Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA PROCURAÇÃO FORMA LEGAL REGISTO INFORMÁTICO ABUSO DO DIREITO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM BEM IMÓVEL FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL PODERES DE REPRESENTAÇÃO MANDATO RATIFICAÇÃO DO NEGÓCIO INEFICÁCIA DO NEGÓCIO TEMPESTIVIDADE DOCUMENTO AUTÊNTICO | ||
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Apenso: | |||
Data do Acordão: | 04/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. Não cumprindo a autenticação duma procuração os requisitos legais constantes da Portaria n.º 657-B/2006, tal inquina a validade do documento enquanto documento autenticado, valendo apenas como documento particular. II. Os termos de autenticação, lavrados em conformidade com o estatuído no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, obedecem a determinados requisitos: devem ser lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado); devem satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos actos notarias, estabelecidas no artigo 46.º do Código do Notariado – para tal, devendo os termos de autenticação conter, ainda, os seguintes elementos: 1. Declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2. a ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados - cfr. artigo 151.º do Código do Notariado). III. Tais actos, por força do nº 3 daquele artigo 38º do Dec.-lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático, sendo que, por regra, este registo, nos termos do artº 4º da Portaria 657-B/2006, é efectuado no momento da prática do acto (devendo, então, o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto – ou seja, no termo). IV. Precavendo, porém, a possibilidade de o sistema informático não estar acessível nesse momento, em virtude de dificuldades de natureza técnica (e apenas devido a estas – que devem ser mencionadas nos documentos que formalizam os actos, sob pena de nulidade do registo online e, consequentemente, de invalidade do termo de autenticação), o legislador veio dar a possibilidade de, mesmo assim, se validar o documento: ser efectuado o respectivo registo informático dentro das 48 horas seguintes àquele momento. V. A intempestividade do registo informático (não efectuado dentro das referidas 48 horas) acarreta, inevitavelmente, um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, que determina a invalidade do termo de autenticação. Pelo que o documento objecto da autenticação (v.g., procuração) não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado válido, não chegando, assim, tal documento particular a adquirir a natureza de documento particular autenticado. Só com a tempestiva autenticação o documento passa a ter a fé pública inerente a um documento autêntico. VI. Aceitar que o aludido vício da intempestividade do registo do termo de autenticação não afecta a validade do documento é fechar os olhos ao estatuído na lei e, outrossim, pôr em causa os mais básicos princípios de segurança e da ordem jurídica. VII. Da conjugação dos normativos do DL nº 76-A/ 2006 e Portaria nº 657-B/2006, de 29.06, resulta que o acto a que a Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho se refere é o da autenticação do documento particular e não o da outorga do próprio documento particular e que o prazo de 48 horas previsto no artº 4º da referida Portaria nº 657-B/2006 respeita à elaboração do termo de autenticação e do registo do mesmo e não à celebração do contrato e respectiva autenticação. VIII. Ou seja, pouco importa se decorreu, ou não, mais de 48 horas entre a outorga das procurações e a sua autenticação. Importa, sim (e apenas) que não decorra mais de 48 horas entre essa autenticação e o seu registo informático: este, e só este limite temporal é que é inultrapassável. IX. A ratio que subjaz à exigência de forma legal para a efectivação de certos negócios jurídicos (v.g., venda de imóveis), impõe seja adoptado idêntico formalismo pela procuração atributiva de poderes representativos para a celebração de tais negócios. Ou seja, a forma da procuração fica dependente da finalidade das formalidades exigidas para o negócio principal. Tratando-se de formalidade ad substantiam, a regra vertida no artigo 262.°, n.° 2, do CC, não pode deixar de ser aplicável. X. Assim, tendo a compra e venda de imóvel e confissão de dívida e hipoteca, sido celebrados (em 2011) por escritura pública, as procurações que lhes serviram de suporte tinham de ser autenticadas (exigência ad substantiam), sob pena de nulidade por vício de forma (ut artº 220º do CC). XI. Como tal, tendo-se levado a cabo escrituras públicas ao abrigo de procurações não autenticadas e devidamente registadas informaticamente, os detentores/beneficiários dessas procurações agiram sem poderes de representação. E pressupondo a representação que o representante actue ao abrigo de poderes que lhe permitam agir em nome alheio, faltando tais poderes representativos, os efeitos negociais não se fazem sentir na esfera jurídica do dominus. XII. Consequentemente, não tendo os RR advogados poderes de representação dos AA, dado as procurações enfermarem do referido vício (falta de tempestivo registo informático do termo de autenticação), os direitos e obrigações criados por via dos negócios jurídicos celebrados à sombra ou ao abrigo de tais procurações não se projectaram no património dos AA/mandantes. São, de todo, ineficazes em relação aos AA. XIII. A eficácia do negócio concluído por um representante sem poderes, fica dependente da ratificação do principal. Sem essa ratificação, a ineficácia do negócio mantém-se, sendo que com a ratificação fica sanada a falta, com eficácia retroactiva, tudo se passando como se essa falta nunca tivesse existido (ut art. 268.º, n.º 2 do Cód. Civil). XIV. O instituto do abuso de direito, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial, são meios de que os tribunais devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que, objectivamente, e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CC, DD, EE, FF e GG, solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência: a) Ser declarada a nulidade das referidas procurações, por não preencherem os requisitos de validade e padecerem de vício de forma, ou, caso assim não se entenda, ser declarada a anulabilidade das procurações, alegadamente outorgadas pelos Autores a favor do 4.° Réu, com base no erro; b) Ser declarada a ineficácia, bem como a nulidade, das escrituras outorgadas pelo 4.° Réu, em representação dos Autores; c) Ser declarada a anulabilidade da escritura realizada em 01-09-2011; d) Ser ordenado o cancelamento dos registos feitos quanto aos atos notariais melhor identificados na petição inicial, e dos que deles dependam; e) Serem todos os Réus condenados, solidariamente, a indemnizar os Autores pelos danos patrimoniais referentes às rendas e prestações mensais que os mesmos deixaram de auferir, desde 01-01-2012 e que até à data do decretamento da providência cautelar contabiliza a quantia de €14.720,00, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor até integral e efetivo pagamento; f) Reverter a favor dos Autores o montante das rendas e prestações mensais, que à data da prolação da sentença, com trânsito em julgado nos presentes autos, se encontre depositado à ordem dos autos de procedimento cautelar que decretou o referido depósito; Ou, caso assim não se entenda, em alternativa às alíneas anteriores: g) Ser o 4.° Réu condenado a entregar aos Autores o valor resultante da venda ocorrida h) Serem os 2.° e 3.a Réus condenados a restituir aos Autores a quantia de €95.000,00 no âmbito do enriquecimento sem causa, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor até integral e efetivo pagamento; e i) Condenar-se os Réus nas custas, procuradoria condigna e demais encargos legais[1]. Os Réus apresentaram contestação, solicitando, a final, a sua absolvição e, outrossim, a condenação dos Autores como litigantes de má fé. Os Autores AA e BB vieram replicar, solicitando, a final, que o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé fosse julgado improcedente. O Réu GG, em face da réplica apresentada pelos Autores, veio apresentar requerimento de ampliação do pedido de ressarcimento dos prejuízos com base nos danos morais que a leitura de tal articulado lhe trouxe. Tendo a Autora BB falecido no dia 03-12-2015, procedeu-se à habilitação de herdeiros, sendo habilitados, por sentença proferida em 18-05-2016, na posição processual deixada pela falecida AA, EE e HH. Vindo o Réu CC a falecer em 14-03-2016, procedeu-se à habilitação de herdeiros, sendo habilitado como tal o seu único filho, o Réu DD. A final, foi proferida sentença nos seguintes termos: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acção improcedente e, em consequência: Absolve os réus de todos os pedidos formulados. Julga não verificada qualquer situação de má-fé processual”. Inconformados com a sentença, vieram os Autores interpor recurso de apelação, vindo a Relação ..., em acórdão, a proferir a seguinte “V - Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da ... Secção Cível do Tribunal da Relação ... em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, determinando-se: a) A nulidade de uma procuração datada de 19-06-2011 e de duas datadas de 04-07-2011, melhor descritas no facto provado 16, juntas aos contratos celebrados por escrituras públicas em 27-06-2011 e 10-08-2011, por falta de forma; b) A ineficácia do contrato de compra e venda do imóvel melhor descrito no facto provado 31, celebrado em 27-06-2011, em relação aos Autores AA e BB, o que determina o cancelamento das inscrições registrais efetuadas com base nesse contrato, bem como a entrega de todas as rendas recebidas pelo Réu CC, pela herança constituída após a sua morte ou pelo único habilitado caso já tenha sido aceite a herança, quanto à Loja B, melhor identificada no facto provado 33, no valor mensal de €440,00, desde 01-01-2012 e até trânsito em julgado da decisão final; e pelo Réu CC, pela herança constituída após a sua morte ou pelo único habilitado caso já tenha sido aceite a herança, quanto à loja C, melhor identificada no facto provado 33, no valor mensal de €480,00, desde 27-06-2011 até trânsito em julgado da decisão final; e c) A ineficácia do contrato de confissão de dívida e hipoteca, celebrado em 10-08-2011, e melhor descrito nos factos provados 34 e 36, em relação aos Autores AA e BB, o que determina o cancelamento das inscrições registrais efetuadas com base nesse contrato. No demais, mantém-se a sentença recorrida. Improcede igualmente o pedido de condenação como litigantes de má fé dos Autores, interposto pelo Réu GG.”. Por sua vez inconformado, veio o Réu DD, por si e, habilitado judicialmente no apenso C, como único herdeiro e cabeça-de-casal da herança de CC, apelado nos autos, interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES: «1 - O recorrente impugna a decisão do Tribunal da Relação ... por ter aditado um ponto 54 à matéria de facto, que dá como provado que inexistiam motivos para os recorridos necessitarem de empréstimos, porque a. isso não consta da matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância nem se retira de nenhum outro facto dado como provado b. ao contrário do teor aditado, por o Tribunal ter dado como provado e concluído que os recorridos já tinham recorrido a empréstimos 3 - O recorrente impugna a decisão do Tribunal em considerar que as escrituras realizadas entre os recorridos e o 1º RR são ineficazes devido à invalidade das procurações porque c. Ainda que as procurações fossem inválidas, os recorridos ratificaram e confirmaram as procurações e os negócios celebrados na escritura de confissão de dívida e hipoteca de 10-8-2011, em ..., quando celebraram em ..., a escritura de compra e venda com reserva de usufruto e renúncia de hipoteca, em 1-9-2011, pelo recibo de pagamento de 150.000 euros pela compra de imóvel na escritura de ... de 27-6-2011 e pelas cartas aos inquilinos em que referem ter vendido os imóveis- art 268, 288 CC 4 - O recorrente impugna a decisão do Tribunal em considerar que a autenticação das procurações dos recorridos aos Dr FF, por não terem sido registados no dia ou nas 48 horas seguintes, em caso de falha técnica, são documentos particulares, porque d. A lei não prevê pena expressa para a extemporaneidade e. O registo foi efetuado, por norma não é constitutivo e tem fins de publicidade, que ficaram assegurados f. Os recorridos assinaram as procurações e levaram-nas a quem tinha poderes para autenticar, apenas não tendo sido feito o registo imediato g. A fé pública é atribuída, por lei, à pessoa do advogado, em função do seu papel social e idoneidade e não ao registo e com o fim de desburocratizar certos actos, não fazendo sentido ficar dependente da exigência formal de registo h. A lei admite como autêntico, mantendo a validade, do documento emanado de quem não tem competência para proteger o interveniente ou beneficiário desconhecedor de boa fé art 369-2 CC. Esta situação é mais grave pelo que não é crível que a lei imponha a invalidade dum documento emanado de quem tem competência e autoridade, o advogado, na situação dos autos, menos grave 5 - O recorrente impugna a decisão do Tribunal em invalidar os negócios por penalizar excessivamente o 1º RR já que ele está de boa fé, desconhecendo o relacionado com as procurações ou registos, limitando-se a cumprir as ordens do Notário , mas na eventualidade da invalidade dos negócios realizados com os recorridos, entende que o Tribuna deve recetar a obrigação dos recorridos restituir em ao 1º RR as quantias que dele receberam, como p. ex. 150.000 euros, conforme recibo de quitação, sob pena de enriquecimento sem causa art.º 290, 473 CC 6 - O recorrente impugna a decisão do Tribunal em declarar ineficazes os negócios e escrituras realizadas entre o 1º RR e os recorridos porquanto este vieram pedir a invalidade de negócios que sabiam estar viciados, o que sempre ocultaram do 1º RR, mas cuja validade ficou por eles confirmada com a celebração da escritura de 1-9.2011, o que é abuso de direito e impede o exercício do direito a invocar aquela invalidade. Pelo que a decisão recorrida deverá ser substituída por outra, que mantenha plenamente a decisão do tribunal da 1ª Instância e, em caso contrário, deverá ser decretada a obrigação dos recorridos restituírem à herança de CC tudo o que dele receberam no âmbito da realização das escrituras ineficazes, nomeadamente a quantia de 150.000 euros No entanto, como sempre, mais e melhor decidirão V. Exª.s fazendo-se a costumada JUSTIÇA!». Foram apresentadas conptra-alegações pelos Autores/Recorridos, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção do Acórdão da Relação. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista. Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC). ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as seguintes: · Impugnação da decisão da matéria de facto: aditamento do ponto 54 à matéria de facto dada como provada. · Da consideração como meramente particular de um documento autenticado por advogado se não for registado no prazo indicado na Portaria 657-B/2006. · Ineficácia dos negócios realizados entre AA e 1º R. e da confirmação dos mesmos por banda dos AA. · Se deve considerar-se excessiva a penalização do 1º R. · Se há abuso de direito por parte dos AA.
