Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:51570/24.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/21/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL E NÃO PROCEDIMENTAL
PROCESSO DE MEDIAÇÃO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Sumário:I - A junção de documento em sede de recurso só pode admitir-se a título excecional, quando a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, devendo aquele que pretende a junção, para o efeito, alegar e provar a verificação das referidas condições;
II - A sentença será nula quando a decisão padeça de alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade);
III - “Se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1.ª instância, no plano dos factos” (Ac. do STJ de 29.9.2020, proferido no processo 129/10.7TBVNC.G1.S2);
IV - O processo de mediação corresponde a um meio alternativo (extrajudicial) de resolução de conflitos, em que as partes (mediados), sendo auxiliadas por um terceiro imparcial (um mediador), procuram chegar a um acordo que resolva o conflito que as opõe (mediação), podendo o mediador propor soluções para esse conflito (conciliação), que não visa, portanto, a formação, manifestação e execução da vontade de órgãos da Administração Pública;
V - A circunstância de os elementos do processo de mediação poderem vir a integrar o processo de inquérito (enquanto elementos instrutórios), não obsta a que este se considere findo, na medida em que, visando a resolução (extrajudicial) de um litígio, estando dependente da vontade das partes, o seu termo dá-se quando se verifica a impossibilidade de obtenção de acordo;
VI - Além de não se encontrar legal ou regularmente previsto, a distinta natureza do processo de mediação e a exigência de salvaguarda das garantias de defesa em procedimentos sancionatórios (que não existem no processo de mediação), afasta a possibilidade de o processo de mediação prosseguir, converter ou integrar-se como fase preparatória, no processo de inquérito e disciplinar;
VII - A recusa de acesso a documentos administrativos deve ser fundamentada de forma consubstanciada, exteriorizando-se os motivos que permitem preencher os conceitos das previsões normativas que contemplam a exceção ao livre acesso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

P… (doravante Recorrente, A. ou Requerente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra a Ordem dos Contabilistas Certificados (doravante R., Recorrida ou R.), pedindo que a Requerida fosse intimada a emitir certidão do processo de mediação n.º 7993/2024, enviando-a ao A.

Por sentença proferida em 28 de janeiro de 2025, o referido Tribunal julgou improcedente a intimação, absolvendo a Requerida do pedido.

Inconformado, o A./Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:

1. Os factos provados 3 e 6 da douta sentença devem ser corrigidos, substituindo o nome do mediador de conflitos N… por N… por ser este o mediador que consta dos documentos 2 e 5 juntos com a petição inicial
2. A douta sentença é ininteligível, porquanto o processo de mediação n° 7993/2024 está findo e não é de natureza secreta e não é por ter sido junto ou ter dado origem ao processo de inquérito n° 73/24 - que como consta da douta sentença à data do indeferimento do pedido de cópia ainda não havia sido instaurado - que o processo de mediação deixa de ter existência própria
3. Aliás, do próprio documento n° 7 resulta que o próprio processo de inquérito foi instaurado para o Autor se pronunciar sobre a matéria da participação sem prejuízo do processo mediação que correu no Serviço de Mediação de Conflitos da Ordem
4. Como tal, o Autor tem direito nos termos do n° 1 do artigo 82 do CPA e n°1 do artigo 268 da CRP a conhecer o processo de mediação de conflitos n° 7993/2024 e em consequência tem direito à certidão solicitada
5. Demais, a invocação da natureza secreta do processo de inquérito n° 73/24 baseia-se no artigo 14 do regulamento disciplinar n° 353/2°24, publicado na II série do Diário da República, que é ilegal
6. Porquanto, o procedimento disciplinar e as respetivas sanções por imposição da lei quadro das associações públicas, como resulta da da alínea K) do n° 1 do artigo 8° da lei n° 2/2013 com as alterações introduzidas pela lei n° 12/2°23 só podem ser reguladas pelos estatutos da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovados por lei ou decreto-lei, autorizado por lei.
Termos em que deve o presente recurso de apelação ser admitido e em que consequência anulada ou revogada a douta sentença e tendo em consideração a matéria de facto e de direito alegada, deve ser declarado a ilegalidade do regulamento disciplinar n° 353/2024, publicado na II série do Diário da República de 28/03/2024, designadamente do artigo 14° da Ordem dos Contabilistas Certificados, e deferir-se o pedido de certidão do processo de mediação n° 7993/2024 requerido pelo Autor ora recorrente.”

