Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||||||||||||||||||||
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | |||||||||||||||||||||||||
| Relator: | MANUEL CAPELO | |||||||||||||||||||||||||
| Descritores: | GARANTIA BANCÁRIA CLÁUSULA ON FIRST DEMAND GARANTIA AUTÓNOMA RECUSA DE CUMPRIMENTO INTERPELAÇÃO INCUMPRIMENTO BENEFICIÁRIO DEVER DE INFORMAÇÃO ABUSO DO DIREITO VENCIMENTO DA DÍVIDA BOA FÉ DENÚNCIA MODIFICAÇÃO | |||||||||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 03/21/2023 | |||||||||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||
| Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||||||||
| Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||||||||
| Meio Processual: | REVISTA | |||||||||||||||||||||||||
| Decisão: | NEGADA | |||||||||||||||||||||||||
| Sumário : | I - No âmbito de um contrato de garantia bancária à primeira solicitação (on first demand), o banco/garante pode recusar o pagamento da garantia em caso de fraude manifesta ou abuso evidente, mas não lhe cabe qualquer ónus de investigar se ocorrem factos que possam sedimentar a fraude manifesta ou o abuso. Confrontado com o pedido de pagamento do beneficiário, cabe apenas ao garante avisar o dador da ordem de que lhe foi solicitado o pagamento. II - Ao dador da ordem cabe, caso exista, facultar de imediato ao garante a prova pronta e inequívoca da inexistência, na esfera jurídica do beneficiário, de qualquer crédito emergente do contrato base entre o dador da ordem e o beneficiário. III - A circunstância de o contrato de garantia autónoma perdurar por um longo período apenas pode permitir a que o garante denuncie tal contrato ou requeira o reforço de garantias. | |||||||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório Por apenso à execução que BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. move contra RODRIGUES & PAIXÃO, L.DA, deduziu embargos de executado, invocando, para tanto, a inexistência de título executivo por as livranças dadas à execução servirem para garantir as garantias bancárias que caducaram. Contestando, o exequente pugnou pela improcedência dos embargos, sustentando nomeadamente que , em 11.2.2021, honrou as garantias sendo que, nessa data, inexistia qualquer decisão judicial que pudesse impedir o pagamento, não se encontrava o banco exequente a nenhum título judicialmente notificado ou acionado, sendo certo que as garantias se encontravam acionadas, tendo a beneficiária expressamente declarado que os trabalhos garantidos não se encontravam concluídos. Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedentes os embargos e, em consequência, determinou a extinção da execução. Interposto recurso de apelação veio o mesmo a ser julgado procedente e, revogando a sentença, julgou os embargos improcedentes. Vem agora o embargante interpor recurso de revista concluindo que: “ I. O presente recurso tem como objeto a decisão de mérito do acórdão proferido a 11/10/2022, pelo Tribunal a quo, o qual revogou a decisão da 1.ª instância, julgando os embargos improcedentes. II. Resulta que, com o devido respeito, o acórdão a quo viola o regime da caducidade, enquanto forma de extinção de direitos, prevista nos artigos 298.º, n.º 2, 328.º e seguintes do Código Civil, a regra de distribuição do ónus da prova, em especial o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o princípio da não vinculação perpétua ou da proibição da assunção de obrigações perpétuas, o direito de defesa, contemplado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa bem como o dever de fundamentação da decisão, exigido nos termos do artigo 615.º, n.º1, b) ex vi artigo 666.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. III. A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se o Recorrido, na qualidade de Banco garante, devia ou não ter recusado o pagamento das garantias bancárias autónomas on first demand, com fundamento na sua caducidade. IV. Não obstante a natureza das garantias sub judice, a doutrina e a jurisprudência entendem que é legítima a recusa do pagamento pelo Banco garante, junto do beneficiário, nos casos restritos em que se verifique a extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade, manifesta fraude, abuso de direito por parte do credor e ilicitude por violação da ordem pública (neste aspeto, vide Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 11.ª Edição, p. 341; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/10/2004, processo n.º 04B2883, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/05/2014, processo n.º 1315/13.3TVLSB.L1- 1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/06/2016, processo n.º 414/14.9TVLSB.L1.S1 e, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/02/2022, processo n.