Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
193/21.3JALRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: IMEDIAÇÃO E ORALIDADE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES COMETIDO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TENTATIVA E CONSUMAÇÃO
ALTERAÇÃO DA INCRIMINAÇÃO A ARGUIDO NÃO RECORRENTE
COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA INCRIMINAÇÃO
REINCIDÊNCIA
REGIME PENAL DOS JOVENS DELINQUENTES
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 4
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS DOS ARGUIDOS AA, BB, CC E DD E CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS DOS ARGUIDOS EE E FF
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º, 187.º A 189.º, 358.º, N.º 3, 402.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 22.º, 50.º, 75.º, N.ºS 1 E 2, E 76.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 21.º, 22.º, 24.º, ALÍNEA H), 25.º E 26.º DO DEC. LEI Nº 15/93, DE 22 DE JANEIRO
ARTIGO 4.º DO D.L. N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO
Sumário: I - A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso só pode criticar demonstrado que seja que ela é inadmissível face às regras da experiência comum.

II - É prova directa o relato, feito pela testemunha, do que ouviu dizer ao arguido.

III - As intercepções telefónicas, feitas em tempo real, nos termos dos artigos 187.º a 189.º do C.P.P., determinadas depois de realizadas vigilâncias por parte do órgão de polícia criminal, são legais, inexistindo qualquer vício que as afecte e, consequentemente, que afecte a sua valoração.

IV - Os actos relevantes para efeito de tentativa não são definidas pelo tipo legal de crime, mas resultam do artigo 22.º do Código Penal.

V - Os tipos de tráfico previstos na lei assentam na gravidade relativa de cada conduta e não na factualidade típica que, basicamente, se mantém idêntica em todos eles.

VI - O crime do artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, traduz-se numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, que é a saúde pública, mas a consumação exige que se dê por provada, pelo menos, uma das ocorrências referidas na norma, não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.

VII - O agravamento do crime de tráfico cometido em estabelecimento prisional visa conferir protecção reforçada das finalidades da reclusão, ligadas à saúde física e psíquica, e à reinserção social da população prisional, particularmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes.

VIII – As circunstâncias agravantes previstas no artigo 24.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não são de aplicação automática, exigindo a análise do caso concreto a fim de se saber se há uma ilicitude acentuada dos factos na sua globalidade justificativa de tal agravação.

IX - O tráfico de menor gravidade, do artigo 25.º, não significa que se esteja perante um caso de gravidade necessariamente diminuta, antes tem por objectivo permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes de elevada gravidade, encontre a medida justa da punição em casos que, porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21.º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º, que nem sempre seria viável e ajustada com recurso aos mecanismos gerais da atenuação especial da pena, dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.

X - A concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais

XI - A Relação não tem que comunicar a alteração da qualificação jurídica dos factos, quer a arguidos recorrentes, quer a não recorrentes, quando se trate de um “minus” relativamente à condenação.

XII - É possível, em situação de co-autoria por crime de tráfico de estupefacientes, um arguido ser condenado nos termos do artigo 21.º e outro ser condenado pelo artigo 25.º.

XIII - Quando o tribunal de recurso conhece oficiosamente de vício do artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., deve conhecê-lo relativamente a co-arguido acusado em comparticipação que não tenha recorrido.

XIV - Para além dos pressupostos formais constantes do artigo 75.º do Código Penal, a verificação da reincidência exige o pressuposto material de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

XV - Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não adere totalmente à distinção entre drogas duras e leves, a verdade é que, no preâmbulo, refere uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas, daí extraindo efeitos no tocante às sanções.

XVI - A atenuação especial prevista no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro, não decorre automaticamente da idade, sim de um prognóstico favorável à reinserção social do jovem condenado, radicada, caso a caso e em face da personalidade do agente, na sua conduta anterior e posterior ao facto, na natureza e modo de execução do ilícito e na apreciação dos seus motivos determinantes.

Decisão Texto Integral: *

RECURSO Nº 193/21.3JALRA.C2
Processo Comum Colectivo
Crime de Tráfico de Estupefacientes
Nulidades de acórdão
Vícios da matéria de facto
Erro de julgamento
Tentativa ou Consumação
Tipos legais cometidos – artigos 21º, 24º e 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1
Medida da pena – suspensão ou não da execução da pena de prisão
Reincidência e atenuação especial por aplicação do Regime Penal para Jovens
Extensão de recurso a arguido não recorrente
Juízo Central Criminal de Leiria – Juiz 4
Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
            1. AS CONDENAÇÕES RECORRIDAS

No processo comum colectivo nº 193/21.3JALRA do Juízo Central Criminal da Comarca de Leiria (Juiz 4), por acórdão datado de 14 de MARÇO de 2024, foi – e na parte que importa à decisão[1] deste recurso – decidido: 
1. «Condenar o arguido DD, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, al.h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, como reincidente,  na pena de 7 (sete) anos de prisão;
2. Condenar a arguida AA, pela prática  em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, al.h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
3. Condenar o arguido  BB, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, al.h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
4. Condenar a arguida  CC, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, al.h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão;
5. Condenar o arguido GG, pela  prática em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
6. Condenar o arguido EE, pela  prática em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, e como reincidente, na pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão;
7. Condenar o arguido FF pela  prática em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses e prisão, suspensa na sua execução por igual periodo e sujeita a regime de prova».

2. Surge este acórdão na sequência da anulação que esta Relação, por acórdão datado de 25.9.2024, fez do primitivo aresto do JCC de Leiria, datado de 14.3.2024.
A anulação teve como base a falta de adequado exame crítico das provas e a falta de ponderação da aplicação, ao arguido FF, do Regime Penal Especial do DL 401/82, de 23.9, além do seguinte:
«Na fundamentação de Direito, nem uma palavra é dita sobre as seguintes questões jurídicas que se podem aqui colocar (aliás, abordadas em alguns dos seis recursos):
· A circunstância de a infracção ter sido cometida em EP, prevista na al. h) do art. 24.º do DL 15/93 …, não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador[2] – como tal, não foi feita no aresto em causa qualquer alusão jurídico-conceptual a esta circunstância, condenando-se quase de preceito sem ter havido uma palavra que fosse para justificar a opção pela agravativa do artigo 24º, alínea h) do dito diploma, nos moldes expressos acima;
· A questão do estádio dos crimes praticados pelos arguidos BB, CC e DD – houve mera tentativa ou foram consumados? (questões aludidas em 3 destes 6 recursos).
Entendemos, assim, que o tribunal incumpriu o dever de melhor fundamentar a sua decisão de DIREITO nestes assinalados aspectos».
A finalizar a nossa fundamentação do 1º aresto, deixou-se ainda escrito:
«Aproveitará o Colectivo para:
·  perfectibilizar de forma mais escorreita o texto formal do acórdão,
·  revisitando a letra dos factos nºs 10 (esclarecendo a natureza do estupefaciente em causa quando se fala da «placa[3]», ficando sem se saber se a canábis só se refere aos 10 g ou também à placa) e 49 (faltará a alusão à não prova do dolo de associação criminosa relativamente a 7 arguidos, para além dos 10 que constam da letra desse facto),
·  corrigindo ainda a moldura penal abstracta do delito tido por praticado pelo arguido DD, errada a fls 91, 7ª linha».
A nossa decisão de Setembro de 2024 foi então esta:
· «anular o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que colmate as lacunas apontadas nos pontos 3.4, 3.5, 3.6 e 3.7, decidindo em conformidade».


            3. OS RECURSOS

Seis dos arguidos recorreram do acórdão:

3.1. Inconformada, a arguida AA recorreu – RECURSO nº 1 - do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


2. O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, pois o Tribunal a quo, relativamente aos factos provados nos pontos 10; 11; 15; 17; 18; 19; 25 e 28, dá como provada factualidade da qual não se fez prova na audiência de julgamento.
3. O Tribunal a quo alicerça toda a sua convicção nos meios de obtenção de prova no caso as escutas, mas estas não são corroboradas pelas testemunhas pelo que não foi produzida prova em audiência de julgamento.
4. Mais, o Tribunal a quo formou a sua convicção na prova testemunhal que se traduziu num depoimento indireto da testemunha:

5. O depoimento indirecto não é admissível, no caso em apreço, portanto, não pode ser valorado, pois o depoimento da testemunha originária, neste caso o Arguido DD, apesar de ser possível, não foi realizado, não lhe foi preguntado nem declarou que a Arguida CC estava a fazer um favor à Recorrente – artigo 129º Cod. Processo Penal.
6. Nos Pontos 10 e 11 os factos provados o Tribunal a quo considerou provado, que a Recorrente recebeu da Arguida CC “uma placa de canábis resina (100 gramas) e os dez gramas de canábis resina” e que os levou consigo para dentro do Estabelecimento Prisional e depois os entregou ao Arguido DD”.
7. Acontece que não se fez qualquer prova daqueles factos na audiência de discussão e julgamento, nem existe prova nos autos nesse sentido, nenhuma testemunha falou ou se referiu à quantidade ou qualidade ou o que quer que seja relativamente à Recorrente.
8. Não houve qualquer apreensão dessa “placa ou dos dez gramas de canábis resina”;
9. Neste sentido, não foi feito qualquer exame pericial a essa “placa” nem aos supostos “dez gramas de canábis resina”.

12. Ora, não se tendo a certeza de que substância se trata; qual o seu peso e pureza, estamos perante uma dúvida razoável e que é insanável, não obstante o Tribunal a quo decidiu contra a Recorrente.

14. Face à confissão/declarações da Recorrente que declarou que não sabia que “tipo de droga era”, conjugado com a falta teste laboratorial e pesagem da tal “placa e dos dez gramas” impunha-se ao Tribunal a quo dar como não provados os factos constantes dos pontos 10 e 11 dos Factos Provados.
15. Mais, nos factos não provados o Tribunal a quo deu como não provado nos seus pontos: 8, 9 e 10 que a Recorrente introduziu estupefaciente no Estabelecimento Prisional de ...;
16. E depois o próprio Tribunal a quo contradiz-se afirmando que a Recorrente introduziu estupefacientes no Estabelecimento Prisional conforme os pontos 10, 11 e 12 e 25 e 26 dos factos dados como provados.
17. Ora, esta contradição, é vício da contradição insanável entre os factos provados e os factos não provados e a fundamentação: a contradição entre os pontos n.ºs 10, 11, 12, 25 e 26 dos factos provados e os pontos 8, 9 e 10 dos factos não provados, integradora do vício previsto no artigo 410º, nº 2 al. b) do CPP.
18. Relativamente aos pontos 15, 17; 18 e 19 dos factos provados, também não foi produzida prova em julgamento, e nas declarações da Arguida CC, que não tem, nem podem ter o mesmo valor de uma testemunha isenta, ainda assim esta Arguida afirmou que não sabe o que transportava nem o peso;
19. Como é que que a livre convicção do Tribunal e as regras comuns da experiência podem levar a concluir que, o que a Arguida CC transportou anteriormente era igual ao estupefaciente em classificação e quantidade que lhe foi apreendido no dia 21 de julho de 2021.
20. E por sua vez, não se sabendo o que transportou anteriormente a Arguida CC como é que o Tribunal a quo faz a conexão com aquilo que a aqui Recorrente confessou/declarou, afirmando que a Recorrente levou 100gramas de canábis resina e 10 gramas de canábis resina?
21. A Recorrente, ainda nas suas declarações confessórias, de 30 de julho de 2021, disse em resposta à Sra. Procuradora que em junho já lhes tinha dito que não voltava a fazer o mesmo, aliás até pretendia deixar de trabalhar na prisão regional, receando que a abordassem para levar alguma coisa.
22. Pelo que os €180,00; os telemóveis e a canábis resina apreendidos à Arguida CC, em julho, não eram para entregar à Recorrente.
23. Relativamente ao ponto 25 dos factos provados, o Tribunal considera provado que a Recorrente conhecia as características estupefacientes (…) agiram com o propósito concretizado de vender canábis resina. (…)”
24. Ora também aqui não existe prova nos autos, nem foi feita prova em audiência e julgamento;
25. Nenhuma das testemunhas, em audiência de julgamento, identificou a Recorrente como vendedora ou traficante de droga.
26. E das buscas efectuadas à sua residência e ao seu cacifo no Estabelecimento Prisional, não foi apreendido qualquer estupefaciente, nem quaisquer utensílios associados ao tráfico de estupefacientes - Vide Autos de busca e apreensão a fls. 944 e 970 a 973 dos Autos;
27. Pelo que, os factos do ponto 25 da matéria de facto provada devem ser considerados não provados no que à Recorrente respeita.
28. Não se tendo feito prova, em audiência de discussão e julgamento, das características (peso, tipo e pureza), da placa que a Recorrente confessou ter transportado, subsiste aqui uma dúvida razoavel e insanável quanto às caracteristicas daquela placa.
29. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado o princípio "in dúbio pro reo" e a consequente Absolvição da Recorrente.
30. O Tribunal a quo continua desconsiderar, as declarações confessórias da Recorrente, e não fundamenta porque é que não as teve em consideração a seu favor, pois a Recorrente colaborou com o Tribunal a quo na descoberta da verdade material, de acordo com o que conhecimento tinha.

32. Ora, neste sentido continua a haver falta de fundamentação no que à Recorrente toca o que implica a nulidade da sentença nos termos da al. a) do número 1 do artigo 379º e n.º 2 do artigo 374º do CPP, nulidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.   
33. Sem prejuízo do que supra se deixou dito no sentido da sua absolvição, entende a Recorrente que a pena de prisão que lhe foi aplicada, em qualquer caso, se mostra desporporcionada porque excessiva e reveladora de um carácter estritamente punitivo.

35. Da factualidade provada ou melhor da não provada como expos supra, entende o Recorrente que a mesma apenas se poderá subsumir ao tipo legal p. e p. pelo art.º 25º do Dl. 15/93 de 22 de Janeiro – Tráfico de Menor Gravidade, por quanto:

39. A Canabis é considerada uma droga leve, é a menos nociva;
40. Esta circunstância tem de ser tida em conta na medida da pena, isto porque, a ilicitude não tem a mesmo peso, face à diferente nocividade social das várias drogas.
41. No entanto, à Recorrente não lhe foi apreendido qualquer estupefaciente;
42. Mais, é o próprio Tribunal a quo que nos factos não provados nos seus pontos 8, 9 e 10, afirma que não considera provado que:
“(…) 8. AA, entrega pessoalmente a DD, produto estupefaciente, que leva consigo, uma vez que não é revistada à entrada, apenas sujeita a detector de metais.
9. O arguido DD, depois de receber a canábis resina de AA distribuiu-a a outros reclusos, introduzindo-a nas cuvetes onde lhes é fornecida a comida.
10. Paralelamente, o arguido HH tem outros colaboradores no exterior do Estabelecimento Prisional que, também, diligenciam pela introdução daquele tipo de produto estupefaciente e de telemóveis no Estabelecimento Prisional de ..., por intermédio de DD e de AA. (…)”

44. Ora, sem prescindir se por hipótese de patrocínio entendermos que a Recorrente levou “a placa e os dez gramas” para o Estabelecimento Prisional e que estas eram mesmo canábis resina;
45. Ora, dez gramas não são uma grande quantidade de estupefaciente;
46. E a tal “ placa” podia ter qualquer peso; na realidade, não se sabe, nem a Recorrente.

48. Assim, estamos perante factos que integram a prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido pelo art.25.º al. a) do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

50. Assim, se impõe desqualificar o crime, por afastamento do agravamento da al. h) do art.º 24.º, do decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, e subsumir a conduta da Recorrente no crime de tráfico de menor gravidade do artigo 25.º, alínea a) do mesmo diploma legal.
51. O que irá permitir a aplicação de uma pena de prisão inferior a 5 anos ou até mesmo de 5 anos, suspensa na sua execução, o que seria suficiente para garantir todas as finalidades da punição quanto à Recorrente.
52. Caso se entenda, que se mantém, a qualificação dos factos provados no crime de tráfico previsto e punido pelo n.º1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 2 de Janeiro, afastando na mesma o agravamento da al.h) do artigo 24.º do mesmo diploma, pelos mesmos fundamentos supra expostos, deverá ser aplicada à Recorrente uma pena não superior a cinco anos suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.

55. O Tribunal a quo, não considerou sequer a conduta processual da Arguida que confessou e que colaborou na descoberta da verdade material, o que mostra a personalidade da Recorrente em agir de acordo com o direito, em auxílio da verdade material.
56. E mostrou-se arrependida, tendo-o o declarado ao Tribunal a quo em audiência de julgamento.

62. A pena aplicada à Recorrente é manifestamente excessiva face à gravidade dos factos praticados pela Recorrente, uma vez que não se sabe realmente as características da “droga” que transportou.

65. No caso em apreço, para além da integração familiar, social e do trabalho estável da Recorrente, deve também relevar a circunstância de nunca ter sido condenada penalmente, tal demonstrando a ocasionalidade do crime por si confessado, vivendo posterioermente ao facto de acordo com o direito.
66. Colaborou de forma relevante com a investigação.
67. A Recorrente tem conseguido organizar a sua vida, conforme o direito, encontrando-se inserida socialmente.

70. No caso estão reunidos os requisitos necessários para ser aplicada à Recorrente a suspensão da pena.         
71. Assim, não obstante existirem algumas exigências de prevenção geral, as exigências de prevenção especial não são elevadas, atenta a inserção familiar e profissional da Recorrente; a sua colaboração na investigação e o facto de ser primária, pelo que, não se pode concluir que esta seja avessa aos comandos legais, devendo beneficiar de um juízo de prognose favorável de não repetição de condutas criminosas e, em consequência deve ser a pena reduzida para uma pena não superior 5 anos suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
…».

