Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE MEDIDA DA PENA REINSERÇÃO SOCIAL CONFISSÃO TRANSPORTE DO ESTUPEFACIENTE CORREIO DE DROGA | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Para que o acto do arguido – detenção e transporte de cocaína - possa ser considerado integrando o crime p.p. pelo artº 25º do DL 15/93 é necessário que estejamos perante um acto ou actividade em que a ilicitude do facto praticado se mostre não apenas diminuída mas consideravelmente diminuída, para cuja integração o mesmo artº 25º fornece os parâmetros a considerar, como sejam “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações” entre outros face ao seu caracter não taxativo, tudo ponderado numa avaliação global do facto. II - Não integra o crime de tráfico de menor gravidade o acto do arguido traduzido na detenção e transporte de 245,578 grs de cocaína, em que cada grama dá origem a 5 doses diárias, pelo que não estamos perante uma pequena quantidade de cocaína, deslocava-se nem veiculo TVDE para o efeito, o que constitui o uso de um meio - para além de veiculo que propicía a deslocação a grandes distâncias -, de despiste, por simulação de uma actividade legal, e o uso de 2 (dois) telemóveis ligados em modo avião, sem qualquer cartão SIM inserido, constitui um acto de sofisticação na sua actividade pois não permite a sua localização e tinha na sua posse 275€ ao ser interceptado III - Como inserção social, não pode ser apenas considerado o apoio familiar ou a existência de uma actividade (em cujo âmbito o ilícito foi praticado), mas como a vontade colocada em prática, no sentido de fazer uma vida conforme ao direito, observando as regras sociais e sem cometer ilícitos. IV - A confissão é irrelevante se relativa apenas a factos a que não podia subtrair-se porque detido em flagrante delito V - A atividade de correio / transportador consciente de estupefaciente, em que, nos termos dados como provados, se traduziu a um nível interno – nacional – a atuação do arguido, é demonstrativa de uma modernização / ou adequação do tráfico como forma de contornar o seu combate, tornando-se um elo essencial a nível interno do que já é a nível internacional o tráfico e a disseminação da droga, não merecendo por isso tratamento penal de favor, sendo fortes as exigências de prevenção geral; | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em audiência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. No Proc. C.C. n.º º 47/24.1SVLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 2 em que é arguido AA Foi por acórdão de 15/7/2025 proferido a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem o Tribunal Coletivo em: a) condenar o arguido AA pela prática, em (co)autoria material, na forma consumada e como reincidente, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, por referência à tabela I-B anexa, na pena de 6 (seis) anos de prisão; * b) condenar o arguido AA no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 3 (três) U.C., a que acrescerá a sua condenação nas custas respetivas – cfr. artigo 513 e 514, do Código de Processo Penal), reduzidas a metade, nos termos do disposto no artigo 344, n.º 2, alínea c), do Código Penal; * c) declarar, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 109, do Código Penal, artigos 35 e 36, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro perdidos a favor do Estado, o produto estupefaciente e o dinheiro apreendidos. * d) determinar a destruição da substância estupefaciente apreendida, nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 62, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; * e) ordenar a comunicação ao Gabinete de Combate à Droga do Ministério da Justiça, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 64, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; * f) determinar, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 8º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, a recolha de amostra de ADN ao arguido AA, com os propósitos referidos no n.º 3, do artigo 18, do mesmo diploma legal, devendo oficiar-se ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito (caso tal ainda não tenha resultado de anterior condenação). * Cessará, após o trânsito em julgado do presente acórdão, a medida de coação a que o arguido AA se encontra sujeito, por força do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 214, do Código de Processo Penal, aguardando o arguido, até lá, os ulteriores termos do processo preso preventivamente, uma vez que, com a presente condenação ficaram reforçados os pressupostos, de facto e de Direito, que determinaram a sua sujeição a esta medida de coação. Na contagem do tempo de prisão deverá ser descontado o tempo de detenção e prisão preventiva já sofrido pelo arguido, nos termos do disposto no artigo 80, do Código Penal.” 2. Recorre o arguido para a Relação de Lisboa, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “1. O recorrente considera que atento o enquadramento jurídico-penal decorrente da conduta do arguido que resultou provada, a decisão do douto tribunal recorrente deveria ter sido diversa. 2. Encontrava-se o arguido acusado da prática em autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.0 do DL 15/93, com referência à Tabela I- B anexa a este. 3. Dos factos que resultaram provados inexistem dúvidas que o arguido recorrente deteve produto estupefaciente, e que a sua conduta se tratou de um acto isolado 4. Ficou assim, de facto assente a intenção concretizada do arguido. 