Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1296/24.8T9CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SANDRA FERREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
LEGISLAÇÃO TEMPORÁRIA E DE EMERGÊNCIA ASSOCIADA AO CORONAVÍRUS SARS-COV2 E À DOENÇA COVID-19
DIREITO DE DEFESA
LOCAL DA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CANTANHEDE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS
Legislação Nacional: ARTIGO 50.º, NºS 1, 2 E 3, DA LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO/LEI QUADRO DAS CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS;
ARTIGOS 27.º-A, 28.º E 51.º DO D.L. N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO/REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇÕES;
ARTIGO 120.º, N.º 2, ALÍNEA D), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL;
ARTIGO 7.º, N.º 3, DA LEI N.º 1-A/2020 DE 19 DE MARÇO/RESPOSTA À SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA PROVOCADA PELO CORONAVÍRUS SARS-COV-2
ARTIGO 6.º-B, N.ºS 3 E 4, DA LEI N.º 4-B/2021, DE 1 DE FEVEREIRO/REGIME DE SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTE DAS MEDIDAS ADOTADAS NO ÂMBITO DA PANDEMIA DA DOENÇA COVID-19, ALTERANDO A LEI N.º 1-A/2020, DE 19 DE MARÇO.
Sumário: I - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 28.º do RGCO apenas tem virtualidade interruptiva a inquirição das testemunhas e não a mera notificação das testemunhas da data para a realização da diligência.

II - A suspensão da prescrição prevista na legislação temporária e de emergência associada ao coronavírus SARS-CoV2 e à doença COVID-19 é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa factos ilícitos praticados antes da data da sua entrada em vigor e que nessa data se encontrem pendentes.

III - O disposto no artigo 6.º-B, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que determinou a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

IV - Resulta do artigo 50.º, n.ºs 1, 2 e 3, do LQCA a clara preferência do legislador em que a audição das testemunhas aconteça nas instalações da autoridade administrativa que procede à instrução.

V - O n.º 3 do artigo 50.º ao dizer que «se por qualquer motivo a autoridade de polícia não puder ouvir as testemunhas, estas são obrigatoriamente ouvidas nas instalações da autoridade administrativa» abrange os casos em que a autoridade administrativa justifica a necessidade de audição das testemunhas nas suas instalações.

VI - Estando devidamente justificada a necessidade de as testemunhas serem ouvidas na sede da autoridade administrativa e não sendo essa inquirição presencial afastada pela legislação temporária e de emergência associada ao coronavírus SARS-CoV2 e à doença COVID-19, é válida a notificação para a apresentação das testemunhas naquele local.

VII - Não há lugar à aplicação de admoestação em caso de prática de contra-ordenações ambientais muito graves.

Decisão Texto Integral:

*

I-RELATÓRIO

I.1 No âmbito dos autos de recurso de contraordenação n.º 1296/24.8T9CNT instaurados contra …, Lda., que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Cantanhede, em 09.01.2025 foi proferido o seguinte despacho [transcrição]:

“DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO:

Por decisão administrativa proferida em 1 de agosto de 2024 a arguida …, L.da.” foi condenada pela prática de:

a) Uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro e alínea j) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro.

b) Uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro.

c) Uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo artigo 39.º, n.º 1 do artigo 40.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea n) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro.

Veio a arguida apresentar impugnação judicial daquela decisão em 21.10.2024 – cfr. fls. 109 e ss.

O Ministério Público remeteu os autos para apreciação judicial em 22.11.2024, tendo sido proferido despacho de recebimento em 27.11.2024

Pronunciou-se o Ministério Público na ref.ª que antecede concluindo pela não prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Cumpre antes de mais apreciar esta questão da prescrição da contra-ordenação leve imputada à arguida.

Compulsados os autos verifica-se que os factos aqui em causa mostram-se descritos como tendo ocorrido em infração em 18.09.2018.

O instituto da prescrição do procedimento contraordenacional impõe limites temporais à justiça, não podendo esta se protelar por um tempo indefinido, impondo-se, ao invés, que o tempo de atuação da justiça esteja temporalmente delimitado, sob pena de, de outro modo, impender indefinidamente uma espada de Dâmocles sobre o agente, o que abalaria os princípios básicos da segurança e certeza jurídica, pilares do nosso Estado-de-Direito Democrático.

Assim, a razão de ser da prescrição do procedimento está em que, não exercitando o Estado os meios legais ao seu dispor ou não conseguindo identificar e punir os responsáveis num lapso de tempo razoável (definido na lei, proporcional à gravidade do delito), não se justifica, mais, o procedimento.

Na salvaguarda da estabilidade das relações jurídicas e da paz social no sentido de que, após o decurso de determinado lapso de tempo, proporcional à gravidade do ilícito, este caiu no esquecimento e a comunidade já exige, por isso, mais a perseguição do possível agente – se não foi perseguido e castigado em tempo oportuno, a balança passa a inclinar-se no sentido de que pelo tempo decorrido, não houve zelo que tal indicia e por isso o procedimento já não faz sentido – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 07.03.2012, processo n.º 492/11.2T2ILH.C1, em www.dgsi.pt.

No que tange ao prazo de prescrição, se atentarmos ao disposto no artigo 40.º n.º 1 da Lei 50/2006, dispõe este preceito aplicável às matérias em causa que o procedimento por contraordenação se extingue por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de 5 anos visto se tratarem de infracções classificadas, pela lei, como muito graves.

Quanto ao momento da prática do facto, quer o artigo 5.º DL n.º 433/82, de 27 de outubro, quer o artigo 5.º Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, consagram que «[o] facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.»

Por fim haverá que atentar ao regime previsto nos artigo 27.ºA e 28.º do Regime Geral das Contra-Ordenações quanto a causas de suspensão e interrupção da prescrição.

Dispõe o artigo 27.º-A do Regime Jurídico das Contra-Ordenações sob a epigrafe de Suspensão da Prescrição que “1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”.

Por sua vez, o artigo 28.º, do RGCO dispõe que: “1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

No caso dos autos, segundo a decisão administrativa, a sociedade arguida terá praticado a sua conduta no dia 18.09.2018, sendo esse o momento da prática do facto, ou seja, o momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição, tendo já naturalmente decorrido o prazo de 5 anos desde a data em causa.

No que tange às causas de suspensão previstas no artigo 27-Aº do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, compulsados os autos, constata-se que nenhuma delas teve lugar até à apresentação da impugnação judicial.

Já no que tange às causas de interrupção da prescrição, previstas no artigo 28.º do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, constata-se que ocorreram diversas causas de interrupção nos seguintes acontecimentos processuais:

A este propósito, resulta dos autos que:

• O arguido, ora recorrente, foi notificado em 22.05.2019 pela autoridade administrativa para exercer o direito de audição e defesa (fls. 30);

• O recorrente exerceu o seu direito de defesa, apresentando defesa escrita em 17.06.2019 (fls. 32 ss), solicitando a inquirição de testemunhas,

• O recorrente foi notificado por ofício datado de 07.07.2021 (fls. 65), da data designada para inquirição das testemunhas por si arroladas.

• Foi notificado da decisão administrativa em 2.10.2024 (fls. 108).

Ora, compulsadas as referidas datas, verifica-se que entre elas não decorreram mais do que cinco anos, sendo certo que o último facto interruptivo ocorreu no dia 2.10.20224.

Por fim, cumpre verificar se ocorreu a prescrição do procedimento nos termos do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, segundo o qual «[a] prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.».

Este preceito é similar ao n.º 3 do artigo 121º do Código Penal e visa impor um limite temporal à realização da justiça, não obstante a existência de causas de interrupção da prescrição.

A propósito do preceito do Código Penal, escreve Paulo Pinto de Albuquerque [Em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.º Edição atualizada, 2021, Universidade Católica Editora, página 528], que «[a]tento o efeito sucessivo das várias causas de interrupção da prescrição, a lei impõe um limite máximo para o alargamento do prazo de prescrição, que é o do prazo normal acrescido de metade, mas descontando todo o período de suspensão da prescrição.»

Quanto a este aspeto, constata-se que o momento da prática do facto remonta 18.09.2018, que não se verificou nenhuma causa de suspensão até à decisão administrativa, a qual apenas se passou a verificar como despacho de recebimento/exame preliminar sendo que o prazo de prescrição acrescido de metade corresponde a 7 anos e 6 meses, donde resulta que a prescrição do procedimento apenas ocorreria, no dia 18.02.2026, isto sem contar com causas de suspensão ou com interrupções/suspensões pelos regimes especiais que estiveram em lugar durante dois períodos da pandemia de Covid 19.

Em suma, perante tudo o que acima se expôs, importa concluir que não se verifica a prescrição do procedimento contraordenacional, motivo pelo qual, impõe-se improceder a invocada exceção de prescrição.


