Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
852/25.1PISNT-A.S1
Nº Convencional: 5.º SECÇÃO
Relator: DONAS BOTTO
Descritores: HABEAS CORPUS
CASA DE MORADA DA FAMÍLIA
PRESSUPOSTOS
DETENÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
PRISÃO ILEGAL
CUMPRIMENTO DE PENA
MEIOS DE VIGILÂNCIA A DISTÂNCIA
CIDADÃO ESTRANGEIRO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A providencia de Habeas Corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido/detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP.

II - Os fundamentos do habeas corpus, são de caracter taxativo, pelo que só os fixados nas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus) podem ser invocados.

III - O pedido de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei, substantiva ou processual e, se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância, para a qual se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas.

IV - Contudo, o habeas corpus não exclui o direito ao recurso, nem é subsidiário do recurso, podendo “coexistir”, com os demais meios judiciais comuns de reação, como a arguição de invalidade, reclamação ou com o recurso, não existindo relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso e a providência de habeas corpus, como resulta do artigo 219.º/2 CPP.

V - A providência extraordinária de habeas corpus em virtude de prisão ilegal não pretende a reanálise do caso, mas serve para apreciar se existe, ou não, uma privação ilegal da liberdade que seja evidente, indiscutível, diretamente verificável e motivada por algum dos fundamentos legal e taxativamente previstos para a sua concessão.

VI - O crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de prisão, insere-se na denominada “ criminalidade violenta” que permite a aplicação da medida de prisão preventiva cfr. artigos 1.º, alínea j), e 202.º n.º 1 alínea b) do Código Penal.

VII - Ora, ainda não tendo decorrido um mês desde a aplicação da prisão preventiva (cf. art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e art. 213.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal), e tendo a detenção sido efetuada a coberto de mandado da autoridade judiciária competente, além de tempestiva a sua apresentação em juízo e julgada válida pelo Juiz de Instrução Criminal, nem se encontrando ultrapassados os prazos de duração máxima da prisão preventiva, não se verifica nenhuma das situações a que se referem as alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º CPP.

VIII- Assim, a prisão em que o requerente atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente; a privação da liberdade encontra-se motivada por factos que a admite; e estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei.

IX- A ponderação dos elementos que permitirão saber se estão verificados os pressupostos de aplicação, ou não, para a libertação do requerente da prisão preventiva, como, indagar se o peticionante já tem morada a determinada distância da vítima e se a mesma tem condições para a implementação de vigilância eletrónica, caberá ao tribunal de 1.ª instância, e não ao STJ em sede de habeas corpus.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

Em requerimento dirigido ao Sr. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, subscrito por advogado, AA, invocando os artigos 31.ºda Constituição da República e 222.º/2 alínea b) CPP, “ser motivada por facto pelo qual a lei não o permite”, veio intentar “HABEAS CORPUS”, alegando, em resumo, os seguintes fundamentos:

« AA, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Caxias, à ordem do processo supra identificado vem, nos termos do Artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 222.º do Código Penal, intentar providência de HABEAS CORPUS em virtude de prisão ilegal.

Que o faz, nos termos e fundamentos seguintes:

1.º

No dia 6 de novembro de 2025, foi ordenada a prisão preventiva do aqui Requerente, AA, até encontrar nova morada, medida que se encontra a cumprir desde a referida data.

2.º

O arguido dispõe de nova residência a mais de quinhentos metros da casa de morada de família, sita em Rua 1, 1500-... Lisboa.

3.º

Deixando assim de se encontrar preenchidos os pressupostos que deram azo à medida de coação aplicada.

4.º

Deve a medida de coação supra mencionada ser imediatamente revogada, nos termos e para os efeitos dos Artigos 212.º, nr. 1, al. b); 220.º, nr. 1 e 222.º nr. 2 do Código de Processo Penal e Artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa.

5.º

Neste sentido, estamos perante uma situação de habeas corpus em virtude de prisão ilegal por ter sido motivada por facto que a lei não permite, nos termos da alínea b) do número 2 do Artigo 222.º do Código de Processo Penal.