A Entidade Requerida/Recorrida apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela A./Recorrente, formulando as seguintes conclusões,
« Assim, resta-nos concluir que dos documentos juntos aos autos principais não se vislumbra, ao contrário do que é alegado pela recorrente, que a sentença padeça dos vícios por si invocados. Aliás, antes se dirá que, analisados os factos em crise e a prova produzida que:
a) Os vícios alegados pelo Recorrente, os mesmos não procedem, mantendo-se necessariamente a sentença recorrida, pois que:
b) Em 07/11/2024, quando o Recorrente formulou o pedido de cópia do processo de averiguação dirigido ao serviço de mediação, aquele já havia sido remetido ao Conselho Jurisdicional em 31/10/2024, por existirem indícios de ter sido cometida infração disciplinar, conforme comunicação de 04/11/2024, cfr. docs. n.°s 4 e 5, junto com a petição de intimação.
c) Portanto, ainda que o processo de averiguação da mediação não tenha natureza secreta, este veio a dar origem ao processo de inquérito n.° 73/24, o qual, nos termos dos art.°s 14.° e 40.° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Contabilistas Certificados, e no art.° 107.°, n.° 2, do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, já tem natureza secreta.
d) A Recorrida deu cumprimento integral ao disposto nas al.sa a) e k) do n.° 1 do art.° 8.°, n.° 3 do art.° 53.° todos da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro - CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS, nomeadamente em sede de normas transitórias.
e) E a proposta apresentada pela ora Recorrida foi aprovada.
f) Do EOCC, nos termos dos art.°s 78.° e seguintes e 98.°, n.° 1, consta o procedimento disciplinar e respetivas sanções.
g) A atuação da Recorrida não é, pois, ilegal.
h) Tão-pouco a sentença é obscura ou ambígua, e consequentemente ininteligível.
i) Ora, nas alegações de recurso apresentadas pela recorrente salta à evidência que a mesma compreendeu de modo claro e inequívoco o sentido e alcance da sentença sem quaisquer condicionantes ou limitações.
j) A recorrente compreendeu perfeitamente o teor da sentença, ainda que dela discorde ou não se conforme com a mesma.
k) As alegações do Recorrente não fundamentam qualquer ambiguidade ou obscuridade que determinem a ininteligibilidade da sentença.
l) Estamos, reitere-se, perante um entendimento divergente por parte da Recorrente que não concorda com o sentido e os fundamentos da sentença recorrida.
m) Há discordância, mas não existe qualquer vício que possa conduzir à sua nulidade da sentença.
n) Devem, pois, improceder, “in totum”, a argumentação e os vícios assacados pelo Recorrente.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis não merecem provimento os vícios alegados pelo Recorrente, pois que a sentença não padece dos mesmos, bem andou o tribunal a quo, devendo, pois, manter-se a sentença proferida só assim se fazendo JUSTIÇA.”

O Tribunal a quo admitiu o recurso interposto pela A./Recorrente, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso.

O Recorrente apresentou requerimento e juntou documentos.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos em turno, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a este Tribunal cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de
(i) Nulidade;
(ii) Erro de julgamento de facto;
(iii) Erro de julgamento de direito.


