Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1700/23.2T9PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
EX-CÔNJUGES
MANUTENÇÃO DA LIGAÇÃO EMOCIONAL
MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO DE DEPENDÊNCIA OU VULNERABILIDADE
Data do Acordão: 10/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE POMBAL - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: REJEITADO O RECURSO NA PARTE REFERENTE À INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA E NEGADO PROVIMENTO QUANDO AO MAIS
Legislação Nacional: ARTIGOS 152.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I - Se o divórcio ocorreu no ano de 2006 mas o arguido sempre teve a chave da casa onde o casal residia e a ex-esposa continuou a residir, se frequentava a casa e se nela tinha os seus pertences resulta que o casal, apesar do divórcio, sempre manteve a proximidade, não se verificando, por isso, a perda de ligação emocional e a situação de dependência ou vulnerabilidade que o legislador pretende proteger com o crime de violência doméstica.

II - Em tal conjuntura integra o crime de violência doméstica o facto de o arguido, por não concordar com a adjudicação da habitação do casal à ex-esposa em 2022, no decurso do processo de inventário, ter passado a atemorizá-la, tendo-lhe dito, entre Maio e Junho de 2023, «ainda vou pôr fogo à casa contigo lá dentro, ainda algum dia te ponho no cemitério», ter-lhe dito também em Agosto de 2023 que ia pôr fogo à casa com ela dentro e lhe ter chamado «puta» e «cabra», lhe ter dito em Setembro, depois de a ofendida ter escrito ao arguido proibindo-o de entrar na casa, «ninguém me proíbe de lá entrar, chego lá e parto aquilo tudo, queimo tudo», e ter-lhe dito de novo em Dezembro «se não me deres a chave e eu não conseguir entrar, eu parto isto tudo».

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        A – Relatório

1. Pela Comarca de Leiria (Juízo Local Criminal de Pombal - Juiz 1), após pronúncia pelos crimes de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191º do mesmo diploma legal, e violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a), igualmente do Código Penal, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido

2. Aquando da prolação da acusação, o Ministério Público requereu o arbitramento de indemnização à vítima, nos termos do artigo 21º, nºs 1 e 2, da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, e do artigo 82º-A, do Código de Processo Penal, para reparação dos prejuízos sofridos.

3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 4.7.2025, decidindo-se:

“i. Absolver o arguido … pela prática, em autoria material, de um crime de dano, p.p. pelo artigo 212 nº 1 do C.Penal;

ii. Condenar o arguido … pela prática, em autoria material, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p.p. pelo art. 191º nº 1 do C.Penal, na pena parcelar de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros);

iii. Condenar o arguido … pela prática, em autoria material e em concurso efectivo com o crime referido em iii), de um crime de violência doméstica, p.p. no artigo 152º nºs 1, al. a) do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão;

iv. Fazendo o cúmulo das penas parcelares referidas em ii a iii, condenar o arguido … na pena única de dois anos de prisão e 40 dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), no valor global de € 600,00 (seiscentos euros);

v. Suspender a execução da pena de prisão referida em iv) pelo período de dois anos, com sujeição a:

a regime de prova, a delinear pela DGRSP mas versando, entre outras vertentes, na problemática da violência doméstica; e

ao cumprimento pelo arguido das condições de proibição de contactos do arguido com a assistente …, durante o aludido período de suspensão da pena, por qualquer forma, sejam estas quais forem, bem como qualquer contacto telefónico ou correspondência (seja electrónica ou por carta), o que inclui naturalmente o seu afastamento da residência e da casa sita na …, com excepção das situações que se relacionem com questões de partilha de bens comuns, contactos esse que terão de ser efectuados através de terceiras pessoas, concretamente familiares dos mesmos, amigos ou dos seus advogados, e de proceder, no período da suspensão da pena ora fixado, ao pagamento à assistente da quantia que fixada em vi) a título de arbitramento de quantia indemnizatória, devendo o arguido proceder e comprovar nos autos o pagamento de metade dessa quantia (€ 1000,00) até ao final do primeiro ano de suspensão da pena e o remanescente desse valor até ao final desse período (€ 1000,00);

vi. Arbitrar à ofendida … uma indemnização no montante de € 2000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais por si sofridos decorrentes da conduta perpetrada pelo arguido na sua pessoa, condenando-se o arguido a proceder ao seu pagamento;

vii. Condenar ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, e no pagamento dos demais encargos com o processo (arts. 513º e 514º nº 1 do CPP);

Notifique”.

4. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido … recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“…

2ª) Quanto à matéria de defesa articulada na instrução e na contestação, sem justificar ou fundamentar minimamente num sentido crítico e analítico rematou:

- Os demais factos alegados em sede de contestação pelo arguido em sede de contestação não foram tidos em consideração pelo Tribunal, porquanto ou consubstanciam matéria de facto irrelevante para a decisão a proferir nestes autos ou consubstanciam matéria conclusiva ou de direito. Porém,

3ª) Não faz a mínima exegese sobre tal conclusão não enunciando ou especificando os motivos ou razões pelas quais tomou tal decisão. Quando, salvo o devido respeito,

4ª) Há matéria factual e circunstancial documentada e a nosso ver relevante para se compreender o comportamento ou a reação humana que não sendo perfeita, pode e será subjacente ao contexto histórico e vivencial ao longo de mais de 20 naos consecutivos.

5ª) Nesse inciso, há omissão de pronúncia, tendo em conta o primado do princípio da igualdade das parte quanto aos factos, devendo-se enunciar em especial se, os factos articulados foram devidamente apreciados e sobre eles recaiu um juízo valorativo, o mesmo, será dizer, a sentença enferma de nulidade.

6ª) Acresce, o arguido em sede de audiência de discussão e julgamento requereu e ofereceu documentos que, se afiguram úteis, pertinentes e necessários ao esclarecimento dos factos e compreensão de reações, quiçá, excessivas ou imponderadas perante situações injustas e iniquas que, o Tribunal a quo desvalorizou e indeferiu a sua junção, outrotanto, porém, não sucedendo com documentos juntos aos autos pela assistente, como resulta do teor dos despachos proferidos a tal propósito e nesse sentido. Sendo certo, o arguido assim não se conseguir assegurar e garantir o direito de todos os meios de defesa.

7ª) Incumbindo o ónus da prova justamente a acusação de forma consistente e sem margem para dúvidas.