6.º

Como refere o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 26-02-2014, proc.º n.º 6/14.2YFLSB.S1 - 3.ª Secção «A prisão por facto pelo qual a lei a não permite – al. b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP – abrange uma multiplicidade de situações, nomeadamente: a não punibilidade dos factos imputados ao preso, a prescrição da pena, a amnistia da infracção imputada, a inimputabilidade do preso, a falta de trânsito da decisão condenatória, a inadmissibilidade legal de prisão preventiva. O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei (…).

7.º

É evidente que manter o arguido em prisão preventiva, única e exclusivamente por não falar português ou qualquer idioma que as Técnicas da Reinserção Social falem é ilegal.

8.º

Tendo uma nova residência que cumpre com os requisitos definidos pelo Tribunal, o arguido deve ficar, na pior das hipóteses, obrigado a apresentações periódicas a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal, conforme o disposto no n.º 1 do Artigo 198.º do Código de Processo Penal e ser imediatamente libertado, nos termos do número 1 do Artigo 217.º do Código de Processo Penal.

9.º

Qualquer outra solução consubstancia-se discriminatória e violadora dos direitos do arguido, nomeadamente o direito à liberdade.

10.º

Face ao exposto, a declaração de ilegalidade da prisão preventiva e consequente libertação do arguido revela-se imperativa e urgente».

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*

Fundamentação

Nos termos do artigo 223º, n.º 1 do Código de Processo Penal, foi prestada a seguinte informação:

« Excelentíssimo Senhor Presidente do colendo Supremo Tribunal de Justiça.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) tenho a honra de remeter a V. Excelência a petição de habeas corpus do arguido AA em virtude de prisão ilegal (artigo 222.º do CPP), e de informar V. Excelência do seguinte.

O arguido AA foi preso preventivamente em 06 de novembro de 2025 até ser exequível a proibição de contactos com a vítima sob fiscalização por meios de vigilância eletrónica, por decisão judicial proferida nessa data em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto no artigo 141.º do Código de Processo Criminal.

A decisão de aplicar a medida de coação de prisão preventiva fundou-se na indiciação da prática pelo arguido de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, e, bem assim, da existência de perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, conforme disposto no artigo 204.º, n.º 1, al. c), desse diploma legal.

A prisão preventiva é aplicável em razão de o crime de violência doméstica em apreço se subsumir na criminalidade violenta, nos termos do disposto nos artigos 1.º, al. j), e 202.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.

Ainda não decorreram três meses desde a aplicação da prisão preventiva, cujo prazo máximo de 6 meses não se mostra ultrapassado (cf. art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e art. 213.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal).

*

Salvo melhor entendimento, a prisão preventiva do AA foi:

ordenada por entidade competente, designadamente pelo juiz de instrução criminal competente (cf. artigo 141.º, 142.º, 254.º, n.º 1, al. a), 268.º, n.º 1, al. a) e b) e 213.º, todos do CPP);

motivada por factos pelos quais a lei permite aplicação de prisão preventiva (i.e. indiciação da prática de criminalidade violenta e, bem assim, da verificação de perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, tendo sido observados os princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade pela aplicação dessa medida de coação – cf. artigos 191.º, 193.º, 198.º, 202.º, n.º 1, al. b) e 204.º, als. b) e c), todos do CPP;

aplicada e mantida no estrito cumprimento dos prazos legais de duração e de reexame, ao ter sido aplicada a 06.11.2025, sem que desde então tenham decorrido três meses tendentes a sua revisão e sem que tenha sido ultrapassado o prazo máximo de 6 meses da sua duração (cf. art. 215.º, n.ºs 1, al. a), e n.º 2 do Código de Processo Penal).

Pelo exposto, mantenho a decisão de aplicar a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido AA…».

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No despacho final do auto de interrogatório de AA, consta, na parte que aqui interessa, o seguinte:

« ….- Decisão Sobre Medida de Coação -

Porquanto foi realizada por competente órgão de polícia criminal, em flagrante delito e não ultrapassou o tempo máximo da sua duração e foi seguida do detido a este Tribunal, valida-se judicialmente a detenção do arguido (Cf. arts. 254.º, n.º 1, al. a), 255.º, n,º 1, al. a), e 256.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código de Processo Penal).

