| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | HELENA LAMAS | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM | ||
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| Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 29.º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA | ||
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| Sumário: | I - A detenção, em flagrante delito, por posse de embalagens de heroína, pedaços de cocaína e pedaços de canábis e subsequente interrogatório judicial interrompem a unificação desta conduta com actos de tráfico subsequentes, mesmo que próximos temporalmente, porque aquelas intervenções, ao interromperem a resolução criminosa inicial, determinaram a renovação da resolução criminosa. | ||
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| Decisão Texto Integral: | 
 Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO 1.1. A decisão No Processo Comum Colectivo nº 34/22.4GASAT do Juízo Central Criminal de Viseu, foram submetidos a julgamento os arguidos AA, … BB, … tendo sido decidido : 1. Condenar o arguido … pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de: a) um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos art.os 21.º, n.º 1 e 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal (crime para o qual se convola o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe vinha imputado na acusação) [praticado entre 26/01/2023 e 29/10/2023], na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; b) um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. a), por referência ao art. 2.º, n.º 5 al. l), ambos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (em concurso aparente com uma contra-ordenação por detenção ilegal de arma, prevista no art. 97.º, n.º 1, por referência aos art.os 2.º, n.º 1 al. aac) e 3.º, n.os 1 e 2 al. n), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições) [praticado em 29/10/2023], na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão; Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido … na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão. 2. Condenar a arguida … pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos art.os 21.º, n.º 1 e 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal e art. 27.º, n.os 1 e 2 do Código Penal (crime para o qual se convola o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe vinha imputado na acusação) [praticado entre Abril de 2023 e 29/10/2023], na pena de 10 (dez) meses de prisão; Mais se decide suspender na sua execução da pena de prisão aplicada à arguida … pelo período de 1 (um) ano. 3. Absolver a arguida … do pedido de condenação a pagar ao Estado a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a título de perda de vantagens; 4. Declarar a perda de vantagens no valor global de € 3.465,00 correspondente à recompensa obtida e, por apenas ser insusceptível de apropriação em espécie a quantia de 20,46, condenar o arguido … a pagar ao Estado a quantia remanescente de € 3.444,54 (três mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos). 5. Declarar perdidas a favor do Estado as substâncias estupefacientes apreendidas a fls. 809 e examinadas a fls. 1201, mais determinando que se proceda à respectiva destruição, atenta a sua natureza. 6. Declarar perdida a favor do Estado a quantia monetária de € 20,46 (vinte euros e quarenta e seis cêntimos), bem como os telemóveis, balanças digitais, pacote, comprimidos e panfletos, todos apreendidos a fls. 817, 829 (939, 940 e 947) e 840; 7. Declarar perdidos a favor do Estado os 11 detonadores e a reprodução de arma de fogo (apreendidos a fls. 817 e examinados a fls. 1157 e 998), mais determinando a oportuna entrega da reprodução de arma de fogo à PSP, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 78.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições. 
 
 1.2.O recurso 1.2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão, o arguido … interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):  
   
               
   
   
   
   
 
   
   
             
         
   
   
   
   
     
   
   
           
   
   
   
       
 
   
   
         
 
 
     
 
 
 
 
 
 1.2.2 Da resposta do Ministério Público Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, … 
 1.2.3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer … 
 1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência. 
 
 II. OBJECTO DO RECURSO … Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer : - Violação do caso julgado; - Impugnação da matéria de facto; - Verificação do crime previsto no artigo 26º do DL. 15/93; - Excesso das penas parcelares e da pena única; - Suspensão da execução da pena. 
 