III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1. Factos provados É a seguinte a matéria de facto provada (fixada pela Relação, após impugnação da decisão da matéria de facto): 1. O autor era mediador de seguros. 2. Os autores são sogros do réu, DD e pais da ré, EE, os quais são casados entre si. 3. O réu CC é pai do réu DD, sendo este seu único filho. 4. Os segundo e terceiro réus, devido à relação de proximidade que sempre tiveram com os autores conhecem o património destes, nomeadamente imobiliário e saldos bancários. 5. O primeiro réu, através do seu filho (segundo réu), conhece o património dos autores, nomeadamente imobiliário. 6. Na sequência de uma zanga que se instalou entre os autores e a filha HH, os autores, em inícios de Junho de 2011, os foram viver para a residência dos segundo e terceiro réus. 7. Os autores permaneceram na casa dos segundo e terceiro réus durante 18 meses. 8. Os autores tomavam "...", medicamento que ocasionalmente provoca sonolência. 9. Os autores contactavam toda a gente, saiam de casa, iam a excursões (numa delas a autora mulher sentiu-se mal e ficou internada no Hospital ...). 10. Faziam algumas refeições fora, sobretudo ao almoço. 11. Os autores tratavam de um terreno que têm no ..., onde o autor fez obras não licenciadas e, após notificação camarária, deslocou-se à Câmara Municipal ... para licenciar as referidas obras, assinavam contratos de arrendamento, passavam recibos de renda. 12. O requerente marido emitia recibos de renda e ia receber as rendas. 13. Recebiam visitas e tinham telefone.
15. Foram redigidas, pelo menos, 3 procurações, duas com data de 04/07/2011 e uma com data de 19/06/2011, a favor do réu FF, advogado, declarando-se que lhe conferiam poderes para vender e hipotecar imóveis dos autores. 16. Tais procurações foram acompanhadas de termos de autenticação emitidos e registados pelo réu GG, advogado, o qual certificou a comparência dos autores perante si, conferindo às procurações a fé pública para que pudessem ser usadas perante o notário. 17. Tendo registado os respectivos termos de autenticação. 18. As procurações, autenticações e registo têm as seguintes datas: a. Procuração datada de 19.06.2011, autenticada a 21.06.20 11 e registada a 27.06.2011; b. Procuração datada de 04.07.2011, autenticada a 04.07.2011 e registada a 11.07.2011, quanto ao autor marido e 20.07.2001, quanto à autora mulher; c. Procuração datada de 04.07.2011, autenticada a 04.07.2011 e registada a 11.07.2011, quanto ao autor marido e 20.07.2001, quanto à autora mulher. 20. Em 11.07.2011 o acto levado a efeito pelo réu GG foi identificado como "certificação de fotocópias". 21. O réu GG, até 21.06.2011, não praticara nenhum acto de autenticação de uma procuração. 22. O registo da 1.a autenticação, datado de 27/06/2011, às 13:19, tem o n.º ...01, correspondendo a Ia série numero-alfabética à ordem de inscrição como advogado do R. e o 2.° número, ao número de ordem do registo. 23. O registo da 2.a autenticação, datado de 11/07/2011, às 21.29, tem o n.º ...02. 24. O registo da 3.a autenticação, datado de 20/07/2011, às 15:10, tem também o n.° ...04. 25. No registo n.° ...00, o Réu GG registou, em 27-06-2011, às 00:20, uma certificação de fotocópias correspondentes, reportando-se ao ato de autenticação efetuado em 21-06-2011 e relativo à procuração datada de 19-06-2011 (com a alteração feita pela Relação). 26. No registo n.° ...03, o Réu GG registou, em 11-07-2011, às 21:32, uma certificação de fotocópias correspondentes, reportando-se ao ato de autenticação efetuado em 04-07-2011 e relativo à procuração datada da mesma data, em nome de BB (com a alteração feita pela Relação). 27. O registo n.° ...05 é o registo de uma certificação de uma fotocópia de um documento da Câmara Municipal ... e foi datado de 20/07/2011, às 15:18. 26. No uso das procurações foram outorgadas 2 escrituras.14.A autora assinou folhas em branco. 27. No dia 27/06/2011, no Cartório Notarial sito na Av. ..., ..., ... ..., em ..., a cargo da Sr.a Dr.a II, Notária, foi outorgada a escritura pública de compra e venda, exarada de fls. 91, do livro 197 A. 28. Na outorga da referida escritura, compareceu como comprador o primeiro réu. 29. Através do referido procedimento, o primeiro réu adquiriu a propriedade do prédio sito na Rua ..., ..., da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...28 da dita freguesia e actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...61 (antigo ...). 30. Tendo declarado ter pago o preço de €150.000,00, valor que o quarto réu declarou ter sido recebido. 31. O referido prédio é constituído por 3 lojas, duas das quais se encontram ocupadas, a saber: a) Loja B, a qual se encontra arrendada a T..., Lda., com sede em R. ..., Edif. ..., Lote ..., Loja F, ... ..., com o NIPC ..., desde 01/03/2009, tendo o primeiro réu, por intermédio do segundo réu, seu filho, passado a receber as respectivas rendas, no valor mensal de € 440,00, desde 01/01/2012; b) Loja C, na qual se encontra instalado um estabelecimento comercial de ..., propriedade dos autores, cuja exploração foi cedida a JJ, residente na Rua ..., ... ..., por contrato datado de 03/02/2003, tendo o primeiro réu, por intermédio do segundo réu, seu filho, sem qualquer título que o legitime, passado a receber as prestações, no valor mensal de € 480,00. 32. No dia 10/08/2011, no Cartório Notarial sito na Av. ..., ..., ... ..., em ..., foi outorgada a escritura pública de confissão de divida com hipoteca, exarada de fls. 36, do Livro ... 33. Na outorga da referida escritura, compareceu, como mutuante, o primeiro réu. 34. Através do referido procedimento, foram constituídas 2 hipotecas voluntárias, sobre dois prédios dos autores a saber: a) hipoteca no valor de € 90.000,00, sobre o prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...54 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...76; b) hipoteca no valor de € 120.000,00, sobre o prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...03 da dita freguesia e actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...76 (antigo ...). 35. Ambas a favor do primeiro réu para garantia de pagamento de empréstimos nesses mesmos valores, que o primeiro réu teria concedido aos autores. 36. No dia 01/09/2011, a terceira ré, filha dos autores, conduziu os mesmos ao Cartório Notarial de ..., sito na Rua ..., em ..., a cargo da Sr.a Dr.a KK, Notária, onde outorgaram a escritura pública de compra e venda e renúncia, exarada de fls. 111, do Livro ... A. 37. Da referida escritura figura como comprador o primeiro réu. 38. O primeiro réu adquiriu a nua propriedade do prédio sito na Rua ..., da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...03 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...99, tendo o usufruto, vitalício, simultâneo e sucessivo do mesmo ficado reservado aos autores. 39. Tendo o primeiro réu declarado ter pago aos A.A. o preço de € 120.000,00. 40. O primeiro réu declarou, ainda, renunciar à hipoteca referida em 20. supra, o que permitiu o seu posterior cancelamento no registo predial. 41. A escritura foi lida na presença de todos e a todos explicado o seu conteúdo. 42. O primeiro réu tinha, à data da propositura da acção, 91 anos de idade e era reformado. 43. Os autores, além da terceira ré têm outra filha. 44. Os autores, quando deixaram a residência da filha EE, foram viver para a casa que tinham em ..., tendo feito as pazes com a filha HH (alteração feita pela Relação - constituía o facto 46 da sentença). 45. Os autores procederam à revogação das procurações em 31 de Janeiro de 2013. 46. Em meados de Abril de 2011, o autor marido foi submetido a intervenção cirúrgica. 47. Os autores entregaram à terceira ré dois cheques em branco, do Banco ..., assinados, os quais tinham os seguintes números ...37 e ...38. 48. A terceira ré preencheu os referidos cheques, no montante de € 50.000,00 e €45.000,00. 49. Os autores participaram criminalmente de todos os réus, inquérito ao qual foi atribuído o número 960/13…. 50. O réu FF foi contactado pelo réu DD para patrocinar o autor marido e ficou a saber que este tinha sido acometido de um AVC e que tinha recuperado. 51. Os autores intentaram procedimento cautelar. 54. Os Autores possuíam, no ano de 2011, património, inexistindo motivos para necessitarem de solicitar empréstimos (acrescentado pela Relação). III. 2. Factos não provados É a seguinte a matéria de facto dada como não provada (fixada pela Relação, após impugnação da decisão da matéria de facto): ü Da petição inicial: Os factos elencados nos artigos 3o, 5o (no respeitante aos saldos bancários), 7o (última parte), 8o (com excepção de que tomavam ...), 9o, 11o, 12°, 13°, 14°, 16° (na parte em que se refere que os autores nunca compareceram perante o réu GG), 30°, 31° (na parte respeitante à falta de discernimento, face á medicação ministrada), 32° (na parte respeitante à falta de consciência do acto), 33° (última parte), 37° (com excepção da idade - considerou a Relação tratar-se de matéria conclusiva), 38°, 50° (parte final), 51.°, 52.°, 54°, 61°, 62°, 63°, 66°. ü Da contestação do réu FF: Os factos inscritos nos artigos 3o, 4o, 8o (última parte, a primeira respeita a impugnação directa), 9o, 13°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 41°, 49°, 51°. ü Da contestação de CC, DD e EE: Os factos constantes dos artigos 4o, 5o, 40°, 41°, 43°, 44°, 45°, 47°, 50°, 51 °, 61. °, 89. ° (com excepção da actividade profissional do autor), 91. ° 92. °, 94.° e 95.°. ü Da contestação do réu GG: Os factos constantes dos artigos 2.°, 3.°, 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, 14.°, 15.°, 19.°, 21°, 22.° 25.°, 26.°, 37.° (na parte respeitante à solicitação dos autores). ü Os medicamentos que os autores tomavam eram receitados pelos médicos (era o facto 9 dos provados na sentença mas que a Relação decidiu passar para os factos não provados). *** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO Analisemos, então, as questões suscitadas na revista. · DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO: aditamento do ponto 54 à matéria de facto dada como provada Insurge-se o Recorrente contra o acrescentamento pela relação do ponto 54 ao rol de factos provados. Sem razão, porém. O que se constata, ao longo do arrazoado do Recorrente, neste segmento, é que os mesmos se limitam a discordar da argumentação vertida pela Relação para concluir pelo aditamento daquele ponto 54, procurando fazer a sua concatenação entre os factos, dando a sua versão do que entende ser a versão correcta, rematando a sua discórdia da Relação que concluiu que os AA tinham património e inexistiam motivos para solicitar empréstimos. É certo que, como refere o STJ no Ac. de 30.09.2009[2], “II - Cabem dentro dos poderes próprios que o STJ possui em matéria de facto as situações que integram a violação do direito probatório material, uma vez que as mesmas se reconduzem à violação de normas de direito substantivo, sendo ainda permitido ao STJ corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, que impeçam a aplicação do regime jurídico adequado, pelo que a fiscalização probatória do STJ está limitada à prova legal ou vinculada, isto é, aos meios de prova que tenham força probatória plena”[3]. E, bem assim, pode o STJ sindicar um mau uso das presunções judiciais, como pode ver-se na sua jurisprudência, que se tem consolidado, citada por ABRANTES GERALDES[4]. Assim, por exemplo: Ac. do STJ de 18/05/2017, 20/14: da conjugação do disposto nos arts. 682.