3.2. Inconformado, o arguido FF recorreu – RECURSO nº 2 - do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«A)
Dos elementos de prova obtidos não pode ter-se como provada a factualidade constante dos factos 7, 27 e 28 da “matéria dada como provada”, no que ao recorrente FF diz respeito,
B)
Pois que os elementos de prova existentes não são de molde a chegar-se às conclusões nelas insertas.
C)

D)

E)

F)

G)
Por outro lado, também não se entende como se pode concluir que o recorrente era possuidor, ou compossuidor, do respectivo conteúdo, pois isso pressupõe ser titular de uma relação de domínio sobre o mesmo, o que não se apurou.
H)
Também não poderá ser considerado transportador, na medida em que não era o proprietário da viatura e também não se determinou que exercesse qualquer direcção efectiva sobre a mesma.
I)
Pelo que não pode manter-se a matéria dada como provada nos pontos 7, 27 e 28 da matéria de facto dada como provada, devendo a matéria do facto 7 ser alterada e a dos factos 27 e 28 simplesmente eliminada, nos termos propugnados supra.
J)
Consequentemente, não se apurou em relação ao recorrente qualquer dos elementos do tipo, elencados no nº 1 do artº 21º do Dec-lei 15/93, subsumíveis à prática do crime de tráfico.
K)
Mesmo que assim se não entenda, com relação ao recorrente, nunca poderá ter-se como provado que houve transacção com o intuito de daí obter proventos económicos, pois nenhum elemento nos leva a semelhante conclusão.
L)
Consequentemente, deveria o arguido ser absolvido do crime de tráfico, por falta de prova quanto à verificação dos elementos do tipo.
M)
Mesmo que se entenda ter ocorrido a prática do crime de tráfico, sempre o arguido deveria beneficiar da atenuação da pena, pois que o mesmo reúne os requisitos para beneficiar do regime previsto no Dec.-Lei 401/82: tinha 20 anos à data da prática do facto; e não se demonstrou que existam razões fortes para duvidar da possibilidade da sua reinserção.
N)

O)

P)
…».


3.3. Inconformado, o arguido BB recorreu – RECURSO nº 3 - do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

A) «O facto de o arguido no dia 26.06.2021 ter entregue de uma placa de haxixe a CC, que esta por sua vez entregou a AA, não é suficiente como indício seguro e inequívoco, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que (...) em data não apurada, mas compreendida entre os dias 11 e 20 de Julho de 2021, BB recebeu, na sua barbearia, sita na Urbanização ..., lote ..., ..., ..., pelo menos nove placas de canábis resina que, depois, iria fazer entrar no E.P., gradualmente e em conformidade com o que HH e DD lhe determinassem, tendo ficado inicialmente acordado que seria uma placa por semana.”.

C)  Entende o recorrente, sem prescindir de tudo o que alega, que foi erradamente fixada a medida concreta da pena, sendo violados os art°s. 40, 50, 70, 71 e 72 do Código Penal, por ser excessiva, desproporcionada, e de severidade injustificada.
D) que se deve verificar uma convolação do crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma consumada, para a forma tentada, concluindo-se que quanto ao arguido recorrente BB, e tendo em conta os factos dados como provados, que praticou, como co-autor, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, apenas na forma tentada, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, - caindo a circunstância qualificativa e deveria, portanto, este tipo de crime, objecto do presente recurso, ser desqualificado.

F) Da decisão ora recorrida, resulta da matéria de facto provada que o material  estupefaciente não entrou no Estabelecimento Prisional e não seria sequer introduzido pelo Arguido, ora Recorrente.
G) Assim, entende o arguido ora Recorrente que deveria ter sido punido como co-autor apenas na forma tentada do crime agravado previsto no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 que pune expressamente a conduta de tráfico quando a “infração tiver sido cometida em estabelecimento prisional” — ora, não só o ato de venda não se chegou a verificar, como todos os outros atos realizados pelos outros arguidos não foram “cometidos em estabelecimento prisional”- que ficou pelo estádio da tentativa.
H) …
I)
J) O que, não sendo entendimento desse V. Tribunal e, a título meramente cautelar, recorre também o Arguido da medida concreta da pena que lhe foi aplicada de na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva porquanto:
K) A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente; e em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. artigos 40.º nº s 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal).
L) Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração atuam pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo estes que vão determinar, em última análise, a medida da pena.
…».

3.4. Inconformado, o arguido EE recorreu – RECURSO nº 4 - do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


3. O Tribunal ad quo, para efeitos de condenação do ilícito, teve em consideração as transcrições telefónicas e respetiva vigilância para efeitos da pretensão de introduzir estupefacientes no Estabelecimento Prisional.
4. Contudo, em momento algum das transcrições telefónicas, diga-se, uma linguagem não cifrada, o recorrente alegou que no saco estava só 5 telemóveis.
5. constituindo as transcrições das escutas prova documental, a valorar nos termos do artigo 127º do CPP, resultando terem sido as mesmas, como no caso, efetivamente, o foram indicadas como prova na acusação pública, não se deteta em momento algum que a intenção do recorrente é introduzir droga no Estabelecimento Prisional, mas sim telemóveis.
6. O Tribunal a quo deu como não provado diversas pessoas do exterior que diligenciam pela introdução da canábis e dos telemóveis no estabelecimento prisional;
7. Os Arguido estabeleceram diversos contactos entre si com o intuito de planearam uma outra forma de introduzir canábis resina no interior do Estabelecimento Prisional de ..., mais concretamente no parque de estacionamento;
8. …
9. …
10. Da prova documental extraída das escutas, o recorrente não praticou o ilícito, do art.o 21.0, n.o 1 do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22.01.
11. Como tal, tão estão reunidos os elementos objetivos e subjetivo do crime, pois o recorrente nunca teve e desconhecia que havia droga no saco apreendido.
12. Caso assim não se venha a entender, optando pela condenação do recorrente, pela prática do crime de art.o 21.0, n.o 1 do nos termos os efeitos no artigo 75º C.P Decreto-Lei n.o 15/93, de 22-01, no mesmo não deve ser considerado reincidente.
13. Não teve o Tribunal ad quo, em consideração que o recorrente, desde os seus 16 anos de idade que tem contato com o mundo do crime, com reclusão, teve coragem de arrepiar caminho, vide facto dado como provado no número 48.
14. …
15. …
16. …
17. …
18. A pena a aplicar deve situar-se em não mais de 5 anos de prisão.
…».

3.5. Inconformada, a arguida CC recorreu – RECURSO nº 5 - do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


2º-Impugna ainda o Acórdão em sede de erro notório na apreciação da prova do art 410º CPP.
3º-Das motivações do presente recurso apurou-se a singela violação do art 32º nº 2 da CRP.
4º-Apurou ainda da violação do art 40º do DL 15/93 e da Lei 30/2000, art 22º,23º,50º do CP.
5º-É igualmente patente no acórdão aqui em crise que não se deu materialização adequada ao princípio da livre apreciação da prova do art 127º CPP.
6º- As testemunhas da ACUSAÇÃO em nada contribuíram para a responsabilização criminal da arguida além das suas declarações e das escutas telefonicas
7º-A arguida recorrente é detida em flagrante delito; referindo que desconhecia o conteúdo do pacote que lhe foi entregue por terceiro momentos antes da detenção
8º-O tribunal A Quo foi mal quando se fundamenta e estriba nas escutas telefonicas (que são meros meios de obtenção de prova)

12º-O tribunal ao condenar nos termos do art 21º com a agravação do art 24º DL 15/93 não tem suporte legal para tal decisão face à prova existente quanto à arguida CC.

15º-A arguida recorrente não praticou qualquer ato executório do crime em que foi condenada
16º-Deveria antes ponderar e determinar pena adequada sempre pelo crime Do art 25ºDL 15/93 e na forma tentada 22º, 23º CP

20º- O Tribunal A Quo não diligenciou como era seu dever de procurar a descoberta da verdade bastando-se nas escutas telefónicas e mesmos nas declarações da arguida e co arguido DD
».

3.6. Inconformado, o arguido DD recorreu – RECURSO nº 6 - do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


2º-Impugna ainda o Acórdão em sede de erro notório na apreciação da prova do art 410º CPP.
3º-Das motivações do presente recurso apurou-se a singela violação do art 32º nº 2 da CRP.
4º-Apurou ainda da violação do art 40º do DL 15/93 e da Lei 30/2000 , art 22º,23º,50º do CP.
5º-É igualmente patente no acórdão aqui em crise que não se deu materialização adequada ao princípio da livre apreciação da prova do art 127º CPP.
6º- As testemunhas da ACUSAÇÃO em nada contribuíram para a responsabilização criminal do arguido além das suas declarações e das escutas telefonicas
7º-O tribunal condena o arguido com base em presunções colhidas e fundamentadas em “meios de obtenção de prova”; tal decisão é ilegal.
8º-O tribunal A Quo foi mal quando se fundamenta e estriba nas escutas telefonicas. (que são meros meios de obtenção de prova)

12º-O Tribunal ao condenar nos termos do art 21º com a agravação do art 24º DL 15/93 não tem suporte legal …

15º-O arguido recorrente não praticou qualquer ato executório do crime em que foi condenado
16º-Deve assim ser absolvido

22º-O Tribunal A Quo deveria tentar apurar , se na realidade houve a consumação do ato de trafico por parte da arguida , e não o fez
»


            4. AS RESPOSTAS AOS RECURSOS

4.1. O Ministério Público em 1ª instância respondeu aos seis recursos, opinando que eles não merecem provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

4.2. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento aos recursos.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.
           
            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

…, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal em cada recurso:
RECURSO 1 – de AA
· Há vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP, nomeadamente o da alínea b)?
· Há erro de julgamento quanto aos factos 10, 11, 15, 17, 18, 19, 25 e 28?
· Foi violado o princípio constitucional «in dubio pro reo»?
· Há erro na qualificação jurídica dos factos, devendo ser imputado ao arguido o crime de tráfico de menor gravidade p.e p. pelo artigo 25º/1 do DL 15/93, de 22/1?
· A pena do crime de tráfico foi excessiva?
· É de ponderar a aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão?
RECURSO 2 – de FF
· Há o vício do artigo 410º, nº 2, alínea b) do CPP?
· Há erro de julgamento quanto aos factos 7, 27 e 28?
· Deveria ter sido atenuada especialmente a pena por aplicação do DL 401/82?
RECURSO 3 – de BB
· Deveria ter sido condenado pela tentativa e não pela consumação?
· A pena de prisão aplicada foi excessiva?
· É de ponderar a aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão?
RECURSO 4 – de EE
· Há nulidade de acórdão por falta de fundamentação?
· Há erro de julgamento quanto aos factos 7, 8, 9, 10, 27, 28 e 29?
· A pena de prisão aplicada foi excessiva?
· Não deve ele ser considerado reincidente?
· É de ponderar a aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão?
RECURSO 5 – de CC
· Há alguma nulidade de prova?
· Há algum vício do artigo 410º, nº 2 do CPP?
· Há erro de julgamento?
· Deveria ter sido condenada pela tentativa e não pela consumação?
· Há erro na qualificação jurídica dos factos, devendo ser imputado à arguida o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º/1 do DL 15/93, de 22/1?
· A pena de prisão aplicada foi excessiva?
· É de ponderar a aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão?
RECURSO 6 – de DD
· Há alguma nulidade de prova?
· Há algum vício do artigo 410º, nº 2 do CPP?
· Há erro de julgamento?
· Deveria ter sido condenado pela tentativa e não pela consumação?
· Há erro na qualificação jurídica dos factos, devendo ser imputado ao arguido o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º/1 do DL 15/93, de 22/1?
· A pena de prisão aplicada foi excessiva?
· É de ponderar a aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão[4]?

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso[5] (transcrição):
2.2. O tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso[6] (transcrição):


2.3. Motivaram-se assim tais factualidades (transcrição):
«Para formação da convicção do Tribunal, foram tidos em consideração os elementos de prova constantes dos autos, na sua globalidade, bem como a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente testemunhal, prova essa apreciada e avaliada à luz dos critérios da normalidade e segundo as regras de experiência comum e a sua livre convicção (cfr. Artigo 127.º do Código de Processo Penal).
O Tribunal formou assim a sua convicção:
Todos os arguidos, usaram, validamente, o direito ao silêncio;


3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

             3.1. DAS NULIDADES

3.1.1. O recurso nº 4 insinua que continua a existir a nulidade de acórdão por falta de exame crítico na fundamentação da matéria de facto [cfr. artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a) do CPP].
Pergunta-se, então:
O tribunal incumpriu o dever de fazer um completo exame crítico da prova?
Recordemos:
Sabemos que o artigo 374º, nº 2 do CPP exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação[7] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo.
Afirmando-se progressivamente como verdadeira conquista civilizacional a partir da Revolução Francesa, o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[8], o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos Humanos (outrora ainda lido como «do Homem») e dos Povos e, por exemplo, o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei".
A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei".
A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
Numa sentença, após o relatório, segue-se, já no contexto dos fundamentos, a descrição dos factos provados (e não provados), a qual, para ser facilmente compreensível, devendo obedecer à lógica própria de quem descreve um episódio concreto da vida real.
Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada.
Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente:
· quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
· quais os elementos que dos mesmos depoimentos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou;
· quais as razões que o levam a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros meios de prova com ele contraditório;
· quais as razões porque não foi dada relevância a determinada prova ou meio de prova;
· quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.
Com a devida vénia, transcrevemos parte do Acórdão desta Relação, no Pº 770/08.8PBCBR.C1:
«Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova. Num segundo nível intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo que as inferências hão-se basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimento científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.
O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a decisão do julgado, face à credibilidade que a prova mereça e as circunstâncias do caso, com recurso a prova indiciária, podendo esta por si só conduzir à convicção do julgador.
Assim, relevantes no domínio probatório, para além dos meios de prova directa, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º do mesmo diploma).
É legítimo o recurso às presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º do Código de Processo Penal).
No plano de análise em que nos movemos importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».
As presunções naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004, «na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem à prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também, elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível.
O meio probatório por excelência a que se recorre na prática para determinar a ocorrência de processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo não são as ciências empíricas, nem tão pouco a confissão auto inculpatória do sujeito activo.
As enormes dúvidas que suscita a primeira e a escassa incidência prática da segunda levam a que a maioria das situações acabe por se resolver através de um terceiro meio de prova: precisamente a referida prova indiciária, ou circunstancial, plasmada nos juízos de inferência. A conclusão é então imposta pela aplicação das regras da experiência – premissa maior – aos factos previamente demonstrados e que constituem a premissa menor.
Como efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação dos arguidos, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira, quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indirecta (presunções naturais não jurídicas) a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados».
Com este pano de fundo, vejamos, então, se, no nosso caso concreto, foi incumprido tal dever de fundamentação.
É verdade que tal fundamentação não é exemplar (e note-se que só a ausência da exigível fundamentação da matéria de facto que a torne ininteligível ou incompleta é punida com nulidade).
Mas ela é, aqui, suficientemente entendível, sendo perceptível que o tribunal se convenceu da culpabilidade dos sete condenados, acabando por agora melhor fundamentar a sua convicção com base nas declarações de 4 arguidos prestadas antes do julgamento (tendo todos esses arguidos sido expressamente notificados das advertências do artigo 141º do CPP), nas declarações das testemunhas de acusação e de defesa …, conjugando depois tudo isso com os exames periciais e na profusa prova documental enunciada na motivação, agora com ligação à factualidade concreta dada como provada, passando pelas intercepções telefónicas – fls 183 a 193 - no que tange aos arguidos GG, EE e FF.
Acaba  também por invocar prova indirecta[9], retirada de regras da experiência comum e da verosimilhança (alude a regras de experiência).
Explicou, pois, a razão por que se convenceu da versão acusatória quanto ao tráfico de estupefacientes, e os argumentos pelos quais fez cair as restantes acusações, de branqueamento e associação criminosa.
Se assim é, mesmo entendendo que a motivação não é exemplar, tornou-se claro, aos nossos olhos, o caminho intelectual que foi AGORA (neste 2º aresto) feito pelo Colectivo de Leiria, caindo por terra a alegação de nulidade do acórdão.
Cai também a arguição de qualquer inconstitucionalidade na medida em que não existe insuficiência da fundamentação se na decisão estão enunciados, especificadamente, os meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental, de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.
Não é exigível que o tribunal explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos que equacione todas complexidades suscitadas pelos sujeitos processuais.
Fazemos nossas as conclusões sumariadas no aresto da Relação de Lisboa, datado de 2.10.2018 (Pº 36/14.4JBLSB.L1-5):
· «A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível.
· A fundamentação a que se reporta o art. 374º, nº 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal colectivo de juízes».
· Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo».
De facto (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 2.11.2017 - Pº 42/14.9TBMDB.G1):
«I. Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
(…)
III- A decisão judicial diz-se “obscura” quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível (não se sabe o que o juiz quis dizer) e será “ambígua” quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos).
IV. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia».
Nada do que lemos no acórdão recorrido, por muito seco que tenha sido, é infundamentado, não se vislumbrando que tenha sido feita uma leitura inconstitucional do artigo 374º, nº 2 do CPP.


Lida agora a nova motivação, fica-nos um gosto a muito mais do que resultava do 1º aresto, não se vislumbrando agora qualquer nulidade [artigo 379º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do CPP].
Quanto ao mais, o tribunal acabou por colmatar as lacunas que assinalámos no nosso aresto de 25.9.2024.

3.1.2. Os recursos nºs 5 e 6 insinuam a existência de nulidades de prova, ligadas ao indevido uso das escutas telefónicas, questão esta que resolveremos em sede da impugnação da matéria de facto.

3.1.3. Inexistem quaisquer outras nulidades de que cumpra conhecer.
 
3.2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

3.2.1. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· o da impugnação ampla, se tiver sido suscitada;
· e dos vícios do nº 2 do art. 410º do CPP.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.
Comecemos pela que primeiro[10] deve ser analisada pois a sua procedência pode levar ao reenvio do processo para a 1ª instância, ao abrigo do artigo 426º do CPP, se este tribunal não tiver condições para decidir a causa.