º 1441/21.5T8PRT.P1). V. Apesar do Acórdão recorrido considerar que o Banco podia recusar tal pagamento, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo quando concluiu que o mesmo devia ter honrado as garantias, por não deter em seu poder, prova inequívoca da inexistência de qualquer crédito da beneficiária EL... - ENGENHARIA, S.A. sobre a Recorrente, emergente do contrato base de subempreitada celebrado entre as partes. VI. A este título, apraz elucidar para o facto de que, a contrario do entendimento melhor sufragado no Acórdão recorrido, o Banco tinha em seu poder várias informações que o deveriam ter motivado a percecionar se as garantias bancárias, objeto dos presentes autos, estavam ou não caducadas. VII. Ora, o Banco tinha completa perceção e conhecimento integral de que, desde o momento de prestação e emissão das várias garantias até ao dia em que as mesmas foram acionadas pela beneficiária, haviam decorrido mais de 15 anos e, nesse sentido, tal constatação deveria ter motivado uma ponderação prévia e informada por parte do garante, a fim de descortinar a confirmação da caducidade das garantias bancárias. VIII. Ademais, tendo presente o decorrer de longo período temporal entre a prestação e o acionamento das garantias, acrescente-se que fora o Recorrido devidamente alertado pela Recorrente de que a solicitação de pagamento pela beneficiária, afigurava-se ilegal, ilegítima e extemporânea. IX. E que, em detrimento dessa realidade, havia intentado um procedimento cautelar a peticionar a suspensão do pagamento e, subsequentemente, uma ação principal, com o fim de ser reconhecida a caducidade das garantias bancárias bem como a inexigibilidade das mesmas. X. Aliás, a tudo isto acresce o facto do Recorrido ter descurado que, a fim de efetivar o acionamento das referidas garantias, a beneficiária teria, antes de mais, de ter denunciado, no prazo de 5 ou 10 anos, conforme seja de aplicar o Código Civil ou o Código dos Contratos Públicos, os defeitos da obra, objeto da subempreitada, o que não sucedeu. XI. Evento que, relembre-se, era o único que legitimava o acionamento das garantias bancárias pela beneficiária e, por sua vez, um eventual pagamento legítimo das garantias pelo Banco Garante, o que não poderia ter sido ignorado pelo Banco, ainda que, in casu, por força da caducidade das garantias, o pagamento nunca devesse ter ocorrido. XII. Apesar de ser perentório que o Banco garante necessitava de prova para motivar a recusa do pagamento das garantias bancárias, crê a Recorrente que, ao ter imputado, a si, tal ónus de prova e não à beneficiária (entenda-se, quem alega o direito a crédito advindo do contrato base de subempreitada), o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil e, bem assim, o regime de distribuição do ónus da prova. XIII. Adicionalmente, importa referir que, o Banco devia ter atentado que, segundo o disposto no texto das garantias, as mesmas estariam caducadas, em razão da entrega definitiva da obra pela Recorrente e por, entre as partes, já não subsistir toda e qualquer relação contratual, pelo que era plausível que o Recorrido, na posição de garante, tivesse prevalecido desta exceção, a fim de motivar o não pagamento das garantias. XIV. Ao Banco garante, sempre cabia a adoção de um comportamento diligente e cuidadoso, em momento prévio ao cumprimento da sua obrigação, a que estava adstrito pelo contrato de garantia celebrado com a beneficiária, uma vez que, apenas a este competia equacionar se, perante o decurso do tempo entre a emissão das garantias e o seu acionamento, as garantias tinham caducado e se devia ou não honrá-las. XV. O que não implicará a derrogação da automaticidade e da autonomia das garantias, uma vez que, quanto à sua extinção, estas são dependentes da relação contratual que entre as partes já não subsistia; por outras palavras, se as garantias, ainda que autónomas, caducam, a obrigação de pagamento do Recorrido torna-se de verificação impossível e é a si que compete averiguar tal circunstancialismo. XVI. Entendimento contrário e inclusive sufragado no Acórdão recorrido, implica que se atribua à beneficiária a possibilidade de vir exigir o cumprimento das garantias a todo o tempo, o que fomenta a figura do abuso de direito e traduz-se no desrespeito ao princípio da não vinculação perpétua e ainda que se admita que a Recorrente tivesse de aceitar, ad eternum, que o pagamento teria sempre lugar, não obstante o seu cumprimento integral do contrato de subempreitada. XVII. Por tudo o que ficou exposto, apenas se poderá concluir que ao Recorrido, incumbia adotar comportamento de diligência e cautela em virtude de todos os alertas e indícios para o risco de pagamento indevido, eventualmente aguardando pela decisão judicial de reconhecimento de caducidade das garantias e, desse modo, optar corretamente por não honrar as garantias. XVIII. Ao ter optado por assim não agir, apenas se poderá concluir que os pagamentos das garantias bancárias sucederam por conta e risco do Recorrido, na qualidade de Banco garante. XIX. Por último, sempre se dirá que o Acórdão recorrido enferma de nulidade, em virtude do desrespeito do direito de defesa, contemplado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, por ter-se procedido à tomada de decisão, na ausência da audição das testemunhas arroladas pela defesa em sede de embargos. XX. Por conseguinte, não tendo o Tribunal a quo procedido à baixa do recurso à 1.