º e 674.º, n.º 3, do CPC, com os arts. 349.º e 351.º do CC retira-se que o Supremo pode exercer o controlo sobre a construção ou desconstrução das presunções judiciais, utilizadas pelas instâncias, sindicando se a utilização das mesmas violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja se o facto conhecido não está provado. Porém, são muito limitados (e delimitados) os casos em que, excepcionalmente, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar matéria de facto (e que, verdadeiramente, apesar da imbricação com as circunstâncias factuais, são ainda ‘questões de direito’, porquanto se reconduzem à apreciação da correcção da aplicação dos complexos normativos que regulam a selecção, averiguação e fixação do circunstancialismo factual da lide), a saber: 1. Ocorrendo violação de direito probatório material (artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, do CPC): a) por ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova; b) por ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova; 2. Ocorrendo violação de direito probatório adjectivo (art.º 674º, nº 1, al. b), do CPC, acórdãos do STJ de 05FEV2020, proc. 13097/17.5T8LSB.L1.S1, 20FEV2020, processos 1893/12.4TBSCR.L2.S2 e 6126/15.9T8BRG.G1.S1 e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs.434-436), designadamente por mau uso que a Relação fez dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, a) por um uso meramente formal dos poderes de reapreciação; b) pelo estabelecimento de presunções judiciais em oposição a norma legal, em oposição com os factos apurados ou com insuficiência dos mesmos, ou mediante patente ilogicidade; c) pela anulação de respostas em desconformidade com as regras processuais; 3. ocorrendo insuficiência da matéria de facto apurada para a correcta solução jurídica da causa (art.º 682º, nº 3, do CPC); 4. Ocorrendo contradição essencial na matéria de facto (art.º 682, nº 3, do CPC).
Em suma: o Supremo Tribunal de Justiça, por regra, apenas conhece da matéria de direito (682º, nº 2), pelo que, e desde logo, não pode sindicar o erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa, ou seja, censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artº 662º/1 CPC, salvo nos termos do artº 674º/3 (havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova)[5]. Ora, parece evidente que no caso sub judice não se verifica qualquer das apontadas situações. Com efeito, o Recorrente mais não faz do que discordar da apreciação ou valoração feita pela Relação relativamente à prova produzida[6]. Mas essa apreciação probatória escapa da sindicância do Supremo, pois que, como dito, a actuação do mesmo se baliza nos limites ínsitos nos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC. – situação que, reitera-se, não se verifica. * Em suma: não foi violada qualquer norma ou regra processual na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, a permitir a sindicância deste Supremo Tribunal. Como tal, claudica esta questão, mantendo-se a matéria de facto tal como foi fixada pela Relação. · Da consideração como meramente particular de um documento autenticado por advogado se não for registado no prazo indicado na Portaria 657-B/2006 e da ineficácia dos negócios realizados entre AA e 1º RR, com base nas procurações alegadamente passadas pelos AA Sustentam os AA/Recorridos que as procurações eram inválidas porque: haviam sido forjadas pelos RR, que preencheram o seu teor sobre documentos em branco que os AA assinaram, por logro dos RR ou sob o efeito de substâncias que os RR lhes ministravam e que afectaram a sua vontade livre, durante o período em que viveram com eles de Junho/2011 a Dezembro/2012; tinham sido autenticadas sem a presença deles (AA), ao contrário do que delas constava, por advogado que não as tinha registado nos prazos indicados na Portaria 657-B/2006, o que lhes retirava a qualidade de documento equiparado a público. Daí que se tenha considerado que tal invalidade das procurações inquinava a validade das escrituras e os negócios delas constantes. Na decisão recorrida entendeu-se não ter ficado provada a alegada falsidade das procurações, como tal não as considerando nulas por falsidade. Porém, entendeu a Relação que a autenticação das procurações não cumpriu os requisitos legais constantes da Portaria n.º 657-B/2006 e que isso inquinava a validade do documento enquanto documento autenticado, valendo apenas como documentos particulares. Com efeito, entendeu-se no acórdão recorrido que, uma vez que a exigência de escritura pública para os negócios em que as procurações foram usadas, é uma formalidade ad substantiam, as procurações nela utilizadas necessitavam de ser autenticadas; e não o sendo, os negócios realizados com base nelas têm de ser entendidos como celebrados no âmbito da representação sem poderes, art.º 268 CC. Adiantando que o negócio celebrado por alguém em nome de outrem sem poderes é ineficaz em relação a ele, salvo ratificação. Daí ter concluído a Relação que os negócios em causa, realizados com as procurações, eram/são ineficazes em relação aos AA Quid juris? Vejamos da validade das procurações quando, embora autenticadas por advogado, não são registadas no prazo indicado na Portaria 657-B/2006 e da eficácia/ineficácia relativamente aos AA (emitentes das procurações) dos negócios celebrados entre os AA e 1º Réu com base em tais documentos. Escreveu-se no acórdão recorrido (após transcrição de vários artigos: do Cód do Notariado - arts. 150º,e 151º e 46.°, n.° 1, als. a) a n); da Portaria n.° 657-B/2006, de 29-06 - arts. 1º e 3º; do DL n.° 76-A/2006, de 29-03 - art. 38.°, n.° 3): « (…). Daqui resulta que para haver uma situação de autenticação de um documento particular por advogado toma-se necessário que se proceda a três fases distintas[7]: (i) que as partes assinem o documento particular; (ii) que esse documento seja apresentado ao advogado para que este efetue a respetiva autenticação, devendo as partes confirmarem perante si o conteúdo do documento particular, procedendo-se de seguida à elaboração do termo de autenticação, onde tem de ficar a constar que as partes já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo, e que o documento exprime a sua vontade, bem como a ressalva de eventuais emendas, entrelinhas, rasuras ou traços; e (iii) que o advogado efetue o registo informático, em obediência ao disposto nos arts. 3.° e 4.° da Portaria n.° 657-B/2006, de 29-06, ou seja, que se identifique a natureza e espécie do ato, que se identifiquem os interessados, com o seu nome completo e número do documento de identificação, que se identifique a pessoa que pratica o ato e que fique a constar a data e hora de execução do ato, bem como o número de identificação do ato, devendo tal registo ser efetuado no momento da prática do ato, só assim não ocorrendo se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do termo de autenticação, facto esse que deve ser expressamente referido no registo online, devendo, neste caso, tal registo ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes. Atente-se que o n.° 3 do art. 38.° do DL n.° 76-A/2006, de 29-03, refere expressamente que a autenticação de documento particular pode ser validamente praticada por advogado mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados serão definidos por Portaria, tendo a Portaria n.° 657-B/2006, de 29-06, no seu n.° 1, feito depender a validade das autenticações de documentos particulares do registo em sistema informático, o qual pressupõe os requisitos mencionados nos arts. 3.° e 4.° da referida Portaria. Aliás, permitindo-se que outras entidades, para além dos notários, possam exercer atos de natureza pública, é compreensível que tais atos se mostrem particularmente exigentes do ponto de vista da segurança e da certeza jurídica, razão pela qual se exige no cumprimento destes requisitos determinados elementos de carácter identificativo das partes, do autenticador e da natureza do ato[8], como de carácter temporal, devendo o registo destes atos ser efetuado no momento exato da autenticação, apenas se admitindo, excecionalmente, no período das 48 horas seguintes, se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema informático, devendo tal dificuldade ficar a constar do referido registo. Se o momento temporal para a prática do registo online não figurasse como requisito essencial para a validade do termo de autenticação, podendo, desse modo, o registo ser praticado a todo O tempo (pois o que relevava era a prática do registo online e não o momento da sua prática), não faria sentido ter ficado a constar da referida Portaria que, não sendo o registo online praticado no momento da prática do termo de autenticação, apenas se admite tal registo nas quarenta e oito horas seguintes, desde que o impedimento tenha tido origem em problemas de acesso ao sistema informático, sendo obrigatório ficar tal justificação a constar do referido registo. Cita-se a este propósito o já mencionado acórdão do TRP, proferido em 23-01-2017: - Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes. - A validade dessa autenticação implica que seja efetuado o registo informático do respetivo termo dentro do prazo estabelecido no art. 4o da Portaria n° 657-B/2006, de 29 de junho, isto é, que o mesmo seja realizado no momento da prática do ato ou nas 48 horas seguintes se, em virtude de dificuldades de caráter técnico, não for possível aceder ao sistema nessa oportunidade temporal. - A inobservância do referido condicionalismo temporal, afetando a validade do termo de autenticação, implica que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à ação executiva, por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da ai. b) do n° 1 do art. 703° do Cód. Processo Civil. E, a ser assim, encontrando-se a validade do termo de autenticação dependente do preenchimento dos requisitos impostos pelos arts. 3.° e 4.° da Portaria n.° 657-B/2006, de 29-06, o incumprimento de tais requisitos inquina a validade do documento enquanto documento autenticado, valendo o mesmo apenas como mero documento particular[9]. Do supra exposto, e para o caso que nos ocupa, estamos perante três documentos particulares que foram autenticados pelo advogado e Réu GG: - o primeiro reporta-se a uma procuração datada de 19 de Junho de 2011, assinada pelos Autores AA e BB, na qual se mostra elaborado termo de autenticação datado de 21 de junho de 2011, onde se mostram identificados os Autores e se fez consignar (i) que tal documento se reporta a uma procuração com poderes especiais outorgada a favor do advogado e Réu FF, igualmente identificado; e (ii) que os Autores declararam ter lido a procuração, estando conforme à sua vontade. O termo encontra-se assinado pelos Autores e, em último lugar, pelo advogado e Réu GG. Este termo de autenticação foi registado online, e nesse registo consta (i) a identificação dos Autores com o nome completo e o número do BI; (ii) que se reporta à autenticação de documento particular; e (iii) que as assinaturas apostas no termo de autenticação, efetuado em 21-06-2011, foram realizadas na presença do referido advogado, após confirmação das identidades, através da apresentação dos bilhetes de identidade, que lhe foram exibidos. Tal registo online mostra-se datado de 27-06-2011, pelas 13:26 e tem o n.º ...01. Esta procuração foi utilizada para a celebração do negócio de compra e venda realizado no dia 27-06-2011 e que consta do facto provado 29. - o segundo reporta-se a uma procuração datada de 4 de Julho de 2011, assinada pelos Autores AA e BB, sendo tais assinaturas reconhecidas presencialmente pelo advogado e Réu GG, o qual também procedeu ao termo de autenticação, com a mesma data, onde se mostram identificados os Autores e se fez consignar (i) que tal documento se reporta a uma procuração com poderes especiais outorgada a favor do advogado e Réu FF, igualmente identificado; e (ii) que os Autores declararam ter lido a procuração, estando conforme à sua vontade. O termo encontra-se assinado pelos Autores e, em último lugar, pelo advogado que elaborou o termo. Este termo de autenticação foi registado online, através de dois registos. O primeiro relativo ao Autor AA, que se mostra identificado pelo nome completo e pelo número do seu bilhete de identidade, sendo identificado o ato como se tratando de documento particular, certificando-se que a assinatura aposta no termo de autenticação, datado de 04-07-2011, foi efetuada na presença do referido advogado, tendo o mesmo confirmado tal presença através da apresentação do bilhete de identidade do interessado, que lhe foi exibido. Este termo foi registado em 11 -07-2011, pelas 21 h32, sendo-lhe atribuído o n.º ...02. O segundo relativo à Autora BB, que se mostra identificada pelo nome completo e pelo número do seu bilhete de identidade, sendo identificado o ato como se tratando de documento particular, certificando-se que a assinatura aposta no termo de autenticação, datado de 04-07-2011, foi efetuada na presença do referido advogado, tendo o mesmo confirmado tal presença através da apresentação do bilhete de identidade da interessada, que lhe foi exibido. Este termo foi registado em 20-07-2011, pelas 15h13, sendo lhe atribuído o n.° ...04. Esta procuração foi utilizada para a celebração do negócio de confissão de dívida e hipoteca realizado em 10-08-2011 e que consta do facto provado 34. - o terceiro reporta-se a uma procuração datada de 4 de Julho de 2011, assinada pelos Autores AA e BB, sendo tais assinaturas reconhecidas presencialmente pelo advogado e Réu GG, o qual também procedeu ao termo de autenticação, com a mesma data, onde se mostram identificados os Autores e se fez consignar (i) que tal documento se reporta a uma procuração com poderes especiais outorgada a favor do advogado e Réu FF, igualmente identificado; e (ii) que os Autores declararam ter lido a procuração, estando conforme à sua vontade. O termo encontra-se assinado pelos Autores e, em último lugar, pelo advogado que elaborou o termo. Este termo de autenticação foi registado online, através de dois registos. O primeiro relativo ao Autor AA, que se mostra identificado pelo nome completo e pelo número do seu bilhete de identidade, sendo identificado o ato como se tratando de documento particular, certificando-se que a assinatura aposta no termo de autenticação, datado de 04-07-2011, foi efetuada na presença do referido advogado, tendo o mesmo confirmado tal presença através da apresentação do bilhete de identidade do interessado, que lhe foi exibido. Este termo foi registado em 11-07-2011, pelas 21h32, sendo-lhe atribuído o n.º ...02. O segundo relativo à Autora BB, que se mostra identificada pelo seu nome completo e pelo número do seu bilhete de identidade, sendo identificado o ato como se tratando de documento particular, certificando-se que a assinatura aposta no termo de autenticação, datado de 04-07-2011, foi efetuada na presença do referido advogado, tendo o mesmo confirmado tal presença através da apresentação do bilhete de identidade da interessada, que lhe foi exibido. Este termo foi registado em 20-07-2011, pelas 15h13, sendo lhe atribuído o n.° ...04. Esta procuração foi utilizada para a celebração do negócio de confissão de dívida e hipoteca realizado em 10-08-2011 e que consta do facto provado 34. Desde logo resulta que a segunda e a terceira procurações, apesar de ambas terem sido entregues aquando da realização do negócio de confissão de dívida e hipoteca realizado em 10-08-2011, são exatamente iguais, tendo apenas quanto a uma sido efetuado pelo Réu GG o respetivo registo online, visto que a identificação de tais registos é idêntica[10], o que não poderia ocorrer se se tratassem de termo de autenticação diversos. Assim, por simplicidade de análise, apenas nos reportaremos às situações referentes à primeira e segunda procurações, sendo que a terceira nem sequer possui registo de termo de autenticação autónomo. No caso em apreço, e quanto à circunstância de previamente ao registo online efetuado em 20-07-2011, relativo à Autora BB, e referente ao registo n.° ...04, o Réu GG ter efetuado um outro registo, em 11-07-2011, pelas 21h32, com o número de registo n.° ...03[11], em nome da Autora BB, onde fez constar que se tratava de certificação de fotocópias, tal questão, no que à solução jurídica preconizada diz respeito, é completamente irrelevante, visto que mesmo que o primeiro registo fosse válido[12], também se mostrava praticado, não só sem qualquer justificação pelo facto de não ser realizado aquando do termo de autenticação, como também após terem sido ultrapassadas as quarenta e oito horas legalmente previstas. Na realidade, quer esse registo quer o registo efetuado em nome do Autor AA se mostram realizados em 11-07-2011, reportando-se o mesmo a um termo de autenticação efetuado em 04-07-2011, pelo que a possibilidade de efetuar tal registo, sem ser no ato de elaboração do termo de autenticação, esgotou-se às 23h59 do dia 06-07-2011, pelo que a 11-07-2011 já tal prazo se encontrava manifestamente esgotado. O mesmo se diga quanto ao registo efetuado em 27-06-2011, pelas 13h26, referente ao termo de autenticação elaborado em 21-06-2011, visto que o primeiro registo online que o Réu GG também efetuou quanto a este termo de autenticação ocorreu nesse mesmo dia, ainda que pelas 00h20[13], ou seja, ambos manifestamente fora de prazo. Na realidade, o prazo para registar o referido termo de autenticação, por motivos de impossibilidade de acesso ao sistema informático e apenas por tal motivo, terminou às 23h59 do dia 23-06-2011, pelo que em 27-06-2011, e independentemente das horas do registo, já o mesmo se encontrava fora de prazo.». E remata o Acórdão da Relação: «Nesta conformidade, é manifesto que a autenticação das três procurações (sendo que uma dessas procurações nem sequer foi registada online autonomamente) é inválida, razão pela qual só podem valer como documentos particulares. Porém, tais procurações foram utilizadas na celebração de contratos sujeitos a escritura pública[14], razão pela qual, nos termos do art. 262.°, n.° 2, do Código Civil, sendo a exigência de escritura pública para a celebração daqueles contratos uma exigência de forma ad substantiam[15], as procurações utilizadas na celebração dos mesmos, para serem válida, necessitavam de ser autenticadas. Não o sendo, tais procurações são nulas por falta de forma[16] e os negócios realizados com recurso às mesmas traduzem-se em negócios celebrados no âmbito da representação sem poderes, prevista no art. 268.° do Código Civil. Ora, determina tal artigo que o negócio celebrado por alguém em nome de outrem, mas sem poderes de representação, é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. No caso em apreço, não tendo o Réu FF, apesar de ter ficado a constar nas referidas escrituras públicas que representava os Autores AA e BB, agido em representação destes, tais contratos são ineficazes em relação aos Autores, a menos que estes os ratificassem, opção essa que, tendo em atenção a presente ação, se mostra excluída. Assim sendo, quer o contrato de compra e venda de um imóvel celebrado em 27-06-2011, quer o contrato de confissão de dívida e hipoteca celebrado em 10-08-2011, são ineficazes em relação aos Autores, sendo por isso insuscetíveis de produzir na esfera jurídica dos Autores os efeitos jurídicos pretendidos por tais contratos, e não nulos, uma vez que não estamos perante uma venda de coisa alheia, nos termos do art. 904.° do Código Civil, visto que o Réu FF não atuou em tais contratos em seu nome, mas sim em nome dos Autores[17]. Tal ineficácia determina o cancelamento das inscrições registrais efetuadas com base em ambos os contratos[18], e, quanto ao imóvel cuja venda é ineficaz em relação aos Autores, a entrega de todas as rendas recebidas pelo Réu CC, pela herança constituída após a sua morte ou pelo único habilitado caso já tenha sido aceite a herança, quanto à Loja B, melhor identificada no facto provado 33, no montante mensal de €440,00, desde 01-01-2012[19] e até trânsito em julgado da decisão final; e pelo Réu CC, pela herança constituída após a sua morte ou pelo único habilitado caso já tenha sido aceite a herança, quanto à loja C, melhor identificada no facto provado 33, no montante mensal de €480,00, desde a data da celebração do contrato, ou seja, desde 27-06-2011 até trânsito em julgado da decisão final, visto que de "um acto ineficaz não podem promanar quaisquer direitos contra as pessoas a quem a lei confere legitimidade para arguir a ineficácia"[20]». ** Não vislumbramos censura a fazer ao aresto da Relação, dado que se nos afigura correcta a interpretação e aplicação dos institutos, princípios e normas que cita. Seguem apenas algumas notas adicionais. Efectivamente, relativamente à autenticação das procurações (pelo Réu - advogado) mediante registo em sistema informático, é manifesto que não seguiu o estatuído na lei (no que tange à tempestividade exigida para essa mesma autenticação), o que as torna ineficazes para os fins a que se destinaram e foram utilizadas. Conforme preceitua o n.º 3 do artigo 363.º do Código Civil, os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais. O procedimento de autenticação do documento particular consiste na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública – no caso, o Réu GG, Advogado – e a parte (no caso, os AA/mandantes nas procurações) declarar estar inteirada do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, sendo ainda elaborado por aquela entidade um termo de autenticação, que deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado (conter a declaração da parte de que leu o documento e está inteirada do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade). Com efeito, o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março estabelece que os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação. Ou seja, no âmbito do regime de reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documento, advogados e solicitadores podem autenticar documentos particulares, com a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial. Pelo que tais autenticações, desde que feitas nos termos previstos na lei, conferem aos documentos a mesma força probatória que teriam se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. Assim, portanto, o Ilustre Advogado Réu, GG, que autenticou as procurações aludidas nos autos, estava plenamente legitimado para o fazer, limitando-se a agir em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do DL 76-A/2006, de 29 de Março. E uma vez elaboradas e devidamente assinadas, pelos AA, tais procurações, o Advogado lavrou os respectivos termos de autenticação, em conformidade com o estatuído no aludido artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, mediante o qual AA declararam, através de tais instrumentos, ter comparecido perante si (cfr. ponto 17 dos factos provados), ficando cientes do seu teor e assinaram as mesmas procurações, dessa forma declarando que o conteúdo das mesmas expressava a sua vontade. No que respeita a tais termos de autenticação, há requisitos legais a cumprir: devem ser lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado); devem satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos actos notarias, estabelecidas no artigo 46.º do Código do Notariado – para tal, devendo os termos de autenticação conter, ainda, os seguintes elementos: 1. Declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2. A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados (cfr. artigo 151.º do Código do Notariado). Ora bem, até aqui não há particulares observações a fazer. A discordância das partes aqui litigantes tem a ver tão somente com o registo no sistema informático dos termos de autenticação das procurações – registo esse que é obrigatório (ut º 3 do artigo 38.º do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março) –, no que tange à regulamentação e termos procedimentais de tais termos, previstos na Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho. Mais concretamente, o dissenso está na alegada intempestividade do registo informático dos termos de autenticação, tendo a Relação considerado que o registo foi intempestivo, como tal o considerando ineficaz relativamente aos AA. Como dito, os aludidos actos, por força do artigo 38º n.º 3 do Dec.-lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático. O artº 1º Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho é expresso ao referir que depende de registo em sistema informático a própria validade das autenticações dos documentos. Por sua vez, reza o artº 4º da mesma Portaria 657-B/2006 que o registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo, então, o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto – ou seja, no termo. Temos, assim, como regra que o registo informático é efectuado no momento da prática do acto. Precavendo, porém, a possibilidade de o sistema informático não estar acessível nesse momento, em virtude de dificuldades de natureza técnica (e apenas estas – e que devem ser mencionadas nos documentos que formalizam os actos), o legislador veio dar a possibilidade de, mesmo assim, se validar o documento, desde que efectuado o respectivo registo informático dentro das 48 horas seguintes àquele momento. Ou seja, no intuito de não dificultar as coisas aos interessados no registo informático, a lei, prevendo a hipótese de tal sistema informático não estar disponível para efectivação do registo, “autoriza” que o mesmo seja feito validamente, pelo advogado, dentro do referido prazo máximo de 48 horas (repete-se, indisponibilidade essa que, para que dúvidas não haja, tem de constar expressamente no documento que formaliza o acto). O mesmo é dizer que mesmo que tenha sido apenas por lapso que se não fez menção no termo de autenticação de que o registo não foi feito nesse prazo de 48 horas por dificuldades técnicas, ainda assim se mantém o entendimento de que a forma exigida por lei para a prática do acto não foi respeitada, acarretando a nulidade do registo online e, consequentemente, a invalidade do termo de autenticação. Pode até alegar-se que aquela falta de menção no termo de autenticação é apenas um mero lapso procedimental. Mas com lapso ou sem lapso, a consequência é a mesma. É que se impõe a quem elabore o termo de autenticação o devido cuidado, atenção e rigor na sua elaboração e no subsequente registo, cuja intempestividade lhe poderá sair caro: se houve lapso, ...sibi imputet. A intempestividade do registo informático acarreta inevitavelmente um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, que determina a invalidade do termo de autenticação. De facto, e a propósito da oportunidade temporal em que deve ser executado o registo na plataforma informática, a lei é expressa e claríssima, ao dispor que esse registo tem obrigatoriamente de ser efetuado “no momento da prática do ato”, apenas ressalvando a situação (excepcional) de nesse momento ocorrer dificuldade de caráter técnico de acesso ao sistema, caso em que (e só neste caso, portanto) o acto é válido, (mas) contanto (ainda) que tal facto seja expressamente referido no documento que o formaliza e o registo seja efetuado nas 48 horas seguintes[21]. Acresce que (como bem se observa no Ac da Rel do Porto de 22.10.2020[22]), da conjugação dos normativos citados do DL nº 76-A/2006 e Portaria nº 657-B/2006, de 29.06, resulta que o ato a que a Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho se refere é o da autenticação do documento particular e não o da outorga do próprio documento particular e que o prazo de 48 horas previsto no artº 4º da referida Portaria nº 657-B/2006, respeita à elaboração do termo de autenticação e do registo do mesmo e não à celebração do contrato e respetiva autenticação. Ou seja, pouco importa se decorreu, ou não, mais de 48 horas entre a outorga das procurações e a sua autenticação. Importa, sim (e apenas), que não tenham decorrido mais de 48 horas entre essa autenticação e o seu registo informático. Este, e só este limite temporal é que é inultrapassável. O que tudo bem se compreende. Se se dá, nomeadamente, ao advogado a possibilidade de levar a cabo actos de natureza idêntica aos dos Notários, é perfeitamente compreensível que faça rodear tais actos de formalidades e/ou exigências apertadas, assim o exigindo razões de certeza e segurança jurídica. Pelo que o limite temporal para a efectivação do registo informático, sem cujo cumprimento o termo de autenticação não se considerará válido, é uma “linha” inultrapassável, sob pena de o registo informático perder muito do seu sentido e utilidade, pois passava a poder ser praticado sem limitação temporal, com os óbvios inconvenientes. Daí, portanto, que o momento temporal referido supra, para a prática do registo online seja um elemento ou requisito essencial da validade do próprio termo de autenticação: sem a observância desse limite temporal, o termo de autenticação do documento não é válido, não podendo produzir o efeito para que foi elaborado. ** No presente caso, são três (3) os documentos particulares que foram autenticados pelo advogado e Réu GG, ou seja, 3 procurações: uma de 19 de Junho de 2011 (assinada pelos Autores AA e BB, na qual se mostra elaborado termo de autenticação datado de 21 de Junho de 2011, sendo que o seu registo online mostra-se datado de 27-06-2011, pelas 13:26 e tem o n.º ...01). Esta procuração foi utilizada para a celebração do negócio de compra e venda realizado no dia 27-06-2011; outra de 4 de Julho de 2011 (assinada pelos Autores AA e BB, na qual se mostra elaborado termo de autenticação, com a mesma data, sendo que a sua autenticação ocorreu online, através de dois registos, um de 04-07-2011 e registado em 11 -07-2011, pelas 21 h32, sendo-lhe atribuído o n.º ...02, outro de 04-07-2011, registado em 20-07-2011 n.° ...04); outra de 4 de Julho de 2011 (assinada pelos Autores AA e BB, na qual se mostra elaborado termo de autenticação, com a mesma data, sendo que a sua autenticação ocorreu online, através de dois registos, um de 04-07-2011 e registado em 11 -07-2011, pelas 21 h32, sendo-lhe atribuído o n.º ...02, outro de 04-07-2011, registado em 20-07-2011, sendo-lhe atribuído o número n.° ...04). Esta procuração foi utilizada para a celebração do negócio de confissão de dívida e hipoteca realizado em 10-08-2011 e que consta do facto provado 34. Assim, fazendo o Decreto-Lei n.º 76-A/2006 e a Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho depender a validade do termo de autenticação do seu registo informático e tendo os registos informáticos dos vários termos de autenticação ocorrido para além (bem para além, aliás) do prazo limite previsto na lei, todos eles (os termos de autenticação das referidas procurações) são inválidos: é como se não tivesse existido o registo informático, exigido expressamente naquela Portaria. Não está, portanto, em causa o registo em si, mas, sim, (e apenas) a sua tempestividade. E, obviamente, como ressalta do já dito, não cabe aqui falar-se em “lapso”, pois se trata da própria invalidade do registo por ausência de um elemento essencial para que o respectivo documento possa produzir os efeitos a que se destina. Ou seja, embora tendo os termos de autenticação sido lavrados em conformidade com os requisitos legais prescritos no Código do Notariado, falta, porém, o seu registo tempestivo no respetivo sistema informático, sem o qual tais termos se tornam ineficazes para o fim a que se destinavam (outorga das apontadas escrituras públicas). E sem tal registo, ou aludida menção de impossibilidade por não estar disponível o sistema informático para efectivação do registo, fica afectada a validade do acto de autenticação, pelo que os documentos em causa nos autos (procurações) não reúnem os requisitos legalmente exigidos para que possam ser considerados válidos, não chegando, como tal, tais documentos particulares a adquirir a natureza de documentos particulares autenticados. Percutimos: não vemos que possa ser de outra forma, já que o nº 3 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março é claro ao condicionar expressamente a validade do acto de autenticação de documento particular ao registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria nº 657-B/2006. Em causa, como dito, está o incumprimento de uma formalidade essencial à validação de tais documentos (procurações), formalidade/exigência essa ancorada em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exacta definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado. Só