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DAS NULIDADES POR DECURSO DE PRAZO DE INSTRUÇÃO, DA FALTA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS, FALTA DE INDICAÇÃO DA DATA NO AUTO DE NOTICIA E NA DECISÃO ADMINISTRATIVA E FALTA DE FACTOS RELATIVOS AO ELEMENTO OBJETIVO E SUBJECTIVO:

Invocou a recorrente a seguintes a nulidades/irregularidades:

- Ultrapassagem do prazo de instrução de 180 dias nos termos do artigo 48.º da Lei 50/2006.

 - Falta de inquirição de testemunhas dado que não foi autorizada a inquirição na residência das mesmas apenas segundo a entidade administrativa ser feita em Lisboa em contravenção com o artigo 50.º da Lei 50/2006.

- Falta de indicação da data dos factos e na decisão administrativa dado apenas descrever quando sucedeu o acto inspectivo.

- Falta de factos relativos ao elemento objetivo e subjetivo (esta omitida em sede de conclusões):

Ora em matéria de ultrapassagem do prazo de instrução, que no caso foi muito superior a 180 dias, é matéria estabilizada que a tal facto não corresponde a qualquer consequência sendo o prazo previsto no artigo 48.º da Lei 50/2006 meramente ordenador – cfr neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 8.5.2024, disponível em www dgsi.pt.

Em matéria de audição de testemunhas arroladas pela impugnante, resulta dos autos que a entidade administrativa as admitiu – cfr. fl.s 42, tendo porém as mesmas faltado – cfr. fl.s 77, justificando a falta por força do período de pandemia, requerendo a audição na área da residência, o que a entidade administrativa nunca anuiu justificando motivos de segurança visto certas informações disponibilidades pela Agência Europeia dos Produtos Químicos não serem do domínio publico e consideradas comercialmente sensíveis.

Nesta matéria o artigo 50.º da Lei 50/2006 estabelece que as testemunhas devem ser ouvidas na sede da autoridade administrativa. Embora seja dada a possibilidade de audição em entidade policial, caso isso não seja possível, devem ser ouvidas naquela sede. Ora, entendendo a entidade administrativa que as testemunhas não podiam ser ouvidas noutro local que não na sua sede, e tendo sido dada essa possibilidade, naturalmente que não se verifica qualquer nulidade.

Mesmo que assim não fosse, e se se entendesse que deviam ter sido ouvidas as testemunhas de forma deslocalizada, tal conclusão nunca configuraria qualquer nulidade, conforme também se mostra estabilizado em sede de jurisprudência – cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 7.6.2023, disponível em www dgsi.pt.

Já no que toca à data dos factos e ao facto de estar ou não descrito o elemento objetivo da contra-ordenação, resulta à saciedade do auto de noticia e da decisão administrativa quais os factos e quando foram praticados, não ocorrendo por isso qualquer nulidade. O facto de se saber que os factos que são objeto da decisão administrava se verificaram e se são susceptíveis de fazer integrar a prática das contra-ordenações imputadas é âmbito do conhecimento de mérito do processo nunca correspondendo a qualquer nulidade.

Já quanto à nulidade por falta do elemento subjetivo, contendo a decisão administrativa a sua descrição clara nos respectivos factos cc) e dd) é também manifesto que não se verifica qualquer nulidade.

Improcedem pois todas as nulidades invocadas.


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A 27.02.2025 veio a ser proferida sentença com seguinte decisório [transcrição]:

“VI.DECISÃO

Em face de tudo o exposto, julgo o presente recurso de contra-ordenação parcialmente procedente, e em consequência, decide-se:

1 – Condenar a arguida, … L.da.”, pela prática de uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro e alínea j) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro na coima, especialmente atenuada, de €12000.

2 – Condenar a arguida, …L.da.”, pela prática de uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro na coima, especialmente atenuada, de €12000.

3 – Condenar a arguida, “… L.da.” pela prática de uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo artigo 39.º, n.º 1 do artigo 40.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea n) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro na coima, especialmente atenuada, de €12000.

4 - Condenar a arguida, “… L.da.” por referência às contra-ordenações descritas em 1 a 3 na coima única de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).

5 – Condena-se a arguida, “… L.da.” em custas que se fixam e 2 UC.”


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I.2 Recurso intercalar

Inconformado com o despacho proferido em 09.01.2025, dela interpôs recurso a arguida …, Lda., para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

 “CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que julgou, nomeadamente, improcedente a excepção da prescrição invocada pela Recorrente e bem assim a também por si invocada nulidade dos autos por falta de inquirição das testemunhas arroladas em sede de defesa administrativa;

2. Por decisão administrativa proferida em 1 de Agosto de 2024 a ali Arguida e aqui Recorrente, … Lda.” foi condenada pela prática de três contraordenações ambientais muito graves;

3. A alegada prática do factos contraordenacionais em causa e imputados à Arguida, ora Recorrente, terão ocorrido em 18.09.2018;

4. A Recorrente, foi notificada em 22.05.2019 pela autoridade administrativa para exercer o direito de audição e defesa;

5. A Recorrente exerceu o seu direito de defesa, apresentando defesa escrita em 17.06.2019 requerendo, para a descoberta da Verdade boa aplicação da Justiça, a inquirição de três testemunhas;

6. A Recorrente foi notificada por ofício datado de 07.07.2021 da data designada para inquirição das testemunhas por si arroladas;

7. A Recorrente, foi notificada da decisão administrativa em 2.10.2024, tendo apresentado impugnação judicial em 21.10.2024 e o Ministério Público remetido os autos para apreciação judicial em 22.11.2024;

 8. Perante esta factualidade o Respeitado Julgador a quo, concluiu que compulsadas as referidas datas, verifica-se que entre elas não decorreram mais do que cinco anos, sendo certo que o último facto interruptivo ocorreu no dia 2.10.20224, (leia-se 02.10.2024 por que de lapso se tratará.);

9. Contudo, e antes de chegar a esta decisão, o Respeitado Julgador deixou afirmado que – cfr. linhas 1 a 4 do 2º parágrafo da página 4 da sua douta decisão – “No caso dos autos, segundo a decisão administrativa, a sociedade arguida terá praticado a sua conduta no dia 18.09.2018, sendo esse o momento da prática do facto, ou seja, o momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição, tendo já naturalmente decorrido o prazo de 5 anos desde a data em causa;

10. “No que tange, continua a Respeitado Julgador - cfr. linhas 1 a 3 do 3º parágrafo da página 4  a sua douta decisão - às causas de suspensão previstas no artigo 27-Aº do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, compulsados os autos, constata-se que nenhuma delas teve lugar até à apresentação da impugnação judicial (recorde-se 21/10/2024);

11. “ Já no que tange às causas de interrupção da prescrição, continua a Respeitado Julgador - cfr. 5º, 6º, 7º, 8º e 9º parágrafos da página 4 da douta decisão ora colocada em crise- constata-se que ocorreram diversas causas de interrupção, em 22.05.2019 com a notificação para a Arguida exercer o direito de audição e defesa, em 17.06.2019 com a apresentação defesa escrita, em 07.07.2021 com a data designada para inquirição das testemunhas por si arroladas e em 2.10.2024 com a notificação da decisão administrativa.

12. Concluiu o Julgador a quo que entre as ante mencionadas datas não decorreram mais do que cinco anos, tendo considerado que o último facto interruptivo ocorreu no dia 2.10.2024;

13. Rejeita a Recorrente que o último facto interruptivo tenha ocorrido em 2.10.2024, com a alegada notificação da decisão administrativa ocorrida nessa data;

14. Deverá ser considerado como o último facto interruptivo o ocorrido em 17.06.2019 quando a aqui Recorrente exerceu o seu direito de defesa, apresentando defesa escrita nessa data de 17.06.2019

15. É entendimento da Recorrente, que a mera notificação da data para inquirição das testemunhas por si arroladas não possui a faculdade de suspender a prescrição do procedimento contraordenacional;

16. Ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional nos presentes autos, em 17.06.2024, motivo pelo qual, deverá proceder a invocada excepção de prescrição (cinco anos contados desde 17.06.2019, data esta em que a Recorrente exerceu o seu direito de defesa até 17.06.2024);

17. Relativamente à não inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente em sede de defesa administrativa mal andou o Respeitado Julgador a quo ao desatender a pretensão da Recorrente de ver declarada a nulidade dos autos,

18. Não aceita a Recorrente, e por isso a censura veementemente, a justificação que o Respeitado Julgador a quo deixou plasmada na sua decisão, da qual ora se recorre, qual seja que a situação da crise da pandemia COVID-19 não se poderia sobrepor à obrigatoriedade das testemunhas terem de se deslocar das  suas residências (das zonas de Oliveira do Bairro, Marco de Canavezes e Cantanhede) até à sede da IGAMAOT, em Lisboa, para aí serem inquiridas

19. No que concerne a tal matéria quase que bastaria, sempre com o maior Respeito, apelar à memória de Vªs Exªs, Ilustres Desembargadores, atentas as condições então vividas de saúde pública por todos nós, para que fosse dada por superiormente justificada a não ida à sede da IGAMAOT (Lisboa) das testemunhas para aí serem inquiridas, e antes – tal como requerido em prazo - serem as mesmas ouvidas, de forma deslocalizada, junto de um OPC da área das suas residências.