8ª) Os factos tidos como provados nos pontos assinalados e enunciados sob os pontos: 3; 5; 6; 8; 11; 12; 13; 14; 16; 17; 18 e 19, sem pretender postergar o princípio da livre apreciação da prova consagrado ao julgador tem de alicerçar-se no exercício da experiência comum do normal do acontecer, no bom senso e na certeza de que não há homem/mulher perfeitos e insensíveis, onde, certas reações não passam de desabafos, declarações não sérias e, afinal, inofensivas ou, já, pela rutura e dinâmica conjugal, extraconjugal não levadas à letra.

9ª) Nesse âmbito factual há conceitos e conclusões subjetivas, não suportadas em factos objetivos e inequívocos.

10ª) A questão dos presentes autos tem a sua essência numa questão do foro civil e patrimonial quanto ao património comum do ex-casal e a forma ou modo como o suposto processo decorre em sede notarial e judicial, …

11ª) A queixa apresentada pela assistente não teve fundamento sério, mas apenas, pelo facto de o arguido se ter introduzido na casa de habitação que, a mesma se considerava única dona por ter feito uma transferência para a conta bancária titulada pelo arguido do valor como benfeitoria de €15.801,88, perfeitamente descabido e injusto por todo o património comum de valor superior a €250.000,00.

12ª) Tais factos, com a conjugação da prova documental ínsita, as declarações e depoimentos prestados tiveram para o tribunal a quo como versão única a evidenciar as declarações da própria, do pai e do companheiro da filha, os quais, andam de relações cortadas com o arguido e, com interesse directo e indirecto, manifestamente evidente quanto ao desfecho da decisão condenatória do arguido nos presentes autos.

13ª) Os factos articulados na contestação sob os pontos 9 a 65; 71 a 78 por relevantes, pertinentes e dignos de apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo encontram-se comprovados documentalmente, ademais, tendo o Tribunal no exercício das suas funções possibilidade deles poder conhecer sobre a sua verdade e verificação, deviam merecer a devida apreciação e/ou julgamento como a sua enunciação e especificação motivada no sentido de provados e/ou não provados de molde a compreender-se o iter lógico do raciocínio expendido e juízo sufragado pelo julgador.

14ª) Igualmente, as transcrições das declarações e depoimentos efetuados no corpo destas alegações aqui dadas por reproduzidas, levam a que a 2ª instância, no seu próprio julgamento altere com atinência o provado e não provado, elencado o acervo probatório, onde, forma a sua própria apreciação, valoração, idoneidade e convicção dos elementos probatórios constantes dos autos dos atos documentados por meio de gravação áudio como instância de 2º grau quanto à revisão da matéria de facto.

18ª) A pena de prisão de 2 anos, multa de 40 dias à taxa de €15,00/dia e indemnização a assistente de €2.000,00, além das demais injunções a que ficaria sujeito, são desajustadas, excessivas e, em suma, injustas.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso …

6. Também a assistente … veio responder ao recurso interposto pelo arguido, …

7. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, …, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado parcialmente procedente, devendo o arguido ser absolvido do crime de violência doméstica e condenado pelos crimes de ameaça agravada e de injúria (sendo que a vítima apresentou queixa e constitui-se assistente), tudo depois de cumprido o disposto no artigo 424º, nº 3, do código de processo penal.

Afirma que tem sido juridicamente debatida a questão de se saber se a agressão física a um ex-cônjuge, de quem se divorciou há largos, configura ou não o crime de violência doméstica.

O normativo é claro ao incluir os ex-cônjuges.

A jurisprudência portuguesa tende a considerar que a protecção do artigo 152º se aplica a ex-cônjuges, mas tal pressupõe uma proximidade temporal ou emocional que justifique a protecção especial do Estado.

Concordamos que haverá que considerar a distância temporal dos factos relativamente ao termo do casamento ou da vida em comum e as relações de proximidade ou não entre vítima e agressor.

Quando uma separação ou divórcio ocorreu há largos, a ligação emocional e a situação de dependência ou vulnerabilidade que o legislador pretendia proteger poderão ter deixado de se verificar.

Não se enquadrando no crime de violência doméstica, as provadas condutas criminosas não poderão ficar impunes.

Considerado todo o acima exposto, e sequer tendo ficado provada qualquer situação de violência doméstica durante o tempo do casamento, crê-se que já se não verifica a tal proximidade temporal ou emocional entre vítima e agressor e que justifica a protecção especial do Estado com a previsão do crime de violência doméstica - repare-se que desde do divórcio até às provadas ameaças e injúrias decorreram cerca de 16 (dezasseis anos).

Consequentemente, entendemos que o arguido não deveria ter sido condenado pelo crime de violência doméstica, mas, sim, pelos crimes de ameaça agravada e de injúria.

8. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido e a assistente respondido ao douto parecer.

Afirma o arguido que não deverá apenas ser efectuada a desqualificação do crime de violência doméstica, impondo-se a sua absolvição por não ter praticado factos integrados daquele tipo legal de crime e nem de ameaça ou de injúria. A decisão recorrida deve ser revogada e absolvido o arguido.

Por sua vez, afirma a assistente …

9. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

10. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

              *

       

        B - Fundamentação

 

1. …

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

- se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por não ter conhecido dos factos vertidos nos pontos 9 a 65 e 71 a 78 da contestação;

- se os factos provados dos pontos 3, 5, 6, 8, 11 a 14 e 16 a 19 foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados;

- se as penas aplicadas ao arguido, bem como a indemnização arbitrada, revelam-se excessivas, desajustadas e injustificadas.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação da sentença recorrida.

“A. Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a mesma:

1. O arguido … e a ofendida … foram casados de 20 de agosto de 1983 a 14 de dezembro de 2006;

2. Após o divórcio, o imóvel situado na Rua …, foi adjudicado à ofendida, no âmbito do processo de inventário para separação de meações que correu termos, inicialmente no cartório notarial e, posteriormente, no Juízo de Família e Menores …

3. Com efeito, o imóvel foi descrito como benfeitoria construída em terreno da propriedade exclusiva da ofendida e, em 25-10-2022, realizada a conferência de interessados, foi a benfeitoria – casa de habitação – adjudicada à ofendida;

4. Elaborado o mapa de partilha, foi fixado o valor de tornas a pagar ao arguido em € 15 801, 88 (quinze mil oitocentos e um euros e oitenta e oito cêntimos);

5. O arguido não concordou com o referido mapa de partilha e decisão proferida no âmbito do referido processo de inventário e, desde então, atemoriza a sua ex-esposa ameaçando-a pessoalmente;

6. Em data não concretamente apurada, mas certamente entre maio e junho de 2023, durante o dia, na Rua …, o arguido dirigiu à ofendida, sua ex-esposa, as seguintes expressões, que repetiu várias vezes: “ainda vou pôr fogo à casa contigo lá dentro, ainda algum dia te ponho no cemitério!”.