ª instância com esse fim, o que sempre devia ter feito por respeito ao princípio supra aludido, resulta a inexistência de qualquer fundamentação e base probatória inequívoca para as conclusões de improcedência dos embargos e de honra devida e diligente das garantias bancárias pelo Banco, tendo sido igualmente violado o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 666.º, n.º 1 do mesmo diploma. XXI. Sempre com o devido respeito, é entendimento da Recorrente que foi violado o regime da caducidade previsto no Código Civil, a regra de distribuição do ónus da prova, em especial, o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, o princípio da proibição da assunção das obrigações perpétuas, o direito de defesa da Recorrente, contemplado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e o dever de fundamentação da decisão, melhor regulado no artigo 615.º, n.º1, b) ex vi artigo 666.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, pelo que deve a douta decisão ser revogada.” Conclui que seja dado provimento ao recurso. A embargada contra alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre decidir. … … Fundamentação. Está provada a seguinte matéria de facto: “ 1. A 29 de Outubro de 2021, foi apresentado à execução ordinária n.º 5007/21...., em apenso, 4 livranças, que aqui se dão por integralmente reproduzidas. 2. Nas livranças constam as seguintes referências: Nas livranças constam as seguintes referências:
3. A sociedade embargante subscreveu a mencionada livrança, tendo à data da assinatura das livranças a denominação de I..., Lda - cf. certidão permanente junta como documento n.º 1 com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida. 4. As livranças foram assinadas em branco, tendo a exequente procedido ao preenchimento dos demais campos. 5. As livranças dadas em execução foram assinadas para garantir as obrigações assumidas pela executada advenientes das garantias bancárias mencionadas no título. 6. Na garantia bancária n.º ...05, datada de 15 de dezembro de 2004, consta: «O Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, (...) adiante designado “Banco” vem, pela presente, por instrução da empresa I..., L.da (...) adiante designada por “I..., L.da”, prestar uma garantia bancária no valor de EUR.: 58.421,89 (Cinquenta e oito mil, quatrocentos e vinte e um Euros e oitenta e nove cêntimos) a favor da empresa E..., S.A. (...) adiante designado por “E..., S.A.”, nos termos seguintes: 1- A presente garantia destina-se a substituir o depósito de garantia para reforço de caução no montante de 58.421,89 (Cinquenta e oito mil, quatrocentos e vinte e um Euros e oitenta e nove cêntimos), equivalente a 10% (Dez por cento) das faturas N.º(s) ...01, ...02, ...03, ...32, ...33, ...34, ...35, ...55 e ...76 da Empreitada “...”, montante aquele que a I..., L.da se encontrava obrigada a depositar nos termos do contrato e garante as obrigações contratuais assumidas perante a E..., S.A. e o seu integral cumprimento, nestas se incluindo nomeadamente multas contratuais aplicadas, danos ou prejuízos e deficiências de execução. 2 - O Banco obriga-se a pagar à E..., S.A., mediante simples interpelação escrita desta, sem interferência da afiançada, no prazo de 48 horas, toda e qualquer quantia devida pela I..., L.da nos termos e até ao limite referido no n.º 1 precedente, não tendo que apreciar justiça ou direito e nomeadamente não podendo recusar o pagamento sob a alegação de que não se encontra demonstrado o incumprimento da I..., L.da. 3- Por força desta garantia, o Banco pagará até ao montante acima estabelecido, as quantias que a E..., S.A., lhe solicite, sendo-lhe vedado deixar de o fazer sob qualquer pretexto ou fundamento. 4 - A presente garantia é válida enquanto subsistir qualquer relação obrigacional entre a I..., L.da e a E..., S.A., emergente do contrato referido em 1, e caduca com a receção definitiva da obra (ou dos trabalhos ou do fornecimento) sem quaisquer reservas, deficiências ou omissões, o que será também comprovado pelo respetivo auto assinado pela I..., L.da e a E..., S.A.» — cf. documento n.º 7, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 7. Na garantia bancária n.º ...39, datada de 4 de Novembro de 2004, consta: «O Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, (...) adiante designado “Banco” vem, pela presente, por instrução da empresa I..., L.da (...) adiante designada por “I..., L.da”, prestar uma garantia bancária no valor de EUR.: 73.011,84 (Setenta e três mil, e onze Euros e oitenta e quatro cêntimos) a favor da empresa E..., S.A. (...) adiante designado por “E..., S.A.”, nos termos seguintes: 1 - A presente garantia destina-se a substituir o depósito de garantia para reforço de caução no montante de 73.011,84 (Setenta e três mil, e onze Euros e oitenta e quatro cêntimos), equivalente a 10% (Dez por cento) do valor total do contrato de EUR: 730.118,40 referente faturas N.º(s) ...59, ...27, ...59 e ...60 da Empreitada de “INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS DO PARQUE TEMÁTICO ...”, montante aquele que a I..., L.da se encontrava obrigada a depositar nos termos do contrato e garante as obrigações contratuais assumidas perante a E..., S.A. e o seu integral cumprimento, nestas se incluindo nomeadamente multas contratuais aplicadas, danos ou prejuízos e deficiências de execução. 