3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

«Com relevo para a decisão a proferir, considera-se provada a seguinte factualidade:
1. Em data não concretamente apurada, foi apresentada uma queixa - por escrito - à Entidade Requerida contra o ora Requerente - cf. doc. n° 1, junto com a petição de intimação;
2. Na sequência da referida queixa, foi aberto um processo de mediação de conflitos [ao qual foi atribuído o n° 7993/2024] - cf. doc. n° 2, junto com a petição de intimação;
3. Em 19 de setembro de 2024, no âmbito do processo de mediação referido no ponto anterior, foi remetida - pelo mediador de conflitos N… - uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente na qual eram solicitados «esclarecimentos» quanto à queixa aludida em 1) - cf. doc. n° 2, junto com a petição de intimação;
4. Em 29 de outubro de 2024, o Requerente remeteu - por mensagem de correio eletrónico - os «esclarecimentos» solicitados - cf. doc. n° 3, junto com a petição de intimação;
5. Por ofício com data de 04 de novembro de 2024, foi comunicado, pela Entidade Requerida, ao Requerente o seguinte:
«Vimos pela presente comunicar que, o processo de averiguações, supra referenciado, que correu termos no serviço de mediação, foi remetido ao Conselho Jurisdicional, por existirem indícios de ter sido cometida infração disciplinar. Face ao exposto, deverá aguardar ser notificado/a pelo Conselho Jurisdicional quanto à decisão que vier a recair sobre o mesmo» - cf. doc. n° 4, junto com a petição de intimação;
6. Em 07 de novembro de 2024, o Requerente remeteu uma mensagem de correio eletrónico - ao mediador de conflitos N… - na qual expunha e solicitava o seguinte:
«tendo sido notificado que o processo de mediação n° 7993/2024 se encontra concluído, venho solicitar cópia do mesmo com urgência. Com efeito, hoje, dia 07 de Novembro de 2024 fui notificado de que o referido processo foi remetido ao Conselho Jurisdicional por alegadamente existirem indícios de ter sido cometida infração disciplinar. Deste modo, não tendo conhecimento do relatório final, bem como, dos documentos que o originaram e o fundamentam» - cf. doc. n° 5, junto com a petição de intimação;
7. Em 18 de novembro de 2024, o responsável pelo Departamento Disciplinar da Entidade Requerida remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente com seguinte teor:
«Caro contabilista certificado, acusamos a receção da sua comunicação à qual demos a melhor atenção. O Conselho Jurisdicional rececionou em 31/10/2024 o processo de mediação n.° 7993/2024, que originou a ficha n.° 335/24. Esta ficha encontra-se em análise pelo Conselho Jurisdicional, mas sem deliberação de abertura de processo de inquérito ou instauração de processo disciplinar ou de arquivamento da mesma, deliberação de que será sempre notificado na qualidade de participado. Neste momento, nos termos do artigo 14.° do regulamento disciplinar da Ordem dos Contabilistas Certificados, o processo disciplinar é de natureza secreta. Sem outro assunto de momento e sempre disponível para qualquer esclarecimento adicional» - cf. doc. n° 6, junto com a petição de intimação;
8. Por ofício com data de 02 de dezembro de 2024, a Entidade Requerida comunicou ao Requerente o seguinte:
«Nos termos do n.° 3 do art.° 99.° do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados adiante EOCC e n.° 2 do art° 41.° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos contabilistas Certificados, doravante RDOCC, comunico a Va Exa. que, nesta data, dei início à instrução do Processo de Inquérito n.° 73/24, que lhe foi instaurado por deliberação do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), datada de 2024/11/26, na sequência da participação apresentada pela sociedade T… & I… LDA., cfr. documentação anexa. Os factos objeto da participação são suscetíveis de configurar, em abstrato, a prática de infrações disciplinares, por violação das normas estatutárias e deontológicas a que está vinculado, podendo subsumir-se ao seguinte: - Violação do dever de desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções. - Violação do dever de abster-se da prática de atos que ponham em causa o cliente. - Violação do princípio da competência. Assim, ao abrigo do preceito estatutário e regulamentar acima referido, fica V. Exa. notificado para, no prazo máximo de 10 dias úteis a contar da receção da presente notificação, responder, querendo, o que tiver por conveniente sobre a matéria da participação, sem prejuízo do processo que correu termos no Serviço de Mediação de Conflitos da Ordem, bem como das subsequentes diligências instrutórias que se revelarem pertinentes e necessárias para o apuramento da verdade material dos factos. Mais fica V. Exa. notificado para, no mesmo prazo, informar se pretende efetuar denúncia, para efeitos disciplinares, contra a CC n.° 9…, A…, por violação do dever de lealdade intraprofissional, de acordo com o disposto no art.° 7.°, n.° 1 do Regulamento Disciplinar» - cf. doc. n° 7, junto com a petição de intimação;
9. Em 11 de dezembro de 2024, o Requerente propôs o presente processo de intimação - cf. fls. 1 do Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais.»


3.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida:

Inexistem factos com relevo para a decisão a proferir que se devam considerar como não provados.

3.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

«A expendida em cada uma das alíneas do probatório.»

4. Fundamentação de direito

4.1. Da junção de documentos

O Recorrente juntou aos autos 2 documentos.
Como resulta do n.º 1 do artigo 651.º do CPC “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Prevendo-se no art.º 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
A respeito destes normativos sumariou-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014, proc. 628/13.9TBGRD.C1 que,
«I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.»”
Resulta do exposto que a junção de documento em sede de recurso só pode admitir-se a título excecional, quando a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, devendo aquele que pretende a junção, para o efeito, alegar e provar a verificação das referidas condições.
Ora, o Recorrente, na sequência do parecer do Ministério Público, apresentou requerimento – ao qual juntou os referidos documentos – informando que o processo de inquérito n.º 73/24 se encontra a aguardar a produção de prova, dado que, em sessão de 12.6.2025, o Conselho de Jurisdição da Requerida assim o deliberou, ordenando a sua suspensão até à decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, deliberação relativamente à qual o Recorrente não se conformou, tendo apresentado oposição por destes autos não resultar qualquer novo elemento de prova. E que daí resultaria que o processo inquérito deixou de ser secreto com o termo da instrução nos termos do nº 1 dos artigos 100.º e 108.º dos Estatutos da OCC.
O exposto consubstancia, de forma suficiente, a alegação de que a apresentação não foi possível até ser proferida a decisão do tribunal de 1.ª instância, in casu, porque os documentos não existiam ainda àquele momento (a sentença foi proferida em 28.1.2025), o que se mostra provado pelas datas dos documentos.
Admite-se, pois, a referida junção.

