Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA LIQUIDAÇÃO VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR SINAL PAGAMENTO ANTECIPADO FORMA LEGAL OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA CULPA IN CONTRAHENDO DANO ADJUDICAÇÃO JUROS DE MORA INICIO DA MORA OBRIGAÇÃO FUTURA | ||
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Data do Acordão: | 09/07/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITO EM JULGADO | ||
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Sumário : |
I- A venda por negociação particular, efectuada no âmbito da fase de liquidação do activo de um processo de insolvência, sendo uma modalidade de venda em processo executivo, é levada a cabo sem a participação do tribunal; é feita "nos termos de uma venda privada". II- Tendo sido apresentada e aceite proposta de compra de imóveis apreendidos e efectuado o pagamento de importância correspondente a 10% do preço, as partes estavam de acordo sobre todo o conteúdo negocial – acordo de facto (não qualificável, no caso, como contrato-promessa) cuja validade e eficácia estavam dependentes da formalização exigida por lei. III- Em regra, a entrega de coisa na altura da celebração do contrato não implica a presunção de constituição de sinal; terá antes o significado de antecipar o cumprimento, total ou parcial, salvo se as partes atribuírem à prestação o carácter de sinal (arts. 440º do CC). IV- Mesmo a admitir-se que a quantia entregue tinha a natureza de sinal, não tendo o contrato sido concluído e formalizado e, por isso, inexistindo ou não se tendo constituído a obrigação cujo cumprimento o "sinal" visava garantir, este não poderia subsistir autonomamente; por não poder ser imputado na prestação que seria devida, teria de ser restituído – art. 442.º, n.º 1, do CC. V- Tendo a quantia sido entregue pelo proponente a título de antecipação parcial de cumprimento de uma sua obrigação futura (art. 440.º), não tendo sido concluído o contrato e não se tendo constituído essa obrigação, a imputação do pagamento nessa obrigação deixou de ser possível, pelo que deve ser restituída, com base no enriquecimento sem causa – art. 473.º, n,º 2, parte final, do CC. VI- A recusa posterior, por parte do proponente, em formalizar o contrato, não sendo justificada, poderia ser fonte de responsabilidade civil pré-contratual (art. 227.º do CC); neste caso, porém, os danos indemnizáveis seriam aqueles que se provasse que a parte inocente sofreu com o acto ilícito e culposo da contraparte, não sendo legítimo que, desde logo, se faça corresponder o dano – ainda não identificado ou concretizado – ao montante entregue no momento da proposta de compra. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. PARAÍSO MARGEM, UNIPESSOAL, LDA e TRAÇOS E LIMITES, UNIPESSOAL, LDA instauraram a presente acção declarativa contra MASSA FALIDA DE JOÃO PINHEIRO DE MATOS & FILHOS, LDA.
Pediram a condenação da Ré a restituir, à primeira Autora, os valores por ela já pagos, como primeira tranche do pagamento da adjudicação feita e posteriormente dada sem efeito, da quantia total de € 28.200,00, acrescida de juros de mora, calculados, à taxa legal, a contar da data do pagamento (07/06/2016) e até efectivo e integral reembolso.
Como fundamento, alegaram que a 1ª A. foi proponente nos autos de liquidação da massa insolvente, sendo a 2ª A. cessionária dessa posição, tendo apresentado proposta correspondente à verba nº 1 do “Auto de Apreensão de Bens Imóveis”, pelo montante de € 651,00; e da globalidade das fracções que compõem a alínea C) do anúncio que deu publicidade à venda das mesmas, todas integrantes do denominado “Edifício ...” – Blocos ... –, proposta esta pelo montante global de € 281.349,00. Na sequência da comunicação do AJ de adjudicação das verbas em causa, a proponente procedeu ao pagamento de 10% do valor da adjudicação. Posteriormente, o AJ enviou à 1ª A. certidão judicial para efeitos da liquidação do IMT (Imposto Municipal Sobre Transmissões) e IS (Imposto de Selo). Todavia, no Serviço de Finanças foi a A. informada de que tal liquidação não seria possível, por ser imprescindível que na certidão judicial viessem discriminados os valores que, da proposta de adjudicação global, correspondiam a cada uma das fracções, o que foi solicitado ao AJ. Porém, tal certidão não foi entregue à proponente e, ao invés, o AJ procedeu à marcação das datas das escrituras tendentes à formalização da transmissão definitiva, comunicando-as à proponente. A proponente insistiu pela emissão da referida certidão judicial, com a menção discriminativa dos valores, invocando o AJ dificuldade em se fazer tal discriminação, por ausência de critérios concretos e rigorosos. O AJ enviou depois a nota demonstrativa da liquidação de IMI (na qual constam os valores patrimoniais parcelares de cada uma das fracções) e, no mesmo dia, 2.12.2016, remeteu ao legal representante da proponente um e-mail, anexando uma carta, por meio da qual comunicou que lhe havia, sem sucesso, solicitado a entrega dos comprovativos da liquidação do IMT e IS referentes às faladas aquisições, de forma a agendar a escritura. E alegando terem decorridos cerca de seis meses desde a data em que tal formalização deveria ter acontecido, não tendo a proponente cumprido tal solicitação, imputando-lhe o incumprimento, deu sem efeito as adjudicações já feitas, determinando a perda dos valores já pagos. Por despacho, de 08/02/2017, foi decidido “indeferir o requerido pelo liquidatário judicial no que concerne à declaração da invalidade da venda e retenção da quantia entregue pelo proponente, por falta de fundamento legal”. No seguimento da referida decisão, foi emitida pelo AJ nova certidão judicial com a discriminação dos valores por fracção. Por carta, datada de 09/05/2017, o AJ comunicou às aqui Autoras a data para qual se encontrava agendada a outorga da escritura de transmissão das fracções. O legal representante das Autoras deslocou-se, então, ao Serviço de Finanças de ..., munido da nova certidão, aí tendo solicitado a emissão das notas de liquidação dos correspondentes impostos (IMT e IS), o que, desta feita, conseguiu. Sucede que, em momento prévio ao dessa escritura, foi ao legal representante das Autoras dado conhecimento de que, nesse acto, não lhe seriam entregues, com relação a qualquer das fracções, as licenças de utilização. A necessidade das referidas licenças de utilização prendia-se com o facto de o legal representante das Autoras se encontrar vinculado a, no imediato à outorga das escrituras, ter de formalizar a transmissão dessas fracções a favor de um terceiro, sendo que uma parte da verba necessária para aquela formalização provinha, exactamente, desse terceiro. Assim, no acto da escritura, que não chegou a ser lavrada por falta dos ditos documentos, foi comunicado à senhora Notária, por parte do legal representante da 2ª A., que não poderia ele, em face da necessidade da subsequente escrituração de parte das fracções a favor de outra pessoa, outorgar a escritura. Após esse dia 22 de Maio de 2017 o legal representante da 2ª A. recebeu a carta datada de 24/05/2017, comunicando-lhe a decisão de dar a adjudicação das mencionadas fracções sem efeito, com perda dos montantes já pagos.