2 - O Banco obriga-se a pagar à E..., S.A., mediante simples interpelação escrita desta, sem interferência da afiançada, no prazo de 48 horas, toda e qualquer quantia devida pela I..., L.da nos termos e até ao limite referido no n.º 1 precedente, não tendo que apreciar justiça ou direito e nomeadamente não podendo recusar o pagamento sob a alegação de que não se encontra demonstrado o incumprimento da I..., L.da. 3- Por força desta garantia, o Banco pagará até ao montante acima estabelecido, as quantias que a E..., S.A., lhe solicite, sendo-lhe vedado deixar de o fazer sob qualquer pretexto ou fundamento. 4- A presente garantia é válida enquanto subsistir qualquer relação obrigacional entre a I..., L.da e a E..., S.A., emergente do contrato referido em 1, e caduca com a receção definitiva da obra (ou dos trabalhos ou do fornecimento) sem quaisquer reservas, deficiências ou omissões, o que será também comprovado pelo respetivo auto assinado pela I..., L.da e a E..., S.A.» — cf. documento n.º 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 8. Na garantia bancária n.º ...65, datada de 10 de Agosto de 2004, consta: «O Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, (...) adiante designado “Banco” vem, pela presente, por instrução da empresa I..., L.da (...) adiante designada por “I..., L.da”, prestar uma garantia bancária no valor de EUR.: 11.071,32 (Onze mil, setenta e um Euros e trinta e dois cêntimos) a favor da empresa E..., S.A. (...) adiante designado por “E..., S.A.”, nos termos seguintes: 1 - A presente garantia destina-se a substituir o depósito de garantia para reforço de caução no montante de 11.071,32 (Onze mil, setenta e um Euros e trinta e dois cêntimos), equivalente a 10% (Dez por cento) do valor total do contrato de EUR: 110.713,20 referente faturas N.º(s) ...50, ...51, ...98 e ...99 da Empreitada de INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS DO PARQUE TEMÁTICO ... (...) montante aquele que a I..., L.da se encontrava obrigada a depositar nos termos do contrato e garante as obrigações contratuais assumidas perante a E..., S.A. e o seu integral cumprimento, nestas se incluindo nomeadamente multas contratuais aplicadas, danos ou prejuízos e deficiências de execução. 2 - O Banco obriga-se a pagar à E..., S.A., mediante simples interpelação escrita desta, sem interferência da afiançada, no prazo de 48 horas, toda e qualquer quantia devida pela I..., L.da nos termos e até ao limite referido no n.º 1 precedente, não tendo que apreciar justiça ou direito e nomeadamente não podendo recusar o pagamento sob a alegação de que não se encontra demonstrado o incumprimento da I..., L.da. 3-Por força desta garantia, o Banco pagará até ao montante acima estabelecido, as quantias que a E..., S.A., lhe solicite, sendo-lhe vedado deixar de o fazer sob qualquer pretexto ou fundamento.» - cf. documento n.º 1, junto com a contestação inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9. Na garantia bancária n.º ...52, datada de 26 de abril de 2005, consta: «O Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, (...) adiante designado “Banco” vem, pela presente, por instrução da empresa I..., L.da (...) adiante designada por “I..., L.da”, prestar uma garantia bancária no valor de EUR.: 58.421,89 (Cinquenta e oito mil, quatrocentos e vinte e um Euros e oitenta e nove cêntimos) a favor da empresa E..., S.A. (...) adiante designado por “E..., S.A.”, nos termos seguintes: 1- A presente garantia destina-se a substituir o depósito de garantia para reforço de caução no montante de 3.133,60 (Três mil, cento e trinta e três Euros e sessenta cêntimos), equivalente a 10% (Dez por cento) das faturas N.º(s) ...77, ...78 e ...05 da Empreitada “...”, montante aquele que a I..., L.da se encontrava obrigada a depositar nos termos do contrato e garante as obrigações contratuais assumidas perante a E..., S.A. e o seu integral cumprimento, nestas se incluindo nomeadamente multas contratuais aplicadas, danos ou prejuízos e deficiências de execução. 2 - O Banco obriga-se a pagar à E..., S.A., mediante simples interpelação escrita desta, sem interferência da afiançada, no prazo de 48 horas, toda e qualquer quantia devida pela I..., L.da nos termos e até ao limite referido no n.º 1 precedente, não tendo que apreciar justiça ou direito e nomeadamente não podendo recusar o pagamento sob a alegação de que não se encontra demonstrado o incumprimento da I..., L.da. 3- Por força desta garantia, o Banco pagará até ao montante acima estabelecido, as quantias que a E..., S.A., lhe solicite, sendo-lhe vedado deixar de o fazer sob qualquer pretexto ou fundamento. 4 - A presente garantia é válida enquanto subsistir qualquer relação obrigacional entre a I..., L.da e a E..., S.A., emergente do contrato referido em 1, e caduca com a recepção definitiva da obra (ou dos trabalhos ou do fornecimento) sem quaisquer reservas, deficiências ou omissões, o que será também comprovado pelo respetivo auto assinado pela I..., L.da e a E..., S.A.» — cf. documento n.