Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | APLICABILIDADE DO ART.º 12.º-A DO CÓDIGO DO TRABALHO ESTAFETA PLATAFORMA DIGITAL PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO ÓNUS DE ILIDIR TRABALHO COM EFETIVA AUTONOMIA | ||
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Data do Acordão: | 06/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 11.º E 12.º-A DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
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Sumário: | I – É aplicável à relação jurídica estabelecida entre as partes com início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023 o artigo 12.º-A, do CT, aditado pela mesma.
II – Resultando da matéria de facto provada que o estafeta não realizou qualquer entrega durante 324 dias, exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de Abraveses, trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a atividade de estafeta para a ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma quando não está a exercer a mencionada profissão e tem disponibilidade e vontade para o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra a frequentar, impõe-se concluir que a Ré logrou provar que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar, pelo que, ilidiu a presunção de contrato de trabalho prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A do CT. III – Recorrendo ao método indiciário, mesmo que se entenda que o estafeta está inserido na organização da Ré, tal não dispensa a verificação de obediência às ordens ou instruções quanto ao modo de execução da prestação, a sujeição a regras de conduta (artigo 11.º do CT – contrato de trabalho, no âmbito de organização e sob a autoridade). (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
O Ministério Público
intentou a presente ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho relativamente ao prestador AA, contra
Uber Eats Portugal, Unipessoal, Ldª, com sede em Lisboa
alegando, em síntese que: Em 28 de abril de 2023, o estafeta inscreveu-se na plataforma da ré, a qual lhe disponibilizou a sua aplicação digital “Uber Eats”, aplicação necessária e imprescindível para o exercício daquela atividade; a Ré sempre exerceu o poder de direção, supervisão e fiscalização da forma de execução do trabalho do estafeta AA, mediante programação algorítmica; a Ré determinou-lhe que usasse um smart phone com ligação à internet, com geolocalização sempre ativa para controlo da sua localização e supervisionamento da sua atividade, que fizesse uso de uma mochila adequada para o transporte de alimentos, que fizesse registo/login diário do seu registo facial várias vezes, que se apresentasse bem e fosse educado com os utilizadores e que não se podia fazer substituir por outro estafeta; o vínculo existente entre AA e a Ré constitui um verdadeiro contrato de trabalho, conforme disposto no artigo 12.º-A, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), do CT. Termina formulando o seguinte pedido: “Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente: - ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, entre a Ré e AA, com início em 28.04.2023.” A Ré contestou alegando, em sinopse, que: Não é aplicável a presunção estabelecida no artigo 12.º-A do CT; não foram enunciados factos nem provas que permitam a qualificação da Uber Eats como plataforma digital; o prestador exerce a sua atividade na plataforma Uber Eats através de um intermediário; não se verificam as características de contrato de trabalho elencadas no artigo 12.º-A, n.º 1, do CT; não existe subordinação jurídica do prestador de atividade em relação à Ré, devendo julgar-se o pedido do A. improcedente, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do CT. Termina dizendo que: “Termos em que: i) se deverá absolver a Ré da instância, por procedência da exceção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público; ii) subsidiariamente, se deverá julgar o pedido do Autor improcedente, por não provado; e iii) subsidiariamente, se deverá julgar o pedido do Autor improcedente, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.” Foi deferido o incidente de intervenção provocada dos intermediários BB e A..., Lda. e que, citados, vieram contestar, terminando o seu articulado dizendo: O primeiro: “Requer (…) a exclusão do Réu incidental BB, do pedido, como todas as consequências legais.” E a segunda: “Nestes termos (…) deve a presenta acção ser JULGADA IMPROCEDENTE por NÃO PROVADA e, consequentemente, a chamada/Ré, ser ABSOLVIDA DO PEDIDO. Subsidiariamente, deve-se julgar o pedido do Autor IMPROCEDENTE por NÃO PROVADA a presunção de existência de contrato de trabalho prevista nos artigos 12.º e 12.º-A, n.º 1 do Código do Trabalho.” * De seguida, foi proferido despacho saneador e julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e passiva e de prescrição arguidas pelo interveniente BB, bem como a exceção dilatória inominada de preterição do direito de pronúncia arguida pela Ré. Foi identificado o objeto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova. * Procedeu-se a julgamento conforme consta da respetiva ata. Foi, então, proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face de tudo o exposto, julgo improcedente a presenta acção e, em consequência, absolvo a ré e os intervenientes principais do pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo existente entre os mesmos e AA.” O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: (…). A Ré Uber Eats apresentou resposta concluindo que: (…). Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. II – Questões a decidir: Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso. Questão prévia: A Ré recorrida, na sua resposta, veio alegar que: - A sentença do Tribunal a quo atribuiu à ação o valor de € 2.000,00, no entanto, atenta a parte inicial do artigo 186.º-Q, n.º 1, do CPT, resulta que o mesmo releva “[p]ara efeitos de pagamentos de custas (…)”, e não para a determinação do valor da causa. - Nas ações de reconhecimento de existência de contrato de trabalho estamos perante uma ação de interesse público, de defesa da legalidade e do combate aos “falsos” contratos de prestação de serviços e recibos verdes. - A sentença recorrida deveria ter atendido em especial ao artigo 303.º n.