A Ré contestou, impugnado os factos trazidos a juízo pelas Autoras e deduziu reconvenção, pedindo que se reconhecesse e declarasse o direito da Ré a fazer seus os valores de € 1.800,00 (sinal de 10% na adjudicação, por € 18.000,00, das fracções “ID” e “IE”), € 28.134,90 (sinal de 10% na adjudicação, por € 281.349,00, dos Blocos B e C); € 65,10 (sinal de 10% na adjudicação, por € 651,00, da fração “AN” da verba nº 1), totalizando € 30.000,00. Pediu ainda que as Autoras fossem declaradas impedidas de apresentar novas propostas ou licitações no âmbito dos autos de falência identificados.
Percorrida a tramitação normal foi proferida sentença com este dispositivo: “…, julga o Tribunal a presente acção totalmente improcedente, julgando procedente o pedido reconvencional entretanto deduzido e, termos em que decide: i) absolver a ré Massa Falida de João Pinheiro de Matos & Filhos, Ld.ª do pedido contra si deduzido; ii) reconhecer e declarar o direito da ré Massa Falida de João Pinheiro de Matos & Filhos, Ld.ª a fazer seus os valores os valores unitários de € 1.800,00 ao sinal de 10% na adjudicação, por € 18.000,00, das fracções “ID” e “IE”, € 28.134,90 ao sinal de 10% na adjudicação, por € 281.349,00, dos Blocos B e C, € 65,10 ao sinal de 10% na adjudicação, por € 651,00, da fracção “AN” da verba nº 1, totalizando € 30.000,00; bem como reconhecer e declarar que as autoras Paraíso Margem, Unipessoal, Ld.ª e Traços e Limites, Unipessoal, Ld.ª estão impedidas de apresentar novas propostas ou licitações no âmbito dos autos de falência de que os presentes constituem apenso. Improcedente será, ademais, o incidente de litigância de má-fé suscitado nos autos contra as Autoras.”
Discordando, as autoras interpuseram recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a sentença recorrida, condenando a ré a restituir à 1.ª autora a quantia global de 28.200,00€, com juros de mora à taxa legal desde 23 de Maio de 2017, e absolvendo as autoras do pedido reconvencional.
Inconformada, a ré vem pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. (…) 2. In casu, a questão essencial a resolver é unicamente uma questão de direito que se subsume em saber se o facto de não terem sido outorgadas as escrituras públicas de compra e venda das fracções adjudicadas à Autora, “Paraíso margem, Unipessoal, Lda.”, cuja posição contratual veio posteriormente a ser cedida por esta à Autora “Traços e Limites, Unipessoal, Lda.”, dá a esta 2ª Autora, o direito à restituição do valores antecipadamente entregues, a título de caução, ao Sr. Administrador Judicial da Ré, Massa Falida ou, ao invés, se a esta assiste o direito de fazer seus tais valores entregues, como doutamente decidido em 1ª instância. 3. Entendeu o Tribunal recorrido que, no caso em apreço, se estava no domínio a venda por negociação particular e que, nesse âmbito, não ocorreu qualquer vinculação na contratação e as partes nada convencionaram acerca das consequências da não celebração do contrato, razão por que, as quantias entregues pelo proponente, a 1ª Autora, ao Liquidatário Judicial não constituem um sinal e com a função de determinar antecipadamente o quantum indemnizatório do incumprimento da obrigação, considerando antes, ter-se traduzido numa mera antecipação do pagamento parcial do preço, conforme o disposto no artigo 440.º do Código Civil e mais considerando que, a Recorrente- reconvinte- não alegou ou provou sequer, o dano, susceptível de ser indemnizado. 4. Dos factos provados, designadamente pelos documentos juntos aos autos, que constam da douta sentença judicial de 1ª Instância, resultou comprovado e provado que, ambas as Autores, representadas sempre pela mesma pessoa, tentaram “utilizar” os presentes autos de falência a seu bel-prazer, para sanar problemas do passado da empresa falida com promitentes-compradores, com quem aquela havia celebrado negócios, sem nunca os ter cumprido. 5. As Autoras, representadas pela mesmíssima pessoa, ao longo de cerca de 3 anos, andaram a “arranjar” subterfúgios, a prejudicar a venda do activo da Massa Falida, e a prejudicar esta e seus credores, obstaculizando a celebração das escrituras públicas, por diversas vezes agendadas, ora invocando injustificados problemas fiscais para a liquidação e pagamento de impostos necessários para escriturar, ora pretendendo a transmissão da posição contratual, por via da cedência, o que lhes foi autorizado pelo Tribunal, depois pretendendo a obtenção de licenças de utilização/ocupação, bem sabendo e conhecendo da sua desnecessidade em processos falimentares, sendo aquela obtenção uma obrigação do adquirente e não da Massa Falida ou do Liquidatário Judicial. 6. A modalidade de venda por negociação particular de bens da Massa Falida, sendo uma modalidade de venda em processo judicial executivo, efectua-se sem a participação do tribunal, não se lhe aplicando genericamente o disposto para a venda judicial mediante propostas em carta fechada, designadamente o que respeita à prestação de caução pelos proponentes e depósito do preço. 7. Sendo aplicável o regime específico do contrato de compra e venda e as regras gerais que regem os negócios jurídicos. 8. Todavia, contrariamente ao vertido no douto Acórdão recorrido, e disso transparece da sua simples leitura, não estamos no domínio de um mero acordo informal sobre a realização da venda, que não gera responsabilidade para o interessado/proponente/adquirente faltoso. 9. Isto porque, quando o liquidatário judicial acorda com um interessado a compra de imóvel integrante da massa falida, designando-se um momento posterior para a formalização de acordo com as exigências legais ou convencionadas, não revestindo esse acordo a forma de contrato-promessa, deve o mesmo ser encarado como uma etapa avançada, última e conclusiva das negociações preparatórias de um contrato. 10. As partes acordam previamente e de forma informal quanto aos termos do contrato, designando um momento posterior para a sua formalização de acordo com as exigências legais ou convencionadas, como foi o caso presente. 11. Está-se perante um contrato de compra e venda de bem imóvel, o mesmo exigia a sua celebração por escritura pública ou documento particular autenticado – art.º 875º do C. Civil –, pelo que após terem acordado na sua celebração e nos termos da mesma, foi marcada uma data para a sua formalização. 12. Ou seja, obtido, “de facto”, o acordo final, apenas resta outorgar o contrato de compra e venda segundo a forma exigível, pelo que uma desistência unilateral e injustificada após esse momento e antes da celebração formal do contrato fará incorrer o desistente em responsabilidade pré-contratual. 13. Pelo que, tendo o interessado procedido ao pagamento de 10% do preço acordado no momento em que ocorreu o acordo informal sobre a realização da venda, deve presumir-se que a quantia entregue tem carácter de sinal, pelo que a desistência unilateral e injustificada por parte daquele tem como consequência a perda do sinal a favor da massa falida. 