º 8, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 10 - A E..., S.A. foi incorporada, por fusão, na sociedade EL...-Engenharia, S.A. — cf. certidão permanente junta com a contestação, como documento n.º 9, que aqui se dá por integralmente reproduzida. 11 - Por cartas datadas de 28 de dezembro de 2020, a EL... acionou junto do exequente as mencionadas 4 garantias bancárias — cf. documentos n.os 10 a 13, juntos com a contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 12 - A embargante, por e-mail de 8 de janeiro de 2021, com conhecimento para o exequente, deu conta à EL... de que «sempre se mostrou disponível e continua disponível para quaisquer reparações necessárias que decorram no âmbito da garantia de obra, pelo que não entendemos tal atitude intempestiva e pouco ética por parte da .... Estando em causa valores na ordem de 150.000 euros em tempos de pandemia e de crise, que podem por em causa o grupo I..., por esse motivo e pelos anteriormente mencionados, solicitamos que nos seja comunicada a lista de trabalhos de correção necessários, referente a nossa empreitada e por sua vez solicitem o cancelamento do accionamento das garantias em causa. Face ao exposto e atendendo ao facto de Vossas Excelências jamais se terem dignado a contactar-nos no sentido de serem resolvidas as eventuais desconformidades, informamos que caso não seja retirado o pedido ilegítimo de execução das garantias acima mencionadas, agiremos judicialmente contra a vossa empresa por uso intempestivo e abusivo dos referidos documentos» - cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 13 - Por e-mail de 18 de janeiro de 2021, a embargante deu conhecimento ao exequente: «É do nosso conhecimento que a empresa EL... - ENGENHARIA, S.A., solicitou o pagamento das garantias que foram prestadas há muito tempo e que se identificam com os números 805-02- 003…65, 805-02-003…05, 805- 02-003…39 e 805-02-003…52. Porque é nosso entendimento, igualmente sufragado pelo nosso Advogado, que semelhante solicitação de pagamento é completamente extemporânea e ilegal por parte da EL... - ENGENHARIA, S.A., deu entrada em Tribunal no passado dia 16 deste mês, um procedimento cautelar a impedir que esse pagamento seja judicialmente suspenso, revogado e não realizado por V. Exas. Para que possa ser apreciado pelos V. serviços jurídicos a justeza da nossa pretensão, enviamos cópia da peça jurídica que deu entrada em Tribunal. Na esperança da V. colaboração, muito agradecíamos que o pagamento da(s) garantia(s) supra identificada(s) ficasse de momento suspensa, e só após validação judicial fosse efetuado, validação essa da qual serão formalmente notificados pelo Tribunal.» - documento n.º 12, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 14. O procedimento cautelar a que se alude no e-mail do ponto anterior não foi instaurado contra o exequente — cf. documento n.º 13 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 15. Do mesmo modo, a embargante deu conhecimento ao exequente da instauração de ação judicial respeitante às mencionadas garantias bancárias - cf. documento n.º 14 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 16. Essa ação não foi instaurada contra o exequente. 17. Por e-mail de 14 de Junho de 2021, a embargante deu conhecimento ao exequente de que tinha obtido vencimento na mencionada ação nos seguintes termos: cf. documento n.º 18, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 18. Tal sentença foi notificada à embargante a 9 de Junho de 2021, na qual se decidiu: «Face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Declaram-se caducadas todas as garantias prestadas pela autora [embargante] à ré [EL...] e, consequentemente, caducado o direito da ré em solicitar os pagamentos daquelas; - Condena-se a ré a restituir à autora o pagamento do valor que receber das garantias que logrou acionar e cujos valores recebeu; Condena-se a ré a restituir à autora o pagamento do valor vier a receber provenientes das garantias que, no decorrer dos presentes autos, foram acionadas; - Declara-se que a ré tem a obrigação de notificar a autora, primeiramente, para a correção de eventuais defeitos de obra, antes de acionar qualquer garantia bancária; d) Absolve-se a ré do demais peticionado» — cf. documento n.º 19, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 19. Na decorrência do acionamento das 4 garantias, o exequente honrou-as a 11 de fevereiro de 2021 … … O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. O conhecimento das questões a resolver na presente Revista consiste em saber se os embargos devem ser julgados procedentes e as garantias prestadas pela exequente caducadas. … … Como decorre da enunciação do objeto da presente revista não está em causa a natureza e caracterização das garantias prestadas nem o seu regime jurídico estando apenas em questão saber se o pagamento dessas garantias foi indevidamente realizado pelo Banco exequente, porque aquelas se encontrarem nessa data caducadas. A decisão em primeira instância declarou como evidente que as garantias prestadas e em discussão eram garantias autónoma à primeira solicitação, uma vez que do