Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
994/11.0T2AVR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
HERDEIRO
TRANSMISSÃO
QUOTA SOCIAL
PACTO SOCIAL
MORTE
SÓCIO
HERANÇA
REPRESENTAÇÃO LEGAL
CABEÇA DE CASAL
Apenso:
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS - SOCIEDADES POR QUOTAS / QUOTAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Das Sociedades, Vol. II, Almedina, Reimpressão, 2009, pp. 339, 359, 360, 361 a 363.
- M. Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, 2ª edição, 2007, Almedina, p. 719.
- Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades Comerciais Vol. I, Almedina, 2007, pp. 338 e ss., 547, 569.
- Remédio Marques, “Código das sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. III, Almedina, pp. 422 a 425.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 56.º, N.º 1, ALÍNEA D), 222.º, 223.º, 225.º, N.º2, 232.º, 236.º, 237.º.
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 668.º, N.º 1, ALÍNEA D), SEGUNDA PARTE, 684.º-A, 716.º, 726.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16.2.73, PROCESSO 064320, DE 23.9.97, PROCESSO 17A083, EM WWW.DGSI.PT; DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 15.5.2000, NA C.J., ANO 2000, TOMO 3, PÁGINA 88.
Sumário :
I - Tendo o pacto social estabelecido uma cláusula de intransmissibilidade da quota aos sucessores do sócio falecido, devendo ser amortizada ou adquirida pela sociedade, por sócios ou por terceiros, verifica-se que, aberta a sucessão, enquanto não for decidida a respectiva amortização ou aquisição, os sucessores entram na titularidade da quota, sendo integrada na titularidade da herança aberta por óbito do sócio falecido a quota de que este era detentor na sociedade.

II - Durante a pendência da quota, ou seja desde a morte do sócio até à amortização ou aquisição da quota, os sucessores entram na titularidade da quota, podendo esta ser objecto de partilha, e adquirem o direito de preservar ou manter a identidade e a integridade da quota de modo a salvaguardar os seus interesses.

III - Aberta a herança, os sucessores, através do seu representante (art. 222.º, n.º 5, do CSC), devem poder participar, enquanto titulares de um direito sobre a quota do de cuius, nas deliberações da sociedade que possam afectar os direitos inerentes à quota.

IV - A lei permite aos sucessores que intervenham nas deliberações que sejam susceptíveis de modificar ou alterar a integridade da quota, encontrando-se nesta situação as deliberações que afectem a integridade/identidade (ontológica) da quota, como sejam as deliberações que impliquem a fusão ou transformação da sociedade ou o aumento de capital.

V - A amortização ou aquisição da quota do de cuius apenas pode acontecer mediante deliberação da sociedade; porém, os sucessores do sócio falecido não têm direito de participar na deliberação em que a sociedade decida da sorte da quota.

VI - Os sucessores podem participar nas assembleias em que a sociedade seja chamada a terminar com o período de pendência da quota do sócio falecido, mas não têm o direito de votar.

VII - É de considerar regularmente representada a herança do sócio falecido, na assembleia realizada para amortização das respectivas quotas, pelo cabeça-de-casal, sem a presença dos demais herdeiros.
Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO.

AA, casado, residente na Rua ..., ..., ... BB, NIF ..., intentou acção de declaração de nulidade de deliberação social, contra Colégio de BB, Lda., sediada em … e CC, viúvo, residente na Rua ... nº …, ..., Cascais, pedindo que sejam: “Declaradas nulas e de nenhum efeito as deliberações de amortização das quotas pertencentes aos sócios seus pais e de venda da pertencente à sua mãe, tomadas nas reuniões das assembleias gerais de 4 de Outubro de 1995 e 2 de Maio de 2011; Ordenado o cancelamento dos respectivos registos na Conservatória do Registo Comercial; Declarada nula e de nenhum efeito a deliberação de nomeação do 2º R. como gerente da Ré sociedade, tomada na reunião da assembleia geral de 2.5.2011; Ordenado o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial.”

Para os pedidos que formulam, alegaram, em síntese apertada, que – cfr. fls. 4 a 22:

- É herdeiro, com mais cinco irmãos, de AA e DD, falecidos em 9 de Julho de 1995 e de 10 de Fevereiro de 2011, respectivamente;

- Os seus pais eram titulares da maioria do capital social da sociedade Ré, “Colégio de BB, Lda.”, sendo cada titular de uma quota no valor nominal de 950.000$00 e o 2.º Réu, CC de uma quota no valor de 100.000$00, o que perfaz o valor da totalidade do capital social.

- Em 4 de Outubro de 1995, em reunião realizada na sede social da 1.ª Ré, reuniram-se o 2.º Réu e a falecida DD, tendo dispensado a formalidade da convocatória, por considerarem estarem presentes todos os sócios, e constituídos em assembleia geral, deliberaram a amortização da quota com o valor nominal de 950.000$00, pelo preço de 2.870.787$70, de que o falecido AA era titular;

- para o efeito tiveram presente o disposto nos artigos 8º e 9.º do pacto social que prescreve que “as quotas não se transmitem por morte dos sócios ais seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei. - cfr artigo 8.º do pacto social” e que “a amortização é realizada pelo valor da quota determinado em face do último balanço aprovado …” - cfr. artigo 9.º do pacto social. 

- O autor nunca terá recebido qualquer quantia por conta do preço da amortização;

- Apenas tomou conhecimento da referida deliberação por ocasião em que a mesma foi levada a registo, no início de maio de 2011;     

- Em 2 de Maio de 2011, reuniu na sede social da 1.ª Ré sociedade, o 2.º Réu e intitulando-se único sócio da sociedade e declarando não haver outros sócios a convocar, deliberou constituir-se em assembleia geral, e sem intervenção de qualquer dos demais presentes - cabeça de casal  por óbito de DD, EE, e o mandatário da 1.ª Ré, FF  - deliberou, a amortização da quota de 950.000$00, de que a falecida DD era titular e que a amortização se fizesse pela aquisição do sócio único da sociedade, o 2.º Réu e que o mesmo fosse nomeado gerente da sociedade;

- As deliberações prejudicam a esfera patrimonial do Autor, enquanto herdeiro.

- Nas referidas reuniões foram dispensadas as formalidades da convocatória, por se considerar estarem presentes todos os sócios, decidiram constituir-se em assembleia geral universal e invocaram o disposto nos artigos 8º e 9º do pacto social da Ré Sociedade.

- A falta de convocação dos herdeiros dos falecidos determina a nulidade das deliberações.

- Não esteve ali representada a totalidade do capital social, o que impossibilitava a reunião ao abrigo do disposto no art. 54º nº 1 do C.S.C.

- Faltaram as menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização, conforme imposto pelo art.236º do C.S.C.

- A Ré nada deliberou quanto à redução do capital social ou do aumento proporcional das quotas dos outros sócios, por força das amortizações.

- A Ré Sociedade não comunicou a deliberação de amortização aos interessados herdeiros.

Tendo falecido o seu pai em ….19…, há muito tinha escoado o prazo dos noventa dias que o pacto e a lei impunham para que fosse deliberada a amortização.

A sociedade não pode deliberar a amortização de uma quota, que assim se extingue, e ao mesmo tempo a sua aquisição por um sócio.

Ao adquirir a quota, o sócio é que fica devedor do respectivo preço, não tendo a sociedade intervenção no acto para além da deliberação.