O arguido negou a prática dos factos ilícitos imputados, admitindo a veracidade dos factos lícitos respeitantes ao casamento, ao filho em comum e à fixação de residência, bem como a deterioração da vida em comum até ao ponto da separação de facto. Negou igualmente que ingerisse bebidas alcoólicas em excesso.

Todavia, a ofendida confirmou a veracidade e ocorrência desses factos negados pelo arguido, segundo um testemunho coerente internamente, por ter sido isento de contradições, e externamente, por ter sido muito substancialmente corroborado pelos testemunhos da sua irmã e mãe, as quais, pela convivência familiar mantida na Ucrânia e em Portugal, assistiram a grave e reiterada violência infligida pelo segundo à primeira, segundo descreveram em termos isentos de contradições e que se corroboram igualmente entre si.

Daí se mostrarem fortemente indiciados os factos vertidos no requerimento do Ministério Público, os quais compreendem violência física e psicológica suficientemente reiterada e grave a pondo de configurarem a prática pelo arguido de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelas disposições enunciadas nessa peça processual, cujos termos e cujas razões, de facto e de direito, ora e aqui se dão por integralmente por reproduzidas para os legais efeitos.

As condutas do arguido revelam que o mesmo é pessoa possessiva, dominante, controladora e agressiva, agindo violentamente contra a vítima no interesse de manter-se sob a sua dependência económica, sem aceitar a decisão de divórcio e separação que esta já lhe comunicou.

Denotando uma personalidade agressiva e violenta, afigura-se o arguido oferece perigo concreto de continuação da atividade criminosa e de perturbação da atividade criminosa (art. 204.º, n.º 1, al. c), do CPP).

A eliminação desse perigo depende do afastamento físico imposto ao arguido face à vítima.

Cumpre fiscalizar eletronicamente a execução dessa medida de coação, por forma a garantir a sua plena eficácia.

Até à implementação da vigilância eletrónica, o único modo de controlar o afastamento físico do arguido face à vítima passa pela privação da liberdade, já que a desmedida impulsividade e agressividade daquele o incapacita de se autocontrolar de modo a não procurar a vítima para retaliar violentamente, tanto mais que depende economicamente desta e agirá no interesse de prolongar tal dependência.

Daí se afigurar necessário e adequado a eliminar os supracitados perigos sujeitar-se o arguido a prisão preventiva até à implementação de vigilância eletrónica, afastando-se a sua sujeição a obrigação de permanência na habitação pois esta medida de coação só seria eficaz para o efeito supracitado se fosse fiscalizada por meios de vigilância eletrónica.

Pelo exposto, nos termos dos arts. 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 196.º, 200.º, n.º 1, als. d) e e), 202.º, n.º 1, al. b), 204.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, art. 16.º, n.º 1, Lei de Proteção às Mulheres Vítimas de Violência (L 61/91, de 13.08), arts. 31.º e 35.º, da Lei 112/2009, de 16.09), afigurando-se necessário e adequado a eliminar os supracitados perigos, bem como proporcional à gravidade dos factos ilícitos e das sanções que venham a ser aplicadas, decide-se sujeitar o arguido AA:

prisão preventiva até à exequibilidade da proibição de se aproximar da vítima BB a menos de 500 metros de distância, a proibição de contatar com esta por qualquer meio, seja presencialmente ou à distância, e de se aproximar e de permanecer na residência e nos locais de trabalho da mesma, mediante fiscalização por meios de vigilância eletrónica;

uma vez exequível e libertado o arguido da prisão preventiva, a proibição de se aproximar da vítima BB a menos de 500 metros de distância, a proibição de contatar com esta por qualquer meio, seja presencialmente ou à distância, e de se aproximar e de permanecer na residência e nos locais de trabalho da mesma, mediante fiscalização por meios de vigilância eletrónica, libertando-se o arguido após a sua instalação;

além do TIR já prestado.