4.2. Da nulidade da sentença

O Recorrente imputa nulidade à sentença nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aduzindo que esta é ininteligível na medida em que reconhece que o requerente pretende aceder ao processo de mediação aludido no ponto 2) da factualidade provada e no ponto 7 reconhece que não está em causa um processo com natureza secreta, mas no ponto n.º 8 conclui erradamente que o processo veio a dar origem ao processo de inquérito nº 73/24 e como tal tem natureza secreta, o que não corresponde à verdade porquanto foi a participação disciplinar efetuada por N… que deu origem ao processo de inquérito. E que, ainda que assim não fosse, tal conclusão é ininteligível, porquanto o processo de mediação de conflitos 7993/2024 e o processo de inquérito 73/24 correspondem a processo distintos, independentes e autónomos.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, ocorrer oposição entre fundamentos e decisão ou se verifique alguma obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível [al. c)].
Como se escreveu no Ac. do STJ de 7.5.2024, proferido no processo 311/18.9T8PVZ.P1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f4c369730e08ba8680258b17002e112a?OpenDocument,
“Uma decisão é ininteligível quando não seja possível apreender ou perceber o seu sentido e, é ambígua quando, em termos razoáveis, se lhe podem atribuir dois ou mais sentidos diferentes.
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, isto é, se não for de todo possível alcançar o sentido a atribuir-lhe.”
Ou seja, a sentença será nula quando a decisão padeça de alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).
No caso, o tribunal expôs com clareza os fundamentos da sua motivação e decisão, percebendo-se o seu sentido, não sendo ambígua ou ininteligível.
Com efeito, após enunciar o quadro normativo e jurisprudencial que entendeu aplicável, a sentença refere que, pretendendo o requerente aceder ao processo de mediação, “à partida” este não teria natureza secreta. Contudo, por se verificar que o processo de mediação deu origem ao processo de inquérito, o qual na fase em que se encontrava à data de instauração dos autos tinha natureza secreta (“por efeito do disposto, conjugadamente, nos artigos 14º e 40º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Contabilistas Certificados, e no artigo 107º, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados “), e não podendo o Tribunal substituir-se à Administração na formulação do juízo quanto à inconveniência ou não para a instrução da passagem de certidão, concluiu pela improcedência da ação.
Ou seja, sem qualquer ininteligibilidade. O que se evidencia, desde logo, no presente recurso, em que se denota que o Recorrente compreendeu claramente a decisão, simplesmente discordando da mesma, por entender que, na realidade, o processo de mediação não tem natureza secreta, que não foi aquele que deu origem ao processo de inquérito, que a abertura de processo de inquérito não justifica a recusa de acesso ao processo de mediação e, ainda, com fundamento na ilegalidade do artigo 14.º do Regulamento Disciplinar.
Ou seja, o que está em causa não é a ininteligibilidade da sentença, mas sim o erro de julgamento de direito que o Recorrente lhe imputa.
Improcede, pois, a nulidade apontada à sentença.

4.3. Do erro de julgamento de facto

O Recorrente imputa erro de julgamento aos factos provados 3 e 6 da sentença, pugnando pela sua alteração no que respeita ao nome do mediador de conflitos ali aposto, na medida em que dos documentos 2 e 5 da p.i. resulta que a identificação deste corresponde a N….
A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do recorrente, vertido no art.º 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC, cujo incumprimento, sendo de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, impede que a 2.ª Instância possa conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada, determinando a imediata rejeição do recurso quanto a essa impugnação (n.º 1, do art.º 640º do CPC).
Impõe-se, assim, ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC.
Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, atento o teor das alegações e conclusões de recurso, verifica-se que o Recorrente cumpre as exigências legalmente impostas.
A respeito da aferição do erro de julgamento cumpre, contudo, evidenciar que, devendo constar da matéria de facto aquela que seja relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1.ª instância, no plano dos factos” (Ac. do STJ de 29.9.2020, proferido no processo 129/10.7TBVNC.G1.S2, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bf8104d37daf52a1802586620052a381?OpenDocument).
É esta a situação que se verifica nos autos.
Com efeito, é que para a decisão da causa – e ademais para o julgamento do presente recurso – é irrelevante, à luz das soluções plausíveis de direito, a concreta identidade do mediador que interveio no processo de mediação relativamente ao qual são pedidas as informações. Com efeito, o que está em causa é saber se o Recorrente tem direito, ou não, à emissão de certidão do referido processo de mediação, questão, relativamente à qual, se assume como inócuo saber ou determinar quem foi o mediador. E note-se que tanto assim é que, lidas a sentença e as alegações de recurso, se verifica que a cabal identificação do mediador em nada interfere com os juízos realizados e aqueles que o Recorrente entende deverem ter sido alcançados.
Neste sentido, porque indiferente à decisão da causa, revelar-se-ia um ato inútil, e por isso proibido por lei (artigo 130.º do CPC), apreciar o erro de julgamento de facto.