 III. FUNDAMENTAÇÃO Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) : «Da aplicação do princípio ne bis in idem Em sede de alegações e na sequência da junção aos autos das acusações e sentenças proferidas nos processos n.º 126/22.... e 52/23...., pugnou o Ministério Público pela absolvição dos arguidos relativamente ao imputado crime de tráfico de estupefacientes, por aplicação do princípio ne bis in idem. Alegou em síntese resultar da prova produzida em audiência a prática pelo arguido AA de factos passíveis de integrar um crime de tráfico de menor gravidade. Contudo, há a ponderar a circunstância de o arguido já ter sido anteriormente condenado por dois crimes de tráfico de estupefacientes, um dos quais relativo ao processo 126/22.... com acusação de 20/11/2022 e sentença de 09/01/2023 e posteriormente no processo 52/23...., por acusação de Dezembro de 2023, por factos de 23/01/2023 e sentença de 27/06/2024. Haverá, por isso que ponderar a aplicação do princípio ne bis in idem consagrado no art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, com a consequente ocorrência da excepção do caso julgado, na medida em que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de empreendimento, excutido, ou seja, actos que isoladamente considerados poderiam ser considerados uma única infracção, mas que se repetidos no tempo e ao abrigo da mesma resolução criminosa, são reconduzidos a uma unicidade de acção e tratados como um único crime. Assim, os actos praticados pelo menos até à dedução da acusação e a actividade de tráfico que, até àquela data poderia ter sido conhecida, constituem o mesmo crime, que poderia ali ter sido conhecido. Razão pela qual, verificando-se a excepção do caso julgado, a actividade de tráfico aqui em apreço desenvolvida entre Maio de 2022 e 23/10/2023 (sem haver motivos que permitam cindir a actividade ou considerar estar-se perante diferente modo de actuação ou diferente resolução criminosa) deve considerar-se integrada na actividade de tráfico já julgada, obstando à condenação do arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes que lhe vem imputado. Por seu turno, não se provando actos de venda por parte da arguida, mas tão só actos passíveis de integrar mera cumplicidade, por força do princípio da acessoriedade, e não podendo punir-se o autor principal, não pode também ser punida pelo crime que lhe vem imputado. Cumpre apreciar. Para o efeito, consideram-se os seguintes factos, resultantes do teor de fls. 1295 a 1303, 1306 a 1319 e do teor da acusação deduzida nos presentes autos: I – em processo Sumário com o n.º 126/22...., deduzida acusação no dia 20/11/2022, foi o arguido … julgado e condenado, por sentença de 09/01/2023, transitada em julgado em 09/02/2023, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 21.º e 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com obrigação de i) pagar a quantia de € 600 euros ao Estado, ii) submeter-se a consulta médica e tratamento que venha a ser prescrito quanto a eventual dependência de estupefacientes; iii) colaborar com os técnicos de reinserção social durante o período da suspensão. II – resultou provado naqueles autos que:  III – em processo comum perante Tribunal Singular com o n.º 52/23...., deduzida acusação no dia 07/12/2023, foi o arguido … julgado e condenado, por sentença de 27/06/2024, transitada em julgado em 23/10/2024, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas àquele diploma legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. IV – resultou provado naqueles autos que: V – nos autos identificados em IV, o arguido foi submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 26/01/2023, no decurso do qual, tendo-se por fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi determinada a sua sujeição às medidas de coacção de: i) obrigação de apresentação semanal, às quartas-feiras, no posto policial da sua área de residência e de ii) proibição de frequentar o Bairro da Pasteleira no Porto; VI – nos presentes autos, é imputada ao arguido, em co-autoria com …, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à actividade levada a cabo entre Maio de 2022 e 23/10/2023, correspondente à venda directa de heroína, cocaína e canábis, na localidade de ..., na sequência de contactos telefónicos, a consumidores (alguns dos quais devidamente identificados na acusação, com indicação das quantidades e preços das vendas), adquirindo tais produtos no Porto e em Espanha, bem como à detenção, no dia 29/10/2023, entre o mais, de 4,4 gr. de heroína (22 pacotes), 1 gr. de cocaína (8 pedras) e 13,4 gr. de canábis (3 telas). Vejamos então. O princípio ne bis in idem está consagrado no art. 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Como referem, Gomes Canotilho e Vital Moreira em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª ed. Coimbra editora pág 497 e 498, este princípio “comporta duas dimensões: a) como direito subjetivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores desse direito (direito de defesa negativo);b) como princípio constitucional objetivo (dimensão objetiva do direito fundamental) obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. (…) A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infração, como a aplicação renovada de sanções jurídico-criminais pela prática do mesmo crime”. O “mesmo crime” aludido no mencionado preceito constitucional deve ser entendido como uma certa conduta ou comportamento, um dado facto ou acontecimento histórico, que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. A questão de saber se se trata ou não do mesmo crime ganha contornos particulares quando, como é o caso dos autos, está em causa um crime de tráfico, que vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência como um crime exaurido, excutido ou de empreendimento, consumando-se logo no primeiro acto de execução, ou seja, “com a realização do iter criminis” (Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Pinto de Albuquerque, José Branco, II, pág.487). Os subsequentes actos de tráfico serão execução ou continuação de um mesmo crime já iniciado logo com o primeiro acto que preenche o tipo penal. Assim, citando o mesmo autor, “é característica dos crimes exauridos a aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos da mesma natureza, uma vez que essa previsão diz respeito a um conceito genérico e abstracto (…). Diversos actos que constituiriam infracções independentes e potencialmente autónomas são, assim, tratados como um único crime, uma única realidade criminal que absorve esses actos. A prática destes crimes decorre normalmente durante lapsos de tempo prolongados e só raramente configura um acto esporádico”. … Contudo, também aqui, para se saber se estamos perante uma infracção ou um concurso de infracções, ou seja, se se está perante um mesmo ou vários crimes de tráfico, o critério decisivo há-de ser o da unidade ou pluralidade da intenção criminosa. Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/2023 (proc 1310/17.3T9VIS.C1.S1; Rel. Lopes da Mota) acessível em www.dgsi.pt: “Nos termos do art. 30.º, n.