14. As condutas adoptadas pelas Autores, foi sempre de recusa sistemática, infundada e injustificada, na outorga das escrituras públicas, por diversas vezes e em momentos distintos agendadas pelo Sr. Liquidatário Judicial e, nessa medida, não pode deixar de considerar-se que as mesmas, incorreram em responsabilidade pré-contratual, uma vez que injustificadamente frustraram a confiança que haviam criado na formalização do contrato de compra e venda ao acordar “de facto” os seus termos com o Liquidatário Judicial. 15. O art.º 227º do C. Civil dispõe que, quem infringe as regras da boa-fé na formação do contrato, aqui se podendo compreender os casos de ruptura injustificada do processo negocial, deve responder pelos danos causados culposamente à outra parte. 16. Após ter sido aceite pelo Liquidatário Judicial a proposta de compra efectuada pelas Autores, ou melhor a 1ª Autora, que depois veio a ceder a sua posição contratual à 2ª Autora, aquela procedeu ao pagamento de 10% do preço acordado. 17. O art.º 440º do C. Civil prevê que, se no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que ficar adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal. 18. Já o art.º 441º do mesmo diploma, em sentido contrário, determina que, no contrato-promessa de compra e venda, se presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. 19. Também nos casos, em que há uma entrega, no termo das negociações preparatórias de um contrato de compra e venda de um imóvel, de uma quantia pelo interessado comprador ao interessado vendedor, sem que tenha sido outorgado contrato-promessa, ainda que tal entrega também possa funcionar como antecipação ou princípio de pagamento do preço, dado que se tem em vista um contrato futuro, deve presumir-se que ela reveste um carácter de sinal. 20. Atendendo às regras da experiência, a entrega de uma quantia no termo dessas negociações por aquele que pretende comprar àquele que pretende vender, e enquanto se aguarda o momento da formalização do negócio acordado, só pode ter a função de demonstrar a seriedade da negociação concluída e garantir que a formalização do negócio acordado “de facto” será efectivada. 21. Daí que, salvo prova em contrário, nestas situações, tal como ocorre quando como no contrato-promessa é entregue uma quantia ao promitente vendedor pelo promitente-comprador, deve presumir-se que a quantia entregue por aquele que pretende comprar ao que pretende vender tem a natureza de sinal. 22. Pelo que se entende que a quantia entregue pela 1ª Autora ao Liquidatário Judicial deve ser considerada como tendo a natureza de sinal para os efeitos previstos no art.º 442º do C. Civil. 23. Mesmo que possa suscitar-se dúvidas que, nestas situações, se tenha constituído uma obrigação de formalização do contrato, tendo a entrega da referida quantia pela 1ª Autora ao Liquidatário Judicial visado garantir essa formalização, a qual as Autores inviabilizaram injustificadamente o acto de outorga, devem, em nosso entender, aplicar-se as consequências legalmente previstas para o incumprimento da obrigação garantida pelo sinal, uma vez que, tendo as Autores incorrido em responsabilidade in contrahendo, o que a constituiu na obrigação de indemnizar a contraparte negocial dos prejuízos causados, a prestação do sinal teve a função de determinar antecipadamente o montante dessa indemnização. 24. Assim, contrariamente ao doutamente decidido, se entende que, assistia ao Sr. Liquidatário Judicial o direito de fazer da massa falida a quantia entregue pela 1ª Autora, e, como tal, se revelaria correcta a decisão de indeferir o pedido de restituição dessa quantia formulado pela 1ª Autora, como aliás foi doutamente decidido em 1ª Instância. 25. Em face do que a outra conclusão não poderíamos chegar que não fosse a de pugnar pela revogação do douto Acórdão recorrida, substituindo-o por outro que, julgando procedente por provado o pedido reconvencional deduzido, declare e reconheça o direito de fazer da Massa Falida as quantias entregues pela 1ª Autora, no valor de 28.200,00 €. SEM CONCEDER, e por mero raciocínio hipotético, caso este douto Tribunal não sufragar o entendimento acabado de verter, 26. sempre se dirá que, nunca a recorrente, Massa Falida pode ser condenada a pagar juros moratórios, acrescidos à quantia entregue pela 1ª Autora, nos moldes em que foi condenada a fazê-lo, como resulta do souto Acórdão recorrido. 27. Isto porque, se o douto Acórdão enfatizou que, no caso em apreço, não ocorreu qualquer vinculação negocial entre as partes e as mesmas não convencionaram consequências da não celebração do contrato e que as quantias entregues pela 1ª Autora, mais não são que uma mera antecipação do pagamento parcial do preço, remetendo para o art.º 440.º do Cód. Civil, também não é menos certo que, seguindo este entendimento, também as partes não convencionaram as consequências da não devolução ou restituição daquelas quantias pela recorrente Massa Falida. 28. Lançando mão do dito princípio da liberdade contratual (art.405.º do Cód. Civil) e das regras da interpretação da declaração negocial (arts. 236.º e segs. Daquele diploma), a que remete o douto Acórdão recorrido, tem-se por correcta a interpretação que, mesmo comprovada a “retenção” pela Massa Falida das quantias entregues pela 1ª Autora, não há lugar à aplicação de qualquer regime sancionatório, tendo a recorrente, no limiar, de restituir àquela a quantia entregue, em singelo e nunca os juros moratórios, menos ainda, a contabilizar desde 23.05.2017. 29. Portanto, seguindo o raciocínio do douto Acórdão recorrido, pelo alegado princípio da liberdade contratual, as partes podiam ter fixado o regime decorrente da mora no cumprimento, quer por banda da recorrente, quer por banda das Autora, o que não ocorreu. 30. E, se essa liberdade contratual é válida para as Autores, tendo nessa base decido o douto Acórdão, não menos verdade é que, aquela mesma liberdade contratual também é válida para a recorrente. 31. Pelo que, quando muito, a conceder-se, o que se faz por mero raciocino hipotético, à devolução à 1ª, das quantias por esta entregues à recorrente, as mesmas teriam de ser em singelo, e nunca acrescidas de juros moratórios. 32. O douto Acórdão recorrido opera uma errada interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 227.º, 440.º, 441.º, 442º, 473.º, n.º 2, todos do Código Civil, 832.º e 833.º do Cód. Proc. Civil. Termos em que se requer se conceda provimento ao presente recurso de revista e, consequentemente, se revogue o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, julgando improcedente o recurso de apelação interposto pelas autoras e procedente o pedido reconvencional deduzido, declare e reconheça o direito de fazer da massa falida as quantias entregues pela 1ª autora, no valor de 28.200,00€, tudo nos termos expostos no presente, recurso.
