| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA TERESA COIMBRA | ||
| Descritores: | CONDUÇÃO COM O TÍTULO DE CONDUÇÃO CASSADO CONTRAORDENAÇÃO CRIME ABSOLVIÇÃO DO CRIME E MANUTENÇÃO DA RESPONSABILIDADE CONTRAORDENACIONAL | ||
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| Data do Acordão: | 10/08/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE POMBAL - JUIZ 1 | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 130.º, N.º 7, DO CÓDIGO DA ESTRADA ARTIGO 3.º, N.º 2, DO D.L. N.º 2/98, DE 3 DE JANEIRO | ||
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| Sumário: | I - Na redacção actual do artigo 130.º do Código da Estrada desapareceu a figura do cancelamento, integrando-se as diversas situações previstas na norma na figura da caducidade do título de condução, e manteve-se o seu n.º 7, que estabelecia e estabelece que quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima. II - A cassação do título de condução não se enquadra na previsão legal de caducidade definitiva, já que permite a revalidação, ainda que condicionada à realização de provas de exame ou à frequência de acções de formação. III - Pratica a contraordenação prevista e punível pelo artigo 130.º, n.º 7, do Código da Estrada o condutor que conduz com o título de condução cassado. IV - A absolvição do arguido condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por ter conduzido com o seu título de condução cassado não afasta a sua responsabilidade contraordenacional, que incumbe à entidade administrativa competente tramitar. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra 
 I. No processo especial sumário que, com o nº 8/25.3GBPBL, corre termos pelo juízo local criminal de Pombal, foi decidido condenar o arguido … como autor material de um crime de condução sem habilitação legal p.p. artigo 3º, nºs 1 e 2 do DL 2/98 de 3.1, na pena de 7 meses de prisão efetiva a cumprir em estabelecimento prisional. * Inconformado, recorreu o arguido para este tribunal concluindo o seu recurso do seguinte modo (transcrição): … C. Dúvidas inexistem em como o legislador considera os títulos cassados ao abrigo do art. 148º CE como caducidade do título, atento o teor da alínea d) do n.º 1 do art. 130º CE e após a introdução da carta por pontos nenhuma alteração houve ao art. 3º n.os 1 e 2 DL 2/98, que não pode abarcar uma situação inexistente à data da sua publicação, mostrando-se a redacção de tal artigo intocada desde a sua publicação, não tendo tido nenhuma alteração legislativa, pelo que, mostrando-se abrangida a condução com título caducado, nos termos previstos no n.º 1 e abarcando a cassação plasmada na alínea d), a subsunção jurídica terá de ser a expressamente vertida em tal norma incriminatória e apenas em violação dos princípios da legalidade, protecção da confiança, culpa e segurança jurídica é que poderá haver condenação pela prática de um crime! D. Nos termos da legislação em vigor nunca tal caducidade se mostra definitiva, tendo sido eliminada, pelo DL 102-B/2020, a anterior b) do n.º 3 do art. 130º CE que estipulava o cancelamento do título em caso de cassação, podendo ser obtido no prazo de dois anos nos termos do art. 148º n.º 11 CE e nos termos e para efeitos do art. 9º CC deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, sendo que neste caso expressamente comina como contraordenação tal circunstancialismo, nunca tendo o arguido actuado com a consciência da ilicitude de prática criminal, confiando que apenas praticava uma contra-ordenação, atento o teor da legislação supra invocada; E. Não pode ser equiparada a situação de quem tenha visto o título de condução cassado, pelo que previamente cumpriu as etapas para a sua atribuição, com frequência de aulas teóricas e de condução e com aprovação em ambos os exames, com quem nunca sequer o tenha visto atribuído por nunca ter sido aprovado em ambos os exames dado que o arguido sabe conduzir e deu mostras de ter sido aprovado pelo que se trata de situação desigual face a quem nunca tenha sido habilitado para o efeito; F. Em função de tal desigualdade não podem ambas ter tratamento semelhante em violação do princípio da (des)igualdade e medida da diferença substancial, julgando-se tal equiparação manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, (des)igualdade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso pois alguém que tenha sido habilitado com título de condução não representa o mesmo/semelhante perigo, abstracto e concreto, para os demais utentes da via e para a sociedade que outrem que tão-pouco alguma vez tenha sido anteriormente aprovado e dotado de título de condução; G. Convoca-se o teor de douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 696/23.5SILSB.L1, de 06-II-2024, com o seguinte sumário: … H. A douta acusação pública deveria ter sido rejeitada, por o Tribunal se mostrar incompetente para tramitar o processo de contra-ordenação, ou no limite julgada improcedente, devendo ser absolvido da prática do crime pelo qual se mostra acusado, sendo que se constata que da douta decisão de cassação da carta não consta qualquer advertência ou proibição de condução cominada com a prática de crime, como decorre do teor do ponto de facto provado 6; I. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 3º n.os 1 e 2 DL 2/98 no sentido de “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, pela prévia cassação da respectiva carta de condução por perda de todos os pontos, é punido pela prática de crime de condução sem habilitação legal, não obstante a redacção de tal norma do DL 2/98 nunca ter sido actualizada ou alterada para abarcar os efeitos da superveniente entrada do regime de carta por pontos, que era inexistente à data da sua publicação”; J. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 130º n.º 7 CE no sentido de “Quem conduzir veículo com título caducado, pela prévia cassação da respectiva carta de condução por perda de todos os pontos, prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 130º e art. 148º CE, é punido pela prática de crime de condução sem habilitação legal, não obstante a redacção de tal norma do DL 2/98 nunca ter sido actualizada ou alterada para abarcar os efeitos da superveniente entrada do regime de carta por pontos, que era inexistente à data da sua publicação”; K. O arguido foi punido pela prática do crime de condução sem habilitação legal na pena de sete meses de prisão, sendo que o limite mínimo de tal moldura de um mês e não ostenta antecedentes criminais pela prática de tal crime, julgando-se que deveria ter sido dada aplicação à pena de multa, nos termos do art. 70º CP; L. Todavia e ad cautelam, na improcedência do supra alegado e a ser de aplicar pena de prisão julga-se que a mesma se deverá mostrar em dosimetria inferior e não ser superior a cinco meses de prisão e, por força da idade do arguido bem como ausência de antecedentes por crimes da mesma natureza, ser operada substituição de tal pena pela prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º CP ou suspensão da execução nos termos do art. 50º CP, o que se requer ainda que V/ Exas. entendam não ser de atenuar a pena aplicada; … Q. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, bastando que uma delas o não preste expressamente para se ter por irrelevante a prestação pelos demais, a constituir maioria significativa”; R. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, devendo tal consentimento ser necessariamente obtido e prestado antes da prolação decisória da condenação e não sendo de aferir a avaliação à data de execução da pena”; S. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, sendo que caso uma delas não preste consentimento mas também não declare oposição, não assinando nem preenchendo a declaração, pode o Tribunal suprir tal silêncio e ter por não verificados os pressupostos para tal execução”; T. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, devendo tal consentimento ser obtido e prestado antes da prolação decisória da condenação, sendo que caso uma delas não preste consentimento mas também não declare oposição, não assinando nem preenchendo a declaração, pode o Tribunal suprir tal silêncio e ter por não verificados os pressupostos para tal execução”; … 
 * Recebido o recurso a ele respondeu o Ministério Público … * Remetidos os autos a este tribunal a Exma PGA aderiu “aos fundamentos da sentença, … * Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, tendo na resposta o arguido sustentado a posição já anteriormente assumida. * Após os vistos, foram os autos à conferência. * II. Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que é pelas conclusões do recurso que se afere o âmbito do conhecimento a levar a efeito por este tribunal – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – e que, analisando a síntese conclusiva, temos como questões a solver: - Errada subsunção jurídica dos factos; Subsidiariamente, - Errada escolha e dimensão da pena; - Errada decisão do cumprimento da pena em estabelecimento prisional. * É a seguinte a decisão proferida em primeira instância (transcrição sem nota de rodapé): A. Factos provados (…) 1.No dia 04/01/2025, cerca das 18.22 horas, o arguido conduzia o automóvel ligeiro de passageiros, de marca …, no IC..., Km 57,7, ..., ..., quando foi fiscalizado pela entidade policial; 2.O arguido exercia a condução do veículo automóvel sem que fosse titular de carta de condução nem qualquer outro título que legalmente o habilitasse a conduzir o veículo automóvel, porquanto o mesmo havia sido cassado em 01.02.2024; 3.O arguido agiu de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de exercer a condução de veículo automóvel, em via rodoviária, bem sabendo que não tinha documento que o habilitasse a conduzir e que, nessas condições, a condução de veículos a motor lhe estava vedada, resultado esse que representou; 4.E sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; Mais se provou que: 5.Na sequência de decisão proferida pela ANSR no âmbito do proc. de cassação nº 295/2022, datada de 01/02/2024, foi determinada a cassação da carta de condução do arguido, por perda total de pontos; 6.Nessa decisão consta a final, como advertências, que, caso o arguido não impugnasse essa decisão, tornando-se a mesma definitiva, não só o mesmo teria que proceder à entrega da sua carta de condução, mas também, caducada que estaria esse seu título de condução, a sua cassação impossibilitaria a concessão de novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efectivação da cassação nos termos no nº 11 do art. 148º do Código da Estrada; … * C) Motivação da Matéria de Facto Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127º do CPP. … Assim sendo, cumpre desde logo referir que o arguido, tendo querido prestar declarações, apesar de ter admitido ter conduzido o veículo nas circunstâncias espácio-temporais descritas na acusação, negou ter conhecimento de que a sua actuação consubstanciava um crime de condução sem habilitação legal, por entender que era uma mera contraordenação. … Termos em que, face ao exposto, não se valora minimamente esta versão dos factos apresentada pelo arguido. Assim, a convicção o Tribunal quanto a factualidade dada como provada ora constantes dos pontos 1 a 7 e alicerçou-se na conjugação da prova documental junta aos autos (auto de notícia de fls. 2, informação das bases de dados IMT de fls. 3 e auto de contraordenação de fls. 4) e junta em sede de audiência de discussão e julgamento (decisão administrativa de cassação) com as declarações prestadas pela testemunha AA, militar da GNR, agente autuante, que se revelaram espontâneas e coerentes e, por conseguinte credíveis, senão vejamos. Deste modo, além de confirmar o teor do auto de notícia e das aludidas pesquisas às bases de dados do IMT juntas aos autos, esta testemunha explicou, de forma escorreita e objectiva, não só o motivo pelo qual, nas circunstâncias em apreço, procedeu à fiscalização do arguido (o veículo por si conduzido era antigo e pretendiam apurar se o mesmo tinha inspecção válida), mas também a reacção do arguido ao ser sujeito a essa fiscalização e ao confrontado com a circunstância de ter a sua carta de condução cassada, concretamente tendo começado a chorar e a pedir que o deixassem ir embora, denotando que sabia perfeitamente que não podia conduzir veículos motorizados … Face ao exposto, o Tribunal dá, assim, como provados todos os factos constantes da acusação. A prova quanto às condições económicas e familiares do arguido, o Tribunal teve em consideração as declarações pelo mesmo prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, que nesta parte se revelaram objectivas e espontâneas e, por conseguinte, credíveis, bem como o teor do relatório social junto aos autos. A existência de antecedentes criminais resulta do teor do certificado de registo criminal junto aos autos, bem como o teor da certidão referente ao processo nº 128/23..... * III. Fundamentação de Direito Cumpre, agora, determinar o enquadramento jurídico da matéria assente como provada. O arguido está acusado da prática do crime de condução sem habilitação legal p.p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 03/01. Estatui o nº 1 do aludido preceito legal que “quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”. Por sua vez dispõe o nº 2 desse mesmo preceito legal que “se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel, a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”. Está em causa a protecção da segurança rodoviária. Trata-se de um crime de perigo abstracto em que se visa proteger a circulação nas vias públicas. A condução de veículos motorizados é em si uma conduta perigosa, que acarreta riscos para a vida e para a integridade física de quem circula nas estradas ou nas suas margens. Por outro lado, o legislador ao impor, no artigo 121º nº 1 do Código da Estrada, a necessidade de habilitação legal para conduzir, está a pressupor que a condução não é uma habilidade inata ao ser humano, requerendo aprendizagem, quer da técnica, quer das regras de trânsito, pelo que a simples condução sem a requerida habilitação é em si violadora do bem jurídico protegido. Nos termos do n.º 1 do artigo 122º, do mesmo diploma legal, “o documento que titula a habilitação para conduzir automóveis e motociclos designa-se carta de condução”. Assim, no que respeita ao tipo objectivo, o crime em causa pressupõe que o agente se encontre a conduzir veículo a motor numa via pública, ou equiparada, sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada (cfr. artigos 121º e seg.). Ora, da prova apurada resulta que o arguido conduzia um veículo automóvel, de matrícula …, na via pública, concretamente no IC..., ao km 57,7, ..., em ..., sem ter licença de condução ou documento equivalente. Por esta razão a sua conduta integra o tipo objectivo do crime em causa. Ademais, resulta igualmente do acervo de factos dados como provados que conduta do arguido foi voluntária e consciente, sabendo que não podia conduzir sem ter título válido e que a sua conduta era punida criminalmente. … Estatui o art. 130º do C.Estrada que: “1. O título de condução caduca se: (…) d) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal; (…) 2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior; c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano. (…) 4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2: Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1; (…) 5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução. 6 - [Revogado.] 7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600”. (nosso sublinhado). A este propósito, haverá que referir que o Tribunal concorda na íntegra com o entendimento que vem sendo propugnado pela nossa jurisprudência no sentido de que, a partir de 08/01/2021, a cassação administrativa da carta de condução fundada na perda total de pontos, determinando a caducidade desse título (art. 130º nº 1, al. d) do C.Estrada), tem como consequência inevitável que esse condutor, com a carta cassada, deixa de estar habilitado a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido e, em consequência, conduzindo qualquer veículo para o qual deixou de estar habilitado, o mesmo passa, inequivocamente, a incorrer na prática do crime previsto e punido pelo art. 3º do DL n.º 2/98, ex vi art. 130.º, n.º 5, do Código da Estrada, na redacção do DL n.º 102-B/2020 (nesse sentido, vide Acs. TRG datados de 05/12/2022, proc. nº 87/21.2GBVVD.G1, e de 06/02/2023, proc. nº 117/22.0GBVVD.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). … Assim, independentemente de se poder considerar que a conduta em apreço possa consubstanciar simultaneamente um ilícito criminal e um ilícito contraordenacional, situação que é solucionada pelo disposto no art. 20º do RGCO, comungando o Tribunal do entendimento vertido nos doutos Acórdãos ora citados e até mesmo no voto de vencido constante do Ac. TRL de 06/11/2024, proc. nº 696/23.5SILSB.L1, entendimento esse, aliás, que resulta, no nosso entendimento, bastante claro da conjugação do disposto nos nºs 1, al. d) e 5 do C.Estrada, crê-se que dúvidas inexistem que a actuação objecto dos presentes autos consubstancia o crime previsto e punido pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL 2/98 de 03/01, não se vislumbrando, tal como o arguido assim o pretende, a existência de violação de qualquer princípio constitucional. Aliás, neste âmbito, veja-se que, muito embora invoque a inconstitucionalidade (da situação!), não faz, para o efeito, tal como se lhe exigia, a menção a qualquer norma constitucional violada, limitando-se a invocar sem mais a sua existência. … Não se verificando quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e inexistindo qualquer inconstitucionalidade que cumprisse conhecer, condena-se o arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo nºs 1 e 2 do artigo 3º do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro. 
 * IV. Da escolha e definição da medida concreta da pena … 
 Penas de substituição … Destarte, face ao exposto e de por força dos aludidos preceitos legais, não estando preenchidos todos os pressupostos legalmente exigidos para que o condenado pudesse cumprir a pena de prisão em apreço em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, o Tribunal, inevitavelmente, afasta a aplicação desta pena de substituição, a qual se gorou, e, em consequência, determina que o arguido cumpra a pena de sete meses de prisão em que foi condenado em regime de reclusão. * Apreciação do recurso. Começa o recorrente por se insurgir contra a subsunção jurídica dos factos, porquanto entende que a sua atuação deve ser punida como contraordenação, nos termos do nº 7 do artigo 130º do Código da Estrada, e não como crime previsto no artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 3.1. A questão que o arguido elege como a primeira do seu recurso, não é nova, nem nas decisões dos tribunais, nem na vida do arguido recorrente: não é nova nas decisões dos tribunais, porque, sobretudo desde a entrada em vigor do DL 102-B/2020 de 9.12, que deu nova redação ao artigo 130º do Código Estrada, a jurisprudência tem-se dividido sobre se a condução de veículo por quem viu o seu título de condução caducado, v. g. cassado administrativamente, é punível como contraordenação ou, antes, como crime; não é nova na vida do arguido, porque já noutro processo foi invocada e decidida por este Tribunal da Relação (v.g. no processo referido no ponto 33 da matéria de facto provada). Para apreciação da questão é conveniente, ainda que brevemente, perceber o que ficou diferente no artigo 130º do Código Estrada, com a entrada em vigor do DL 102-B/2020 de 9.12, e que transformou a interpretação que era jurisprudencialmente pacífica, numa situação discutida, gerando divisão nas decisões dos tribunais superiores. Antes do DL 102-B/2020 de 9.12, o artigo 130º do Código da Estrada distinguia as situações de caducidade das de cancelamento do título de condução. Grosso modo a caducidade verificava-se se o título não fosse revalidado nos prazos previstos no Regulamento de Habilitação Legal para Conduzir (RHLC); o cancelamento ocorria se tivessem passado mais de 5 anos sobre a data em que devia ser revalidado. A condução de um veículo com um título caducado era punida como contraordenação pelo nº 7 do artigo 130º do Código da Estrada; a condução de um veículo com o título cancelado era punida como crime nos termos do artigo 3º do DL 2/98 de 3.1. O DL 102-B/2000 de 09.12 eliminou a figura do cancelamento dos títulos de condução, constante do nº 3 do artigo 130º do Código da Estrada, passando a lei a prever para todas as situações apenas a figura da caducidade. E assim, antes da alteração legal, o artigo 130º do Código da Estrada, com a epígrafe Caducidade e cancelamento dos títulos de condução tinha a seguinte redação: 
 Após a alteração legal, o texto do novo art. 130º, com a epígrafe Caducidade dos títulos de condução passou a ser o seguinte: 
 
 
 Como se vê, depois da alteração legal - e no que para agora interessa - na redação do artigo 130º foram eliminadas as alíneas a) e b) do nº 3; a redação da anterior alínea b) do nº 3 passou para a alínea d) o nº 1, desapareceu a figura do cancelamento, reconduzindo-se as diversas situações previstas à figura da caducidade e manteve-se, como anteriormente, o nº 7 “quem conduzir veículo com título caducado nos termos do nº 1, é sancionado com coima de (euros) 120 a (euro) 600”. 
 A partir daqui a jurisprudência passou a estar dividida entre quem considera que as alterações introduzidas pelo DL 102-B/2020 de 9.12 “não modificaram as opções essenciais do legislador” devendo punir-se como crime a conduta de quem conduz com título cassado (de que são exemplo o Ac. RL de 14.12.2023 proferido no processo 1098/21.3GCALM.L1-5, com um voto de vencido; o Ac. RG de 05.12.2022 proferido no processo 87/21.2GBVVD.G1 e de 06.02.2023 proferido no processo 117/22.0GBVVD.G1; o Ac. RE de 13.09.22 proferido no processo 20/22.4GDPTM.E1) e aqueles que consideram que, presumindo-se que “o legislador consagra as soluções mais acertadas”, a conduta em análise passou a ser punida como contraordenação (de que são exemplo os Ac. RL de 07/12/2021 proferido no processo 340/19.5PTLRS.L1-5; de 22.03.2022 proferido no processo 533/21.5PCLRS.L1-5; de 06.02.2024 proferido no processo 696/23.5SILSB.L1-5; de 06.02.2025 proferido no processo 663/24.1PBSNT.L1-5; o Ac. RP de 25.11.2020 proferido no processo 20/19.1GALSD.P1(embora este acórdão ainda respeitante a redação anterior) e o Ac. RC de 25.06.2025 proferido no processo 44/25.0GBPBL.C1). Ocorre que no último dos processos atrás referidos e decidido por este Tribunal da Relação de Coimbra foi analisada e punida a atuação deste mesmo arguido, ora recorrente, em circunstâncias em tudo idênticas (no que diz respeito à condução de veículo com título cassado) às que estão em causa nestes autos. Aliás nessa mesma decisão consta (ponto 2.1.9 dos factos provados) que o arguido “foi detido em flagrante delito no dia 04.01.2025 pela GNR… por indiciada prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal”, factos que deram origem aos presentes autos. Ora se o arguido é o mesmo, a condução de veículo automóvel foi exercida após ter o arguido o título cassado pela mesma decisão administrativa, nenhuma diferença existe entre a situação que agora nos ocupa e aquela que foi alvo de decisão no processo 44/25.0GBPBL.C1, (sendo que, em rigor, o julgamento dos factos porque se encontram em situação de concurso, deveria ter sido conjunto, porque quando o arguido foi julgado no processo 44/25, já havia praticado os que estão em causa neste autos). E assim sendo, se nesse processo o arguido havia sido condenado, como agora, em primeira instância, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p.p. artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 3.1, e tal decisão foi revogada por este Tribunal da Relação que absolveu o arguido da prática do referido crime, por ter sido entendido que a conduta em análise constitui, tão só, uma contraordenação punível nos termos do nº 7 do artigo 130º do Código da Estrada, não se configura sensato - mesmo que se discordasse ( e não se discorda) da valia dos argumentos utilizados e que nos dispensamos de reproduzir - e mal se compreenderia – e o arguido que é o destinatário da decisão não o compreenderia seguramente – que, nas mesmas circunstâncias factuais e legais, o mesmo comportamento fosse agora considerado crime, quando antes foi entendido tratar-se de contraordenação. Acresce que a situação não se enquadra na previsão legal de caducidade definitiva do título de condução, prevista nas alíneas c) e d) do nº 3 do art. 130º, mas tão só provisória, porque passível de revalidação - no caso, decorridos que sejam dois anos sobre a efetivação da cassação ( art. 148 nº 11 do CE) -, ainda que condicionada à realização de provas de exame ou à frequência de ações de formação, sendo que, claramente, o legislador quis distinguir as duas situações, como decorre do preâmbulo do DL 102-B/2020 de 9.12.. Assim, não só pelo entendimento, como no referido acórdão proferido no processo 44/25.0GBPBL.C1, de que a criminalização da conduta contende com a letra da lei - não competindo aos juízes corrigir eventual má técnica legislativa - e põe em causa a segurança e previsibilidade jurídicas, como pelo reconhecimento de que tais caraterísticas de segurança e previsibilidade devem ser extensivas às decisões judiciais, sobretudo dos tribunais superiores, impõe-se reconhecer que a conduta provada do arguido constitui a contraordenação punível no nº 7 do artigo 130º do Código da Estrada e, em consequência, absolver o recorrente do crime por que foi condenado, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional que lhe cabe e que compete à entidade administrativa competente tramitar. O agora decidido torna inútil a apreciação das demais questões elencadas no recurso. * III. DECISÃO. Em face do exposto decide-se conceder provimento ao recurso do arguido … e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e absolve-se o recorrente do crime por que foi condenado, sem prejuízo da prática de contraordenação punível nos termos do nº 7 do art. 130º do Código da Estrada, cuja tramitação compete à autoridade administrativa. Sem custas. Notifique. 
 Coimbra, 8 de outubro de 2025 Maria Teresa Coimbra Maria José Guerra Rosa Pinto 
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