com essa (tempestiva) autenticação o documento passava a ter a fé pública inerente a um documento autêntico. Acresce que, considerar válidos os documentos sem ter sido efectuado o registo de autenticação, nos sobreditos termos, é pôr em causa o disposto nos artigos 377º e 371º do CC que estipulam e definem, com toda a clareza, a forma como os documentos particulares adquirem a força probatória dos documentos autênticos, e, outrossim, o disposto no artigo 150º do Código do Notariado. Com efeito, aceitar, como fez a sentença, que “a irregularidade” (bom..., trata-se, obviamente, muito mais do que uma mera irregularidade!) “de que os termos de autenticação padecem não afecta a validade” das procurações (dessa forma considerando quase inútil o acto de autenticação, sem relevância para a segurança da ordem jurídica, e a sua falta inócua para os documentos a autenticar), é fechar os olhos ao estatuído na lei e, outrossim, pôr em causa os mais básicos princípios de segurança e da ordem jurídica (ut artigo 2º CRP - A República Portuguesa é um Estado de direito democrático), deitando por terra todas as regras e cautelas na elaboração e registo desses documentos particulares que adquirem força de documentos autênticos. Concluindo: não tendo as procurações aludidas nos autos respeitado as apontadas exigências, ficaram padecendo de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que as compõem. O que, por “arrastamento” torna ineficazes, em relação aos AA (emitentes das procurações), os actos ou contratos jurídicos levados a cabo com tais instrumentos: o contrato de compra e venda do imóvel celebrado em 27.06.2011 e bem assim o contrato de confissão de dívida e hipoteca celebrado em 10.08.2011. ** · AINDA DA FORMA DA PROCURAÇÃO Como visto, os AA. mandataram, como seu procurador, o réu FF, advogado, “declarando-se que lhe conferiam poderes para vender e hipotecar imóveis dos autores” (facto provado 16) - ou seja, para, em seu nome, praticar os actos definidos nos documentos intitulados de procuração (ut arts. 1157.º, n.º 1, 1178.º, n.º 1 e 262.º, do Cód. Civil). Como refere MARIA HELENA BRITO[23], “O acto de atribuição de poderes é também funcional e estruturalmente independente em relação ao negócio jurídico representativo”, isto é, há autonomia do poder de representação face ao negócio jurídico celebrado pelo representante e terceiro, apontando-se como símbolo desta autonomia o regime vertido no artigo 259.° do Cód. Civil. Assim, atendendo à independência da procuração relativamente ao negócio representativo, o normal era que, em matéria de forma, a regra para a procuração fosse a não exigência da solenidade requerida para o negócio representativo. Mas não é assim. Com efeito, reza o nº 2 do artº 262º do CC que “Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.” É que a ratio que subjaz à exigência de forma legal para a efectivação de certos negócios jurídicos[24], impõe seja adoptado idêntico formalismo pela procuração atributiva de poderes representativos para a celebração de tais negócios. Visa-se, desta forma, salvaguardar as razões de garantia de ponderação das partes, de publicidade e de segurança jurídica que estão na base da necessidade da observância das solenidades para alguns negócios representativos (designados formais). Assim, a forma da procuração fica dependente da finalidade das formalidades exigidas para o negócio principal. E se é certo que tratando-se de situação em que essa finalidade consiste em obter prova segura acerca do acto (ou seja, se trate de formalidade ad probationem), se tem considerado que a outorga de poderes de representação não carece da forma prescrita para aquele negócio[25], já, porém, tratando-se de formalidade ad substantiam, a regra vertida no citado artigo 262.°, n.° 2, do CC, não pode deixar de ser aplicável[26]. Assim sendo, como os apontados actos (compra e venda de imóvel e confissão de dívida e hipoteca, celebrados em 2011) foram levados a cabo por escritura pública, as procurações que lhes serviram de suporte tinham de ser autenticadas (exigência ad substantiam), sob pena de nulidade por vício de forma (ut artº 220º do CC). Como tal, ao levarem a cabo as referidas escrituras, os detentores/beneficiários das procurações agiram sem poderes de representação. DA REPRESENTAÇÃO Como dito, ao levarem a cabo as referidas escrituras, os detentores/beneficiários das procurações agiram sem poderes de representação Sobre o instituto da representação — que pode ser legal ou voluntária —, dispõe o art. 258.º do Cód. Civil que “o negócio jurídico realizado pelo representante, em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.” Apesar de a norma se referir, prima facie, aos efeitos da representação, é possível construir a partir dela um conceito de representação no qual se encerrem os elementos definidores do instituto, em geral, e da representação voluntária, em particular. Assim, a representação voluntária consiste em alguém (o representante) realizar actos jurídicos em nome e no interesse de outrem (o representado), nos limites de poderes conferidos por este. Não se inclui no conceito de representação a produção directa dos efeitos do negócio na esfera jurídica do representante, uma vez que isso é uma consequência directa daquela acção e não um seu elemento[27]. O representante, embora seja parte formal no negócio celebrado com terceiro, actua em nome de outrem — o dono do negócio ou dominus negotii — e não em seu próprio nome, como sucede no mandato sem representação (art. 1180.º), em que o mandatário age em nome próprio, apesar de “praticar um ou mais actos jurídicos por conta” do mandante (art. 1157.º). Isto significa que o representante deve mostrar‑se perante terceiros como substituindo a pessoa em lugar de quem age e em relação à qual se referem, por isso, os efeitos do negócio jurídico. Esta ideia é expressa pelo brocardo latino contemplatio domini. O representante, ao actuar em nome alheio, mostra que não quer os efeitos do negócio para si, mas para o dominus. A representação pressupõe ainda que o representante actue ao abrigo de poderes que lhe permitam agir em nome alheio. Caso contrário, os efeitos negociais não se fazem sentir na esfera jurídica do dominus. O poder de representação é uma posição jurídica activa que integra a esfera jurídica do agente, atribuindo‑lhe legitimidade para afectar a esfera jurídica do dominus através da produção nela de efeitos de negócio em que este não interveio formalmente. Este poder tem, portanto, uma função de legitimação[28].
Como refere Galvão Telles, o mandatário não se encontra forçosamente, por essa sua qualidade, investido em poderes representativos. Pode não os ter, e então executa em nome próprio a gestão de que está incumbido, o que quer dizer que se torna ele, formalmente, o sujeito dos direitos e obrigações promanados da actividade exercida, embora os deva depois transferir ao mandante, no interesse de quem essa actividade foi realizada. Tais direitos e obrigações só se projectam directamente no património do mandante, se o mandatário tiver poderes de representação e proceder à sombra deles. O simples mandatário age por conta do mandante, mas em nome próprio, só o mandatário‑representante age ao mesmo tempo por conta do mandante e em nome dele (…)[29]. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos — art. 262.º, n.º 1 — tendo por consequência que se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram dados poderes, o negócio produz os seus efeitos em relação ao representado [30]. O mandato não representativo é consensual, vigorando o princípio de liberdade de forma consagrado no art. 219.º Código Civil, não havendo qualquer forma solene a respeitar para a sua conclusão [31].
Do explanado se conclui, portanto, que não tendo os RR mandatários poderes de representação dos AA, dado o apontado vício de que as procurações enfermavam, os direitos e obrigações criados por via dos negócios jurídicos celebrados à sombra ou ao abrigo de tais procurações não se projectaram no património dos AA/mandantes. São, de todo, ineficazes em relação aos AA. * DA INEFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Como bem refere o Acórdão recorrido, não estamos perante a nulidade dos referidos contratos celebrados a coberto das procurações. Estamos, sim, perante uma situação de ineficácia de tais negócios jurídicos em relação aos AA. Efectivamente, a ineficácia do negócio jurídico, que é uma modalidade da ineficácia em sentido estrito, existe quando se verifica só em relação a certas pessoas, só por elas podendo ser invocada. Tem lugar sempre que um negócio não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respectivas[32]. “...a mera ou simples ineficácia tem lugar nas hipóteses em que o negócio não surte a eficácia esperada, mas em que isso sucede diferentemente do que acontece nos casos de nulidade e anulabilidade, ou porque a causa é diversa ou porque, sendo de idêntica natureza, são diferentes as suas consequências, não coincidindo assim os termos da não produção de efeitos com os que se descrevem sob a capa da nulidade ou da anulabilidade. É o que ocorre na resolução, na revogação, na denúncia, na caducidade do negócio, na impugnação pauliana, etc.”[33]. Assim, é um caso de ineficácia em sentido estrito o dos negócios sob condição suspensiva, quando essa condição suspensiva se não verifique. “O negócio jurídico, neste caso, não produz quaisquer efeitos, nem mesmo entre as partes.”[34]. “Neste caso estariam também, por exemplo, os negócios concluídos por um representante sem poderes, negócios cuja eficácia depende da ratificação do principal. Enquanto não intervém o elemento que falta verifica-se um estado de pendência, que depois se resolverá pela definitiva ineficácia ou pela eficácia normal”[35]. Ou seja, a ineficácia em sentido estrito pressupõe uma falta ou irregularidade em que, por qualquer motivo externo, o negócio jurídico não deve produzir os efeitos a que se dirigia. Assim, v.g., no que tange à cessão da posição contratual, “é sempre essencial o consentimento da outra parte (cedido) na transmissão[36]. E por isso, “o acordo preparatório, de carácter bilateral, entre cedente e cessionário, não produz, só de per se, salvo existindo uma manifestação de vontade alternativa, quaisquer efeitos definitivos. Se o cedido não manifesta, porém, o seu consenso, o negócio plurilateral em formação não desencadeia qualquer eficácia”[37]. Isto para reforçar, portanto, que os contratos celebrados ao abrigo das procurações, foram-no por representante sem poderes para o efeito, donde que a eficácia de tais negócios estivesse sempre dependente da ratificação do principal (leia -se, dos AA). Sem essa ratificação, a ineficácia dos negócios relativamente aos AA mantém-se[38]. DA NÃO RATIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS CELEBRADOS Obviamente que se não verificou a ratificação dos aludidos negócios, por banda dos AA – como ressalta, desde logo, do facto de instaurarem esta demanda.
A ratificação é a declaração de vontade pela qual alguém faz seu ou chama a si o acto jurídico realizado por outrem, mas sem poderes de representação; confere legitimidade representativa bastante ao mandatário que agiu, em representação do dono do negócio. Como escreveu Rui Alarcão[39], a ratificação caracteriza‑se “como o acto pelo qual, na representação sem poderes … a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que, de outro modo, seria ineficaz em relação a ela.” A ratificação põe termo à indefinição da situação e ao período de pendência em que o negócio não era oponível ao mandante e não era eficaz em relação a terceiro, passando o acto ratificado a valer como se o mandatário sempre tivesse tido poderes para o praticar, como salienta Durval Ferreira[40]. “Os actos aprovados, mas não ratificados, não têm eficácia”[41]. Ou seja, se a ratificação de um negócio, celebrado por uma pessoa sem poderes de representação em nome de outra, faz com que tudo se passe como se o negócio tivesse sido celebrado entre o ratificante e a outra parte, já com a falta dessa ratificação nasce para o ratificante o direito de ver declarada judicialmente a ineficácia de negócios que hajam sido celebrados por pessoa sem poderes de representação. Como tal, no que tange, v. g., à falta de procuração, com a ratificação fica sanada essa falta, com eficácia retroactiva, tudo se passando como se essa falta nunca tivesse existido, em conformidade com o que emerge dos arts. 268.º, n.º 2 do Cód. Civil e 48.º do C.P.C. (redacção da Lei 41/2013, de 26 de Junho — anterior art. 40º). Ora, temos como evidente que os AA não manifestaram em qualquer lugar ou altura que aprovaram os referidos negócios jurídicos viciados e ineficazes em relação a eles, por força dos vícios das procurações que lhes serviram de base. E não se diga, como pretende o Recorrente, que ao celebrar a escritura de 1.9.2011, os AA vieram sanar o vício da anterior escritura de 10.8.2011 por via do instituto da confirmação. Não o confirmaram: são negócios distintos e não há manifestação, expressa ou, sequer, tácita, dos AA no sentido de que queriam confirmar/“validar” o que quer que fosse. * DA “EXCESSIVA PENALIZAÇÃO” DO º RÉU Alega o Recorrente que a manter-se a decisão da Relação, o 1º Réu é excessivamente penalizado, dado ter agido de boa fé. Diga-se, antes de mais, que esta questão não foi suscitada perante o Tribunal da Relação, razão pela qual esse Tribunal não emitiu pronúncia sobre a mesma. Como tal, trata-se, obviamente, de questão nova. E não sendo de conhecimento oficioso, não tinha, sequer, este Supremo Tribunal de sobre ela emitir pronúncia. É que os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua revogação e consequente alteração e/ou revogação. Não para apreciar e/ou discutir questões novas. Sempre se anota, porém, que se não vislumbra qualquer excessiva penalização. Com efeito, essa apelidada penalização é, nem mais nem menos, a consequência da ineficácia que emerge da lei relativamente aos negócios celebrados em nome dos AA, mas…sem poderes para o efeito, dado o apontado vício das procurações. Nada mais. Ora, compreende-se que seja penalizador, não apenas do 1º Ré, mas dos demais Réus que intervieram em todo este processo. Mas as consequências do incumprimento da lei são o que são e não é por serem “penalizantes” que a lei deixará de ser aplicada! Sempre se diga que a haver quantias indevidamente recebidas do 1º R. por banda dos AA, relativamente a negócios celebrados (designadamente, da escritura de compra e venda outorgada em 27.6.2011), obviamente que, declarada a ineficácia do mesmo relativamente aos AA/proprietários do prédio a que tal negócio respeita, e comprovado esse recebimento, poderá assistir ao 1º R o direito a reaver tais montantes. Mas mediante acção própria (máxime, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa), onde produzirá, querendo, a pertinente prova. ** DO ABUSO DE DIREITO
Diga-se, desde já, que é jurisprudência pacífica que o abuso de direito é de conhecimento oficioso por ser função do Tribunal determinar os limites do direito mesmo que as partes não o invoquem[42]. Daí que, ao contrário do que sustentam os Recorridos, mesmo que só invocado na revista, pode (e deve) ser aqui e agora conhecido. Não vislumbramos a existência do invocado abuso de direito. Diz o Recorrente que os AA pedem a invalidade de negócios que sabiam estar viciados e que sempre ocultaram do 1º R., quando a sua validade ficou por eles confirmada com a celebração da escritura de 1.9.2011. Não cremos que assim deva ser entendido. Como se fez constar do Acórdão recorrido, a escritura de 01.09.2011 é um contrato autónomo e (este, sim) pretendido pelos Autores, razão por que se considerou este eficaz e juridicamente válido, não padecendo, designadamente, de qualquer ineficácia por falta de representação. É que naquela outorgada em 01.09.2011 os AA estiveram presentes, que a ouviram ler e assinaram. Já tal não aconteceu, porém, nas escrituras outorgadas em 27.06.2011 e 10.08.2011, (respectivamente, de compra e venda de imóvel e de confissão de dívida e hipoteca), contratos jurídicos outorgados com base em procurações inválidas para o efeito, nos sobreditos termos, e sem a presença dos AA. E nem se diga que é excessivamente longo o período temporal que decorreu entre a celebração dos aludidos negócios jurídicos e a instauração desta demanda. Não o é, de facto (antes pelo contrário), pelo que se não vêm razões para se poder dizer que se consolidou na mente dos RR a convicção de que os AA jamais iriam impugnar tais negócios, como ora fazem. Não deixa de ser um pouco estranho que nos negócios jurídicos referidos (compra e venda e confissão de dívida com hipoteca) tenha intervindo o 1º R (CC), pessoa com 91 anos de idade e…pai do genro dos AA, o 2º Ré (DD), casado com a 3ª Ré (filha dos AA). É que, sendo o Réu DD o único filho do (comprador) CC, pode sempre questionar-se por que razão a venda não foi “directamente” para ele, filho …único, afinal, do declarado (com a referida vetusta idade) na escritura pública como efectivo comprador? Nessa provecta idade, o pai do Réu DD declara comprar aos AA um imóvel, pagando €150.000,00, quando apenas tinha aquele DD como seu único filho e herdeiro? Como estranho é, também, que, possuindo os Autores, no de 2011, património, “inexistindo motivos para necessitarem de solicitar empréstimos” (acrescentado pela Relação, na impugnação da decisão da matéria de facto), tivessem outorgado escritura pública de confissão de divida com hipotecas (sobre dois prédios dos autores), relativa a um alegado empréstimo do 1º Réu CC aos AA, sendo, porém, que na mesma (tal como na escritura de compra e venda de 27.6.2011) compareceu esse alegado mutuante, é ceto, mas não compareceram os AA, pois quem interveio foi o réu FF, advogado, a favor de quem foram pelos AA outorgadas as acima referidas (3) procurações nas quais era declarado que os AA lhe conferiam poderes para vender e hipotecar imóveis seus.
Ou seja, de toda a factualidade apurada - e note-se, já agora, ainda, que as escrituras públicas foram outorgadas pouco depois de os AA passarem a viver com a filha (3ª Ré) e genro (2º Réu), na sequência de uma zanga que se instalou entre os autores e a filha HH (facto provado 6), onde permaneceram durante 18 meses (facto provado 7) -, não vemos razões para dizer que os AA, com a sua actuação, tenham abusado de direito. * Abuso de direito é o exercício de um direito de forma ilegítima por se exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé[43], pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O art. 334.º do CC funciona como uma válvula de segurança do sistema jurídico, como forma de travar certas actuações que apesar da aparência de licitude e de exercício de direito, traduzem uma não realização de interesses pessoais de que esse direito é instrumento e a negação de interesses sensíveis de outrem[44]. Tal instituto, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial, são meios de que os tribunais devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que, objectivamente, e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.
Não se vislumbra, de facto, no todo da factualidade provada, que a actuação dos AA, ao demandarem os RR, e atenta a especificidade do caso, possa ser qualificada como uma clamorosa ofensa da justiça, em termos que, manifesta e intoleravelmente, brigam com o sentimento jurídico dominante na colectividade.
O que o Recorrente invoca para sustentar o pretenso abuso de direito (mas que, como já dito supra, se não considera ter ocorrido) é, na essência (como vimos), que ao celebrar a escritura de 1.9.2011, os AA sanaram o vício da anterior escritura de 10.8.2011 por via do instituto da confirmação. Ou seja, conclui o Recorrente, afinal, que, ao sanarem o vício daquela escritura de 10.8.2011, e deixando correr um tempo significativo (pouco, porém, como visto), teriam os AA criado nos RR (em especial no 1º Réu) a convicção de que não iriam invocar esse vício (decorrente da invalidade das referidas procurações). Ou seja, estaríamos perante a figura do abuso do direito na modalidade do venire contra factum proprium.
Ora, essa modalidade (a primeira) de abuso de direito, denominada venire contra factum proprium, verifica‑se naqueles casos em que uma pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando, por exemplo, determinada causa de nulidade ou de anulação, resolução ou denúncia, depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção dessa relação jurídica ou contrato. A ideia imanente da proibição do venire contra factum proprium é a do dolo praesens: a conduta sobre que incide a valoração negativa é a conduta presente sendo a conduta anterior apenas ponto de referência para, tendo em conta a situação então criada se ajuizar da legitimidade da conduta actual[45]. A proibição do venire contra factum proprium cai no âmbito do abuso de direito através da fórmula legal que considera ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé. Ensina, porém, Baptista Machado que os casos excepcionais em que se justifica submeter a invocação da nulidade à proibição do venire contra factum proprium teriam de se caracterizar pelos seguintes pressupostos [46]: 1.º - uma situação objectiva de confiança: uma das partes confia que adquiriu pelo negócio jurídico uma posição jurídica; 2.º - investimento na confiança: com base nessa crença, essa parte orientou a sua vida por forma a tomar disposições que se tornaram irreversíveis, levando a que a declaração de nulidade provoque danos avultados de variada natureza que se tornariam irremovíveis através de outros meios jurídicos; 3.º - boa fé da contraparte que confiou: a situação criada pode ser imputada à contraparte, por esta ter contribuído culposamente para a inobservância da forma exigida ou ter permitido a execução do contrato ou, ainda, o prolongamento da situação por um longo período de tempo sem que tenham surgido quaisquer dificuldades[47].
Ora, pelo que ficou dito, não se vê como preencher (todos) os referidos pressupostos. Desde logo, não se vê que a declaração de ineficácia dos negócios jurídicos celebrados com o 1º Réu tenha provocado (nada vem alegado - muito menos provado - nesse sentido) danos avultados de variada natureza que se tornassem irremovíveis através de outros meios jurídicos (ou seja, que não possa ser ressarcido por via dos mecanismos legais - enriquecimento sem causa ou outro). Por outro lado, não se pode dizer (pelo menos com alguma segurança), na amálgama da factualidade apurada, que a situação criada, conducente à ineficácia dos negócios jurídicos (compra e venda e confissão de dívida com hipotecas) possa ser imputada aos AA, por terem contribuído culposamente para a inobservância dos requisitos legalmente exigidos para a vaidade das procurações. Ou, sequer, por terem deixado prolongar a situação por um excessivamente longo (como tal inaceitável) período de tempo sem que tenham reagido (pois, como dito, a reacção, através desta demanda, incorreu passado relativamente pouco tempo)[48].
Não se verifica, portanto, abuso de direito por banda dos AA.