Emitam-se mandados de condução do arguido a E.P. com menção da sua libertação em articulação com a DGRSP aquando da implementação da vigilância eletrónica nesse sujeito para fiscalização da proibição de contactos com a vítima.

Oficie-se a DGRSP para urgentemente implementar os meios de vigilância eletrónica.

Comunique-se ao TEP de Lisboa e à vítima.».

***

Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos artigos 11.º/4 alínea c), 223.º/1, 2 e 3 e 435.º CPP.

Finda a audiência, o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido.

O circunstancialismo factual relevante para o julgamento resulta dos elementos recolhidos do processo em questão, designadamente:

- Petição de habeas corpus;

- Auto de interrogatório;

- Informação a que alude o art.º 223 n.º 1 do CPP;

- Promoção do MP e a ata de primeiro interrogatório judicial com despacho de aplicação de medida de coação.

***

Cumpre decidir

***

O Direito

O habeas corpus é um meio de garantia do direito à liberdade, cfr. artigos 27.º e 31.º da CRP, constituindo uma providência expedita e excecional, a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, cfr. Artigo 31.º/3 da CRP, para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo.

Sobre o pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o artigo 222.º CPP que,

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

Contudo, como se diz no Ac. STJ de 9-10-2025, n.º 693/16.7GBBCL, «……..Enquanto no Decreto Lei 35.043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007, com o aditamento do n.º 2 ao artigo 219.º do CPPenal, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso.

A providência de habeas corpus que não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Convém ter presente, como se refere no artigo 31.º/1 CRP, que “haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, artigo 31.º/2 CRP, tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere…».

Na verdade, o pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial) expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros ( cfr. Ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPRT-K.S1, in www.dgsi.pt).

O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no citado artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no mesmo normativo, no seu nº3, fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. Ac. STJ de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt).

Assim, a providencia de Habeas Corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido / detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,”.

Os fundamentos do habeas corpus, são de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e como tal são só os fixados nas referidas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus) que podem ser invocados.

De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, nem tão pouco erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no artigo 222.º/2 CPP.

Além disso, o habeas corpus não serve para discutir decisões proferidas em outros Tribunais, designadamente nos Tribunais de 1.ª instância, sendo que as irregularidades e ilegalidades que aí possam ter sido praticadas, verificando-se os respetivos pressupostos deverão ser impugnadas pelos meios próprios.

Por isso, o pedido de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei, substantiva ou processual e, se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância.

Esta é uma matéria para a qual se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos artigos 118.º a 123.º CPP e por via de recurso para os tribunais superiores, artigo 399.º e ss. CPP.

Contudo, o habeas corpus não exclui o direito ao recurso, nem é subsidiário do recurso, no sentido de apenas poder ser utilizado após se esgotarem outras formas de reação. Pode “coexistir”, com os demais meios judiciais comuns de reação, como a arguição de invalidade, reclamação ou com o recurso, não existindo relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso e a providência de habeas corpus, como resulta, de resto, do artigo 219.º/2 CPP.

Isto mesmo se decidiu no acórdão do STJ de 30.4.2008, Proc. 08P1504, in www. dgsi, “é verdade que a providência de habeas corpus não pressupõe o prévio esgotamento dos recursos que possam caber da decisão de onde promana a prisão dita ilegal, sendo compatível com a possibilidade de recurso de tal decisão, exactamente pela necessidade de pôr imediatamente cobro a uma situação de patente ilegalidade, também é verdade que só em casos extremos de claro abuso de poder ou de erro grosseiro na aplicação do direito, se admite a providência de habeas corpus como forma de fazer cessar a prisão ilegal, quando ela tenha sido determinada por decisão judicial”, isto porque “a providência de habeas corpus não almeja a reanálise do caso; almeja a constatação da ilegalidade, que, por isso mesmo, tem de ser patente”, destinando-se a “apreciar situações de flagrante ilegalidade da prisão, resultantes de notório abuso de poder, artigo 31.º da CRP, não a decidir questões de nulidades ou irregularidades processuais, e muito menos a impugnar decisões judiciais”.