4.4. Do erro de julgamento de direito

O A./Recorrente insurge-se quanto à sentença aduzindo que o Tribunal a quo concluiu erradamente que foi o processo de mediação que deu origem ao processo de inquérito n.º 73/24, quando este tem na sua origem a participação disciplinar efetuada por N…. E que, ainda que assim não fosse, o processo de mediação de conflitos 7993/2024 e o processo de inquérito 73/24 correspondem a processos distintos, independentes e autónomos, razão pela qual aquele não comunga da natureza secreta deste.
Mais sustenta que o processo de mediação de conflitos não é secreto e que tem direito a conhecê-lo nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do CPA e 268.º, n.º 1 da CRP, sendo que a abertura de processo de inquérito não justifica a recusa de acesso ao processo de mediação. Aduz, ainda, a ilegalidade do artigo 14.º do Regulamento Disciplinar por considerar que, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 al. k), da Lei n.º 2/2013 de 10 de janeiro, o procedimento disciplinar e respetivas sanções têm de constar dos Estatutos da Ordem dos Contabilistas Certificados e não podem ser regulados pelo Regulamento Disciplinar n.º 353/2024.
Refira-se que, no requerimento de 28.7.2025, veio sustentar que o processo de inquérito teria deixado de ser secreto com o termo da instrução, nos termos do artigo 100.º, n.º 1 e 108.º dos Estatutos da OCC. Mais invocou a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 98.º do Estatutos da OCC, “em virtude de conferir ao Regulamento Disciplinar da OCC o poder de regular o procedimento disciplinar, matéria que por força da lei n.º 2/2013 alterada pela lei n.º 12/2023 só pode ser regulada pelos Estatutos da OCC” e que também daí resultaria a ilegalidade do Regulamento Disciplinar n.º 353/2024.
As questões da inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo 98.º, n.º 1 dos Estatutos da OCC nunca foram, anteriormente, suscitadas, tratando-se de questões novas que o Recorrente não invocou nas suas alegações, antes, apenas, o tendo feito em requerimento que apresentou após o parecer do Ministério Público (e sem que nada justifique a razão pela qual apenas agora o fez).
Importa recordar que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste (artigos 144.º, n.º 2 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA). Acresce que, como é sabido, “os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido”, donde “as questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida” (Ac. do STJ de 8.10.2020, proferido no processo 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cee4751329d337f980258634005f4627).
Daí que, além de não caber a este Tribunal ad quem conhecer de questões novas, ainda que a inconstitucionalidade seja de conhecimento oficioso (o mesmo não sucedendo quanto à ilegalidade do artigo 98.º, n.º 1 dos Estatutos da OCC por violação da Lei n.º 23/2012), não constando as mesmas das conclusões de recurso, não são estas objeto de apreciação por este Tribunal ad quem.
O Tribunal a quo concluiu que ao Recorrente não assistia o direito à informação em causa por considerar que, estando em causa o exercício do direito à informação procedimental (convocou os artigos 82.º e ss. do CPTA), na medida em que o processo de mediação veio a dar origem ao processo de inquérito n.º 73/24, este reveste natureza secreta (artigos 14.º e 40.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Contabilistas Certificados e artigo 107.º, n.º 2 dos Estatutos da Ordem dos Contabilistas Certificados). Pelo que a passagem de certidão de elementos de processo de inquérito com natureza secreta dependeria de juízos de (in)conveniência a formular pela Administração e aos quais o Tribunal não se pode substituir.
Retenha-se que não assiste razão ao Recorrente quando advoga pela invalidade do artigo 14.º do RDOCC, concretamente o seu número 1 que prevê a natureza secreta do processo disciplinar até à acusação, resultante da violação do artigo 8.º, n.º 1 al. k), da Lei n.º 2/2013 de 10 de janeiro.
Com efeito, prevê-se em tal normativo que os estatutos das associações públicas regulam o procedimento disciplinar e respetivas sanções, estipulando-se no artigo 18.º, n.º 2 que “os estatutos de cada associação pública profissional enunciam os factos que constituem infração disciplinar bem como as sanções disciplinares aplicáveis”. Ou seja, o que os Estatutos regulam são os factos que consubstanciam infração disciplinar, as sanções disciplinares e a tramitação do procedimento disciplinar.
E assim sucede no Capítulo X (artigos 78.º e ss.) do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados (EOCC).
Nesse Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 novembro, mostra-se prevista a existência de um regulamento disciplinar (artigos 96.º e 98.º), ou seja, um regulamento complementar ou de execução que consubstancia “uma tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo, são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida” (neste sentido, o Ac. do STA de 1.10.2024, proferido no processo 01548/13, consultável em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b977d4ce1df1371f80257d690031b143?OpenDocument).