Na contestação – cfr. fls. 78 a 94 - com que pretenderam contraminar o peticionado, os demandados, excepcionam a legitimidade (activa) do demandante, por segundo o pactuado no artigo 8.º do pacto social não ter direito às quotas da sociedade;   

Não tendo direito à quota, tudo quanto se passa na referida sociedade não afecta directamente a esfera patrimonial do A., nem o mesmo pode juridicamente invocar interesse directo em demandar em acção de anulação de deliberações sociais de uma sociedade em que não é sócio, nem nunca poderá vir a ser.

Quanto ao invocado vício de falta de convocação de interessados, diz o art.227º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais: “a amortização ou a aquisição da quota do sócio falecido efectuada de acordo com o prescrito nos artigos anteriores retrotrai os seus efeitos à data do óbito”. Por sua vez, o nº3 do mesmo artigo apenas autoriza os herdeiros a votar “em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade”, não impondo a sua convocação para quaisquer outras deliberações”. Logo, não tinham de ser convocados para a assembleia geral onde foi deliberada a amortização, pois nela não podiam intervir e votar.

Quanto ao vício da falta de representação da totalidade do capital social, ou a quota de AA era uma res nullius, cujo titular seria determinado pela deliberação de amortização, e, nesse caso, a totalidade do capital social estava representada, pois essa quota não contava para a realização da assembleia geral, ou, sendo a quota bem comum do seu casal não da sua herança, pois nunca houve transmissão aos sucessores -, então a sócia DD representava as duas quotas, sua e de seu falecido marido e teríamos a totalidade do capital social representado.

Quanto à alegada falta das menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização, tal como vem exigido pelo art. 236º do C.S.C., porque não consta do elenco de causas de nulidade das deliberações sociais, a mesma seria quando muito anulável e já se encontram há muito ultrapassados os prazos legais fixados no art. 59º do Código.

Quanto à inexistência dos efeitos internos e externos da amortização, eles resumem-se a 2, a saber: “O não ter sido deliberado a redução do capital social ou aumento proporcional das quotas dos outros sócios, nos termos do art.237º; A falta de comunicação da amortização aos herdeiros, nos termos do art.9º, nº3, do Pacto Social e art.234º, nº1, do C.S.C.

Quanto à primeira, o problema está resolvido pelo art.237º, nº1, do C.S.C., onde determina que “se a amortização de uma quota não for acompanhada da correspondente redução de capital, as quotas dos outros sócios serão proporcionalmente aumentadas”.

Quanto aos efeitos da deliberação de amortização de 4/10/1995, os efeitos internos produzem-se por mero efeito da deliberação, não sendo os mesmos oponíveis a terceiros se não tiver havido registo. Porém, quando a presente acção foi proposta já o registo se encontrava realizado.

Quanto ao segundo fundamento, basta ler com atenção o art.9º do Pacto Social, para se concluir que o mesmo apenas tem em vista os casos de amortização de quota com os fundamentos referidos nas diversas alíneas do nº1 e por isso o nº 3 manda que a mesma “seja comunicada ao sócio”, ou seja ao titular da mesma quota.

Ora, não era o caso do sócio AA, já falecido e cujo falecimento era a causa da amortização, pelo que não podia ser-lhe a deliberação comunicada.

Quanto à alegação do 2º Réu ser viúvo ao tempo da assembleia, era ele o titular da quota e, por força da proibição constante do art.8.º do Pacto Social, a quota não se transmite aos sucessores do seu cônjuge, que também são os seus sucessores futuramente.

Os argumentos apresentados para a situação resultante do falecimento do pai do Autor são, na sua maioria, os mesmos invocados para a situação resultante do falecimento da sua mãe.

Quanto à questão específica da amortização e da venda da quota de que era titular a falecida DD, além do mais, não é incompatível, pois a sociedade afirmou o seu direito à amortização, que tem de deliberar previamente relativamente à deliberação de venda, depois as duas hipóteses – amortização e alienação – estão expressamente previstas na lei e no pacto social e, interpretando a vontade do sócio que representava a sociedade, esta foi de transmitir a quota da sócia DD ao sócio sobrevivente. E o registo que foi feito foi o da transmissão da quota ao sócio sobrevivente.

As condições de alienação podem ser fixadas pela sociedade na sua deliberação, dentro do princípio da autonomia contratual.

A anulabilidade do negócio consigo mesmo, prevista no art. 261º do C. Civil, não se verifica quando “o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio excluía por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”.

Através da deliberação tomada em 2/5/2011, a sociedade expressamente consentiu na aquisição pelo 2º. Réu da participação social da sócia falecida DD e, além disso, pelo facto de ter ocorrido a amortização, ele tornar-se-ia o único sócio da sociedade. Não tendo sido deliberada a redução de capital, a quota do 2º Réu seria proporcionalmente aumentada, pelo que também ficaria detentor da totalidade do capital social, pelo que não há qualquer incompatibilidade de interesses.

Nenhum empréstimo foi deliberado conceder ao 2º. R.

Na réplica – cfr, fls. 105 a 113 – o demandante veio alegar que após a morte do titular de uma quota, os seus herdeiros passam a ser contitulares da mesma por efeito da sucessão legal.

O Autor, enquanto herdeiro dos falecidos sócios, tem direito às respectivas quotas, enquanto a sociedade não praticar qualquer dos actos previstos no art. 225º nº 2 do C.S.C.

O Autor não tem que entrar no contrato societário para ser titular de um direito hereditário sobre a quota.

Até à efectivação da amortização da quota os herdeiros conservam os seus direitos sociais, pelo que terão de ser convocados.

A nulidade das deliberações afecta directamente a esfera patrimonial do Autor.

O Autor tem um interesse directo em demandar os Réus, definido pela utilidade derivada da procedência da acção.

A nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, como prescreve o art.286º do C. Civil.

No saneador – cfr. fls. 125 a 135 -, o Tribunal julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e absolveu os réus da instância. Mais julgou improcedentes os pedidos de condenação por litigância de má fé.

Do decidido apelou o demandante, tendo por decisão prolatada, em 19 de Fevereiro de 2013 – cfr. fls. 200 a 207 -, revogar a decisão recorrida e, consequentemente, substitui-la por outra que julgando a acção procedente por provada, declarou: “a) nula e de nenhum efeito a deliberação de amortização da quota pertencente ao sócio AA tomada na reunião da assembleia Geral de 4 de Outubro de 1995; ordenou b) o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial; declarou c) nula e de nenhum efeito a deliberação de amortização da quota pertencente à sócia DD tomada na reunião da Assembleia Geral de 2 de Maio de 2011; declarou d) nula e de nenhum efeito a deliberação de amortização por venda da quota pertencente à sócia DD ao 2º R. tomada na reunião da assembleia geral de 2 de Maio de 2011; ordenou e) o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial; declarou f) nula e de nenhum efeito a deliberação de nomeação do 2º R. como gerente da Ré sociedade, tomada na reunião da assembleia geral de 2 de Maio de 2011; e ordenou g) o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial”

Do julgado interpuseram recurso de revista, os demandados, tendo dessumido o quadro conclusivo sequente.    

I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.

“A) O acórdão recorrido configura como subjacente aos pedidos formulados pela A., a sua qualidade de herdeiro de AA e de DD, que, em vida, foram sócios da sociedade ora R., “COLÉGIO DE BB LDA.”, sociedade por quotas.

B) Como o recorrente também reconhece existe no pacto social uma cláusula – art. 8.º – ­onde os sócios estipularam que "as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las. adquiri-las ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei", sendo certo que, como se alcança dos pedidos formulados, o recorrente não questionou a validade dessa cláusula.