Para termos uma perceção muito completa de todas as vertentes e implicações desta providência de habeas corpus, vamos transcrever partes do douto Ac. STJ de 8.11.2023, n.º 437/23.7JELSB-A.S1: «…Em anotação ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508):

«Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27.º e 28.º (...). A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27.º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.»

José Lobo Moutinho (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de José Lobo Moutinho [et alii], Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo1, 2.ª edição, 2010, pp. 694-695), em comentário ao mesmo artigo 31.º, n.º1, da Lei Fundamental, sustenta que a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus «…não significa e não equivale à excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.»

A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal.

Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:

«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que constituem fundamentos da providência de habeas corpus os que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão (acórdão de 06.04.2023, proc. n.º 130/23.0PVLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

Tem também decidido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a providência de habeas corpus, por um lado, não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (por todos, o acórdão do STJ, de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada) e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido (entre muitos, o acórdão de 19.07.2019, proferido no proc. n.º 12/17.5JBLSB, com extensas referências jurisprudenciais).

Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de se reconduzir, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdãos de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 18.05.2022, proc. 37/20.3PJLRS-A.S1, e de 06.09.2022, proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1), não constituindo a providência de habeas corpus um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (acórdão de 10.01.2023, proc. 451/21.7POLSB-D.S1).

Nas palavras de Damião da Cunha (Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, Volume II, UCP, 2020, p. 1370), no âmbito desta providência «nunca o STJ se pronuncia sobre qualquer decisão judicial. De facto, ao contrário do que sucede nos recursos, o STJ nunca revoga, nunca altera qualquer decisão; não profere uma qualquer pronúncia semelhante. Por isso, o habeas corpus nunca foi, nem é, um recurso; não atua sobre qualquer decisão; atua para fazer cessar “estados de ilegalidade”».

Concretamente, quanto às relações a estabelecer entre habeas corpus e recurso, refere Maia Costa (Habeas corpus: passado, presente, futuro, Revista Julgar n.º 29, Maio-Agosto de 2016, pg. 219 e ss.) que o habeas corpus é uma garantia situada à margem do sistema de impugnações do processo penal, constituindo um remédio contra a privação ilegal de liberdade. Nas situações previstas no artigo 222.º, do CPP, em que a prisão foi decretada ou validada por um juiz, o habeas corpus, para ter razão de ser, deverá assumir uma função diferente da dos recursos – que constituem o modo de impugnação por excelência de decisões judiciais -, servindo como instrumento de proteção da liberdade quando os meios ordinários não sejam suficientemente expeditos para assegurar essa proteção urgente.

Comentando o artigo 222.º, do CPP, escreve também Maia Costa (Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2016. Almedina, 2.ª edição revista, pág. 853):

«O habeas corpus «não é um recurso de uma decisão processual, mas uma providência extraordinária e expedita que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade, não visando, pois, a reapreciação da decisão que decretou a prisão.»

Mais adiante:

«Não é, assim, o habeas corpus o meio próprio de impugnar o mérito do despacho que decreta a prisão preventiva, nem quanto à suficiência ou solidez dos indícios das infrações imputadas, nem quanto à pertinência dos fundamentos invocados para justificar essa medida, nem relativamente à insuficiência de outras medidas de coação. O instrumento adequado para impugnar o mérito do despacho que decreta a prisão preventiva é o referido recurso do art. 219.º».

Assinala-se igualmente no acórdão de 21.10.2021 (proc. 260/11.1JASTB-F.S1) que os recursos ordinários e o habeas corpus são institutos diversos, com processamento e prazos diferentes por virtude de prisão ou detenção que o requerente considere ilegais, cuja diversidade mais se acentuou com a alteração da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, introduzida no artigo 219.º do CPP, quando passou a consignar no seu n.º 2, a propósito da impugnação das medidas de coação: «Não existe relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso previsto no número anterior e a providência de habeas corpus, independentemente dos respetivos fundamentos.»

Ultrapassado o entendimento que considerava o habeas corpus como sendo de carácter meramente residual ou subsidiário, reconhece-se que tal providência não pressupõe a exaustão de recursos ordinários.