7. A ofendida procedeu ao pagamento do valor de tornas, por transferência bancária, para uma conta titulada pelo arguido em 26-08-2023;

8. Após essa transferência, ainda nesse mesmo mês de Agosto de 2023, por carta registada, informou o arguido desse pagamento e concedeu-lhe um prazo de 15 (quinze) dias para retirar do imóvel todos os seus bens pessoais, informando-o ainda que a partir dessa data ficava proibido de aí entrar;

9. Não obstante, o arguido não retirou os seus bens no prazo indicado;

10. Após o prazo indicado em 8, a ofendida mudou as fechaduras das portas, dado ser a única dona do imóvel;

11. Em data não concretamente apurada, mas certamente durante o mês de agosto de 2023, junto à residência indicada em 2, perante …, pai da ofendida, o arguido dirigiu à sua ex-esposa as seguintes palavras: “puta”, “cabra”, e que ia por fogo à casa com a mesma lá dentro;

12. Em data não concretamente apurada, mas certamente durante o mês de setembro de 2023, durante o fim de semana, pela hora do almoço, no interior da residência de uma filha do casal, …, reagindo à carta indicada em 8, o arguido dirigiu-se à ofendida, sua ex-esposa, dizendo-lhe: “ninguém me proíbe de lá entrar, chego lá e parto aquilo tudo, queimo tudo!!”;

13. No dia 05 de dezembro de 2023, a hora não concretamente apurada, mas já ao final do dia, o arguido telefonou para a ofendida exigindo-lhe as chaves do imóvel indicado em 2 e, quando a mesma o informou que não poderia entrar em sua casa, aquele dirigiu-lhe as seguintes palavras: “se não me deres a chave e eu não conseguir entrar, eu parto isto tudo”;

14. Apesar da ofendida o ter informado que não poderia entrar na sua habitação, ainda nesse dia o arguido, de forma não concretamente apurada, mas através de uma janela da habitação descrita em 2, conseguiu aí entrar, onde permaneceu durante 15 (quinze) dias, sem o conhecimento e contra a vontade da ofendida;

15. A ofendida regressou para Portugal em 08-12-2023 e quando chegou à sua residência, indicada em 2, constatou que o arguido ainda aí se encontrava, sem a sua autorização e contra a sua vontade, tendo solicitado, para o efeito, a intervenção policial para que o arguido abandonasse aquele imóvel;

16. Ao agir conforme descrito em 13 e 14, o arguido agiu de forma livre, deliberada, voluntária e conscientemente, no propósito concretizado de entrar na casa pertencente a AA, bem sabendo que não tinha autorização para aí entrar e, não obstante, introduziu-se na mesma onde permaneceu durante 15 dias contra a vontade da proprietária;

17. Ao agir conforme descrito em 1 a 12 agiu o arguido de forma livre, deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de provocar medo, inquietação e insegurança à vítima, sua ex-esposa, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que violava o especial dever de respeito que sobre ele impendia em virtude do casamento que com aquela manteve e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade, o que conseguiu;

18. O arguido ao proceder da forma supra descrita agiu com o propósito concretizado de humilhar, ofender a honra e o bom nome da vítima, limitá-la na sua liberdade pessoal, fazendo-a temer pela sua integridade física e pelos seus bens, maltratando, assim, a sua saúde física e psíquica, de forma a atingir a dignidade humana, causando-lhe um sentimento de intranquilidade, medo e inquietação, provocando na mesma marcas psicológicas que afetaram o seu equilíbrio emocional, resultado que representou, procurou e logrou alcançar;

19. O arguido bem sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

B. Factos não provados:

              *

C. Motivação da matéria de facto

              *

             *

4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A primeira questão a apreciar é a de saber se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por não ter conhecido dos factos vertidos nos pontos 9 a 65 e 71 a 78 da contestação.

Alega o recorrente que os factos articulados na contestação sob os pontos 9 a 65 e 71 a 78 por relevantes, pertinentes e dignos de apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo encontram-se comprovados documentalmente, ademais, tendo o Tribunal no exercício das suas funções possibilidade deles poder conhecer sobre a sua verdade e verificação, deviam merecer a devida apreciação e/ou julgamento como a sua enunciação e especificação motivada no sentido de provados e/ou não provados de molde a compreender-se o iter lógico do raciocínio expendido e juízo sufragado pelo julgador.

Vejamos então.

Estipula o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

                Por sua vez, dispõe o artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374.º …”.

Em face do disposto no artigo 368º, nº 2, do Código de Processo Penal, a enumeração dos factos provados e não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua aprecia­ção e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa.
                Dispõe expressamente o nº 4 do artigo 339º do mesmo diploma legal que “… a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência …”.

Assim, na enumeração dos factos provados e não provados relevam aqueles que foram efetivamente considerados e apreciados pelo tribunal e sobre os quais recaiu um juízo de prova.

Neste sentido veja-se o Ac. da RC de 24.4.2019, in www.dgsi.pt, segundo o qual “a enumeração dos factos provados e não provados a integrar a fundamentação que obrigatoriamente deve constar na sentença traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e em relação aos quais a decisão terá de incidir, incluindo os que, embora não fazendo parte da acusação ou da pronúncia, da contestação, do pedido de indemnização e da contestação a este, tenham resultado da discussão da causa e revestem relevância para a decisão”.

Pode ler-se no mesmo aresto que “quanto ao âmbito material desse enunciado, diz-nos o artigo 339.º, n.º 4 do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º (questão da culpabilidade) e 369.º (questão da determinação da sanção). … No fundo, a enumeração dos factos provados e não provados a integrar a fundamentação que obrigatoriamente deve constar na sentença, em conformidade com os artigos 374º, nº 2, 339º, nº 4, 368º, nº 2 e 369º, traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e em relação aos quais a decisão terá de incidir, incluindo os que, embora não fazendo parte da acusação ou da pronúncia, da contestação, do pedido de indemnização e da contestação a este, tenham resultado da discussão da causa e revestem relevância para a decisão”.