3.2.2. Na realidade, estabelece o artigo 410º, nº 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
3. Erro notório na apreciação da prova.
            Tais vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do CPP.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
De facto, pressuposto comum à verificação de tais vícios é que os mesmos resultem do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum – nº 2 do artigo 410º do CPP.
Ao determinar-se que tais vícios sejam cognoscíveis com base no texto da decisão, adoptou-se uma solução de recurso-remédio e não de reexame da causa.
Este último, numa tese inicialmente defendida, permitiria uma maior amplitude do recurso, pela também possibilidade de análise da prova registada, mas uma tal solução poria em causa o princípio da imediação com que havia sido apreciada a prova na primeira instância, princípio cujo cumprimento seria de muito difícil alcance pelo tribunal de recurso.
Daí a solução intermédia, chamada de revista alargada.
Tal sindicância não deixa de ser, em bom rigor, uma actividade puramente jurídica, pois basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra.

3.2.3. Quais os vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP?
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito[11].
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão[12].
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cfr. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo nº 1509/97).
O vício de erro notório ocorre, não só quando um erro é evidente, crasso, escancarado à luz dos olhos do cidadão comum, mas também à luz da análise feita por um tribunal de recurso ou de um jurista minimamente preparado, de molde a considerar-se, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada.
Segundo os Juízes Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, tal erro ocorrerá "quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”.
Consideram os mesmos autores que “existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos. Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro"[13].
Os conceitos podem confundir-se à primeira vista mas têm palco próprio e distinto entre si.
O erro de julgamento, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova ocorrem respectivamente quando:
a)- o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado;
b)- os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz - artº 410º nº 2 a) CPP;
c)- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida (cfr. Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740) ou quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.

3.2.4. Há no acórdão recorrido algum vício do artigo 410º/2 do CPP?
Embora o conhecimento destes vícios seja de conhecimento oficioso, quatro dos recursos intentados invocam expressamente (muitas vezes, de forma inadequada) alguns deles.
Assim:
· No recurso nº 1 – 410º, nº 2, alínea b) do CPP;
· No recurso nº 2 – 410º, nº 2, alínea b) do CPP;
· No recurso nº 5 – 410º, nº 2, alínea c) do CPP;
· No recurso nº 6 – 410º, nº 2, alínea c) do CPP.
Comecemos pelo nº 1 (arguida AA)
O recurso vem arguir o vício do artigo 410º, nº 2, alínea b) pelo facto de se vislumbrar contradição entre o que foi dado como provado quanto ao comportamento da arguida num determinado dia e os factos não provados 8, 9 e 10.
Inexiste, contudo, essa contradição – apenas se deu como não provada a tese do MP que passava pela existência de uma associação criminosa que tinha vários intervenientes com tarefas concretas adstritas a cada um desses sujeitos individuais.
O tribunal não comprovou tal associação criminosa, razão pela qual absolveu os arguidos desse crime, dando naturalmente como não provada a factualidade descrita na acusação pública que dava efectivamente conta dessa organização e dos seus trâmites habituais.
Não se deu como provado, assim, que a AA habitualmente entregava pessoalmente a droga ao DD, provando-se apenas o que consta dos factos provados 10 a 12.
A factualidade não provada reconduz-se, assim, aos factos generalistas descritos na acusação para enquadramento dessa alegada associação criminosa, não se referindo à concreta transacção levada a cabo num dia específico (isso já está na factualidade provada).
Como tal, inexiste contradição.
*
Passemos ao recurso nº 2 (arguido FF):
Invoca-se neste recurso também contradição entre o facto provado nº 27 e o não provado nº 48.
Sem razão.
Apenas se deu como não provado que a detenção – para posterior venda - documentada nos factos nºs 7 e 27 se refere a uma infracção cometida em estabelecimento prisional, facto que qualificaria a sua acção delituosa como subsumível ao artigo 24º, alínea h) do DL 15/93, de 22.1 (note-se que o FF vinha acusado pelo MP desse delito e veio a ser absolvido desse crime, e antes condenado pelo artigo 21º do mesmo diploma, ou seja, sem a agravação do artigo 24º).
O facto não provado em causa consubstancia exactamente a não prova dessa agravação e nada mais.
*
Que dizer dos recursos nºs 5 (arguida CC) e 6 (arguido DD)?
O recurso nº 5 alega erro notório na apreciação da prova pelo facto de se ter erroneamente  ligado a arguida a esta actividade ilícita, dizendo-se desconhecedora de que seria droga aquilo que lhe havia sido entregue.
Atenta a explanação atrás feita sobre este vício (que tem de resultar da própria estrutura interna da sentença/acórdão), esta alegação é[14] inconsistente e infundamentada pois, no fundo, o que se pretende alegar é um típico erro de julgamento (pois, para si, a prova produzida em julgamento, na sua óptica, impunha decisão diversa da que foi proferida).
Como tal, não há esse erro notório.
Mais à frente, veremos se há erro de julgamento.
O mesmo se diga do recurso nº 6 – a defesa, de forma quase ininteligível,  fala também em erro notório quando, no fundo, quer impugnar a decisão com base em erro de julgamento.
Também não se vislumbra qualquer outro vício do nº 2 do artigo 410º do CPP, infundamentado na caótica alegação recursiva.
A CONCLUIR:
Face ao exposto, inexistem quaisquer outros vícios fácticos subsumíveis à letra do artigo 410º, nº 2 do CPP, havendo perfeita coordenação e coerência interna do acórdão.

3.2.5. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 do CPP - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua o Juiz Desembargador Jorge Gonçalves nos seus acórdãos, quer em Coimbra, quer em Lisboa, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www.dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412º, nº 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.2.6. Falemos de PROVA e de CONVICÇÃO.
O artigo 127º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto;
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária[15] ou indirecta;
Como é evidente, e socorrendo-me das palavras sábias do STJ – [cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção], «tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos».
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência e, sobretudo, pela dimensão ética do acto de julgar.
Convém nesse jaez lembrar o que exemplarmente escreve Hermengarda do Valle-Frias, no artigo «A motivação ética da decisão judiciária - o (re)encontro entre o direito e a justiça», publicado na Revista do CEJ nº 2016-II:
«A motivação da decisão judicial, sobretudo fundamental no processo penal, firmada sobre os princípios da independência do juiz e livre convicção, constitui a legitimação do judiciário em sentido próprio – o juiz recebe os factos, analisa-os, valora-os de acordo com cada um dos instrumentos de que dispôs (meios de prova) e subsume-os ao direito.
Apreciação da prova e a valoração da prova, no entanto, não se equivalem.
A primeira, implica a actividade intelectual de escrutínio e validação dos pressupostos, conteúdos e resultado combinado dos meios de obtenção de prova; a segunda, implica a actividade intelectual de determinar o valor concreto de cada meio de prova, do conjunto da prova e das suas consequências em termos de convencerem, ou não, sobre a culpabilidade do arguido.
Num sistema de prova assente na livre convicção, a motivação constitui a persuasão racional do julgador no convencimento da culpabilidade, ou não, do arguido ou, quando da prova se extraia a necessidade de aplicar o princípio da presunção de inocência, a argumentação essencial à justificação dessa aplicação.
Para conseguir persuadir os destinatários da justeza da sua decisão, o juiz envolve-se num processo técnico de aplicação de conhecimentos jurídicos, não podendo descartar-se dos sentidos humano e social que resultam da sua própria formação pessoal, da forma como aceita os comportamentos humanos no contexto social em que se integra e na forma como se auto-impõe os limites decorrentes da sua própria condição profissional. Querendo com isto dizer-se que, em última instância, deve procurar superar-se a si mesmo para atingir a máxima perfeição de que é capaz enquanto decide, aí sim, não em seu nome, mas em nome da Sociedade e do bem social que constitui, em última instância, o limite dos seus próprios poderes decisórios.
Este, que não é um circuito fechado em rotação constante sobre si mesmo, tem de ser um percurso com uma dinâmica evolutiva.
O juiz é e deve ser um homem do seu tempo, atento aos humores sociais, culturais, políticos e económicos, porque é neste conjunto que se justifica o fundamento do acto decisório. Aplicando a lei ou criando a norma (com a devida ressalva do direito penal substantivo), o decisor está sempre vinculado ao compromisso ético inerente à sua função.
Decidir, nesta perspectiva, é determinar a forma de resolução de um litígio com vista a atingir a pacificação social, a reposição do tempo do homem no tempo social de que se destacou. Ao condenar no processo penal, a decisão restaura tendencialmente a ordem comportamental que é assegurada pela Lei em cada momento histórico, implicando isto entender a sanção como censura social, mas também como investimento no Futuro.
Por isso, a pena tem também um fundamento ético importante – vincular o infractor às responsabilidades inerentes à quebra dos laços afectivos com o todo social e, ao mesmo tempo, vincular a sociedade à responsabilidade de recuperação do infractor para que volte a integrar-se nela. Ou, melhor, para que não chegue a desintegrar-se dela.
Cabe ao juiz, pois, garantir o equilíbrio entre estes dois interesses. E esse desiderato, consegue-o através de uma motivação tecnicamente adequada, humanamente ponderada e culturalmente aceitável».

3.2.7. Vejamos, então, se estamos em condições de averiguar se houve ou não erro de julgamento nestes autos.
Há que dizer, já à partida, que não foi suficientemente cumprido o determinado nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP, na grande maioria dos recursos, por ausência de impugnação especificada aí pressuposta.
Recordemos – quando se impugna a matéria de facto, os recorrentes devem especificar os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 412º do CPP.
Este ónus do recorrente de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida não se satisfaz com a indicação avulsa de extractos ou resumos de diversos depoimentos /declarações ou documentos juntos aos autos.
Neste sentido, refere Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed., pág. 1131, nota 8, que «A especificação das "concretas provas" só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa».
Com efeito, não basta a indicação dos segmentos das declarações do arguido ou dos depoimentos das testemunhas, pois é também necessário, para que os fundamentos do recurso em matéria de facto se tornem inteligíveis para quem decide, que o recorrente explique em que medida, ou por que motivo, aqueles concretos segmentos dos referidos depoimentos/declarações impõem decisão diversa daquela proferida em matéria de facto, relacionando tais depoimentos/declarações com os factos individualizados que considera incorrectamente provados.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Ob. Cit. pág. 1131, nota 9:
«Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova "impõe" decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n° 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado».
Ora, apenas nos recursos nºs 1, 2 e 4 se faz apelo a prova gravada, com cumprimento efectivo do comando do nº 4 do citado normativo:
· Recurso 1 – cfr. a impugnação feita aos factos 10, 11, 15, 17, 18, 19, 25 e 28 (vale o que se diz nas conclusões pois na motivação fala-se também do 29, inexistente nas conclusões) e a invocação de extractos do depoimento da arguida AA (em sede de 1º interrogatório judicial);
· Recurso 2 – cfr. a impugnação feita aos factos 7, 27 e 28 e a invocação de extractos do depoimento das testemunhas de acusação II e JJ;
· Recurso 4 – cfr. a impugnação feita aos factos 7, 8, 9, 10, 27, 28 e 29 e a invocação de extractos do depoimento das testemunhas de acusação KK e II.
Vejamos então cada um dos recursos, lidos neste jaez:
*
RECURSO Nº 1
No recurso nº 1, alega-se que não foi feita prova de que a placa mencionada no facto nº 10 era de droga (estupefaciente) – ora, o facto alude a «canábis resina» e também a 10 g do mesmo produto.
É verdade que houve apreensão de droga  - cfr. fls 81 do aresto recorrido - e constam os respectivos exames laboratorais de fls 1993, 2011, 2012, 2017 e 2018, não havendo dúvidas de que estamos a falar de «canábis» (constando do acórdão recorrido toda esta indicação de meios de prova).
Além disso, o tribunal não é obrigado a acreditar na versão dos arguidos, assente ainda que entendeu as declarações deste arguida – no seu 1º interrogatório -, ouvida em julgamento nos devidos termos processuais penais, como não confessórias, à luz do artigo 357º, nº 2 do CPP (e, por isso, não venha agora a defesa invocar que ela confessou os factos pois o não fez).
A arguida não falou em audiência sobre os factos, apenas tendo nós a sua versão em inquérito (aí de forma simplista alega que não sabia que droga era – diz ela: «é droga mas eu não sei que tipo de droga»).
Nem sequer nos parecem credíveis as suas declarações documentadas no recurso (proferidas em 30.7.2021).
O tribunal não acreditou nela. E nós também não.
Note-se que o tribunal não se poderia valer do depoimento da arguida CC, prestado também em sede de inquérito (leia-se o teor do nº 4 do artigo 345º do CPP) – mas o acórdão nem precisava dele pois bastava-se com as declarações da AA, apreciadas livremente, em conjugação com as intercepções telefónicas de fls 186-193 do Apenso B (que fomos ler) – atente-se no teor da sessão 930 do alvo 120673040 e a apreensão de haxixe feita à arguida CC (cfr. fls 768-772).
Com base nisto, e fazendo uso da prova indirecta já aludida, em termos conceptuais, neste nosso aresto, fez o que tinha a fazer – ligar as conversas às apreensões feitas e, em nome das regras básicas de verosimilhança e da experiência comum, deu como provada a intervenção activa desta arguida em todo este esquema que, não sendo uma «associação criminosa», não deixa de ter um impacto organizativo de alguma sofisticação.
Nem sequer se pode dizer que o tribunal lançou indevidamente mão das declarações em julgamento da testemunha LL, na medida em que o seu depoimento não foi, em nada, indirecto para os efeitos do artigo 129º do CPP – escreveu-se no aresto o seguinte: sobre tal testemunho: «LL, cozinheira no EPRL desde abril de 2017, trabalhou com a AA e o DD (Russo) que estava recluso também trabalhou na cozinha como ajudante, chegou a trocar uma mensagem com o DD,  mas este nunca disse quem era, e queria trocar com a AA; chegou a falar com ele se tinha algo a ver com entrada de droga na cadeia, mas este negou sempre e disse-lhe que a namorada tinha feito um favor à AA».
Aqui não está em causa o que lhe foi transmitido por quem percepcionou os factos.
Está em causa aquilo que a testemunha diz que ouviu da boca do arguido DD (tendo havido uma relação directa entre ambos).
Para além disso, mesmo a considerar-se indirecto este depoimento – que o não é – sempre poderíamos validar este aproveitamento do depoimento na linha do opinado no Comentário Judiciário do CPP, Tomo II, p. 93 - «Numa posição mais abrangente, Santos Cabral sustenta que se pode concluir que o art. 129º/1 (conjugado com o art. 128º/1) deve ser interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio e, ainda, que tal interpretação não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido».
 No nosso caso, este depoimento testemunhal foi proferido na presença do arguido DD que não falou em julgamento.
Com base numa livre apreciação da prova, ligando prova directa e prova indirecta, chegou, e bem, o tribunal à prova de toda a factualidade exarada nos factos impugnados pela defesa neste recurso nº 1.
Inexiste, pois, qualquer erro de julgamento, assente que a defesa não conseguiu eficazmente, em cumprimento do ónus do artigo 412º, nº 3, alínea b), convencer-nos de que tal factualidade deveria ser dada como não provada.
Competiria a defesa fazer prova de que esses factos não deveriam ter sido dados como provados – e tal prova não é carreada com eficácia para os autos (não nos basta as simples declarações da própria arguida, como é bem de ver).
*
RECURSO Nº 2
A defesa do arguido FF invoca erro de julgamento nos factos 7, 27 e 28, entendendo que não tinha qualquer relação com os arguidos detidos no EP de ..., não recebendo deles indicações, nada fazendo crer de que actuaram em conluio.
Invoca dois depoimentos de testemunhas, agentes da PJ – a segunda refere que o FF «aparece no processo por se fazer acompanhar daquilo que era a malta referenciada como sendo a malta do MM, isto é, do sr. NN», surgindo na viatura referida no facto nº 7, não sendo conhecido da investigação até então.
A opinião da testemunha foi: «foi um acto em que, diria, isolado da sua participação».
Seria assim mesmo um mero interveniente acidental em tudo isto?
A verdade é que só podemos trabalhar com os factos dados como provados e não provados.
A acusação do MP acusava-o da prática do crime qualificado do artigo 24º, alínea h) do DL 15/93, ligando-o a este esquema destinado à introdução de canábis no EP de ....
Mas o que se provou apenas foi o que consta dos factos provados nºs 6, 7, 8, 9, 27, 28 e 29.
E deu-se como não provado o que consta dos factos nºs 28, 29 e 48.
Ou seja, caiu por terra a tese de que estes 3 arguidos, ao deterem esta droga para venda, a pretendessem introduzir no EP.
Nem se pode dizer que a PJ os apanhou a tempo antes dessa introdução pois o que consta dos factos não provados é que não se fez prova dessa intencionalidade agravativa.
Se assim é, os factos impugnados pela defesa são provados pela detenção e apreensão da droga em causa, resultando provada a intencionalidade e dolo de detenção e venda das regras da experiência, mediante o apelo à chamada prova indirecta.
Face a isto, cai a argumentação do recurso nº 2 quanto à existência de erro de julgamento, assente que o tribunal já não fez qualquer ligação entre o facto 7 e o restante negócio, assente a forma como documentou a factualidade provada e não provada (é ela que vale e não qualquer lucubração escrita, necessariamente despicienda e espúria, eventualmente colocada na motivação de facto).
Discutiremos mais à frente se esta factualidade será suficiente para subsumir a sua ilicitude à norma do artigo 21º ou antes à do artigo 25º do diploma de 1993.
Não se vislumbra, pois, qualquer erro de julgamento.
*
RECURSO Nº 4
Neste recurso, são impugnados os factos 7, 8, 9, 10, 27, 28 e 29.
Recupera-se aqui muito que atrás se escreveu sobre a situação do arguido FF.
Também aqui o tribunal não deu como provado que a droga encontrada no carro tivesse como destino o EP de ....
Se assim  é, e levando em conta as fontes indicadas no acórdão recorrido, só podemos ter como certeira a prova da factualidade ora impugnada sem sucesso pela defesa do arguido EE.
Ou seja:
Inexiste, pois, qualquer erro de julgamento, assente que a defesa não conseguiu eficazmente, em cumprimento do ónus do artigo 412º, nº 3, alínea b), convencer-nos de que tal factualidade deveria ser dada como não provada.
Competiria a defesa fazer prova de que esses factos não deveriam ter sido dados como provados – e tal prova não é carreada com eficácia para os autos.
*
RECURSOS Nº 5 e 6
Já aqui vimos que aquilo que a defesa chama vício do artigo 410º, nº 2, chamamos nós erro de julgamento.
Impugnam, assim, ambos os arguidos, os factos provados nºs 10, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 25 e 26, querendo demonstrar que:
- a arguida CC não sabia que estava a lidar com produto estupefaciente e que a introdução de droga no EP se teria processado sem a sua activa intervenção;
- o arguido DD foi condenado em base em meras escutas telefónicas e em presunções.
Ora, nada trazem estes 2 recursos à ribalta desta causa que possa infirmar a prova que foi feita pelo Colectivo de ... relativamente à real intervenção deste casal neste tráfico agravado.
Quanto às escutas telefónicas, decidiu o aresto em causa o seguinte:
«Os arguidos DD e CC em sede de exposições introdutórias invocaram a nulidade das escutas telefónicas por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,  do acórdão do Tribunal Constitucional  relativo à da Lei 32/2008, de “metadados”.
Cumpre decidir:
O ora invocado pelos supra referidos arguidos já o foi em sede de instrução, sendo que, o que ali foi decidido mantêm atualidade, pelo que , com o devido respeito, mantém-se a posição do Tribunal, considerado tal como ali foi dito que o  Acórdão n.º 268/2022, de 19/04/2022, do Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do uso de “metadados”. O que decidiu foi:
a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição e
b) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
Assim e in casu, não estando em questão o recurso a dados enquadráveis no artº 4º da referida Lei 32/2008 de 17.7 obtidos através da previsão do artº 9º dessa mesma Lei , soçobra a invocada declaração de nulidade.
Notifique».
Acrescentaremos:
Estas intercepções telefónicas – feitas em tempo real - tiveram lugar nos termos dos artigos 187º a 189º do CPP, determinadas que foram depois de realizadas legais vigilâncias por parte do órgão de polícia criminal.
Inexiste, assim, qualquer vício que afecte estas intercepções telefónicas e, consequentemente, a sua valoração, inexistindo, assim, qualquer vício de facto ou erro de julgamento provocado pelo uso de eventual prova proibida.
Quanto ao mais, deixou-se escrito[16] na motivação do acórdão recorrido:
«Concretizando:
· DD, recluso no E.P. de ..., companheiro de CC, sendo que esta recebia o produto estupefaciente no exterior de BB e o entregava a AA, cozinheira no E.P. (veja-se, por exemplo a troca de sms daquele no dia 5.7.2021 com a cozinheira LL onde esta o onformou que tinha alterado um dia de trabalho com a AA e ao que ele respondeu que já sabia porque esta tinha comentado com ele); por outro lado no dia 22.7.2021 o telemóvel utilizado pelo DD recebeu uma sms vujo tepr referia “eles vãp aí”(referindo-se à P.J.) e para não seequecer que a “cozinheira” (AA) era covente (seeão 700 do alvo 120673050 a fls. 272 do apenso B);
· AA, que trabalhava como cozinheira no E.P. de ... e tinha contacto direto com os reclusos e em particular com DD que também trabalhou na cozinha , sendo que aquela era contatada no exterior pela companheira deste – CC – que lhe entregava o produto estupefaciente e que fazia entrar no E.P.de ... para depois o entregar a DD.
· BB, foi detido em flagrante delito (fls. 767 a 772)  de tráfico de estupefaciente e nessa sequência foi-lhe apreendida droga que tinha na viatura por si conduzida matricula ..-..-TM – facto provado 14, 15 e 20 -  (auto de apreensão 787/788 – uma placa de haxixe de 97,49 gr mais 17,22 gr de haxixe resina e 0,55gr de cocaína e ainda 0,82g de ecstasy) , tendo a respetiva busca sido realizada no dia 20.7.2021 (fls. 771), bem como no quarto da sua residência 754,700 gr de pólen de haxixe, envoltos em plastico transparente com os dizeres “NAN” – facto provado 22 – no dia 26.6.2021 houve entrega de  uma placa de haxixe – do BB para a CC e desta para a AA (cfr fls 130 a 132 do ap. B e sessão 1035 do alvo 120673040 transcrita a fls 270 a 271 do referido apenso B);
· CC, companheira do arguido DD   e que na altura trabalhava no café A..., e o auxiliava na entrada de telemóveis e produto estupefaciente no E.P. de ..., recebendo-os de BB  e posteriormente engrendo-os à arguida AA, cozinheira no E.P. e no dia 20.7.2021 foi detida em flagrante delito (fls. 768 a 772  por ter recebido de BB um saco plástico que continha uma placa de haxixe (97,49gr) , correspondente a 325 doses e 280€; outrossim no dia 29.5.2021 a CC ligou para a AA e combinou comesta umencontro para lhe entregar objetos, que por sua vez deveria fazer chegar ao DD (sessão 25 e 27 do alvo 119941040 transcrota a fls. 186 a 191 e 192 a 193 d apenso B)».
De facto, a intervenção da CC está comprovada face ao que decorre das ditas escutas telefónicas (onde se fala em telemóveis mas também em droga – cfr. fls 821, 822, 829 a 832, 186 a 193 e 270/271 do Apenso B) – recordemos que ela foi ainda detida na posse de haxixe, dinheiro e mortalhas (cfr. fls 768-771, detenção essa referida no facto provado nº 18) , não se vendo como se possa sustentar que estavam em causa apenas telemóveis nestas entregas, até porque o telemóvel que deveria igualmente entregar estava separado do estupefaciente (cfr. fls 767-772 e 776-779).
Portanto, em lado algum a defesa consegue provar o contrário do dado como provado na factualidade nº 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 28 e 29, estando comprovadíssima a ilícita intervenção dos arguidos CC/DD na actividade de introdução de canábis no interior do EP de ..., não tendo cumprido o desiderato do artigo 412º, nº 3, alínea b) do CPP.
Não se vislumbra, pois, qualquer erro de julgamento.
3.2.8. Pergunta final neste campo: foi violado o princípio constitucional «in dubio pro reo»?
A defesa dos recursos nºs 1 e 4 respondem afirmativamente.
O princípio in dubio pro reo[17] «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997 -, sendo certo que a «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» - Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170.
A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.
Circunstância que não ocorre in casu, já que consideramos que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos – e provas bastantes - que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/1/2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Deu o tribunal crédito aos testemunhos e outras provas que indica na sua motivação, explicando bem a sua opção.
E não existe qualquer problema em se dar como provada uma determinada factualidade apenas veiculada pela voz assertiva de uma só testemunha.
E foi rigorosa na forma como leu a prova, não embarcando na total prova dos factos narrados no libelo acusatório.
Note-se até que se deram muitos factos como não provados, precisamente por se considerar que as escutas telefónicas – prova documental sujeita a livre apreciação do tribunal - não seriam meios de prova suficientes para a sua prova.
De facto, a circunstância de se terem provado contactos telefónicos estabelecidos com o arguido e que se mostram exarados nas transcrições das escutas telefónicas não comprova a existência real destas vendas, sabendo nós que as escutas telefónicas, desacompanhadas de outros meios probatórios, máxime relatórios de vigilância e/ou prova testemunhal, não permitem, por si só, dar como demonstrada essa factualidade.
Já aqui o assinalámos:
O artigo 127º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do nº3 do citado artigo 412º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).
Ora, no nosso caso, o JCC de Leiria, usando métodos lícitos de valoração da prova produzida, criou uma convicção. E explicou-a em acórdão.
E nem sequer foi violado qualquer princípio constitucional de presunção da sua inocência – colado ao da livre apreciação da prova – na medida em que o tribunal não acreditou na versão negatória de alguns arguidos (mormente da arguida recorrente OO que envolveu a sua actividade em mera compra para consumo pessoal, negando ela que alguma vez tenha vendido estupefaciente por conta da arguida PP), no legítimo exercício da sua livre apreciação do depoimento dos arguidos e dos demais meios de prova.
No fundo, o que os recorrentes pretendem (sobretudo aqueles que invocam a violação do princípio «in dubio pro reo»), nos termos em que formulam a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que eles próprios entendem que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
Os recorrentes em causa limitam-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações por si prestadas e da credibilidade que deveria ter merecido, exercício que, no entanto, é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que, fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso -, o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o artº 412º/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Leiria em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não fica em dúvida, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Em suma:
Não é qualquer dúvida que há-de levar o tribunal a decidir “pro reo”: tem de ser uma dúvida razoável, objectiva, que impeça a convicção do tribunal. E tal como acontece com os vícios da sentença, a que alude o nº 2 do artº 410º do CPP, a eventual violação do in dubio pro reo há-de resultar do texto da decisão recorrida, constatando-se que o tribunal decidiu contra o arguido apesar de, na motivação da convicção, reconhecer que não tem suporte probatório bastante.
Ora, o mesmo princípio não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, sendo antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa – contudo, daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio.
Portanto, e em conclusão, se este tribunal recorrido, analisada e valorada a prova produzida, não ficou na dúvida em relação a qualquer facto, não pode dizer-se que, na dúvida, decidiu contra algum dos arguidos, pelo que não tem qualquer base de sustentação a imputação de violação do princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, não violados in casu.

