvencional) de ser determinada a mudança do leito da servidão para um local diferente, conforme, aliás, permite o art. 1568º, nº1, do Código Civil, desde que verificados os respectivos pressupostos [9].

O modo de constituição das servidões resulta do art. 1547º do Código Civil [10], sendo de referir que só no caso de se tratar de uma servidão legal (de passagem) é que há lugar a indemnização, conforme prevê o art. 1554º do mesmo Código [11].

Ora, os autores invocam [12] que a servidão em causa se constituiu por destinação de pai de família e usucapião, o que acarreta, necessariamente, que não seja devida qualquer verba destinada a reparar eventuais prejuízos.

Por outro lado, ainda que venha a reconhecer-se que existem fundamentos para ser constituída uma servidão legal, atento o que vem alegado nos autos [13], os réus não formularam um pedido com características indemnizatórias, não podendo, deste modo, o Tribunal tomar conhecimento de matéria que diga respeito ao ressarcimento de eventuais danos (cf. art. 5º, nº1, e 609º, nº1, ambos do C.P.C. [14]).

A avaliação do prejuízo que decorre da constituição da servidão de passagem é, pois, absolutamente irrelevante para o desfecho da causa, uma vez que os recorrentes não deduziram uma pretensão fundada no citado art. 1554º do Código Civil.

Feito este reparo, verifica-se, em segundo lugar, que o Sr. Perito, com base nos conhecimentos técnicos de que dispõe, respondeu à questão essencial que lhe foi colocada [15], de forma objectiva, sendo certo que não ponderou os critérios que os réus consideram relevantes.

Como é sabido, a segunda perícia, por força do disposto no art. 487º, nº3, do C.P.C., “(…) tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.”.

Ora, os apelantes suscitaram questões que, em nosso entender, ultrapassam o âmbito de uma perícia, como sejam a “avaliação da questão da privacidade ou falta dela e a avaliação da segurança e em que medida pode a mesma ser afetada em virtude da existência de um caminho aberto a terceiros, conhecidos e desconhecidos dos réus.”.

O referido conjunto de questões, aliás, pressupõe que se estivesse a avaliar prejuízos no plano que referimos, isto é, caso existisse um pedido indemnizatório que impusesse a determinação do valor adequado a ressarcir os danos sofridos.

A matéria em apreço, deve acrescentar-se, imporia o recurso a outros meios probatórios, sendo certo que, em última análise, teria de ser o Tribunal a determinar a indemnização adequada, utilizando, caso fosse necessário, o critério equitativo consagrado no art. 566º, nº3, do Código Civil [16].

O Sr. Perito esclareceu a metodologia que seguiu para apurar os valores que constam do relatório, não sendo exigível que adoptasse o procedimento sugerido pelos réus ou que avaliasse prejuízos que podem ser apurados de outra forma.

Atenta a irrelevância para os autos, como vimos, das questões colocadas, a realização de uma segunda perícia, mesmo que a referida matéria pudesse ser apurada nessa sede, traduzir-se-ia num acto inútil [17] e, como tal, proibido por lei (art. 130º do C.P.C. [18]).

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, pelo que deverá decidir-se em conformidade, com as consequências legais.


***

III – DECISÃO.

Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

Custas pelos apelantes.


Coimbra, 30 de Setembro de 2025

(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Cristina Neves

(1ª adjunta)

Francisco Costeira da Rocha

(2º adjunto)



[1] A ré II faleceu na pendência dos autos, tendo sido habilitados os respectivos herdeiros.
[2] Foram habilitados os respectivos herdeiros, em virtude da mesma ter falecido.
[3] À excepção do réu EE, o qual não apresentou contestação.
[4] Peça processual apresentada a 12/7/2022.
[5] O teor do aditamento é o seguinte:
1.1) Em caso de resposta afirmativa ao ponto 1) dos temas da prova, saber se o estacionamento de veículo (s) na passagem/caminho em causa nos autos, impede o acesso de veículo automóvel ao prédio
identificado no artigo 1º da petição inicial (logradouro e garagem);
1.2) Na afirmativa, saber se existe obrigação de os réus deixarem de estacionar o (s) veículo (s) naquele local.”
[6] Por despacho proferido a 24/5/2023, foi ainda aditado o seguinte tema da prova:
“1.3) Saber se os réus têm outro local na sua propriedade onde estacionar os seus veículos.”
[7] Art. 487º, nº1, do C.P.C.: “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.”.
[8] Aquando da prolação do despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, foi também deferida a realização de uma perícia, na sequência de requerimento probatório formulado em sede de contestação, o que veio a dar lugar ao relatório apresentado em 27/4/2022.
A perícia que está na origem do presente recurso teve como justificação o articulado superveniente e a resposta que lhe sucedeu.
[9] Art. 1568º, nº1, do Código Civil. “O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.”.
[10] Art. 1547º do Código Civil: “1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.”.
[11] Art. 1554º do Código Civil: “Pela constituição da servidão de passagem é devida a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido.”.
[12] O que terão de provar, em sede própria, de harmonia com o disposto no art. 342º, nº1, do Código Civil.
[13] Atente-se, em particular, na problemática que diz respeito à impossibilidade de os veículos automóveis terem acesso ao prédio da autora.
[14] Art. 5º, nº1, do C.P.C.: “- Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”.
Art. 609º, nº1, do C.P.C.: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”.
[15] Prejuízo que a servidão, caso seja constituída, acarreta para os réus.
[16] Art. 566º, nº3, do Código Civil: “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”.
[17] No Acórdão da Relação de Guimarães citado no corpo do texo refere-se que “Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido.”.
[18] Sob a epígrafe “princípio da limitação dos actos”, dispõe o art. 130º do C.P.C. que “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”.