5. Assim, em termos de vertente objectiva do tipo, não existe qualquer dúvida de que o arguido realizou condutas subsumíveis ao crime de tráfico de estupefacientes, sendo certo que o crime de tráfico de estupefacientes, enquanto crime de perigo, prevê, em qualquer uma das suas modalidades, a protecção do bem jurídico recuada a momentos iniciais da acção, independentemente da produção de qualquer resultado (como já se enunciou). 6. Importa agora saber se a conduta do arguido, ao invés de integrar o tipo legal geral supra citado - art. 21.0, n.0 1 é susceptível de integrar o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.0 do mesmo diploma legal. 7. Dispõe o artigo. 25 0, a]. a), do Dec. Lei no 15/93, de 22.01 que "se, nos casos dos artigos 21 0 e 22 0, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de (...) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas I a III, Ve VI" 8. Este tipo de ilícito, constituindo um crime privilegiado relativamente ao tipo base do citado artigo 21 0, é tido como uma válvula de segurança do sistema, de modo a evitar que efectivas situações de menor gravidade sejam cominadas com penas desajustadas, por desproporcionadas. 9. A conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição. Deve atender-se que os meios utilizados «se reportam à organização e à logística de que o arguido se socorre; na modalidade ou circunstâncias da acção relevará particularmente a perigosidade em termos de difusão das substâncias; tendo a qualidade da droga a ver com a sua perigosidade (...)» (Acórdão do STJ de 07/12/1999, BMJ 492, p. 149). 10. A avaliação da ilicitude de um facto criminoso como consideravelmente diminuída não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo, tanto no domínio do direito penal da droga como em qualquer outro. Como em qualquer outro campo do direito penal, não bastará seguramente, a presença de uma circunstância fortemente atenuativa para considerar preenchido o conceito quando, as restantes circunstâncias sejam de sentido contrário, do mesmo modo que um conjunto de circunstâncias fortemente atenuativas não poderá ser postergado, sem mais, pela presença de uma circunstância grave. A imagem global do facto, no que se refere à sua ilicitude (parece pacífico, com efeito, que, para efeitos de preenchimento do crime do arto 25 0, não intervêm considerações sobre a culpa) é que é decisiva, como nos parece evidente (neste sentido AC. do S.T.J. de 06.02.2004, disponível in 11. Presente o sumariamente exposto e em face do acervo fáctico apurado, verifica-se que a sua actuação demonstrada pelo arguido no período temporal e modo, quantidades, local e momento em que deteve o produto estupefaciente, bem como a inexistência de conhecimento sobre o modo e/ou quantidades cedidas a terceiros e, bem assim, o desconhecimento de qualquer estrutura organizada por parte do arguido ou sequer, resulta inequívoca a prática por tal arguido de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 12. Nos termos dos factos suprarreferidos, é de concluir que a ilicitude dos factos reportada na actuação do arguido se mostra consideravelmente diminuída, pelo que se mostram, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do ilícito criminal p. e p. pelo artigo 25 0 alínea a) do DL 15/93. 13. Posição também defendida pelo M.P. em audiência de julgamento. 14. No caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente. 15. O arguido AA, confessou os factos que lhe vinham imputados, nos precisos termos que foram dados como provados, demonstrou arrependimento e colaborou ativamente com as autoridades policiais, quer aquando da abordagem policial, que a respeito de investigações em curso, permitindo a identificação de indivíduos relacionados com a prática de factos de idêntica natureza aos julgados nos presentes autos (ponto 24 do douto Acórdão), e no âmbito do processo instaurado com base na certidão extraída dos presentes autos, mormente na identificação de outros suspeitos correlacionados com essa mesma factualidade, atento o depoimento da testemunha PSP. 16. O arguido deve ser recompensado por tal comportamento conforme legalmente previsto o estipulado por lei. 17. A seu favor militam a confissão integral dos factos e a demonstração de arrependimento, bem como o entorno laboral e familiar de que o mesmo dispõe. 18. O produto estupefaciente foi apreendido na sua totalidade, pelo que a danosidade da conduta do arguido foi reduzida. 19. O grau de pureza do produto estupefaciente é reduzido. 20. Assim, a ser considerada a matéria de facto apurada na sua globalidade, esta aponta para a presença de um cidadão com uma positiva inserção social e um percurso de vida com hábitos de trabalho e manifesto suporte familiar, sendo que a ilicitude da autoria do recorrente verificada nos eventualmente, poderá indicar para uma situação de alguma moderada diminuição da ilicitude. 21. O recorrente deveria ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art.25º do DL15/93, em pena de prisão suspensa na sua execução, e sujeita a apertado regime de prova. 22. No entanto, e no caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente, e que a pena aplicada terá um efeito inverso ao desejado pelas penas sancionatórias, uma vez que irá prejudicar a inserção social do recorrente. 23. É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa. Normas Violadas: Artigo21º,nº.1doDL15/93,uma vez que o recorrente ao contrário do que foi decidido, não é o autor do crime em causa. Artigo 127º do CPP. Artigo 40º, 50º, 51º, 70º, 71º todos do CP, visto a pena pecar por exagerada e desproporcional. Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso: - O arguido dever ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º, nº1, e sim punido pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artigo 25º ambos do DL 15/93, em pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a forte regime de prova.” Respondeu o Mº Pº defendendo a improcedência do recurso. Por decisão sumária de 15/10/2025 a Relação de Lisboa declinou a sua competência entendendo ser competente este Supremo Tribunal para conhecer do recurso. 3. Colhidos os vistos procedeu-se à audiência com observância do formalismo legal, pugnando o arguido pela procedência do recurso e o ilustre PGA ….. Cumpre apreciar. 4. Consta do acórdão recorrido (transcrição): “III – Fundamentação de facto: A matéria de facto provada é a seguinte: 1. Em momento não concretamente apurado do dia 26 de julho de 2024, o arguido AA decidiu proceder ao transporte de cocaína entre Carnaxide, em Oeiras, e o Lumiar, em Lisboa, tendo em vista a sua ulterior entrega a terceiros a troco de compensação monetária. 2. Em hora próxima das 17 horas e 55 minutos do referido dia, agentes policiais que se encontravam em viatura descaracterizada, na Rua 1, no Bairro 1, em Lisboa, avistaram o arguido a entrar apressadamente para o veículo de matrícula V1, colocando-o de seguida em marcha, sendo o único ocupante do mesmo. 3. Face ao comportamento do arguido e por se tratar de local conotado com a venda de produto estupefaciente, os referidos agentes policiais decidiram encetar seguimento ao veículo, tendo em vista a subsequente abordagem, o que veio a suceder na Avenida 1. 4. O arguido tinha então consigo, no interior de uma bolsa, 1 (um) saco contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 245,578 grs (duzentos e quarenta e cinco gramas, quinhentos e setenta e oito miligramas); 2 (dois) telemóveis ligados em modo avião, sem qualquer cartão SIM inserido; e a quantia monetária de 275,00 € (duzentos e setenta e cinco euros). 5. O referido produto estupefaciente destinava-se a ser entregue a terceiros e aquela quantia resultou do pagamento efetuado ao arguido pelo respetivo transporte. 6. O arguido conhecia perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que trazia consigo, tendo acedido ao respetivo transporte por lhe ter sido prometida retribuição não concretamente apurada. 7. Atuou em conjugação de esforços e de intentos e na sequência de prévia combinação com terceiros e de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a detenção, transporte e comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei. 8. Por acórdão proferido em 21 de novembro de 2018, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso no processo comum coletivo com o NUIPC 179/15.7JAPDL, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 (sete) anos de prisão. 9. O arguido cumpriu a referida pena até 27 de janeiro de 2021, data em que lhe foi concedida liberdade condicional no âmbito do processo de liberdade condicional n.º 452/19.5TXLSB-A, do Juiz 1, do Juízo de Execução das Penas de Lisboa, liberdade essa que veio a ser convertida em definitiva com efeitos reportados a 21 de janeiro de 2023. 10. Podendo manter uma conduta lícita e conforme ao Direito, o arguido não desenvolveu suficiente esforço no sentido de se inserir na sociedade, não se inibindo de praticar os factos ora imputados, o que demonstra que aquela condenação não constituiu censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes. *** Mais resultou provado que: 11. Do certificado do registo criminal do arguido AA consta que: a) no processo com o NUIPC 179/15.7JAPDL, por acórdão proferida em 21 de novembro de 2018, transitado em julgado em 06 de dezembro de 2018, foi condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, pela prática, em 03 de fevereiro de 2015, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Por decisão proferida em 21 de abril de 2023, pelo Juízo de Execução das Penas de Lisboa, foi concedida liberdade definitiva e declarada extinta a referia pena. Por decisão proferida em 18 de setembro de 2023, pelo Juízo de Execução das Penas de Lisboa, foi determinado o cancelamento provisório da condenação para efeitos de exercício da atividade profissional de motorista na empresa Carris. Por decisão proferida em 16 de maio de 2024, pelo Juízo de Execução das Penas de Lisboa, foi determinado o cancelamento provisório da condenação para efeitos de exercício da atividade profissional de motorista na plataforma TVDE. * 12. Desde 2023, o arguido encontrava-se a viver com os progenitores, então fragilizados por motivos de saúde, uma vez que o progenitor se encontrava reformado por invalidez (sujeito a traqueotomia) e a progenitora doente do foro oncológico. 13. Esta situação habitacional resultava de um acordo com a sua companheira, com quem havia vivido em união de facto desde 2022 e até 2023, destinada a proporcionar apoio aos seus progenitores. 14. Entre 2023 e 2024, o arguido dedicou-se ao acompanhamento da progenitora e à gestão da empresa de plataforma TVDE, que operava online, atividade profissional que havia iniciado em março de 2022 e pela qual auferia 1 200 € (mil e duzentos euros) mensais. 15. A saúde da sua progenitora impediu que tivesse disponibilidade para exercer funções de motorista da plataforma TVDE, apesar de haver adquirido um veículo para o efeito, o que se refletiu ao nível económico, a par com dívidas que assumiu apesar de serem dos seus progenitores. 16. Em virtude da situação de saúde da sua progenitora e após o seu falecimento, o arguido experienciou uma fase de desestabilização emocional, que determinou um maior isolamento sociofamiliar. 