C) A relação jurídica tal como é configurada pelo recorrente na sua petição inicial não lhe confere, como decidiu – e bem – a sentença da 1.ª instância, legitimidade para impugnar as referidas deliberações, pois, para poder ter legitimidade e consequentemente interesse em demandar é absolutamente necessário que, a ser verdadeira, a relação controvertida tal como a configura o A., ele não é titular de qualquer direito, nem sequer de interesse directo que justifique a sua legitimidade.

D) Por força do determinado no pacto social, "as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores", pelo que estes não podem exercer quaisquer direitos sociais, nem intervir nas assembleias gerais, nem da forma limitada como o determina o art. 227.º., n.º 3 do Cod. Soc. Comerciais.

E) Além disso, mesmo configurando a relação jurídica controvertida, esta configuração há­-de processar-se apenas à configuração de facto da relação jurídica, mas já não à qualificação jurídica desses factos, atento o disposto no art. 664.º, ainda do Cód. Proc. Civil, segundo o qual "O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes,...."

F) Partindo dos factos alegados pelo A. e da relação jurídica por ele apresentada, o tribunal pode concluir que o A., porque estranho ao quadro societário, não tem legitimidade para impugnar as deliberações de amortização tomadas pela assembleia geral da sociedade por quotas Colégio de BB, Lda.”

G) Acresce que, sendo o recorrente apenas, conforme o por si alegado, contitular das quotas em causa, nos termos do art. 222.º, n.º 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, "os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum", estabelecendo ainda a lei que "as comunicações e declarações da sociedade que interessem aos contitulares devem ser dirigidas ao representante comum e, na falta deste, a um dos contitulares".

H) Também não podia o A. propor a presente acção, porquanto não refere que seja ele o representante comum, nem deter legitimidade para representar a herança, porque não é o cabeça-de-casal, como se alcança da escritura de habilitação de herdeiros. Cfr. -. ponto 2 da matéria de facto

I) É absolutamente correcta a decisão da 1.ª instância que não reconhece legitimidade para o A. propor a presente acção, considerando os dois tipos de argumentos que se deixam expostos, pois seria admitir por via adjectiva o exercício de direitos que eram substantivamente negados, sendo certo que, no caso presente, também seria violada expressamente a vontade dos sócios da sociedade, enquanto expressão da vontade societária que considera indesejáveis na sociedade os sucessores dos sócios falecidos.

J) Deve ser revogada a decisão ora recorrida que considerou o A. parte legítima para os termos da presente causa, absolvendo-se os ora recorrentes da instância.

K) Há que ver se se verifica o imputado vício de nulidade, que, no entender do acórdão recorrido, conferiria legitimidade ao A. para a presente acção, pois, sendo o A. apenas, conforme o por si alegado, contitular das quotas em causa, nos termos do art. 222.º., n.º 1 do Cod. das Sociedades Comerciais, "os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum", estabelecendo ainda a lei que "as comunicações e declarações da sociedade que interessem aos contitulares devem ser dirigidos ao representante comum e, na falta deste, a um dos contitulares".

L) As irregularidades que determinam a nulidade de qualquer deliberação social estão taxativamente enumeradas no art. 56.º, n.º I do Cód. Soc. Comerciais e no caso concreto não se verifica nenhuma das situações que podia conduzir à nulidade de qualquer das deliberações.

M) Na reunião de 4 de Outubro de 1995, esteve presente a viúva, meeira e herdeira de AA e consequentemente cabeça-de-casal da respectiva herança, DD, assim se assegurando a presença de um dos contitulares exigida pelo n.º 2 do artigo 222.º do Cód. Soc. Comer.

N) Na reunião de 2 de Maio de 2011, estiveram presentes os herdeiros EE, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de DD e o mandatário da sociedade e também herdeiro, FF.

O) Não se verifica em qualquer delas a nulidade da falta de convocação, por estarem presentes as pessoas legalmente necessárias à validade das deliberações tomadas em assembleia geral, pelo que não existe qualquer fundamento de nulidade para a pretensão do A.

P) O acórdão recorrido partiu do pressuposto de que, com a morte do titular da quota, os herdeiros assumiriam a qualidade de sócios até à amortização deliberada socialmente, citando o acórdão do STJ de 23/9/97, proferido no processo 97A083, foi decidido que "estando em causa uma cláusula estatutária de simples possibilidade de amortização da quota", mas não estando excluída a transmissão da quota aos herdeiros, então "os sucessores adquirem, por força e à data desse óbito, a contitularidade dessa quota" e o acórdão da Relação de Lisboa de 15/5/2000 contém uma situação absolutamente igual ou seja, apenas se estabelece a possibilidade de amortização da quota do sócio falecido, mas não se estabelece a exclusão da transmissão da quota aos herdeiros, mas nenhum dos referidos acórdãos tem aplicação ao presente caso concreto,

Q) No caso dos presentes autos, não existe apenas uma cláusula estatutária de simples possibilidade de amortização da quota do sócio falecido, mas existe também uma cláusula de impedimento de a quota ser transmitida aos sucessores do falecido.

R) Como se refere no Ac. do STJ de 19/9/2006, publicado na CJ/STJ, 2006, tomo III, pág. 55, onde se decidiu: I – Salvo disposição diversa do contrato social, as quotas transmitem-se para os sucessores dos sócios falecidos nos termos do direito comum das sucessões. II - Porém, o contrato social pode estabelecer que falecendo um sócio, a respectiva participação de não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como condicionar a transmissão a certos requisitos. (sublinhado nosso)

S) A mesma doutrina é reflectida no Ac. da ReI. de Lisboa, de 7/10/2008, proferido no Proc. 6727/2008-1, publicitado em http://www.dgsi.pt/itrl, onde se decidiu: 1- Falecendo um dos sócios na sociedade comercial por quotas, e inexistindo no contrato social impedimento no sentido da quota não ser transmitida aos sucessores do falecido e não deliberando a sociedade nos 90 dias seguintes ao conhecimento do falecimento do sócio, no sentido de amortizar a quota, adquirir a quota ou fazê-la adquirir por terceiro, então ipso jure a quota do falecido sócio transmite-se para os sucessores do mesmo, É o que estabelece o artigo 225.º do CSC. 2-A quota indivisa fica até à partilha na titularidade dos sucessores do falecido sócio, em regime de contitularidade, devendo os contitulares exercer os direitos inerentes à quota através de um representante comum.

T) A quota só se transmite aos herdeiros antes da amortização se não houver cláusula em contrário e, nos presentes autos, o pacto da sociedade COLÉGIO DE BB LDA. contém uma cláusula art. 8.º - onde os sócios estipularam que "as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei", pelo que, no referido período entre a morte do sócio e a deliberação de amortização, os herdeiros não são sócios da sociedade ora R., por a tanto se opor o pacto social e consequentemente os herdeiros não tinham de ser convocados para a Assembleia Geral em que foi decidida a amortização da quota, quer de AA, quer de DD,

U) É absolutamente ilegal a decisão do acórdão recorrido que considerou nula por falta de convocação, a deliberação de amortização, quer a tomada em 4 de Outubro de 1995, que deliberou a amortização da quota de AA, quer a tomada em 2 de Maio de 2011, de amortização da quota de DD, pois os respectivos herdeiros não tinham de ser convocados para a assembleia geral onde tais deliberações foram tomadas, atento o teor da cláusula 8.ª do pacto social.