20. Após a notificação nos termos e para os efeitos do artigo 49º da LQCO, a Arguida apresentou Defesa, tendo indicado na mesma três testemunhas, com indicação das respectivas moradas, todas da área geográfica de Cantanhede, para notificação para as necessárias inquirições, incluindo os respectivos códigos postais;

21.Para as alegadas, e registadas pela autoridade administrativa, ausências das aludidas três testemunhas, as mesmas remeteram ao processo, através de carta registada acompanhada de A/R, uma comunicação com a justificação para a sua não comparência (total impossibilidade) nas quais invocaram não só a gravíssima pandemia COVID-19 que assolava Portugal com consequentes riscos de contágio,, como dificuldades económicas, a distância geográfica das suas residências para Lisboa (superiores 450 Kms de ida   volta com utilização de escassos transportes públicos) e sempre requereram a sua audição junto de um OPC das suas áreas de residência;

22. Também o Mandatário da Arguida, aqui Recorrente, comunicou / confirmou à autoridade administrativa a não comparência das testemunhas arroladas, sendo que igualmente contraditou a posição da mesma autoridade administrativa que justificava a presença das testemunhas com o preceituado no nº 3 do artº 50º da LQCOA, isto é na confidencialidade dos autos;

23. Igualmente o Mandatário da Arguida, aqui Recorrente justificou perante a autoridade administrativa que também estão eles próprios - os OPCs – se encontram sujeitos ao dever de confidencialidade, nos termos do artigo 86º do CPP ex vis artigo 2ºda LQCA e artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO);

24. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa, Portugal, contextualizando-se (recorde-se), ultrapassava, “os mil novos casos diários de infecção confirmados com o coronavírus SARS-CoV-2,”,

25. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa, a Europa, em 25 de Novembro de 2021, atingia os 1,5 milhões de mortes e vários países repõem restrições para travar contaminações recorde é noticiada a existência de uma nova variante  o vírus, detectada na África do Sul, que se chamará Ómicron.

26. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa, o Governo anunciava que Portugal vai voltar à situação de calamidade a partir de 01 de Dezembro (recorde-se de 2021), que o uso de máscara volta a ser obrigatório em todos os espaços  fechados, que é obrigatório teste negativo em recintos desportivos, em lares, estabelecimentos de saúde e em espaços de animação nocturna. Na restauração passa a ser exigido certificado de vacinação. O teletrabalho é recomendado.

27. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa, Portugal anunciava a suspensão de voos de e para Moçambique (pela proximidade à África do Sul) e impõe quarentena a passageiros de vários países africanos.

28. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa, são identificados os primeiros 13 casos de Ómicron em Portugal e em 01 de Dezembro de 2021, Portugal tem 4.670 novos casos de infecção, o valor mais elevado desde Fevereiro.

29. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa e a nível da realização da Justiça, no período em causa e no que concerne a serviços e entidades administrativas, como é o caso dos presentes autos e tendo em vista o evitar o forte risco de contágio do Covid-19, considerava-se, para todos os efeitos, fundamento para alegação de justo impedimento a não comparência presencial em diligências processuais ou procedimentais então agendadas e se não fosse possível o seu adiamento, por que imprescindíveis, a sua realização seria através de meios à distância, como o demonstra a diversa, vasta e plural Legislação medida criada para o efeito no âmbito da Covid-19 e é do conhecimento operadores judiciais e, em concreto dos Respeitados Julgadores;

30. Ao tempo em que foram agendadas as inquirições das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa administrativa, vivia-se em Portugal um inferno decorrente da Pandemia da Covid-19, e foi (era) neste contexto que a autoridade administrativa pretendia que as testemunhas prestassem obrigatoriamente as sua declarações na sede da Inspecção-Geral (Lisboa), pondo em risco as suas vidas (das testemunhas) para dar continuidade a uns autos  administrativos que haviam sido iniciados quase três anos antes (Setembro de 2018), mas a inquirição das testemunhas, pese embora toda a vida do cidadão se encontrasse parada em Portugal, teria de ocorrer no período em 2021, vindo a decisão administrativa só a ser conhecida em Outubro de 2024

31. Com o seu comportamento a autoridade administrativa, violou o principio da descoberta da verdade material, nomeadamente nos termos do artigo 120.º n.º 2 alínea d), segunda parte, do C.P.P, aplicável “ex vi” art. 41.º n.º 1 do RGCO;

34. As testemunhas arroladas eram indispensáveis à descoberta da verdade e à justa composição do litígio, nunca tendo a arguida, ora Recorrente, expressa ou tacitamente, prescindido das mesmas.

35. A consequência da violação das indicadas normas de cumprimento de notificação, ferem de nulidade a decisão recorrida, porquanto, como o deixa concluir - a contrario - o disposto no artigo 51º da LQCA, não estando devidamente notificadas as testemunhas, ou, por necessidade de raciocínio, estando-o mas tendo apresentado motivos bastantes para a sua não comparência, o processo não pode, nem podia, prosseguir, ademais porque o único fundamento empregue para não inquirição das testemunhas assenta num pressuposto inexistente, qual seja o de que as testemunhas foram “devidamente” notificadas e que se sobrepunha motivos de segurança de certas informações ?????, como se os OPCs não estivessem também eles de respeitar o sigilo, ou então, atenta a necessidade de segurança invocada???, que se deslocassem os Senhores (as) Inspectores (as) às áreas de localização dos OPCs em causa.

36. No art.º 50.º, do RGCO, sob a epígrafe de direito de audição e defesa do arguido, estatui-se que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

37. Em tal normativo se consagra-se o direito de defesa do arguido (ver, art.º 32., n.º 10, da CRP), sendo que tal direito não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo também o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo diligências.

38. Interposto recurso de impugnação judicial, e enviados os autos ao Ministério Público, deve este fazê-los presentes ao juiz, acto que, nos termos do artigo 62º, nº 1, do RGCO, vale como acusação;

40. Neste quadro, a omissão da inquirição das testemunhas arroladas pela arguida tem que ser entendida como redundando na insuficiência do inquérito que constitui a nulidade, dependente de arguição, prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP, aplicável ao caso, como aliás as demais disposições deste Código que adiante se citarem, por força do preceituado no artigo 41º, nº 1, do RGCO.

41. E, se tal nulidade, no processo penal propriamente dito, pode ser arguida, havendo instrução, até ao encerramento do debate instrutório (artigo 120º, nº 3, alínea c), do CPP), cremos que, no processo contraordenacional deverá a arguição ser admitida até à audiência do recurso de impugnação judicial.


*

O recurso não foi admitido.

Apresentada reclamação foi esta julgada procedente e o recurso admitido a subir a final com o recurso da decisão.


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I.2.1 Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação, veio o Ministério Público  responder ao recurso …


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1.3 Recurso da decisão final

Inconformado com a sentença proferida a 27.02.2025, dela interpôs recurso a arguida …, Lda., para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

“EM CONCLUSÃO

A) A aqui recorrente …, Lda., foi julgada nos presentes autos, em sede de impugnação judicial decorrente da decisão condenatória proferida pelo IGAMAOT, pela alegada prática de três (3) contraordenações ambientais muito graves;

B) Proferida Douta Sentença, veio a Arguida a ser condenada, e para o que ora importa, na coima única de 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros);

D) Entende a aqui Recorrente, … Lda., que possibilitariam os autos a aplicação de uma decisão de "admoestação" à mesma ou, no limite, de uma coima no valor inferior a 5.000,00€ ao invés da aplicação da coima única no montante de 12.500,00€ de que foi alvo.

E) O MUITO RESPEITADO Tribunal a quo, tendo em conta os factos provados em sede de Julgamento, procedeu - e, reconhece-se humildemente que, bem – à atenuação especial da coima, socorrendo-se no disposto no artigo 23.ºA da Lei 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais) que “1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas, dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.

 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;

b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.”

F) No caso dos autos o RESPEITADO Tribunal a quo não fez a aplicação do mesmo naipe de instrumentos jurídicos sancionatórios ao dispor da entidade administrativa, tendo ainda justificado que "ainda que assim fosse, sempre resultariam do artigo 18.º n.º 3 sendo aplicável o regime previsto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal dado ser o regime subsidiário."