º 1, do Código Penal, que transpõe para a lei o pensamento de Eduardo Correia, refletido na jurisprudência, determinando-se o número de crimes pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, o critério determinante da unidade ou pluralidade de crimes, de que deve partir-se, é o tipo legal de crime violado e não o número de ações praticadas pelo agente. Na dimensão que agora interessa, se a atividade do agente preenche várias vezes o mesmo tipo legal de crime, necessariamente se nega o mesmo valor diversas vezes, existindo, por conseguinte, uma pluralidade de infrações. O «número de vezes» que o mesmo tipo de crime foi preenchido dever contar-se pelo número de juízos de censura, o que deve reconduzir-se a uma pluralidade de processos resolutivos, de resoluções ou de decisões criminosas ou à renovação do mesmo processo. Esta pluralidade seria excluída, em regra, pela continuidade temporal das várias condutas, «sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, devesse aceitar -se que “o agente executou toda a sua atividade sem ter que renovar o respetivo processo de motivação”» (cfr. a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2019, deste tribunal, DR 1.ª série, n.º 246, de 23.12.2019, citando Eduardo Correia, Direito Criminal II, Almedina, 1971, pp. 201-202, e Figueiredo Dias, Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, p. 1007). Porém, na observação deste Autor, seguida na jurisprudência, embora a unidade ou pluralidade de processos de resolução constitua, em certos casos, um elemento importante para decidir da unidade ou pluralidade de crimes, a essência do facto punível que constitui o crime, reside no “substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, no ilícito-típico,” pois que é a “unidade ou pluralidade de sentidos” (autónomos) de ilicitude típica, “existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes” (loc. cit., 3.ª ed., GestLegal, 2019, pp. 1150, 1170).” E o que vem sendo entendido pela jurisprudência recente é que a circunstância de o agente ser detido e ouvido em interrogatório judicial relativamente à prática de actos de tráfico aí cometidos tem a virtualidade de fazer cessar definitivamente o processo factual ocorrido preteritamente, correspondendo a prática ulterior de factos penalmente desvaliosos semelhantes a novo crime, sustentado por um impulso subjectivo autónomo relativamente ao dolo inerente aos factos anteriores. Assim, caso a conduta do agente se pulverize “numa pluralidade de eventos que, aglutinados pela unidade do preceito penal incriminador e por alguma conexão temporal tiverem a sua géneses numa sucessiva repetição do dolo, assegurado por reiteradas e autónomas resoluções criminosas” tal situação aponta para “um verdadeiro concurso real de infracções” (neste sentido o Acórdão do STJ de 24/05/2000, in CJASTJ, Ano VIII, Tomo II, página 203, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2007 (proc 07P2271; Rel. Armindo Monteiro), 06/06/2018 (proc 1/15.4GAMTS.S1, Rel. Manuel Augusto de Matos) e 1310/17.3T9VIS.C1.S1; Rel. Lopes da Mota, e o Acórdão da Relação de Évora de 26/06/2012 (proc 40/09.4PEEVR.E2; Rel. Ana Barata Brito), todos acessíveis em www.dgsi.pt). No caso dos autos, verifica-se que o arguido AA foi julgado e condenado no processo com o n.º 126/22...., pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, correspondente a actos praticados em 04/11/2022, designadamente a detenção para cedência a terceiros de 78 pacotes de heroína e 4 pedras de cocaína. Nessa medida, considerando a natureza do crime de tráfico, não pode deixar de entender-se que todos os factos imputados ao arguido AA, alegadamente praticados entre Maio de 2022 e 04/11/2022 apesar de não concretamente conhecidos ou considerados naquela condenação, estão abrangidos pelo caso julgado formado relativamente àquela unidade criminosa, ficando precludida a possibilidade de os submeter a julgamento nos presentes autos. Por seu turno, verifica-se, de igual modo, que o arguido foi julgado e condenado nos autos com o n.º 52/23...., pela prática de outro crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por referência a factos ocorridos em 25/01/2023, data em que o arguido transportava consigo 52 pacotes de heroína, 5,468gr. de cocaína e 3,683 gr. de canábis, sabendo ser a sua detenção, cedência e venda, proibidas por lei. Assim, e mais uma vez por força da aplicação do princípio ne bis in idem, ainda que nestes autos se mostre acusado de concretos actos de venda, devidamente delimitados quanto aos consumidores a quem alegadamente vendeu, locais, quantidades e preços (pelos quais não chegou a ser condenado naqueles autos), o certo é que está vedado ao Tribunal conhecer daquela matéria, por referência ao período que decorreu até 25/01/2023, matéria que podia e devia ser conhecida naqueles autos, por integrar a mesma unidade criminosa, já julgada. A questão coloca-se agora em saber se o caso julgado se estende aos factos que são imputados ao arguido na acusação, por referência ao período posterior a 25/01/2023 e até 29/10/2023. O Ministério Público pronunciou-se em sentido positivo, pois que a acusação ali deduzida o foi apenas em 07/12/2023, e tratando-se de modo de actuação homogéneo e semelhante àquele ali submetido a julgamento, podia e devia ter sido apreciado naqueles autos. Sucede que, entretanto, foi junta aos autos cópia do auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, do qual resulta que na sequência dos factos (que posteriormente foram levados a julgamento), o arguido foi detido e submetido a interrogatório judicial em 26/01/2023, findo o qual se considerou indiciado o crime de tráfico de menor gravidade, ficando o arguido sujeito a medidas de coacção, entre as quais a proibição de frequentar o Bairro da Pasteleira no Porto. Ora, os factos pelos quais o arguido se mostra acusado nestes autos, sendo (também) posteriores a 26/01/2023, reportam-se à venda, em co-autoria com BB, de heroína, cocaína e canábis, com regularidade diária, a consumidores devidamente identificados, por preços e quantidade de estupefaciente aí discriminados, sendo que para o efeito, os arguidos se abasteceriam no Porto e em Espanha. Há, por isso, que considerar que a detenção e sujeição do arguido a primeiro interrogatório judicial em 26/01/2023 pôs termo à execução do crime de tráfico que foi julgado nos autos com o n.º 52/23...., presidindo aos actos alegadamente praticados após aquela data, uma nova e autónoma resolução criminosa, apta a revelar um novo crime de tráfico, o qual, aliás, assume, de acordo com a acusação, contornos diversos quer quanto aos locais onde o arguido alegadamente se abastece, quer quanto à forma de actuar (em co-autoria com a arguida BB), quer quanto ao universo de consumidores, regularidade das vendas e modo de as concretizar (na sequência de contactos telefónicos). De onde se conclui que os factos imputados ao arguido por referência ao período situado entre 26/01/2023 e 29/10/2023 são, em abstracto, passíveis de integrar um novo crime de tráfico de estupefacientes, relativamente ao qual não ocorre a excepção de caso julgado. Em face do exposto, há que: - julgar verificada a excepção do caso julgado relativamente aos factos imputados ao arguido AA na acusação, alegadamente praticados entre Maio de 2022 e 25/01/2023, determinando, nesta parte, e quanto a ele, o arquivamento dos autos; - julgar improcedente a invocada excepção do caso julgado quanto aos factos imputados ao arguido a partir de 26/01/2023 e, consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos, nesta parte. * Não existem excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer. Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância. *** A matéria de facto provada é a seguinte: * Factos não provados: … * Motivação: A convicção do tribunal assentou no conjunto da prova produzida nos autos, criticamente analisada à luz de regras de experiência e segundo juízos de normalidade. … 
 
 IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO 
 4.1. - Violação do caso julgado: O recorrente começa por se insurgir contra a decisão, transcrita supra, que julgou improcedente a excepção de caso julgado quanto aos factos que lhe eram imputados nestes autos a partir de 26/1/2023. Para tanto, invoca que a sua actividade de tráfico se desenvolveu de forma homogénea e ininterrupta desde meados de 2022 até à sua detenção em 29/10/2024, pelo que, ao ser condenado, por decisão transitada em julgado em 23/10/2024, pela prática do correspondente crime, toda aquela actividade deveria ter sido apreciada no processo respectivo e, não o tendo sido, está precludido o seu conhecimento . Por sua vez, a decisão recorrida, no que é acompanhada pelo Ministério Público, entende que, tendo o arguido sido sujeito a interrogatório judicial, no âmbito do aludido processo, em 26/1/2023, acarretou que a prática dos actos subsequentes, ainda que idênticos à actividade até então exercida, obedeceu a um nova resolução criminosa . O princípio ne bis in idem encontra-se consagrado no nº 5 do artigo 29º da C.R.P., ao estipular que «ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime», garantia que também colhe protecção no artigo 4° do Protocolo n° 7, adicional à CEDH, de 22/11/1984 e no artigo 14°, nº 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2007, pp. 497 e 498, esclarecem este princípio : «… comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. (…) A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».». «… o caso julgado tem uma função de garantia do cidadão que se traduz na certeza, que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto» - cfr. Frederico Isasca, in Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 1992, p. 226. Também o S.T.J., no acórdão de 23/6/ 2016, processo 16/14.0yflsb, relatado pelo Conselheiro Fernando Bento, in www.dgsi.pt, consignou que : «O princípio non bis in idem, proíbe assim que, na actividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material. As fundamentais razões dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários.» Conforme é referido no Acórdão da Relação do Porto, de 10/7/2013, processo 130/10.0gamtr.P1, relatado por Alves Duarte, publicado em www.dgsi.pt, « esta garantia constitucional deve ser vista como da proibição da dupla perseguição penal do indivíduo, estendendo-se, portanto, não apenas ao julgamento em sentido formal, mas, também, a qualquer outro acto processual que signifique uma definitiva assunção valorativa por parte do Estado sobre determinado facto penal, como seja o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público ou a decisão de não pronúncia pelo Juiz de Instrução Criminal e a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento criminal ou por desistência da queixa. Nesta perspectiva, a delimitação do objecto do processo pela acusação tem ainda como efeito que a garantia conferida pelo princípio ne bis in idem implique que se proíba a investigação e o posterior julgamento não só do que foi mas também do que poderia ter sido conhecido no primeiro processo. (…) O que se proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal, entendendo-se aqui por crime não um certo tipo legal abstractamente definido como crime mas, outrossim, um comportamento espácio-temporalmente determinado, um determinado acontecimento histórico, um facto naturalístico concreto ou um pedaço de vida de um indivíduo já objecto de uma sentença ou decisão que se lhe equipare, mas independentemente do nomem iuris que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado.» Subscrevemos aqui o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 9/2023 de 21/9, publicado no Diário da República , 1ª série, de 21/9/2023, quanto à estrutura e natureza do crime em causa nestes autos – o crime de tráfico de estupefacientes – enquanto crime de trato sucessivo, sendo este aquele «… em que ocorre uma «unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente», sendo «essa unidade de resolução, a par da homogeneidade da actuação e da proximidade temporal, que constitui a razão de ser da unificação num só crime … [é] essa unidade de resolução, a par da homogeneidade de actuação, e da proximidade temporal, que constitui a razão de ser da unificação dos vários actos sucessivos num só crime … [o] dolo do agente abarca ab initio uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe logo a praticar, para tanto preparando, se necessário, as condições de realização, estando-se no plano da unidade criminosa… a reiteração, revelando uma resolução determinada e persistente do agente, traduz uma culpa agravada … [h]á um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal, configura o trato sucessivo.». E conclui-se nesse Acórdão que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime único ou unitário, pois «… independentemente da sua maior ou menor complexidade organizativa - isto é, trate-se de um vulgar tráfico de rua, a envolver um agente, uns gramas de produto estupefaciente e um telefone para o estabelecimento de contactos entre o agente e os consumidores, ou trate-se de uma grande rede transcontinental de narcotráfico, tentacular, com elevado número de cooperantes rigidamente escalonados e com papéis minuciosamente determinados, a movimentar toneladas de droga e apoiada em sofisticados equipamentos (aviões, barcos, automóveis, evoluidíssimos sistemas de telecomunicações, etc.) -, do maior ou menor número ou da maior ou menor diversidade dos actos do catálogo do artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 em que se desagregue - desde uma simples detenção de droga não destinada ao autoconsumo, até incontáveis actos de todas e, ou, da cada uma das espécies enumeradas na norma - e do maior ou menor período de tempo por que perdure - suposta, aqui, como se observa no Ac STJ de 20.2.2019, a continuidade da conduta típica, que a existência de hiatos prolongados, por iniciativa do agente ou acção de terceiros, mormente, a intervenção das autoridades pode significar, afinal, a terminação de uma realização típica (unitária) e o início de outra -, independentemente de tudo isso, dizia-se, e ainda que, vistos isoladamente, cada um dos actos protagonizados pelo agente pudesse consubstanciar a prática de um crime consumado independente, a actividade em causa constitui, sempre, uma realidade jurídica unitária, o mesmo é dizer, um, e só um, crime, em si mesmo uno e indivisível.» - sublinhado meu. Procedendo à comparação dos factos dados como provados no processo comum singular nº 52/23.... e os dados como provados nos presentes autos, constatamos que inexiste qualquer coincidência dos mesmos : Os factos considerados provados naquele processo comum singular reportam-se unicamente ao dia 25/1/2023, cerca das 19h 50m, na Rua ..., em que o ora recorrente tinha na sua posse 52 embalagens de heroína, com o peso líquido de 6,299 gr, vários pedaços de cocaína, com o peso líquido de 5,468 gr e vários pedaços de canábis com o peso líquido de 3,683 gr. Este factos determinaram a sua condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do DL. 15/93. Já nos presentes autos, apurou-se que entre os dias 26/1/2023 e 29/10/2023 o ora recorrente procedeu à venda directa de produto estupefaciente, nomeadamente heroína, cocaína e canábis, na localidade de ..., a consumidores que o procuravam para o efeito, e fê-lo não obstante ter sido submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido naquele processo com o n.º 52/23...., no decurso do qual, tendo-se por fortemente indiciada a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi determinada a sua sujeição às medidas de coacção de obrigação de apresentação semanal, às quartas-feiras, no posto policial da sua área de residência e de proibição de frequentar o Bairro da Pasteleira no Porto. Ou seja, não há uma sobreposição dos factos provados nos dois processos e não há apenas uma resolução criminosa . Na verdade, ao ter sido detido em flagrante delito, na posse de 52 embalagens de heroína, vários pedaços de cocaína e vários pedaços de canábis, e ao ser sujeito a interrogatório judicial (onde se re-afirmou a validade da proibição do tráfico de estupefacientes) e à aplicação de medidas de coacção (que reforçou aquela validade), tal implicou a renovação da resolução criminosa inicial, quando o arguido passa a dedicar-se, a partir de então, à venda de estupefacientes . Isto é, apesar das intervenção das autoridades policiais e judiciais, o recorrente tomou uma nova decisão, que é necessariamente independente da anterior, de traficar estupefacientes novamente, pois aquela intervenção interrompeu a primeira resolução criminosa . No mesmo sentido, ver os Acórdãos do S.T.J. de 15/3/2023, processo 1310/17.3t9vis, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota; da Relação de Coimbra de 20/1/2021, processo 144/18.2gbscd.C1, relatado por Alcina da Costa Ribeiro; e da Relação de Évora de 26/6/2012, processo 40/09.4peevr.E2, relatado por Ana Barata Brito, todos in www.dgsi.pt. Aliás, neste último aresto, em situação muito semelhante à dos presentes autos, afirmou-se que « … o crime exaurido implica que todos os actos múltiplos se unifiquem num único crime. Só que é imperioso considerar que a intervenção, a dado momento, das autoridades policiais espanholas e a detenção dos arguidos põe termo à execução do primeiro crime de tráfico. A evidência de uma nova, autónoma e diversa resolução criminosa, por parte dos dois arguidos, posterior à sua detenção - quando decidem efectuar novo transporte de estupefacientes e praticar todos os actos que posteriores - revela estarmos em presença de um novo (segundo) crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º do D.L. 15/93. A pluralidade da intenção criminosa, critério decisivo para Eduardo Correia (“Unidade e Pluralidade de Infracções”, in a Teoria do Concurso em Direito Criminal,), também aceite ao que aqui interessa por Figueiredo Dias (loc. cit.), afasta a unidade do sentido social da ilicitude e impõe a consideração deste segundo núcleo de factos como crime autónomo. Assim, há que cindir os factos provados em dois grupos, separando os factos cometidos pelos dois recorrentes até à detenção em Espanha dos factos cometidos posteriormente. ». Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido em julgar improcedente a invocada excepção de caso julgado relativamente aos factos imputados ao arguido a partir de 26/1/2023 . 
 4.2. – Impugnação da matéria de facto : O Tribunal da Relação pode/deve conhecer da questão de facto sob dois prismas: - o da impugnação ampla, se tiver sido suscitada; - o dos vícios do nº 2 do artigo 410º do C.P.P. Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), todos do C.P.P. «…os vícios previstos no mencionado artigo 410º - como é expresso na norma – devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; a impugnação ampla da decisão da matéria de facto cava fundo na apreciação da prova. Aqui o recorrente vai além do texto da decisão, debruça-se sobre a prova produzida em 1ª instância …» - cfr. Sérgio Gonçalves Poças, in Processo Penal Quando o Recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Revista Julgar nº 10, p. 24-25. Estabelece o artigo 410º, nº 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: 1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; 2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; 3. Erro notório na apreciação da prova. Estes vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do C.P.P.. Em qualquer das hipóteses pensadas pelo legislador, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratando-se de vícios intrínsecos da sentença, quanto a eles, terá esta que ser auto-suficiente. Neste sentido, ver Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, Editorial Verbo 1994, p. 324; Pereira Madeira, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista, Almedina, p. 1329; e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 9.ª edição, p. 85 e ss. Assim, a análise a efectuar pelo tribunal de recurso basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra. Já a impugnação ampla da matéria de facto deve ser levada a cabo nos termos do artigo 412º, nºs 3 e 4 do C.P.P., que dispõe : «3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:  O recorrente contesta os pontos 2, 26, 27, 28 e 29 dos factos provados . … Ora, o recorrente não se deu a este trabalho e lendo aqueles outros pontos dos factos provados, não se vislumbra qualquer contradição com o ponto 2, pelo que improcede esta parte do seu recurso. 