Ora, a atribuição de natureza secreta ao processo disciplinar não se insere no objeto das matérias que, especificamente, devem constar dos estatutos, designadamente nos termos do artigo 8.º, n.º 1 al. k) da Lei-Quadro das Associações Públicas Profissionais, por não consubstanciar a regulação de factos que consubstanciam infração disciplinar, as sanções disciplinares e a tramitação do procedimento disciplinar. Antes, o artigo 14.º, n.º 1 do RDOCC integra-se no âmbito das normas que se destinam a complementar a regulação do procedimento disciplinar, nos termos dos artigos 96.º e 98.º do EOCC.
Dada esta nota, cabe atender que o direito à informação administrativa desdobra-se no direito à informação procedimental, consagrado no n.º 1 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do mesmo preceito (que corresponde a um direito à informação não procedimental, cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5ª ed., pág. 903). Direitos que visando primacialmente objetivos diversos, no primeiro caso, a informação sobre procedimentos administrativos, numa perspetiva de conhecimento das incidências procedimentais, e, no segundo, o acesso aos registos e arquivos administrativos, numa dimensão de administração aberta a todos os cidadãos, determinam que sejam também diferenciados os regimes jurídicos que lhes correspondem (neste sentido, entre outros, o Ac. STA de 25.02.2009, proferido no processo n.º 998/08).
Ou seja, o direito à informação abrange a informação procedimental (vg. arts. 82.º a 85.º do CPA) e a informação não procedimental (vg. art.º 17.º do CPA e art.º 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, Lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, doravante apenas LADA), sendo que a primeira “reporta-se a factos, atos ou documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso” e a segunda “respeita a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos” (cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág. 903).
Em causa nos autos está um pedido de emissão de certidão do processo de mediação, o qual corresponde a um procedimento extrajudicial para resolver conflitos entre contabilistas certificados e entre estes e os seus clientes, “privilegiando a obtenção de um acordo entre as partes em conflito em detrimento do tradicional procedimento e instrução disciplinar” (cf. https://www.occ.pt/pt-pt/contabilista-certificado/mediacao-de-conflitos).
Assenta na voluntariedade das partes, dependendo da vontade destas na submissão do litígio à mediação, que dá início ao processo de mediação, sendo nomeado um mediador, desenvolvendo-se a instrução em sessões de mediação como forma de alcançar um acordo entre as partes com a maior celeridade possível e assente na informalidade.
Obtido o acordo o mediador de conflitos elabora um relatório de arquivamento do processo de mediação, que é submetido à homologação do Responsável do Serviço de Mediação de Conflitos.
E, na “hipótese de se frustrar a mediação, o mediador de conflitos elabora um relatório, expondo sucintamente os factos e as diligências efetuadas que, após ser validado pelo Responsável do Serviço de Mediação de Conflitos, é remetido ao Conselho Jurisdicional, para instrução posterior” (cf. https://www.occ.pt/pt-pt/contabilista-certificado/mediacao-de-conflitos).
Refira-se que o Conselho Jurisdicional [artigos 37.º al. f) e 82.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro, doravante apenas EOCCC] corresponde ao órgão com competência para instaurar e decidir processos disciplinares e de inquérito, instaurados contra qualquer dos membros da Ordem, destinados a apurar eventuais responsabilidades [art.º 56.º, al. a) i) do EOCC e 3.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Contabilistas Certificados, Regulamento n.º 353/2024, doravante apenas RDOCC].
Considerando que a aplicação de uma sanção disciplinar é sempre precedida do apuramento dos factos e da responsabilidade disciplinar em processo próprio (art.ºs 96.º do EOCC e 33.º do RDOCC), prevê-se nos artigos 97.º do EOCC e 37.º do RDOCC que a ação disciplinar comporta as formas de processo de inquérito – “aplicável quando não seja possível identificar claramente a existência de uma infração disciplinar ou o respetivo infrator, impondo-se a realização de diligências sumárias para o esclarecimento ou concretização dos factos em causa” [n.º 1 al. a) e n.º 2 do art.º 97.º do EOCC] - ou de processo disciplinar – “sempre que a determinado membro da Ordem sejam imputados factos devidamente concretizados, suscetíveis de constituir infração disciplinar” [n.º 1 al. b) e n.º 3 do artigo 97.º do EOCC].
Assim, quando não esteja concretizada a infração ou não seja conhecido o seu autor e quando seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos é ordenada a abertura de processo de inquérito (art.º 107.º, n.º 1 do EOCC e 39.º, n.º 1 do RDOCC).
Regulando-se o processo de inquérito pelas normas do processo disciplinar em tudo o que não esteja especialmente previsto (art.º 40.º do RDOCC), havendo lugar a uma participação disciplinar (artigo 7.º do RDOCC), o Conselho Jurisdicional deliberará a abertura de processo de inquérito, nomeando o instrutor do processo, a quem incumbe a realização da fase instrutória (artigos 41.º e ss. do RDOCC).
Finda a instrução o processo de inquérito pode converter-se ou prosseguir como processo disciplinar “logo que se mostrem minimamente concretizados ou esclarecidos os factos participados, sendo eles suscetíveis de constituir infração, bem como a identificação do contabilista certificado infrator” (artigos 39.º, n.º 2 do RDOCC e 108.º, n.º 1 do EOCC).
Do exposto resulta que, opostamente ao que decidiu o Tribunal a quo, não está em causa nos autos uma pretensão no exercício do direito à informação procedimental, mas sim à informação não procedimental.