próprio texto resulta claro que o Banco não poderá apresentar qualquer fundamento para se recusar a pagar uma vez acionada a garantia pelo seu beneficiário. Todavia, decidiu que tais garantias estavam caducadas quando o banco realizou o seu pagamento com a justificação de, existindo prazos para que os defeitos da obra sejam invocados, volvidos 15 anos o Banco não poderia deixar de ponderar ser de recusar a garantia por ter a mesma caducado. Em explicação, diz a sentença que se a garantia é válida, enquanto subsistir qualquer relação obrigacional, o Banco/garante deveria ter exigido (ao beneficiário) que comprovasse manter-se a relação obrigacional entre essas duas partes, nomeadamente por que razão volvidos tantos anos ainda a subempreitada não se encontrava integralmente cumprida sem defeitos, pedindo comprovativo da denúncia dos defeitos. Outro entendimento conduziria a que uma garantia bancária persistisse no tempo sem prazo, fazendo tábua rasa da jurisprudência citada pela embargante que se refugia em institutos de abuso de direito para legitimar o Banco a não cumprir a garantia. Em suma, entende-se que tendo as garantias bancárias sido acionadas 15 anos depois da sua constituição, não havendo nada em que o Banco pudesse apoiar-se de que a relação jurídica subjacente entre embargante e EL... devesse persistir nestes 15 anos, o Banco não deveria ter pago as garantias e invocado a sua caducidade. Tanto mais que sabendo que se tratava de garantia bancária para garantir obrigações respeitantes a subempreitada, não poderia desconhecer os curtos prazos para denunciar defeitos, cabendo-lhe, pois, um especial cuidado antes de pagar, mormente pedindo à EL... um comprovativo da denúncia dos defeitos. Ainda mais quando foi alertado pela embargante de que haveria um diferendo recente quanto à existência de defeitos por não terem sido invocados no passado. Como explicar a persistência duma relação advinda do contrato subjacente à garantia bancária volvidos mais de 15 anos, sem saber a data de conclusão da obra e se da mesma resultaram defeitos denunciados pela EL..., dado que os mesmos teriam necessariamente de ser denunciados”. Realizando um exercício de prognose fundado no que subentendeu ser a razoabilidade exigida, a sentença, que primeiro havia criteriosamente identificado o tipo natureza e regime das garantias prestadas pela exequente, acaba por ultrapassar os limites que nessa definição havia estabelecido, como é sublinhado da decisão recorrida. É pacifico que o Banco exequente outorgou contratos de garantia bancária autónoma, pelos quais se obrigou a pagar, por ordem da embargante, ao beneficiário certa quantia em dinheiro, sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato, no caso de inexecução de determinado contrato (o contrato base). No domínio da garantia autónoma, o garante não se obriga a satisfazer dívida alheia porque nos termos contratuais assumidos, ele assegura ao beneficiário o recebimento de certa quantia em dinheiro e terá de, como garantia, proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário comunique que o não recebeu da outra parte, sem que possa apreciar o bem ou mal fundado dessa alegação. Não se exige ao beneficiário da garantia qualquer ónus de provar os pressupostos do seu crédito contra o banco e este, por sua vez, não é admitido a opor ao beneficiário as exceções de que pode prevalecer-se o cliente garantido. A autonomia da garantia, em contraponto com o contrato base, e que justifica que impõe que a entrega pelo garante da quantia garantida ao beneficiário dependa exclusivamente da verificação das condições definidas no contrato de garantia. “Não há, em princípio, interferência da convenção que liga o dador da ordem ao beneficiário da garantia. Assim, e segundo a doutrina maioritária, o garante não se pode furtar a entregar ao beneficiário a quantia pecuniária fixada alegando: a nulidade do contrato base resultante da violação de regras imperativas do ordenamento a que pertence o devedor; a sobrevinda impossibilidade de cumprimento do contrato; a compensação invocada pelo devedor perante o credor; o direito de retenção que assiste ao devedor face ao credor, etc” - Mónica Jardim, A Garantia Autónoma, Almedina, 2002, pp. 115-116. A recusa de pagamento pode no entanto se exercida com base em elementos constantes do próprio contrato porque estes não são exteriores ao contrato de garantia mas firmam antes a sua regularidade e, ainda, quando o garante excecione o dolo, a má fé ou o abuso de direito verificados no recurso à garantia pelo beneficiário – a recusa de pagamento com esta motivação pode ter lugar desde que o garante prova de um comportamento abusivo do beneficiário – ac. STJ de 5.7.2012, 219/06, 219/06, www.colectaneade jurisprudencia.com. A interpretação inclusiva das regras da boa-fé ou do abuso de direito tem por respaldo a necessidade de evitar benefícios decorrentes de factos ilícitos, envolvendo fraudes ou falsificação de documentos e por exigência uma demonstração dos factos necessários assentes em prova sólida e irrefutável, não bastando a formulação de meros juízos de verosimilhança sobre a