Como afirma Sérgio Poças, “Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto”, in Julgar, nº 3, 2007: “a fundamentação é uma exigência constitucional. De facto, dispõe o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Continua o mesmo autor afirmando que “o tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339º, nº 4, 368º, nº 2, e 374º, nº 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação — o que pressupõe a sua indagação — se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível. É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas. Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida. … Também os factos circunstanciais ou instrumentais — inequivocamente relevantes para a prova dos factos probandos — devem ser objecto de pronúncia por parte do tribunal”.

No que respeita aos factos alegados pela defesa na contestação, atente-se ainda na seguinte jurisprudência, que se acompanha:

“Não obstante o juiz estar obrigado a tomar posição sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa, isso não significa que o tribunal não possa, ou não deva expurgar da sua atividade probatória, factos irrelevantes para a decisão, factos inócuos, considerações meramente conclusivas ou conceitos de direito” – Ac. da RL de 10.10.2024, in www.dgsi.pt.

“O dever de fundamentação da sentença penal compreende a enumeração dos factos provados e não provados, de entre os que foram relevantemente alegados na acusação, no pedido de indemnização civil e na contestação, bem assim como os decorrentes da discussão em audiência, sob pena de nulidade, conforme previsto no artigo 374.º, § 2.º CPP ex vi alínea a) do § 1.º do artigo 379.º do mesmo código” – cfr. RE de 28.2.2023, in www.dgsi.pt.

“A contestação constitui o instrumento mais importante (ainda que não o único) através do qual o arguido exerce os seus direitos de defesa, na fase de julgamento, em face da acusação que lhe tenha sido movida.

Assim, é sobretudo nessa peça processual que o arguido tem ensejo de tomar posição sobre os factos contra si articulados no libelo acusatório, impugnando-os nomeadamente, alegar quaisquer factos que possam ter como efeito afastar ou minorar a sua responsabilidade criminal e indicar os meios de prova com interesse para a sua defesa.

Nesta conformidade, o Tribunal de julgamento está, em princípio, vinculado a emitir juízo de prova sobre os factos alegados pelo arguido na contestação, a menos que sejam irrelevantes para a decisão a proferir.

A falta de pronúncia probatória por parte do Tribunal de julgamento sobre factos alegados na contestação, que não são, à partida, irrelevantes para a decisão da causa, e o não conhecimento de questões jurídicas suscitada pela defesa do arguido em conexão com essa alegação factual é de molde a integrar a nulidade do acórdão prevista na al. c) do nº 1 do art. 379.º do CPP, na vertente da omissão de pronúncia” – Ac. da RE de 9.1.2018, in www.dgsi.pt

Em suma, o tribunal está obrigado a tomar posição sobre os factos alegados na contestação desde que não sejam irrelevantes para a decisão.

Voltando ao caso concreto, os factos da contestação que o arguido afirma serem importantes para a decisão e que não foram conhecidos pelo tribunal a quo são os seguintes:

9- O arguido limitou-se, na verdade, a elevar o estore da janela e, fazê-la correr; aliás, como era do seu anterior conhecimento, o modo e, a forma de poder abri-la, sem causar destruição ou dano. Acresce,

10- A questão da propriedade da casa, como de demais bens, está a ser judicialmente discutida no âmbito da acção declarativa de condenação, interposta pelo arguido em 16/10/2024, pendente no Juízo Central Cível de Leiria …

11- A queixosa e, os demais demandados, têm vindo, deliberada e intencionalmente, a não receber as cartas, com vista à sua citação, nem ao levantamento das mesmas, no prazo indicado no aviso postal deixado na caixa postal, para esse efeito, encontrando-se – por isso - nomeado agente de execução, com vista à sua citação pessoal (cf. doc. 2 junto ao requerimento de abertura de instrução).

12- Como também, no âmbito do processo de Inventário do Notário nº 4071/18 e, Processo nº 101/21.... do Juízo de Família e Menores de Pombal, foi interposto e admitido recurso de revista (cf. doc. 3 junto ao requerimento de abertura de instrução), invocando-se razões de facto e de direito, além de, arguir a nulidade da sua citação, além de outras irregularidades processuais, atos omitidos, que, influenciaram negativa e decisivamente no exame e na decisão da partilha julgada. Efectivamente,

13- Conforme o alegado e demonstrado documentalmente, a queixosa/assistente é filha da testemunha, por si arrolada, de nome …… e, demandado na dita acção; enquanto, …, companheiro da filha da queixosa e, do arguido de nome … que, embora indicada pela mãe, não quis prestar declarações, como resulta a fls. …, como o era; aliás, uma sua faculdade e direito; mas, nos autos da providência cautelar de restituição provisória de posse, quase contemporaneamente, requerida pelo arguido e arrolada na oposição, pela mãe (aqui queixosa/assistente), já prestou depoimento e nunca relatou tais condutas do pai de tais factos, ilícitos e criminais.

- Da propriedade e da posse do imóvel

14- No ano de 1980 (antes do casamento entre a queixosa/assistente e o arguido, …, o dito … e a mulher, …, doaram-lhes informalmente, o prédio rústico, … para nele edificarem a casa de habitação, anexos, logradouros e amanharem/agricultarem e, explorarem o terreno restante que, os mesmos agradecidos aceitaram, com tal desiderato. Onde,

15- Em parte desse terreno, vieram a erigir a casa de habitação, bem como; os anexos e, os demais logradouros.

Tendo, ainda;

16- O arguido, em solteiro, mais adquirido uma outra parcela de terreno, contíguo aquele terreno, pelo lado nascente e, a qual, foi anexada ao dito prédio.

17- Como adquiriram móveis: …

18- Após, as construções, ali – queixosa e arguido - passado a habitar, …

19- Tudo e sempre, à vista e, com o conhecimento das pessoas em geral, continuadamente, sem intromissão ou oposição de ninguém, sem violência de qualquer espécie, certos de; com essa prática, não lesar direitos ou interesses de outrêm, no firme e determinado propósito de agirem como únicos donos, em comum e, partes iguais.