As autoras contra-alegaram, tendo concluído pela improcedência do recurso. Cumpre decidir.
II.
Questões a resolver:
Discute-se no recurso: - Se as quantias entregues ao Administrador Judicial, correspondentes a 10% do valor da adjudicação, constituem um “sinal”, como se entendeu na 1ª instância, ou "mera antecipação do pagamento parcial do preço", como se entendeu no Acórdão recorrido", e se devem ser restituídas; - Neste caso, se são devidos juros moratórios.
III.
Estão provados os seguintes factos: 1. Nos autos de liquidação por apenso à acção de falência com o nº 285/04.3TBVLN, que actualmente corre termos por este Juízo Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de ..., a 1ª Autora apresentou uma proposta tendente à aquisição onerosa de bens integrantes da massa insolvente e, concretamente, da fracção correspondente à verba nº 1 do “Auto de Apreensão de Bens Imóveis”, pelo montante de € 651,00, e da globalidade das fracções que compõem a alínea C) do anúncio que deu publicidade à venda das mesmas, todas integrantes do denominado “Edifício ...” – Bloco … –, proposta esta pelo montante global de € 281.349,00, verbas essas que constituem os denominados “Lote 1”, “Lote 2”, “Lote 3” e “Lote 4”, da venda, por negociação particular, que teve lugar no pretérito dia 11/10/2017. 2. Por carta datada de 11.05.2016, remetida pelo senhor Administrador Judicial à 1.ª Autora, comunicou aquele a adjudicação das verbas em causa, solicitando a remessa de um cheque titulando o valor correspondente a 10% do valor da adjudicação, emitido à ordem da “Massa Insolvente de João Pinheiro de Matos & Filho, Lda.”. 3. Dos pagamentos efectivados foram emitidos e entregues à proponente, ora 1ª A., os recibos respectivos, nos valores parcelares de € 65,10 e de 28.134,90. 4. Por carta datada de 12.07.2016, o senhor Administrador Judicial comunicou à 1ª Autora que procedia ao envio da certidão judicial, extraída dos autos de insolvência, para efeitos da liquidação do Imposto Municipal Sobre Transmissões e Imposto de Selo, correspondendo aos documentos juntos sob os n.ºs 5 e 6 anexos ao articulado inicial, que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos. 5. Na posse da certidão judicial em referência, o legal representante da 1.ª Autora deslocou-se ao Serviço de Finanças de ... com vista à liquidação dos referidos impostos (Imposto Municipal Sobre Transmissões e Imposto do Selo). 6. O referido Serviço de Finanças comunicou ao legal representante da 1.ª Autora a necessidade de a certidão judicial apresentada se fazer acompanhar de documento anexo que discriminasse o valor da adjudicação relativamente a cada uma das fracções autónomas em referência, designadamente considerando que o cálculo dos impostos a incidir sobre cada uma variava consoante se destinasse a habitação ou a comércio, serviços ou aparcamento automóvel. 7. Tal facto foi transmitido ao senhor Administrador Judicial, na mesma altura tendo-lhe o legal representante da 1.ª Autora solicitado que lhe fosse facultada a senha de acesso ao Portal das Finanças, com vista a verificar os valores patrimoniais actuais das fracções em sujeito e, a partir daqueles, por uma regra de três simples, elaborar mapa que discriminasse os valores da adjudicação correspondentes. 8. A senha de acesso foi então transmitida àquele legal representante, por mensagem de correio electrónico datada de 04.08.2016. 9. Em resposta, por mensagem de correio electrónico de 05.08.2016, veio aquele legal representante informar não ter conseguido obter as guias para pagamento dos impostos referentes à aquisição das fracções por escriturar, pelo facto de “…se tratar de cerca de 70 fracções, bem como, o facto do valor patrimonial mencionado no auto de apreensão anexo à certidão, não coincidir com os valores patrimoniais que constam actualmente na matriz… tentaremos a partir da próxima segunda-feira solicitar por escrito à repartição das finanças que sejam considerados os valores patrimoniais constantes na matriz para efeitos de liquidação dos respectivos impostos, sendo que essa decisão caberá apenas ao chefe da repartição…informamos que mesmo ultrapassado este obstáculo, foi-nos dito na repartição que as mesmas guias para pagamento não serão emitidas no mesmo dia, visto serem várias fracções…como tal, informaremos no decorrer da próxima semana uma data aproximada da receção das guias para pagamento e só após daremos a data para a marcação da respectiva escritura…”. 10. Por mensagem de correio electrónico de 05.09.2016 foi a 1.ª Autora interpelada pelo Senhor Administrador Judicial no sentido de informar sobre a obtenção dos comprovativos do pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis e Imposto de Selo, com vista à marcação das escrituras públicas de compra e venda. 11. Por mensagem de 21.09.2016 o indicado legal representante da 1.ª Autora informou: “… peço o favor de aguardar até esta próxima sexta-feira de forma a concluir todo este processo, expliquei ao Sr. Dr. que a minha funcionária se encontra de ate a próxima segunda-feira e uma vez que se trata de um processo bastante complexo gostaria que fosse ela a acabar de o esclarecer… aproveito desde já para lhe enviar em anexo os respectivos valores patrimoniais actualizados na matricial das fracções adjudicadas, valores esses que passarão a constar nas guias de liquidação de IMT e IS… segunda feira dia 25/09/2016 estarei na repartição de finanças para ver se devido a essas actualizações podem ser emitidas as respectivas guias ou se caso contrário teremos de solicitar nova certidão com os valores actualizados, e esse momento aproveitaremos para mencionar a referida identificação do comprador…”. 12. Nessa altura, o senhor Administrador Judicial disponibilizou-se junto do legal representante da 1.ª Autora para o acompanhar ao Serviço de Finanças por forma a agilizar a obtenção das guias de pagamento, ao que aquele respondeu não ter necessidade. 13. O senhor Administrador contactou entretanto o indicado Serviço de Finanças, tendo apurado a desnecessidade de ter em conta os valores patrimoniais actualizados para efeitos de liquidação de impostos, concluindo assim pela desconformidade nas informações que lhe vinham sido prestadas pelo legal representante da 1.ª Autora. 