 Os pontos 26 a 29 igualmente impugnados pelo recorrente têm a seguinte redacção: « 26. O arguido AA sabia que não tinha licença ou autorização da autoridade competente para a detenção dos 11 detonadores que tinha em sua posse, apesar de saber que tal era obrigatório, que, ao fazê-lo, estava a agir contra a lei e, não obstante, não se coibiu de o fazer, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei. 27. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, querendo e conseguindo possuir/deter os referidos detonadores, conhecendo as suas características, bem sabendo que não os podia deter. 28. Quis ainda o arguido ter na sua posse, a arma airsoft/reprodução de arma de fogo, bem conhecendo as suas características e apesar de saber que a mesma não apresentava cor fluorescente, amarela ou encarnada, indelével, claramente visível quando empunhada, em 5 cm a contar da boca do cano e na totalidade do punho, por forma a não ser susceptível de confusão com as armas das classes A, B, B1, C e D. 29. Ao deter, sem autorização a descrita arma, agiu o arguido com o propósito concretizado de a deter e guardar, bem sabendo, no entanto, que a aquisição, detenção e guarda daquela, sem que fosse portador de qualquer licença ou autorização para esse efeito, era proibida e sancionada por lei.». Começa por afirmar que se trata de juízos conclusivos acerca da suas convicções e intenções, pelo que deveriam considerar-se não escritos . Não estamos, nitidamente, perante juízos conclusivos, mas antes em face de factos que integram o elemento subjectivo de um dos crimes imputados. É que o dolo, enquanto facto subjectivo, enquanto facto da vida interior do agente, não pode ser apreendido ou percecionado diretamente por terceiros, pelo que a sua demonstração tem que ser feita por inferência, através da conjugação da prova dos factos objectivos, em particular dos que integram o tipo objetivo do crime, pelo que relativamente à prova dos factos subjetivos, não havendo confissão do arguido, esta é alcançável por recurso a presunções naturais e às regras da experiência comum. Assim, não é conclusivo afirmar o conhecimento do arguido da ausência de licença ou autorização, da sua obrigatoriedade e da vontade em actuar como descrito . Depois, o recorrente não deu cumprimento ao estipulado na alínea b) do nº 3 e no nº 4 do artigo 412º do C.P.P. atrás transcrito . Ora, a apreciação do tribunal, em face da impugnação da matéria de facto, pressupõe a análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP. É que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento, com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida, na forma como apreciou a prova. Neste sentido, ver acórdãos do S.T.J. de 18/1/2018 (processo n.º 563/14.3tabrg.S1, relatado pelo Conselheiro Maia Costa), de 17/3/2016 (processo n.º 849/12.1jacbr.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça), de 20/1/2010 (processo n.º 149/07.9jelsb.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar), de 14/3/2007 (processo n.º 07P21, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral) e de 23/5/2007 (processo n.º 07P1498, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar), in www.dgsi.pt. O recurso que impugna a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão recorrida quanto àqueles pontos de facto. Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 27/4/2006, proferido no processo 06P120, relatado pelo Conselheiro João Bernardo, in www.dgsi.pt, «visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos». No caso, o recorrente limitou-se a afirmar que «nas suas declarações … o Recorrente esclareceu que, trabalhando numa pedreira, usa os detonadores no seu trabalho, sendo comum andar com vários no bolso, que vai utilizando conforme as necessidades . Mais esclareceu que, findo o dia de trabalho, acontece por vezes, por esquecimento e distração, trazê-los para casa, apenas se apercebendo disso muito mais tarde. Voltando depois a levá-los de volta, utilizando-os para o fim que se destinam . Tudo isto conforme declarações prestadas em 08/11/2024, das 10h03 às 11h11». Ou seja, o recorrente remete para a totalidade das declarações que prestou em audiência, sendo que falou durante mais de uma hora, e nem sequer procedeu a uma verdadeira transcrição daquelas, antes faz uma súmula do que terá dito. Assim sendo, por falta de cumprimento do disposto no artigo 412º, nº 3, al. b) do C.P.P., não se conhecerá desta parte do recurso, que improcede. 
 4.3. – Verificação do crime previsto no artigo 26º do DL. 15/93 : Defende o recorrente que a sua conduta integra, não o crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º do DL. 15/93, mas o tipo legal do artigo subsequente, atento o conteúdo dos pontos 35 a 37 dos factos provados, na medida em que foi para fazer face à sua dependência e necessidade de consumo diário que o recorrente se iniciou no tráfico . Prescreve o artigo 26º, nº 1, sob a epígrafe «Traficante-consumidor» que «quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV». Daqui resulta que este ilícito exige que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no artigo 21º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, circunstância que não ficou provada. Na verdade, o que se apurou foi simplesmente que em 2021 foram-lhe amputados vários dedos da mão direita, pelo que o arguido interrompeu a sua actividade profissional entre Fevereiro de 2021 e Janeiro de 2022, o que o traumatizou em termos psicológicos, físicos e emocionais. Começou a consumir heroína a conselho de um amigo, inicialmente com um propósito terapêutico, mas tendo rapidamente perdido o controlo sobre os seus consumos, entrando num processo de escalada e de passagem por vários tipos de drogas. Sem recursos financeiros e outros rendimentos para além do salário mínimo que auferia, bem como perante o descontrolo da sua dependência e