20- Se, outro modo não houvesse, face ao poder de facto, exercido e mantido; com a prática de atos materiais, características e animus possidendi, ao longo de mais de 20/30 anos, haviam adquirido o direito real de gozo ou de propriedade, por usucapião ou aquisição prescritiva que, à cautela, expressamente se invoca, para os legais efeitos. Em relação,

21- Ao prédio rústico, sito em … adquiriram-no por compra na constância do casamento. Embora inicialmente,

23- E, não obstante, o processo de divórcio decretado no Luxemburgo, em ../../2006, foi apenas averbado em 11/01/2024 (cf. averbamento nº 1 ao assento de casamento, junto sob doc. 17 com a p.i. da aludida acção), a queixosa com o arguido, as filhas, o sogro, os cunhados; continuaram a manter relação – diríamos – idêntica à existente, durante o casamento. De facto,

24- Continuaram a confecionar e, a tomar refeições juntos, a coabitar na mesma casa no Luxemburgo, a utilizar o recheio e demais pertences, como a utilizar os currais, a garagem/arrumos, a explorar, por si ou a seu mando e pedido, o quintal em comum no prédio …

25- A fazerem viagens juntos, a passar férias conjuntamente, com as filhas e netos. Enfim,

26- O arguido sempre acreditou, manterem e nutrirem sentimentos recíprocos de família funcional e estruturada que, o arguido, com muito trabalho, espírito de sacrifício, sentido de economia e bom senso, privilegiou ao longo da sua vida e; construiu tanto pessoal, como patrimonialmente acima da média, com uma filha médica e uma filha técnica auxiliar de educação.

37- Sem mandatário constituído, o tribunal comum iludido, tratou o prédio urbano, como se fosse benfeitoria, e que; não seria suscetível de avaliação (!), logrando – por isso - a queixosa através da sua mandatária constituída, à mesma conferido procuração, com poderes para fazer licitações, pelo valor irrisório de €900,00 o dito prédio rústico e; a benfeitoria no valor patrimonial da casa de € 30.703,75, sido adjudicada e logo transferida, sem qualquer requerimento, com o pretendo valor de tornas de € 15.801,88; apressadamente, para a conta do arguido, cujo IBAN do arguido conhecia. É, de esperteza saloia diga-se, com o devido respeito, é de má-fé. Assim, vai cavalgando na senda do que apenas parece; mas, não é!

38- Quando, o valor venal da habitação rectius prédio urbano, deveria de ser – pelo menos – de € 200.000,00 (duzentos mil euros). Daí,

39- Sem qualquer avaliação, isto é, com puro locupletamento à custa do arguido, conluiada com o pai BB, a filha CC e o companheiro desta testemunha: DD, sendo as únicas testemunhas indicadas, com mais este processo, parece ser um “orgasmo mental” de chico espertismo, com malévolos intuitos. De novo,

50- Requereu providência cautelar de restituição provisória de posse, tendo na 1ª fase sido decretada e restituída a posse do imóvel ao arguido; contudo, após, a queixosa, com a filha … e, o companheiro desta, declarando testemunho falso, veio a ser revogada. Pelo que,

51- Além de interpôr em prazo recurso, propôs acção declarativa de condenação contra a queixosa, o pai, o irmã e uma filha; justamente, para demonstração do seu direito de propriedade sobre os bens, especificadamente, sobre o imóvel urbano retro identificado. Com efeito,

52- De harmonia com o preceituado no nº 4 do art. 364º do CPC: - Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal.

53- Sendo certo, o arguido perante a notificação do tribunal de revogação da providência, deixou de habitar a casa, continuando – no entanto - privado do uso, fruição e disposição dos seus bens móveis e imóveis, que também, lhe pertencem por direito próprio.

Por sua vez, o julgador deu como provados e não provados os seguintes factos:

Provados:

1. O arguido … e a ofendida … foram casados de 20 de agosto de 1983 a 14 de dezembro de 2006;

2. Após o divórcio, o imóvel situado na Rua … foi adjudicado à ofendida, no âmbito do processo de inventário para separação de meações que correu termos, inicialmente no cartório notarial e, posteriormente, no Juízo de Família e Menores …

3. Com efeito, o imóvel foi descrito como benfeitoria construída em terreno da propriedade exclusiva da ofendida e, em 25-10-2022, realizada a conferência de interessados, foi a benfeitoria – casa de habitação – adjudicada à ofendida;

4. Elaborado o mapa de partilha, foi fixado o valor de tornas a pagar ao arguido em € 15 801, 88 (quinze mil oitocentos e um euros e oitenta e oito cêntimos);

5. O arguido não concordou com o referido mapa de partilha e decisão proferida no âmbito do referido processo de inventário e, desde então, atemoriza a sua ex-esposa ameaçando-a pessoalmente;

7. A ofendida procedeu ao pagamento do valor de tornas, por transferência bancária, para uma conta titulada pelo arguido em 26-08-2023;

8. Após essa transferência, ainda nesse mesmo mês de Agosto de 2023, por carta registada, informou o arguido desse pagamento e concedeu-lhe um prazo de 15 (quinze) dias para retirar do imóvel todos os seus bens pessoais, informando-o ainda que a partir dessa data ficava proibido de aí entrar;

9. Não obstante, o arguido não retirou os seus bens no prazo indicado;

10. Após o prazo indicado em 8, a ofendida mudou as fechaduras das portas, dado ser a única dona do imóvel;

11. Em data não concretamente apurada, mas certamente durante o mês de agosto de 2023, junto à residência indicada em 2, perante …, pai da ofendida, o arguido dirigiu à sua ex-esposa as seguintes palavras: “puta”, “cabra”, e que ia por fogo à casa com a mesma lá dentro;

12. Em data não concretamente apurada, mas certamente durante o mês de setembro de 2023, durante o fim de semana, pela hora do almoço, no interior da residência de uma filha do casal, …, situada em …, reagindo à carta indicada em 8, o arguido dirigiu-se à ofendida, sua ex-esposa, dizendo-lhe: “ninguém me proíbe de lá entrar, chego lá e parto aquilo tudo, queimo tudo!!”;

13. No dia 05 de dezembro de 2023, a hora não concretamente apurada, mas já ao final do dia, o arguido telefonou para a ofendida exigindo-lhe as chaves do imóvel indicado em 2 e, quando a mesma o informou que não poderia entrar em sua casa, aquele dirigiu-lhe as seguintes palavras: “se não me deres a chave e eu não conseguir entrar, eu parto isto tudo”;

14. Apesar da ofendida o ter informado que não poderia entrar na sua habitação, ainda nesse dia o arguido, de forma não concretamente apurada, mas através de uma janela da habitação descrita em 2, conseguiu aí entrar, onde permaneceu durante 15 (quinze) dias, sem o conhecimento e contra a vontade da ofendida;

15. A ofendida regressou para Portugal em 08-12-2023 e quando chegou à sua residência, indicada em 2, constatou que o arguido ainda aí se encontrava, sem a sua autorização e contra a sua vontade, tendo solicitado, para o efeito, a intervenção policial para que o arguido abandonasse aquele imóvel;

20. Por decisão proferida a 05/02/2024, no âmbito do processo nº 47/24.... (procedimento cautelar), que correu termos no Juízo Local Cível de Pombal (Juiz 2), o Tribunal deferiu ao arguido uma providência cautelar de restituição provisória da posse” do prédio urbano referido em 2);

21. E por decisão nesses mesmos autos, datada de 06/05/2024, o Tribunal revogou a decisão proferida a 05/02/2024, determinando “o levantamento da providência cautelar de restituição provisória da posse” do prédio urbano referido em 2)

22. O arguido mantém a sua residência oficial na morada dos autos, em períodos alternados entre Portugal e o Luxemburgo, país onde tem habitação e reside a maior parte do seu tempo.

28. O relacionamento com a ofendida nos presentes autos, que se iniciou com o matrimonio em 1983, foi pautado por episódios de desentendimentos, especialmente e segundo o arguido, por dificuldades de relacionamento da ofendida para com os sogros, episódios que interferiam e prejudicavam o relacionamento;

29. No âmbito do relatório social elaborado ao arguido, pela ofendida foi declarado que os aludidos desentendimentos do ex-casal surgiram também questões de dificuldades de autocontrolo comportamental do arguido, especialmente quando contrariado;

Não provados:

Pois bem.

Relembra-se o arguido que está em causa um crime de violência doméstica e um outro de introdução em lugar vedado ao público, por que foi condenado, já que foi absolvido do crime de dano.

Analisada a factualidade provada e não provada da sentença recorrida, com destaque para a acabada de mencionar, e ainda a factualidade vertida nos pontos da contestação supra referidos, entende-se que a matéria conhecida pelo julgador revela-se suficiente para a boa decisão da causa. Toda a demais constante nos referidos pontos da contestação é irrelevante para a decisão.

Não está aqui em causa a correta ou incorrecta tramitação ou decisão no processo de inventário, nem mesmo os factos relativos ao crime de dano, face à absolvição.

A ser assim, por irrelevantes, os demais factos da contestação não deviam fazer parte do elenco da factualidade provada e não provada, como não fizeram.

Face ao exposto, conclui-se que não assiste razão ao arguido, não tendo sido cometida a invocada  nulidade, prevista na alínea c) do nº 1, do artigo 379º, do Código de Processo Penal.

Improcede esta questão por si suscitada.

            *

Próxima questão: se os factos provados dos pontos 3, 5, 6, 8, 11 a 14 e 16 a 19 foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados.

Pois bem.

Como estipula o artigo 428º do Código de Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de revista alargada; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Na chamada revista alargada, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

Na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Assim, enquanto os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada – cfr. Ac. da RL de 9.5.2017, in www.dgsi.pt.

Ora, o que o recorrente pretende é discutir a referida matéria de facto provada dos pontos 3, 5, 6, 8, 11 a 14 e 16 a 19, por entender que foi incorretamente julgada pelo tribunal a quo, que foi cometido um erro de julgamento por errónea apreciação da prova.

Estamos, assim, no domínio dos artigos 412º, nº 3, e 431º, ambos do Código de Processo Penal.

Estipula o artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal que, “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

No caso sub judice a questão não se prende com a alínea c) mas sim com as alíneas a) e b).

A especificação dos concretos pontos de facto traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.

Nos termos do nº 4 da mesma norma legal “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.

Não basta, pois, a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos.

De qualquer forma, neste particular, o STJ, no Ac. nº 3/2012, publicado no DR, 1ª série, de 18.4.212, fixou jurisprudência no sentido de que:

«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Requisitos que foram respeitados, minimamente, pelo recorrente já que especificou os factos concretos que considera incorrectamente julgados, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com as quais fundamenta a impugnação.

Relativamente à prova indicada, pessoal, consideram-se respeitados os requisitos em relação às declarações prestadas pelo arguido e pela assistente e depoimentos das testemunhas …, com a identificação e transcrição das passagens relevantes e indicação dos respectivos minutos da gravação.

O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – nº 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Por sua vez, dispõe o artigo 431º do mesmo diploma legal que, “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou

c) Se tiver havido renovação da prova.

“A respeito da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412º, no 3, do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte:

Como se refere nos doutos acórdãos do S.T.J de 15.12.2005 e de 09.03.2006, Procs. nos 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros». A gravação das provas funciona como uma válvula de escape para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (Neste sentido, acórdão do S.T.J. de 21.01.2003, disponível in www.dgsi.pt). E, como se refere no acórdão desta Relação do Porto de 26.11.2008, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, no 3960, págs. 176 e segs. «não podemos esquecer a perceção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido diretamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância” - cfr. Ac. da RP de 28.2.2018, in www.dgsi.pt.

Veja-se igualmente o Ac. da RG de 6.12.2010, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que, no caso de impugnação da matéria de facto, a que se refere o nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, “a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente”.

Mais se lê no mesmo aresto que “o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (- Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 14 de Março de 2007, de 23 de Maio de 2007e de 3 de Julho de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.). Justamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deve expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, como estipulado no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal”.

Assim, estando a audiência devidamente documentada, não obstante o princípio da livre apreciação da prova, pode a Relação alterar a matéria de facto, quando entenda existir um erro na apreciação da prova – cfr. Ac. da RC de 15.3.2006, in www.jusnet.pt.

No caso concreto, por se verificarem todos os pressupostos, esta Relação deve averiguar se, relativamente aos factos indicado pelo recorrente, o Tribunal de 1ª instância julgou bem.