14. Em resultado do que, por carta registada datada de 02.12.2016, comunicou o senhor Administrador Judicial à 1.ª Autora que a adjudicação tinha ficado sem efeito, com perda do valor entretanto entregue. 15. Aos 05.12.2016, o legal representante da 1.ª Autora deslocou-se ao escritório do Senhor Administrador Judicial, comunicando-lhe, na altura, que nesse mesmo dia tinha estado no Serviços de Finanças e que lhe fora dito não ser possível a emissão das guias para pagamento dos impostos com base apenas na certidão judicial que lhe havia sido entregue para o efeito 16. Entretanto, por carta registada datada de 05.12.2016, o legal representante da 1.ª Autora, além do mais, comunicou ao senhor Administrador Judicial que “(…) na Certidão Judicial existem diversas incompatibilidades para que as guias sejam emitidas (…) nenhum dos valores patrimoniais está correcto (…) para além de ser completamente impossível tal certidão servir de instrumento para solicitação do pagamento das referidas guias porque nela consta apenas o valor total da adjudicação (…) em cada verba terá de constar o valor pela qual foi adjudicada sendo que a soma de todas elas não poderá ultrapassar o valor da adjudicação.” 17. Em resposta à predita comunicação, veio o senhor Administrador Judicial remeter carta registada com AR datada de 12.12.2016, dirigida à 1.ª Autora, mantendo a decisão previamente tomada, mais esclarecendo que “a certidão judicial enviada para V. Exas. Não padece de qualquer incompatibilidade para a emissão de guias para liquidação das obrigações fiscais necessárias à outorga da escritura”, que “a divergência de valores patrimoniais dos prédios é totalmente irrelevante, para efeitos de promover a liquidação do IMT e do IS, dado que estes impostos, em sede de processos de falência/insolvência, são liquidados pelo valor da adjudicação.” 18. Ainda nos termos da resposta em sujeito, é exposto “no que concerne à necessidade do valor de adjudicação ter de ser proporcionalmente repartido pelas fracções a escriturar, de forma a ser atribuído um valor a cada uma, aceita-se e concorda-se que assim seja e, por tal razão, foi elaborado um documento que reflectia isso mesmo e entregue a V. Exas.”, o qual se reportava ao mapa entretanto junto a fls. 807/808 do apenso de liquidação do activo, que aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. 19. Na sequência de requerimento apresentando nos autos de Falência pela 1.ª Autora aos 20.12.2016, veio a ser proferido, aos 05.01.2017, despacho nos termos dos quais foi determinado “que se notifique o A.I. para, em 15 dias, proceder nos termos que foram requeridos – i.é, pela obtenção da certidão nos moldes necessários a que seja efectuada a liquidação de IMT e IS e a sua entrega à requerente – ou, nesse mesmo prazo, vir justificar a sua omissão”. 20. O referido despacho foi, entretanto, renovado por decisão proferida aos 08.02.2017, na sequência de resposta remetida pelo senhor Administrador Judicial. 21. Por requerimento, datado de 21.02.2017, veio o senhor Administrador Judicial dar conta da remessa à 1.ª Autora da certidão judicial datada de 08.07.2016 anexa à qual seguia declaração, datada de 21.02.2017, pelo mesmo elaborada que reflectia o valor atribuído a cada uma das fracções em resultado da adjudicação operada nos autos, a qual reproduzia o mapa entretanto junto a fls.807/808 do apenso de liquidação do activo, dando-se aquela aqui igualmente por reproduzida para os devidos e legais efeitos. 22. Naquela data, foi dado conhecimento ainda pelo senhor Administrador Judicial que se encontrava agendada a escritura referente às fracções constantes das verbas n.ºs 112 e 113 do auto de apreensão para o dia 24.02.2017, pelas 14:30horas, no Cartório da Notária Lic.ª AA, sita na Rua ..., n.º 00/00, em .... 23. Com a mesma data de 21.02.2017, foi, por comunicação remetida pelo senhor Administrador, informada a 1.ª Autora de que se encontrava agendada a escritura das demais fracções que lhe haviam sido adjudicadas para o dia 03.03.2017, pelas 14:30 horas, no Cartório da Notária Lic.ª AA, sita na Rua ..., n.º 00/00, em .... 24. Por comunicação datada de 23.02.2017, remetida à 1.ª Autora, veio a ser remetida nova declaração nos termos supra referidos, corrigindo lapsos que a primeira apresentava. 25. Com a data de 23.02.2017, o legal representante da 1.ª Autora remeteu e-mail dirigido ao senhor Administrador Judicial e por este recepcionado pelas 17:05horas, comunicando-lhe que a escritura agendada para o dia seguinte seria celebrada pela 2.ª Autora, que havia outorgado procuração ao mesmo para o efeito, cedendo-lhe assim a respectiva posição contratual (de adjudicante e adquirente). 26. A escritura agendada para o dia 24.02.2017 não veio a ser celebrada, tendo sido lavrada a correspondente certidão negativa, na qual foram reflectidas as posições assumidas pelo senhor Administrador Judicial e pelo legal representante da 1.ª Autora. 27. Por requerimento entrado em juízo aos 27.02.2017, o senhor Administrador Judicial deu nota que a pretérita escritura pública não se realizara, juntando a certidão negativa lavrada pela Sra. Notária, a certidão permanente da 2.ª Autora e procuração outorgada por esta em favor do então legal representante da 1.ªAutora. 28. Nesse mesmo requerimento, o senhor Administrador Judicial manifestou não vislumbrar objecções a que transmissão a favor da 2.ª Autora se consumasse, mas que, todavia, seria necessário obter pronúncia da Comissão de Credores, cuja notificação promoveu para o efeito. 29. Ainda, por esse requerimento, e para efeitos de reagendamento da indicada outorga da escritura pública, desta feita com a 2.ª Autora, o senhor Administrador Judicial requereu, com carácter urgente a emissão de certidão judicial complementar à que já tinha sido emitida, de forma a que constasse daquela que a 1.ª Autora cedeu a sua posição contratual à 2.ª Autora, nome de quem seria celebrada a identificada escritura pública ou, caso assim o Tribunal não entendesse, emitisse nova certidão, da qual constasse a indicada cedência. 30. No mesmo dia 27.02.2017, por correio electrónico dirigido ao senhor Administrador Judicial, a 1.ª Autora comunicou que também pretendia operar a transmissão da sua posição contratual em favor da 2.