J) Neste entendimento e trazendo à colação não só os factos dados como provados  em beneficio da Arguida bem como o disposto no art. 51º da Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações), ex vi nº 1 do art. 2º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, poderia a Arguida ter sido sancionada com uma admoestação ou, sem prescindir do antes invocado - da sanção de admoestação -, da aplicação de uma coima de valor inferior a 5.000,00€ ao invés do que ocorreu, ié, a sua condenação no pagamento da coima única no valor de 12.500,00€,

K) Não tendo sido aplicada à aqui recorrente a sanção de admoestação, (ou no limite na não aplicação de uma coima de valor inferior a 5.000,00€) o RESPEITADO Tribunal a quo, violou o disposto no, e nomeadamente, art. 51º da Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações);

L) Igualmente da decisão condenatória proferida nos presentes autos, decorre a violação do disposto nº 1 do art. 2º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais)

M) Incorreu talquelamente a Decisão condenatória na violação de comandos constitucionais, nomeadamente, o consagrado a artigo 202º, v.g. o seu nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência, deverá a aliás douta Decisão ser alterada com todas as consequências legais.

Vossas Excelências em alto critério irão ponderar e, com mui douto suprimento, farão JUSTIÇA.”


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I.3.1 Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação, veio o Ministério Público  responder ao recurso interposto, …


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I.4 Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmª Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer …


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I.5. Resposta

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem que tenha sido apresentada resposta.


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I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir:


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II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a  apreciar e decidir são as seguintes:

Quanto ao recurso intercalar:
® Saber se, diferentemente do decidido pelo tribunal a quo, ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional.
® Se a autoridade administrativa agendando a inquirição das testemunhas indicadas na defesa escrita apresentada para a sua sede sita em Lisboa e não permitindo a sua inquirição na área da sua residência, e consequentemente não as ouvindo, quando estas não compareceram, cometeu a nulidade prevista no art. 120º, nº 2, al. d) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 41º nº 1 do RGCO.

Quanto ao recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo:
® Saber se deveria ter sido aplicada a sanção de Admoestação, nos termos do disposto no art. 51º do RGCOC ex vi do art. 2º da Lei 50/2006 de 29.08 [LQCA].
® Saber se deveria ter sido aplicada uma coima de valor inferior a 5.000€.

II.2 .1– Da sentença recorrida

A 27.02.2025 foi proferida sentença com seguinte decisório [transcrição]:

“VI.DECISÃO

Em face de tudo o exposto, julgo o presente recurso de contra-ordenação parcialmente

procedente, e em consequência, decide-se:

1 – Condenar a arguida, … L.da.”, pela prática de uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro e alínea j) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro na coima, especialmente atenuada, de €12000.

2 – Condenar a arguida, … L.da.”, pela prática de uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro na coima, especialmente atenuada, de €12000.

3 – Condenar a arguida, “…L.da.” pela prática de uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo artigo 39.º, n.º 1 do artigo 40.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 1 de dezembro e alínea n) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro na coima, especialmente atenuada, de €12000.

4 - Condenar a arguida, “… L.da.” por referência às contra-ordenações descritas em 1 a 3 na coima única de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).

5 – Condena-se a arguida, … L.da.” em custas que se fixam e 2 UC.”

            - São os seguintes os factos ali  considerados provados e não provados:

            “Discutida a causa, com relevo para a decisão da mesma, resultam provados os

seguintes factos:


*

2) FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram os demais factos alegados pela sociedade arguida com interesse para a decisão da causa, mais concretamente os seguintes:

DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO:


*


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II.2.2 - Com relevo para as questões a conhecer importa ainda ter em conta a seguinte tramitação.

- A arguida/recorrente, foi notificada em 22.05.2019 pela autoridade administrativa para exercer o direito de audição e defesa (fls. 30);

- A recorrente exerceu o seu direito de defesa, apresentando defesa escrita em 17.06.2019 (fls. 32 ss), solicitando a inquirição de testemunhas.

- A 02.06.2021  a arguida foi notificada de que havia sido designado o dia 05.07.2021 para inquirição das testemunhas arroladas na defesa escrita e foi ainda informada que “ atento o caracter confidencial do presente processo, as testemunhas não podem solicitar que as suas declarações sejam prestadas na autoridade policial mais próxima”, remetendo para o nº 3 do art. 50º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, e comunicando que seria obrigatória a realização da sua inquirição na sede “desta Inspeção Geral” (cf. 42 e 43).

- A 02.07.2021, na sequência daquela notificação, veio a arguida solicitar a inquirição das testemunhas por si arroladas em entidade com competência na área da residência das mesmas nomeadamente em Órgãos de Polícia Criminal (cf. fls. 52 e 53).

- A 13.07.2021, por ofício datado de 07.07.2021, a Inspeção Geral da Agricultura, do mar, do ambiente e do Ordenamento do Território notificou a arguida do seguinte: “ASSUNTO: Proc. de Contraordenação n.º CO/000567/19-A..., Sociedade Unipessoal

Em resposta ao solicitado na V/Comunicação de 02-07-2021, assim como nos requerimentos apresentados pelas testemunhas arroladas, cumpre informar que estando em causa procedimento contendo informações disponibilizadas pela Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) que não são do domínio público ou que são consideradas comercialmente sensíveis (arts 118. e 119. do Regulamento (CE) n.8 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos -Regulamento REACHe art. 42.9 do Regulamento (CE) n 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas-Regulamento CLP), por motivos de segurança, as diligências de inquirição não podem realizar-se fora das instalações desta Inspeção-Geral, pelo que se indefere o requerido.

Relativamente ao pedido de adiamento da diligência, dá-se sem efeito a data anteriormente agendada e em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 44.9e no artigo 50.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto), fica V. Exa, notificado(a) de que no dia 16-09-2021, a Inspetora AA irá proceder à inquirição da(s) testemunha(s) arrolada(s) no âmbito do processo de contraordenação identificado em epigrafe, na sede desta Inspeção-Geral, sita na Rua de "O Século", n.º 51, 1200-433 Lisboa Nos termos do nº 4 do artigo 50.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, fica V. Exa. notificado(a) para apresentar a(s) testemunha(s) arrolada(s), respetivamente, à hora a seguir agendada para a realização da sua inquirição:

14h30-…

15h30-…

16h30-…

Nos termos do artigo 51 da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, a falta de comparência das testemunhas não obsta a que o processo de contraordenação siga os seus termos.

Mais se informa que, atento o caráter confidencial do presente processo, as testemunhas não podem solicitar qиe as suas declarações sejam prestadas na autoridade policial mais próxima (cfr. n. 3 do artigo 50 do mesmo diploma), sendo obrigatória a realização da sua inquirição na sede desta inspeção-Geral Devido à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19 fica V. Exа igualmente notificado nos seguintes termos, dos quais deverá ser dado conhecimento a(s) testemunha(s) supra indicada(s)

1. As pessoas intervenientes na diligência de inquirição de testemunha apenas poderão entrar no edifício/instalações 10 minutos antes da hora agendada para a diligência, ou para a efetiva inquirição, no caso de ocorrer alguma situação imprevisível que altere a hora agendada, sendo realizadas medições de temperatura corporal para o efeito (à entrada do edifício).

2. É obrigatória o uso de máscara ou viseira em todos os momentos, para acesso e permanência nos serviços e edifício/instalações, devendo ser dado rigoroso cumprimento às orientações emanadas pela Direção-Geral de Saúde, designadamente higienização das mãos, etiqueta respiratória, distanciamento social e proteção individual

3. Caso tenham possibilidade agradecemos que sejam portadores da respetiva caneta.” (Cf. fls. 65 e 66).

            - A decisão administrativa foi proferida a 01.08.2024 (fls. 82 a 90) e a arguida/recorrente foi notificada da decisão administrativa em 2.10.2024 (fls. 108).


*

II.3 - Quanto à prescrição do procedimento contraordenacional

 Como decorre dos elementos coligidos nos autos os factos que se imputam à arguida recorrente estão descritos como tendo ocorrido a 18.09.2018.

Estão em causa três contraordenações muito graves respetivamente:

- Uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro e alínea j) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro.

- Uma  contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro.

- Uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo artigo 39.º, n.º 1 do artigo 40.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea n) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012.

Consagram os Arts.º 27º-A e 28º do Regime geral das Contraordenações e Coimas (RGCOC) as causas de suspensão e interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional, mais concretamente:

 “Art. 27º-A – Suspensão da prescrição

1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

 a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

 c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.” e ainda,

“ Art. 28º  Interrupção da prescrição

1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:

 a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

 b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

No caso sub judice verificamos que a arguida/recorrente, foi notificada em 22.05.2019 pela autoridade administrativa para exercer o direito de audição e defesa (fls. 30) e a recorrente exerceu o seu direito de defesa, apresentando defesa escrita em 17.06.2019 (fls. 32 ss). Estes dois eventos constituem causas de interrupção da prescrição nos termos do disposto na al. c) do art. 28º do RGCOC.