Para o efeito, face às questões suscitadas, aos argumentos invocados quanto aos meios de prova e ainda à convicção formada pelo julgador vertida na motivação da decisão de facto, este Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no nº6 do artigo 412º do Código de Processo Penal, ouviu integralmente as declarações prestadas pelo arguido e pela assistente, bem como o depoimento da testemunha …. Atendeu às passagens indicadas e transcritas na peça recursória no que respeita às testemunhas

No mais, levou-se em conta a restante prova considerada pelo tribunal a quo, tal como foi indicada e examinada na sentença recorrida.

Afirma o arguido que “Além das declarações, depoimentos prestados com a transcrição das concretas passagens, também constituem provas documental e da própria natureza dos conflitos subjacentes a questões de propriedades e de partilhas, os documentos juntos recurso, fotogramas, petição inicial instaurada no Juízo Central Cível de Leiria …”.

Ora, quanto a documentos apenas há a dizer que não estão devidamente identificados, nem as partes ou passagens dos mesmos que deveriam impôr decisão diversa, co-relacionadas com os factos impugnados.

Assim, quanto a documentos nada há a apreciar.

Reafirma-se que o recurso não visa a reapreciação de toda a prova produzida, mas apenas aquela com base na qual se pretende infirmar a convicção do julgador. Para o efeito, torna-se, pois, imprescindível que na motivação do recurso a mesma surja como fundamento da pretensão do recorrente e que respeite os pressupostos legais. Caso contrário, não existem razões para ser reapreciada.

Do que fica dito conclui-se que, do conjunto da prova produzida, a que foi analisada por esta Relação e a restante apreciada pelo tribunal a quo, tal como consta da motivação da decisão de facto, bem andou o julgador ao dar como provada a factualidade dos pontos 3, 5, 6, 8, 11 a 14 e 16 a 19.

A prova indicada pelo recorrente não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.

             *

Acresce que, relativamente à fixação da matéria de facto, o tribunal a quo foi quem beneficiou da imediação e oralidade na recolha da prova, sempre valiosas na formação da convicção do julgador.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova”.

Por sua vez, o Ac. da RC de 28.1.2015, in www.dgsi.pt, refere que “o julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido”.

Também o Ac. da RE de 19.5.2015, in www.dgsi.pt, afirma que “o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância. Se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela”.

Ora, não se verifica que tenha sido cometido qualquer erro de julgamento na primeira instância, muito menos qualquer erro clamoroso, evidente e/ou óbvio, na apreciação dos factos impugnados.

Pelo contrário, a conclusão probatória a que o tribunal a quo chegou encontra-se correcta.

Pelo exposto, improcede a pretensão do recorrente, devendo manter-se comos provados os factos impugnados.

             *

Aqui chegados, mantendo-se a factualidade provada, mormente a vertida nos pontos 16 a 19, fica prejudicada a alegação de que o arguido agiu sem culpa por ter actuado sem consciência da ilicitude do facto.

             *

Face à improcedência das questões supra conhecidas e à manutenção da factualidade provada como consta da sentença recorrida, sem necessidade de outras considerações, conclui-se pelo preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica sub judice, o que conduz necessariamente à condenação do arguido.

Com a referida factualidade provada, a subsunção jurídica efectuada não merece qualquer censura.

Respondendo à questão suscitada no douto Parecer atente-se na seguinte factualidade:

1. O arguido … e a ofendida … foram casados de 20 de agosto de 1983 a 14 de dezembro de 2006;

2. Após o divórcio, o imóvel situado na Rua … foi adjudicado à ofendida, no âmbito do processo de inventário para separação de meações que correu termos, inicialmente no cartório notarial e, posteriormente, no Juízo de Família e Menores …

5. O arguido não concordou com o referido mapa de partilha e decisão proferida no âmbito do referido processo de inventário e, desde então, atemoriza a sua ex-esposa ameaçando-a pessoalmente;

8. Após essa transferência, ainda nesse mesmo mês de Agosto de 2023, por carta registada, informou o arguido desse pagamento e concedeu-lhe um prazo de 15 (quinze) dias para retirar do imóvel todos os seus bens pessoais, informando-o ainda que a partir dessa data ficava proibido de aí entrar.

Isto é, apesar do divórcio ter ocorrido em 2006, o inventário apenas teve início em 2021. O arguido sempre teve a chave de casa, frequentando-a e onde tinha os seus pertences. Quando a ofendida lhe disse que não poderia entrar na dita casa, ele reagiu, insistiu em entrar, assim como entrou.

Apesar do divórcio, o casal manteve sempre proximidade.

Aliás, como se disse, a testemunha …, nas passagens do seu depoimento indicadas na peça recursória, referiu factos de 2018 ou 2017, afirmando que nessa ocasião foi trabalhar para eles, estavam os dois em casa e ficou a saber que o casal estava separado mas que viviam juntos. Pensava a testemunha que ainda estariam casados.

A ser assim, entende-se que não colhem no caso concreto as considerações tecidas no douto Parecer.

              *

Próxima questão: se as penas aplicadas ao arguido, bem como a indemnização arbitrada, revelam-se excessivas, desajustadas e injustificadas.

Alega o arguido que a pena de prisão, de multa e de indemnização aplicada, revelam-se excessivos, desajustadas, e, quiçá, injustificadas, visto a assistente nenhum prejuízo real e efetivo teve e, com a revogação da providência o arguido observou e respeitou a ordem judicial, ainda que, ali mantenha os seus pertences e bens comuns móveis, utensílios, roupa, documentos de que se vê privado e, que afinal a assistente nada relacionou, como decorre da relação de bens, por si, laconicamente, apresentada, reveladora do intuito e interesse em despojar o arguido do que seria em processo justo e equitativo.

O arguido é uma pessoa bem formada, com um passado íntegro, sério, honesto, trabalhador, como sentido de família, cujo agregado familiar sempre foi do seu projeto de vida e sentido da sua existência, tanto como as filhas como os netos e, a própria ex-mulher e a própria família próxima desta.

Pois bem.

O tribunal recorrido decidiu condenar o arguido no pagamento à vítima da quantia de €2.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

De acordo com o artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal “… o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

A alçada do Tribunal de 1ª Instância é de 5.000 euros, nos termos do artigo 44º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto.

Ora, no caso sub judice não estamos perante uma dedução de pedido cível e a decisão impugnada não é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1048, “não é admissível o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil se o valor do pedido não for superior à alçada do tribunal recorrido ou a decisão impugnada não for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

No mesmo sentido, veja-se o Ac. da RE de 8.10.2019, in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, onde se pode ler que: “como é consabido, o princípio consagrado no artigo 399.º do Código de Processo Penal, sobre a admissibilidade dos recursos, sofre, no domínio da indemnização civil, as restrições decorrentes do estatuído no n.º 2 do artigo 400.º do mesmo diploma legal. Para que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil seja admissível, exige-se o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

- que o valor do pedido seja superior à alçada do Tribunal recorrido;

- que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal recorrido”.

Pelo que fica dito, facilmente se conclui que não estão preenchidos os pressupostos para que esta Relação conheça da questão relativa à indemnização arbitrada.

Por último, refira-se que, nos termos do artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal, “a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”.

 Pelo exposto, não se conhece da questão suscitada quanto à indemnização a pagar à vítima, uma vez que, nesta parte, a sentença recorrida não admite recurso, devendo este ser rejeitado, nos termos dos artigos 420º, nº1, alínea b), e 414º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.

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No que respeita à medida das penas aplicadas, vejamos se lhe assiste razão.

No que respeita à determinação da medida concreta da pena, há que ter em conta, desde logo, o que dispõe o artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Nos termos do nº 1 deste artigo, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por um lado, visa-se a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime. Fala-se a este respeito de prevenção geral positiva ou prevenção geral de integração.

Por outro lado, visa-se a socialização do condenado, que se cumpre, naturalmente, na fase de execução da pena. Fala-se então de prevenção especial positiva.

Assim, a escolha da pena e a determinação da respectiva medida concreta são questões que devem ser resolvidas à luz das referidas finalidades.

No entanto, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma legal.

A culpa surge, assim, como um limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade do indivíduo.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) e é citado no Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt:

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.

Como se refere no mesmo aresto, “o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar”.

Por outro lado, como ensina igualmente Figueiredo Dias, “a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais” – cfr. obra supra citada, 118.

Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

“A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (cfr. obra e aresto supra citados).

“O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, in As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” – cfr. aresto supra citado.

Porém, “em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização” – cfr. Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt.

Também o artigo 71º, nº 1, do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) a intensidade do dolo ou da negligência;

c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e

f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

“As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente” – cfr. aresto supra citado.

A lei, ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, quer com isto dizer que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta – cfr. neste sentido Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

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Revertendo ao caso sub judice, o crime de violência doméstica, previsto pelo artigo 152º, nº 1, alínea a), do Código Penal, é aí punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Como se disse, o tribunal a quo fixou a pena em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e cumprimento de condições.

Por sua vez, o crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto pelo artigo 191º, nº 1, do Código Penal, é aí punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.

O tribunal a quo fixou a pena em 40 dias de multa.

Concorda-se com esta apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador procedido a uma correcta individualização e ponderação dos factores que relevam para a determinação da medida concreta da pena.

Estamos, de facto, perante uma culpa elevada, face a um dolo directo e, por isso, intenso.

O grau de ilicitude revela-se igualmente elevado, face à natureza e reiteração das condutas violentas praticadas pelo arguido.

Também as necessidades de prevenção geral são muito elevadas face à grande frequência com que o crime de violência doméstica é praticado e às consequências dramáticas que muitas vezes se verificam, como a morte da própria vítima.

O crime de violência doméstica é gerador de um enorme alarme social, de um intenso sentimento de repúdio, indignação e revolta. É a manifestação do completo desrespeito e indiferença pela pessoa da ofendida, face ao tratamento humilhante de que é vítima.

Relativamente à prevenção especial, as suas necessidades situam-se num patamar mediano.

Se, por um lado, o arguido não tem antecedentes criminais, por outro, é de atentar na sua personalidade, agressiva, revelada pela factualidade provada e ainda ao facto de não se ter conformado com as decisões proferidas no processo de inventário e persistirem os problemas nesse particular.

Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva), mas também a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).

Prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, mas também negativa ou de intimidação. Assim, devem ser valorados todos os factores relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 243.

Como se disse, atendendo à personalidade do arguido e ao facto de ainda não se encontrarem resolvidos os problemas relacionados com o inventário, entende-se fixar num grau médio as necessidades de prevenção especial.

Face à violação das aludidas normas jurídicas, impõe-se uma resposta punitiva firme, o reforço da consciência jurídica comunitária, a necessidade de restabelecer a confiança na validade das normas violadas; isto é, a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência das normas infringidas.

Ponderando todos os factores, conclui-se que as penas aplicadas de 2 anos de prisão, suspensa nos termos definidos na sentença, e 40 dias de multa, não ultrapassam o limite da culpa do arguido, revelando-se justas, adequadas e necessárias.

Penas inferiores, como pretendido pelo arguido, revelar-se-iam manifestamente insuficientes face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler igualmente no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.

Também a Relação de Évora, no Ac. de 16.1.2019, in www.dgsi.pt, já afirmou que “o recurso visa sempre, e apenas, a reparação de erros de julgamento. Não é e não serve a continuação do julgamento. Adite-se que, também em matéria de pena, o recurso mantém o seu arquétipo de recurso-remédio. A Relação intervém na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Não procede como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância.

Com efeito, quer a doutrina mais representativa, quer o Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197)”.

Jurisprudência que se acompanha.

No caso concreto, conclui-se pelo acerto da decisão da 1ª instância, não se vislumbrando qualquer erro, incorrecção ou distorção no processo de determinação das penas aplicadas, nem desrespeito por princípios aplicáveis ou violação de regras de experiência, nem mesmo qualquer desproporção na quantificação efectuada.

Pelo exposto e em jeito de conclusão, as penas aplicadas não ultrapassam os limites da culpa do arguido, como se disse, revelando-se necessárias face às referidas exigências de prevenção geral e especial, pelo que devem manter-se.

Improcede igualmente esta questão suscitada pelo recorrente.

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Em conclusão, deve ser rejeitado o recurso interposto pelo arguido na parte referente à indemnização arbitrada e, no mais, ser negado provimento ao recurso, face à improcedência de todas as demais questões.

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         C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

- rejeitar o recurso do arguido na parte referente à indemnização arbitrada;

- no mais, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo, em consequência, a sentença recorrida.

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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

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               Notifique.

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             Coimbra, 22 de Outubro de 2025.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).


Rosa Pinto – Relatora

Helena Lamas – 1ª Adjunta

Ana Paula Grandvaux – 2ª Adjunta