V) Não pode subsistir a ilegal decisão que considerou nulas e de nenhum efeito as deliberações de amortização e venda das quotas tomadas em assembleias gerais de 4 de Outubro de 1995 e 2 de Maio de 201 1, bem como os registos efectuados com base nas actas respectivas.

X) O acórdão recorrido foi mais longe e considerou também nula a deliberação de designação de gerentes, com o fundamento da não convocação, que já vimos que não existe, mas também com o fundamento de que o A., por exemplo, podia ser eleito e eleger, mas já vimos que não existe o fundamento da falta de convocação, porque os herdeiros até á deliberação de amortização estavam excluídos, pelo pacto social, dos negócios sociais e o A. nunca podia ser eleito, pois não era sócio, pois poderia eventualmente ser contitular e não demonstrou que tivesse possibilidade de intervir, por si, em qualquer assembleia geral, pelo que é totalmente correcta e legal a deliberação que designou o ora recorrente CC para gerente.

Y) O acórdão recorrido viola por erro de interpretação e aplicação, o art. 26º., n.ºs 1 e 3 do Cod. Proc, Civil, bem como violou por erro de aplicação da lei o disposto no art. 8.º. do pacto social da ora ré COLÉGIO DE BB LDA. e a norma do art., 225.º, n.ºs 1 e 3 do Cod. das Sociedades Comerciais, nos termos em que tem sido interpretada pela jurisprudência.

Z) PELO EXPOSTO, em provimento do presente recurso, tem de ser revogado o acórdão recorrido, devendo ser substituído por outra decisão que julgando o A. parte ilegítima, absolva dos RR. da instância, ou quando assim se não entender, julgue a presente acção totalmente improcedente e não provada, absolvendo-se os RR. do pedido, como é de lei (…)”.

Nas contra-alegações que apresentou o demandante, dessumiu o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito.  

“a) O Recorrido apresentou-se como herdeiro dos titulares das quotas amortizadas – factos 1 a 3 do douto Acórdão – assegurando a sua legitimidade singular activa na acção, ao identificar-se como titular da relação controvertida, vindo de seguida pedir a declaração de nulidade das deliberações de amortização que foram tomadas.

b) Ao configurar assim a Petição Inicial, o Recorrido apresentou-se ajuízo como titular da relação controvertida: o Recorrido tem um interesse directo em demandar os Recorrentes, definido pela utilidade derivada da procedência da acção, uma vez que, com a declaração de nulidade das deliberações postas em crise, os seus direitos hereditários mantém-se intocáveis, passando o Recorrido a ser novamente co-titular das referidas quotas, como decidiu o Acórdão posto em crise.

c) Os vícios de nulidade de que padecem as deliberações afectem directamente a esfera patrimonial do Recorrido, enquanto herdeiro legitimário dos referidos ex-sócios da Recorrente sociedade, e interessado na partilha dos bens que integram o acervo hereditário.

d) Entende-se assim que há interesse processual se o Recorrido sofrer um prejuízo, não propondo a acção, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exactamente da intervenção do Tribunal para obter a declaração de nulidade das deliberações postas em crise, como obteve.

e) Uma vez que está em causa a declaração de nulidade das deliberações, não merece discussão a legitimidade do Recorrente para intentar a presente acção enquanto interessado na obtenção judicial dessa declaração de nulidade, tanto das deliberações de amortização como do negócio de transmissão da participação social uma vez que a nulidade pode ser invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, como prescreve o art. 286.º do C. Civil.

f) Sempre se dirá ainda que é pacífico que, para arguir a nulidade não carece de o fazer por intermédio do representante comum, previsto no art. 222.º, n.º1 do C.S.C., uma vez que, conforme ficou bem demonstrado, tem o Recorrido legitimidade própria para o fazer.

g) Não merece assim o Douto Acórdão qualquer censura ao revogar a decisão do Tribunal a quo nesta matéria da legitimidade do Autor ora Recorrido.

h) Mesmo que destinadas à amortização pelo pacto social, as quotas não estão excluídas do acervo hereditário – art. 2024.º e 2031.º do C. Civil – já que após a morte do titular de uma quota, os seus herdeiros passam a ser contitulares da mesma por efeito da sucessão legal, – art. 2031.º, 2050.º, 2056.º n.º 1 do C. Civil, – uma vez que são chamados à sucessão da titularidade das relações jurídicas patrimoniais do de cujus os seus herdeiros legítimos. - art. 2131.º do mesmo diploma.

i) O regime legal citado não pode ser afastado por qualquer contrato, tout court, como defendem os Recorrentes, devendo chamar-se à análise desta questão o art. 227.º do C.S.C., uma vez que através dele a lei regula os efeitos da pendência da amortização da quota, realçando-se o n.º 3 que dispõe que durante a suspensão (referida no n.º 2) os sucessores poderão, contudo exercer os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica...

j) O Recorrido, enquanto herdeiro dos referidos falecidos sócios, tem direito às respectivas quotas enquanto a sociedade não praticar qualquer dos actos previstos no art. 225.º, n.º 2 do C.S.C., mormente, proceda à sua amortização e, como tal, tem o direito de sindicar a forma como se processam as deliberações de amortização das quotas,

k) Razão pela qual tem direito a ser convocado para as respectivas assembleias gerais em que vão ser deliberadas as amortizações e saber em que termos exactos, devendo ser ouvido para o efeito.

I) A exclusão da transmissão aos herdeiros não faz com que estes fiquem, sem mais, apartados da defesa dos seus interesses e direitos, como pretendem os Recorrentes, ao arrepio das teses defendidas pelos nossos tratadistas e Jurisprudência.

m) Sendo que este vício de procedimento gera nulidade da deliberação nos termos do disposto no art. 56.º, n.º 1 a) do C.S.C, n) já que a situação de não ter sido convocado o Recorrido, mesmo sendo seguro e confirmado que a sua presença não alteraria o sentido da deliberação, constitui um desrespeito de um ritual legitimador sem o qual todo o edifício societário ficaria descaracterizado, face ao regime consagrado para a amortização de quota previsto no Código das Sociedades Comerciais e sua conciliação com as regras imperativas da sucessão hereditária.

o) Bem andou o Tribunal da Relação de Coimbra ao julgar procedente a acção pela nulidade das deliberações de amortização tomadas à revelia dos interessados na herança dos sócios falecidos, com ou sem cláusula estatutária que impedisse a transmissão das mesmas quotas.

p) Mas, mesmo que assim se não entendesse. o que não se concede, sempre a decisão tomada pelo douto Acórdão Recorrido teria que ser no sentido da nulidade de ambas as deliberações postas em crise.

q) Quanto a ambas as deliberações de amortização das quotas dos falecidos, verifica-se a ausência de poderes da representante da quota do falecido (a viúva) que intervém na primeira deliberação de amortização e a ausência de todos os sócios para que a reunião fosse universal; (factos provados n.º 7 e 8 do Acórdão).

r) A falta das menções obrigatórias subjacentes às referidas deliberações de amortização nos termos previstas no art. 236.º do C.S.C. (facto provado n.º 15 do Acórdão), que visa interesses de ordem pública fora da esfera dos sócios.

s) A inexistência dos efeitos internos e externos da amortização (redução de capital social ou aumento proporcional das quotas dos outros sócios), comunicação aos interessados e registo na Conservatória do Registo Comercial; (facto provado n.º 16 do Acórdão e actas juntas aos autos).

t) Quanto à deliberação de amortização da quota da falecida DD a ausência de poderes do representante que intervém na deliberação de amortização da quota, por o titular Recorrido CC ter visto falecer antes da reunião sua mulher, com quem era casado em comunhão de adquiridos, passando a quota a integrar a herança aberta por morte desta, como resulta da certidão comercial junta aos autos; (factos provados n.º 17 a 19 do Acórdão).

u) Tendo falecido o AA, em 09 de Julho de 1995, há muito tinha escoado o prazo dos noventa dias que o pacto e a lei impunham para que fosse deliberada a amortização da quota de que a DD era titular e era pertença do dissolvido casal; daí que no dia 02 de Maio de 2011 não podia a Recorrente sociedade deliberar a amortização de tal quota, estivesse quem estivesse presente e com direito de voto; (factos provados n.º 3, 12 e 14, do Acórdão).

v) Irregularidades das deliberações que se enquadram na nulidade prevista no art. 56.º n.º 1 d) do C.S.C. e que o Tribunal Recorrido optou por não apreciar uma vez que, e bem, julgou nulas as deliberações pelo apontado vício de falta de convocação do Recorrido. Não merecendo assim qualquer censura o Douto Acórdão Recorrido, deve o mesmo ser mantido integralmente.”

I.B. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

- Legitimidade activa.

- Nulidade das deliberações sociais por violação das regras imperativas concernentes com a amortização das quotas, representação da totalidade do capital social e menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização – cfr. artigos 232.º a 237.º do Código das sociedades Comerciais.   

II. - FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

O tribunal recorrido estimou estarem adquiridos – por prova documental e/ou por confissão – para a solução do litígio, os factos que a seguir quedam extractados.

“1. O Autor é filho de AA e DD, que foram casados no regime da comunhão geral de bens, ambos já falecidos, o primeiro em 9 de Julho de 1995 e a segunda em 10 de Fevereiro de 2011.

2. O Autor tem cinco irmãos, todos habilitados por escritura de habilitação.

3. Na sociedade Ré, com a firma “Colégio de BB, Lda.”, os falecidos eram titulares, cada um, de uma quota com o valor nominal de Esc: 950.000$00 (€ 4.738,58) e o 2º Réu titular de uma quota com o valor nominal de Esc: 100.000$00 (€498,80) o que perfazia a totalidade do capital social de Esc: 2.000.000$00 (€9.975,96).

4. O 2º Réu participou nas deliberações sociais das reuniões das assembleias gerais que tiveram lugar em 4 de Outubro de 1995 e em 2 de Maio de 2011, em que foram deliberadas, entre outras:

A amortização da quota com o valor nominal de Esc.: 950.000$00 (€ 4.738,58) de que era titular o falecido AA;

A amortização da quota da falecida DD com o valor nominal de Esc.: 950.000$00 (€ 4.738,58);

A aquisição desta quota pelo 2º Réu, valor da qual este se constituía devedor à sociedade porque esta procedia ao pagamento;

A nomeação do 2º Réu como gerente da sociedade.

5. A deliberação de amortização da quota do falecido AA foi levada ao registo pela apresentação nº 16/2011-05-03.

6. E a aquisição da quota pelo 2º R pela apresentação 17/2011-05-03.

7. Em 4 de Outubro de 1995, pelas 16 horas, reuniram na sede social da Ré Sociedade o 2º Réu e a falecida DD e, dispensando as formalidades da convocatória, por considerarem estarem presentes todos os sócios, decidiram constituir-se em assembleia geral universal, nos termos do disposto no art. 54º do C.S.C.

8. Os dois presentes, intitulando-se únicos sócios da sociedade, deliberaram a amortização da quota com o valor nominal de Esc: 950.000$00 (€ 4.738,58), pelo preço de Esc: 2.870.787$70, de que o falecido AA era titular.

9. Os presentes invocaram o disposto nos artigos 8º e 9º do pacto social da Ré Sociedade.

10. Dispõe o art.8.º do pacto social: “As quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las, ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei”.

11. E o artigo 9.º do pacto social exara:

“A sociedade reserva-se o direito de amortizar quotas, nos seguintes casos:

a) (…)

d) Quando se verificar a situação prevista no art.8.º do contrato de sociedade. (…)

“ A amortização é realizada pelo valor da quota determinado em face do último balanço aprovado…”

12. Em 2 de Maio de 2011, pelas 19 horas, reuniu na sede social da Ré Sociedade, o 2.º Réu e, intitulando-se único sócio da sociedade e declarando “não havendo outros sócios a convocar”, deliberou constituir-se em assembleia geral nos termos do disposto no art. 54.º do C.S.C.

13. Estava ainda presente o cabeça de casal, representante da herança líquida e indivisa aberta por óbito de DD, EE, e o mandatário da sociedade FF.

14. O sócio presente deliberou sem intervenção de qualquer outro dos presentes.

15. Nas 2 reuniões referidas, os presentes não fizeram qualquer menção sobre a situação da sociedade mas referiram que as amortizações eram feitas de acordo com os valores apurados nos últimos balanços.

16. As deliberações não foram comunicadas ao Autor.

17. O 2.º Réu foi casado à data de aquisição da quota sob o regime de comunhão de bens adquiridos com GG.

18. À data de 2 de Maio de 2011, o 2.º Réu era viúvo.

19. O 2.º Réu tem filhos.

20. O artigo 10.º do pacto social exara que a qualidade de gerente atribuída aos sócios falecidos “importa” para eles um direito especial, “por ter sido essencial à formação da sua vontade”.

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Legitimidade (activa) dos Herdeiros para intentarem acção de anulação de deliberação social, no caso de o pacto social estipular que a quota não se transmite aos herdeiros do decesso, devendo ser amortizada, adquirida ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiros. 

Fundamenta, o recorrente, a sua discordância quanto ao decidido pelo tribunal recorrido, por, em dissensão com o julgado em primeira instância, ter considerado ter o demandante legitimidade activa para os termos da presente acção, argumentando, com interesse, (sic): “[exist(ir)] no pacto social uma cláusula – art. 8.º – ­onde os sócios estipularam que "as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las. adquiri-las ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei", sendo certo que, como se alcança dos pedidos formulados, o recorrente não questionou a validade dessa cláusula.

A relação jurídica tal como é configurada pelo recorrente na sua petição inicial não lhe confere, como decidiu – e bem – a sentença da 1.ª instância, legitimidade para impugnar as referidas deliberações, pois, para poder ter legitimidade e consequentemente interesse em demandar é absolutamente necessário que, a ser verdadeira, a relação controvertida tal como a configura o A., ele não é titular de qualquer direito, nem sequer de interesse directo que justifique a sua legitimidade.”    

Para desconsiderar a argumentação percorrida pela primeira instância para considerar o demandante parte ilegítima, a decisão recorrida, estimou que (sic): “[O] Autor invoca a nulidade. Esta, mesmo considerando as normas dos artigos 56º a 62º do Código das Sociedades Comerciais, “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal” (art.286º do Código Civil; ver Pinto Furtado, Deliberações, Almedina, 2005, página 758 e acórdão da Relação do Porto, de 26.10.2004, processo 0423569, em www.dgsi.pt.).

E, por isso, apesar de existirem outros interessados, não é exigida a intervenção de todos. (art.28º do Código de Processo Civil; com interesse, ver M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo Civil, Lex, 1997, página 163.)

“O contitular de uma quota social, ainda que desacompanhado dos restantes contitulares, tem legitimidade para invocar a nulidade de deliberação social que procedeu à amortização dessa quota.” (Acórdão da Relação de Lisboa, de 21.9.2004, em C.J. 2004, tomo 4, página 87)”.