-  A recorrente foi notificada por ofício datado de 07.07.2021, e recebido a 13.07.2021, do indeferimento da sua pretensão de ouvir as testemunhas na área da residência das mesmas e da nova data designada para inquirição das testemunhas por si arroladas.

O Tribunal a quo considerou que esta notificação constituía igualmente causa de interrupção da prescrição.

Entende a recorrente que a mera notificação das testemunhas não constituirá causa de interrupção mas apenas a sua efetiva inquirição.

Concordamos com esta posição, isto é, de que para efeitos do disposto na al. b) do art. 28º do RGCOC apenas terá virtualidade interruptiva a realização da diligência e não apenas a notificação das testemunhas para o efeito.

Porém, dos autos resulta que a 13.07.2021 ocorreu a notificação da arguida/recorrente, na pessoa do seu ilustre mandatário, do indeferimento da pretensão por  si formulada de que a inquirição das testemunhas arroladas na defesa ocorresse na área da respetiva residência e da designação de nova data para inquirição das testemunhas em causa na sede da IGAMAOT ( fls. 65 e 66), o que constitui a notificação à arguida de um despacho “contra si tomado”, com cabimento no disposto no art 28º, nº 1 al. a) do RGCOC.

E a 01.08.2024 foi proferida decisão administrativa, o que igualmente constitui facto interruptivo da prescrição nos termos do disposto no art. 28º, nº 1 al. d) do RGCOC.

Deste modo, verificamos que ocorreram factos interruptivos que não distaram entre si mais do que cinco anos, sendo que partindo de 18.09.2018 e tendo em conta o prazo máximo da prescrição (sete anos e seis meses) atingiríamos a data de 18.03.2026.

Porém, de acordo com o disposto no art. 27º-A, n.º 1, al. c), do RGCOC, o procedimento suspendeu-se em 05.12.2024, com a notificação do despacho de recebimento do recurso de impugnação judicial (Refª 95792175 de 02.12.2024) e até
05.05.2025 (prazo máximo de 6 meses) - na medida em que tendo sido interposto recurso da decisão proferida pelo tribunal
a quo aquela não constitui decisão final do recurso ( neste sentido pode ver-se o Acórdão deste TRC de 28.10.2009 [processo nº 401/07.3TBSRE-A.C1, disponível in www.dgsi.pt]

Nestes termos, atingimos a data de 18.09.2026.

No entanto, haverá ainda que considerar o contexto legal resultante da atividade legislativa levada a cabo para conter a Pandemia de COVID 19.

Na verdade decorre do disposto no art. 7º, nº 3 da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, que: “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos”. Acrescentando-se no nº 4 do mesmo diploma legal que “o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”.

Sendo ainda de considerar o disposto na Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, que no art. 6º -B, n.ºs 3 e 4, determinou que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

No Acórdão do TRL de 05.04.2022 [processo nº 472/21.0Y5LSB-5.L1, disponível in www.dgsi.pt] escreve-se : “A lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que introduziu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, veio, no seu art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, versão primitiva, determinar que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

Também a lei n.º 4-B/2021, de 01.02, no seu art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio outrossim determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).

Os prazos de prescrição visam sancionar lapsos de tempo consideráveis e injustificados sem andamento do processo, não sendo de todo exigível que os visados estejam, por tempo irrazoável, sob procedimento administrativo ou criminal ou à espera do cumprimento de uma contraordenação ou pena. Há um tempo razoável para fazer justiça, consagração de um processo justo e equitativo, previsto no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Todavia, esta especialíssima legislação foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito restritas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência.

Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade também justifica que a suspensão dos prazos de prescrição se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, é aplicável o prazo de suspensão da prescrição”[ Também neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.02.2021 e de 16.032021, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.].

Concordamos com o entendimento aqui preconizado.

E assim vem entendendo também o Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão nº 798/2021 [Disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.] que decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes(…)”.

Neste acórdão elaborando sobre a matéria e invocando a Jurisprudência do TEDH e do TJUE escreve-se “Mesmo não pondo em causa que, em matéria de prescrição, o conceito de retroatividade é dado pelo tempus deliti e não pelo terminus do prazo – o que, conforme se viu, não corresponde sequer à orientação sufragada no Acórdão n.º 449/2002 –, não restam dúvidas de que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, pela sua singularidade, escapa totalmente a ambas as rationes com base nas quais é possível justificar o alargamento às normas sobre prescrição das garantias inerentes à proibição da retroatividade.

29. A medida constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 – já o notámos – insere-se no âmbito de legislação temporária e de emergência, aprovada pela Assembleia da República para dar resposta à crise sanitária originada pela pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV2 e à doença COVID-19.

No cumprimento do seu dever de proteção da vida e da integridade física dos cidadãos (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da Constituição, respetivamente), o Estado adotou um conjunto de medidas destinadas a conter o risco de contágio e de disseminação da doença, baseado na implementação de um novo modelo de interação social, caracterizado pelo distanciamento físico e pela diminuição dos contactos presenciais.

No âmbito da administração da justiça – vimo-lo também –, o cumprimento desse dever de proteção conduziu à excecional contração da atividade dos tribunais, concretizada através da sujeição dos atos e diligências processuais ao regime das férias judiciais referido no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, e, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020, à regra da suspensão, pura e simples, de todos os prazos processuais previstos para aquele efeito. Para os processos urgentes, começou por estabelecer-se um regime especial de suspensão dos prazos para a prática de atos, ainda que com exceções (artigo 7.º, n.º 5, da Lei n.º 1-A/2020), que a Lei n.º 4-A/2020 acabou por modificar, impondo a sua normal tramitação desde que fosse possível assegurar a prática de atos ou a realização de diligências com observância das regras de distanciamento físico.

Por força desta paralisação da atividade judiciária, que se estendeu à justiça penal, os atos processuais interruptivos e suspensivos da prescrição deixaram de poder praticar-se no âmbito dos procedimentos em curso, pelo menos nas condições em que antes o podiam ser. Relativamente aos procedimentos criminais, assim sucedeu com a dedução da acusação, a prolação da decisão instrutória e a apresentação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo (artigos 120.º, n.º 1, alínea b), e 121.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal), a declaração de contumácia (artigos 120.º, n.º 1, alínea c), e 121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal) e a constituição de arguido (121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal). Já no âmbito dos procedimentos contraordenacionais, o mesmo se verificou, pelo menos, com a prolação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima (artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), e 28.º do RGCO), a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou qualquer notificação (artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RGCO), a realização de quaisquer diligências de prova (artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RGCO) e a prolação da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima (artigo 28.º, n.º 1, alínea d), do RGCO).

É este particular e especialíssimo contexto que está subjacente à fixação, por lei parlamentar, de uma causa de suspensão da prescrição que não somente é transitória, como se destinou a vigorar apenas e só durante o período em que se mantivesse – se manteve – o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária e pelo concomitante imperativo de proteção da vida e da saúde dos operadores e utentes do sistema judiciário: suspendeu-se o decurso do prazo de prescrição porque se suspenderam os prazos previstos para a prática dos atos suscetíveis de obstar à sua verificação; suspenderam-se os prazos previstos para a prática desses (e de outros) atos processuais porque se suspendeu a atividade normal dos tribunais de modo a prevenir e conter o risco de infeção dos intervenientes no sistema de administração da justiça, incluindo dos próprios arguidos.

(…)Não é demais sublinhar que se trata de uma suspensão, e não de uma interrupção, do prazo prescricional: o tempo de prescrição já decorrido desde a data da consumação do ilícito típico não é inutilizado; apenas o seu decurso é paralisado pelo tempo correspondente à paralisação do normal processamento dos termos ulteriores dos processos em curso.

Neste contexto, é evidente que a causa de suspensão da prescrição estabelecida no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 apenas se encontraria apta a cumprir aquela função se pudesse aplicar-se aos procedimentos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência. Como refere Gian Luigi Gatta a propósito de norma congénere aprovada em Itália (artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17 de março de 2020), «[t]rata-se de uma disposição temporária pensada precisamente para os processos em curso e, como tal, para ter eficácia retroativa. Suspende-se uma atividade em curso por força da impossibilidade do seu prosseguimento, determinando-se um prazo para o seu reatamento, congelando-se o intervalo de tempo entretanto volvido. A suspensão é forçada: não é imputável a ninguém e não há razão para que beneficie quem quer que seja» (loc. cit., p. 303).

Esta última afirmação é especialmente relevante: conforme se verá em seguida, ela sintetiza, na verdade, as duas razões que explicam a impossibilidade de reconduzir a causa de suspensão prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, à ratio da proibição da retroatividade in pejus, consagrada no artigo 29. º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição.