Porém, sendo diferentes os pressupostos do habeas corpus e do recurso ordinário, a jurisprudência do Supremo tem sustentado, em suma, que a providência extraordinária de habeas corpus em virtude de prisão ilegal não pretende a reanálise do caso, mas antes serve exclusivamente para apreciar se existe, ou não, uma privação ilegal da liberdade que seja evidente, ostensiva, indiscutível, diretamente verificável e motivada por algum dos fundamentos legal e taxativamente previstos para a sua concessão.

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Vejamos agora o caso concreto.

Para melhor compreensão da análise da questão, vejamos o seu contexto.

O requerente AA foi detido por mandados de detenção, emitidos por autoridade judiciária, no dia 30 de outubro de 2025, presente a primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 4 de novembro de 2025, e que por despacho judicial proferido no dia 6 de novembro de 2025, foi validada a detenção do arguido por se mostrarem fortemente indiciados os factos mencionados no requerimento do Ministério Público, os quais compreendem violência física e psicológica, reiterada e grave, a ponto de configurarem a prática pelo arguido de um crime de violência doméstica.

Por isso, aquando da aplicação de medidas de coação, foi decidido sujeitar o arguido AA a prisão preventiva até à exequibilidade da proibição de se aproximar da vitima BB a menos de 500 metros de distância, a proibição de contatar com esta por qualquer meio, seja presencialmente ou à distância, e de se aproximar e de permanecer na residência e nos locais de trabalho da mesma, mediante fiscalização por meios de vigilância eletrónica;

Uma vez exequível e libertado o arguido da prisão preventiva, a proibição de se aproximar da vítima BB a menos de 500 metros de distância, a proibição de contatar com esta por qualquer meio, seja presencialmente ou à distância, e de se aproximar e de permanecer na residência e nos locais de trabalho da mesma, mediante fiscalização por meios de vigilância eletrónica, libertando-se o arguido após a sua instalação.

Pode ler-se ainda no auto de interrogatório, que as condutas do arguido revelam uma personalidade agressiva e violenta, pelo que se afigurou que o mesmo oferece perigo concreto de continuação da atividade criminosa e de perturbação da atividade criminosa (art. 204.º, n.º 1, al. c), do CPP).

A eliminação desse perigo depende do afastamento físico imposto ao arguido face à vítima.

Por isso, cumpre fiscalizar eletronicamente a execução dessa medida de coação, por forma a garantir a sua plena eficácia.

Ora, até à implementação da vigilância eletrónica, o único modo de controlar o afastamento físico do arguido face à vítima passa pela privação da liberdade, já que a desmedida impulsividade e agressividade daquele o incapacita de se autocontrolar de modo a não procurar a vítima para retaliar violentamente, tanto mais que depende economicamente desta e agirá no interesse de prolongar tal dependência.

Daí que se entendeu ser necessário e adequado para eliminar os supracitados perigos sujeitar-se o arguido a prisão preventiva até à implementação de vigilância eletrónica, afastando-se a sua sujeição a obrigação de permanência na habitação pois esta medida de coação só seria eficaz para o efeito supracitado se fosse fiscalizada por meios de vigilância eletrónica.

Contudo, foi junto um relatório da DGRSP a afirmar «que não estão reunidas condições suficientes para garantir a funcionalidade e eficácia da fiscalização eletrónica da medida de proibição de contatos aplicada ( )».

Foi, pois, neste contexto, que o requerente veio intentar providência de Habeas Corpus por entender estar numa prisão ilegal, nos termos do artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 222.º do Código Penal, uma vez que já dispõe de nova residência a mais de quinhentos metros da casa de morada de família, inexistindo os pressupostos que justificaram a medida de coação aplicada, sendo a sua prisão ilegal por ter sido motivada por facto que a lei não permite, nos termos da alínea b) do número 2 do Artigo 222.º do Código de Processo Penal.

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Ora, como dissemos, o arguido AA foi preso preventivamente em 06 de novembro de 2025 até ser exequível a proibição de contactos com a vítima sob fiscalização por meios de vigilância eletrónica, por decisão judicial proferida nessa data em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto no artigo 141.º do Código de Processo Criminal.