ª Autora, para a outorgadas escrituras que se encontravam agendadas para o indicado dia 03.03.2017. 31. De imediato o senhor Administrador Judicial comunicou tal pretensão ao Tribunal, manifestando, mais uma vez, não ver objecções a tal transmissão, mas promovendo a notificação da Comissão de Credores para se pronunciar, e, consequentemente, requerendo a emissão de certidão complementar ou nova certidão, nos moldes em que já tinha requerido para a outorga das escrituras públicas em nome da 2.ª Autora 32. Entretanto, o senhor Administrador Judicial deu sem efeito a data agendada de 03.03.2017, protelando-a por mais 8 (oito) dias, em virtude do indicado legal representante da 1.ª Autora o ter informado da impossibilidade do Serviço de Finanças emitir em nome da 2.ª Autora um volume tão grande de liquidações de IMT e IS, no total, 138 guias para as 69 fracções dos Blocos …, assim como, a guia de IMT e IS, relativa à fracção “AN”, até àquela data, facto que aquele confirmou junto daquele Serviço, e que também trouxe ao conhecimento dos autos de falência no requerimento supra mencionado. 33. Na sequência dos requerimentos em causa, veio a ser proferido, aos 06.03.2017, despacho nos termos dos quais se concluiu que “não resulta devidamente comprovada nos autos a alegada cessação da posição contratual e, sendo assim, o tribunal está impedido de certificar esse facto”. 34. Em face do despacho em referência, o senhor Administrador Judicial requereu ao Tribunal, aos 14.03.2017, que “se digne mandar suspender a emissão das certidões requeridas, em virtude de ter sido solicitado à proponente “Paraíso margem, Unipessoal, Ld.ª”, para vir comprovar nos autos a cedência de posição a favor da sociedade “Traços & Limites, Unipessoal, Ld.ª”, de forma a que as certidões narrativas requeridas possam ser emitidas com a menção da indicada cedência”. 35. Aos 17.03.2017, a ora 1.ª Autora deu entrada em Juízo de declaração subscrita entre si e a ora 2.ª Autora, com reconhecimento das assinaturas ali apostas, que atestava a cedência de posição contratual em sujeito, declaração essa datada de 16.03.2017. 36. A cedência de posição contratual referida veio a ser aceite pelo Tribunal, por despacho datado de 03.04.2017, ordenando-se a emissão de certidão em conformidade. 37. Com as datas de 04.05.2017 e 09.05.2017, por cartas registas com AR remetidas pelo senhor Administrador, foi informada a 2.ª Autora de que se encontravam agendadas as escrituras das fracções em causa para o dia 22.05.2017, pelas 14:30 horas, no Cartório da Notária Lic.ª AA, sita na Rua ..., n.º 00/00, em .... 38. Entretanto, munido da certidão judicial em referência, o legal representante da 1.ª Autora e procurador da 2.ª Autora obteve junto do Serviço de Finanças de ... as notas de liquidação de imposto correspondentes, que lhe foram entregues aos 19.05.2017. 39.Com a mesma data de 19.05.2019, o legal representante da 1.ª Autora e então procurador da 2.ª Autora enviou mensagem de correio electrónico dirigida à Sr.ª Notária, Lic.ª AA, solicitando informação sobre se, com relação às fracções correspondentes às letras “ID”, “IE”, “AN”, “BD”, “DF”, “DG”,“DH”, “DI”, “FT” e “FU”, seriam entregues, no acto das respectivas escrituras, as correspondentes licenças de ocupação/utilização e certificados energéticos. 40. Em resposta, a Sr.ª Notária enviou e-mail datado de 22.05.2017, informando não estar na posse dos referidos documentos. 41. As escrituras agendadas para o dia 22.05.2017 não vieram a ser celebradas, tendo sido lavradas as correspondentes certidões negativas, na qual foram reflectidas as posições assumidas pelo senhor Administrador Judicial e pelo então procurador da 2.ª Autora, tendo este último declarado que “não vai outorgar, na referida qualidade de procurador, a mencionada escritura pública de compra e venda, por falta de licença de utilização e de certificados energéticos das fracções autónomas dadas como acabadas, visto que sem esses documentos não será possível à «Traços & Limites, Unipessoal, Ld.ª» fazer a revenda dessas mesmas fracções”. 42. Por requerimento entrado em juízo aos 23.05.2017, o senhor Administrador Judicial deu nota que as pretéritas escrituras públicas não se realizaram, juntando as certidões negativas lavradas pela Sra. Notária. 43. Por carta registada com AR, datada de 24.05.2017, o senhor Administrador Judicial comunicou à 2.ª Autora que, na sequência da recusa na outorga das escrituras públicas entretanto agendadas, a adjudicação operada ficava sem efeito, com perda do correspondente sinal/caução, bem como a impossibilidade de apresentação de novas propostas nos respectivos autos. 44. A decisão do senhor Administrador Judicial foi precedida de deliberação da Comissão de Credores, nos termos constantes da acta junta a fls. 1082/1083 dos autos de insolvência, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos. 45. As Autoras reclamaram, por requerimento apresentado aos 09.06.2017, da decisão do senhor Administrador Judicial, pedindo ao Tribunal que ordenasse àquele a obtenção dos documentos necessários à escrituração das fracções que no anúncio de venda constam como acabadas (…), ou, em alternativa, a escrituração das fracções que identifica no ponto 34º da respectiva exposição a favor da sociedade “Enseada Tropical, Unipessoal, Ld.ª”, referindo que uma parte da verba necessária para pagar à massa insolvente para formalização da transmissão provinha precisamente daquela sociedade, facto que afirmam seria desde sempre do conhecimento do senhor Administrador Judicial. 46. Por despacho datado de 14.07.2017, o Tribunal decidiu pela improcedência da pretensão apresentada pelas ora Autoras, designadamente considerando que “não cabe na competência jurisdicional apreciar a regularidade dos actos praticados pelo administrador, sobretudo quando os mesmos foram chancelados pela deliberação da comissão de credores”. 47. O legal representante da 1.ª Autora e procurador da 2.ª Autora actuou na qualidade de procurador do então gerente “João Pinheiro de Matos & Filhos, Lda.”, até à data da respectiva declaração de falência, como tal tendo conhecimento do estado em que as fracções se encontravam no momento em quer foram apreendidas para a massa insolvente.