            3.2.9. Assim sendo, podemos dizer que a argumentação expendida pelos recorrentes esbarra naquilo que foi o conjunto da prova (directa e indirecta) produzida, e com eco na decisão proferida.
Decorre, pois, de todo o exposto, que não demonstram os seis recorrentes que a decisão recorrida tenha incorrido em ilógico ou arbitrário juízo na valoração da prova, ou se tenha afastado das regras da normalidade do acontecer, ou da experiência comum, não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo, tampouco o recorrente indicou prova que imponha decisão diversa da tomada na decisão em crise, não podendo senão concluir-se que a argumentação e prova por ele indicadas não impõem decisão diversa, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do CPP, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, não havendo, pois, qualquer razão para alterar a matéria de facto provada decidida pelo Tribunal a quo.
Aqui chegados e, face a todo o exposto, parece-nos evidente a falta de razão dos recorrentes, nesta parte dos factos, validando-se todos os factos tal como foram gizados no acórdão recorrido (com a excepção mencionada no final deste aresto, em tom de correcção).

            3.3. SOBRE O DIREITO

3.3.1. Argumentam os recursos nºs 3, 4 e 6 que, a existir condenação, teria de ser feita pelo estádio da tentativa e nunca da consumação.
Sem razão.
Os factos nºs 10 a 12 falam por si.
«10. BB levou uma placa de canábis resina (cerca de cem gramas) e dez gramas de canábis resina e entregou-os a CC que, por sua vez, se encontrou com a arguida AA e entregou-lhe para que os levasse para o interior do Estabelecimento Prisional de ....
11. Após, AA entrou no Estabelecimento Prisional de ..., levando consigo a placa de canábis resina (cerca de cem gramas) e os dez gramas de canábis resina, escondidos e, posteriormente, entregou-os ao arguido DD.
12. No dia 27 de junho de 2021, o arguido DD, de acordo com o que havia combinado, dissimulou a placa de canábis resina na cuvete da refeição de QQ».
Ou seja, o DD entregou a droga à CC, a CC à AA e esta introduziu a canábis na prisão, tudo com base em plano conjunto e concertado (em co-autoria – cfr. facto provado nº 25).
Se assim é, basta esta factualidade para termos o crime por consumado, mesmo que no 2º segmento dos factos não se tenha conseguido introduzir mais droga no EP (cfr. facto provado nº 13-18: o DD entregou mais canábis à CC que foi detida antes de a passar à AA).
Já sabemos que a tentativa (artigo 22º do CP) é, precisamente, começo de execução não completa de um crime, por motivo alheio à vontade do agente.
O Código Penal vigente faz um tratamento unitário da tentativa, não distinguindo, como o fazia o Código de 1886, entre tentativa e frustração ou tentativa acabada (para que bastava um único acto de execução) e inacabada (que exigia a prática de todos os actos de execução) ainda que o resultado não se verificasse.
Os actos relevantes para efeito de tentativa não são definidas pelo tipo legal de crime, mas resultam de normas constantes da parte geral do CP.
Estipula o artigo 22º, nº 1 do CP que: há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime, que decidiu cometer, que não se consuma por motivos estranhos ao agente.
Constitui, assim, tarefa essencial, na definição da tentativa, no confronto do artigo 21º e do nº 1 do artigo 22º, a destrinça entre actos preparatórios e actos de execução, uma vez que só estes últimos relevam, para efeito da tentativa.
Vejamos a natureza específica deste delito, exemplarmente explicada no aresto do STJ, datado de 29.6.2023 (AFJ publicado em DRE de 23.9.2023 – Pº 123/16.4SWLSB-F.L1-A.S1):
“Associada, de seu lado, à ideia da consumação material ou terminação anda a de exaurimento do crime.
Na lição de Cavaleiro de Ferreira a «consumação material ou exaurimento consistirá na produção dos efeitos ou consequências, que não sendo embora exigidos como elementos essenciais da incriminação, constituem a plena realização do objectivo pretendido pelo agente; […] a consumação ou exaurimento terá lugar mediante a obtenção efectiva das consequências prejudiciais que a lei pretende evitar ou que o agente se propusera».
E crime exaurido, ou excutido – outra das categorias elaboradas pela doutrina – é o «em que, após a realização da conduta que já integra a consumação formal ou típica, ainda pode haver a produção do resultado que ainda interessa à valoração típica porque ligado aos bens jurídicos protegidos pelo tipo».
Como – pensa-se – facilmente se intuirá, não há incompatibilidade substancial entre os conceitos de empreendimento e de exaurimento: se, como impressivamente afirma Lobo Moutinho, «se pode dizer que a consumação [formal] representa o ápice do iter criminis, já não se [pode] aceitar que com ela» termina, podendo ser exaurido o crime empreendido quando «praticado até à sua completa realização, até ao seu exaurimento».
(…)
Um dos ilícitos que, neste enfoque, é mais frequentemente apelidado de crime exaurido é o de tráfico.
E percebe-se tanto melhor porquê quanto mais numerosos e, ou, diversificados forem os actos praticados e mais próxima da terminação fique a actividade do agente, mormente, quando praticando actos do catálogo da art.º 21º n.º 1, v. g., comece por cultivar a planta; depois, a partir dela prepare o produto estupefaciente; depois, ainda, o transporte; e, por fim, o venda, seja ao consumidor seja para revenda. Significando, já se convirá, os três primeiros momentos consumação formal – é dizer, comportamentos que numa tipificação de outra natureza poderiam representar simples tentativa ou, até, preparação, mas que convocam a tutela penal reclamada pela realização integral do tipo – e, o último, exaurimento, terminação ou consumação material – isto é, a «produção dos efeitos ou consequências, que não sendo embora exigidos como elementos essenciais da incriminação» (logo) preenchidos por ocasião da (primeira) consumação formal, «constituem a plena realização do objectivo pretendido pelo agente» e efectiva, e completa, lesão do(s) bem(s)jurídico(s) protegido(s)»”.
Temos, assim, como consumado o crime em causa com o momento plasmado no facto nº 10 e 11, tendo sido introduzida, de facto, a droga no EP (falamos aqui dos actos atribuídos aos arguidos DD, CC, AA e BB).
Cai, assim, esta pretensão de se verem apenas punidos à luz de um crime tentado.

3.3.2. SOBRE A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS E A CORRECTA SUBSUNÇÃO AO TIPO LEGAL DO DECRETO-LEI nº 15/93

3.3.2.1. Permanecendo a matéria factual tal como foi descrita pelo tribunal recorrido, pergunta-se agora se foi bem feita a subsunção jurídico-penal dos factos apurados quanto aos 6 arguidos.
Nos recursos nºs 1, 5 e 6, as defesas entendem que, a existir crime, ele será o do artigo 25º do DL 15/93, de 22/1.
No recurso nº 3 defende-se que, a haver condenação, que seja por um crime tentado do artigo 21º (questão já por nós resolvida no capítulo anterior).
Nos recursos nºs 2 e 4 não se levanta qualquer problema na qualificação jurídica feito pelo JCC de Leiria.
Note-se que os arguidos a que se referem os recursos nºs 1, 5 e 6 (bem como no nº 3) foram todos condenados pela prática do tipo legal do artigo 24º, alínea h) do diploma em causa.
Os arguidos FF e EE foram-no pelo artigo 21º do diploma.
Pergunta-se:
· 1º- deveremos antes optar, no que tange aos arguidos AA, DD, CC e BB, pelo benévolo artigo 25º, assente a existência de sinais reveladores de uma ilicitude consideravelmente diminuída?
· 2º- mesmo sem ter sido alegado, tratando-se de questão de qualificação jurídica dos factos[18] (não estando vinculada esta Relação à que foi feita no tribunal de Leiria), deveremos antes optar, no que tange aos arguidos EE e FF [e já agora, GG, por força do normatizado no artigo 402º, nº 2, alínea a) do CPP] pelo ainda mais benévolo artigo 25º?
Tomemos desde já posição.
Face à matéria dada como provada, este tribunal não duvida que a subsunção do comportamento dos arguidos AA, BB, CC e DD ao tipo de crime do artigo 24º/h) do diploma de 1993 foi o correcto e adequado.     
Vejamos porquê.
Estatui cada um dos artigos em causa o seguinte:
Dispõe o art. 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, – Tráfico e outras actividades ilícitas:
Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Por sua vez, dispõe o art. 25º do mesmo diploma – Tráfico de menor gravidade:
Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou as quantidades das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”.
Finalmente, o artigo 24º - tráfico agravado - reza assim:
«As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
(…)
h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações».
A cannabis integra a Tabela I-C, anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

3.3.2.2. O crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos, isto é, a saúde pública.
Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Por isso que se trata também de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa (cfr. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174).
É grande o desvalor social da actividade de tráfico de estupefacientes.
Mas tal não obsta ao reconhecimento de que esta actividade apresenta graduações diversas exigindo respostas diferenciadas da lei.
Assim, distingue o Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a gravidade relativa de cada conduta, criando três tipos de tráfico, em função do grau de ilicitude e não da factualidade típica que, basicamente, se mantém.
Desta forma, temos que distinguir o grande tráfico previsto nos arts. 21º e 22º, o pequeno tráfico previsto no art. 25º, e finalmente o tráfico-consumo, previsto no art. art. 26º.
Pretende o legislador permitir «ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.”.
O tipo legal privilegiado do art. 25º fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto.
Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente” que consta da previsão legal, não foi usado por mero acaso e, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º.
Como escreveu Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada.
Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14.4.2005, CJ, XIII, II, 174).
Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como se referiu já, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19.4.2007).
Lancemos mão do acórdão desta Relação de 3.4.2008:
«Retomando a previsão legal e, concretamente, as circunstâncias tipificadas no art. 25º, começaremos por dizer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. Mas aqui relevará também a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
Na que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, e pelos resultados da investigação científica.
A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no art. 26º, nº 3, do diploma que vimos referindo (cfr. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
Para além destes elementos, porque a enunciação legal é, como dissemos, meramente exemplificativa, podem ainda se considerados, entre outros, a intenção lucrativa – que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico – e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual – o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida – e ainda o tempo da actividade».