17. Neste contexto, oculto da sua companheira e dos familiares os problemas económicos com que se debatia e iniciou uma fase de consumo de estupefacientes, nomeadamente, haxixe, o que determinou uma reaproximação ao meio de tráfico e consumo. 18. Apesar da privação da liberdade e conhecimento destes factos, a companheira e familiares continuam a manifestar disponibilidade para o apoiar, quer em meio prisional, quer em liberdade. 19. Em liberdade, o arguido tem pretensão de retomar atividade na área da plataforma TVDE e trabalhar junto do progenitor da sua companheira, reintegrando o agregado familiar desta, em .... 20. Aquando da primeira situação de reclusão, o arguido beneficiou de medidas de flexibilização da pena, manteve-se laboralmente integrado e acedeu ao ensino superior, frequentando o 1º ano da licenciatura de Turismo, Natureza e Património. 21. Em meio de reclusão, o arguido não regista qualquer averbamento disciplinar até à data, revelando uma conduta ajustada, com acesso a posto de trabalho desde outubro de 2024. 22. Abandonou ainda o consumo de estupefacientes e tem vindo a beneficiar de acompanhamento psicológico. 23. O arguido apresenta-se como um indivíduo tímido, reservado, contudo permeável a influências de terceiros, necessitando de adquirir competências ao nível da antecipação das consequências dos seus atos e lidar com situações emocionalmente perturbadoras. * 24. O arguido colaborou com as autoridades policiais, quer aquando da abordagem policial, quer a respeito de investigação(ões) em curso, permitindo a identificação de indivíduos relacionados com a prática de factos de idêntica natureza aos julgados nos presentes autos. *** Matéria de facto não provada: 1. Não se logrou apurar a identidade dos indivíduos que atuaram em conjugação de esforços e de intentos com o arguido. 2. O arguido foi condenado no processo comum coletivo com o NUIPC 1597/15.7JAPDL. 3. Desde que retomou a liberdade, o arguido não desenvolveu qualquer esforço no sentido de se inserir na sociedade. *** O Tribunal fundou a sua convicção nos seguintes termos: A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova que infra se descreverá, tendo em conta as declarações prestadas pelo arguido, os documentos, a prova pericial, os depoimentos e ainda as regras de experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos. A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127, do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. É dentro dos tais pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, refletindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito. É a partir desses fatores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material. Em conformidade com o disposto no n.º 2, do artigo 374, do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a), do artigo 379, do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro. Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos. O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento. Só assim se permite aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410, do Código de Processo Penal. Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efetivo pelo Princípio da Legalidade, pela independência e imparcialidade dos juízes. Foi à luz deste exato sentido e alcance da Lei, que se procedeu à apreciação das provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1, do artigo 355, do Código de Processo Penal. * Concretizando: Quanto à matéria de facto provada: O Tribunal formou a sua convicção tomando em consideração, desde logo as declarações prestadas pelo arguido AA, que reconheceu de forma livre de qualquer coação, integral e sem reservas os factos constantes da acusação, nos termos do disposto no artigo 344, do Código de Processo Penal, conforme decorre da ata de audiência de julgamento. Desde logo afirmou que os factos de que era acusado eram verdadeiros. Porém, quis circunstanciar os factos no contexto de perturbação emocional que experienciou, enquanto acompanhou a doença oncológica da sua progenitora e após o seu falecimento, levando-o quer ao consumo de estupefacientes, quer a uma situação económico-financeira complexa. A necessidade que sentia em consumir haxixe e a referida situação económico-financeira determinaram o contacto com indivíduos relacionados quer com o consumo, quer com o tráfico de produtos estupefacientes. No dia em que os factos ocorreram, um indivíduo propôs-lhe que, em troca de quantia monetária e mais produto estupefaciente (haxixe), transportasse consigo produto estupefaciente, embalando num pequeno pacote, até à estação de combustível da marca Prio, no Lumiar. Acedeu fazê-lo e foi abordado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, com quem colaborou, inclusive identificando indivíduos relacionados com a sua conduta. Ora, quer o transporte de estupefacientes, quer a abordagem policial, quer a identificação de indivíduos foram corroborados pela testemunha BB, agente da Polícia de Segurança Pública, ouvido em audiência de julgamento. Porém, o Tribunal não pode deixar de considerar o seguinte: o arguido procurou justificar a sua presença no Bairro 1, em Lisboa, alegando que se deslocou lá para deixar o produto estupefaciente destinado ao seu consumo (entregando-o a um amigo), para a sua companheira não descobrir que estava a consumir produto estupefaciente, não podendo, por isso, nem levá-lo para casa, nem deixá-lo no veículo que pertencia à sua companheira. Ora, deste segmento declarativo, por um lado, retira-se que o arguido tem plena capacidade crítica sobre o que é correto e incorreto, porém o seu sentido crítico, ao invés de