A questão da legitimidade suscitada pelos recorrentes, atina com a estipulação inerida no contrato social de uma cláusula – cfr. número 8 - que determinava que “as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las, ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei.”

A estipulação ou declaração de vontade contratualmente aceite pelos participantes no contrato social é permitida pela lei que regula e comanda as relações sociais entre os sócios de uma sociedade comercial – cfr. artigo 225.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais. Reza este preceito que “[O] contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes.”      

Resulta de uma interpretação escorreita e lhana do estipulado na cláusula oitava (8) que os sócios quiseram afastar os sucessores da transmissão mortis causa das respectivas quotas, convencionando que as mesmas poderiam, por morte de um dos sócios: a) amortizá-las; b) adquiri-las, para a sociedade, integrando-as, portanto, no património da pessoa colectiva; c) serem adquiridas por qualquer dos sócios sobrevivos; d) serem adquiridas por pessoa estranha à sociedade que assim se tornaria participante do capital social da sociedade, na proporção correspondente ao capital das quotas alienadas.  

“A finalidade do regime criado por aquele preceito é claramente desviar a transmissão da quota do sócio falecido do caminho que no caso concreto seguiria segundo as normas da sucessão motis causa, para outras vias aceitáveis pela sociedade – isso, porém sujeito à possibilidade da utilização de certos meios fixados imperativamente. Resumidamente, a sociedade pode impedir a transmissão para os sucessores do sócio ou amortizando a quota, ou adquirindo ela própria a quota, ou fazendo sócios ou terceiros adquirir a quota; se nada disto for feito (…) a restrição desparece e a quota transmite-se para o sucessor do sócio.” [[1]]        

Tendo o pacto social estabelecido uma cláusula de intransmissibilidade, torna-se importante descortinar qual a posição dos sucessores do sócio – legitimários, testamentários, legatários ou contratualmente estabelecidos – perante a quota. Vale dizer, ou perguntar, se os sucessores detêm alguns direitos sobre a quota do sócio defunto, ou formulado noutra perspectiva, enquanto a sociedade não deliberar sobre a forma de adquirir ou amortizar a quota como podem os sucessores intervir e reagir contra eventuais situações susceptíveis de prejudicar a sua posição patrimonial.

Nos termos do n.º 2 do artigo 227.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC): “os direitos e obrigações inerentes quota ficam suspensos enquanto não se efectivar a amortização ou aquisição dela, nos termos previstos nos artigos anteriores ou enquanto não decorrerem os prazos ali previstos”, acrescentando o n.º 3 que durante a suspensão os herdeiros podem “exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade.”

A doutrina digladiava-se sobre qual a posição a tomar na querela que opunha aqueles que consideravam que, estipulando o pacto social uma cláusula de intransmissibilidade da quota aos sucessores, a quota do sócio decesso não se transmitia aos sucessores e aqueles que defendiam que a aberta a sucessão os sucessores entravam na titularidade da quota enquanto não fosse decidida a sua amortização ou aquisição pela sociedade, por sócios da mesma ou por terceiros. [[2]]    

Parece ser de sufragar a corrente que pugna pela transmissão/integração na titularidade da herança aberta por óbito do sócio do falecido da quota de que este era detentor na sociedade.

Aberta a herança, os sucessores, através do seu representante – cfr. n.º 5 do artigo 222.º do Código das Sociedades Comerciais (contitularidade da quota – direitos e obrigações inerentes a quota indivisa) - devem poder participar, enquanto titulares de um direito sobre a quota do de cuius, nas deliberações da sociedade que possam afectar os direitos inerentes à quota.

Estariam nesta situação as deliberações que afectem a integridade/identidade (ontológica) da quota, como fossem as deliberações que implicassem a fusão ou transformação da sociedade ou o aumento de capital em termos incomportáveis para os sucessores da possível influência destes na sociedade. Nas palavras de Raul Ventura [[3]] “[a] tutela pode desdobrar-se por três frentes: tutela da própria transmissão jurídica de transmissário, nas referidas condições precárias; tutela da posição jurídica quanto aos limites e consequências da sua precariedade; tutela da posição jurídica quanto ao conteúdo respectivo, temporariamente suspenso.”

A lei permite aos sucessores, durante a pendência (diríamos, nós, pensamos que com mais propriedade “durante a jacência da quota”) intervenham nas deliberações que sejam susceptíveis de modificar ou alterar a integridade da quota. Vale por dizer, nas deliberações que pela sua pretensão e alcance sejam susceptíveis de desvirtuar, por depreciação do seu valor ou da sua significação no equilíbrio do pacto firmado e existente à data da morte do sócio transmitente, mortis causa, da quota. Tendo-se estabelecido a intransmissibilidade da quota, a lei não pretendeu desafectar dos sucessores o valor patrimonial que lhe corresponde no computo do capital social e do valor da quota de acordo com o avaliação efectuada no momento em que haja ocorrido o decesso do sócio.

Se assim durante a pendência em que decorre a “liquidação” da quota, mediante amortização ou aquisição pela sociedade, por sócio supérstite ou por terceiro, ou não ocorrendo essa operação – que terá que ter conclusão no prazo limite de noventa (90) dias – qual a posição do sucessor para o caso em que a sociedade pretenda deliberar sobre a amortização ou aquisição da quota.

Importa, antes de mais, asseverar, de acordo com a doutrina mais significativa, que a amortização ou aquisição da quota do de cuius, por parte da sociedade, de algum ou alguns dos sócios ou por terceiros, apenas pode acontecer mediante deliberação da sociedade. [[4]] Porém da deliberação em que a sociedade decida da sorte da quota – amortização ou aquisição, nos termos já preditos – “os sucessores do sócio falecido não têm direito da participar nesta deliberação; não têm, consoante os casos, o direito de estar presentes na respectiva assembleia ou a serem consultados sobre a tomada da deliberação por voto escrito, nem têm o direito de votar sobre a respectiva opção.” [[5]]  

As assembleias em que o demandante requesta o direito de assistir/participar são as assembleias dos sócios para amortização da quota do sócio falecido, tanto na assembleia de 4 de Outubro de 1995, relativa á amortização da quota do sócio AA, como na assembleia de 2 de Maio de 2011, em que se decidiu a amortização/aquisição da quota da sócia falecida, DD.

Na primeva das assembleias da sociedade para deliberação da amortização do quota do decesso, AA, de 4 de Outubro de 1995, estiveram presentes para além do 2.º demandado, o cônjuge sobrevivo do sócio falecido, DD, [[6]], e na assembleia de 2 de Maio de 2011, para amortização da quota da sócia DD, estiveram presentes, para além do 2.º demandado, o representante da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, EE – cfr. pontos 7 e 13 da decisão de facto.                 

Não convém a uma argumentação idónea sobre o pressuposto processual da legitimidade arengar ou repisar os “reacios” e requentados argumentos que alimentaram a jurisprudência e a doutrina durante décadas e que, malgrado, continuam a manter o pavio que alimenta a verve de algumas luminárias indígenas.

Para o caso importa escrutinar se o demandante em face da sua posição jurídica, como sucessor dos sócios falecidos, deveria ter sido convocado para participar nas assembleias de sócios em que se procedeu à amortização das respectivas quotas.

Para aferição da eventual participação do demandante há-de ter-se presente, de forma invadeável e intransitável, que qualquer das assembleias da sociedade se destinaram a proceder à amortização das quotas dos sócios decessos. Na primeira, de 4 de Outubro de 1995, do sócio AA, e da segunda, de 2 de maio de 2011, da sócia, DD. Em qualquer destas assembleias o objecto foi a amortização da quota de um dos sócios falecidos, ou seja efectivar a intransmissibilidade dos sucessores do sócio falecido. Ou dito de outra maneira, a escopo das assembleias realizadas era fazer cessar a pendência da quota, de modo a dar execução ao estipulado na cláusula 8.ª do contrato ou pacto social. Através das assembleias os sócios supérstites pretenderam afastar os sucessores da vida da sociedade, fazendo reverter a quota radicada na esfera jurídica dos sócios para a sociedade.

Sendo esse o objecto e o fim das assembleias, a lei regula a forma da participação dos contitulares de quotas detidas em comum por diversos titulares – cfr. art. 222.º e 223.º do Código das Sociedades Comerciais.

Não sobram dúvidas, como já se inculcou supra, que durante a pendência da quota, ou seja desde a morte do sócio até à amortização ou aquisição da quota pela sociedade, por sócio ou por terceiro, os sucessores entram na titularidade da quota, podendo essa quota ser inclusive objecto de partilha, e adquirem o direito de preservar ou manter a identidade e a integridade da quota de modo a salvaguardar os seus interesses.

Porém, os sucessores, não têm o direito a votar nas assembleias em que a sociedade seja chamada a terminar com o período de pendência (jacência) da quota do sócio falecido. Nestas assembleias os sucessores podem participar, mas não têm o direito de intervir/votar quanto à forma, o modo e a quem a sociedade entende alienar ou amortizar a quota, salvaguardadas as previsões contidas nos artigos 232.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais.

No caso que versam os autos, o demandante pretende inculcar a necessidade da sua intervenção, na qualidade de herdeiro, e a título individual, pessoal e próprio, dos sócios falecidos, nas assembleias em que a sociedade deliberou a amortização das quotas dos sócios falecidos, AA e DD.

Nas assembleias cuja presença, o demandante reclama, estiveram presentes, na primeira, de 4 de Outubro de 1995, para amortização da quota do sócio AA, o cônjuge meeiro e a representante da herança aberta por óbito do mencionado sócio, DD, para além do segundo demandado, e na segunda, de 2 de Maio de 2011, para amortização da quota pertencente à sócia DD, estiveram presentes, para além do segundo demandado, o representante da herança aberta por óbito da sócia a cuja amortização se procedia nesta assembleia, o representante da herança aberta por óbito desta sócia, EE.

Em qualquer das assembleias para cuja presença o demandante reclama a sua presença, a herança dos sócios falecidos esteve regular e devidamente representada pela pessoa que, no momento detinha a posição de cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito de cada um do sócios.

Não alega o demandante qualquer desvio na representação, vale dizer na qualidade em que intervieram e na legitimidade da posição que detinham na representação das heranças em nome de quem agiam, nem quanto à assembleia de 4 de Outubro de 1995, pela sua mãe e cônjuge do sócio falecido, nem quanto á assembleia de 2 de Maio de 2011, pelo seu irmão e representante da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua mãe.

Não se detectando, por não ter sido alegado, qualquer desvio ou vício de representação dos representantes dos sócios falecidos nas assembleias realizadas para amortização das respectivas quotas, como forma de fazer cessar a transmissibilidade das quotas, que ocorreria, nos termos do n.º 2 do artigo 225.º, ao fim de noventa (90) dias, após o conhecimento do óbito do sócio, resulta que os herdeiros estiveram representados por quem nos termos da lei – cfr. artigo 2079.º e 2087.º, ambos do Código Civil e 222.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais – tinha legitimidade para representar os herdeiros dos sócios falecidos.

As deliberações tomadas pela sociedade não estão feridas de nulidade, por a assembleia ter reunido, ou se ter realizado, sem a presença do demandante. Tendo reunido, tanto na primeira como na segunda, com o sócio supérstite e os representantes do(a) sócio(a) falecido(a) as assembleias foram regularmente convocadas e funcionaram com os elementos da sociedade com legitimidade para vincularem a sociedade pelas deliberações que aí fossem tomadas.

Temos, para nós, seguro que, em face do quadro alegado e dos elementos existentes no processo, o fundamento da nulidade das deliberações por desvio formal na convocatória e consequente falta de assistência do demandante às deliberações que determinaram a aquisição/amortização das quotas, não procede.

Questão diversa é a queira de nulidades que com que o demandante acima as deliberações tomadas em qualquer das assembleias.

É o que procuraremos perquirir de seguida. 

II.B.2. - Nulidade das deliberações sociais por violação das regras imperativas concernentes com a amortização das quotas, representação da totalidade do capital social e menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização – cfr. artigos 232.º a 237.º do Código das sociedades Comerciais.  

Para além da nulidade adveniente da falta de convocatória, o demandante alega, na sua petição inicial, que as deliberações sociais assumidas nas assembleias realizadas – 5 de Outubro de 1995 e 2 de Maio de 2011 – são nulas por violarem o preceituado na lei para a amortização, designadamente, o disposto no artigo 232.º, 236.º e 237.º do Código das sociedades Comerciais, a saber porque faltam as menções obrigatórias a que se alude no citado normativo

Falecendo-lhe razão na invocação da nulidade com base na irregularidade da convocação para as deliberações, poderia o demandante colhê-la para reacção/impugnação da deliberação(ões) que atingissem de forma, irrefragável, a sua esfera patrimonial, como fosse o caso de as deliberações contenderem com algumas das causas de nulidade das deliberações que violassem regras, valores ou preceitos legais “que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.” – cfr. artigo 56.º, n.º 1, alínea d) do Código das Sociedades Comerciais – já que descortinamos que outras elencadas nas alíneas b) e c) do mesmo preceito legal pudessem exsurgir. 

Na verdade, não sendo a deliberação nula por esta razão, sobraria poder acoimada de nulidade, por o “conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.” – alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais.

O acórdão recorrido arranca, para decretar a nulidade das deliberações, do facto de as assembleias se terem realizado sem a presença dos herdeiros. [[7]]        

Porém, como se disse, ainda o demandante poderia vir a obter vencimento se para além desta causa de nulidade as deliberações tivessem sido analisadas as demais causas como que alanceia de nulas as mencionadas deliberações. Porque repetidas, embora com algumas variantes ou cambiantes, as causas de nulidade, indicadas na petição inicial, reconduzem-se, para além da já desbordada/expurgada causa de falta de convocação dos interessados: a) - falta de representação da totalidade do capital social; b) - de falta de menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização; c) - inexistência dos efeitos internos e externos da amortização.

Ocorre, porém, que o tribunal recorrido, como se alcança do troço transcrito na nota infra, ficcionando analisar as demais nulidades invocadas e que o demandante havia elencado na alegação de recurso [[8]] não ultrapassou o limiar da primeira das causas de nulidade – a falta de convocação dos sócios para a assembleia em que se procedeu à deliberação da amortização/aquisição da quota dos falecidos sócios, embora intentando enunciar a sua apreciação.

Deste facto resultou que o recurso interposto pelos demandados/recorrentes acabou por lindar e percintar os seus fundamentos, e respectivas conclusões, à questão da legitimidade e reflexamente á nulidade das deliberações por falta da convocação dos co-titulares da quota. [[9]]  

E com essa apreciação se conformou o demandante, como, expressamente, o frisaram e vincaram nas conclusões que dessumiram das contra-alegações. [[10]]

Em vista do âmbito de cognoscibilidade dos recursos, como se sabe aferido e calibrado pelo feixe/epítome conclusivo com que o recorrente dessume os fundamentos da(s) questão(ões) que pretende submeter à apreciação do tribunal de recurso, não se torna possível o tribunal exceder o tema decidendum sob pena de, fazendo-o, incorrer em vicio de excesso de pronúncia que tornaria nulo a decisão que viesse a ser proferida com esse âmbito – cfr. artigo 726.º, ex vi dos artigos 716.º e 668.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, todos do Código Processo Civil.

Cingindo-se o âmbito de cognoscibilidade do recurso à questão apreciada no apartado antecedente, fecha-se, com ela, a apreciação do recurso. O demandante/recorrido poderia ter obviado a esta sorte, se tivesse tido o cuidado de pedir, em sede de ampliação de recurso – cfr. artigo 684.º-A do Código Processo Civil que o tribunal de recurso, em face da limitação cognoscitiva dos fundamentos de apelação, no acórdão recorrido, tivesse pedido que, em caso de falência fundamento que servira, de um modo estrénuo, para revogar a decisão e primeira instância, conhecesse dos demais fundamentos. Apesar de ter obtido vencimento quanto a um dos fundamentos, o demandante/recorrido poderia, ao amparo do disposto no citado preceito – “no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa (…)” – ter pedido, subsidiariamente que o tribunal de recurso conhecesse dos demais fundamentos. O facto é que o não fez pelo que está ilaqueada a possibilidade, a este Supremo Tribunal, de conhecer dos demais fundamentos do recurso.

Porque assim, queda concluída a tarefa de cognoscibilidade da revista.       

III. - DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder a revista, e, consequentemente, revogando o acórdão recorrido, e revogando a decisão revidenda, absolve-se a demandada/recorrente do pedido.

- Custas pelo recorrido.

Lisboa, 29 de Outubro de 2013

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Póvoas 

MoreiraAlves                                                                                                                                                             ______________________________
[1] Cfr. Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades Comerciais Vol. I, Almedina, 2007, p. 547.
[2] Cfr. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Das Sociedades, Vol. II, Almedina, Reimpressão, 2009, p. 361 a 363. Remédio marques, J.P.; in “Código das sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. III, Almedina, ps. 422 a 424. “Os sucessores do sócio falecido, mesmo após a divisão hereditária (ou aceitação do legado plasmado na quota deixada pelo de cuius), são titulares ad tempus, numa situação precária, sujeitos à verificação da condição resolutiva pela qual a quota, ou bem que é amortizada, ou em que é adquirida pela sociedade, por sócio supérstite ou, enfim, por terceiro.
Não existe, neste caso, um direito sem sujeito ou estado de vinculação de bens ou direitos à espera de um titular. A quota integrará, desde logo, e após a aceitação, expressa ou tácita (art. 2056.º, 1 e 2 do CCiv., dos sucessíveis chamados (art. 2050.º do CCiv.) a herança indivisa. E pode inclusivamente, ser adjudicada na partilha a algum ou alguns dos herdeiros do sócio falecido.”          
[3] Cfr. Raul Ventura, Op. loc. cit. p. 569; Coutinho de Abreu, op. loc. cit, p. 360.
[4] Cfr. Raul Ventura, op. loc. cit. ps. 338 e ss. Coutinho de Abreu, op. loc. cit. p. 339; Remédio Marques, op. loc. cit. ps. 424-425: “Em qualquer destas situações faz-se mister provocar uma deliberação social, de acordo com o estatuído no pacto, não sendo suficiente para gerar a intransmissibilidade a manifestação de vontade, isolada ou conjunta, de sócios supérstite ou a sua oposição à transmissão expressamente dirigida aos sucessores do sócio.”   
[5] Cfr. Coutinho de Abreu, op. loc. cit. p.359.
[6] Quanto à posição do cônjuge meeiro veja-se a posição de Rita Lobo Xavier, citada por Coutinho de Abreu, que advoga que “[uma] cláusula de sociedade que limite a transmissão de quotas por morte tão somente dos sucessores não afectará o cônjuge meeiro a quem seja adjudicada a quota em partilha do património comum – é o que resulta da parte final do n.º 3 do art. 8.º do CSC (não são prejudicados “os direitos que, no caso de morte daquele que figurar como sócio, o cônjuge tenha à participação”)  

[7] Queda transcrito o troço do acórdão recorrido, na parte interessante. “Mesmo que não tenha direito a voto, o herdeiro deve ser considerado nos assuntos que lhe dizem também respeito.

Deliberações nulas são aquelas que violam normas legais ou contratuais subtraídas à disponibilidade dos sócios.

Sendo assim, não sendo convocado para as assembleias que deliberaram sobre a extinção das quotas que também são suas, foi violado um seu direito fundamental, o que determina a nulidade da deliberação emitida naquelas condições.

Trata-se de um vício de procedimento essencial. (art.56º, nº1, a), do Código das Sociedades Comerciais; M. Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, 2ª edição, 2007, Almedina, página 719.)

No sentido desta nulidade, ver acórdãos do STJ, de 16.2.73, processo 064320, de 23.9.97, processo 17A083, em www.dgsi.pt; da Relação de Lisboa, de 15.5.2000, na C.J., ano 2000, tomo 3, página 88.

Com isto não há necessidade de ajuizar sobre as restantes nulidades imputadas às mesmas deliberações.”

[8] Queda transcrito o tramo das alegações em que o demandante elencava a cópia de nulidades/vícios de que enfermariam as decantadas deliberações.

“Estão feridas de vício de nulidade as deliberações em que:

a. Se verifique a falta de convocação dos herdeiros para a reunião da assembleia geral em que é deliberada amortização;

b. Se constate a ausência de poderes do representante da quota do falecido que intervém na deliberação de amortização;

c. Há falta de representação de uma das quotas do capital social por estar indicada como presente quem não era dela titular;

d. Se verifique a falta das menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização nos termos previstas no art. 236º do C.S.C. que visam interesses de ordem pública;

e. Inexistem os efeitos internos e externos da amortização (redução de capital social ou aumento proporcional das quotas dos outros sócios, comunicação aos interessados e registo na Conservatória do Registo Comercial;

f. Se delibere a amortização de uma quota, que assim se extingue, e do mesmo passo a sua aquisição por um sócio, no caso o Recorrido CC.”

[9] Para suficiente esclarecimento queda transcrito o pedido formulado no final das conclusões. ”O acórdão recorrido viola por erro de interpretação e aplicação, o art. 26º., n.ºs 1 e 3 do Cod. Proc, Civil, bem como violou por erro de aplicação da lei o disposto no art. 8.º. do pacto social da ora ré COLÉGIO DE BB LDA. e a norma do art., 225.º, n.ºs 1 e 3 do Cod. das Sociedades Comerciais, nos termos em que tem sido interpretada pela jurisprudência.”  
[10] Queda transcrito o troço das conclusões em que o demandante/recorrido se conforma com a redução da apreciação feita pelo tribunal recorrido. “Irregularidades das deliberações que se enquadram na nulidade prevista no art. 56.º n.º 1 d) do C.S.C. e que o Tribunal Recorrido optou por não apreciar (o sublinhado é nosso) uma vez que, e bem, julgou nulas as deliberações pelo apontado vício de falta de convocação do Recorrido. Não merecendo assim qualquer censura o Douto Acórdão Recorrido, deve o mesmo ser mantido integralmente.”