Atento todo o explanado, claudicam as conclusões da revista. ** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação. Custas da revista a cargo do Recorrente. Lisboa, 21-04-2022 Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator) Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto) Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto) ______ [1] Para o efeito, os Autores alegaram, em síntese:Que são sogros do Réu DD e pais da Ré EE, sendo estes Réus casados entre si. Mais alegaram que o Réu CC é pai do Réu DD, sendo este filho único, e que os Autores desconhecem os Réus FF e GG; que, nos inícios de junho de 2011, os Autores foram viver com a referida filha e marido, tendo aí permanecido cerca de 18 meses, período esse durante o qual se sentiam sempre cansados, passando os dias a dormir, vindo, entretanto, a descobrir que tal se devia ao medicamento ..., que lhe era dado pela filha EE, com o intuito de os impedir de comunicar com terceiros e de gerir os atos, tendo os Autores assinado, nessa altura, folhas em branco, justificando que as mesmas serviriam para resolver problemas relacionados com os consumos de água dos seus imóveis; que, assim que abandonaram a referida casa da filha e genro, recuperaram a energia que os caracterizava, sendo que, em meados de janeiro de 2013, os Autores vieram a descobrir que, durante esse período, a filha e o genro, em comunhão de esforços e intentos com os restantes Réus, usaram as folhas em branco assinadas pelos Autores para instruir três procurações em seu nome e contra a sua vontade, duas com data de 04-07-2011 e uma com data de 19-06-2011, a favor do Réu FF, ao qual foram falsamente conferidos poderes para vender e hipotecar imóveis dos Autores, sendo que tais procurações foram acompanhadas de termos de autenticação emitidos e registados pelo Réu GG, o qual, bem sabendo que os Autores não compareceram perante si, certificou falsamente tal comparência, no intuito de conferir às procurações a fé pública necessária para que pudessem ser usadas perante o notário, tendo contudo registado os respetivos termos de autenticação em datas muito posteriores às constantes nas procurações, o que as invalida por não preencherem os requisitos exigidos por lei; que, no uso das procurações falsas, foram outorgadas duas escrituras, contra a vontade dos Autores, uma, no dia 27-06-2011, de compra e venda, segunda a qual, estes venderam ao Réu CC um prédio sito na freguesia e concelho ..., pelo valor de €150.000,00, preço esse que falsamente ficou a constar ter sido pago aos Autores, sendo que desse prédio constam duas lojas arrendadas, cujas rendas passaram a ser recebidas pelo Réu comprador; e a outra, no dia 10-08-2011, de confissão de dívida com hipoteca, aparecendo como mutuante o Réu CC, tendo, desse modo, sido constituídas duas hipotecas voluntárias sobre dois prédios dos Autores, uma no valor de €90.000,00 e outra no valor de €120.000,00, ambas a favor do Réu CC, supostamente para garantia de pagamento de empréstimos nesses mesmos valores, que este Réu teria concedido aos Autores, empréstimos esses que nunca foram concedidos. Mais alegaram que, no dia 01-09-2011, a filha dos Autores, a Ré EE, levou-os ao Cartório Notarial ... e aí induziu-os, sem que os Autores tivessem tomado consciência do ato que praticavam, a outorgarem a escritura pública de compra e venda e renúncia, relativa à nua-propriedade de um prédio sito ..., figurando como comprador o Réu CC, o qual não se encontrava no local aquando da assinatura da referida escritura, ficando o usufruto reservado aos Autores, tendo o Réu comprador falsamente declarado ter pago aos Autores o preço de €120.000,00, tendo este Réu ainda declarado renunciar à hipoteca existente em seu nome; que o Réu CC tem 91 anos, é reformado e não aufere nem nunca auferiu rendimentos que lhe permitissem comprar tais imóveis pelos preços declarados e muito menos conceder empréstimos aos Autores, sendo que os extratos bancários dos Autores comprovam não ter recebido tais quantias. Invocaram, ainda, que os Autores têm uma outra filha, revelando o comportamento supramencionado uma tentativa de impedir a divisão da herança, após a morte dos Autores, entre as duas herdeiras, sendo que é o Réu DD quem passou a administrar o novo património do seu pai, nomeadamente recebendo as rendas e prestações referentes às lojas arrendadas. Mais invocaram que em meados de abril de 2011, aquando de uma cirurgia que foi efetuada ao Autor AA, foram emitidos pelos Autores dois cheques assinados em branco, apenas para serem usados no pagamento da conta do hospital e despesas relacionadas, porém, contra a vontade dos Autores, a Ré EE preencheu e assinou os referidos cheques, nos montantes de €50.000,00 e €45.000,00, respetivamente em 17-10-2011 e 18-11-2011, levantando tais quantias, dando-lhes destino desconhecido. Solicitam ainda a anulação das procurações, bem como da escritura de compra e venda e renúncia, assinada pelos Autores, nos termos dos arts. 254.° e 257.° do Código Civil, bem como a nulidade das referidas procurações por não terem respeitado os requisitos impostos pelo art. 4.°, n.° 1, da Portaria 657-B/2006, de 29-06, por remissão do art. 38.°, n.° 3, do DL n.° 76-A/2006, de 29-03, nem o requisito de forma imposto pelo n.° 2 do art. 262.° do Código Civil. Por fim, concluem que, porque as procurações são anuláveis em consequência do erro ou nulas em consequência da falta de requisitos de validade e/ou forma, os actos notariais a que as mesmas deram origem estão também viciados, seja porque são ineficazes em relação aos Autores seja porque, também eles, são nulos. [6] Valoração/apreciação essa que - no que tange à matéria do ponto 54 aqui em questão - é feita pela Relação de forma perfeitamente lógica, não censurável por este Supremo Tribunal, não permitindo, sem mais, uma alteração do que ali decidiu sobre aquele ponto de facto. Fundamentou-se ali o aditamento do referido ponto 54: “…, resultou igualmente da prova realizada em audiência de julgamento que os Autores, em 2011 (ano em que ocorreram todas estas escrituras), possuíam património, inexistindo motivos para necessitarem de solicitar empréstimos. Na realidade, em face dos extratos bancários juntos aos autos (e já indicados supra), constata-se que, em 10-08-2011, data dos alegados empréstimos, os Autores tinham €100.000,00 na conta a prazo e tinham na sua conta à ordem €13.569,72 (tendo em 13-02-2013, data do último extrato, nessa conta à ordem, a quantia de €27.217,27), a que acresciam todas as rendas que recebiam das lojas, casas e quartos que arrendavam (atente-se aos depoimentos das testemunhas LL e MM). Importa ainda referir que possuindo os Autores, em 10-08-2011, as referidas quantias, a que sempre acresceria a quantia de €150.000,00, alegadamente recebida pela venda do imóvel supramencionado em 27-06-2011, não se vislumbra qual poderia ser o motivo, nem foi feita qualquer prova quanto a isso, para, nessa altura, necessitar de mais €210.000,00.”. [7] Vejam-se os acórdãos do TRP, proferidos em 23-01-2017, no âmbito do processo n.° 4871/14.5T8LOU-A.P1 e em 22-10-2020, proferido no âmbito do processo n.° 7633/20.7T8PRT.P1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt. [9] Veja-se acórdão do TRG, proferido em 28-01-2021, no âmbito do processo n.° 1397/18.1T8VCT.G1, Perscrutando as razões que subjazem à imposição do imediato registo informático do termo de autenticação, afigura-se-nos que a mencionada determinação legal se ancora em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exata definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado, procurando, assim, salvaguardar a fé pública associada a este tipo de documento (que, como se referiu, passa a ter a força probatória do documento autêntico). Como assim, dada a natureza cogente dos arts. 38º, nº 3 do DL nº 76-A/2006 e 1º e 4º da Portaria nº 657-B/2006, esse registo informático, ao invés do entendimento preconizado pelos apelantes, assume, na economia de tais diplomas, natureza de formalidade essencial (que não de mera irregularidade), cuja inobservância contende, pois, com a validade da autenticação realizada. Daí que, sendo a autenticação efetuada fora do condicionalismo temporal definido no art. 4º da citada Portaria fica afetada a sua validade, pelo que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à ação executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do art. 703º do Cód. Processo Civil (Em análogo sentido se pronunciam VIRGÍNIO RIBEIRO e SÉRGIO REBELO, in A ação executiva anotada e comentada, pág. 141, aí escrevendo que «a autenticação apenas será considerada se o ato for registado de imediato no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (…), pelo que, sendo apresentado à execução documento autenticado sem que o respetivo registo tenha sido efetuado nos termos sobreditos, deverá concluir-se que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo”)». «.......os apelantes filiam ainda a sua pretensão recursória argumentando que, in casu, consubstancia um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação pelos embargantes/apelados do vício da não realização tempestiva do registo informático do termo de autenticação. (...) se bem entendemos o propósito dos apelantes, a sua pretensão traduz-se primordialmente em obstaculizar que os executados possam arguir o aludido vício formal, na justa medida em que essa invocação é contrária à boa-fé. Como assim, mais do que uma situação passível de ser reconduzida a um venire estaremos antes perante uma situação que melhor quadra no que tem sido denominado de inalegabilidade formal. Malgrado a inalegabilidade se aproxime do venire (mormente no que tange aos respetivos requisitos de operância), vem-se considerando (assim, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo IV, pág. 311) que a possibilidade de neutralização de invocação de vício formal está dependente da verificação de determinados requisitos (que se articulam entre si nos termos de um sistema móvel, ou seja, não existe entre eles uma hierarquia, não sendo, em absoluto, indispensáveis: a falta de algum deles pode ser compensada pela intensidade especial que assuma algum ou alguns dos restantes), a saber: . uma situação objetiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; . a justificação para a confiança; . investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada; . a imputação de confiança ao responsável que irá, depois, arcar com as consequências; . devem estar em jogo apenas os interesses das partes envolvidas; nunca, também, os de terceiros de boa-fé; . a situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a responsabilizar; . o investimento de confiança apresentar-se-á sensível sendo dificilmente assegurado por outra via. Isto posto, tendo em conta os elementos que podem ser colhidos no processo, afigura-se-nos que, in concreto, não se antolha em que medida a arguição do aludido vício formal (aliás de conhecimento oficioso) configure uma atuação abusiva suscetível de preencher os enunciados requisitos da inalegabilidade, desde logo porque o vício em questão não foi ocasionado por qualquer comportamento imputável aos ora apelados» - no presente caso, aos AA – «(resultando antes, como se deu nota, do inadimplemento de formalidades legalmente prescritas por banda do advogado que conduziu o procedimento tendente à autenticação do ajuizado documento particular), nem os autos evidenciam que estes tenham assumido conduta passível de gerar fundada confiança nos exequentes/apelantes de que esse vício não viria a ser invocado. Improcedem, assim, as demais conclusões recursórias.» - os destaques são nossos. Considerações estas que, mutatis mutandis, se “encaixam, como uma luva” na situação sub judice. |