necessidade de consumo diário de produto estupefaciente, o arguido iniciou a actividade de tráfico. Porém, também resultou apurado que o recorrente actuou com o propósito concretizado de obter lucros, pelo que é infundada aquela pretensão de que este Tribunal de recurso integre os factos que praticou no artigo 26º do DL. 15/93, dado que é elemento essencial do crime de traficante-consumidor que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no artigo 21º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal. Dito de outro modo, sempre que não venha provado que o agente tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, afastada fica imediatamente a incriminação pelo crime previsto e punido pelo artigo 26º, a qual tem como pressuposto que atividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelo agente vise exclusivamente assegurar o seu consumo de estupefacientes. Em face do exposto, sem necessidade de mais considerações, improcede esta parte do recurso interposto. 
 4.4. – Excesso das penas parcelares e da pena única : O recorrente insurge-se contra as penas concretamente aplicadas ao crime de tráfico de estupefacientes – 4 anos e 3 meses de prisão -, bem como ao crime de detenção e arma proibida – 2 anos e 9 meses, argumentando : - quanto ao primeiro ilícito, a sua confissão e o facto de consumir para sustentar o seu próprio consumo; - quanto ao segundo ilícito, a colaboração que demonstrou (uma vez que decaiu na demonstração de não ter actuado com dolo, como resulta do que acima se consignou sob o ponto 4.2.). Termina defendendo que o crime de tráfico seja punido com uma pena de 3 anos de prisão e que ao crime de detenção de arma não seja aplicada uma pena superior a 2 anos de prisão. De acordo com o artigo 40º do C.P. a finalidade das penas é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade . O artigo 71º, nº 1, do mesmo código estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve encontrar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado pelo julgador, através da ponderação dos conceitos de «culpa» e «prevenção», sendo que a culpa constitui o limite inultrapassável da punição concreta. No caso em apreço, a pena do arguido foi fixada no quarto superior da moldura penal do crime de tráfico, dado que lhe foi aplicada a pena de 4 anos e 3 meses de prisão, numa moldura de 1 a 5 anos de prisão; e no primeiro sexto da moldura penal do crime de detenção de arma, pois foi-lhe aplicada a pena de 2 anos e 9 meses de prisão, numa moldura de 2 a 8 anos de prisão. Na decisão recorrida ponderaram-se as seguintes circunstâncias do caso: « Assim, há que ponderar, quanto ao arguido: -As exigências de prevenção geral que são elevadas, atentos os efeitos que o tráfico de estupefacientes assume quer ao nível de saúde pública, quer ao nível da segurança dos cidadãos, assumindo particular relevo quando – como sucedeu no caso dos autos – a actividade é desenvolvida em meio social de pequenas dimensões e, logo, de forma mais visível, importando acrescido alarme social. Igualmente elevadas são as exigências associadas ao crime de detenção de arma proibida, com consequências nefastas nos sentimentos de insegurança da comunidade; -As exigências de prevenção especial, que são bastante elevadas, uma vez que o arguido registava já, à data dos factos, uma condenação no Reino Unido no âmbito da qual foi condenado em pena de prisão, e parte dos factos em causa nestes autos foram já praticados no período de suspensão da execução de uma pena de prisão aplicada já em Portugal por crime de igual natureza, sem que a ameaça de prisão daí decorrente o tivesse dissuadido da repetição do ilícito. No mesmo sentido, à data da prática dos factos, já o arguido se encontrava sujeito a medidas de coacção pela prática de crime de idêntica natureza, sem que as sucessivas advertências decorrentes das intervenções judiciais o tivessem afastado do cometimento dos factos em apreço; -O grau de ilicitude, o modo de execução e gravidade das consequências do facto, aqui havendo a ponderar, de entre os comportamentos que, em abstracto, preenchem o tipo penal de tráfico de menor gravidade, a circunstância de o arguido ter transaccionado 3 tipos de estupefaciente, procedendo com regularidade a vendas ao longo de um período de cerca de 9 meses, deslocando-se ao Porto ou a Espanha pelo menos duas vezes por mês; considerando-se, por outro lado, o número não superior a 10 de consumidores devidamente identificados que lhe adquiriram dos quais apenas 5 de forma regular, vendendo apenas canábis e de forma ocasional, aos outros 5. Atende-se à baixa sofisticação dos meios usados e ao facto de as entregas estarem geograficamente circunscritas. Toma-se ainda em consideração, quanto ao crime de detenção de arma proibida, o número de detonadores encontrados na posse do arguido e a circunstância de deter ainda uma reprodução de arma de fogo; -A intensidade do dolo, que é directo e persistente; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, relevando a este respeito a problemática aditiva que esteve subjacente à prática dos factos, mas que por outro lado constitui um factor de risco para a repetição do crime de tráfico, ponderando-se, quanto ao crime de detenção de arma proibida, a indiferença demonstrada pelo arguido relativamente à perigosidade dos explosivos que detinha, e que guardava sem cuidados acrescidos para limitar o acesso aos mesmos, sendo certo que tem filhos, um dos quais adolescente, que o teria visitado em data próxima à dos factos; - As condições pessoais e económicas do agente, relevando a sua integração social e familiar, bem como o facto de o arguido ter mantido sempre um vínculo profissional estável, e rendimentos lícitos regulares, beneficiando de boa imagem quer a este nível, quer a nível social; e -A conduta posterior aos factos, aqui se ponderando a postura assumida em audiência, onde reconheceu a prática de grande parte dos factos de que vinha acusado, denotando capacidade crítica sobre os mesmos, embora pareça ainda assumir uma postura algo desculpabilizante.». Ora, é indubitável que o tribunal recorrido tomou em consideração os factores apontados