levá-lo a não cometer crimes (realidade mais grave), leva-o apenas a querer ocultar o seu consumo (realidade menos grave), como se a sua companheira fosse ficar mais agradada com o facto de traficar produtos estupefacientes do que ser mero consumidor, por outro lado, não é uma narrativa consentânea com um “transporte” ocasional ou pontual e insignificante na vida do arguido, porquanto o mesmo, de forma absolutamente injustificada (neste contexto), realiza o “transporte” com 2 (dois) telemóveis – não apenas 1 (um) – para mais ligados em modo avião, sem qualquer cartão SIM inserido, o que apenas permite concluir uma única coisa: não querer que a sua movimentação, a sua viagem, pudesse ser objeto de acompanhamento, uma vez que as antenas BTS existentes no trajeto não seriam ativadas pelos aparelhos de telecomunicação, colocados em modo avião e sem cartão de operadora. Significa isto que o arguido procurou, é certo: colaborar com a descoberta da verdade, mas apenas a verdade que, pela sua simplicidade fáctica, sempre seria apurada, procurando ainda contextualizar emocionalmente os factos em seu benefício e, por fim, transmitindo a ideia de uma conduta absolutamente isolada, ingénua, até de vítima, de quem se aproveitaram das suas fragilidades emocionais para o colocarem no meio de uma conduta típica de tráfico, como mero transportador. * O depoimento da testemunha, acima referido, foi prestado de forma objetiva, isenta e coerente, traduzindo-se numa narrativa de factos presenciados, confirmados por outros elementos probatórios que, concatenadamente, permitiram a formação da convicção do Tribunal a respeito das ações objetivamente imputadas ao arguido. * O Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção, o teor do auto de notícia por detenção de fls. 2 a 4 (quanto à data, hora e local dos factos, bem como identificação dos intervenientes); auto de notícia de fls. 5 e 6 (quanto à identificação dos intervenientes e do veículo, quantias, telemóveis e estupefacientes encontrados na posse do arguido); auto de apreensão de fls. 12 e 13; auto de exame e avaliação de fls. 14; guias de entrega de produto suspeito de ser estupefaciente de fls. 15; teste rápido de fls. 16; reportagem fotográfica de fls. 17 e 18; relatório de exame pericial de fls. 77, certidão do processo com o n.º 452/19.5TXLSB-A de fls. 162 a 167; certidão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com NUIPC 179/15.7JAPDL de fls. 168 a 244; relatório social de fls. 365 a 367 e certificado do registo criminal de fls. 389 verso a 391 verso. * Os elementos subjetivos do tipo resultam da articulação de todos os factos objetivos, das declarações do arguido, das quais é possível apurar que é pessoa dotada de capacidade intelectual e de raciocínio capaz de ser orientado para a prática de atos conformes ao Direito. * A matéria de facto não provada resulta da ausência de prova no respetivo sentido e da prova em sentido contrário produzida nos autos.“ + 5. O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) como vícios intrínsecos da própria decisão - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que são as seguintes as questões a conhecer: Competência deste Supremo Tribunal Qualificação jurídica dos factos ( crime do artº 21º DL 15/93 ou do artº 25º ) Medida da pena Pena suspensa sob forte regime de prova + 5.1 Porque prejudicial ao conhecimento das questões recursivas, importa apreciar a questão da competência deste Supremo Tribunal face à declaração de incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso interposto pelo arguido. Apreciando. O nosso entendimento é o de que efectivamente é competente o Supremo Tribunal para conhecer do recurso interposto, pois dispõe o artº 432º 1 c) CPP que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) c) De acórdãos finais proferidos … pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;” Ora tendo sido proferido acórdão pelo tribunal colectivo e o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão e estando apenas em causa matéria de direito ( qualificação jurídica dos factos e a pena aplicada), é o Supremo Tribunal o competente para apreciar o presente recurso. 5.2 E entrando na sua apreciação, questiona o arguido a qualificação jurídica dos factos pretendendo que os mesmos integram não o crime pelo qual foi condenado ( ilícito fundamental ou normal) mas o crime p.p. pelo artº 25º DL 15/93 (ilícito privilegiado) ou seja o crime de tráfico de menor gravidade, que reza do seguinte modo: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.” Para que tal aconteça necessário é que estejamos perante um acto ou actividade em que a ilicitude do facto praticado se mostre não apenas diminuída mas consideravelmente diminuída, para cuja integração o mesmo artº 25º fornece os parâmetros a considerar, como sejam “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações” entre outros1. Tal questão não foi objecto de apreciação pelo tribunal recorrido, nem nos parece que o devesse ser. Ponderemos. Como flui das conclusões do recurso, alega o mesmo que se trata de um acto isolado, devendo atender-se ao período temporal dos factos, modo e quantidade de produto e local e desconhecimento de uma estrutura organizada, alegando ainda a fraca pureza do produto que teria sido todo apreendido, e que tudo deve ser ponderado numa avaliação global do facto. Se é certo que nos autos está apenas em causa uma apreensão da quantidade de cocaína com o peso líquido de 245,578 grs (duzentos e quarenta e cinco gramas, quinhentos e setenta e oito miligramas), o que não é de modo algum despiciendo, pois atento o disposto no artº 9.º e respectivo mapa anexo da Portaria 94/96, de 26 de Março, os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária de cocaína são 0,2 gramas, ou seja, cada grama dá origem a 5 doses diárias, pelo que não é possível considerar que estamos perante uma pequena quantidade de cocaína; depois o arguido deslocava-se nem veiculo TVDE, o que constitui o uso de um meio - para além de veiculo que propicia a deslocação a grandes distâncias – como era o caso –, de despiste, por simulação de uma actividade legal, o uso de 2 (dois) telemóveis ligados em modo avião, sem qualquer cartão SIM inserido, como expressa o acórdão recorrido constitui um acto de quem sabe o que quer e está a fazer, e de sofisticação na sua actividade pois não permite a sua localização2 e sendo que o tribunal não acreditou que se tratasse de um acto isolado3, nem muito menos que a sua presença no local de onde foi seguido pela autoridade policial fosse para deixar haxixe que para si lhe fora entregue como também (para além da quantia monetária de 275,00 € apreendido) contrapartida do transporte da cocaína.4 Manifestamente o comportamento do arguido, de modo algum, fazendo uma avaliação global sobre os factos, factor determinante para a qualificação da conduta, se pode considerar como traduzindo uma diminuição da sua ilicitude, ou mais ainda uma acentuada diminuição da ilicitude, pois que deteve e transportou consigo cocaína, sendo inadequada a alegação conclusiva do arguido de que não é autor do ilícito, e o facto de todo o produto (cocaína – que não haxixe que o arguido pretensamente também deteria e transportaria segundo as suas declarações) haver sido apreendido, não afecta o grau da ilicitude da sua conduta (face aos termos da norma incriminadora), mas apenas o grau de danosidade que o facto geraria, acrescendo que da sua conduta resultaria a disseminação da droga que possuía consigo por todos os potenciais consumidores / distribuidores, a que certamente se destinavam os 245,578 grs de cocaína. O tribunal apenas deu como provado e ponderou aquilo que podia dar como tal, na ausência de uma outra mais adequada investigação, sendo que o tal haxixe não apareceu, sem descurar que o transporte “ entre Carnaxide, em Oeiras, e o Lumiar, em Lisboa” era feito apenas “a troco de compensação monetária” – nº1 dos factos provados, não se justificando por essa via a paragem na “Rua 1, no Bairro 1, em Lisboa” a não ser que outra fosse a razão, mormente aventamos nós como mero juízo intuitivo de distribuição da droga5, mas sem relevo para estes autos. Improcede assim esta questão, mantendo-se a qualificação do ilícito praticado pelo arguido 5.3 Na decorrência do pedido de alteração da qualificação jurídica do facto, questiona o arguido a medida da pena, o que faz não apenas por essa via, pelo que importa apreciar esta questão. Com vista à alteração pretendida alega o arguido alega entre outros, que confessou os factos, está arrependido, colaborou com as autoridades, todo o produto foi apreendido e o seu grau de pureza e que se encontra socialmente inserido e no fundo as suas condições de vida e projectos futuros. Após determinar a existência da reincidência por parte do arguido em vista da anterior condenação em 7 anos de prisão por igual ilícito, cuja pena cumprira6, o tribunal recorrido pondera o seguinte: “Os fatores concretos a ter em conta na determinação da medida da pena são, de acordo com a sistematização do n.º 2, do artigo 71, do Código Penal, fundamentalmente, os que estão relacionados com a execução do facto (alíneas a), b), e c)), os relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f)) e, por último, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. Ter-se-á em atenção, dentro do tipo legal do crime preenchido: A. a mediana ilicitude do facto, considerando, designadamente: ►tratar-se de tráfico de estupefacientes de média escala de um único produto estupefaciente - cocaína; ►o método do transporte dissimulado – produto estupefaciente em única porção dentro de uma embalagem e, por sua vez, no interior de uma bolsa; B. a culpa do arguido é elevada, atendendo: ►à revelada desconsideração pelos valores protegidos pela norma - saúde humana; ►à determinação de benefício económico desproporcional ao esforço humano empreendido; ►à modalidade do dolo – direto; C. o comportamento do arguido anterior aos factos, que nos dá conta de um passado com uma condenação numa pena de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de um crime de idêntica natureza; D. as suas condições socioeconómicas e familiares, marcadas pelo investimento escolar e profissional que, de todo o modo, permitiriam outras opções; E. a colaboração com a descoberta da verdade. Os primeiros três fatores elencados pesam desfavoravelmente na determinação da medida concreta da pena, ao passo que os últimos dois pesam favoravelmente. A tudo isto acrescem as exigências de prevenção geral. "Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, pp. 72 e 73. A concretização dos dias de prisão far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção: "como limite que é, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado, (...) não para fornecer em última instância a medida da pena: esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, p. 238)”, com o que fixou a pena próximo do seu limite mínimo que era de 5 anos e 4 meses em face da reincidência do arguido, em 6 anos de prisão. 5.3.1 Do transcrito se vê não apenas que os fatores elencados pelo recorrente , na medida em que provados foram, se mostram, no essencial, ponderados, bem como a observância das regras e princípios sobre a determinação da medida da pena e ainda que foram observadas as circunstâncias provadas do artº 71º CP, tal como não se mostra que tenham sido ponderadas circunstancias relevantes que não o devessem ser, ou deixadas de ponderar circunstancias relevantes que o devessem ser. Neste âmbito das circunstâncias do artº 71º CP, há que ponderar que a inserção social, não pode ser apenas considerado como o apoio familiar ou a existência de uma actividade (em cujo âmbito o ilícito foi praticado), mas como a vontade colocada em prática, no sentido de fazer uma vida conforme ao direito, observando as regras sociais e sem cometer ilícitos; não ocorre nenhum arrependimento pelo seu acto, como tal apreciado pelo tribunal, tal como em vez de uma confissão relevante este manifesta o seu desencanto, por que “Significa isto que o arguido procurou, é certo: colaborar com a descoberta da verdade, mas apenas a verdade que, pela sua simplicidade fáctica, sempre seria apurada” ou seja uma confissão na prática irrelevante7, a que não podia subtrair-se pois detido em flagrante delito; nem ocorre uma colaboração relevante para além da ponderada, na medida em que permitisse a aplicação do artº 31º DL 15/93, e no mais a apreensão da totalidade do produto ou o seu grau de pureza são neste contexto sem relevo. Em contrapartida, como temos acentuado8 “há que anotar que não pode deixar de se ponderar como fez há muito o STJ, entre muitos outros, no ac. de 09/06/2004, in CJ Ac STJ XII-II-221, que “os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fracturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal” e ainda tendo presente que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico a proteger é a incolumidade pública na vertente da saúde pública - Ac. STJ 23/7/85, BMJ 349º 293 - e que põe em causa a vida, a integridade física e a liberdade de virtuais consumidores e, afeta a vida em sociedade dificultando a inserção social do consumidor e possuindo efeitos criminogenos - Ac.T.C. 7/6/94 DR 2ªs de 27/10/94 - face ao qual é reclamada uma cada vez mais severa punição; a droga é e continua a ser e desde há muitos anos a ser a 1ª preocupação da sociedade atual, e o factor que mais condiciona a vida das famílias, pois que pode vir a afectar qualquer pessoa em qualquer idade, razão pela qual há que lhe prestar contínua e permanente atenção e especial prevenção, até porque os factores sociais inibidores de venda de droga cada vez mais se atenuam face ao lucro e condições de vida que este gera nos seus agentes, sendo que cada vez mais, é praticado por todo o arguido que se mostra socialmente inserido, não revelando o modo “subterrâneo” da sua atuação que procura ocultar. Nestes casos mais que reinserção social (conduta aparentemente conforme ao direito) há que efectivamente acentuar a necessidade de operar interiormente uma mudança dos valores jurídicos que prossegue ou caso não pretenda, fazer notar à comunidade que a norma infringida está vigente e alerta punindo os comportamentos que a põem em causa. Como continuamente o STJ tem acentuado, os correios de droga são elo essencial neste tráfico, conhecendo e correndo os riscos, em face da vigilância a que essa atividade se encontra submetida em troca de vários milhares de Euros, e assim se justifica que “… ao nível do ilícito, há que considerar o elevado grau de perigo pela forma como são colocados em causa valores fundamentais da vida em comunidade com a finalidade de conseguir vantagem em temos patrimoniais” e “…deve salientar-se a relevância específica, no que toca às necessidades de prevenção geral, das situações de tráfico de estupefaciente em que os denominados «correios de droga» assumem papel essencial.” “…não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos «correios» na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos, os mesmos «correios» têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal.”9 e porque “os chamados correios de droga (The mules) são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes, contribuindo, de modo direto e com grande relevo, para a disseminação deste flagelo, à escala global, pelo que não merecem um tratamento penal de favor.10” – atividade de correio / transportador consciente, em que no fundo e nos termos dados como provados (e só estes importam como vamos salientando) se traduziu a um nível interno – nacional – a atuação do arguido, demonstrativa de uma modernização / ou adequação do tráfico como forma de contornar o seu combate. Continuando: “Cremos assim existir uma forte jurisprudência de que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefaciente deve atender-se às fortes razões de prevenção geral em face da frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências (danosidade social) para a comunidade e para o individuo em especial a impor uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico, tanto mais que apesar desse combate (e dos enormes custos que isso envolve) este se acentua e cresce, quiçá fruto de uma desadequação do regime sancionatório à realidade do tráfico11. Ora tendo em conta todo o condicionalismo da sua acção e a moldura penal do crime - 4 a 12 anos de prisão - que agravada pela reincidência se situa no mínimo de 5 anos e 4 meses e os 12 anos de prisão, sendo o meio da pena abstrata de 8 anos e 8 meses de prisão, as exigências de prevenção geral e até as exigências de prevenção especial, a condenação em apenas 6 anos de prisão, não se mostra excessiva por desajustada aos factos e à culpa e motivação do arguido. Na verdade, todos os factos apontados pela recorrente foram tidos em conta na pena aplicada e nada de relevante se vê na vida do arguido que possa levar à aplicação de uma menor pena, pois quer a ilicitude da sua acção quer a sua culpa não o permitem e muito menos o permitem as exigências de prevenção quer geral, que são acentuadíssimas, quer especiais pois estamos perante uma pessoa adulta que sabe o que quer e como quer conduzir a sua vida, mas não lhe pode ser permitido que o faça à custa da vida e da saúde de consumidores de droga, e fê-lo a troco de dinheiro, tal como o faz qualquer traficante / dono da droga. A sua confissão dos factos, na medida em que o foi, não assume relevo, face à prova existente e à apreensão da droga que levava consigo e transportava12 pelo que a aplicada pena não ofende em prejuízo do arguido os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade. + No que à pena suspensa respeita, a sua apreciação mostra-se prejudicada, pois desde logo falece o pressuposto formal da pena aplicada, traduzido pelo artº 50º CP, de a pena não ser superiora 5 anos de prisão. Termos em que improcede o recurso. + Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide: Julgar improcedente o recurso do arguido AA e em consequência mantém a decisão recorrida. Condenar o arguido na taxa de justiça que fixa em 6 UC, e nas demais custas (artº 513º CPP e Tabela III RCJ). Notifique e DN + Lisboa e STJ 26/11/2025 José A.V. Carreto (relator) Antero Luis Maria da Graça Silva Nuno A. Gonçalves (Presidente da Secção) ______
1. Cfr. o nosso ac STJ 5/2/2025 proc. 12/23.6GIBJA.S1 “I - Para que o artº 25º seja aplicável numa situação igualmente enquadrada no artº 21º é mister que a ilicitude do facto se mostre não apenas diminuída mas consideravelmente diminuída, fornecendo a norma em causa os critérios que permitirão aferir dessa considerável diminuição da ilicitude, e assim, entre outros ( nomeadamente) os seguintes: meios utilizados, traduzidos na organização e logística (no caso veículos automóveis de transporte, seu numero e pessoas envolvidas), a modalidade e circunstâncias da ação (como seja a detenção e o transporte da droga …deslocando-a em grandes distâncias e através de meios de despiste de qualquer intervenção policial…, a qualidade da droga, (a espécie, pureza e danosidade e sua acessibilidade por parte dos consumidores) … e a sua quantidade, (que se traduz na quantidade detida) … e o seu valor, como factor que leva à ação dos traficantes, com vista a obter uma “ avaliação global do facto” que permita um juízo sobre a existência ou não de uma diminuição acentuada da ilicitude” in www.dgsi.pt 2. Diz-se no acórdão: “…não é uma narrativa consentânea com um “transporte” ocasional ou pontual e insignificante na vida do arguido, porquanto o mesmo, de forma absolutamente injustificada (neste contexto), realiza o “transporte” com 2 (dois) telemóveis – não apenas 1 (um) – para mais ligados em modo avião, sem qualquer cartão SIM inserido, o que apenas permite concluir uma única coisa: não querer que a sua movimentação, a sua viagem, pudesse ser objeto de acompanhamento, uma vez que as antenas BTS existentes no trajeto não seriam ativadas pelos aparelhos de telecomunicação, colocados em modo avião e sem cartão de operadora.” 3. Diz-se no acórdão “transmitindo a ideia de uma conduta absolutamente isolada, ingénua, até de vítima, de quem se aproveitaram das suas fragilidades emocionais para o colocarem no meio de uma conduta típica de tráfico, como mero transportador” 4. Nº 5 dos factos provados “…aquela quantia resultou do pagamento efetuado ao arguido pelo respetivo transporte.” 6. - facto provado: Por decisão proferida em 21 de abril de 2023, pelo Juízo de Execução das Penas de Lisboa, foi concedida liberdade definitiva e declarada extinta a referia pena. 7. Ac. STJ 17/9/2025 Proc 75.23.4SFPRT.P1.S1 Cons. Jorge Raposo “ III -A confissão, enquanto meio de prova, deve ser valorada nos termos do art. 127.º do CPP, na razão directa da sua relevância, desde a confissão muito relevante, que permite ultrapassar dúvidas ou considerar provados factos para os quais não existe mais prova, até à confissão pouco ou nada relevante, como a confissão de factos já manifestamente provados, designadamente, a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito” www.dgsi.pt 8. Vide por todos ac STJ 1/10/2025 proc. 407/24.8JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt 9. Ac. STJ 11/4/2012 proc 1/11.8JELSB.S1 Cons. Santos Cabral in www.dgsi.pt. 10. Ac.STJ de 4/6/2024 Proc 53/23.3JELSB.L1.S1 Cons. Pedro Branquinho Dias in www.dgsi.pt; 11. Como temos acentuado nomeadamente no ac. STJ 16/10/24 proc. 496/23.2JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt, que seguimos de perto; 12. Ac STJ 6/2/2013 Proc 181/12.0JELSB.L1.S1 Cons. Armindo Monteiro, www.dgsi.pt onde assinala “III - Os «correios de droga» são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequência perniciosas do seu acto, demonstrando arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância, porquanto, a troco de uma compensação, se dispõem a fazer o transporte da droga até ao local da sua entrega, apesar de saberem da ilegalidade desse transporte. IV - A confissão é de valor reduzido, pois à arguida, detida em flagrante delito no controle policial alfandegário do Aeroporto de Lisboa, poucas alternativas de defesa lhe restavam. A declaração de arrependimento não se confunde com o verdadeiro arrependimento, que é a constatação pelo tribunal de que o arguido interiorizou os maus efeitos do crime, que se inadequa à sua personalidade, convencendo da acidentalidade do acto. |