Assim é porque, correspondendo o procedimento administrativo à “sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública” (artigo 1.º), o processo de mediação não comunga dessa natureza.
O processo de mediação é, como dissemos, um meio alternativo (extrajudicial) de resolução de conflitos, em que as partes (mediados), sendo auxiliadas por um terceiro imparcial (um mediador), procuram chegar a um acordo que resolva o conflito que as opõe (mediação), podendo o mediador propor soluções para esse conflito (conciliação). Não visa, portanto, a formação, manifestação e execução da vontade de órgãos da Administração Pública. Na realidade, antes tem como objetivo, no caso da mediação da OCC, evitar o procedimento administrativo (disciplinar), ou seja, conduzir à desnecessidade de uma atuação administrativa sancionatória. Não é, em si mesmo, uma forma de procedimento disciplinar, nem fase deste integrante (recorda-se que apenas pode haver lugar à aplicação de uma sanção disciplinar na sequência do apuramento dos factos e da responsabilidade disciplinar em processo próprio, nos termos que emergem do EOCC e do RDOCC e que não contempla o processo de mediação).
Sem prejuízo, ainda que se considerasse estarmos perante um procedimento administrativo, este encontrar-se-ia findo e não em curso.
De facto, é que o processo de mediação finda com a obtenção de acordo ou a impossibilidade deste (por aplicação analógica do artigo 19.º, als. a) e d) da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril). Estando em causa factos suscetíveis de consubstanciar uma infração disciplinar o que poderá suceder é que, recebidos os elementos do processo de mediação, incluindo a participação que lhe subjaz, o Conselho Jurisdicional decida proceder à abertura de um procedimento disciplinar, de inquérito ou disciplinar. Mas aí inicia-se um procedimento (administrativo), que é de natureza sancionatória, e que se distingue, não se confundindo, do processo de mediação que terminou com a impossibilidade de obtenção de acordo.
A circunstância de os elementos do processo de mediação poderem vir a integrar o processo de inquérito – como terá sucedido no caso em apreço -, não significa que o processo de mediação não tenha terminado, porque, como dissemos, visando a resolução (extrajudicial) de um litígio, estando dependente da vontade das partes, naturalmente que o seu termo se dá quando se verifica a impossibilidade de obtenção de acordo. Nem tão pouco representa a conversão ou prosseguimento do processo de mediação num procedimento disciplinar ou a sua integração neste (numa espécie de antecâmara). De facto, é que não só o ordenamento jurídico não o prevê, como a distinta natureza do processo de mediação e a exigência de salvaguarda das garantias de defesa em procedimentos sancionatórios (que não existem no processo de mediação), afasta a possibilidade de o processo de mediação prosseguir, converter ou integrar-se como fase preparatória, no processo de inquérito e disciplinar.
E daí que se antecipe o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, ao fazer aplicar ao processo de mediação a natureza secreta regularmente reservada aos processos disciplinares (artigo 14.º, n.º 1 ex vi artigo 40.º do RDOCC), como se o processo de mediação e o de inquérito de um único se tratassem ou como se da circunstância de os factos objeto do primeiro passarem a ser averiguados no segundo (e, nesse sentido, os elementos do processo de mediação integrarem os elementos instrutórios do processo de inquérito) resultasse a conversão do processo de mediação no processo de inquérito para o efeito de ficar abrangido pela natureza secreta deste.
É certo que a informação contida no processo de mediação poderá ter passado a fazer parte do processo de inquérito, designadamente enquanto elementos instrutórios [há que realçar que a Recorrida nunca esclarece quais os concretos elementos (ou se o processo de mediação na sua íntegra) relativamente aos quais tal sucedeu]. Nesse sentido, se o pedido respeitasse aos elementos do processo de inquérito, incluindo os que tivessem feito parte do processo de mediação, seria de aplicar o disposto no artigo 14.º, n.º 1 do RDOCC. Só que o pedido do requerente não incide sobre o processo de inquérito – ademais, porque à data em que foi formulado este tão pouco havia sido instaurado -, mas sim ao processo de mediação. Donde, ainda que por força da posterior abertura do processo de inquérito se revele, atualmente, a sobreposição, tendo o Recorrente requerido certidão do processo de mediação, e não do processo de inquérito (que, à data do pedido, não tinha sido iniciado), aquele (e a informação nele contida) não reveste natureza secreta por aplicação do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do RDOCC.
Sem prejuízo, impõe-se aferir se o Recorrente tem direito à informação não procedimental em causa, concretamente a ver emitida certidão do processo de mediação.
Estando em causa, como notamos, o exercício do direito à informação não procedimental, regulado pelo art.º 17.º do CPA e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, dispensa-se a invocação ou demonstração de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa.