IV.
1. Segundo a recorrente, nos casos, em que há uma entrega, no termo das negociações preparatórias de um contrato de compra e venda de um imóvel, de uma quantia pelo interessado comprador ao interessado vendedor, sem que tenha sido outorgado contrato-promessa, ainda que tal entrega também possa funcionar como antecipação ou princípio de pagamento do preço, dado que se tem em vista um contrato futuro, deve presumir-se que ela reveste um carácter de sinal. Vejamos.
A relação estabelecida entre a 1ª autora e a ré resultou da adjudicação àquela das verbas identificadas nos autos, no âmbito da liquidação do activo da insolvência de João Pinheiro de Matos & Filho, Lda. Com efeito, a 1ª Autora apresentou uma proposta de compra de bens integrantes da massa insolvente, tendo-lhe sido adjudicadas as verbas em causa, vindo aquela, por solicitação do AJ, a pagar quantia correspondente a 10% do valor da adjudicação.
Está em causa uma venda por negociação particular, modalidade de venda do processo executivo (art. 811º do CPC) que é levada a cabo sem a participação do tribunal. A venda, nos referidos termos, é “uma venda privada", sendo-lhe aplicável o regime específico da compra e venda e as regras gerais dos negócios jurídicos. Tratando-se da venda de imóveis, a sua formalização deveria obedecer ao que dispõe o art. 875º do CC; no caso dos autos a formalização seria por escritura publica.
O art. 440º do CC, sob a epígrafe “Antecipação do cumprimento” dispõe o seguinte: “Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.”
Por sua vez, o art. 441º dispõe: “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”
Do confronto entre as transcritas normas, retira-se que enquanto a antecipação do cumprimento só pode incidir sobre coisa que, no todo ou em parte, coincida com a prestação devida, já o sinal, além de poder recair sobre coisa coincidente com a prestação devida, também pode ter por objecto coisa completamente diferente dela.
Como refere Galvão Teles (Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., págs. 217 e 218), “… só pode falar-se com propriedade de antecipação de cumprimento quando se cumpre uma obrigação futura. Antecipação de cumprimento apenas existirá se se satisfizer, no todo ou em parte, obrigação ainda não constituída. É o caso típico da promessa de compra e venda acompanhada ou seguida do pagamento, no todo ou em parte, do preço, cuja dívida apenas surgirá no momento futuro em que a compra e venda venha a ser celebrada. O preço é então objecto de princípio de pagamento (ou pagamento por conta) se o pagamento for parcial. O sinal é algo diferente. Tanto pode figurar num contrato preliminar como num contrato definitivo. Envolve, por via de regra, o pagamento total ou parcial de dívida presente ou futura; mas também poderá consistir na entrega de coisa (fungível) diversa da que é objecto da obrigação a contrair. E desempenha uma função específica, equivalente à clausula penal (compensatória), qual seja a de constituir a prefixação convencional da indemnização a satisfazer, pela parte que deixe de cumprir (definitivamente) o contrato à outra, caso esta resolva o contrato com base na falta de cumprimento. (…) É de notar que o pagamento ou princípio de pagamento da prestação actual ou futura só assume a natureza de sinal se as partes lho atribuírem (art. 440º)".
No caso dos autos, tendo sido encetada a venda por negociação particular dos imóveis em causa, foi apresentada proposta de compra pela 1ª recorrida, que foi aceite, tendo esta procedido ao pagamento de 10% do preço total oferecido, tal como lhe fora exigido. Pode assim afirmar-se que as partes estavam de acordo sobre todo o conteúdo negocial; acordo de facto que representava o consenso material completo sobre aquele conteúdo, mas cuja validade e eficácia estava dependente de formalização (citado art. 875º).
Estavam, desse modo, determinados os elementos essenciais do contrato que iria ser celebrado, estando já alcançado o acordo final, sem haver necessidade de outras negociações. Esse acordo envolvia, naturalmente, um compromisso de ambas as partes na celebração do contrato definitivo de compra e venda e, nesta medida, poderia ser configurado como um contrato-promessa. No caso, porém, essa qualificação não é possível, desde logo, por insuficiência formal, uma vez que se tratou de um acordo informal, não "reduzido" a escrito, não constando de documento subscrito por ambas as partes (art. 410º, nº 2 do CC). Assim, não há fundamento para presumir que a entrega efectuada pela autora tem a natureza de sinal (art. 441º), nem ficou demonstrado que as partes quiseram atribuir essa natureza a tal entrega (art. 440º).
Por outro lado, como se afirmou no Acórdão do STJ de 03.11.2015 (Proc. 784/03, acessível em www.dgsi.pt, com o mesmo relator e 2º Adjunto deste), o sinal constitui cláusula acessória do negócio jurídico a que acede; uma cláusula de "garantia" da obrigação da parte que o entrega. A lei supõe que do contrato, em que o sinal foi constituído, decorrem obrigações para ambas as partes, funcionando o sinal também como fixação das consequências do incumprimento de qualquer dessas obrigações. O sinal pressupõe, portanto, a validade das obrigações que garante e não pode subsistir autonomamente a essas obrigações de que depende (cfr. Ana Prata, O Contrato-promessa e o seu Regime Civil, 759 e 807; Acórdão do STJ de 08.04.2008, em www.dgsi.pt).
Assim, mesmo que a quantia entregue pela autora pudesse ser qualificada como "sinal", o certo é que o contrato acabou por não ser concluído e formalizado, pelo que, inexistindo ou não se tendo constituído a obrigação cujo cumprimento o "sinal" visava garantir, este não poderia subsistir autonomamente. Por não poder ser imputado na prestação que seria devida, teria de ser restituído – art. 442º nº 1 do CC.