pelo recorrente como apontando para um excesso das penas parcelares : a confissão parcial dos factos e o seu próprio consumo de estupefacientes . Porém, a atenuante da postura colaborativa – pois, no que toca ao consumo de estupefacientes, a decisão recorrida, e bem, apontou para a sua dupla faceta, dado que «constitui um factor de risco para a repetição do crime de tráfico» - não pode fazer esquecer as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir : Como afirma Manuel Monteiro Guedes Valente, in Consumo de Drogas – Reflexões sobre o Novo Quadro Legal, 2ª edição, p. 17, « O flagelo da droga atinge as famílias dos nossos dias como se de uma epidemia se tratasse, provocando desavenças, amarguras, desilusão, sofrimento psíquico e físico e, até mesmo, a morte de cidadãos. A busca de momentos de felicidade efémera produz chagas no consumidor e nos seus entes mais próximos, cujas cicatrizes jamais encontram verdadeira cura». Também é relevante o período de tempo de actuação do arguido – cerca de 9 meses -, tanto mais que a cessação da actividade se deveu à circunstância de este ter sido detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, e não de ter voluntariamente abandonado a sua conduta. Aliás, há que salientar que o arguido detido várias vezes pela posse de substâncias estupefacientes e prosseguiu a sua conduta delituosa. Mais, aquela postura do recorrente em julgamento também não faz olvidar as acentuadas exigências de prevenção especial, considerando a condenação anterior pela prática de um crime de roubo e de um crime de ameaça com arma, e a condenação parcialmente anterior, pois transitou em 9/2/2023, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade . Por fim, relativamente à alteração, em sede de recurso, da medida das penas fixadas, tem sido entendimento uniforme da Jurisprudência do S.T.J. que sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, o quantum concreto de pena já escolhido deve manter- se intocado, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ver, a propósito, os seguintes acórdãos : 29/5/2008, processo 08P1001, relatado pelo Conselheiro Soares Ramos; de 8/10/2008, processos 08P2878 e 08P3068, relatados pelo Conselheiro Pires da Graça; de 15/10/2008, processo 08P1964, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, todos in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 197. Neste quadro, considerando que o tribunal recorrido teve em atenção os elementos que relevam na determinação da medida da pena, as penas concretamente determinadas, quer para o crime de detenção de arma proibida, que se situa, como se disse , no primeiro sexto da moldura, quer mesmo para o crime de tráfico de estupefacientes, dado que a sua condenação por idêntico crime data de cerca de dezassete dias antes, o que deveria estar bem presente na mente do arguido e constituir suficiente advertência para cumprir a lei, não podem ser consideradas exageradas ou desproporcionadas. 
 Tendo sido cometidos mais do que um crime, tal implica, de acordo com o artigo 77º do C.P., que seja aplicada uma pena única : «1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores. 4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.». A pena única do concurso de crimes resulta das penas aplicadas aos crimes em concurso, segundo um princípio de cúmulo jurídico . Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 13/2/2019, processo 1205/15.5t9vis.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, in www.dgsi.pt, «... com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente; importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.». A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes . Ou seja, no caso em apreço, a moldura do concurso tem o mínimo de 4 anos e 3 meses de prisão e o máximo de 7 anos. O recorrente entende que a sua pena não pode ultrapassar os 5 anos de prisão, fazendo apelo aos fundamentos do seu recurso, quanto à integração da sua conduta no crime de traficante-consumidor e no que respeita à redução das penas parcelares que, como vimos , não mereceram acolhimento. Conforme se refere no acórdão do S.T.J. de 17/3/2004, processo 03P4431, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt, «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.». Na verdade, «…o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário» - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal, 1º volume, Editora Reis dos Livros, p.610. Aqui chegados, verificamos que não estamos perante actos isolados na vida do arguido : estamos em face da terceira condenação pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes e anteriormente cometeu um crime de ameaça com arma, pelo que consideramos que existe alguma propensão da sua personalidade para a prática deste tipo de ilícitos, o que constitui uma agravante . Tudo ponderado, não assiste razão ao recorrente em ver a sua pena única reduzida para 5 anos de prisão. 
 4.5. – Suspensão da execução da pena : Resulta do disposto no artigo 50º do C.P. que o pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão é que esteja em causa uma medida concreta da pena não superior a 5 anos . O pressuposto material consiste na conclusão do tribunal num prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. Sendo essa conclusão favorável, será fixado o período de suspensão entre 1 e 5 anos – cf. o artigo 50º, nº 5 do C.P. - , e pode a suspensão da execução da pena de prisão ficar subordinada ao cumprimento de deveres (cfr. o artigo 51º do C.P.), à observância de regras de conduta (cfr. o artigo 52º do C.P.) ou ser acompanhada de regime de prova (cfr. o artigo 53º do C.P.). No caso em apreço, é nítido que a pena fixada não pode ficar suspensa na sua execução, falhando, desde logo, o pressuposto formal acima aludido. 
 
 V. DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos expostos: Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.P. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa). 
 
 Coimbra, 24 de Setembro de 2025 (Helena Lamas - relatora) (Maria de Fátima Sanches Calvo – 1ª adjunta) (Rosa Pinto – 2ª adjunta) 
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