30. Dizer-se que a suspensão «não é imputável a ninguém» é o mesmo que dizer-se que a suspensão não é imputável ao Estado(…)

A suspensão do decurso do prazo de prescrição dos procedimentos sancionatórios pendentes durante o período em que vigoraram as medidas de emergência adotadas na Lei n.º 1-A/2020 não se destinou a permitir que o Estado corrigisse ou reparasse os efeitos da sua inércia pretérita no âmbito do exercício do poder punitivo de que é titular. Destinou-se apenas e tão só a responder aos efeitos de uma superveniente e não evitável paralisação do sistema de administração da justiça penal, imposta pela necessidade de controlar e conter a disseminação de um vírus potencialmente letal. Tratando-se de uma causa de suspensão e não de interrupção do prazo de prescrição, cuja vigência não excedeu o lapso temporal durante o qual se verificou a afetação ou condicionamento da atividade dos tribunais, nem conduziu – reticus, não tinha sequer a virtualidade de conduzir – à reabertura dos prazos prescricionais já integralmente decorridos, a sua aplicação aos procedimentos pendentes não exprime qualquer excesso, arbítrio ou abuso por parte do Estado contra o qual faça sentido invocar as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus: ao determinar a aplicação a procedimentos pendentes da suspensão da prescrição em razão da pandemia então em curso, a solução adotada limita-se, na verdade, a assegurar «a produção do efeito útil da norma de emergência» (idem, p. 313.

Deste modo, concluímos que a suspensão da prescrição prevista nas referidas Leis  é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos praticados antes da data da sua entrada em vigor e que nessa data se encontrem pendentes, como é o presente.

Deste modo, haverá que aplicar-se a suspensão dos prazos de prescrição desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro de 2021 e 6 de abril de 2021, isto é de 2 meses e 25 dias e de 2 meses e 15 dias.

Assim, partindo de 18.09.2018, e acrescentando  todos os referidos períodos atingimos o prazo máxima da prescrição a 28.02.2027.

Em face de todo o exposto, concluímos que não ocorreu a prescrição do presente procedimento contraordenacional.

Improcede assim, o recurso interposto.


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II.4 Da nulidade por omissão da inquirição das testemunhas arroladas na defesa

Defende a recorrente que não tendo sido ouvidas as testemunhas por si arroladas foi cometida a nulidade prevista art. 120º, nº 2 al. d) do CPP aplicável ex vi art. 41º do RGCOC, tendo sido violado o disposto no art. 32º nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

Argumenta que estando notificadas mas tendo apresentado motivos bastantes para a sua não comparência o processos não poderia ter prosseguido os seus termos ao abrigo do disposto no art. 51º da LQCA.

Como resulta da tramitação acima sucintamente elencada a autoridade administrativa procedeu à notificação da arguida/recorrente para apresentar as testemunhas indicadas na defesa para comparecerem na sua sede sita em Lisboa.

E justificou a comparência das testemunhas na referida sede por entender que, atento o caracter confidencial do processo as testemunhas não poderiam solicitar que as suas declarações fossem prestadas na autoridade policial mais próxima (cf. entre o mais fls. 42 e 43 dos autos).

Nos termos do disposto no 50º, nº 1  da  Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCA), as testemunhas e os peritos devem ser ouvidos na sede da autoridade administrativa onde se realize a instrução do processo ou numa delegação daquela caso a possua.

Consagra o nº 2 do citado artigo a possibilidade de as testemunhas poderem ser ouvidas pela autoridade policial a seu pedido ou a pedido da autoridade administrativa e estabelece o nº 3 do mesmo artigo que se por qualquer motivo a autoridade policial não puder ouvir as testemunhas estas são obrigatoriamente ouvidas nas instalações das autoridade administrativa.

Ora, na situação em apreço, a entidade administrativa não negou a possibilidade à defesa de ouvir as suas testemunhas, mas entendeu que a sua inquirição haveria de ter lugar na sua sede,  invocando as razões atinentes à confidencialidade dos autos.

Analisando os autos vemos que a Autoridade administrativa justificou a necessidade de apresentação das testemunhas na sua sede em Lisboa com a sensibilidade das informações e muito concretamente invocando que “estando em causa procedimento contendo informações disponibilizadas pela Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA) que não são do domínio público ou que são consideradas comercialmente sensíveis  (arts. 118º e 119º do Regulamento (CE) nº 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo , avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos – Regulamento REACH – e art. 42º do Regulamento (CE) nº 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro, relativo à classificação  rotulagem e embalagem de substâncias e misturas- Regulamento CLP), por motivos de segurança, as diligências de inquirição não podem realizar-se fora das instalações desta Inspeção Geral, pelo que se indefere o requerido.”

Foi, no entanto, deferido o pedido de adiamento da diligência e notificada a ora recorrente da nova data designada, indicando-se quem procederia à inquirição e que esta decorreria na sede da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do ambiente e do Ordenamento do Território (cf. fls. 62 e 63 já cima mencionadas).

Na data designada as testemunhas não compareceram e foi, então, determinado o prosseguimento dos autos nos termos do disposto no art. 51º da LQCA.

Com relevo na matéria em análise estabelece o artigo 50º do RGCOC que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre e o art. 54.º, n.º 2, do mesmo RGCOC que “a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”.

Por seu turno, estabelece o art. 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal, que “constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”

Temos por certo que uma das modalidades do exercício do direito à defesa é através da indicação de prova testemunhal. No entendimento da recorrente a prova indicada era essencial à descoberta da verdade material e a sua não inquirição consubstanciaria, também, a insuficiência de inquérito, por aplicação do referido art. 120º, nº 2 al. d) ex vi do art. 41º do RGCOC.

Vem sendo discutida a questão se saber se a autoridade administrativa está ou não obrigada a realizar as diligências de prova requeridas pela defesa.

Temos uma corrente que entende que inexiste a obrigatoriedade de a Autoridade Administrativa levar a cabo todas as diligências requeridas pelos arguidos defendendo que a posição da autoridade administrativa é em tudo idêntica à do Mº Público na fase de inquérito,  pelo que caberá nos poderes de direção do processo a realização apenas dos atos de investigação que entenda adequados aos fins do processo contraordenacional e de, consequentemente, não realizar todas as diligências que lhe são requeridas. Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 2011, pág. 230.

Ora, seguindo este entendimento, a audição de testemunhas não constitui um ato imposto por lei, pelo que, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, não poderia configurar-se a nulidade do art. 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal por preterição daquela diligência [cf. neste sentido o Acórdão do TRC de 07.06.2023 processo nº 2666/21.1T9LRA.C1, disponível in www.dgsi.pt].

Importa salientar que mesmo a corrente que entende que a autoridade administrativa está obrigada a realizar as diligências requeridas pelo arguido (o que defende fazendo apelo ao art. 50º  do RGCOC), admite que as diligências requeridas possam ser indeferidas desde que adequadamente fundamentado esse indeferimento, caso em que não se verificará a invocada nulidade. [Neste sentido o Acórdão do TRP de 22.01.2025 processo nº 3868/24.1Y9PRT.P1, disponível in www.dgsipt].

No caso, o próprio recorrente faz equiparar a decisão administrativa quando houve impugnação judicial – como ocorre na situação presente – a uma acusação, o que nos faria cair na primeira das correntes mencionadas.

Porém, na situação presente, não estamos perante um qualquer indeferimento de diligências probatórias.

Na verdade, foi agendada uma primeira data para a inquirição das testemunhas indicadas pela ora recorrente na sede da autoridade administrativa e, em face do requerimento apresentado, reiterando os argumentos já exarados – a que acima fizemos referência -  foi mantida a inquirição na referida Sede sita em Lisboa e designada nova data para o efeito.

Vejamos então o que estabelece a este propósito a LQCA.

Dispõe o art. 50º da referida LQCA sob a epígrafe “Comparência de testemunhas e peritos” o seguinte:

“1 - As testemunhas e os peritos devem ser ouvidos na sede da autoridade administrativa onde se realize a instrução do processo ou numa delegação daquela, caso esta a possua.

2 - As testemunhas podem ser ouvidas pela autoridade policial, a seu requerimento ou a pedido da autoridade administrativa.

3 - Se por qualquer motivo a autoridade de polícia não puder ouvir as testemunhas, estas são obrigatoriamente ouvidas nas instalações da autoridade administrativa competente para a instrução do processo.”

4 - As testemunhas são obrigatoriamente apresentadas, por quem as arrola, na data e hora agendadas para a diligência.

5 - Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no ato processual.

6 - A diligência de inquirição de testemunhas ou peritos apenas pode ser adiada uma única vez, ainda que a falta à primeira marcação tenha sido considerada justificada.