A solução não é diferente se se considerar – como entendemos que deve ser considerado – que a quantia foi entregue pela autora a título de antecipação parcial de cumprimento de uma sua obrigação futura (art. 440º). Não tendo sido concluído o contrato e não se tendo constituído essa obrigação, a imputação do pagamento nessa obrigação deixou de ser possível. No fundo, a quantia entregue pela autora e recebida pela AJ visaria antecipar o cumprimento parcial de obrigação que não chegou a constituir-se – um efeito, portanto, que não se verificou – devendo ser restituída, com base no enriquecimento sem causa – art. 473º, nº 2, parte final, do CC (Cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 11ª ed., 208).
A recorrente defende ainda que “as condutas adoptadas pelas Autoras, foi sempre de recusa sistemática, infundada e injustificada, (…) pelo que não pode deixar de considerar-se que, as mesmas, incorreram em responsabilidade pré-contratual, uma vez que injustificadamente frustraram a confiança que haviam criado na formalização do contrato de compra e venda".
Dispõe o nº 1, do art. 227º do CC, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Entende-se que nas fases anteriores à celebração do contrato (negociatória e decisória) o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos princípios da lealdade e da probidade. "Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a fundada confiança de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à futura celebração" (cfr. Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 10ª ed., 303).
No caso, a recorrida recusou celebrar a escritura, invocando como motivo a “falta de licença de utilização e de certificados energéticos das fracções autónomas dadas como acabadas, visto que sem esses documentos não seria possível à «Traços & Limites, Unipessoal, Ld.ª» fazer a revenda dessas mesmas fracções”. É certo que essas exigências – constantes dos arts. 1º, nº 1, do DL 281/99, de 26/7 e do art. 3º, nº 4, do DL 251/15, de 25/11 – não constituiriam razão objectiva impeditiva da celebração da escritura, como decorre do disposto no art. 3º, nº 4, al. a), do DL 251/15, 833º, nº 6, do CPC e 164º, nº 1, do CIRE. Porém, no que toca à recorrida, não se pode dizer que a falta desses elementos não assumisse relevo na sua vontade de contratar, tendo em conta a intenção de revender as fracções depois da escritura.
De todo o modo, independentemente da existência de ilicitude e de culpa e admitindo-se, portanto, estes pressupostos da responsabilidade pré-contratual da Recorrida, os danos indemnizáveis seriam apenas aqueles que se provasse que a parte inocente sofreu com a actuação ilícita e culposa da contraparte. Ora, no caso, não se alegou nem se fez prova da existência de qualquer dano, não sendo legítimo presumi-lo, nem havendo fundamento para se fazer corresponder o dano, que não foi identificado ou concretizado, ao montante entregue no momento da proposta de compra, como pretende a recorrente.
Em suma, como se decidiu no acórdão recorrido, devem ser restituídas à autora as quantias que esta entregou como antecipação do pagamento parcial do preço que seria devido pela compra das fracções.
2. No acórdão recorrido a recorrente foi condenada em juros de mora sobre a quantia entregue – € 28.200,00 – desde 23 de Maio de 2017, entendendo-se que os juros eram devidos a partir do dia seguinte à escritura de compra e venda que se frustrou. A recorrente questiona o direito a juros. Face à conclusão a que se chegou, ou seja, que a 1ª autora tem direito à restituição da quantia paga a título de antecipação de cumprimento, com base no enriquecimento sem causa, temos que ao abrigo das disposições conjugados dos arts. 480º, al. a), nº 2 do art. 804º e nº 1 do art. 805º do CC, são devidos juros sobre tal quantia. Tendo em conta que não foi alegada, nem se provou, interpelação anterior, só pode ser considerada como tal a citação efectuada nesta acção, sendo, pois, devidos juros de mora desde a data em que foi efectuada essa citação – art. 805º do CC.
Em conclusão: 1. A venda por negociação particular, efectuada no âmbito da fase de liquidação do activo de um processo de insolvência, sendo uma modalidade de venda em processo executivo, é levada a cabo sem a participação do tribunal; é feita "nos termos de uma venda privada". 2. Tendo sido apresentada e aceite proposta de compra de imóveis apreendidos e efectuado o pagamento de importância correspondente a 10% do preço, as partes estavam de acordo sobre todo o conteúdo negocial – acordo de facto (não qualificável, no caso, como contrato-promessa) cuja validade e eficácia estavam dependentes da formalização exigida por lei. 3. Em regra, a entrega de coisa na altura da celebração do contrato não implica a presunção de constituição de sinal; terá antes o significado de antecipar o cumprimento, total ou parcial, salvo se as partes atribuírem à prestação o carácter de sinal (arts. 440º do CC). 4. Mesmo a admitir-se que a quantia entregue tinha a natureza de sinal, não tendo o contrato sido concluído e formalizado e, por isso, inexistindo ou não se tendo constituído a obrigação cujo cumprimento o "sinal" visava garantir, este não poderia subsistir autonomamente; por não poder ser imputado na prestação que seria devida, teria de ser restituído – art. 442.º, n.º 1, do CC. 5. Tendo a quantia sido entregue pelo proponente a título de antecipação parcial de cumprimento de uma sua obrigação futura (art. 440.º), não tendo sido concluído o contrato e não se tendo constituído essa obrigação, a imputação do pagamento nessa obrigação deixou de ser possível, pelo que deve ser restituída, com base no enriquecimento sem causa – art. 473.º, n,º 2, parte final, do CC. 6. A recusa posterior, por parte do proponente, em formalizar o contrato, não sendo justificada, poderia ser fonte de responsabilidade civil pré-contratual (art. 227.º do CC); neste caso, porém, os danos indemnizáveis seriam aqueles que se provasse que a parte inocente sofreu com o acto ilícito e culposo da contraparte, não sendo legítimo que, desde logo, se faça corresponder o dano – ainda não identificado ou concretizado – ao montante entregue no momento da proposta de compra.
V.
Em face do exposto, concede-se em parte a revista, alterando-se o acórdão recorrido apenas no que respeita à data do início da contagem dos juros de mora, devendo para tal ser considerada a da citação na presente acção. Custas pela recorrente e recorridas na proporção do decaimento.
Lisboa, 7 de Setembro de 2020
F. Pinto de Almeida (Relator) Ana Paula Boularot José Rainho Tem voto de conformidade do 2º Adjunto, Conselheiro José Rainho (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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