3.3.2.3. Quanto ao artigo 24º, recorramos a eloquente aresto do STJ, lido na net:
«I - No art. 24.º, al. h) do DL n.º 15/93 de 22-01, tipificam-se situações de facto que, objetivamente, potenciam a perigosidade da ação desligada do resultado, - como é próprio dos crimes de perigo abstrato -, acrescentando dimensão ao ilícito que justifica o agravamento da moldura penal aplicável ao crime base.
II - O agravamento do tráfico cometido no EP visa conferir proteção reforçada a um grupo determinado de pessoas, proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes.
III - Admitindo-se que o tráfico de muito baixa importância ou dimensão no qual concorre um facto agravante, possa, excecionalmente e no limite, não ser punido no âmbito da moldura agravada, não pode ser punido como tráfico de menor gravidade.
IV - A verificação de uma circunstancia qualificativa, conferindo maior densidade à ilicitude do facto, obsta ao privilegiamento do crime fundado na considerável diminuição da ilicitude».
 Também temos como certo que a razão de ser da agravação por via da al. h) do artigo 24º do DL 15/93, por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta.
Na realidade, os estabelecimentos prisionais, face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera (estados de depressão e inactividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afectivas, sentimentos de frustração, perda de auto-estima), são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes.
Tal agravamento do crime de tráfico, acontecido em meio prisional, visa conferir uma protecção reforçada das finalidades da reclusão, ligadas à saúde (física e psíquica) e à reinserção social da população prisional, particularmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes.
Ora, a agravação do crime de tráfico de estupefacientes prevista na alínea h), do art. 24º, do DL n.º 15/93, de 22/1, por a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional, tal como as demais alíneas do mesmo preceito legal, não sendo embora de aplicação automática, implica que seja necessária a análise do caso concreto a fim de se saber se há uma ilicitude acentuada dos factos na sua globalidade e, consequentemente, se justifica tal agravação.
O tribunal explicou-se assim, alertado pelo nosso 1º aresto:
«Quanto à agravação a jurisprudência é uniforme ao salientar que tal agravação não é de funcionamento automático.
No entanto, no caso dos autos  os arguidos DD, BB; AA e CC pretendiam comercializar, uma placa de cerca de 100 gramas de canábis resina e ainda mais 10 gramas de canábis resina no  interior do Estabelecimento Prisional, tendo em vista a obtenção de lucro.
Ora, tal situação, quer pela quantidade do estupefaciente, suscetivel de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer pela intenção lucrativa que presidiu à ação ilícita, procurando assim os arguidos aproveitarem-se da situação de carência de outros reclusos, é sem duvida subsumível à al. h) do artº 24 º D.L. 15/93».
Concorda-se em absoluto.
Se assim é, e se o delito não admite a punição pela diminuição da ilicitude pressuposta no artigo 25º, cai por terra a hipótese de convolarmos o crime do artigo 24º para o 21º ou para o 25º.

3.3.2.4. E que dizer da condenação dos 3 restantes arguidos pelo artigo 21º?
Integra esta infracção o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, no qual o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo.
A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.
Com tal progressividade pretende-se abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se, com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele artigo 21º, ou seja, o artigo 24º no sentido agravativo e o artigo 25º do mesmo diploma no sentido atenuativo.
Lateralmente com tal estrutura progressiva aceita-se que a natureza de crime de perigo abstracto, do crime do artigo 21º citado, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente.
Portanto, não se exige, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da globalidade da acção projectada pelo agente.
Porém, a consumação exige que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver (sublinhados nosso) produto estupefaciente não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
Temos assim entendido:
Há-de-se buscar a imagem global do facto, para se concluir pela verificação ou não da hipótese atenuada de tráfico.
O tráfico de menor gravidade do artigo 25º não quer significar que se esteja perante um caso de pequena gravidade ou gravidade necessariamente diminuta.
A tipificação do artigo 25º parece, antes, significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta, encontre a medida justa da punição em casos que, porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93 e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25º, resposta que nem sempre seria viável e ajustada através dos mecanismos gerais da atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72º e 73º do CP, cuja possibilidade de aplicação não podia ter deixado de estar presente no espírito do legislador ao decidir-se pelo tipo privilegiado do mesmo artigo 25º.
Este artigo 25º constitui a válvula de segurança do sistema, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico de menor gravidade aos de tráfico importante e significativo.
O tráfico de menor gravidade compreende as actividades de pequeno tráfico, designadamente o denominado “tráfico de rua”.
A atenuação especial da pena só deve funcionar quando, na imagem global dos factos e de todas as circunstâncias envolventes fixadas, a culpa do arguido e ou a necessidade da pena se apresentem especialmente diminuídas, seja, quando o caso é menos grave que o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo.
De facto, como tem sido sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 23/11/2011, proc. nº 127/09.3PEFUN.S1, in www.dgsi.pt, “o agente do crime de tráfico de menor gravidade do artº 25º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas: i) a atividade de tráfico é exercida por contacto direto do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); j) há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; k) o período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; l) as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; m) os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; n) os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; o) a actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; p) ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no artº 24º do DL 15/93”».
Quanto aos dois arguidos FF e EE, temos apenas o que consta dos factos provados nºs 6 a 9, 27 e 28 (quanto á materialidade dos eventos ilícitos).
Já sabemos que o tribunal não fez qualquer correspondência ou ligação entre esta detenção para venda e todo o esquema atinente ao tráfico para o interior do EP (cfr. facto não provado nº 48).
Se assim é, parece-nos que a materialidade em causa, sem mais, e sem qualquer adjacente ou complementar dado fáctico – relacionado com as ditas vendas ou com a apreensão de bens que façam indiciar a existência de algum tipo de organização com vista a tal venda -, cai apenas na alçada do artigo 25º do diploma.
Já sabemos que o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01, representa, em relação ao tipo fundamental, um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade do produto estupefaciente. Em regra, está associado à atividade do dealer de rua, do pequeno traficante.
 Nos autos, não surge nada mais do que a apreensão documentada no facto nº 7, de onde se retira que foram apreendidos, a 3 arguidos, um dos quais não recorrente, «quatro quadrados de canábis resina, com o peso de 98,555 g, com um grau de pureza de 16,5%, correspondente a 325 doses», além de telemóveis que não indiciam a existência de qualquer rede.
Em eloquente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28.5.2015 (Pº 421/14.1TAVIS.S1), decidiu-se assim:
«I - Para se saber se o crime de tráfico de estupefacientes cometido foi o do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, ou o do art. 25.º do mesmo diploma, deverá ter-se em conta que o dito art. 25.º faz depender a sua aplicação de uma diminuição considerável da ilicitude do facto. E aponta como índices dessa diminuição os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou qualidade do produto traficado ou a traficar. Daí que a qualificação de um crime de tráfico como sendo de menor gravidade não esteja dependente de uma eventualmente sensível diminuição da culpa. A questão da qualificação em foco começa por ter em conta o problema dos limites a estabelecer entre as previsões do DL 15/93, constantes dos seus arts. 24.º, 21.º, e 25.º, numa escala decrescente de gravidade.
II - O tráfico que se costuma apelidar de pequena gravidade, vive, por regra, da actividade do “dealer” de rua, do pequeno traficante. No entanto, mesmo num conceito generoso deste tipo de traficante, nem por isso ele terá que ver a sua responsabilidade enquadrada, sempre, no art. 25.º. Dependerá evidentemente da acentuada ou não acentuada diminuição da ilicitude.
III - Se atentarmos nas respetivas especificidades, vemos que, no tocante ao indicador de ilicitude “meios utilizados” pelo arguido, na sua atividade de traficante (já que o produto apreendido era na sua grande maioria para venda), o que se pode retirar a partir da factualidade provada é um modus operandi que se tem por simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação. Isto porque no silêncio a tal respeito dos factos provados, a dúvida reverterá sempre a favor do arguido. Inexiste qualquer prova de que o recorrente atuasse enquadrado numa estrutura organizativa. Deve beneficiar, pois, da presunção de que atuava sozinho, em homenagem ao princípio in dubio pro reo».
Com base no que consta dos factos provados, parece-nos, de facto, o aí constante demasiado pouco para subsumir esta ilicitude à norma tipo do artigo 21º.
Nestes termos, efectuada uma valoração global dos factos imputados aos arguidos, que actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, incorreram os dois – mais o 3º não recorrente, GG - na prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 25, alínea a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
A finalizar, diremos apenas como o Acórdão desta Relação de 26/10/2016 (Pº 612/12.0GBPBL.C1):
«I. O funcionamento da figura-de-delito de tráfico de menor gravidade prevenida sob o artº 25º/a) do D.L. nº 15/93, de 22/01, pressupõe que a ajuizanda actividade de narcotráfico se haja materializado em condicionalismo e/ou circunstancialismo eminentemente episódico, experimental, comummente compreensível e ainda socialmente tolerável e razoavelmente justificável, racionalmente indutor de juízo de acentuada, excepcional, significativa, considerável (nos dizeres legais) mitigação do respeitante desvalor comportamental e da respectiva ilicitude.
II. Sempre que tal excepcionalidade se não patenteie, a conduta de narcotráfico haver-se-á de subsumir ao tipo-de-ilícito-padrão inscrito no artº 21º do citado D.L. nº 15/93, de 22/01, ou, naturalmente, verificando-se quaisquer das correspectivas circunstâncias, no agravativo prevenido sob o respectivo artº 24º».
Assim sendo, não obstante nenhum dos dois recursos nºs 2 e 4 levantar esta questão da qualificação do crime tido por cometido, entendendo que esta Relação é livre de fazer esta alteração (não havendo a necessidade de comunicar esta alteração às defesas por se tratar de um «minus» relativamente à condenação – cfr. artigo 358º, nº 3 do CPP), convola-se a incriminação quanto a esses dois arguidos FF e EE para o artigo 25º do diploma em causa.
O mesmo faremos quanto ao arguido GG, não recorrente, assente que ele foi efectivamente, e também, condenado pela prática, como co-autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL 15/93 [até pelos termos do artigo 402º, nº 2, alínea a) do CPP].
Uma palavra sobre esta questão da extensão do nosso labor a um arguido não recorrente.
Sabemos que existe alguma jurisprudência que admite a possibilidade de, em co-autoria por crime de tráfico, um arguido ser condenado como co-autor nos termos do artigo 21º e outro pelo artigo 25º.
Admitindo essa possibilidade de uma co-autoria em que as condutas à mesma subsumíveis têm diverso enquadramento punitivo, julgamos que, caso exista identidade de razões relativamente a todos os co-arguidos, ou seja, as razões que levam à alteração da qualificação quanto aos recorrentes são as mesmas que determinam a alteração da qualificação quanto ao não recorrente, tal alteração deverá ser extensível a este.
Não ignoramos que os recorrentes nºs 2 e 4 não suscitaram a questão da qualificação jurídica nos recursos, mas achamos que seria uma incoerência não fazer a extensão ao arguido-não recorrente, desde que verificado o pressuposto de não estar em causa motivo estritamente pessoal (e não está) e de haver exacta identidade de razões para a alteração relativamente a todos.
Afinal, o tribunal ad quem, num recurso de arguido que se funda em razões não estritamente pessoais, ao conhecer oficiosamente de vício do artigo 410º, nº 2, do CPP, também o deve conhecer - do mesmo vício, entenda-se - relativamente a co-arguido não recorrente acusado em comparticipação, apesar de se tratar de um caso de conhecimento oficioso, por não ter sido suscitado pelo arguido-recorrente.
Claro que a situação não é idêntica, mas pensamos que a linha de raciocínio conduzirá ao mesmo resultado.
Se assim é, também vamos apenas condenar o arguido GG pelo crime do artigo 25º, alínea a).

3.3.3. SOBRE A MEDIDA DAS PENAS

3.3.3.1. Perante a perfectibilização dos tipos legais em causa, nos seus elementos objectivos e subjectivos (cfr., a este propósito, o artigo 14º, do CP e a dimensão necessariamente dolosa do comportamento dos agentes, assente que, in casu, a negligência não é punível nos 2 crimes convocados), há que passar à operação da determinação da MEDIDA da pena a aplicar aos 6 recorrentes (todos eles recorrem com essa base, querendo a diminuição das penas).
No nosso caso:
· a moldura penal abstracta do crime de tráfico agravado p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea h) do DL nº 15/93, de 22/1, é: pena de prisão de 5 a 15 anos (as penas do artigo 21º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, logo, de 5 a 15 anos);
· a moldura penal abstracta do crime de tráfico do artigo 21º é: de pena de prisão de 4 a 12 anos;
· a moldura penal abstracta do crime de tráfico do artigo 25º, alínea a), é: de pena de prisão de 1 a 5 anos.

3.3.3.2. Raciocinou, assim, o Colectivo, chegando a este veredicto em termos de penas aplicadas aos 6 arguidos recorrentes (transcrição, com sistematização da nossa lavra):
«Concluindo o Tribunal pela responsabilidade criminal dos arguidos DD, AA, BB  e CC em co-autoria, praticaram um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 e 24º al. h) do DL 15/93, de 22-01, e com referência à Tabela I-C e os arguidos EE, GG e FF um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22-01, e com referência à Tabela I-C cumpre, agora, determinar as suas consequências jurídicas, isto é, importa agora definir a natureza e medida das penas a aplicar aos mesmos.
O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
O artigo 24º prevê que as penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo ou seja de 5 a 15 anos de prisão.
Assim, não cabe, in casu, ao Tribunal proceder à escolha da pena, já que a pena de prisão para o crime em questão é imposta pelo legislador, retirando ao julgador, qualquer faculdade na escolha da espécie de pena a aplicar (cfr. art.º 70.º do Código Penal, “a contrario”).
Desta forma, aplicar-se-á aos arguidos  pena de prisão.
*
Da não aplicação do D.L. nº401/82, de 23 de setem­bro:
O Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, criou um regime especial, aplicável aos agentes que tendo completado, na data dos factos, 16 anos sem ter atingido os 21 anos de idade e que não sendo inimputáveis, tenham praticado um facto qualificado como crime, estatuindo o art.4º do citado diploma legal o dever do juiz atenuar especialmente a pena, na hipótese de ao caso ser aplicável pena de prisão.
Com efeito o arguido FF tinha à data dos factos 20 anos, contudo, a idade, tal como é entendimento uniforme da Jurisprudências dos nossos Tribunais não basta para fazer funcionar a referida atenuação especial, sendo necessário que se verifiquem, igualmente, «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado». Por outras palavras, a atenuação especial não decorre automaticamente da idade, antes se torna necessário a existência de um prognóstico favorável à reinserção social do jovem condenado, radicada, caso a caso e em face da personalidade do agente, na sua conduta anterior e posterior ao facto, na natureza e modo de execução do ilícito e na apreciação dos seus motivos determinantes. Em síntese, líquido é, que a atenuação especial em causa não só não opera automaticamente como, mais do que isso, necessário se torna ainda que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem.
À luz das reflexões expostas e em consonância com os factos que resultaram provados, en­tende este Tri­bunal que, no caso concre­to, não deve ser aplicada ao arguido a ate­nuação es­pe­cial para jo­vens, prevista nas disposições conjugadas dos artigos­ 1.º e 4.º, do D.L. nº401/82, de 23 de setem­bro, considerando os antecedentes criminais do arguido e por inexistirem sérias razões para crer que da atenua­ção resultam vantagens para a  sua esperada reinserção.
Ponderemos agora a medida concreta das penas aplicar a cada um dos arguidos, devendo para o efeito socorrer-nos dos critérios previstos no artigo 71.º do Código Penal.
- Quanto ao grau de ilicitude, haverá que referir que o mesmo se afigura mediano, atenta a natureza e quantidade da droga transacionada (haxixe)
- Quanto ao modo de execução do crime, este revela-se de grau elevado, no tocante a todos os arguidos,  mas elevadissimo no caso dos arguidos que praticaram o crime em situação de reclusão.
- As exigências de prevenção geral são elevadissimas, na medida em que o tráfico de estupefacientes, é crime que teima em persistir na nossa sociedade, afetando a saúde, a integridade física dos consumidores, afetando, por vezes, de forma irremediável o seu relacionamento com familiares e amigos, e levando-os, muitas das vezes, à adoção de condutas ilícitas com vista a arranjar proventos para satisfazer as suas necessidades de consumo, contribuindo para um sentimento de insegurança por parte da população.
- O grau de participação de cada um dos arguidos.
- O periodo de duração da atividade;
 Tais dados levam à conclusão de que se impõe ao Tribunal que tenha uma reação cada vez mais firme e punitiva no sentido de dissuadir a prática deste tipo de ilícitos, tendo em vista proteger os bens jurídicos “supra” referidos.
 - A intensidade do dolo desfavorece também os arguidos, o facto de terem agido com dolo direto, a forma de dolo mais grave.
 - Relativamente à sua conduta posterior, haverá que considerar a falta dearrependimento e a conduta processual dos arguidos.
 - Relativamente à conduta anterior, desfavorece em especial o arguido  DD e o arguido EE, reincidentes e os antecedents criminais que a maioria dos arguidos ostentam, alguns deles já tendo sido condenados, por crime de tráfico e de consumo de estupefacientes, impondo-se exigências de prevenção especial mais prementes já que as anteriores condenações, não surtiram qualquer efeito pedagógico/dissuasor junto deste.
 Assim, relativamente  a todos os arguidos as exigências de prevenção especial, revelam-se, elevadas.
 Efetivamente, é no momento em que se trata de determinar em concreto a sanção aplicável ao infrator, que a Justiça se realiza na ordem dos factos - «em nenhum outro momento o Juiz incorpora tão dramaticamente a Justiça como quando fixa a pena aplicável» - e em que o próprio Direito se vem a concretizar no caso concreto[19]. Por último, o Juiz ao fixar concretamente a medida da pena não pode mover-se por mero arbítrio judicial como também não pode cingir-se a uma mera subsunção silogístico-formal.
 Deste modo, aplica-se aos arguidos:
· DD uma pena de 6 anos de prisão;
· AA uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão;
· BB uma pena de  6 anos de prisão;
· CC uma pena de 5 anos e 2 meses de prisão;
· EE uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
· GG uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
· FF uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
*
Da reincidência:
Aplicação dos pressupostos da REINCIDÊNCIA aos arguidos DD e EE, prevista nos artigos 75.º, n.os 1 e 2 e 76.º, n.º 1, ambos do Código Penal:
Dispõe o artº 75º do Código Penal que:
«1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade. (…)»
E, nos termos do disposto no artº 76º nº 1 do mesmo diploma legal: «Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado.
A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.(…)»
Assim, constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, «por si só ou sob qualquer forma de participação»:
- que o crime agora cometido seja doloso;
- que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão superior a 6 meses;
- que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida processual,                                                                                                                                                                                                                        pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
Além daqueles pressupostos formais, a verificação da reincidência exige, ainda, um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Ora, no caso sub judice, estão preenchidos todos os pressupostos formais da reincidência, porquanto:
O arguido DD foi condenado por acórdão transitado em julgado nodia 01/07/2020, no processo comum colectivo n.º2/17...., do Juízo Central Criminal de Leiria, Juiz 4, na pena única de quatro anos e nove meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º1, al.d), da Lei n.º5/2006, de 23/02, e de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, al.a), por referência ao artigo 21.º, n.º1, ambos do D.L. n.º15/93, de 22/01, pela prática de factos ocorridos em Fevereiro de 2017.
O arguido DD foi detido, no âmbito do referido processo, no dia 04/07/2018, tendo sido sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, a qual foi substituída, em 18/06/2019, pela obrigação de permanência na habitação, que iniciou no dia seguinte e cessou no dia 05/02/2020.
O arguido iniciou o cumprimento da pena a que foi condenado no dia 30/07/2020, o qual se mantém.
O arguido, apesar da condenação que sofreu, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, revelando-se especialmente censurável o facto de ter voltado a praticar factos semelhantes aos que foram alvo de condenação em pena de prisão.
O arguido EE foi condenado por sentença proferida no processo comum singular n.º46/15...., que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 13, transitado em julgado em 29/09/2016, na pena única de dois anos e nove meses, pela prática em 13/05/2015, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º1, e 25.º, al.a), ambos do DL. n.º15/93, de 22/01, e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º1, do Código Penal.
O arguido EE encontrou-se a cumprir a referida pena, de forma ininterrupta desde 19/04/2018 até 19/01/2021.
O arguido evidencia dificuldades em manter comportamentos normativos, desvalorizando as suas condutas e as suas consequências.
O arguido demonstra dificuldades em se situar normativamente, manifestando dificuldades na interiorização e cumprimento de normas e regras.
O arguido, apesar das condenações que sofreu, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, revelando-se especialmente censurável o facto de ter voltado a praticar factos semelhantes aos que foram alvo de condenação em pena de prisão.
Deverão, assim, os arguidos DD e EE ser considerados reincidentes, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 75.º, do Código Penal.
O crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos vêm acusados é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos no caso do DD e de 4 a 12 anos no caso do EE e por via da agravação da reincidência é agravado de 1/3 e o seu limite minino, é respetivamente,  de 6 anos e 8 meses e de 5 anos e 4 meses.
Cremos justa a aplicação da pena de 6 anos no caso de DD e de 4 anos e 6 meses no caso de EE, conforme já se referiu supra.
Assim, seria esta a pena que, concretamente, deveria caber aos arguidos se eles não fossem reincidentes.
Pelo exposto, tendo em conta os respetivos limites mínimos e máximo e ponderando todas as circunstâncias supra referidas, a este Tribunal afigura-se adequado aplicar, à luz do regime vigente, a pena de  7 (sete) anos de prisão ao arguido DD pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado do artº 21º e 24º  e a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão  ao arguido EE pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artº 21º.
*
Da suspensão da execução da pena:
No entanto, nos termos do art. 50º do Código Penal  na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei 59/2007 de 4/9, “O tribunal suspende a execução da  pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste,  concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.
Por seu turno preceitua o nº 5 do artº 50º do Código Penal  na redação das alterações introduzidas pela Lei 94/2017 de 23/8, que “O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
Assim, a suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal, material o outro. O primeiro exige que a pena de prisão aplicada não exceda cinco anos. O pressuposto material consiste num juízo de prognose segundo o qual o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para afastar  o delinquente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral.
Como ensina Jescheck[20], na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente: mas, se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um in dubio contra reo.
No caso, é indubitável a existência do pressuposto formal, uma vez que os arguidos GG e  FF vão condenados na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
É, em nosso entender, igualmente liquida a existência do pressuposto material no que tange ao arguido FF, pois tudo faz concluir que o  arguido esteja disposto a aproveitar a oportunidade para se reintegrar socialmente, pelo que se decide suspender a execução da pena pelo período de 4 anos e 6 meses, sujeita a regime de prova;
Já assim não entende este Tribual relativamente ao arguido GG, uma vez que considerando os antecedentes criminais que o arguido ostenta a pena deve ser cumprida em reclusão, não tendo oarguido sabido aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas anteriormente».

3.3.3.3. Vejamos agora o que pretende cada um dos recursos, neste sector das penas (anotando-se que sempre em tom de pedido subsidiário).
No recurso nº 1, entende-se que a pena do tráfico é excessiva, pugnando-se por uma pena entre os 4 e 5 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
No recurso nº 2, defende-se a aplicação de pena de prisão não superior a 3 anos (com a requerida atenuação especial), suspensa na sua execução.
No recurso nº 3, entende-se que há excesso da pena de prisão aplicada, pedindo uma «pena de prisão nos limites mínimos», suspensa na sua execução.
No recurso nº 4, propugna-se uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução com regime de prova.
No recurso nº 5, defende-se a aplicação de uma pena de prisão inferior à aplicada, suspensa na sua execução.
No recurso nº 6, nas motivações – e já não nas conclusões – defende-se a aplicação de uma pena de prisão que não deve exceder os 5 anos, suspensa na sua execução.

3.3.3.4. Façamos então o caminho das operações de escolha da medida da pena, inexistindo aqui a fase da escolha de pena.
O artigo 71º, nº 1, do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve encontrar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, sendo antes uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do Direito e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, e na feliz fórmula de Simas Santos, «mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, atos cognitivos e puras valorações».
Na determinação da medida concreta da pena, deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71º/2, do CP, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.
O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar.
Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão do STJ de 22.9.2004, “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.
O modelo do Código Penal é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto.
A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do art. 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.
O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Repete-se: dentro da moldura cabível no caso concreto funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do nº 2 do artigo 71º do CP.
Ora, a determinação da pena envolve diversos tipos de operações:
· a)- determinação da medida abstracta da pena (olhando para o tipo legal de crime em causa);
· b)- escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70º, do CP (fase aqui NÃO aplicável);
· c)- fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71º, do CP;
· d)- ponderação da aplicação de uma pena de substituição;
· e)- fixação, finalmente, desta pena (sua medida concreta).
Já aqui vimos as molduras penais abstractas dos dois crimes aqui existentes.

3.3.3.5. Que dizer da operação de determinação das penas de prisão encontradas pelo JCC de Leiria?
Há a considerar a intensidade do grau de culpa, tendo todos os arguidos agido com dolo directo, não mitigada ou atenuada por qualquer circunstância.
A ponderar o modo de execução do crime (muito grave nos arguidos que agiram em reclusão ou interagindo com arguidos reclusos) e a postura de cada um perante o processo (nenhum falou em julgamento, no início ou no término[21] das várias sessões de julgamento, não se podendo assim saber se estão arrependidos ou não[22] – apenas sabemos algo quanto à arguida AA, ouvida em 1ªs declarações de inquérito que o tribunal de julgamento não entendeu como confessatórias e, por isso, nada colocou na factualidade provada no que tange ao seu alegado arrependimento, apenas reproduzindo, no facto nº 52, o que o relatório social da DGRSP sobre ela dissertou).
Que dizer dos antecedentes criminais dos seis arguidos em causa (cfr. factos provados nºs 54, 56, 57, 62, 67 e 68)
Os arguidos BB, CC e AA não têm antecedentes criminais.
O arguido DD tem uma condenação, em 2019, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (do artigo 25º do DL 15/93), conhecendo a reclusão (4 anos e nove meses).
O arguido EE tem 4 condenações, sempre em penas de prisão, pela prática de crimes de roubo (dez), em 2008,  de tráfico de menor gravidade (aqui suspensa na sua execução), em 2014, de roubo, burla informática e sequestro, em 2015, e de tráfico de menor gravidade e resistência e coacção sobre funcionário, em 2016.
Já conheceu, portanto, a reclusão várias vezes.
O arguido FF tem duas condenações anteriores pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de receptação, transitadas em julgado em 26.1.2023 e 2.2.2023, respectivamente, conhecendo penas de prisão substituída por multa e de multa também respectivamente.
Teremos também em atenção as condições de vida – sociais, familiares e económicas - destes arguidos, devidamente descritas na factualidade apurada, a partir do facto nº 37:
· 37 - quanto ao BB;
· 38 - quanto ao DD;
· 41 - quanto à CC;
· 46 – quanto ao EE;
· 48 – quanto ao FF;
· 52 – Quanto à AA.
No caso há ainda a salientar a presença de elevadíssimas exigências de prevenção geral, que se fazem sentir neste tipo de criminalidade.
 Na verdade, não poderá escamotear-se que a problemática relacionada com os estupefacientes constitui, na nossa sociedade actual, um verdadeiro flagelo.
A complexidade e a mutabilidade da produção, tráfico e consumo de drogas, tal qual se apresenta nos dias de hoje, advém dos efeitos directamente produzidos pelas substâncias ou preparados nos indivíduos e pelas consequências sanitárias e desestruturantes da sociedade, bem como das ligações que a produção e comércio desses produtos tem com a distorção produzida ao nível da economia mundial e economias nacionais e de eventuais implicações corruptivas e fragilizadoras ao nível dos sistemas políticos.
Sendo um dos fins da pena a tutela dos bens jurídicos nos termos do artigo 40º do CP, há que olhar ao bem jurídico em causa neste tipo de crime.
No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstrato, noutra perspetiva, estamos face a um crime pluriofensivo.
Na realidade, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores -, visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública -, pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 426/91, de 6.11.1991, onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia”).
Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio”, enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo, também, através de penas robustas e efectivas.
Aliás, o próprio DL nº 15/93, de 22.1, adianta, no seu preâmbulo que:
«(…) o tráfico ilícito de estupefacientes representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes …nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem à organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …».
As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade» - Acórdão do STJ de 25.2.2009.
Também o Acórdão do STJ de 20.1.2010 é expressivo nesta matéria:
«O crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera.
As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na crescente degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade.
Os últimos dados conhecidos sobre as consequências nefastas do consumo de estupefacientes apresentam-nos um quadro muito negativo, traduzido num aumento significativo do número de mortes ocorridas, em especial por overdose. Segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, as mortes provocadas pelo consumo de estupefacientes subiram 45% entre 2006 e 2007, situando-se no preocupante patamar de 314 óbitos, o valor mais elevado desde 2001.
Certo é, por outro lado, que em 2007, no âmbito da Lei da Droga, foram condenadas 1420 pessoas, a maioria esmagadora por tráfico, com associação ao consumo em 2% dos casos. Em 31 de Dezembro de 2007 encontravam-se detidas 2524 pessoas condenadas por tráfico, representando 27% da população reclusa, o que significa ter sido interrompida a tendência decrescente de reclusos por tráfico que se vinha verificando desde o ano 2000.
Esta situação mostra-se consonante, aliás, com a que se verifica na generalidade dos demais países, bem retratada no comunicado emitido em Novembro de 2009 pelo Conselho de Segurança da ONU, no qual se refere que o tráfico de drogas está a transformar-se numa séria ameaça que afecta todas as regiões do mundo».
No que respeita à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa, temos aqui haxixe.
Sendo certo que o Decreto-Lei nº 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de, no preâmbulo, referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.
Ora, não se diga que o (presente nos autos) tráfico de «cannabis» é de menor relevância e danosidade – ela, de facto, reforça o desinvestimento escolar, gera danos cognitivos exacerbados e pode causar ataques psicóticos, podendo o seu consumidor facilmente passar ao policonsumo.
Como bem dissertou o STJ no aresto datado de 5.5.2022 (Pº41/20.1PJCSC.L1.S1):
«O tráfico de canábis não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia que atualmente se quer generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”.
A canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosas para a saúde».
Esta droga, enquanto substância perturbadora/alucinógena, modifica a actividade do Serviço Nervoso Central, a percepção, o pensamento e produz alucinações e delírios, além de prejudicar a coordenação motora, a memória e atenção, gerando ansiedade e depressividade (sabemos também que as perturbações de ansiedade, tão próprias nos jovens – vivendo eles num excesso de passado, num excesso de presente e num excesso de futuro -, podem aumentar a susceptibilidade do consumo da canábis.
Na fase da juventude, aumenta a probabilidade de início de um consumo de substâncias, como o álcool, a nicotina e a canábis (Da Silva, 2024; Gonçalves, 2019; Klein, 2024; Pais, 1990).
O uso ocasional destas drogas, mas em doses elevadas, pode provocar danos significativos, incluindo coma alcoólico, overdose, acidentes, violência e comportamento sexual desprotegido.
O uso regular de álcool, canábis, nicotina ou outras, durante a adolescência, está associado a taxas elevadas de detioração do funcionamento psicológico, e taxas mais altas de dependência - quanto mais precoce o consumo, maior a probabilidade de dependência na idade adulta (Da Silva, 2024; Gonçalves, 2019; Klein, 2024; OMS, 2004; Pais, 1990).
Não obstante, a cannabis é uma das substâncias mais banalizadas e minimizadas pela sociedade.
E aqui o sistema judiciário não pode seguir este paradigma de branqueamento como se uma "ganza na vida" não fizesse mal a ninguém.
Faz e muito.
Por conseguinte, serão sempre elevadas as necessidades de prevenção geral positiva.
Diga-se ainda quanto à arguida AA (recurso nº 1) e à arguida CC (recurso nº 5), «com o fito de obter proventos financeiros, fez introduzir estupefacientes no interior de uma prisão. Precisamente um local de ambiente controlado e fechado e onde, quem ali desempenha funções, tem obrigações acrescidas de cuidado – precisamente, por ter acesso ao interior do estabelecimento prisional enquanto prestadora de serviços, e por essa via conhecedora das regras de segurança e da sua forma de implementação [e fragilidades] foi  a   recorrente  abordada     para   participar  num    plano              conjunto de introduzir   estupefacientes  na  prisão, o  que  fez» (resposta do MP na 1ª instância).
Face a todos estes factores, considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa, entende-se como adequadas e proporcionais a aplicação das penas que foram gizadas pelo Colectivo de Leiria no que tange aos arguidos AA, BB, CC e DD, não mexendo esta Relação em nenhum do quantum dessas penas [na medida em que, embora possa haver diminutas razões de prevenção especial na situação de alguns arguidos (com relatórios sociais mais favoráveis), as prementes e gravosas exigências de prevenção geral falam mais alto, assim se justificando estas penas efectivas de prisão].
Ou seja:
· DD - uma pena de 7 anos de prisão (mínimo da moldura da reincidência: 6 anos e 8 meses);
· AA - uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão (mínimo da moldura: 5 anos);
· BB - uma pena de 6 anos de prisão (mínimo da moldura: 5 anos);
· CC - uma pena de 5 anos e 2 meses de prisão (mínimo da moldura: 5 anos).
Ainda quanto às penas aplicadas aos arguidos AA, BB, DD e CC, diremos:
As penas reclamadas pelos recorrentes são infinitamente insuficientes para assegurar as finalidades da punição.
Acresce salientar a jurisprudência do STJ expressa entre outros arestos, no Acórdão de 7 de Abril de 2011, que considera dever atender-se a que o tribunal a quo fruiu, também, quanto à medida da pena, da imediação e oralidade, pelo que só em casos de manifesto desequilíbrio e desproporcionalidade, haverá a medida que ser alterada em recurso, o que aqui, salvo melhor opinião e o devido respeito, não sucede.
A propósito da controlabilidade da pena, em recurso, ensina Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, pág. 197), que sobre a determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que «tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada».
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 7 de Outubro de 2013 (Pº 86/13.8GEGMR.G1) onde se decidiu que «se o tribunal, na escolha e determinação da medida da pena, formulou juízos e tomou opções que não ofendem os parâmetros de normalidade das coisas da vida, não deve a decisão ser modificada pelo tribunal de recurso, por discordâncias pontuais e de pormenor».
Não tendo os recursos trazido qualquer relevante argumento para efectivarmos a redução destas penas, manteremos as penas na íntegra, tal como foram pensadas e aplicadas em Leiria, na medida em que todas elas se situam um pouco – muito pouco - acima do seu limite mínimo.

3.3.3.6. Quanto ao arguido DD (e já agora, ao arguido EE), reiteramos tudo o que foi decidido em sede de reincidência.
Analisemos a figura em causa.
Dispõe o artº 75º, nº 1 do CP, que “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”, estabelecendo o artº 76º do mesmo Diploma que, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, sendo que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
São, assim, pressupostos da reincidência os seguintes:
a) Formais: o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.
b) Material: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.
O preenchimento do pressuposto material tem de assentar em factos concretos, não bastando a mera menção ao certificado de registo criminal.
Torna-se necessário explicitar, designadamente da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efetiva não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 30.5.2012, in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o pressuposto material da reincidência encontra-se alegado (cfr. factos nºs 80, 82 e 85 da acusação do MP quanto ao DD, bem como factos nºs 104 a 108 da acusação do MP quanto ao EE), tendo por referência as condenações constantes dos CRCs dos arguidos DD e EE e foi dado como provado que ambos foram anteriormente condenados em penas de prisão efectiva nos processos referidos nos factos 30-33 (DD) e 34-36 (EE).
O DD conheceu uma pena efectiva de 4 anos e 9 meses de prisão, por condenação transitada em julgado em 1.7.2020 (Pº 2/17.... – boletim nº 1 do seu CRC, p. 4126), por factos praticados em Fevereiro de 2017, esteve recluso desde desde ../../2018 até ../../2019, acabando depois por cumprir tal pena a partir do dia 30.7.2020 até ../../2023.
Os nossos factos datam de Junho de 2021.
Não passaram assim os 5 anos previstos no nº 2 do artigo 75º do CP (assente ainda a suspensão de tal prazo aquando da sua efectiva[23] reclusão).
O EE conheceu uma pena efectiva de 2 anos e 9 meses de prisão, por condenação transitada em julgado em 29.6.2016 (Pº 46/15.... – boletim nº 7 do seu CRC, p. 4156), por factos praticados em 13.5.2015, e esteve recluso desde 19.4.2018 até 19.1.2021.
Os nossos factos datam de Junho de 2021.
Não passaram assim os 5 anos previstos no nº 2 do artigo 75º do CP (assente ainda a suspensão de tal prazo aquando da sua efectiva reclusão).
Assim, entre a data da prática dos crimes pelos quais foram ambos condenados no âmbito dos processos referidos em 30 e 34 e a prática dos factos pelos quais foram agora aqui julgados – e condenados em pena de prisão efectiva superior a 6 meses - não passaram ainda 5 (cinco) anos, descontado nesse prazo o período em que ambos estiveram privados da liberdade na sequência do cumprimento das penas de prisão que lhes foram aplicadas, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 2, do CP.
Também o pressuposto material foi alegado e dado como provado, pois verifica-se que, através da prática dos factos pelos quais os arguidos foram já condenados e, bem assim, com a prática daqueloutros que ora lhe são imputados, os arguidos revelam uma especial apetência para a criminalidade e uma indiferença pelas eventuais consequências das suas condutas, não logrando voltar a enquadrar-se numa existência condizente com regras de convivência em sociedade, muito embora tenha já sofrido privação da liberdade.
Sempre estão em causa crimes do mesmo jaez – tráfico de estupefacientes.
Atento o exposto, verifica-se que os arguidos DD e EE, apesar de já terem sido condenados pela prática dos crimes supra referidos e de terem cumprido penas de prisão, não interiorizaram o desvalor das condutas por si praticadas nem, bem assim, as finalidades das respectivas punições, pelo que se conclui que as anteriores condenações por si sofridas não serviram de suficiente obstáculo ou advertência para os afastar da prática de novos crimes.
Donde os arguidos demonstram, com o seu percurso de vida e a prática dos ilícitos penais em sujeito, não terem adequado o seu comportamento às regras sociais e normas penais em vigor.
Pelo exposto, serão os arguidos DD e EE condenados como reincidentes, dado que a pena concreta a aplicar será sempre de prisão efectiva e superior a seis meses, VALIDANDO-SE assim a decisão do JCC de Leiria, também neste particular, improcedendo, nesta parte, o recurso nº 4.
3.3.3.7. Qual a pena a aplicar aos arguidos FF, EE E GG (este não recorrente, já o sabemos), agora pelo novo artigo 25º?
Antes de mais, uma palavra quanto à questão da atenuação especial a aplicar ao FF, com menos de 21 anos à data destes eventos.
O tribunal decidiu não atenuar especialmente a pena, nos termos desse diploma – tal entendeu «face aos antecedentes criminais do arguido e por inexistirem sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a sua esperada reinserção».
O FF já foi condenado duas vezes, de facto, por factos de 2020, pela prática de um crime de furto qualificado e de receptação (ambas as condenações datam de 2022).
Os nossos factos datam de Junho de 2021.
Está hoje perfeitamente adquirida na jurisprudência a ideia de que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL nº 401/82 de 23/09 e, se tal acontecer, não pode deixar de atenuar especialmente a pena.
Fazemos aqui nossas as eloquentes asserções feitas no acórdão do STJ de 7.11.2007 (Pº 07P3214):
“I - O regime pressuposto no art. 9.º do CP consta (ainda hoje) do DL 401/82, de 22-09, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (art. 4.º), e, por outro, estabelecer um quadro específico de medidas ditas de correcção (arts. 5.º e 6.º).
II - O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos constitui, pois, uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento. Injunção que se mantém actual (e porventura mesmo actualizada), como se pode ver na mais recente manifestação externa de uma intenção legislativa de recomposição do regime vigente (a Proposta de Lei 45/VIII, no Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 21-09-2000).
III - A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.
IV - A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (pelo julgador) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão “deve” com significado literal de injunção. Para tanto, o juiz não pode deixar de averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação sempre que o indivíduo julgado tenha idade que se integre nos limites da lei (cf., v.g., os Acs. do STJ, in CJSTJ, ano V, tomo 3, pág. 192 e ano VII, tomo 3, pág. 234, referindo vária jurisprudência).
V - Para decidir sobre a aplicação de regime relativo a jovens, o tribunal tem de dispor da base factual necessária, e por isso, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem de proceder, autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objectiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respectivos pressupostos – determinar se pode ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção de um jovem –, perspectiva em que o relatório social deve ser considerado um elemento da maior relevância.
VI - O regime penal de jovens, com o nomem de regime especial, não pode ser conceptualmente considerado como lei especial, mas, antes, materialmente, constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do art. 2.º do referido DL 401/82.
VII - O regime penal aplicável a jovens entre 16 e 21 anos de idade prevê várias medidas e modalidades de determinação e fixação da pena de prisão quando deva ser aplicada, sendo que, no caso de ser aplicável pena de prisão, o art. 4.º do aludido diploma determina que a pena deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
VIII - A aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão (superior a 2 anos – art. 5.º do DL 401/82), depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.
IX - As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade”.
No nosso caso, entendeu-se que não se deveria atenuar especialmente a pena.
Olhando para os factos provados e para o teor do relatório social feito sobre as condições de vida do arguido FF, não vemos razões para divergir do juízo do JCC de Leiria – o facto de não se atenuar especialmente a pena ao abrigo deste DL de 1982 não significa que não se possa, numa fase posterior, suspender a execução de uma pena de prisão que se acaba por aplicar a esse jovem (e daí não vermos qualquer contradição nas duas decisões, ao contrário do que se aduz no recurso nº 2).
É, de facto, possível que o tribunal suspenda a execução de uma pena de um arguido mesmo sem aplicar a atenuação especial prevista no Decreto-Lei n.º 402/82 – já sabemos que suspensão da execução da pena depende, todavia, de outros factores, nomeadamente, a natureza do crime e a avaliação da possibilidade de a ameaça de pena cumprir a sua finalidade de forma adequada.
Como tal, a atenuação especial do DL 402/82 é uma causa de diminuição da pena, mas a suspensão da execução da pena não está condicionada à sua aplicação.
Pode a suspensão viver sem a atenuação, já sendo mais complicado – e de mais difícil explicação - aplicar-se uma atenuação sem a suspensão.
A atenuação especial da pena mexe com a própria moldura penal abstracta e está inegavelmente ligada a considerações que não podem deixar de ser as seguintes: «circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena» (cfr. artigo 72º do CP).
Mesmo aceitando que o arguido terá passado em 2020/2021 por um momento menos feliz e ordenado na sua vida, a verdade é que praticou factos ilícitos ligados ao património com algum significado.
E do relatório social e da argumentação do recurso nº 2 não se retiram suficientes razões para se lançar mão de mais esta benesse (já o é e vai ser o facto de ser o único arguido que não vai conhecer, neste processo, uma pena efectiva de prisão).
O recorrente nº 2 «agiu com dolo directo e apresenta fragilidades pessoais e sociais,                pelo     que inexistem circunstâncias de onde se possa concluir que a atenuação da pena - sendo certo que a execução da pena de prisão foi suspensa por força do artigo 50.º, do Código Penal - no caso concreto do recorrente contribua para a sua reinserção social, pelo que a mesma não deverá ser aplicada» (cfr. resposta do MP de 1ª instância).
Improcede, assim, o recurso nº 2 nesta parte.
3.3.3.8. Quanto às penas a aplicar a estes 3 arguidos (FF, EE e GG), sopesados os critérios apostos na decisão recorrida, à luz do artigo 71º do CP, e sempre pressupondo o EE como reincidente, chega esta Relação às seguintes PENAS:
· FF - uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão (mínimo da moldura: 1 ano/até 5 anos);
· EE - uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão (mínimo da moldura de reincidência: 1 ano e 4 meses/até 5 anos);
· GG - uma pena de 3 anos de prisão (mínimo da moldura: 1 ano/até 5 anos) – cfr. quanto a ele o que consta dos factos 45 e 61.

3.3.3.9. Finalmente, impõe-se verificar que as penas aplicadas aos arguidos condenados pelo artigo 24º não são passíveis de ser suspensas na sua execução pois ultrapassam os 5 anos de prisão (artigo 50º do CP).
Já no segmento do artigo 25º, estão AGORA os 3 arguidos FF, EE e GG nessa situação.
O arguido FF já viu, de facto, à luz do aplicado artigo 21º, a sua pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova.
Na 1ª instância, o tribunal não suspendeu a execução da pena aplicada ao arguido GG (situada nos 4 anos e seis meses de prisão), não recorrente, explicando porquê.
Também aí, não foi possível suspender a execução da pena quanto ao arguido EE pelo facto de a pena ter sido superior a 5 anos de prisão.
É de suspender estas penas que restam (as dos 3 arguidos que cometeram o crime do artigo 25º)?
O regime jurídico da pena em causa está previsto nos artigos 50º a 57º do CP e nos artigos 492º a 495º, do CPP.
            O artigo 50º, nº 1, do CP – revisto em 2017 - dispõe:

SECÇÃO II
Suspensão da execução da pena de prisão
Artigo 50º
Pressupostos e duração

1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.

            Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora, e até 2007, era de 3 anos), tem-se entendido, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma.
            Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projeto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada), figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no artigo 47,º do Projeto de 1963, que continha o elenco das penas principais.
             No seio da Comissão, Eduardo Correia, autor do Projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o caráter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.).
            Figueiredo Dias, a propósito do Projeto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:
              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (artigo 72º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Lisboa: Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).
Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).
            A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da última ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».
            A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras.
Já as penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal.
Por seu lado, as penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
            Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Note-se que agora, e desde 2007 (cfr. Lei nº 59/2007), o período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos.
Esta pena assim aplicada pode revestir:
· a modalidade simples (artigo 50º, do CP),
· a forma de subordinação ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta (artigos 51º e 52º, do CP),
· o acompanhamento de um regime de prova (artigos 53º e 54º, do CP).
No segundo caso, a imposição de deveres e regras de conduta visa a reparação do mal do crime e a ressocialização do condenado, evitando que cometa novos crimes.
Está sujeita a uma dupla limitação, na medida em que não pode violar os direitos fundamentais do condenado e deve ser adequada e proporcional às finalidades visadas.
Em qualquer situação, torna-se imperiosa uma rigorosa selecção de deveres ou regras de conduta, devida e ajustadamente exequíveis, cuja aplicação deve ter em conta a imagem global dos factos e deve adaptar-se às exigências de prevenção geral e especial exigidas pelo caso.
Ora, aqui chegados, e face ao teor dos factos provados nºs 45, 46, 48, 61, 67 e 68, entendemos, aliás na linha do já decidido na 1ª instância, e por essas razões (o seu CRC é impressivo em ilicitude cometida, muita da mesma que por aqui perpassa), não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido GG.
Na linha também do decidido pela 1ª instância, manteremos a decisão de suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido FF porque vislumbramos ainda uma chama de esperança que, nos seus quase 25 anos de idade, irá a tempo de o afastar da delinquência no futuro.
Por isso, manteremos a suspensão, com regime de prova, sujeita a um novo prazo de 2 anos e 6 meses.
E quanto ao EE, irmão do GG?
Recordemos: o dito arguido tem 4 condenações, sempre em penas de prisão, pela prática de crimes de roubo (dez), em 2008,  de tráfico de menor gravidade (aqui suspensa na sua execução), em 2014, de roubo, burla informática e sequestro, em 2015, e de tráfico de menor gravidade e resistência e coacção sobre funcionário, em 2016.
Não nos parece, aqui chegados, e já com uma pena de prisão suspensa aplicada em 2014, existirem razões para dar um voto de confiança a este indivíduo (à luz do preceituado no artigo 50º do CP), sabendo que entretanto já conheceu 3 penas efectivas de prisão, praticando os nossos factos depois de ter cumprido tais reclusões.
Como tal, esta pena de 3 anos e 6 meses de prisão não vai ser suspensa na sua execução.

3.4. Procedem, assim, parcialmente os recursos nºs 2 e 4, improcedendo todos os demais, não se vislumbrando qualquer violação de preceito do CPP ou do CP, nem sequer da Constituição da República Portuguesa.

3.5. A terminar, diremos apenas que procedermos à correcção de um manifesto lapso material cometido no acórdão, ao abrigo do artigo 380º, nºs 1, alínea a) e 2 do CPP:
O facto nº 62 deve ter a seguinte redacção (coerente com o facto nº 30):
«62. Do certificado de registo criminal do arguido DD consta a seguinte condenação:
Por decisão de 15.11.19, transitada em julgado no âmbito do Proc. CC nº 2/17.... do Tribunal de Leiria JCC – Juiz 4, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade e de um crime de detenção de arma proibida na pena de 4 anos e 9 meses de prisão».

            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em:
A- corrigir o texto do Acórdão recorrido, ao abrigo do artigo 380º, nº 2 do CPP, nos seguintes termos (a bold e a sublinhado as mudanças):
- O facto provado nº 62 deverá ter a seguinte redacção:
«62. Do certificado de registo criminal do arguido DD consta a seguinte condenação:
Por decisão de 15.11.19, transitada em julgado no âmbito do Proc. CC nº 2/17.... do Tribunal de Leiria JCC – Juiz 4, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade e de um crime de detenção de arma proibida na pena de 4 anos e 9 meses de prisão».

B- julgar parcialmente providos os recursos intentados pelos arguidos EE e FF, convolando-se a condenação pelo artigo 21º do DL 15/93 para o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, mantendo-se os factos e alterando-se as penas como consta em E.;

C- julgar NÃO PROVIDOS os recursos intentados pelos arguidos AA, BB, CC E DD, mantendo-se os factos e as penas aplicadas;

D- Convolar o crime cometido pelo arguido GG para o do artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro [artigo 402º, nº 2, alínea a) do CPP];

E- FICAM ASSIM AS CONDENAÇÕES DOS AUTOS:
· O arguido DD, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea h), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, como reincidente, é condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão;
· A arguida AA, pela prática  em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, alínea h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, é condenada na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
· O arguido  BB, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, alínea h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, é condenado na pena de 6 (seis) anos de prisão;
· A arguida CC, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, alínea h), ambos do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, é condenada na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão;
· O arguido GG, pela  prática em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, é condenado na pena de 3 (anos) de prisão (efectiva);
· O arguido EE, pela  prática em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, e como reincidente, é condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (efectiva);
· O arguido FF pela  prática em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este Diploma Legal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual periodo e sujeita a regime de prova.

            Custas por cada um dos recorrentes AA, BB, CC e DD, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa], sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário de que gozem.
Sem tributação os restantes recursos.

            Comunique o teor deste aresto de imediato à 1ª instância, com nota de não trânsito em julgado.

Coimbra, 24 de Setembro de 2025
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)


                                                    Relator: Paulo Guerra
Adjunta: Cristina Pêgo Branco
Adjunta: Sandra Ferreira






[1] Foram ainda julgados neste processo onze outros arguidos, dez dos quais foram absolvidos no acórdão recorrido, estando transitado em julgado o acórdão quanto a esses dez.
O arguido GG, recorrente no anterior aresto entretanto anulado, não recorreu deste 2º acórdão.
[2] Cfr. Acórdão do STJ, datado de 12.10.2016 (P 15/13.9PEBJA.E1.S1): «É este o entendimento dominante, podendo citar-se, neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal referenciados no citado acórdão de 26-09-2012, que se vem acompanhando: de 14-07-2004 (Proc. n.º 2147/04 -3.ª Secção; de 30-03-2005 (Proc. n.º 3963/04 - 3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 224; de 21-04-2005 (Proc. n.º 1273/05 - 5.ª Secção; de 28-06-2006 (Proc. n.º 1796/06 - 3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (a agravante resultante do tráfico ocorrer em estabelecimento prisional não é de aplicação automática); de 06-07-2006 (Proc. n.º 2034/06 - 5.ª Secção; de 12-10-2006 (Proc. n.º 2427/06 - 5.ª Secção; de 29-11-2006 (Proc. n.º 2426/06 - 3.ª Secção; de 02-05-2007 (Proc. n.º 1013/07 - 3.ª Secção; de 12-07-2007 (Proc. n.º 3507/06 - 5.ª Secção; de 16-01-2008 (Proc. n.º 4638/07 - 3.ª Secção); de 06-11-2008 (Proc. n.º 2501/08 - 5.ª Secção; de 21-01-2009 (Proc. n.º 4029/08 - 3.ª Secção (a detenção de droga, no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso, em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime).
É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento».
[3] Placa aludida nos factos nºs 45 a 47 da acusação pública – eram os factos anteriores dessa acusação que caracterizavam a droga em causa, ficando agora a redacção do facto nº 10 algo descontextualizada pela não prova de alguma da factualidade plasmada na acusação em causa.
[4] No rigor dos princípios, não abordaríamos a questão da suspensão pois ela apenas surge na motivação e já não nas conclusões. A seu tempo veremos o que determinar na dinâmica do nosso aresto.
[5] Retiram-se os factos referentes aos antecedentes criminais e condições pessoais de nove dos arguidos não recorrentes, mantendo-se a factualidade atinente ao arguido GG por razões que se descortinarão a final.
[6] Retiram-se os factos referentes aos antecedentes criminais e condições pessoais dos arguidos não recorrentes.
[7] Seguimos aqui muito de perto as sábias considerações de Manuel Aguiar Pereira no já aqui citado «Manual sobre Fundamentação dos actos judiciais», CEJ.
[8] “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
(..)”
[9] Sobre ela:
Ela está sujeita à livre apreciação do tribunal, exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis.
Doutrinou o Acórdão desta Relação de 25/11/2009 o seguinte:
«Nos casos de prova indirecta o que está em causa é «o tribunal inferir racionalmente a prova dos factos a partir da prova indirecta ou indiciária desde que seja seguido um processo dedutivo baseado na lógica e nas regras de experiência comum (recto critério humano e correcto raciocínio) – cf. Ac. R. Coimbra de 2008, proc. 495/002.
A prova indirecta, sendo um meio de prova absolutamente legítimo, pode ser livremente utilizada e valorada pelo Tribunal, em todas as circunstâncias que entender como útil à sua utilização, assumindo relevância específica em circunstâncias de défice da prova directa, seja por virtude de inexistência, seja pela sua debilidade valorativa.
Nesse sentido «a prova indirecta ou indiciária pode ser valorada preferencialmente pelo julgador e, só por si, conduzir à sua convicção, tal qual a prova directa», cf. Ac. RC 26.11.2008 proc. 341/06 in www.dgsi.pt.
Já nos referimos à prova indirecta em vários dos nossos arestos desta Relação, escritos desde 2009 a 2011.
Sabemos que fundamental em muitos casos da vida judiciária em que não é possível obter prova directa dos factos é a valoração da chamada “prova indirecta”.
Neste sentido: J. M. Asencio Mellado, in “Presunción de inocência em Matéria Criminal”, 1992: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência deste tipo de provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura”.
Entendemos, assim, que há que ultrapassar os rígidos cânones da valoração pelo julgador exclusivamente da prova directa, para atribuir à prova indirecta, indiciária ou por presunções judiciais o seu específico relevo nos casos de maior complexidade.
Mittermayer, in “Tratado de La Prueba em Matéria Criminal”, 1959, dizia já o seguinte: “…o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade”.
Por outro lado, há que afirmar que ao ser valorada a prova indiciária não se está a violar o princípio da presunção da inocência, uma vez que aquela valoração tem de ser objectivável, motivável e não arbitrária, baseada numa pluralidade de indícios.
Este entendimento, que já começou a ser seguido na jurisprudência nacional, tem sido defendido pela jurisprudência de Espanha, conforme os seguintes Ac do Tribunal Supremo de Espanha: Ac nº 190/2006, de 1 de Março de 2006; Ac nº 392/2006, de 6 de Abril de 2006; Ac nº 562/2006, de 11 de Maio de 2006; Ac nº 560/2006, de 19 de Maio de 2006; Ac nº 557/2006, de 22 de Maio de 2006; e Ac nº 970/2006, de 3 de Outubro de 2006 (ver todas estas referências in Revista Julgar, nº 2, 2007 – Euclides Dâmaso Simões – “Prova Indiciária).
A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J., ano XXVII, 2º, página 44), “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte, importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289.
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6º, tomo 4º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência, incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, nº 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico-jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
Ana Brito, em brilhante artigo intitulado «A valoração da prova e a prova indirecta», publicado em e-book do CEJ («Da Prova Indirecta ou por Indícios», Julho de 2000), disserta sobre a figura da prova indirecta, resumindo muito do que atrás se escreveu:
«(…)
Nas lições escritas em 1975, Figueiredo Dias, realça a “deslocação do fulcro de compreensão do próprio direito das normas gerais e abstractas para as circunstâncias concretas do caso”. Ensina que livre apreciação significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo”.
Não poderá tratar-se de uma convicção puramente subjectiva ou emocional. Curando-se sempre de uma convicção pessoal, ela é necessariamente objectivável e motivável. Esclarece ainda Figueiredo Dias que a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
(…)
Paulo Sousa Mendes adverte que “o julgador moderno tem, cada vez mais, de produzir abundante fundamentação dos seus juízos probatórios. Para o efeito ele faz apelo não só aos meios de prova científicos, mas também às chamadas regras da experiência”.
(…)
Como se sabe, a prova indiciária é aquela que permite a passagem do facto conhecido ao facto desconhecido. É neste campo que as regras da experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização dessa passagem. Seja como for, a apreensão do facto principal terá, no final, de ser feita de um modo totalizante, pois o juiz historiador nunca pode perder de vista que lhe cabe fazer um juízo objectivo, concreto e atípico acerca do caso decidendo”.
O juiz terá sempre que “averiguar em que medida os factos concretos e individualizados do caso, confirmam ou infirmam aquelas inferências gerais, típicas e abstractas…
As regras da experiência, os critérios gerais, não serão aqui mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso – é assim em geral, em regra, mas sê-lo-á realmente no caso a julgar?” (aqui, Paulo de Sousa Mendes cita Castanheira Neves).
Revemo-nos nas conclusões deste autor, que são as seguintes: “as regras da experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência de vida”. “Então, elas ficam sujeitas à livre apreciação do juiz”.
(…)
No acórdão do STJ, de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, afirma-se que “a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.”
Também no acórdão do TRL, de 13/02/2013, relatado por Carlos Almeida, se desenvolve: “Nas questões humanas não pode haver certezas… Também não se pode pensar que é possível, sem mais, descobrir “a verdade” (…). A reconstrução que o tribunal deve fazer para procurar determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis assenta essencialmente na utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis. Mais ou menos prováveis, mas nunca conclusões necessárias como são as que resultam da utilização de raciocínios dedutivos, cujo campo de aplicação no domínio da prova é marginal. O cerne da prova penal assenta em juízos de probabilidade e a obtenção da verdade é, em rigor, um objectivo inalcançável, não tendo por isso o juiz fundamento racional para afirmar a certeza das suas convicções sobre os factos. A decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem. Esta exigência de confirmação impõe a definição de um “standard” de prova de natureza objectiva, que seja controlável por terceiros e que respeite as valorações da sociedade quanto ao risco de erro judicial, ou seja, que satisfaça o princípio in dubio pro reo”.
(…)
A prova indirecta determina especiais exigências de fundamentação.
Nas várias classificações das provas, a distinção mais importante segundo Taruffo, é a que distingue entre provas directas e indirectas.
Seguindo de perto este autor, a distinção assenta na conexão entre o facto objecto do processo “e o facto que constitui o objecto material e imediato do meio de prova”.
“Quando os dois enunciados têm que ver com o mesmo facto, as provas são directas”, pois incidem directamente sobre um facto principal.
“O enunciado acerca deste facto é o objecto imediato da prova”.
“Quando os meios de prova versam sobre um enunciado acerca de um facto diferente, acerca do qual se pode extrair razoavelmente uma inferência acerca de um facto relevante, então as provas são indirectas ou circunstanciais”.
Trata-se de uma distinção funcional que depende da conexão entre as provas e os factos
Indirectas podem ser quaisquer provas, obtidas por qualquer meio.
(…)
Cavaleiro Ferreira declara que a apreciação das provas indirectas pressupõe “grande capacidade e bom senso do julgador”, que “as complexas operações mentais que o manejo da prova indiciária implica exigem raras qualidades” E enumera: “inteligência clara e objectiva, experiência esclarecida, integridade de carácter, ausência de fácil ou emotiva impressionabilidade”.
(…)
Também Santos Cabral, em estudo sobre a prova indiciária e a sua valoração, conclui:
“As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária”.
(…)
Destaco dois pontos do sumário do acórdão STJ de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, que deve merecer leitura integral:
“O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões”».
[10] Podendo, em alguns casos, ser preferível começar pela impugnação alargada se for previsível que a sua análise e decisão sobre ela acabar por suprir algum vício existente do artigo 410º, nº 2 do CPP.
[11] «Pressuposto do que seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é desde logo uma noção minimamente exata do que seja o objeto do processo: conjunto de factos ou de questões, cuja determinação é dada em primeira linha pela acusação ou pronúncia, peças processuais a partir das quais se vai estabelecer a vinculação temática do tribunal, mas também pela contestação ou pela defesa, ou ainda pela discussão da causa.
Determinando-se desse modo os poderes de cognição do juiz, para assim também se poder afirmar que aquilo que o tribunal investigou ou os factos sobre os quais fez incidir o seu poder/dever de decisão eram, no fundo, os que constituíam ou formavam o objeto do seu julgamento, ou da audiência de julgamento, nos termos do artigo 339º, nº 4, do CPP, e que fora deste não ficou nenhum facto que importasse conhecer, dando-os como provados ou não provados, tanto faz. Só se existir algum desses factos, que não tenha sido objeto de apreciação pelo tribunal, é que poderemos concluir pela insuficiência da decisão sobre a matéria de facto provada (ou não provada) e com ela de violação do princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, porquanto o tribunal não investigou, como lhe competia, toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa.
Em suma, existe insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340º do CPP, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição» (Francisco Mota Ribeiro, em e-book CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019).
[12] «Teremos uma contradição da fundamentação, impeditiva da função que a esta cabe, se no respetivo texto verificarmos existir uma incompatibilidade entre duas ou mais proposições, cuja conjugação não permita chegar uma conclusão logicamente coerente. Será o caso, por exemplo, de se afirmar que, “nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, “A é B” e que “A não é B”, pois as duas afirmações não podem ser ao mesmo tempo verdadeiras. Ou dar-se como provado que, nas mesmas circunstâncias descritas na acusação, e na sequência de uma discussão entre Alberto, Bernardo e Daniel, Alberto desferiu uma bofetada no rosto de Bernardo, e de seguida, na mesma decisão, dar-se como não provado que Alberto tivesse dado uma bofetada no rosto de Bernardo. Ou que, para motivar a primeira proposição, o Tribunal considerasse unicamente o depoimento da testemunha Carlos, referindo quanto à razão de ciência desta testemunha que ela se encontrava junto a Alberto e Bernardo, mas na mesma motivação da decisão de facto, de seguida, se acrescentasse que, precisamente, por se encontrar junto de Alberto e Carlos, viu presencialmente Daniel a desferir a bofetada no rosto de Bernardo. Sendo a estrutura interna da própria lógica que aqui é posta em causa, na medida em que esta exige como uma das suas regras fundamentais a inexistência de contradição entre enunciados, assim como exige que a sequência desses mesmos enunciados, no raciocínio lógico, obedeça a “uma ordem do fundamento e da consequência”, com o sentido de que o raciocínio, através do qual se obtém a ilação ou inferência, por via indutiva ou dedutiva, não utiliza os enunciados ou proposições de forma arbitrária ou casual.
Podendo dizer-se que as possibilidades de vir a ser posta em causa a fundamentação e a relação entre esta e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, nº 2, al. b), do CPP, são essencialmente reconduzíveis à violação da relação lógica que deve existir entre enunciados ou proposições, por violação do princípio da não contradição (contradição da fundamentação) e à violação do princípio do fundamento ou da ordem do fundamento e da consequência (contradição entre a fundamentação e a decisão). Nesta última hipótese caberá o seguinte exemplo: o tribunal dá como provados factos constitutivos do crime de furto, crime pelo qual vinha o arguido acusado, mas na fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica entende que, dado o arguido não ter restituído a coisa furtada, os factos integram também o crime de abuso de confiança, mas na decisão final, julgando procedente a acusação do Ministério Público, acaba por condenar o arguido apenas pelo crime de furto». (Francisco Mota Ribeiro, em e-book CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019).


[13] Francisco Mota Ribeiro é suficientemente eloquente e exemplificativo ao escrever no e-book já aqui assinalado: «Existirá um erro de tal magnitude quando, por exemplo, se se dá como provado facto, cuja possibilidade de verificação viole as leis da natureza (física mecânica) ou as leis da lógica.
Tal vício é oficiosamente cognoscível e tem de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Poderá suceder um tal erro, como vimos supra, quando na motivação da decisão de facto se invoca facto constante de documento com força probatória plena, que minimamente se reproduza na decisão recorrida, dando-se como provado facto contrário àquele, sem que tal documento tenha sido arguido de falso.
Também haverá erro notório na apreciação da prova quando se declare ou não a realidade de um facto, quando é do domínio público que o mesmo não haja ou haja ocorrido.
Há erro notório na apreciação da prova se o tribunal dá como provado que o arguido apenas havia bebido um ou dois copos de vinho, quando resulta provado que a esse mesmo arguido lhe havia sido detetada uma TAS de 2,05g/l.
Presumindo-se subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico, inerente à prova pericial (nº 1 do artigo 163º do CPP), constitui erro notório na apreciação da prova [alínea c) do nº 2 do artigo 410º] divergir--se dele sem fundamentação – Ac. do STJ, de 15/10/97, Pº 97P1494.
No âmbito da apreciação da prova indireta, quando o tribunal infere de um facto (a entrada frequente de indivíduos numa casa com volumes) aquele outro facto (de, dentro da casa, uns indivíduos irem adquirir estupefacientes), sem uma base racional sólida que tenha deixado expressa na decisão, está a cometer um erro notório na apreciação da prova, que vicia o acórdão e não permite ao STJ conhecer de fundo – Ac. do STJ, de 04/01/1996, Pº 048666.
Na aplicação do princípio in dubio pro reo, quando da decisão recorrida resultar que, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, o tribunal a quo decidiu em desfavor do arguido ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar, no entanto, evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo assim de concluir que a dúvida só não foi reconhecida, no sentido de fazer operar aquele princípio, em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP – Ac. do STJ, de 22/05/98, Pº 98P930».
[14] Aquilo que é chamado, na motivação de recurso, «erro notório na apreciação da prova» chamamos nós erro de julgamento.
[15] Conforme refere Germano Marques da Silva, «é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória».
[16] Apesar dos inúmeros erros de processamento de texto compreende-se o aí dissertado.
[17] Aludamos aqui ao teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.2008 (proc. 07P4198, em www.dgsi.pt, o qual cita profusamente Cristina Líbano Monteiro:
«De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador)».

[18] A Relação, ao julgar um recurso, não está limitada a analisar apenas os pontos de facto questionados no recurso, mas também pode examinar a qualificação jurídica feita pela 1ª instância, mesmo que não tenha sido objecto de recurso com esse fundamento.
[19] Ac. STJ, 12.02.95, CJ, I, 217.
[20] Citado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de 30/06/93 (BMJ n. 428, pág. 353).
[21] Ouvimos ao minuto 11.11.23 da sessão de 8.2.2024 a arguida AA, em últimas declarações, afirmar: «Reconheço o meu erro e estou arrependida» - contudo, o tribunal não terá acreditado nessa verbalização pois nada apôs nos factos provados, não tendo a defesa convencido esta Relação de que tal arrependimento era real e efectivo.
[22] Se é verdade que o seu silêncio os não pode desfavorecer, também é certo que os não pode beneficar, não podendo esta Relação retirar desse silêncio um suposto arrependimento que tem de ser expresso por palavras e actos.
[23] Não relevando aqui o tempo em que esteve em casa com obrigação de permanência na habitação.
Já o deixámos escrito em anteriores arestos nesta Relação.
«A vigilância eletrónica é o meio técnico de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, como tal permitido no País a partir da introdução do nº 2, do artigo 201º, do CPP, pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto – é regulado pela Lei nº 33/2010, de 2 de Setembro (entretanto alterada pela Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto), que veio revogar a anterior Lei nº 122/99, de 20 de Agosto (medida de coacção que não se confunde, como é bem de ver, com o regime do artigo 43º, do CP).
A Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, prevê que o disposto no nº 1, do artigo 1º, no artigo 2º, nos nºs 2 a 5 do artigo 3º, nos artigos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 8º e no artigo 9º da Lei nº 122/99, de 20.8, que regula a vigilância eletrónica prevista no artigo 201º, do CPP, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 43º e 62º, do CP.
Isso mesmo agora também resulta do texto do artigo 2º, do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro.
A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu nº 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral.
Mais do que um modo pelo qual pode ser executada a pena de prisão (na palavra aparentemente expressa do artigo 43º, nº 1, do CP), entendemos que estamos perante uma pena substitutiva da prisão (pelo menos em sentido impróprio), na linha aliás do expressamente declarado na Proposta de Lei nº 98/X, que esteve na base da revisão de 2007 do CP.
Note-se que é o próprio Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12 de Outubro, a não regular no âmbito do seu texto (246 artigos) a pena prevista no artigo 43º, do CP, apenas a ela se referindo no artigo 2º, da Lei (e não do Código por ela aprovada) – para fazer as correspondências entre esta pena e o regime da vigilância electrónica da então Lei nº 122/99, de 20/8 -, no artigo 120º/1, b) do seu texto (ao falar da possibilidade de modificação da execução da pena de prisão, transformando-a no regime de permanência de habitação e no artigo 188º (adaptação à liberdade condicional, que se refere ao já previsto no artigo 62º, do CP).
O novo Código é claro – fala apenas da execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais ou em estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.
Fala sempre em recluso, o que não é a situação do condenado em regime de permanência na habitação que, fora de qualquer dúvida, tem alguma liberdade – exactamente aquela que não tem o recluso que foi condenado em prisão efectiva.
Como tal, estamos perante uma pena de substituição, claramente não privativa da liberdade (sob o ponto de vista jurídico-criminal) – na medida em que o arguido «já regressou a casa», na feliz expressão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 21/10/2009 -, no sentido que a distingue da efectiva reclusão em meio prisional».