Por seu turno, estabelece-se no  artigo 51º da mesma Lei , sob a epígrafe “ausência do arguido, das testemunhas e peritos” que “a falta de comparência do arguido, das testemunhas e peritos, devidamente notificados, não obsta a que o processo de contraordenação siga os seus termos”.

No despacho recorrido fez-se constar o seguinte:Em matéria de audição de testemunhas arroladas pela impugnante, resulta dos autos que a entidade administrativa as admitiu – cfr. fl.s 42, tendo porém as mesmas faltado – cfr. fl.s 77, justificando a falta por força do período de pandemia, requerendo a audição na área da residência, o que a entidade administrativa nunca anuiu justificando motivos de segurança visto certas informações disponibilidades pela Agência Europeia dos Produtos Químicos não serem do domínio publico e consideradas comercialmente sensíveis.

Nesta matéria o artigo 50.º da Lei 50/2006 estabelece que as testemunhas devem ser ouvidas na sede da autoridade administrativa. Embora seja dada a possibilidade de audição em entidade policial, caso isso não seja possível, devem ser ouvidas naquela sede. Ora, entendendo a entidade administrativa que as testemunhas não podiam ser ouvidas noutro local que não na sua sede, e tendo sido dada essa possibilidade, naturalmente que não se verifica qualquer nulidade.

Mesmo que assim não fosse, e se se entendesse que deviam ter sido ouvidas as testemunhas de forma deslocalizada, tal conclusão nunca configuraria qualquer nulidade, conforme também se mostra estabilizado em sede de jurisprudência – cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 7.6.2023, disponível em www dgsi.pt.”

Analisando a tramitação processual cremos assistir razão ao Tribunal a quo quando entende não se verificar a invocada nulidade.

Na verdade, o art. 50º , nº 1  da LQCA prevê que as testemunhas devem ser ouvidas na sede da autoridade administrativa onde se realize a instrução do processo, abrindo-se a possibilidade no nº 2 (podem) de serem ouvidas pela Autoridade policial, prevenindo-se no nº 3 que havendo um qualquer motivo pelo qual a autoridade policial não puder ouvir as testemunhas estas são obrigatoriamente ouvidas nas instalações da autoridade administrativa.

Este nº 3 do art. 50º da LQCA refere expressamente “se por qualquer motivo a autoridade policial não puder ouvir as testemunhas estas são obrigatoriamente ouvidas nas instalações das autoridade administrativa …”. Resulta pois, da própria letra da lei (devem no nº 1, podem no nº 2 e são obrigatoriamente no nº 3), a clara preferência do legislador pela audição das testemunhas nas instalações da Autoridade Administrativa que procede à instrução.

Acresce que fazendo referência no nº 3 do mesmo artigo a “qualquer motivo” que impeça a autoridade policial de ouvir as testemunhas, temos que nele incluir os motivos indicados pela IGAMAOT.

Importa ainda referir que à data do indeferimento do requerido e notificação para a nova data designada para a inquirição das testemunhas estava já em vigor a redação da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, introduzida pela Lei nº 13-B/2021 de 5 de abril,  que procedeu à revogação dos arts. 6º-B e 6º C que determinava a suspensão dos respetivos prazos para a prática dos atos (acima mencionados a propósito da prescrição do procedimento contraordenacional), e introduziu o art. 6º E, que permitia a inquirição presencial das testemunhas, e no caso na sede da IGAMAOT, sendo que na notificação que foi dirigida à arguida constam que foram levadas em conta as orientações das Direção Geral de Saúde.

Não desconhece o Tribunal as circunstâncias vividas em 2021 e, muito concretamente, as limitações decorrentes da Pandemia “Covid-19”, sendo, porém, de salientar que, como decorre da alteração introduzida pelo DL nº 56-C/2021, de 9 de julho que procedeu à alteração ao DL nº 28-B/2020, de 26-06, houve no momento a que nos reportamos uma redução das limitações até então vigentes, nomeadamente no acesso a espaços de uso público e nomeadamente restaurantes hotéis e outros.

Em suma, tendo em conta a natureza sensível das informações  mencionada pela Autoridade Administrativa e a inerente confidencialidade dos autos, a necessidade de as testemunhas serem ouvidas na sede da autoridade administrativa e não sendo essa inquirição presencial afastada pela legislação temporária então em vigor, assume-se como válida a notificação efetuada à recorrente, pois que sustentada no citado art. 50º, nº 1 a 3 da LQCA.

Sendo as testemunhas a apresentar pela recorrente, a autoridade administrativa procedeu ao adiamento da diligência agendada por uma vez e, verificando que as testemunhas não compareceram na data que foi reagendada, determinou o prosseguimento dos autos.

Recaindo sobre a ora recorrente o ónus de apresentar as testemunhas e decorrendo da fundamentação expressa a razão da necessidade da sua audição na sede da Autoridade Administrativa, que constitui a regra estabelecida no nº 1 do referido art. 50º da LQCA (e encontra sustentação nos seu nº 3), a consequência do não comparecimento das  mesmas no local indicado, no quadro legal vigente à data, apenas àquela pode ser imputado, sendo, assim, válida e legítima a decisão tomada ao abrigo do disposto no art. 51º da LQCA de fazer prosseguir os autos.

Apenas a salientar que em nenhum momento a arguida/recorrente solicitou a inquirição das testemunhas por meios de comunicação à distância, mas antes e apenas como consta de fls. 52 a sua inquirição por entidade com competência na área da sua residência.

Na verdade, não resultando do quadro legal das normas excecionais relativas à COVID 19, a impossibilidade de audição das testemunhas na sede da entidade administrativa, a decisão de não comparecerem, e, consequentemente, o prosseguimento dos autos sem a sua audição não poderá configurar qualquer violação ao princípio do contraditório e não desencadeia a nulidade prevista no art. 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal, ex vi art. 41º do RGCOC ou qualquer violação do disposto no art. 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

Desta feita, não tendo sido indeferida a inquirição de testemunhas e não se tratando de qualquer modo de diligência obrigatória, a sua não realização nunca poderia configurar (com as devidas adaptações) a insuficiência de inquérito.

Sem prejuízo, mesmo que se entendesse que havia sido cometida a referida nulidade esta estava já sanada porquanto a arguida na impugnação judicial apresentada não se limitou a arguir a nulidade em causa, tendo contestado os factos, nomeadamente nos pontos 99º a 103º da impugnação apresentada -  e arrolou testemunhas, exercendo o contraditório desta feita perante um órgão judicial.

Dir-se-á ainda que tratando-se de uma nulidade dependente de arguição e, por respeitar à instrução da fase administrativa deveria ser arguida no prazo de cinco dias após a decisão da autoridade administrativa, tendo aplicação o disposto no artigo 120º, do Código de Processo Penal, devidamente adaptado, já que a decisão da autoridade administrativa deve ser equiparada ao despacho de encerramento do inquérito.

Ora, estabelece o art. 120º, nº 3 do Código de Processo Penal que as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas [al. c)] tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.

Desta feita, mesmo que tivesse ocorrido qualquer nulidade, que não é o caso, a mesma deveria ter sido invocada pela arguida/recorrente no prazo de cinco dias a contar da notificação da decisão da autoridade administrativa.

Ora, a arguida foi notificada da decisão da autoridade administrativa a 02.10.2024 e apenas veio invocar a alegada nulidade no requerimento de impugnação que deu entrada a, o qual deu entrada em juízo a 21.10.2024, pelo que mesmo que tivesse ocorrido a referida nulidade, esta já estaria sanada por não ter sido invocada no prazo legal.


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III – Da Admoestação

No recurso interposto da decisão final proferida pugna a recorrente pela aplicação à conduta apurada de uma admoestação invocando para o efeito o disposto no art. 51º do RGCOC.

Dispõe o art. 51º, nº 1 do RGCOC “1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.

Como se salienta no Acórdão do TRP de 08.03.2023 [processo nº 369/22.6Y4PRT.P1]: “- A reduzida gravidade da infracção a que alude o art. 51.º, n.º 1, do RGCO é aferida pela gravidade abstracta da contra-ordenação, seja por força de classificação expressa como leve, seja pela previsão de aplicação de coimas reduzidas, e não pela diminuta ilicitude da conduta do agente no caso concreto.

Por seu turno, decorre do disposto no arts. 20º da LQCA que:

 “1 - A determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto.

2 - Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.

3 - São ainda atendíveis a coação, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de atos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infração.”

Nos termos do art. 21º da mesma lei “Para determinação da coima aplicável e tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados, as contraordenações classificam-se em leves, graves e muito graves.”

Por fim, o art. 22º prevê que: “1 - A cada escalão classificativo de gravidade das contraordenações corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou coletiva e em função do grau de culpa, salvo o disposto no artigo seguinte.

2 - Às contraordenações leves correspondem as seguintes coimas:

a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 200 a (euro) 2 000 em caso de negligência e de (euro) 400 a (euro) 4 000 em caso de dolo;

b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 2 000 a (euro) 18 000 em caso de negligência e de (euro) 6 000 a (euro) 36 000 em caso de dolo.

3 - Às contraordenações graves correspondem as seguintes coimas:

a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 2 000 a (euro) 20 000 em caso de negligência e de (euro) 4 000 a (euro) 40 000 em caso de dolo;

b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 12 000 a (euro) 72 000 em caso de negligência e de (euro) 36 000 a (euro) 216 000 em caso de dolo.

4 - Às contraordenações muito graves correspondem as seguintes coimas:

a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 10 000 a (euro) 100 000 em caso de negligência e de (euro) 20 000 a (euro) 200 000 em caso de dolo;

b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 24 000 a (euro) 144 000 em caso de negligência e de (euro) 240 000 a (euro) 5 000 000 em caso de dolo.”.

Como se salienta  no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2018, publicado no DR nº 219/2018 de 14.11.2018, com pertinência na questão que nos ocupa: “(…) Mas, atentemos nos pressupostos de aplicação da admoestação segundo o estipulado no art. 51.º, do RGCO.

Segundo o disposto no artigo referido, são claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação: 1) "reduzida gravidade da infracção" e 2) reduzida "culpa do agente".

Assim sendo, a aplicação de uma admoestação depende, desde logo, da maior ou menor ilicitude da infração. Esta ilicitude poderá ser aferida tendo em conta o que expressamente o legislador considerou - caso que se torna evidente quando o legislador classifica a infração de grave ou muito grave ou leve (aliás, de acordo com a classificação prevista no art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais, Lei n.º 50/2006, de 29.08). No caso em discussão, o legislador referiu expressamente que constituíam uma contraordenação grave as previstas no n.º 2, do art. 34.º, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04, pelo que não se pode considerar estar preenchido um dos requisitos impostos pelo art. 51.º, n.º 1, do RGCO - a "reduzida gravidade da infração".

A gravidade de uma infração é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Depois, em função do caso concreto, e dentro dos limites da coima prevista pelo legislador, ir-se-á determinar a medida concreta da sanção em atenção às finalidades de punição das coimas e em atenção à culpa do agente. Todos estes elementos poderão ser determinantes para que se entenda que, pese embora se trate de uma contraordenação grave, portadora de uma ilicitude, em abstrato, grave, atento o caso concreto dever-se-á entender que o agente deverá ser punido com uma sanção próxima do seu limite mínimo.

Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de "reduzida gravidade".

O legislador, ao classificar as contraordenações como graves, muito graves ou leves pretendeu assegurar o princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções previstas. Este princípio não é assegurado sempre que atenta a gravidade da infração se decide pela aplicação de uma sanção que pressupõe a reduzida gravidade daquela.

Pelo que, estando subjacente à admoestação uma menor ilicitude da conduta (assim, Augusto Silva Dias, ob. cit., p. 167), somos forçados a considerar que esta sanção não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a "relevância dos direitos e interesses violados" (art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais) [também no sentido da aplicação da admoestação a contraordenações "de reduzido grau de ilicitude", Simas Santos e Leal Henriques (ob. cit., p. 394) expressamente concluem que "se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples"; ou considerando que se aplica apenas a "contraordenações ligeiras", cf. Alexandra Vilela, O direito de mera ordenação social, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 433, pese embora a entenda como uma sanção acessória].

Ora, na situação dos autos, a arguida, “A..., Unipessoal L.da.”, foi condenada pela prática de:

- Uma  contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro e alínea j) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro (na coima, especialmente atenuada, de €12000).

- Uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro e alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro (na coima, especialmente atenuada, de €12000).

- Uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos p.p. pelo artigo 39.º, n.º 1 do artigo 40.º do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 1 de dezembro e alínea n) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 220/2012, de 10 de outubro (na coima, especialmente atenuada, de €12000).

Como decorre expressamente dos normativos legais acima referidos qualquer uma destas contraordenações é classificada de “muito grave.”

Este é um juízo de desvalor atribuído pelo legislador às condutas em causa nestes autos, pelo que estando em causa três contraordenações muito graves, e fazendo apelo à jurisprudência acima indicada, concluímos  que não pode haver lugar a admoestação como pretendia a recorrente.

Improcede, pois igualmente neste segmento o recurso interposto.


*

IV- Da Coima Única

 Defende ainda a recorrente que lhe deveria ter sido aplicada uma coima única de valor inferior a 5.000€.

Na decisão recorrida foi decidido manter a decisão administrativa que havia aplicado por cada uma das contraordenações a coima de 12.000€.

Como referimos decorre do art. 22º nº 4 al. b) da LQCA que às contraordenações muito graves, se praticadas por pessoas coletivas a coima terá, no caso de atuação por negligência, como é o caso dos autos um mínimo de 24.000€ e um máximo de 144.000€.

Por seu turno decorre do art. 23º A da mesma lei que “1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;

b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.”

Na decisão recorrida escreveu-se: “Tendo em conta os factos provados importa ponderar a aplicação da atenuação especial da coima. Dispõe o artigo 23.ºA da lei 50/2006 que “1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido; b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta. 3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.”

No caso dos autos naturalmente que ao Tribunal não está vedada a aplicação do mesmo naipe de instrumentos jurídicos sancionatórios ao dispor da entidade administrativa.

Ainda que assim fosse, sempre resultariam do artigo 18.º n.º 3 sendo aplicável o regime previsto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal dado ser o regime subsidiário.

Ora, no caso, não pode deixar de ser ter em conta que as infrações em causa ocorreram há mais de 6 anos atrás mantendo a arguida boa conduta até se mostrando provados os cuidados ambientais que a arguida exerce (cfr, facto 18.º), pelo que se entende ser esta plenamente elegível para a atenuação especial o que se determina.

3. DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA:

Mantendo-se a condenação imposta pela autoridade administrativa importa agora apurar considerar a pena concreta a aplicar sendo as molduras a apreciar as de €24000 a 144000 nos termos previstos no artigo 22.º n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006.

Tendo sido aplicada a atenuação especial da coima, a mesma opera mediante a redução a metade dos limites mínimos e máximos da coima (artigo 23.º-B da LQCA), fixando-se a moldura da coima aplicável entre € 12.000,00 (doze euros) e € 72.000,00 (setenta e dois euros).

No caso em apreço, a entidade admnistrativa aplicou ao recorrente a coima pelo valor mínimo legalmente previsto.

E nos termos do artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, para a fixação da pena concreta pondera-se:

i) Gravidade da contra-ordenação.

ii) Culpa.

iii) Situação económica do agente.

iv) O benefício que retirou da prática da contra-ordenação.

Não obstante não ser aplicável o principio da reformatio in pejus tal como dispõe o artigo 75.º da referida Lei, entende-se não ser de aplicar nos autos quanto a qualquer das contra-ordenações em causa uma coima superior à mínima que foi aplicada, pelo que mais não resta do manter a fixação da coima mínima, ou seja €12000 quanto a cada uma das contra-ordenações em causa.

4 . DA COIMA ÚNICA: Dispõe o artigo 19.º do Regime Geral das Contra-Ordenações que “1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. 2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. 3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações. Tendo em conta os factos provados afigura-se-nos que será de aplicar à recorrente uma pena única pelos factos em apreciação nos autos.

Assim, nos termos do citado artigo a moldura penal fixar-se-á entre a coima de €12000 – pena mais elevada aplicada – e €360000 – soma de todas as penas. Ponderando a gravidade dos factos, que foram praticados nas mesmas circunstâncias de tempo e há longo tempo atrás, decide-se fixar uma coima mais próxima do limite mínimo, pelo que se decide fixar a coima única de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).”

Como vimos o  limite mínimo da moldura da coima única são os referidos 12.000€ resultantes da atenuação especial das contraordenações em concurso, pelo que não podia o Tribunal fixar coima única abaixo deste mínimo.

Inexistiu, pois, na fixação da coima única qualquer violação do disposto no art. 2º, nº 1 da LQCA do art. 51º do RGCOC e do art. 202º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que, aliás o recorrente não especifica.

Improcede, pois também neste segmento o recurso interposto.


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V - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em:

1 – Negar provimento ao recurso intercalar e consequentemente manter a decisão que considerou não ter ocorrido a prescrição do presente procedimento contraordenacional.

2- Negar provimento ao recurso interposto da sentença proferida nos autos e em consequência, mantê-la nos seus precisos termos.

Custas do recurso intercalar e do recurso da decisão final pela recorrente, fixando a taxa de justiça em cada um deles em 3 UC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].

Notifique.


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Coimbra,  24 de setembro de 2025

[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]

As Juízas Desembargadoras

Sandra Ferreira

Maria da Conceição Miranda

Sara dos Reis Marques