Contudo, o direito de informação não procedimental - direito de acesso aos arquivos e registos administrativos constitucionalmente –, tal como o direito à informação procedimental, não é um direito absoluto. Antes se encontra sujeito a restrições e limitações, previstas quer na Constituição, que no n.º 2 do seu artigo 268.º as identifica como relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer na lei ordinária, designadamente no regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (LADA).
A este respeito recorda-se que, consagrando a lei o princípio da administração aberta (art.º 268.º, n.º 2 da CRP, artigo 5.º da LADA) e dado que “o direito à informação, de resto, vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só tem justificação quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são, por ex., os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas (de resto excepcionados na norma constitucional) ou quando a recusa de informação se funde num dever funcional legalmente previsto como é, por ex., os casos do segredo de justiça, do segredo da correspondência ou da confidencialidade fiscal”, “isto não significa que os órgãos das referidas entidades estão obrigados, em todos os casos, a facultar a documentação que lhes é solicitada pois que a recusa a esse acesso é admissível sempre que daí possa resultar o seu uso ilegítimo - seja porque põe em causa segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna das empresas, seja porque pode significar o desrespeito dos direitos de autor, dos direitos de propriedade industrial, seja porque possam conduzir a práticas de concorrência desleal (…). Importa, porém, precisar que a justificação destas restrições deve fazer-se com observância dos mencionados princípios, por eles estarem subjacentes a toda a actividade administrativa, e elas só serem legítimas se não se traduzirem numa injustificada denegação do direito à informação (vd. n.º 6 daquele art.º 6.º). O que significa que, também aqui, tanto o Requerente da informação como o órgão a quem ela é pedida devem agir segundo os princípios da boa-fé, da justiça, da proporcionalidade e da adequação tendo sempre em atenção que a prossecução do interesse público deve fazer-se no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados (vd. art.º 4.º do CPA).” (Ac. do STA de 20.1.2010, proc. 01110/09, in https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a96d67ba5c044d15802576b7004cd444?OpenDocument).
Ocorre que a Recorrida, quer em sede de resposta, quer neste recurso, não invoca ou concretiza qualquer restrição ao direito de acesso, designadamente das veiculadas no art.º 6.º da LADA, limitando-se a considerar que o acesso à informação contida no processo de mediação, por deste ter resultado o processo de inquérito, se encontraria sujeita à natureza secreta do procedimento disciplinar nos termos do artigo 14.º do RDOCC. O que, conforme abordado supra em termos que nos dispensamos de repetir, não sucede.
E ainda que fossem de considerar as restrições de acesso previstas no artigo 6.º da LADA, designadamente as contidas nos n.ºs 3 e 4, o que sucede é que, tal como se deu nota no Ac. deste TCA Sul de 13.4.2023, proferido no processo 3381/22.1BELSB, dado que nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da LADA, “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, cabe à entidade requerida fundamentar a recusa de acesso ao documento [artigo 15.º, n.º 1 al. c) da LADA], para o que «não basta invocar a restrição, pertencendo-lhe o ónus de o fazer de forma consubstanciada, isto é, exteriorizando os motivos que permitem preencher os conceitos das previsões normativas que contemplam a excepção, sob pena de não ser possível sindicar a correcção da sua decisão».
Ou seja, a recusa de acesso «deverá fazer-se “(…) sempre de um modo fundamentado, isto é, não poderá, simplesmente, referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o "porquê" dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria esses valores. Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) ato de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo, se a decisão reflete (ou não) a exatidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder. Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do ato e, a montante, os pressupostos em que radicou por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adotada» (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo 12672/15, in https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ed49d1b44cfaa65680257f720034a6ea?OpenDocument).
No caso dos autos, a Recorrida nada fundamenta ou invoca quanto à aplicação das restrições de acesso à informação não procedimental. Limita-se a sustentar que, tendo sido instaurado o processo de inquérito, o processo de mediação dispõe do carácter secreto daquele. O que, como vimos, não ocorre.
E daí que se imponha conceder razão ao Recorrente. Isto é, assiste-lhe, ao abrigo do artigo do artigo 5.º, n.º 1 da LADA o direito de obter certidão do processo de mediação n.º 7993/2024, impondo-se, portanto, revogar a sentença recorrida.

4.5. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrida condenada nas custas (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).


V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção administrativa comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, intimando-se a Entidade Requerida/Recorrida a emitir e fornecer ao Recorrente certidão do processo de mediação n.º 7993/2024.
b. Condenar a Recorrida nas custas.

Mara de Magalhães Silveira
Sara Diegas Loureiro (em turno)
Teresa Costa Alemão (em turno)