ocorrência dos respetivos requisitos substanciais. A jurisprudência tem firmado a aceitação da recusa do garante quando seja patente o manifesta a má-fé decorrente com toda a segurança da prova documental em poder do garante; quando exista manifesta fraude ou evidente abuso por parte do beneficiário; quando o contrato garantido ofenda a ordem pública ou os bons costumes; sempre que exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido – vd. acs. STJ de 27-5-10, de 13-4-11, de 20-3-12 e 17.6.2021 proc. 15932/16, todos in www.dgsi.pt e ainda Ferrer Correia, “Notas para o estudo da garantia bancária”, in Temas de direito comercial e direito internacional privado, Coimbra, 1989, p. 22. Com esta brevíssima exposição sobre a natureza e regime da garantia discutida nos autos o que se impõe para decisão é saber se o banco exequente nas condições reveladas pelos factos provados podia/devia recusar o pagamento com base em elementos constantes do próprio contrato ou por dolo, má-fé ou o abuso de direito verificados no recurso à garantia pelo beneficiário. Neste domínio tem inteira razão a decisão recorrida quando sublinha que um garante dificilmente está em condições de, por si só, se aperceber da fraude do beneficiário porque a autonomia da sua obrigação lhe determina que o dever de verificação de um garante, a quem seja solicitada a entrega da soma objeto da garantia seja exclusivamente o de examinar a conformidade formal da solicitação face ao previsto no contrato. A circunstância de o dador da ordem ter recebido comunicação do garante de que o benificiário solicitou o pagamento só impede que este seja realizado se (o dador da ordem) “…por uma prova pronta (preestabelecida) e inequívoca (desprovida de toda a ambiguidade), lhe der a certeza de que o beneficiário, no momento da solicitação da garantia, não tinha qualquer crédito decorrente do contrato base, qualquer que fosse o ponto de vista jurídico pelo qual a situação pudesse ser, razoavelmente, tomada em consideração.» Mónica Jardim, A Garantia Autónoma, Almedina, pp. 301-302: Confrontado com um pedido de pagamento do beneficiário, cabe apenas ao garante avisar o dador da ordem que lhe foi solicitado o pagamento. Por sua vez, caberá ao dador da ordem facultar de imediato ao garante a prova – caso ocorra – pronta e inequívoca da inexistência, na esfera jurídica do beneficiário, de qualquer crédito emergente do contrato base entre o dador da ordem e o beneficiário. No caso em decisão as garantias foram acionadas e informado que foi o dador da ordem, ora embargante, este informou por mail o beneficiário, com conhecimento para o exequente, que considerava o acionamento das garantias é intempestivo e abusivo e, posteriormente, em informação direta ao Banco/garante comunica que tem conhecimento do pedido de acionamento das garantias, protestando tal pedido como completamente extemporâneo e ilegal, informando que ter instaurado procedimento cautelar para impedir tal pagamento. Ainda nessa comunicação, a embargante solicitou à embargada que suspendesse o pagamento das garantias e que tal pagamento só fosse realizado depois de decisão judicial. Ora, tendo o banco/garante pagado as garantias antes de a embargante ter obtido decisão judicial que as julgou caducadas o que se questiona é se esse conjunto de informações fornecidas pela embargante ao banco constituíam prova pronta e inequívoca da inexistência - no âmbito do contrato base – de qualquer obrigação incumprida da embargante perante a beneficiária. De acordo com a decisão recorrida e em oposto ao entendido em primeira instância cremos igualmente que tudo o que a embargante transmitiu à exequente foi a sua oposição a que o pagamento das garantias fosse realizado porque entendia que não ocorria incumprimento da sua parte quanto ao contrato celebrado entre si e o beneficiário estando até disposta a fazer as reparações necessárias. Não foi fornecida pela embargante á exequente qualquer prova documental irrefutável que satisfizesse as exigências de uma prova inequívoca da inexistência de qualquer obrigação da dadora da ordem perante a beneficiária, no âmbito do contrato base. E mesmo o efeito impressivo de ter decorrido um largo período temporal desde a constituição das garantias até que o pagamento foi solicitado ou a consideração de que os prazos de denúncia dos defeitos serem curtos, que levou a sentença a acolher a caducidade não podem seguramente aceitar-se uma vez que não se trata de apurar a simples razoabilidade de um juízo, mas antes de assegurar uma certeza de prova de que a garantia não poderia nem deveria ser paga. Sabendo-se dos factos provados que a garantia era válida enquanto subsistisse qualquer relação obrigacional entre as partes do contrato base e que a mesma caducaria com a receção definitiva da obra sem quaisquer reservas, deficiências ou omissões, o que seria comprovado pelo respetivo auto assinado por essas mesmas partes, não se obtém nos autos qualquer demonstração de que tenha sido feita prova desse auto assinado de aceitação. A eventual existência de informação sobre outros fundamentos da cessação do contrato de empreitada e/ou das