º 1 do CPC, que refere que, se estiverem em causa interesses imateriais, a ação considera-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação mais €0,01. - Assim, deverá ser atribuída à ação o valor de € 30.000,01. Vejamos: A Ré recorrida não interpôs recurso da sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, nomeadamente, quanto ao valor fixado à ação. Pelo exposto, tal decisão transitou em julgado, nada mais se impondo dizer. * Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo Autor recorrente, quais sejam: * b) - Discussão Mais alega o recorrente que: - Da matéria de facto dada como provada, designadamente da alínea w) resulta que foi considerado provado que: AA pode decidir o local onde presta a sua atividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de atividade, não estando tal alteração dependente de aceitação da ré. – Contudo da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não era possível considerar provado que o estafeta é livre para alterar a sua zona de atividade. – Deveriam ter sido considerados provados os factos que constam como não provados sob os números 2, 3, 5, 8, 11 e 13. É a seguinte a matéria de facto provada e não provada descrita nos pontos em análise: Provada Alega o recorrente que é aplicável o disposto no artigo 12.º-A, do CT à relação estabelecida entre o estafeta e Ré. Por outro lado, na sentença recorrida decidiu-se pela não aplicação do mesmo normativo. Apreciando a pretensão do recorrente: Por força da Lei n.º 13/2023, de 03/04, foi aditado ao Código do Trabalho o artigo 12.º-A que, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”, estabelece: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. (…)>> No entanto, por força do disposto no artigo 35.º da citada Lei n.º 13/2023 (aplicação no tempo), <<ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento.>> A propósito da aplicação da citada lei no tempo decidiu o STJ, no acórdão de 15/05/2025, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: <<7. Sobre a aplicação das leis no tempo há a considerar, desde logo, os princípios gerais constantes do art. 12º do Código Civil, que tem o seguinte teor: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor” 4. Especificamente sobre a matéria ora em discussão no recurso, atinente à aplicação no tempo do art. 12.º-A, do CT, rege o art. 35º da referida Lei n.º 13/2023: “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento”. No essencial, esta disposição legal encontra-se alinhada com o disposto no art. 7º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, relativo à aplicação no tempo do Código do Trabalho de 2009 [“Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho (…) celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”], afigurando-se-nos que aos segmento finais destas duas norma, pese embora a diferente técnica legislativa (onde agora se diz “… anteriores àquele momento”, dizia-se antes “… totalmente passados anteriormente àquele momento”), deverá ser atribuído o mesmo sentido. 8. Incontornavelmente, sobre esta matéria, refere Joana Nunes Vicente5: “[A] norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado”. Na verdade, in casu não estão em discussão as condições de validade das relações jurídicas estabelecidas entre as partes, nem, sequer, os efeitos jurídicos de factos/situações (totalmente) anteriores à entrada em vigor da lei nova. Do que se trata é – relativamente a cada um dos autores – de determinar as regras em função das quais se afere a qualificação jurídica de dada situação (jurídica), traduzida na prestação duradoura de uma atividade produtiva, situação que, no tocante a todos eles, perdurou para além do momento da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023. Nesta perspetiva, sobre a aplicação no tempo das normas relativas às presunções legais, Baptista Machado sustenta que, em geral, “elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos (…) com ressalva apenas daquelas hipóteses em que uma presunção legal (…) se refira aos pressupostos de uma SJ [situação jurídica] inteiramente nova (…)”6. Deste modo, encontrando-se em causa relações jurídicas duradouras (como acontece nas situações reportadas nos autos), nada obsta, e tudo aconselha, a que aos diferentes factos praticados em execução do conjunto de cada programa contratual sejam aplicáveis as normas concernentes a presunções de laboralidade que estejam em vigor à data da respetiva produção. Com efeito, se com a presunção de laboralidade apenas se visa facilitar a qualificação jurídica das situações de fronteira entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, e sabido que com ela não se produz qualquer alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, mas (com base em imperativos de verdade/justiça material e de combate à dissimulação do contrato de trabalho e à precariedade) o mero aligeiramento do ónus que sobre o trabalhador impende neste âmbito7, não se vislumbram quaisquer razões de segurança/estabilidade jurídica – e muito menos de salvaguarda de eventuais direitos adquiridos ou de proteção da confiança – que determinantemente imponham diversa solução. Nas palavras de Monteiro Fernandes, “afigura-se difícil aceitar que um instrumento destinado a potenciar as probabilidades de [a] verdade material ser captada e juridicamente enquadrada possa constituir fator de desequilíbrio no desenvolvimento de qualquer litígio em que essa qualificação esteja em causa”8. É certo que, nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem limitado a aplicação da lei nova aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando ao longo do tempo9. Mas, no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que ao autor seja de exigir prova positiva dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução. Tudo para concluir que, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).>> Pois bem, em casos semelhantes ao dos presentes autos este tribunal decidiu pela inaplicabilidade da presunção de laboralidade constante do artigo 12.º-A do CT à relação jurídica estabelecida entre as partes com início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023 (01/05/2023), no seguimento da jurisprudência consolidada do STJ, no entanto, tendo em conta o ora decidido pelo mesmo Tribunal, revemos a nossa posição. Assim, é aplicável à relação jurídica existente entre o estafeta AA e a Ré a presunção de laboralidade constante do artigo 12.º-A, do CT.
3ª questão Vejamos, então, se na relação existente entre o prestador de atividade AA e a plataforma digital Uber Eats se verificam algumas das características enunciadas no n.º 1 do referido artigo 12.º-A. A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte: “Independentemente das reservas que a técnica legislativa utilizada na redacção da norma suscita, e que não cabe aqui escalpelizar, afigura-se que, à luz da definição legal, pode concluir-se que a ré integra o conceito de plataforma digital, já que disponibiliza serviços à distância, através de meios electrónicos, a pedido de utilizadores, envolvendo como componente necessária e essencial a actividade dos estafetas, gerindo, assim, um serviço de entregas asseguradas por estafetas, como AA, fazendo a ligação entre comerciantes (os que fornecem produtos) e clientes (os que adquirem esses produtos), prestada de forma onerosa. Além disso, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo retratados nos factos provados, o estafeta em causa estava a desempenhar a sua actividade para a plataforma gerida pela ré. Assim, resta analisar se a factualidade provada permite a verificação das circunstâncias elencadas no art.12.º-A, n.º1 do Código do Trabalho. Vejamos. alínea a) - a plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efectuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela No caso vertente quando é proposta uma entrega na App administrada pela ré, o estafeta pode consultar o valor que lhe é apresentado a título de taxa de entrega, a qual corresponde à contrapartida que lhe é devida, cujo quantitativo decorre da intervenção de três factores (saliente-se que não decorre da materialidade provada que tais estipulações contratuais sejam divergentes da forma como o contrato foi executado na prática) e lhe é pago de forma agregada, numa base semanal, no caso através de um parceiro de frota por si escolhido. A aplicação apresenta aos estafetas o preço do serviço quando lhes é oferecido, calculado de acordo com um valor base, compensação pela distância e pelo tempo despendido na realização do serviço de entrega. Acresce que os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de o terem realizado. Tal significa que é a ré quem fixa a remuneração devida ao estafeta pelo serviço por ele prestado, não sendo suficiente para afastar conclusão a circunstância de o estafeta poder fixar um valor da taxa mínima por quilómetro. Assim, como padrão, a plataforma estabeleceu o preço, não sendo a circunstância de o estafeta poder aumentar a taxa mínima por quilómetro que afasta tal regra. Veja-se que na eventualidade de o estafeta fixar uma taxa mínima por quilómetro muito elevada é preterido por outros estafetas que não o façam e no limite vê-se forçado a aceitar o preço estipulado pela ré, sob pena de não conseguir realizar a sua actividade, o mesmo sucedendo se recusar, como pode fazer, a realização de entregas pelo valor indicado pela plataforma. Perante o que fica dito afigura-se-nos que se pode concluir que a plataforma digital fixa a quantia para a actividade efectuada na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos, pelo que a circunstância prevista na alínea a) se encontra preenchida. Não se afigura, pois, que se possa concluir que a ré conforma a prestação concretamente devida pelo estafeta, controlando o modo como esta é realizada, e, nessa medida, não se encontra preenchida a circunstância prevista na alínea b). alínea c) - a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da actividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da actividade prestada, nomeadamente através de meios electrónicos ou de gestão algorítmica Conforme acima referido, assiste ao estafeta liberdade de escolher a rota para efectuar as suas entregas, sem que esteja obrigado a observar limites de tempo, ou adstrito à utilização dos sistemas de ajuda à navegação que lhe são propostos pela aplicação. Também já se referiu que os estafetas gozam de liberdade de escolha da forma como se apresentam nas entregas, sem que estejam sujeitos a uma avaliação por parte dos clientes ou pela ré, que afecte as propostas que lhe serão apresentadas ulteriormente. É certo, contudo, que, para que sejam distribuídos pedidos na plataforma, AA tem que se colocar online - iniciando sessão, com os dados móveis ligados e a localização activada -, passando a plataforma a saber a sua localização, além de que o GPS associado à plataforma permite o acompanhamento do trajecto desenvolvido pelo estafeta entre os locais de recolha e de entrega, quer pela ré, quer pelo cliente. Pela própria natureza da actividade em causa, facilmente se conclui que o conhecimento da localização do estafeta é essencial para a plataforma, dado que só assim poderão ser direccionados os pedidos, bem como que tal localização se mostra de extrema utilidade para o cliente, de forma a que este possa acompanhar a evolução do pedido que efectuou e o tempo de entrega. No entanto, demonstrou-se que, após a recolha do pedido e durante a execução da entrega, o estafeta pode desactivar a geolocalização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização. Deste modo, o estafeta não é permanentemente monitorizado através de geolocalização, dado que esta pode estar muitas vezes desactivada. No mais, não ficou provado que a plataforma disponibilize aos utilizadores clientes um mecanismo de avaliação da actividade dos estafetas, através do qual os clientes possam avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho. A este propósito resultou demonstrado que os clientes apenas têm na aplicação uma opção que, com a aposição de um sinal, lhes permite informar se a pessoa que realizou a entrega foi o estafeta incumbido de o fazer, não condicionando a utilização de tal opção o valor a receber pelas entregas realizadas ou determinando que seja seleccionado para receber futuras propostas de entregas, pelo que não tem qualquer efeito sobre a actividade dos estafetas, não afectando a oferta de entregas, nem a livre utilização da plataforma por quem se encontra nela registado. Por fim, não se provou que a ré tenha mecanismos de controlo sobre a actividade do estafeta, através da avaliação feita pelos utilizadores do serviço por esta prestado, tanto os clientes, como os estabelecimentos comerciais, ou que a ré aplique sanções/penalizações ao estafeta, em caso de atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade e recusa de pedidos. Desta feita, a circunstância prevista na alínea c) não se encontra preenchida. alínea d) - a plataforma digital restringe a autonomia do prestador de actividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar actividade a terceiros via plataforma O relacionamento estabelecido entre AA e a ré assenta na total liberdade de escolha por este dos dias e horários em que faz entregas - dentro do horário de funcionamento da plataforma, sem que daqui decorra qualquer constrangimento ou imposição quanto ao horário de trabalho, na medida em que se trata do horário de funcionamento da plataforma -, decidindo, em cada dia, se vai efectuar entregas e, em caso afirmativo, em que período, podendo não se ligar à aplicação durante o período de tempo que quiser, incluindo meses seguidos, sem que daí resultem quaisquer penalizações. A este propósito, desde logo, resultou demonstrado que AA exerce a profissão de auxiliar de acção directa na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a actividade de estafeta através da plataforma gerida pela ré, frequentando também o ensino superior. Mais ficou provado que AA se dedica à actividade de estafeta, fazendo entregas da ré, mais tendo em simultâneo realizado entregas para outra plataforma, quando não está a exercer a mencionada profissão e ocupado com as actividades lectivas, e, segundo as suas próprias palavras, tem disponibilidade para o efeito. Saliente-se que no período de um ano AA permaneceu 324 dias sem realizar qualquer entrega, sem que tenha sofrido qualquer penalização decorrente de tal facto. Além disso, a sua liberdade de actuação permite-lhe aceitar ou recusar ofertas de entregas que lhe sejam propostas pela aplicação, podendo, inclusivamente, recusar uma entrega após a ter aceite, sem que se tivesse apurado qualquer situação em que o estafeta pretendesse efectuar uma determinada entrega e tivesse sido impedido pela plataforma, vedando o acesso ao cliente ou à sua conta. Acresce que ficou demonstrado que o estafeta pode subcontratar a sua conta e fazer-se substituir por terceiros que estejam registados na realização de entregas, além de poder, livremente e sem necessidade de comunicação à ré, realizar a mesma actividade de entregas para plataformas concorrentes ou desempenhar outros serviços, como aconteceu no caso em apreço. Por fim, não resultaram demonstrados quaisquer factos que demonstrem a aplicação de sanções/penalizações por parte da ré ao estafeta, em virtude da forma como este realizou os serviços de entrega. Na verdade, sendo certo que é a APP da Uber que permite o acesso dos estafetas aos estabelecimentos comerciais, nomeadamente de restauração, aderentes e parceiros daquela plataforma digital, bem como aos clientes finais/consumidores a quem fazem as entregas, impõe-se concluir que a APP pertença da Ré é o principal e determinante instrumento de trabalho dos estafetas, posto que sem ela estes não têm acesso aos pedidos, aos parceiros da Ré nem aos clientes finais, tendo pouca relevância o facto de o telemóvel, da mochila e do veículo serem pertença do prestador de atividade o que, aliás, constitui uma exigência da Ré para a prestação da atividade na sua plataforma[2]. Na verdade, como resulta da matéria de facto provada, os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma e apenas conseguem efetuar entregas de pedidos feitos na plataforma da Ré inseridos na mesma. Pode questionar-se se a plataforma digital, em si mesma, pode classificar-se como equipamento ou instrumento de trabalho, visto não se tratar de um bem corpóreo. Acontece que o que é utilizado para prestar a atividade é a aplicação informática da Ré, um software que, pese embora não possa ser considerado um bem corpóreo tal como este se encontra descrito no artigo 1302.º do CC, tal não impede que o mesmo seja objeto do direito de propriedade (propriedade intelectual), como direito de autor (bem imaterial), sujeito a legislação especial, ou seja, ao disposto no DL 252/94 de 20/10, que estabelece a proteção jurídica de programas de computador, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 91/250/CEE, do Conselho, de 14 de Maio, relativa ao regime de proteção jurídica dos programas de computador. Desta forma, a circunstância prevista na alínea f) do artigo 12.º-A do CT também se encontra verificada. Aqui chegados, verificando-se as características previstas nas alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT, impõe-se concluir que se encontra constituída a presunção da existência de um contrato de trabalho entre o prestador de atividade AA e a Ré Uber Eats. Acontece que, conforme resulta do n.º 4 do artigo 12.º-A do CT, a presunção prevista no n.º 1 do mesmo normativo pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “Tendo em conta a noção legal de contrato de trabalho e verificados os concretos factos provados, afigura-se que o modo como o estafeta exerce a sua atividade detém demasiadas caraterísticas de autonomia e liberdade, que impedem que se conclua pela existência de subordinação jurídica à ré. Conforme resulta da factualidade apurada, o estafeta é absolutamente livre de escolher a área geográfica onde pretende exercer a sua actividade, bem como o seu período e horário de trabalho, já que decide, conforme entende, as horas, os dias e até os meses em que realiza entregas, sem qualquer imposição por parte da ré, seja a nível mínimo de entregas ou, sequer, de ligação à aplicação, ou qualquer sanção ou penalização. Pode estar sem aceder à plataforma o tempo que entender, sejam horas, dias ou meses, sem que tenha que, sequer, comunicar à ré e sem que sofra qualquer penalização por essa ausência, designadamente menor oferta de propostas de entrega, bastando que se ligue novamente à aplicação para (re)começar a receber tais propostas. Veja-se que no período de um ano AA não realizou qualquer entrega durante 324 dias, sem que tivesse sofrido qualquer penalização por parte da ré quando decidiu voltar a fazer entregas. Além disso, é totalmente livre na prestação da sua actividade, dado que é o próprio quem, perante uma proposta de entrega, decide se aceita ou recusa efectuar tal entrega, podendo recusar mesmo após ter inicialmente aceite, sem que sofra qualquer penalização. Apesar de ter que disponibilizar a sua localização para receber propostas de entrega, tal necessidade é compreensível face à actividade desenvolvida pela ré, de forma a serem apresentadas as propostas ao estafeta que se encontre mais próximo do ponto de recolha, sendo que, após a aceitação da entrega e sua recolha, pode desligar a localização e o GPS e mantê-la desligada até terminar essa entrega. Não é obrigado a apresentar-se de determinada forma ao nível da indumentária e identificação, não tem que observar regras de protocolo na entrega ou na interacção com os clientes, podendo escolher qual o veículo em que faz as entregas, os itinerários que percorre entre o ponto de recolha e o ponto de entrega, bem como se quer ou não usar sistema de navegação e, em caso afirmativo, escolher qual. Ainda que o valor da contrapartida pela execução do serviço seja estabelecido em critérios pré-definidos pela ré, tal definição depende também do próprio cliente e da escolha que este faça e do próprio estafeta, que tem também a possibilidade de conformar tal valor com o ajuste que entenda com a fixação de uma taxa mínima por quilómetro, tendo prévio conhecimento da contrapartida oferecida pela execução de uma proposta de entrega, podendo, assim, aceitá-la ou recusá-la. Apesar de se ter demonstrado que a ré, com grande amplitude decisória, pode impedir o acesso dos estafetas à aplicação, quando se verifique um incumprimento contratual, não se pode olvidar que tal acesso também pode ser vedado a clientes e comerciantes, sendo que estes últimos também poderão sentir fortes penalizações económicas com esse bloqueio, em virtude da potencial redução de encomendas. Acresce que o estafeta não depende de qualquer superior hierárquico, não devendo obediência a qualquer pessoa. Outra circunstância que aponta para a inexistência de subordinação jurídica é o facto de os estafetas, nos quais se inclui AA, não terem obrigação de exclusividade para com a aplicação administrada pela ré, podendo desempenhar a mesma actividade para outra plataforma concorrente, como, aliás, aconteceu no caso concreto, ou por si próprio, sem recurso a qualquer aplicação, ou desempenhar quaisquer outras actividades. A este propósito resultou demonstrado que AA exerce a profissão de auxiliar de acção directa na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a actividade de estafeta para a ré. Mais ficou provado que AA se dedica à actividade de estafeta, fazendo entregas da ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma, quando não está a exercer a mencionada profissão e, segundo as suas próprias palavras, tem disponibilidade o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra também a frequentar. Ora, é inconcebível o reconhecimento de um contrato de trabalho quando o prestador da actividade desempenha as funções quando “tem disponibilidade e vontade” para o efeito. É ainda de salientar o facto de o estafeta poder subcontratar a sua conta ou fazer-se substituir por terceiros na prestação da sua actividade, sem necessidade de autorização da ré, o que é bem demonstrativo que o que interessa à ré não é a actividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua actividade, característica do contrato de prestação de serviços. Do que resultou demonstrado é que para a ré é indiferente quem presta o serviço em causa, não lhe interessando propriamente a prestação de um tempo de trabalho pré-determinado pelo estafeta em concreto. O que lhe interessa é que os estafetas que se encontram ligados à aplicação, entre eles AA, procedam às entregas que sejam solicitadas na aplicação, sendo-lhe, em larga medida, irrelevantes a identidade de quem as realiza e forma como tais entregas são realizadas. Razão pela qual no contrato existente entre ré e AA se antevê a existência mais de uma obrigação de resultado (de entrega dos produtos que aceitar transportar) do que de meios (de proceder à prestação de actividade de uma determinada forma e num período temporal previamente definido para proceder a tais entregas). Deste modo, a ré logrou demonstrar que o estafeta AA executa a sua actividade com efectiva autonomia, sem estar sujeito a qualquer poder de direcção ou poder disciplinar por parte da ré - art.12.º-A, n.º4 do Código de Trabalho.” – fim de transcrição. Vejamos: Tendo em conta a matéria de facto provada, também nesta parte acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer. Não desconhecemos o recente acórdão do STJ, de 28/05/2025, e no qual se concluiu no sentido de a Ré não ter logrado ilidir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital. Acontece que nesse caso está assente que se encontram verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A, do CT, considerando-se os índices de subordinação previstos nas alíneas a) e c) especialmente fortes, “uma vez que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais na relação laboral”, bem como que o estafeta trabalhou regularmente, em regra diariamente, desenvolvendo a sua atividade num quadro de regras específicas definidas pela empresa, a qual também controla e supervisiona a atuação da contraparte, tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da conta. Ora, como resulta da matéria de facto provada e do que ficou dito, no caso em análise apenas se encontram verificados os índices das alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT, o estafeta não realizou qualquer entrega durante 324 dias, exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a atividade de estafeta para a ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma quando não está a exercer a mencionada profissão e tem disponibilidade para o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra a frequentar. Como se decidiu no acórdão da RG, de 08/05/2025, disponível em www.dgsi.pt: <<(…) 2. Para ilidir a presunção não basta a mera contraprova que coloque em dúvida a existência da relação laboral, ao invés impõem-se que da factualidade apurada se possa concluir que apesar da verificação dos índices caracterizadores da relação laboral, a relação concretamente existente tem uma natureza diversa, designadamente poderá tratar-se de uma relação de prestação de serviços. 3. Para ilidir a presunção importa averiguar se a Ré logrou provar, no caso concreto, se o estafeta, apesar das condições impostas, desprovidas de qualquer negociação, pela Ré/Recorrente, tendo em conta o modelo de negócio em causa, ainda assim, dispõe de tal liberdade, que por um lado, não permite que a estrutura organizativa da Ré/Recorrente possa contar com a sua prestação como elemento disponível e útil na sua organização, e por outro que o estafeta não esteja dependente no que respeita ao seu sustento, do rendimento proveniente de tal atividade. 4. A factualidade apurada permite-nos concluir que o AA exerce a atividade de estafeta através da Plataforma da Ré, com efetiva autonomia, ligando-se apenas à hora do jantar, quando tem disponibilidade, para completar o rendimento que mensalmente aufere como trabalhador por conta de outrem, podendo afirmar-se com relativa segurança, que nem o AA se considera integrado na estrutura organizativa da Ré, como esta também não pode contar com a disponibilidade concreta deste parceiro para gerir a sua de mão de obra disponível, indispensável à prossecução do seu negócio. Daqui resulta que a Ré logrou ilidir a presunção de laboralidade.>> Assim sendo, é nosso entendimento que a Ré logrou provar que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata, pelo que, ilidiu a presunção de contrato de trabalho prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A do CT.
4ª questão Se existe uma relação de trabalho subordinado entre o estafeta AA e a Ré Uber Eats. A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “A doutrina e a jurisprudência socorrem-se do método indiciário, que consiste em procurar, na situação real em apreço, os factos que normalmente andam associados à existência ou inexistência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito se traduz, passando cada um desses factos a constituir um indício que militará a favor, ou contra, a existência da dita subordinação. “A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objeto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma atividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço”6. Uma vez que a consideração da natureza da prestação a que um dos sujeitos se obriga ou a onerosidade da sua prestação não são critérios bastantes para afirmar a distinção entre as duas figuras contratuais, consolidou-se como critério distintivo a subordinação jurídica do trabalhador relativamente ao empregador7 - o trabalhador presta a sua actividade sob a autoridade e direcção da sua entidade patronal e no âmbito da sua organização. Os indícios mais significativos e utilizados - apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum dos indícios (isoladamente) assumir relevância decisiva - são os seguintes8: a) vontade real das partes quanto ao tipo contratual; b) objecto do contrato: - prevalência da actividade ou do resultado; - grau de (in)determinação da prestação; - grau de disponibilidade do prestador da actividade relativamente às determinações e necessidades de serviço da contraparte; - repartição do risco; c) momento organizatório da prestação: - pessoalidade da prestação; - local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho; - tempo de trabalho e férias; - tipo de remuneração (para além do mais, releva se o pagamento é feito por tempo de trabalho, à tarefa ou por unidade de tempo e se são pagas férias e subsídios de férias/Natal); - ocupação em exclusividade (ou não) e grau de dependência económica. - grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte [aferida em função da (não) presença dos seguintes factores: obediência a ordens e instruções directas do empregador quanto ao modo de cumprimento/execução da prestação; sujeição a normas organizacionais/regulamentares (incluindo regras de conduta); existência de antecedentes em termos de acção disciplinar). d) indícios externos: ▫ regime fiscal e de segurança social; ▫ sindicalização. Tratando-se de indícios, importa retirar da análise de todos eles “um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta e comparação dela com o tipo de trabalho subordinado»9. Por fim, tenha-se em conta que a natureza da relação jurídica que se estabelece entre as partes não está dependente da qualificação ou classificação que as partes fizeram (que terá relevo meramente indiciário), sendo necessária a ponderação global do conteúdo das estipulações contratuais e da concreta forma como o trabalho/serviço foi sendo executado na vigência da relação jurídica10, o que acabou por ser vertido no art.12.º-A, n.º3 do Código do Trabalho. Dão-se aqui por reproduzidas as considerações acima tecidas quanto às circunstâncias que permitiram dar como ilidida a presunção de laboralidade por parte da ré, acrescentando-se apenas o seguinte. A nosso ver não se pode afirmar que o estafeta em causa esteja integrado na organização empresarial da ré, pois que tal pressuporia que esta soubesse sempre quando poderia contar com o estafeta para lhe prestar serviços, o que, face à sua ampla autonomia, não sucede. Como resulta demonstrado na factualidade provada, a ré não controla onde é que o estafeta presta a sua actividade, não podendo dirigir o estafeta para locais onde se verifique maior procura ou que costumem ser escolhidos como pontos de recolha de produtos. Também não controla quando é que o estafeta presta a sua actividade, não detendo qualquer poder sobre a prestação da actividade efectuada, nem podendo dirigir a actividade deste (se este se liga ou não à aplicação ou, caso se ligue, se executa ou não as propostas de entrega, não estabelecendo períodos mínimos ou máximos de ligação), não lhe aplicando quaisquer penalizações ou sanções pela sua ausência - independentemente da sua duração -ou, estando ao serviço, pelas suas recusas às propostas de entrega que lhe são efectuadas pela aplicação. Ainda que se pudesse afirmar a integração do estafeta na organização produtiva da ré, dado que é certo que contribui para uma organização produtiva alheia, sendo o sistema de entregas arquitectado pela ré, com recurso à plataforma digital, e não tendo ainda ficado evidenciado que o estafeta dispunha de uma organização autónoma, ainda que incipiente, tal poderia constituir um indício relevante de laboralidade da relação estabelecida entre ambos. Todavia, tem que se ter em consideração a natureza da actividade desenvolvida, já que não se pode afirmar que esta concreta actividade - de recolha e entrega de produtos - envolva o recurso a meios produtivos muito significativos ou a uma grande complexidade organizativa, pelo que uma eventual estrutura empresarial não seria de relevo, sequer, mediano (basta pensar em alguém que se proponha a fazer entregas por si ou um serviço de mudanças, que anuncia na internet, bastará aguardar um contacto telefónico ou via email para efectuar tal serviço, sem que necessite de um estabelecimento comercial ou de uma estrutura de rectaguarda). Além disso, conforme acima referido, inexiste obrigação de exclusividade por parte do estafeta, que pode desenvolver a sua actividade de entregas para mais do que uma plataforma digital, como sucedeu no caso vertente, o que afasta o carácter de estabilidade na inserção de uma organização empresarial alheia, além de poder oscilar entre estruturas empresariais diversas à medida que vai realizando entregas para plataformas digitais diferentes, o que, hipoteticamente, pode ocorrer no mesmo dia, até mais do que uma vez. Veja-se ainda que AA exerce a profissão de auxiliar de acção directa na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a actividade de estafeta para a ré. Por outra parte, AA dedica-se à actividade de estafeta, fazendo entregas da ré, tendo em simultâneo realizado entregas para outra plataforma, quando não está a exercer a mencionada profissão ou ocupado com as actividades do ensino superior que também frequenta, e, segundo as suas próprias palavras, tem disponibilidade e vontade para o efeito, não sendo compreensível numa relação laboral que o prestador da actividade apenas desempenhe as suas funções quando “tem vontade”. Uma palavra ainda para a vontade real das partes quanto ao tipo contratual que estabeleceram. Se a posição da ré é clara nos termos que resultam do acordo denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”, mencionado em o) e p) dos factos provados, não pode deixar de considerar-se que AA disse, de forma peremptória e simples, que tal relação não configura um contrato de trabalho, salientando-se que não obstante tal afirmação não vincular o tribunal, não pode deixar de ser atendida para aferir o espírito com que o mesmo exerce a actividade de estafeta. Atento o que fica dito e considerando: a) a qualificação que as partes deram ao contrato que rege a actividade desenvolvida pelo estafeta; b) a possibilidade de o estafeta decidir quando faz entregas e em que horários, ligando-se para o efeito à aplicação, sem que seja penalizado por eventuais períodos de ausência, ainda que possam ser mais ou menos prolongados, sem que tenha de informar a ré dos períodos em que não se liga à aplicação, ou justificar os períodos de afastamento, organizando o seu tempo de acordo com a sua conveniência pessoal sem qualquer consideração pelos interesses da ré; veja-se que no período de um ano AA permaneceu 324 dias sem realizar qualquer entrega através da plataforma gerida pela ré, sem que esta lhe aplicasse qualquer penalização quando o mesmo decidiu voltar a fazer entregas; c) a possibilidade de o estafeta recusar fazer entregas, sem qualquer justificação; d) a autonomia que o estafeta possui na conformação da sua actividade, nos termos supra analisados; e) o valor da remuneração do estafeta ser também conformada por este, ao poder fixar, sempre que o entender, uma taxa mínima por quilómetro; f) a possibilidade de o estafeta se substituir livremente por outrem na prestação de actividade; g) a inexistência do dever de exclusividade do estafeta, que pode fazer entregas por conta de uma empresa concorrente da ré, como aconteceu com AA, por conta própria ou realizar quaisquer outras actividades; h) a escolha do estafeta na sua zona de actividade, que pode alterar, se assim o pretender, sem qualquer dependência de autorização por parte da ré; e i) a contratação, em nome próprio do estafeta, dos seguros necessários para desenvolverem a sua actividade afigura-se que a forma como a relação entre a ré e o estafeta se desenvolveu aponta no sentido contrário ao estabelecimento de uma presunção de laboralidade e no sentido de se estar perante um efectivo contrato de prestação de serviços. Tendo em conta os indícios acima elencados e procedendo à sua ponderação global, não se afigura que permitam, de forma segura e inequívoca, concluir que a relação mantida entre a ré e o estafeta em causa, AA, consubstancia um contrato de trabalho.” – fim de transcrição. * Pois bem, certo é que a era do trabalho digital trouxe novos desafios ao direito do trabalho e, como já vinha sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, alguns dos velhos indícios podem ter menor relevância para o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho no âmbito das plataformas digitais. No entanto, não podemos esquecer que é a existência de subordinação jurídica que distingue o contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços. Na verdade, como refere o Professor Leal Amado[3], os traços distintivos essenciais destas duas modalidades contratuais são: <<i) quanto ao conteúdo da obrigação, no contrato de prestação de serviço trata-se de proporcionar ao credor certo resultado do trabalho, ao passo que no contrato de trabalho está em jogo a prestação de uma actividade (o trabalhador promete uma actividade laboral, o prestador de serviço compromete-se a proporcionar um resultado do trabalho); ii) quanto à retribuição, esta é um elemento essencial e indefectível no contrato de trabalho (<<mediante retribuição>>), sendo um elemento meramente eventual no seio do contrato de prestação de serviço (<<com ou sem retribuição>>); iii) quanto às instruções do credor da prestação, no contrato de prestação de serviço não se faz qualquer menção às mesmas, ao passo que no contrato de trabalho o devedor presta a sua actividade <<sob a autoridade e direcção>>, ou <<no âmbito de organização e sob a autoridade>>, da contraparte.>> E, a propósito da definição legal de contrato de prestação de serviço, Monteiro Fernandes[4] refere que <<avulta, neste enunciado, a contraposição fundamental do resultado do trabalho (como objecto do contrato) à actividade, em si mesma, que caracteriza o contrato de trabalho. A colocação do acento tónico no resultado do trabalho significa, além do mais, que o processo conducente à produção dele, a organização dos meios necessários e a ordenação da actividade que o condicionam, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados – mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho. É claro que, em última análise, tais contratos se traduzem numa alienação de trabalho (o que, justamente, se incorpora no resultado devido) – só que esse trabalho não é dominado e organizado pelo beneficiário final (que apenas controla o produto), e sim por quem o fornece: trabalho autónomo, portanto.>> Assim, o núcleo da diferenciação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços está precisamente na existência ou não de trabalho subordinado. <<(…) No contrato de trabalho é ao credor (o empregador) que cabe programar, organizar, dirigir e fiscalizar a actividade do devedor (o trabalhador). Àquele cabe, com efeito, não apenas a distribuição das tarefas a realizar, como também a definição do como, quando, onde e com que meios o trabalhador as deve executar. É esta diferente posição que é designada, correntemente, por subordinação jurídica ou por supremacia jurídica, conforme se privilegie o lado passivo ou o lado activo da relação. Quer dizer, se a supremacia jurídica se analisa no poder de um organizar e dirigir a prestação do outro, a subordinação traduz-se no dever deste de conformar a actividade laboral prometida com as ordens e instruções daquele.>>[5]. De qualquer forma, por vezes, é difícil surpreender a já referida subordinação razão pela qual, teremos de atender às características específicas da atividade desenvolvida, bem como, à vontade das partes aquando da celebração do respetivo contrato. Como se decidiu no acórdão desta Relação de 09/11/2018, proferido no processo n.º 4003/17.4T8LRA.C1, ao que julgamos inédito[6]: <<Sabe-se que a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar. A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica. A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização) a que se aludem, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/12/2012, proferido no âmbito do processo 247/10.4TTVIS.C1.S1., de 9/2/2012, proferido no âmbito do processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, e de 5/11/2013, proferido no âmbito do processo 195/11.8TTCBR.C1.S1. Diga-se ainda que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.” Ora, ao contrário do alegado pelo recorrente, da matéria de facto provada não retiramos a existência de sujeição do estafeta a ordens, instruções ou regras relativas à forma de prestação da atividade, de controlo da qualidade da mesma nem de sanções quanto à forma como foi realizada. Antes se retira da mesma, como já referimos, uma prestação da atividade com autonomia, uma vez que o estafeta não realizou qualquer entrega durante 324 dias, exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a atividade de estafeta para a ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma quando não está a exercer a mencionada profissão e tem disponibilidade para o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra a frequentar, pese embora seja a plataforma da Ré que organiza o serviço. Na verdade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de plataforma digital e da sua aplicação informática para pedidos e entregas de bens alimentares e não alimentares e, para tal, recorre aos estafetas que não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma. No entanto, o facto de os estafetas terem de se inscrever na APP e de estarem ligados à mesma com sistema de geolocalização para receberem pedidos e aceitá-los não se nos afiguram regras específicas quanto à forma de prestação da atividade mas antes procedimentos necessários ao seu exercício e, assim, inerentes ao modo específico de exercício da mesma, o que também ocorre quanto à indicação dos locais de recolha e de entrega dos produtos. Dito de outra forma, não resulta da matéria de facto provada que a Ré exerce o poder de direção com a imposição de regras específicas quanto à prestação da atividade, que controla, dirige e fiscaliza a mesma. Na verdade, mesmo que se entenda que o estafeta está inserido na organização da Ré, tal não dispensa a verificação de obediência às ordens ou instruções quanto ao modo de execução da prestação, a sujeição a regras de conduta (artigo 11.º do CT – contrato de trabalho, no âmbito de organização e sob a autoridade). Como se decidiu no acórdão da RL, de 15/01/2025, disponível em www.dgsi.pt: <<Reconhecendo-se, embora, algum nível de integração do prestador de atividade na organização do beneficiário, sem que os autos revelem o exercício de poderes de autoridade por este, não se pode concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambos.>> No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da RE, de 16/01/2025, disponível em www.dgsi.pt: <<II – Não se demonstra a existência de um contrato de trabalho entre a plataforma digital e o prestador da atividade/estafeta se apenas se verifica uma das caraterísticas constantes do artigo 12.º do Código do Trabalho, de presunção daquele, e se apura, no essencial, (i) que o estafeta desenvolve a atividade na plataforma associado a um intermediário, pagando a ré, semanalmente, a este o valor devido pelas entregas, o qual, por sua vez, paga ao prestador o valor devido pelas entregas, menos 10% que retém para si, (ii) que a plataforma não intervém nos termos e condições da relação contratual entre o estafeta e o intermediário/“Parceiro da Frota”, designadamente na fixação do valor pago, sendo este que exclusivamente fatura à plataforma pela atividade do estafeta, (iii) que a plataforma não procedeu a qualquer processo de seleção do estafeta, e que a possibilidade de desativação da conta pela plataforma, ou de restrição à mesma, se prende apenas com violação de obrigações assumidas pelo estafeta e não com avaliação da qualidade do serviço por ele prestado, (iv) e que o estafeta se pode fazer substituir por outro estafeta registado na plataforma.>> Em suma, pelos motivos expostos, não ressaltam da matéria de facto provada indícios suficientes que permitam concluir, de forma segura, pela existência de uma relação laboral entre o estafeta AA e a Ré Uber Eats, tal como se decidiu na sentença recorrida. * Impõe-se, ainda, dizer o seguinte: Num outro processo relativo à Ré decidimos pela existência de um contrato de trabalho, no entanto, tratava-se de uma ação não contestada. E em vários processos de uma outra plataforma digital, a Glovo, também decidimos da mesma forma mas com base na presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital (artigo 12.º-A) e em factos não totalmente coincidentes com os dos presentes autos. Na verdade, no caso em análise, tendo em conta a matéria de facto provada foi ilidida a presunção prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A do CT e a abordagem do método indiciário (a apreciação dos factos provados com vista ao reconhecimento dos indícios), não se basta com uma presunção, antes assenta na prova, por parte do Autor, da já referida autoridade, da subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho. Desta forma, na improcedência das conclusões do recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade. * * IV – Sumário[7] (…). * * V - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida. * * Sem custas por delas estar isento o Ministério Público. * * Coimbra, 2025/06/13 ____________________ (Paula Maria Roberto) ___________________ (Felizardo Paiva) _____________________ (Mário Rodrigues da Silva) [1] Relatora – Paula Maria Roberto Adjuntos – Felizardo Paiva – Mário Rodrigues da Silva [2] Esta alínea f) refere “instrumentos de trabalho”, no entanto, atenta a relevância da APP da Ré, é nosso entendimento que esta, por si só, determina a verificação de tal circunstância. [3] Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 64. [4] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 143 e segs. [5] Jorge Leite, Direito do Trabalho, Vol. II, SASUC, Coimbra, 1999, pág. 46. [6] E no qual a ora relatora interveio como 2ª adjunta. [7] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora. |