A medida de coação de prisão preventiva aplicada, baseou-se na indiciação da prática pelo arguido de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, por se ter considerar ocorrer a existência de perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma legal.

Ora, a ilegalidade da prisão, para efeito do habeas corpus, encontra-se enumerada taxativamente nas alíneas a) a c) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, onde se diz que a prisão é tida como ilegal se:

- Foi efetuada ou ordenada por uma entidade que não tinha competência para tal;

- O motivo que lhe deu origem não é permitido por lei (inadmissibilidade substantiva) e ainda se ocorre há mais tempo do que o permitido por lei ou por decisão judicial (insubsistência de pressupostos).

No caso, invoca o requerente a alínea b), ou seja, a prisão ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

Porém, repetimos, o arguido encontra-se fortemente indiciado pela prática, em autoria imediata e na forma consumada de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, o qual é punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de prisão, sendo que este crime de violência doméstica insere-se na denominada “ criminalidade violenta” que permite a aplicação da medida de prisão preventiva cfr. artigos 1.º, alínea j), e 202.º n.º 1 alínea b) do Código Penal.

Ora, é claro que não se verifica o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º CPP, desde logo, porque tal crime não só admite a prisão preventiva, como ainda nem decorreu um mês desde a aplicação da prisão preventiva (cf. art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e art. 213.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal).

Por outro lado, a detenção do arguido foi efetuada a coberto de mandado da autoridade judiciária competente, além de que foi tempestiva a sua apresentação em juízo e julgada válida pelo Juiz de Instrução Criminal, não se encontrando ultrapassados os prazos de duração máxima da prisão preventiva.

Por isso, a prisão preventiva do AA foi ordenada por entidade competente, o juiz de instrução criminal competente (cf. artigo 141.º, 142.º, 254.º, n.º 1, al. a), 268.º, n.º 1, al. a) e b) e 213.º, todos do CPP), fundada em factos pelos quais a lei permite aplicação de prisão preventiva (indiciação da prática de criminalidade violenta e, bem assim, da verificação de perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, cf. artigos 191.º, 193.º, 198.º, 202.º, n.º 1, al. b) e 204.º, als. b) e c), todos do CPP;

Assim, a prisão está mantida dentro dos prazos legais de duração e de reexame, sem terem decorrido três meses para a sua revisão e sem que tenha sido ultrapassado o prazo máximo de 6 meses da sua duração (cf. art. 215.º, n.ºs 1, al. a), e n.º 2 do Código de Processo Penal).

Concluindo, a detenção do arguido foi efetuada a coberto de mandado da autoridade judiciária competente e foi tempestiva a sua apresentação em juízo e julgada válida pelo Juiz de Instrução Criminal, e não se encontram ultrapassados os prazos de duração máxima da prisão preventiva.

Contudo, o facto de o requerente dizer que já dispõe de nova residência a mais de quinhentos metros da casa de morada de família, de onde parece resultar que deixaram assim de se encontrar preenchidos os pressupostos que justificaram a medida de coação aplicada, extravasa o pedido de habeas corpus, pois o Supremo Tribunal de Justiça não pode abordar estas questões no âmbito do mesmo.

Como já dissemos, a questão não deveria ter sido levantada através do habeas corpus, uma vez que a providência de habeas corpus não pode ser transformada, na prática, num recurso do despacho que decretou a prisão preventiva.

No habeas corpus apenas há a decidir sobre uma prisão fundada nos fundamentos previstos no referido artigo 222.º/2 CPP.

Por isso, apesar de se verificar a atualidade da privação da liberdade , não se verifica nenhuma das situações a que se referem as alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º CPP, pois o que o peticionante pretende, repetimos, é a reavaliação da decisão, o que é alheio ao expediente do habeas corpus.

Na verdade, o que aqui está em causa, conforme o dispositivo legal, é a prisão motivada por facto que a lei não permite, ou seja, no motivo da prisão, pois se o que motivou a prisão não tem suporte legal, então procederá o Habeas Corpus, contudo, como dissemos, o Supremo Tribunal de Justiça não pode abordar a questão processual, a tramitação do processo, a interpretação do Direito aplicado e o acerto, ou falta dele, da decisão que decretou a prisão.

Assim, a ilegalidade da prisão, tal como o peticionante a equaciona, teria de resultar da circunstância de a mesma ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

Por isso, é que o habeas corpus é uma garantia extraordinária e expedita contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal, levando perante o STJ a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta.

Esta providência extraordinária destina-se a decidir com urgência, num exame perfunctório, que a Constituição consagra para reparar situações de prisão ilegal decretada com manifesto abuso de poder.

Ora, nos termos do artº 222º2 CPP, repetimos, a petição a apresentar no Supremo Tribunal de Justiça deve fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c).

Por isso, no habeas corpus estão em causa situações patentes, grosseiras, privações de liberdade sem qualquer suporte legal em que é urgente repor a legalidade, sem ter como escopo sindicar o mérito, erros de direito da decisão que priva de liberdade, discutir a fundamentação de decisão transitada em julgado, ou qualquer vicio processual, pois para tal haverá outros meios legalmente previstos.

Ora, como dissemos, a prisão preventiva do AA foi ordenada por entidade competente, o juiz de instrução criminal competente (cf. artigo 141.º, 142.º, 254.º, n.º 1, al. a), 268.º, n.º 1, al. a) e b) e 213.º, todos do CPP), fundada em factos pelos quais a lei permite aplicação de prisão preventiva (indiciação da prática de criminalidade violenta e, bem assim, da verificação de perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, cf. artigos 191.º, 193.º, 198.º, 202.º, n.º 1, al. b) e 204.º, als. b) e c), todos do CPP.

Além disso, foi a mesma está mantida dentro dos prazos legais de duração e de reexame, ao ter sido aplicada a 06.11.2025, repetimos, sem terem decorrido três meses para a sua revisão e sem que tenha sido ultrapassado o prazo máximo de 6 meses da sua duração (cf. art. 215.º, n.ºs 1, al. a), e n.º 2 do Código de Processo Penal).

Indagar, insistimos, se o peticionante já tem morada a determinada distância da vítima e se a mesma tem condições para a implementação de vigilância eletrónica ( não obstante o relatório da DGRSP afirmar «que não estão reunidas condições suficientes para garantir a funcionalidade e eficácia da fiscalização eletrónica da medida de proibição de contatos aplicada ( )»), ou seja, averiguar da exequibilidade da proibição de se aproximar da vitima BB a menos de 500 metros de distância, a proibição de contatar com esta por qualquer meio, seja presencialmente ou à distância, e de se aproximar e de permanecer na residência e nos locais de trabalho da mesma, mediante fiscalização por meios de vigilância eletrónica, não é fundamento do habeas corpus.

Concluindo, o peticionário visou utilizar a providência como forma de impugnação do despacho que lhe aplicou a prisão preventiva, ou seja, no sentido de este STJ averiguar se deixaram de se encontrar preenchidos os pressupostos que justificaram a medida de coação aplicada, o que, como já dissemos, não cabe no âmbito do habeas corpus.

Assim, a prisão em que o mesmo atualmente se encontra resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente; a privação da liberdade encontra-se motivada por factos que a admite; e estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei.

A ponderação dos elementos que permitirão saber se estão verificados os pressupostos de aplicação, ou não, para a libertação do requerente, caberá ao tribunal de 1.ª instância, e não ao STJ em sede de habeas corpus.

Assim, o pedido de habeas corpus, para libertação do requerente, não pode ser emitido.

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Decisão

Pelo exposto, acordam nesta 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em indeferir a presente providência de habeas corpus apresentada pelo peticionante AA, por falta de fundamento legal.

Custas pelo requerente, fixando-se em 4 UC, a taxa de justiça, cfr. n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.

Supremo Tribunal de Justiça, 27/11/2025

Pedro Donas Botto – Juiz Conselheiro Relator

Adelina Barradas Oliveira – Juíza Conselheira 1ª Adjunta

Jorge Jacob – Juiz Conselheiro 2.º Adjunto

Helena Moniz – Juíza Conselheira Presidente