garantias contratuais conexas emergentes do mesmo, não determinava que o garante tivesse de os investigar. Como refere Pestana de Vasconcelos, citado na decisão recorrida “para que o banco/garante deixe de pagar é necessário que seja colocada à sua disposição prova “líquida e inequívoca” da “má fé patente”, da “fraude evidente” ao ponto de “entrar pelos olhos dentro”. Caso contrário estar-se-ia a atentar contra a essência da própria garantia. Havendo causa de discussão sobre os factos que o ordenante avança como demonstrando o abuso de direito, o garante deve pagar. A questão deverá ser discutida depois entre as partes do contrato base”- Direito das Garantias, Almedina, 2010, p. 133; sublinhado nosso). Podendo impressionar que garantias constituídas em 2004 só foram acionadas em 2021, tal impressão não qualifica como relevante esse período temporal para efeitos de caducidade porque os contratos de garantia valiam por tempo indeterminado e com uma baliza clara consistente na existência de auto de aceitação da obra, formalidade que não foi apresentada ao garante. Tão pouco este período temporal pode ser valorado como obrigação vitalícia que obrigaria a devedora a permanecer indefinidamente adstrita a uma determinada prestação a que se vinculasse em determinado momento. Como adverte Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª ed., pp. 216-217 “se um contrato se protela sem limite temporal, ad perpetuam, qualquer das partes pode fazê-lo cessar, recorrendo à denúncia. (…) Cremos ser esta uma solução decorrente da impossibilidade de se admitirem vínculos contratuais ou obrigacionais de carácter perpétuo, eterno ou excessivamente duradouro”. O silêncio sobre o prazo de ser acionada não transforma o contrato de garantia num contrato de duração indeterminada porque ao banco aproveita, para efeitos de desvinculação quer o cumprimento da obrigação principal, invocável logo que o banco possua “prova líquida” ou equivalente e a prescrição da garantia. O garante não tem um direito de denúncia, tal como não tem o fiador no caso de obrigação principal sem termo. Se o decurso de tempo pode permitir ao garante discutir a denúncia do contrato ou requerer o reforço de garantias (o que não sucedeu), não tendo sido reconhecida qualquer denúncia a garantia manteve-se intocável e, em consequência, devem ser julgadas improcedentes as conclusões de recurso. o silêncio sobre o prazo faria do contrato de garantia um contrato de duração indeterminada. Por último a recorrente sustenta a inconstitucionalidade, nos termos do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, por ter sido proferida decisão sem audição das testemunhas arroladas pela defesa em sede de embargos associando a esta arguição a nulidade da decisão recorrida nos teros do art. 615 nº1 al. b) por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Diga-se neste domínio, por suficiente, que o art. 32 da CRP reporta às garantias do procedimento criminal o que retira aplicação ao caso. E se, o recorrente pretendia aludir ao art. 20 onde se expressa o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva a verdade é que o nº4 desse preceito estabelece que “ Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” o que salvaguarda e justifica a disciplina do art. 595 nº1 al. b) do CPC que comete ao jugador o conhecimento imediato do mérito da causa sempre que o estado do processos permita , sem necessidade der mais provas, a apreciação total ou parcial doi ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. Em acréscimo, pelas mesmas razões e sem necessidade de outras considerações é manifestamente improcedente a invocação da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamento de facto e de direito, precisamente porque todos os elementos de facto estavam disponíveis para que se tivesse proferido a decisão que contém todos os fundamentos de direito, que são os confirmados. … … Síntese conclusiva No âmbito de um contrato de garantia bancária à primeira solicitação (on first demand), o banco/garante pode recusar o pagamento da garantia em caso de fraude manifesta ou abuso evidente, mas não lhe cabe qualquer ónus de investigar se ocorrem factos que possam sedimentar a fraude manifesta ou o abuso. Confrontado com o pedido de pagamento do beneficiário, cabe apenas ao garante avisar o dador da ordem de que lhe foi solicitado o pagamento. Ao dador da ordem cabe, caso exista, facultar de imediato ao garante a prova pronta e inequívoca da inexistência, na esfera jurídica do beneficiário, de qualquer crédito emergente do contrato base entre o dador da ordem e o beneficiário. A circunstância de o contrato de garantia autónoma perdurar por um longo período apenas pode permitir a que o garante denuncie tal contrato ou requeira o reforço de garantias. … … Decisão Pelo exposto acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente a presente revista e, em consequência, conformar a decisão recorrida. Custa pela recorrente Lisboa, 21 de março de 2023 Relator: Cons. Manuel Capelo 1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Nunes da Silva 2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves |