| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | PAULO REGISTO | ||
| Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÕES ECONÓMICAS FALTA OU O VÍCIO DA NOTIFICAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO E DE DEFESA OBRIGATORIEDADE DE TRANSMISSÃO AO ARGUIDO DE TODOS ASPECTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO NULIDADE SANÁVEL CONTEÚDO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA IMPUTAÇÃO DA CONTRA-ORDENAÇÃO A TÍTULO DE DOLO DESCRIÇÃO DE FACTOS RELATIVOS À IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA | ||
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| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENICHE | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 58.º E 63.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO D.L. N.º 9/2021, DE 29 DE JANEIRO/REGIME JURÍDICO DAS CONTRAORDENAÇÕES ECONÓMICAS ARTIGO 50.º DO D.L. N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO/RGCO | ||
| Jurisprudência Nacional: | ASSENTO N.º 1/2003 DO STJ | ||
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| Sumário: | I - A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça resultante do assento n.º 1/2003, deve ser aplicada às contra-ordenações económicas, reguladas pelo DL n.º 9/2021, de 29-01, no que diz respeito às consequências jurídicas resultante do incumprimento ou do cumprimento defeituoso do direito de audição e de defesa do arguido na fase de instrução, ainda que o assento tenha sido proferido perante diferente enquadramento legislativo. II – Essa jurisprudência apresenta plena validade no quadro das contra-ordenações económicas, na perspectiva de salvaguarda das garantias de defesa, ao exigir que a autoridade administrativa transmita ao arguido, sob pena de nulidade do processo contra-ordenacional, os elementos necessários para que este conheça a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão. III - Ainda que o art. 58.º do DL n.º 9/2021 não preveja, de modo expresso, a consequência jurídica decorrente da falta ou do vício da notificação para o exercício do direito de audição e de defesa, entende-se que configura uma nulidade sanável, à semelhança do que sucede com o incumprimento ou cumprimento defeituoso do art. 50.º do DL n.º 433/82. IV - Não ocorre preterição das garantias de defesa, que determina a nulidade do processo contra-ordenacional, quando, através das normas jurídicas e dos limites mínimo e máximo da coima aplicável, constantes do auto de notícia e da notificação a que alude o art. 58.º do DL n.º 9/2021, decorre que a contra-ordenação está a ser imputada ao agente a título de dolo, ainda que não se faça referência ao elemento subjectivo da infracção. V - De acordo com o art. 63.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 9/2021, a decisão administrativa que aplica uma coima deve conter, sob pena de nulidade, uma descrição, ainda que sumária, dos factos integrantes da contra-ordenação económica, incluindo os respeitantes à sua imputação subjectiva, que permitam compreender se o ilícito de mera ordenação social é imputado ao agente a título de dolo ou a título de mera de negligência. VI - A descrição dos factos de onde se conclua que o agente actuou com dolo ou com negligência afigura-se essencial para que este possa estruturar de modo efectivo a sua defesa, conhecendo o ilícito que lhe é imputado. VII - Cumpre o requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art. 63.º do DL n.º 9/2021, a decisão administrativa que contém uma descrição de factos, ainda que sucinta, relativos à imputação subjectiva da contra-ordenação (v.g. “sabia que estava obrigada a emitir documentos comerciais contendo o número de registo do produtor, optando por não o fazer e conformando com o resultado”), para além de deixar consignado, textualmente, que a empresa recorrente agiu com dolo eventual, o que lhe permitiu estruturar, de modo efectivo, a sua defesa. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra 
 I - RELATÓRIO: “…, Lda.”, com sede …, veio interpor recurso da sentença proferida no dia 18-05-2025 pelo Juízo de Competência Genérica de Peniche, que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida e que, em consequência, a condenou pela prática de uma contra-ordenação grave p. e p. pelos arts. 65.º, n.º 1, al. a) e 68.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 28/84, de 20-01 (na redação dada pelo DL n.º 9/2021, de 29-01) e pelos arts. 18.º, al. b), subal. iii) e 19.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 9/2021, de 29-01, que aprovou o Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas, na coima de € 4 500 (quatro mil e quinhentos euros) e nas custas processuais de € 153 (cento e cinquenta e três euros). * A recorrente “…, Lda.” apresentou as seguintes conclusões no recurso que interpôs: “A) A Decisão Administrativa sub judice é nula porque não conheceu de todas as questões que devia ter conhecido, nomeadamente, a prolação de admoestação, ao invés de aplicação de uma coima; B) A Sentença recorrida é nula por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, do RJCE e artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, uma vez que o Tribunal a quo não conheceu da nulidade da Decisão Administrativa, invocada em sede de recurso; C) A Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão judicial que conheça e declare a nulidade da Decisão Administrativa, por não se pronunciar sobre todas as questões que lhe foram colocadas; Subsidiariamente, mas sem conceder, D) O auto de contraordenação e a respetiva notificação à Arguida são omissos quanto a matéria de facto ou fundamentação de direito que sustentem a imputação subjetiva da alegada contraordenação à Arguida; E) Desses documentos não constavam quaisquer factos que pudessem explicar a perceção da ilicitude da conduta e a culpabilidade da Arguida; F) De tal modo que a condenação da Arguida pela alegada pratica de uma contraordenação a título de dolo eventual foi uma verdadeira decisão surpresa para a Arguida, em violação do direito de defesa da Arguida e do disposto no art. 58.º do RJCE e no art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa; G) Para a efetivação do direito de audição estabelecido no artigo 50.º do RGCO, o arguido tem de ter conhecimento da descrição dos factos que lhe são imputados, incluindo s caraterização subjetiva da infração; H) Ao decidir que a Decisão Administrativa não era nula por falta de exposição da imputação subjetiva da contraordenação, a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 54.º do RJCE e no artigo 32.º, n.º 10, da CRP; … Subsidiariamente, mas sem conceder, J) A decisão administrativa é nula por falta de descrição do elemento subjetivo da contraordenação; K) A omissão da descrição prevista no art. 58.º, n.º 1, al, b), do RGCO na decisão que aplica uma coima importa a sua nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO; L) Ao condenar a Arguida por uma infração dolosa, quando o auto de contraordenação e a respetiva notificação eram omissos quanto à imputação subjetiva da alegada contraordenação, a Decisão Administrativa condenou por factos que não constavam no âmbito temático do processo e também por essa razão a Decisão Administrativa é nula à luz do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO; … O) O juízo de culpabilidade tecido na Decisão administrativa e na Sentença recorrida, no sentido de que a Arguida atuou com dolo eventual, não tem qualquer fundamentação de facto que os sustente, nem pode logica ou factualmente retirar-se do texto transcrito … Subsidiariamente, mas sem conceder, R) Nos presentes autos, está em causa a alegada falta da indicação do número de registo do produtor hortofrutícola na «guia de transporte …» e na «factura …»; S) O art. 65.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 28/84 pune falta de passagem dos documentos relativos à operação, a sua emissão com deficiência ou omissão dos elementos exigidos se e quando não representem fielmente as respetivas operações; T) Resulta do auto de notícia/notificação que a alegada omissão não prejudicou a representação fiel das operações; U) Consta expressamente do próprio auto de notícia/notificação que «o número de registo de produtor hortofrutícola, vulgarmente designado número HF, e que no caso é o …»; V) Ou seja, o inspetor que procedeu à fiscalização na origem dos presentes autos pôde imediatamente identificar fielmente a operação em causa e o produtor hortofrutícola respetivo; W) Por conseguinte, é ostensivo que a eventual falta de algum elemento identificativo não prejudicou a representação fiel da operação através dos documentos, guias de transporte e faturas respetivos – prejuízo esse, à representação fiel da operação, que é elemento integrante do tipo objetivo previsto no artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do DL n.º 28/84; X) Como tal, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a verificação da contraordenação tipificada no art. 65.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 28/84. … Subsidiariamente, mas sem conceder, AA) Ao abrigo do disposto no artigo 51.º do RGCO, para aplicar uma admoestação em substituição da coima legalmente prevista, relevante será ponderar as circunstâncias concretas do caso sub judice, a atuação concreta do agente, e não a classificação abstrata legalmente prevista. … CC) Conforme resulta da jurisprudência, a admoestação, como substitutiva da coima pode ser aplicada às contraordenações qualquer que seja a sua classificação – leve, grave ou muito graves; DD) É reduzida a gravidade da infração e a culpa da Arguida; EE) Mal andou o Tribunal a quo ao não aplicar o art. 51.º do RGCO. FF) A Sentença Recorrida deve ser revogada e substituída por Acórdão que ao invés de aplicar uma coima à Arguida, decida pela sua admoestação ao abrigo do disposto no artigo 51.º do RGCO.” * O MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do Juízo de Competência Genérica de Peniche, respondeu ao recurso interposto, … * Por seu turno, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação de Coimbra, emitiu parecer … * Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. 
 II – OBJECTO DO RECURSO: … In casu, a “…, Lda.” começa por excepcionar a nulidade da sentença recorrida, por entender que não se pronunciou sobre a questão da nulidade da decisão administrativa, por si invocada na impugnação judicial, relativa à omissão de pronúncia sobre o pedido de aplicação de uma admoestação, em vez de ser sancionada com uma coima. Apreciando e decidindo: Estabelece o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, aplicável por força do disposto no art. 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, que “(…) é nula a sentença (…) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”. Este dispositivo, respeitante aos vícios da sentença, comina com nulidade, quer a omissão de pronúncia (o tribunal não apreciou questões que devia ter conhecido), quer o excesso de pronúncia (o tribunal apreciou questões que não podia ter conhecido). Da conjugação do art. 379.º, n.º 2, com o art. 414.º, n.º 4, do CPP, resulta que o tribunal a quo pode suprir as nulidades de sentença, assim como estas podem ser arguidas e conhecidas em sede de recurso. A “(…) nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou sobre questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – art. 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP (…)” – in “Código de Processo Penal Comentado”, 2014, pág. 1182. Ainda a respeito do vício da sentença decorrente a omissão de pronúncia, observa, logo de seguida, o Conselheiro Oliveira Mendes que “a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta de falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão ”. Em idêntico sentido, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2011, proferido no Proc. n.º17/09.0TELSB (www.dgsi.pt): “(…) como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença”. Acrescenta ainda o mencionado acórdão do Supremo Tribunal: “(…) A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas. A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante (…)”. In casu, conforme deixa observado o Senhor Procurador-Geral Adjunto, a decisão recorrida pronunciou-se, expressamente, sobre a questão jurídica suscitada pela recorrente “….” relativa à alegada nulidade da decisão administrativa por omissão de pronúncia. No segmento sobre a aplicação de uma sanção de admoestação pela prática dos factos em referência, a sentença deixou assinalado o seguinte: “(…) No que tange à invocação de nulidade da decisão administrativa por ausência de pronúncia sobre a aplicação de admoestação, remetemos para o exposto no ponto III. supra, para concluir que só constituem nulidades aquelas que como tal estiverem previstas expressamente na lei. Pelo que, sem necessidade de maiores consideramos, improcede igualmente o recurso (…)”. Deste modo, verifica-se que não existe fundamento para que este tribunal de recurso venha a declarar a nulidade da sentença recorrida, na medida em que, conforma resulta do acima exposto, o tribunal de primeira instância conheceu a questão jurídica da alegada nulidade da decisão administrativa, por omissão de pronúncia, ainda que o tenha feito por remissão para os fundamentos constantes de outro segmento decisório. De salientar que a recorrente “…, Lda.” não questiona o mérito da fundamentação encontrada pela decisão recorrida para julgar improcedente a questão jurídica da nulidade da decisão administrativa, na medida em que centra o presente recurso na nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo. Não avança quaisquer argumentos ou fundamentos para rebater ou para contrariar a apreciação realizada pelo Juízo de Competência Genérica de Peniche, quando afirma que a decisão administrativa não padece da apontada nulidade, por omissão de pronúncia, no que diz respeito à aplicação da sanção de admoestação pela prática dos factos em referência. A recorrente “…, Lda.” delimitou o presente recurso na questão de ordem formal referente à nulidade da sentença recorrida, por alegada omissão de pronúncia sobre a imposição da sanção de admoestação, que, pelos motivos expostos, não colhe fundamento. Deste modo, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quando se defende a nulidade da sentença recorrida, por alegada omissão de pronúncia, sobre a questão jurídica da admoestação. 
 Prosseguindo: A recorrente “…, Lda.” veio sustentar que a sentença recorrida lavrou em erro de julgamento quando julgou improcedente a excepção, por si suscitada, da nulidade do auto de contra-ordenação e do processado subsequente, na medida em que nada lhe foi transmitido sobre se a contra-ordenação lhe era imputada a título de dolo ou a título de negligência, o que a impediu de exercer o seu direito de defesa. Deste modo, pretende que a sentença recorrida seja revogada, que seja declarada a nulidade do auto de notícia e do processado subsequente, bem como que se ordene o arquivamento destes autos. Apreciando e decidindo: Recorde-se que a sentença recorrida considerou, com particular destaque para a apreciação desta questão jurídica, que “(…) o auto de notícia se encontra corretamente elaborado pela autoridade administrativa, com exposição clara, pormenorizada e devidamente sustentada com todos os seus elementos legalmente exigidos, possibilitando a cabal defesa por parte da sociedade arguida/recorrente, não padecendo de qualquer vício (…)”. Afigura-se incontestável que a empresa recorrente “…, Lda.” se encontra acusada pela prática de uma contra-ordenação de natureza económica, ou seja, relativa a uma alegada violação de disposições legais e regulamentares que regulam o exercício de uma actividade económica do sector alimentar (neste sentido, vide, art. 1.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021, de 29-01). Como se viu, é-lhe imputada a prática de uma contra-ordenação grave p. e p. pelos arts. 65.º, n.º 1, al. a) e 68.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 28/84 e pelos arts. 18.º, al. b), subal. iii) e 19.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 9/2021, por ter, grosso modo, comercializado batata doce sem que a guia de transporte ou a factura da venda contivessem o número de registo do produtor hortofrutícola. Deste modo, este tribunal de recurso é confrontado com a aplicação do regime específico resultante do DL n.º 9/2021 (Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas), sem prejuízo de se socorrer, a título subsidiário, do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, caso aquele diploma não disponha de previsão legal (de acordo com o art. 79.º do DL n.º 9/2021, “em tudo quanto não se encontre previsto no presente regime aplica-se subsidiariamente o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social”). Aliás, a recorrente “….” afirma que a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 54.º e 58.º do DL n.º 9/2021 e que desconhece se a contra-ordenação lhe estava a ser imputada a título de dolo ou a título de negligência, o que impediu o exercício da sua defesa. O art. 54.º, als. a) a f), do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas, estabelece que o auto de notícia deve conter a “descrição dos factos constitutivos da infração”, para além, entre outros elementos, da indicação do dia, da hora, do local da infracção, da identificação do infractor, do seu domicílio ou sede. Por seu turno, o art. 58.º, n.ºs 1 e 2, deste diploma legal, sob a epigrafe “exercício do direito de audição e defesa”, estabelece que, após o levantamento do auto de notícia, o arguido deve ser notificado para, querendo, se pronunciar por escrito sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e para, dentro do prazo de 20 dias, apresentar meios de prova ou requerer a sua própria audição. Este último dispositivo encontra norma equivalente no art. 50.º do DL n.º 433/82, que, a respeito do direito de audição e de defesa, obriga a autoridade administrativa a conceder ao arguido um prazo razoável para que este se possa pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a coima que lhe são imputáveis. Nenhum destes preceitos prevê (pelo menos, de modo expresso) a consequência jurídica decorrente do seu incumprimento ou, dito por outras palavras, se a sua inobservância por parte da autoridade administrativa constitui uma mera irregularidade ou uma nulidade sanável ou insanável. No que diz respeito ao art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, importa recordar o entendimento sufragado Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2003, de 25-01: “(…) Quando, em cumprimento do disposto no art. 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa (…)”. Esclarece ainda este assento que “(…) se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações] (…)”. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça resultante do assento n.º 1/2003 deve ser aplicada às contra-ordenações económicas, reguladas pelo DL n.º 9/2021, de 29-01, no que diz respeito às consequências jurídicas resultante do incumprimento ou do cumprimento defeituoso do direito de audição e de defesa do arguido na fase de instrução, ainda que o assento tenha sido proferido no âmbito de diferente enquadramento legislativo. Para além da equivalência entre o art. 50.º do DL n.º 433/82 e o art. 58.º do DL n.º 9/2021 (que ambos visam regular o direito de audição e de defesa na fase de instrução do processo contra-ordenacional), a jurisprudência resultante deste assento apresenta plena validade no quadro das contra-ordenações económicas, na perspectiva de salvaguarda das garantias de defesa, ao exigir que a autoridade administrativa transmita ao arguido, sob pena de nulidade do processo contra-ordenacional, os elementos necessários para que este conheça a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão. Note-se que não se exige que o arguido tome conhecimento exaustivo, completo, de todos os elementos do processo de contra-ordenação, que ainda se encontra numa fase preliminar, mas somente daqueles que se revelem necessários para que possa exercer a sua defesa de modo adequado. A nulidade (sanável) somente ocorrerá quando o arguido esteja impossibilitado de se defender de todas as matérias que constituem o objecto do processo, por desconhecer os elementos necessários para o efeito, que não lhe foram transmitidos pela autoridade administrativa competente. Por contraposição, não existirá nulidade do processo quando o arguido conseguiu rebater, de modo cabal, todas as imputações que lhe são dirigidas pela autoridade administrativa, ainda que, porventura, alguns dos elementos do processo (que sejam dispensáveis) não lhe tenham sido transmitidos. Estas exigências legais são sempre orientadas pelas garantias de defesa, pelo que não ocorrerá nulidade do processo contra-ordenacional quando o arguido disponha de todos elementos necessários para se defender ou quando, mesmo não dispondo, o conseguiu fazer de modo adequado. Ainda que o art. 58.º do DL n.º 9/2021 não preveja, de modo expresso, a consequência jurídica decorrente da falta ou do vício da notificação para o exercício do direito de audição e de defesa, entende-se que configura uma nulidade sanável, à semelhança do que sucede com o incumprimento ou cumprimento defeituoso do art. 50.º do DL n.º 433/82. Aliás, o art. 62.º, n.º 3, do DL n.º 9/2021, sob a epígrafe “aproveitamento dos actos”, estabelece que “a falta ou vício da notificação considera-se sanada se o arguido renunciar expressamente a argui-la, aceitar expressamente os efeitos do ato ou se tiver exercido o direito de defesa”. O incumprimento ou do cumprimento defeituoso do regime jurídico do direito de audição e de defesa determina nulidade, que, todavia, é susceptível de se sanada nas situações previstas pelo n.º 3 do art. 62.º do DL n.º 9/2021. No caso vertente, entende-se que não ocorreu qualquer nulidade do presente processo contra-ordenacional, não obstante a empresa “…, Lda.” venha alegar que, do auto de notícia e que da notificação que foi realizada para o exercício do direito de audição e de defesa, não consta qualquer referência ao elemento subjectivo da infracção, pelo que desconhece se lhe foi imputada a título de dolo ou a título de negligência. Decorre dos elementos documentais constantes dos autos que sempre foi imputada à empresa a prática de uma contra-ordenação grave p. e p. pelos art. 65.º, n.º 1, do DL n.º 28/84, punível com coima de € 4 000 a € 8 000. Do enquadramento jurídico da matéria de facto resultante do auto de notícia e da notificação e, de igual modo, dos limites (mínimo e máximo) da coima aplicável, afigura-se incontornável que a autoridade administrativa lhe estava a imputar a prática dolosa de um ilícito de mera ordenação social. Note-se que a contra-ordenação negligente, por documentação irregular, é punível de acordo com o disposto no n.º 3 do art, 65.º do DL n.º 28/84, de 20-01 (afirma-se neste dispositivo que a “negligência é punível nos termos do RJCE”) e que não consta, nem do auto de notícia, nem tão-pouco da notificação realizada para o exercício do direito de audição e de defesa, a redução para metade dos limites (mínimo e máximo) da coima aplicável, conforme sucede nos casos em que a contra-ordenação é imputada ao agente a título de negligência (vide art. 8.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021). Deste modo, não ocorre preterição das garantias de defesa, que determina a nulidade do processo contra-ordenacional, quando, através das normas jurídicas e dos limites (mínimo e máximo) da coima aplicável, constantes do auto de notícia e da notificação a que alude o art. 58.º do DL n.º 9/2021, resulta que a contra-ordenação está a ser imputada ao agente a título de dolo, ainda que não se faça referência ao elemento subjectivo da infracção. Isto significa que, através dos elementos de facto e de direito que lhe foram comunicados, a empresa recorrente “A..., Lda.” ficou perfeitamente inteirada sobre os aspectos relevantes para a decisão a proferir, de modo a defender-se cabalmente da imputação que lhe foi dirigida. Mesmo que assim não se entenda, a nulidade em causa sempre estaria sanada, de acordo com a parte final do n.º 3 do art. 62.º do DL n.º 9/2021, na medida em que a empresa acabou por apresentar defesa, conforme resulta do requerimento junto aos autos (denominado “pronúncia em exercício do direito de audição e defesa”), defendendo a sua absolvição da prática da contra-ordenação tipificada pelo art. 65.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 28/84. Em face do exposto, ainda que com base em diferente enquadramento jurídico, confirma-se a sentença proferida pelo tribunal a quo e, em consequência, julga-se improcedente o recurso na parte respeitante à alegada nulidade de todo o procedimento contra-ordenacional. 
 Mais: A recorrente “…, Lda.” insurge-se ainda contra a sentença recorrida por ter julgado improcedente a excepção, por si suscitada, da nulidade da decisão administrativa, por falta de descrição do elemento subjectivo da contra-ordenação que lhe foi imputada. A este propósito, deixou alegado, com particular destaque, que a decisão da autoridade administrativa é nula, de acordo com o disposto no art. 58.º do DL n.º 433/82, conjugado com o art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, na medida em que a sua culpabilização a título de dolo eventual não tem qualquer enquadramento na matéria de facto que lhe é imputada. Apreciando e decidindo: Conforme se deixou assinalado, a recorrente “…, Lda.” encontra-se acusada pela prática de uma contra-ordenação de natureza económica, regulada pelo regime específico resultante do DL n.º 9/2021 (sem prejuízo de ser aplicado, a título subsidiário, o Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10). De acordo com o disposto no art. 63.º, n.º 1, al. b), do mencionado diploma legal, as decisões condenatórias, por contra-ordenações cometidas no âmbito de actividades económicas, devem conter, sob pena de nulidade, para além do mais, uma “(…) descrição sumária dos factos (…)”. Para além de outros requisitos, relativos, por exemplo, à identificação do arguido ou à indicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, a al. al. b) do n.º 1 deste dispositivo exige que a decisão condenatória contenha uma descrição dos factos integrantes do ilícito económico imputado ao agente. Decorre deste preceito que a decisão administrativa que aplica uma coima deve conter uma descrição, ainda que sumária, de todos os factos integrantes da contra-ordenação económica, incluindo os respeitantes à sua imputação subjectiva, que permitam compreender se o ilícito de mera ordenação social é imputado ao arguido a título de dolo ou a título de mera de negligência. A descrição dos factos de onde se conclua que o arguido actuou com dolo ou com negligência afigura-se essencial para que este possa estruturar de modo efectivo a sua defesa, conhecendo o ilícito que lhe é imputado. O regime específico constante do art. 63.º da DL n.º 9/2021 apresenta similitude com o regime geral do art. 58.º do DL n.º 433/82, onde também se estabelecem os requisitos a que deve obedecer a “decisão condenatória”, proferida no final da fase administrativa do processo de contra-ordenação. Todavia, ao contrário do que sucede com o art. 63.º, n.º 1, do DL n.º 9/2021 (onde expressamente se comina o vício da nulidade), o art, 58.º do DL n.º 433/82 não estabelece que consequências jurídicas devem ser retiradas caso a “decisão condenatória” não cumpra os requisitos previstos na lei. Tem-se debatido, tanto na jurisprudência como na doutrina nacionais, a questão de saber se a inobservância por parte da decisão condenatória do art, 58.º do DL n.º 433/82 comporta uma mera irregularidade (por remissão para o art. 118.º do CPP, ex vi art. 41.º do DL n.º 433/82) ou se, ao invés, determina nulidade (por remissão, seja para o n.º 3 do art. 283.º, seja para o n.º 1 do art. 379.º, ambos do CPP, consoante se equipare a “decisão condenatória” a uma acusação ou, ao invés, a uma sentença criminal). António Beça Pereira entende que a inobservância de alguns dos requisitos estabelecidos no art. 58.º do DL n.º 433/82 “não é sancionada como nulidade” e que “neste caso, nos termos dos artigos 118.º, n.º 1 e 123.º do CPP, apenas poderá existir irregularidade e será segundo as regras deste instituto (artigo 123.º do CPP) que se apurará da possibilidade de aproveitamento (ou não) do processado desde a decisão administrativa (inclusive)” – in “Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas”, Livraria Almedina, págs. 104 e 105. Noutra perspectiva, Oliveira Mendes e Santos Cabral consideram que o “(…) incumprimento dos requisitos enumerados no n.º 1 implica a existência de uma nulidade nos termos cominados no art. 379.º do CPP (…)” - in “Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas”, Almedina, pág. 155. No mesmo sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa entendem que “(…) a falta de requisitos previstos no n.º 1 constitui uma nulidade da decisão, de harmonia com o preceituado nos arts. 374.º, n.ºs 2 e 3, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP” - in “Contra-ordenações – Anotações ao Regime geral”, Vislis, pág. 322. Na jurisprudência, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-04-2024, proferido no âmbito do Proc. n.º 1190/23.0T8OLH (acessível em www.dgsi.pt), sufragou a equivalência da decisão administrativa, se judicialmente impugnada, à acusação, sujeitou-a ao regime jurídico decorrente do art. 283.º do CPP e entendeu que a nulidade, por falta de descrição completa dos elementos constitutivos da infracção, não é susceptível de ser suprida ou colmatada em momento posterior do processo. Em sentido divergente, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-03-2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 173/21.9T8TND (acessível em www.dgsi.pt) entendeu que o incumprimento dos requisitos enumerados pelo n.º 1 do art. 58.º do do DL n.º 433/82, de 27-10, consubstancia a nulidade prevista pela al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ex vi art. 41.º daquele diploma, que pode ser suprida pela autoridade administrativa competente. Ainda noutro sentido, pronunciou-se, por exemplo, entre outros, o Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2023, proferido no âmbito do Proc. n.º 1878/22.2T9FNC (acessível em www.dgsi.pt): O DL n.º 433/82, de 27-10, não consente que sejam aplicadas às decisões condenatórias as exigências da sentença em processo penal (arts, 374.º, 375.º e 379.º, do CPP), nem tão pouco as exigências próprias da acusação (art. 283.º, também do CPP). Deste modo, quando a decisão da autoridade administrativa, proferida em processo contra-ordenacional, não cumpre os requisitos legais, deve aplicar-se o regime jurídico das irregularidades previsto pelo art. 123.º do CPP. Todavia, o art. 63.º, n.º 1, do DL n.º 9/2021 resolve, em parte, essa polémica, ao prever que a decisão condenatória se encontra ferida de nulidade, caso não observe todos os requisitos previstos por este dispositivo. Deste modo, discorda-se da sentença recorrida quando afirma que “(…) a inobservância do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do RJCE apenas importaria a existência de uma mera irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do RGCOC (…)”. Assim como se discorda da invocação do art. 58.º do do DL n.º 433/82, constante das alegações apresentadas pela “…, Lda.”, na medida em que existe uma norma específica aplicável às “decisões condenatórias” proferidas em processos por contra-ordenações económicas. Seja como for, a invalidade da “decisão condenatória" tem de assentar na falta de observância dos requisitos previstos pelo art. 63.º, n.º 1, do DL n.º 9/2021, muito em particular por falta de descrição dos factos relativos à imputação subjectiva do ilícito de mera ordenação social. Neste particular, a sentença recorrida sustentou que se encontra “suficientemente descrito o elemento subjetivo respeitante ao dolo com que atuou a arguida/recorrente, para efeitos do disposto nos artigos 8.º, n.º 1, do RGCOC, e 13.º e 14.º do CP, ex vi artigo 41.º do RGCOC” e, em consequência, julgou improcedente a excepção da nulidade da “decisão condenatória” invocada pela empresa recorrente “…, Lda.”. Desde já se avança que, neste particular, se concorda com a solução preconizada pelo Juízo de Competência Genérica de Peniche. Da “decisão condenatória”, proferida pela autoridade administrativa (“Autoridade de Segurança Alimentar e Económica”) resulta, muito em particular no segmento relativo à “culpa do agente”, que as “obrigações legais já se encontram previstas há tempo suficiente na ordem jurídica”, que as “regras não podem ser ignoradas e desprezadas por parte dos agentes económicos” e que verifica-se “a intenção ou vontade consciente e livre de realizar o facto, prevendo-o e aceitando-o como consequência possível da sua conduta”. Com base neste enquadramento, a autoridade administrativa conclui, expressamente, que a empresa recorrente “…, Lda.” actuou com “dolo eventual”, ou seja, que “(…) sabia, previu e aceitou a realização dos factos ilícitos, na medida em que sabia que estava obrigada a emitir documento comerciais contendo o número de registo do produtor (…)”. Para além de não subsistirem dúvidas que a contra-ordenação estava a ser imputada ao agente a título de dolo (refere-se, textualmente, que a empresa actuou com “dolo eventual”), a decisão administrativa, de igual modo, contém a descrição de um conjunto de factos de onde se pode concluir que a empresa cometeu dolosamente o ilícito de mera ordenação social. Consta da decisão proferida pela autoridade administrativa que “sabia que estava obrigada a emitir documento comerciais contendo o número de registo do produtor, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado (…)” ou que actuou com “a intenção ou vontade (…) de realizar o facto, prevendo-o e aceitando-o como consequência possível da sua conduta (…)”. Deste modo, verifica-se que não foram preteridas as garantias de defesa, na medida em que a recorrente “…, Lda.” Ficou plenamente inteirada, ao nível do enquadramento fáctico e de direito, da imputação (objectiva e subjectiva) que lhe foi dirigida pela autoridade administrativa (“Autoridade de Segurança Alimentar e Económica”). Cumpre o requisito da al. b) do n.º 1 do art. 63.º do DL n.º 9/2021, de 29-01 (e, de igual modo, o previsto pela al. b) do n.º 1 do art. 58.º do DL n.º 433/82), a decisão administrativa que contém uma descrição de factos, ainda que sucinta, relativos à imputação subjectiva da contra-ordenação (v.g. “sabia que estava obrigada a emitir documentos comerciais contendo o número de registo do produtor, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado”), para além de deixar consignado, textualmente, que a empresa recorrente agiu com dolo eventual, o que lhe permitiu estruturar, de modo efectivo, a sua defesa. Em face do exposto, a sentença recorrida deve ser confirmada e, em consequência, deve ser julgado improcedente o recurso apresentado na parte respeitante à alegada nulidade da decisão da autoridade administrativa, por falta de descrição do elemento subjectivo da contra-ordenação. 
 Mais: 
 A empresa recorrente “…, Lda.” veio também sustentar que não se encontram preenchidos os pressupostos da contra-ordenação tipificada pelo art. 65.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 28/84, pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada e ordenado o arquivamento dos autos. O Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação de Coimbra, entendeu que os factos provados preenchem integralmente a previsão dos arts. 65.º, n.º 1, al. a), e 68.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei 28/84 e que se mostra irrelevante para o efeito que tenha sido possível identificar o produtor hortofrutícola em causa. Apreciando e decidindo: Estabelece o mencionado art. 65.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 28/84, na redacção introduzida pelo DL n.º 9/2021, de 29/01, que nas “transações de bens ou na prestação de serviços, quando existam normas legais que imponham ou regulamentem a emissão de documentação respetiva, é punido por contraordenação económica grave, nos termos do RJCE (…) o vendedor ou prestador de serviços, pela falta de passagem dos documentos relativos à operação, a sua emissão com deficiência ou omissão dos elementos exigidos de modo que não representem fielmente as respetivas operações, bem como pela não apresentação dos correspondentes duplicados, sempre que exigidos pelas entidades competentes (…)”. Por seu turno, o Despacho Normativo n.º 246/94, de 18-04, previa no seu n.º 4 que os operadores de frutas e de produtos hortícolas devem “fazer constar nas embalagens e nos documentos comerciais relativos à comercialização das frutas e produtos hortícolas frescos o número de inscrição que lhes for atribuído pelo IPPAA”. De acordo com a matéria de facto (que, aliás, não pode ser sindicada por este tribunal de recurso, conforme resulta do disposto no art. 75.º, n.º 1, DL n.º 433/82, de 27-10) não subsistem quaisquer dúvidas que se mostram integrados todos os elementos constitutivos da contra-ordenação imputada à empresa e que a sua consumação não se encontra dependente da impossibilidade de identificação do operadores de frutas ou de produtos hortícolas, conforme, aliás, deixa assinalado o Senhor Procurador-Geral Adjunto. Resultou apurado, grosso modo, que a recorrente “…, Lda.” vendeu batata doce (produto hortícola) à empresa “…” e que da documentação relativa a essa transacção (guia de transporte e factura) não constava o seu número de produtor hortofrutícola. Essa factualidade mostra-se suficiente para se entender que a documentação, relativa à transacção de batata doce, foi emitida com deficiências, na medida em que, nem da guia de transporte, nem tão-pouco da correspondente factura, constava o número de produtor hortofrutícola que tinha sido atribuído à recorrente “…, Lda.”. Em face do exposto, nesta parte, confirma-se a sentença recorrida e, em consequência, julga-se improcedente o recurso apresentado pela empresa recorrente “…, Lda.”. Note-se ainda que a empresa não questionou que o Despacho Normativo n.º 246/94 tenha sido, entretanto, revogado pela Portaria n.º 273/2022, de 10-11 (art. 8.º) e que, de acordo com o disposto no art. 3.º, n.º 7, deste último diploma, os operadores de hortofrutícolas devem “fazer constar nas embalagens e nos documentos comerciais relativos à comercialização das frutas e produtos hortícolas frescos o número de registo que lhes for atribuído”, conforme deixa assinalado a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância. 
 Por último: A recorrente “…, Lda.” veio ainda defender que lhe deverá ser aplicada uma admoestação e que esta sanção, enquanto substitutiva da coima, pode ser aplicada a todas a contra-ordenações, independentemente da sua classificação como leve, grave ou muito grave. Para o efeito invoca o disposto no art. 58.º do DL n.º 433/82, de 27-10. Estando em causa uma contra-ordenação económica, como se viu, importa atender, também neste particular, ao regime específico constante do DL n.º 9/2021, muito em particular ao n.º 1 do art. 25.º, no qual se estabelece que “se a infração consistir em contraordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode a autoridade administrativa, em substituição da coima, limitar-se a proferir uma decisão de admoestação (…)”. Ao contrário do que sucede com o art. 51.º do DL n.º 433/82, de 27-10, que tem suscitado divergências interpretativas, no âmbito das contra-ordenações de natureza económica, a lei deixa consignado, de modo expresso, que a admoestação somente pode ser aplicada às contra-ordenações classificadas como leves. In casu, mostrando-se imputada a prática de uma contra-ordenação grave e não se encontrando apuradas circunstâncias demonstrativas de uma culpa diminuída ou atenuada, a pretensão apresentada está condenada ao insucesso. Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pela “…, Lda.” e, em consequência, decide-se confirmar integralmente a sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Peniche, ainda que com base em diferentes fundamentos. 
 III – DECISÃO: Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente “…, Lda.” e, em consequência, confirmar integralmente a sentença proferida nestes autos pelo Juízo de Competência Genérica de Peniche. C ustas a cargo da recorrente, fixando-se em 3 UCs. a taxa de justiça devida (art. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, em conjugação com o art. 8.º, n.º 9, do RCP e com a Tabela III anexa a este diploma legal). 
 Lisboa, 22 de Outubro de 2025 
 Paulo Registo Cristina Pêgo Branco Sandra Maria Rocha Ferreira 
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