Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
953/09.3TASTR.E2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CASO JULGADO
ARGUIDO
ADVOGADO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUIZ
Data do Acordão: 10/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS POR CRIME - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A HONRA.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PARTES CIVIS / PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1991, 445 e ss..
- Ângelo de Almeida Ribeiro, «Direitos dos Advogados - Independência e Relações com a Magistratura», Separata da Revista da Ordem dos Advogados, 1958, 9.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., Vol. 1.º, 417, 418, 424, 441.
- Borciani, As Ofensas à Honra, tradução Portuguesa, 1950, Coimbra, 5.
- Diogo Leite de Campos, in R.O.A., n.º 46º, Tomo 1, 51.
- Figueiredo Dias, in R.L.J., Ano 115, 1982-1983, nº 3697, 105.
- José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do “Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 608-611.
- Lopes da Silva Araújo, Crimes Contra a Honra, Coimbra Editora, 1957, 90 a 97.
- Nelson Hungria, Comentários ao “Código Penal”, Vol. VI, 4.ª ed., Rio de Janeiro, 1958, 39.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, 501.
- Vaz Serra, in Rev. Leg. Jur., 113.º-96.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 494.º, 496.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 71.º E SS., 377.º, 400.º, N.ºS 1, AL. D), 2 E 3.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 129.º, 180.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 26.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-C.J. 1986, 2.º, 233.
-DE 19-4-91 IN A.J. 18.º, 6.
-DE 16-12-1993, CJSTJ 1993, TOMO 3, 181.
-DE 11-09-1994, IN COL. JUR. ACS DO S.T.J., ANO II, TOMO III,1994, 92.
-DE 29-11-2001, PROC. N.º 3434/01; DE 08-05-2003, PROC. N.º 4520/02; DE 17-06-2004, PROC. N.º 2364/04, E DE 24-11-05, PROC. N.º 2831/05, TODOS DA 5.ª SECÇÃO.
-DE 17-06-2004, PROC. N.º 2364/04, E DE 3-7-2008, PROC. N.º 122/08 , AMBOS DA 5.ª SECÇÃO.
-DE 07-12-2006, PROCESSO N.º 3053/06 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 18-12-2007, IN WWW.DGSI.PT
-DE 05-11-2008, IN PROC. N.º 3266/08 DESTA 3ª SECÇÃO
-DE 25-02-2014, PROC. N.º 287/10.0 TBMIR.S1, DA 1.ª SECÇÃO.
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ASSENTO N.º 7/99, DE 17.06.1999, PROC. N.º 993/98, IN DR 179/99 SÉRIE I-A, DE 1999-08-03.
Sumário :
I - Nos termos do art. 400.º, n.º 3, do CPP, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. A decisão recorrida – acórdão do tribunal da relação – absolveu o arguido da imputada comissão de um crime de difamação e do pedido de indemnização civil contra ele formulado, revogando a decisão da 1.ª instância. Sendo o pedido cível deduzido pela assistente no montante de 125.000,00€ e a alçada da relação de 30.000,00€ verifica-se que a decisão recorrida foi desfavorável para a recorrente (assistente) em valor superior a mais de metade da referida alçada, pelo que o recurso sobre o pedido de indemnização civil é admissível, nos termos do art. 629.º, n.º 1, do CPC.
II - Uma vez que o acórdão da relação é irrecorrível quanto à matéria penal, conforme o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. d), do CPP, são indiscutíveis os factos integrantes do objecto do processo, na sua vertente estritamente penal, simultaneamente constitutivos da causa de pedir do pedido de indemnização civil, que ficaram provados. E, se com base neles, a decisão penal formou caso julgado, na qual se apurou e decidiu a questão da culpa, poderia pensar-se que esta, e a ilicitude que lhe serve de base, mesmo para efeitos de natureza cível, não poderiam ser discutidas ou reapreciadas, como apontaria a delimitação indicada pelo art. 129.º, do CP. Mas, em termos de responsabilidade, uma coisa é a responsabilidade criminal, e outra a responsabilidade cível. Aquela pode gerar esta, mas esta pode existir sem aquela.
III - Atento o disposto no art. 129.º, do CP, a indemnização é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, mas não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva, isto é, embora deduzida em processo penal, de harmonia com o princípio da adesão (arts. 71.º e segs., do CPP), subordina-se, na dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.
IV - O pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal. E assim se compreende que é por força da autonomia entre as duas responsabilidades que o tribunal absolva da responsabilidade criminal, mas possa conhecer da responsabilidade civil.
V - A justificação da ilicitude ao arguido em termos criminais não invalida a ilicitude civil, pois os factos apurados constitutivos da ilicitude criminal são os mesmos que revelam a ilicitude civil, procedendo a culpa do arguido ao produzir tal factualidade relevante de forma querida e assumida conhecendo a sua ilicitude. Os factos ilícitos provados geraram danos no bom nome e integridade pessoal sofridos pela lesada em virtude da conduta do arguido.
VI - Está provada a ilicitude civil e respectiva culpa do demandado civil, bem como a existência de danos morais para a assistente, causalmente decorrentes da conduta dolosa assumida pelo demandado em incidente de suspeição da assistente, que pela sua gravidade merecem tutela do direito, por repercutidos sobretudo na sua honra funcional de magistrada judicial em efectividade, e no exercício das suas funções, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, entendendo-se por adequada uma indemnização de 15.000,00€.

Decisão Texto Integral:

                                       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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Como informa o relatório do acórdão recorrido:

“Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº 953/09.3TASTR, da Comarca de Santarém (Santarém - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 2), foi acusado o arguido AA como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a), e 184º - com referência ao artigo 132, nº 2, al. l) -, todos do Código Penal.

Constituiu-se assistente BB.

A assistente deduziu pedido de indemnização civil, solicitando a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu nos seguintes termos (em transcrição):

“Pelo exposto e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal decide julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e pela assistente e, consequentemente:

a) Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.ºs 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a) e 184º, com referência ao art. 132º, nº 2. al. l), todos do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 08,00 (oito euros), o que perfaz a pena de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros);

b) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar à demandante/assistente, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

c) Condenar o arguido AA, em custas criminais, fixando a taxa de justiça em 04 (quatro) UC’s, nos termos do art.º 513º do C. P. Penal e art.º 8º, nº 9, com referência à Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

d) Condenar o arguido/demandado AA em custas cíveis, na proporção do respetivo decaimento.

e) Determinar o conhecimento público da sentença mediante a afixação do texto da mesma no local aonde são afixados os editais neste tribunal, modo que se tem por adequado a publicitar a mesma, nos termos do disposto no artigo 189º, nºs 1 e 2, do Código Penal”.


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Inconformados, interpuseram recurso quer a assistente, quer o arguido, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

{…]”

Por acórdão de 10 de Maio de 2016, o Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte:

“III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) Negar provimento ao recurso interposto pela assistente.

b) Conceder provimento ao recurso (visando a sentença) interposto pelo arguido, revogando-se a sentença condenatória revidenda, e, em consequência, absolvendo-se o arguido da imputada comissão de um crime de difamação, e absolvendo-se o arguido do pedido de indemnização civil contra ele formulado.

c) Não conhecer dos “recursos intercalares” interpostos pelo arguido.

Custas, do recurso interposto pela assistente, a cargo da assistente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça.

Sem custas os recursos encabeçados pelo arguido.”


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Inconformada. recorreu a assistente ”ao abrigo, nomeadamente, do disposto nos arts. 400.º, n.ºs 2 e 3, 401.º, n.º 1, als. b) e c), 402.º, n.º 1, 406.º, nº 1, 407.º, 408.º, 410.º, n.º 1 e 411.º, n.º 1, alínea a), 432.º, n.º 1, alíneas b), do Código de Processo Penal conjugados com os artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 (este conjugado com o artigo 644.º, n.º 1), e 674.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil”, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

1. Tendo em atenção o pedido civil da assistente / demandante civil, a sentença condenatória da primeira instância, o recurso interposto pela assistente contra essa decisão na parte relativa ao montante da indemnização civil e o acórdão absolutório de 10-5-2016, é admissível recurso quanto à matéria civil para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo legitimidade para o efeito a demandante civil, atento o disposto, nomeadamente, nos arts. 400.º, n.ºs 2 e 3, 401.º, n.º 1, als. b) e c), 402.º, n.º 1, 406.º, nº 1, 407.º, 408.º, 410.º, n.º 1 e 411.º, n.º 1, alínea a), 432.º, n.º 1, alíneas b), do Código de Processo Penal conjugados com os artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 (este conjugado com o artigo 644.º, n.º 1), e 674.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).

A. Erro de direito do acórdão recorrido ao proferir decisão absolutória do demandado civil

2. O acórdão recorrido ao absolver o arguido e demandado civil do pedido civil violou o disposto nos artigos 1.º, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da Constituição, e nos artigos 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 484.º, n.º 1, 496.º e 563.º do Código Civil e, na medida em que o relevou para esse efeito, o disposto nos artigos 180.º, nºs 1 e 2, 182.º, 183.º, n.º 1 a) e b), 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (C.P.), pois absolveu o arguido do pedido civil com o argumento, juridicamente errado na perspetiva da recorrente, de que «não existe um facto ilícito praticado pelo demandado» (p. 56 do acórdão recorrido).

3. Na matéria de facto enunciam-se várias imputações formuladas pelo arguido ofensivas da honra da assistente (cf. factos 4, 5, 6, 7, 9, 27, 29, 30, 35) tendo sido também provada a falsidade das imputações do arguido (factos 8, 10, 21, 22, 23, 24, 25 e 26), bem como o dolo directo e muito intenso do arguido (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 56 e 57) e os danos sofridos pela demandante civil em virtude da calúnia (factos 30, 31, 32, 33, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 54, 56, 57, 58, 59).

4. O acórdão recorrido, embora não tenha procedido à correcta valoração jurídica da matéria de facto, reconheceu que resulta à saciedade que «o arguido afirmou, em suma, que a assistente no exercício das suas funções (de magistrada judicial), e no âmbito de um concreto processo, foi parcial, beneficiando uma das partes no processo e prejudicando a outra, tudo por motivos de amizade e inimizade», contudo acolheu uma peregrina tese de que a ilicitude da conduta do arguido demandado civil devia ser considerada justificada pelo fim prosseguido.

5. A tese peregrina acolhida no acórdão recorrido foi a seguinte: Apesar de se reconhecer que são «ofensivas da honra e consideração da assistente (enquanto magistrada judicial) as imputações feitas pelo arguido, de parcialidade, de comprometimento com uma das partes envolvidas num processo judicial e de favorecimento dessa mesma» (p. 43 do acórdão), a respetiva ilicitude foi considerada justificada por as imputações falsas e caluniosas terem sido formuladas com o objectivo de remover temporária ou definitivamente a ofendida de um processo em que, por força das regras legais, era a juíza competente e, consequentemente, concluiu que os danos causados na honra e bom nome do lesado não merecem tutela pois prevalece o interesse do visado remover o juiz do processo ainda que com base em calúnia para sustentar a recusa de juiz.

6. Entende a recorrente que a «original» tese acolhida pelo acórdão recorrido viola as normas citadas na conclusão 2.ª e, de uma forma global, valores constitucionais da ordem jurídica portuguesa, ostensivamente ofendida se se qualificar como legítimo o interesse de um advogado em remover (temporária ou definitivamente) um juiz de um processo (que se lhe encontra distribuído por força das regras legais) através a imputação de factos falsos com ofensa da honra e bom nome do visado, com dolo directo e muito intenso, socorrendo-se da calúnia como meio eficaz para a prossecução de interesses subjectivos contra o Direito.

7. Acresce que ainda que se estivesse perante o exercício de um interesse que devesse ser qualificado como legítimo, para a ilicitude ser justificada é sempre imposto que, cumulativamente, seja preenchido um outro requisito: O agente provar a verdade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira (artigo 180.º/2/b) do C.P.).

8. No caso dos autos em que o arguido livre e conscientemente criou puras ficções sem qualquer relação com a realidade sabendo dos danos provocados na lesada, com o intuito de conseguir a remoção da mesma de um processo em que intervinha como juíza, mantendo as imputações depois do desmentido veemente da lesada de molde a prorrogar a referida remoção judicial, é manifesto que não preencheu nenhum dos requisitos cumulativos do artigo 180.º, n.º 2, do C.P. que conforme doutrina e jurisprudência pacíficas nem sequer se aplica ao tipo de calúnia (artigo 183.º do C.P.) preenchido pelo arguido.

9. Da factualidade provada decorre que o arguido proferiu várias afirmações que isoladamente, por si sós, eram caluniosas e consideravelmente ofensivas da honra e bom nome da assistente, e cuja acumulação aumenta a lesão, atenta a montagem de factos e o sentido pretendido pelo arguido, isto é, constitui uma mensagem em que o todo ultrapassa em danosidade a mera soma das partes transmitindo, com base em factos falsos, a ideia de uma atuação desonesta e parcial da lesada, visando beneficiar (falsos) amigos e prejudicar (falsos) inimigos em violação da lei, praticando, consequentemente factos que a serem verdade a constituiriam em autora de crime e infrações disciplinares.

10. Ofensa da honra e bom nome que não se restringiu a juízos de valor mas compreendeu a imputação de factos reportados relações falsas da assistente (de inimizidade com uma parte e grande intimidade com outra, e como facto instrumental desta, ainda, uma relação falsa entre a assistente e o Conselheiro EE) apresentadas como causa de uma consequência igualmente falsa: uma actuação pretérita parcial e desonesta da assistente num processo em que exercia funções judiciais, deixando dolosamente o menor em risco, discriminando as partes, favorecendo ilicitamente o pai do menor (com quem se afirmou que tinha uma relação de grande intimidade), prejudicando a mãe (que se afirmou ser sua inimiga) e a criança, proferindo decisões contra direito e a prova por via do seu interesse e empenho pessoal (sublinhe-se que não era um efeito eventual, que se afirmava poder vir a ocorrer, foi algo que o arguido disse ter ocorrido).

11. Tudo factos comprovadamente falsos e sem qualquer ponta de verdade, num duplo sentido, para utilizar a expressão de Faria Costa, são falsos na medida em que comportam afirmações «que, nos seus pontos essenciais, se mostram falsas» (in Figueiredo Dias ed., Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1ª ed., 1999, v. 1, p. 643, 2.ª ed., 2012, p. 947), mas também são falsos se forem considerados de forma atomizada porque não têm qualquer correspondência com a realidade sendo uma pura ficção criada pelo arguido.

12. Ilustremos algumas das asserções precedentes conjugando imputações especificadas de factos ofensivas da honra da lesada com a respectiva falsidade devidamente estabelecida na matéria de facto julgada provada:

a. Imputação de facto falso (facto 4): «Ao requerente são, quase sempre, conferidos prazos de 10 dias para responder, nomeadamente aos requerimentos da requerida, enquanto que a esta os prazos para o mesmo efeito, são de dois dias ou de cinco, no máximo». Falsidade dessa imputação (facto 25): «A assistente ao fixar prazos no processo nunca visou prejudicar CC e beneficiar DD, tendo-se antes regido sempre por uma estrita preocupação de aplicação da lei às especificidades do caso concreto».

b. Imputação de facto falso (facto 5): «São conhecidas as ligações da Mmª Juiz ao Conselheiro Dr. EE − testemunha profusamente arrolada pelo Requerido − e deste ao Requerido». Falsidade dessa imputação (factos 23 e 24): «A assistente apenas conhece o Juiz Conselheiro Dr. EE pela sua obra publicada, nunca teve a oportunidade de comunicar directamente ou por interposta pessoa com ele, nunca teve oportunidade de ter qualquer relação pessoal com Dr. EE»; «O referido Sr. Juiz Conselheiro apenas foi arrolado como testemunha num incidente de incumprimento no processo n.º 325/08.7TBSTR-B, embora tenha sido necessário primeiro apreciar um pedido de indeferimento da sua admissão como testemunha, sendo posteriormente, requerida e admitida a apresentação do respectivo depoimento por escrito atento o disposto no art. 624.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil.

c. Imputação de facto falso (facto 6, primeira parte): «Verifica-se a existência de inimizade grave por parte da Mmª Juiz em relação à requerida». Falsidade dessa imputação (facto 21): «A assistente não conhecia CC antes de lhe serem distribuídos os autos n.º 325/08.7TBSTR, apenas teve contacto com ela no quadro funcional adveniente do processo, nas decisões que proferiu apenas se guiou pela sua leitura dos factos e do direito aplicável e subsiste sem qualquer relação pessoal com ela».

d. Imputação de facto falso (facto 6, segunda parte): «Verifica-se a existência […] de uma grande intimidade desta [Mmª Juiz] com o requerente». Falsidade dessa imputação (facto 22): «A assistente só conheceu essa pessoa em virtude do processo n.º 325/08.7, logo no exercício das suas funções, apenas o tendo visto e contactado com ele em diligências processuais, não tendo qualquer grau de intimidade com aquele e nem sequer se verificou qualquer relação para além da referida e estrita dimensão processual, não tendo, nomeadamente, ocorrido entre eles quaisquer comunicações extraprocessuais (directamente ou por interposta pessoa)».

e. Refira-se que a referida imputação de uma falsa relação da assistente com o Sr. Juiz Conselheiro EE (factos 5, 23 e 24), e a falsidade de que este tinha sido profusamente arrolado no processo n.º 325/08.7TBSTR visava também demonstrar a imputação falsa de «grande intimidade» da assistente / lesada com o requerido no processo n.º 325/08.7TBSTR, pois «o Sr. Juiz Conselheiro Dr. EE é amigo desde há alguns anos dos pais de DD e deste» (facto 20), isto é, trata-se de um facto falso utilizado instrumental da comprovação de um outro facto falso a existência de grande intimidade da assistente/lesada com a parte de um processo de regulação das responsabilidades parentais em que «existia uma forte conflitualidade e divergência ao nível processual entre requerente e requerida e onde se suscitavam questões particularmente complexas e graves como alegados abusos sexuais de menor e o risco de repetição de actos da mesma natureza por parte do progenitor» (facto 39).

13. O acórdão recorrido para sustentar o argumento de que os factos, apesar da calúnia ter gerado danos, mas não são ilícitos (pp. 50-51) invoca uma referência doutrinária (de 1945) e três jurisprudenciais (de 1917, 1926 e de 1954) que, além de vetustas, não têm qualquer relação com a matéria de facto (reportam-se a excessos de linguagem e não a imputações de factos falsos e caluniosos), nem apresentam qualquer conexão com o direito aplicável — dessa forma revelando os flagrantes erros de enquadramento e qualificação jurídica de que padece a decisão ora recorrida.

14. Na decisão recorrida existe um único acórdão citado para fundamentar a tese da licitude da conduta do arguido com menos de 60 anos, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 28-11-2007 (163/01.8TBAND.C1) sendo também o único aresto citado cujo teor apresenta relação com a questão jurídica suscitada, contudo, lamentavelmente, o acórdão recorrido limitou-se a copiar e colar uma transcrição utilizada por uma parte, parecendo ignorar que o referido aresto da Relação de Coimbra, num caso de ilicitude significativamente menos grave do que o dos presentes autos, decidiu conforme o direito aplicável, pelo que em sentido oposto e antagónico do acórdão ora recorrido (como a seguir se demonstrará)!

15. A única norma invocada pelo acórdão recorrido para considerar justificada a ilicitude (penal e civil) da conduta do arguido foi o artigo 180.º, n.º 2, do C.P. em que, para além de ignorar as opções dogmáticas e de política legislativa aí expressas desrespeita de forma frontal todos os elementos da interpretação normativa, gramatical, teleológico e sistemático: «A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e  b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira».

16. O significado da conjunção coordenativa “e” não deixa margem para dúvida no sentido do erro jurídico do acórdão recorrido que não atendeu a que a justificação da ilicitude depende do preenchimento de dois requisitos cumulativos (por força de uma ponderação de política legislativa e dogmática enfatizadas pela generalidade da doutrina e jurisprudência), sendo certo que as imputações formuladas eram falsas e o arguido não tinha qualquer fundamento para as reputar verdadeiras, exigência cumulativa de requisitos que é um dado pacífico para a operatividade da causa de justificação enquanto pressuposto positivo, «o adimplemento do dever de comprovação ou informação» (v.g. Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade pessoal, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 367)

17. Questão que merece o consenso da jurisprudência sobre o sentido e pressupostos da referida causa de justificação e de que não se aplica a calúnia verificada no caso [vejam-se a título de exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 4-3-2010 (processo n.º 213/07.4TAARL.E), de 28-2-2012 (213/07.4TAARL.E1), 19-11-2015 (854/12.8TALLE.E1)] em consonância com toda a doutrina sobre a matéria (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, Universidade Católica, 2008, pp. 497-498; Costa Andrade, op. cit., p. 324; Faria Costa, op. cit. 2012, p. 919).

18. Como referimos, a conclusão jurídica do acórdão recorrido é oposta à da única fonte que invoca conexa com a matéria apreciada, o acórdão do TRC de 28-11-2007 (163/01.8TBAND.C1) transcrito parcialmente (através de mera cópia de transcrição anteriormente apresentada por uma parte, embora omitindo as passagens e a conclusão que não interessavam ao objectivo de quem o invocou e que, aparentemente, o tribunal recorrido ignorou), desatendendo a que no referido acórdão do TRC de 28-11-2007 se formula uma conclusão que pode ser transposta mutatis mutandis para o presente caso: «Ora, no caso dos autos, o recorrente, além de factos, atribui também aos demandantes juízos ofensivos das respectivas honras. O que, sem mais, prejudica a possibilidade de ponderação de tal causa de exclusão da ilicitude. Acresce, contudo, que mesmo quanto aos factos imputados, não logrou o recorrente provar a sua veracidade, bem como não conseguiu demonstrar ter fundamento sério, para neles acreditar.»

19. Daí que, nesse aresto de 28-11-2007 o Tribunal da Relação de Coimbra tenha confirmado a condenação no pedido civil proferida em primeira instância impugnado em recurso pelo demandado civil com base no seu estatuto profissional e no facto de ter praticado a difamação em sede de contestação de acção judicial de investigação da paternidade (sendo certo que nesse processo a absolvição penal decorreu de prescrição que os tribunais assumiram de forma frontal).

20. A ideia de que uma pretensão judiciária não constitui necessariamente um fim legítimo é, aliás, destacada de forma pacífica pela doutrina, «não existe uma presunção absoluta de interesse público em relação a toda a actividade judiciária» (Polvani, apud Faria Costa ops. cits. 1999, p. 619, 2012, p. 922), mesmo quando se imputam factos verdadeiros, muito menos quando se imputam factos falsos.

21. Sendo certo que no caso presente a situação se apresenta de forma ainda mais evidente pois os factos imputados eram falsos (sendo consequentemente ilegítima a sua invocação independentemente do dano e exisita qualquer elemento que permitisse sequer suspeitar sobre a eventual veracidade da ficção, cf. factos 34 e 41), demonstrada a falsidade manteve-se a imputação (para subsistir no efeito ilegítimo pretendido de prorrogar a remoção de juiz, factos 29 e 30), isto é, num caso que integra o tipo de calúnia agravado, o arguido formulou as múltiplas imputações por si mesmo, procedendo a várias ficções (factos 4, 5, 6, 7 e 9) no sentido de transmitir, sem qualquer suporte na realidade (factos 8, 10, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28), a imagem de uma «juíza desonesta» conforme se estabeleceu na matéria de facto provada (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59).

22. Acrescente-se que a matéria de facto provada, além de não fornecer nenhum elemento que sustente, em passo algum, o erro jurídico do acórdão recorrido (fruto de uma construção desligada dos dados do caso), estabeleceu de forma inequívoca o dolo directo e muito intenso do arguido quanto à calúnia e ofensa da lesada, como se passa ilustrar:

a. Facto 28: «Até à data da apresentação do requerimento do incidente de suspeição nenhuma decisão judicial proferida pela assistente no processo n.º 325/08.7 e respectivos apensos tinha sido revogada por tribunal superior ou objecto de recurso do Ministério Público.»

b. Facto 29: «Foi formulada pela assistente resposta em que, nomeadamente, nega as falsidades que lhe são imputadas, tendo o arguido advogado AA sido notificado da mesma não se retractou, subsistindo com as referidas imputações e não desistindo do seu requerimento».

c. Facto 30: «Mantendo o seu requerimento com as respectivas imputações, apesar de notificado do inequívoco desmentido da lesada, bem como os pedidos de diligências probatórias a realizar pela juíza substituta, o arguido pretendeu, e conseguiu, que a remoção da juíza do processo subsistisse até à intervenção do presidente do Tribunal da Relação de Évora e que mais pessoas viessem a saber que ele mantinha as imputações relativas à lesada, nomeadamente, o desembargador destinatário final do requerimento.»

d. Facto 33: «O arguido formulou as imputações no processo e por escrito em termos que sabia gerarem a ampla divulgação no local de trabalho da lesada, nomeadamente entre magistrados e funcionários que aí prestam funções, entre as partes intervenientes no processo e ainda ao nível do tribunal superior que pretendia que fosse chamado a pronunciar-se sobre a imputação realizada.»

e. Facto 40: «O arguido sabia que a imputação que dirigiu à lesada ia ser lida por esta e conhecida, afectando-a, enquanto magistrada judicial, que a tem perturbado desde a data em que teve conhecimento dessas imputações e da sua divulgação.»

f. Facto 41: «O arguido formulou o incidente com base na consulta dos autos n.º 325/08.7 TBSTR», e facto 28 «[nesse processo e respectivos apensos] nenhuma decisão judicial proferida pela assistente tinha sido revogada por tribunal superior ou objecto de recurso do Ministério Público».

g. Facto 42: «O arguido AA ao dirigir o referido escrito — incidente de suspeição — àquele processo, representou e quis utilizar expressões e imputar factos relativamente à magistrada judicial titular do processo, a assistente Drª BB, bem sabendo que eram aptos a ofender a honra, a consideração pessoal, o bom nome, a dignidade profissional daquela magistrada e o bom exercício da sua profissão, para além de colocarem em causa o seu brio, equidistância e imparcialidade, qualidades e deveres que são próprios de qualquer magistrado.»

h. Facto 43: «O arguido actuou com a intenção directa de que a ora assistente fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade.»

i. Facto 44: «O arguido actuou ainda sabendo que dos factos que imputava à assistente resultava que a mesma fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade.»

j. Facto 45: «Actuou, ainda, ao imputar à assistente uma grande intimidade com o requerido DD e conexões com a família deste que teriam conformado contra a lei e os princípios jurídicos fundamentais decisões processuais em favor do seu íntimo e contra a patrocinada pelo arguido, CC, bem como em prejuízo do menor cujo poder paternal, enquanto juíza, tinha o dever de regular, conformando-se com tal resultado.»

k. Facto 46: «O arguido agiu sabendo que com os factos que imputava à assistente contra o seu bom nome e honra estes eram profundamente atingidos, nomeadamente, perante o Tribunal da Relação de Évora e perante todos os intervenientes e operadores que viessem a ter contacto com os autos e conhecessem a sua imputação, em particular, magistrados e oficiais de justiça que exercem funções no tribunal de Santarém, conformando-se com tal resultado.

l. Facto 47: «O arguido AA, que agiu livre, deliberada e conscientemente, conhecia bem que a sua descrita conduta lhe estava interdita por lei, porque ilícita.»

m. Facto 56: «O arguido como advogado que exerce há mais de 25 anos sabia que os factos imputados à lesada, a serem verdade, apresentavam enorme gravidade ética, jurídico-disciplinar e jurídico-penal e apenas podiam ser alegados com base em provas.»

n. Facto 57: «As pessoas que lessem o texto do arguido e as imputações que formulou relativamente à lesada, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que a lesada era uma juíza desonesta, consequência que o arguido representou e quis que se verificasse.»

23. Desta forma o arguido foi o autor de uma associação entre as supostas relações da juíza com as partes e alegada actuação parcial, através de uma construção ficcional suportada em várias falsidades com a qual pretendeu construir uma mensagem com um objectivo claro: Apresentar a assistente como uma magistrada que, violando deveres básicos, era parcial por força de factores contrários ao que a lei determina (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59), o desvalor de resultado compreende, assim, além da grave lesão da honra e bom nome da demandante (factos 31, 32, 54, 57, 58, 59), um impacto na própria administração da justiça (factos 27 e 49), tudo isso pretendido com dolo directo pelo arguido, sem que a prova inequívoca da falsidade da imputação, seu carácter calunioso, impacto na honra e bom nome da lesada e respectivo sofrimento tenham gerado qualquer retractação volvidos mais de seis anos (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47).

24. Num caso de calúnia como o provado nos presentes autos, nunca poderia considerar-se que estaria a ser prosseguido um interesse legítimo, o fim mediato prosseguido apenas agrava a ilicitude da conduta do arguido que com base na calúnia pretendeu afastar um juiz do processo distribuído de acordo com as regras jurídicas.

25. Subjacente ao acórdão recorrido parece estar uma tese implícita no sentido de que os advogados terão um direito absoluto para formular imputações ofensivas da honra e bom nome de juízes (e supõe-se de outras pessoas) insusceptíveis de restrição, podendo inclusive imputar factos falsos e caluniosos com o fim de derrogar o princípio do juiz natural, actuação que no acórdão recorrido foi qualificada como prossecução de um interesse legítimo.

26. O n.º 2 do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prescreve que o exercício da liberdade de expressão, «porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática», nomeadamente, para «a protecção da honra ou dos direitos de outrem» «ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial».

27. Para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em sentido oposto à tese da quase inimputabilidade dos advogados acolhida no acórdão recorrido: «O carácter excessivo e a falta de base factual de imputações litigiosas são agravados pelo facto de emanarem de um advogado» (Decisão unânime dos 7 juízes em Coutant c. França de 24-1-2008, pedido n.º 17155/03)

28. Jurisprudência europeia muito clara a traçar a distinção entre o uso de expressões ou mesmo argumentos cáusticos e a formulação de imputações factuais, campo em que é pacífico que os advogados não podem fazer considerações que ultrapassam a expressão de comentários e compreendem imputações expressas ou insinuadas sem uma base factual sustentada (assim § 78 acórdão unânime Karpetas c. Grécia de 30-10-2012), mesmo quando se trata de um juízo de valor com uma insinuação de comportamento profissional de um procurador realizada por um advogado, sublinha-se, que o respetivo sancionamento «se apresenta necessário para proteger os agentes da justiça contra ataques destituídos de fundamentos sérios» (cf. § 79 Karpetas c. Grécia de 30-10-2012 ;Decisão Sgarbi c. Itália, de 21-10-2008, e Decisão Sophie Floquet et Francis Esménard c. França, de 10-1-2012) — cf. com desenvolvimento pp. 16-22 da motivação.

29. Como se destacou nas conclusões precedentes, os cânones estabelecidos pelo n.º 2 do art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não só permitem como impõem a responsabilização civil (precedida de julgamento em tribunal judicial e ao abrigo do que se encontra previsto previamente na lei) do advogado que alega falsamente a existência de «grande intimidade» de uma juíza com uma parte e «inimizidade grave» com a outra parte associando a essas falsas relações imputações também falsas discriminações processuais e ficcionadas omissões de pronúncia em actuação dolosamente parcial.

30. A circunstância de essas imputações terem sido perpetradas com o objectivo de remover a juíza do processo derrogando as regras de competência judicial à luz dos princípios consagrados no art. 10.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art. 37.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, voltamos a sublinhar, reforça a legitimidade da sanção e deve ser ponderada como uma agravante para efeitos de indemnização (vd. conclusões infra sobre a indemnização civil).

31. No presente caso, a ordem jurídica constitucional impõe a tutela dos direitos pessoais da pessoa ofendida, por força do artigo 26.º, n.º 1 da Constituição, através da requerida responsabilização civil do caluniador.

32. Nesta medida a interpretação do acórdão recorrido do complexo normativo constituído pelos artigos 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 484.º, n.º 1, 496.º e 563.º do Código Civil articulado com o disposto nos artigos 180.º, nºs 1 e 2, 182.º, 183.º, n.º 1 a) e b), 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (C.P.) é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 1.º, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da Constituição.

33. Acórdão recorrido que também violou o disposto nos arts. 83.º, 84.º, 85.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), 92.º, n.º 2, 103.º e 105.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados, complexo normativo claro no sentido de que os advogados podem incorrer em responsabilidade civil, penal e disciplinar por actos praticados no quadro do patrocínio forense.

B. Quanto à indemnização civil

34. Os factos provados revelam, em resumo, que, num caso que integra o tipo de calúnia agravado, o arguido formulou as múltiplas imputações por si mesmo, procedendo a várias ficções (factos 4, 5, 6, 7 e 9) no sentido de transmitir sem qualquer suporte na realidade (factos 8, 10, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28) a imagem de uma «juíza desonesta» como se diz na matéria de facto (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59), estando provado que produziu todos os resultados danosos com dolo directo muito intenso (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56).

35. Em face do exposto, estão reunidos todos os pressupostos para a responsabilidade civil por ilícito extracontratual perpetrado estando provados de forma inequívoca que os factos ilícitos provados geraram danos no bom nome e integridade pessoal sofridos pela lesada em virtude da conduta do arguido demandado civil (factos 30, 31, 32, 33, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 54, 56, 57, 58, 59):

a. Facto 30: «Mantendo o seu requerimento com as respectivas imputações, apesar de notificado do inequívoco desmentido da lesada, bem como os pedidos de diligências probatórias a realizar pela juíza substituta, o arguido pretendeu, e conseguiu, que a remoção da juíza do processo subsistisse até à intervenção do presidente do Tribunal da Relação de Évora e que mais pessoas viessem a saber que ele mantinha as imputações relativas à lesada, nomeadamente, o desembargador destinatário final do requerimento.»

b. Facto 31: «No dia 8 de Junho de 2009, a assistente ao ler a referida alegação sentiu-se profundamente atingida na sua honra e dignidade pessoais e profissionais.»

c. Facto 32: «Perturbação que subsiste e que a continua a afectar.»

d. Facto 33: «O arguido formulou as imputações no processo e por escrito em termos que sabia gerarem a ampla divulgação no local de trabalho da lesada, nomeadamente entre magistrados e funcionários que aí prestam funções, entre as partes intervenientes no processo e ainda ao nível do tribunal superior que pretendia que fosse chamado a pronunciar-se sobre a imputação realizada.»

e. Facto 40: «O arguido sabia que a imputação que dirigiu à lesada ia ser lida por esta e conhecida, afectando-a, enquanto magistrada judicial, que a tem perturbado desde a data em que teve conhecimento dessas imputações e da sua divulgação.»

f. Facto 42: «O arguido AA ao dirigir o referido escrito — incidente de suspeição — àquele processo, representou e quis utilizar expressões e imputar factos relativamente à magistrada judicial titular do processo, a assistente Drª BB, bem sabendo que eram aptos a ofender a honra, a consideração pessoal, o bom nome, a dignidade profissional daquela magistrada e o bom exercício da sua profissão, para além de colocarem em causa o seu brio, equidistância e imparcialidade, qualidades e deveres que são próprios de qualquer magistrado.»

g. Facto 43: «O arguido actuou com a intenção directa de que a ora assistente fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade.»

h. Facto 44: «O arguido actuou ainda sabendo que dos factos que imputava à assistente resultava que a mesma fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade.»

i. Facto 45: «Actuou, ainda, ao imputar à assistente uma grande intimidade com o requerido DD e conexões com a família deste que teriam conformado contra a lei e os princípios jurídicos fundamentais decisões processuais em favor do seu íntimo e contra a patrocinada pelo arguido, CC, bem como em prejuízo do menor cujo poder paternal, enquanto juíza, tinha o dever de regular, conformando-se com tal resultado.»

j. Facto 46: «O arguido agiu sabendo que com os factos que imputava à assistente contra o seu bom nome e honra estes eram profundamente atingidos, nomeadamente, perante o Tribunal da Relação de Évora e perante todos os intervenientes e operadores que viessem a ter contacto com os autos e conhecessem a sua imputação, em particular, magistrados e oficiais de justiça que exercem funções no tribunal de Santarém, conformando-se com tal resultado.

k. Facto 54: «A mera dúvida sobre o cumprimento do dever de imparcialidade, bem como da transparência e lisura no tratamento e comunicação com as partes afecta profundamente a honra e dignidade da Assistente e põe em causa uma atitude empenhada na defesa desses valores, de uma juíza que em Setembro de 2011 perfez 17 anos de antiguidade na carreira.»

l. Facto 56: «O arguido como advogado que exerce há mais de 25 anos sabia que os factos imputados à lesada, a serem verdade, apresentavam enorme gravidade ética, jurídico-disciplinar e jurídico-penal e apenas podiam ser alegados com base em provas.»

m. Facto 57: «As pessoas que lessem o texto do arguido e as imputações que formulou relativamente à lesada, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que a lesada era uma juíza desonesta, consequência que o arguido representou e quis que se verificasse.»

n. Facto 58: «Mesmo a dúvida sobre a veracidade ou falsidade das imputações formuladas pelo arguido contra a lesada, que, no mínimo se suscitaria a qualquer um que lesse o requerimento do arguido e não conhecesse pessoalmente a lesada, implicava uma especial desconfiança relativamente à idoneidade e isenção desta, bem como à sua credibilidade no exercício de funções judiciais, facto que o arguido representou e quis que se verificasse.»

o. Facto 59: «Suspeita com uma gravidade tal susceptível de conformar futuras representações sobre a honestidade da lesada.»

36. Desvalor de resultado quanto aos danos acentuado pela gravidade das imputações (desonestidade muito grave na actuação judicial dolosamente parcial) e pela circunstância de o impacto na esfera da lesada persistir pela ausência de qualquer retractação do arguido demandado.

37. Na ponderação da ilicitude da conduta do arguido ao nível dos desvalores de acção e de resultado importa destacar a falsidade de todas as imputações do arguido que visaram assistente — não existindo nenhum motivo ao nível das relações pessoais da lesada ou de natureza processual para qualquer suspeita sobre uma actuação parcial, aliás, nenhuma decisão da assistente proferida nos autos de regulação do poder paternal veio a ser alterada pelo Tribunal da Relação, e nenhum dos outros magistrados judiciais que intervieram no processo em primeira instância posteriormente à assistente modificaram as suas decisões no sentido de restringir ou limitar os direitos do progenitor, em particular no que concerne às visitas.

38. A única alteração ocorrida foram as decisões proferidas, por outra juíza, e transitadas em julgado (depois de recursos) no sentido de ampliação dos direitos do progenitor, atribuindo-lhe primeiro a guarda provisória e depois a guarda definitiva do menor – cf. prova documental que compreende a decisão judicial de 18-5-2010 que atribuiu a guarda provisória do menor FF ao progenitor (fls. 707-735 do processo n.º 325/08.7-Apenso P cuja certidão se encontra apensa aos presentes autos) e a sentença de 24-10-2010 pela qual a guarda do menor FF foi atribuída ao progenitor (fls. 1625-1726 do processo n.º 325/08.7-Apenso P cuja certidão se encontra apensa aos presentes autos).

39. Por seu turno, no relatório exaustivo de inspecção do serviço prestado pela assistente (admitido como prova na sessão de 6-1-2012) as imputações que o arguido retoma no seu recurso foram devidamente apreciadas como «manifestamente infundadas».

40. A tese do arguido formulada de forma expressa na sua contestação e mantida no recurso interposto e que deu origem ao acórdão recorrido de que a honra das pessoas que são juízes por essa circunstância profissional não merece tutela da ordem jurídica contraria princípios básicos sobre os direitos de personalidade e sobre a própria integridade do sistema judicial, gerando no caso danos na honra externa claros e evidentes da lesada enquanto pessoa e magistrada judicial, pelo menos para quem ache que os juízes devem ser íntegros.

41.  Para o arguido imputações de desonestidade e parcialidade visando a pessoa de um juiz «não passam de simples vicissitudes da carreira judicial tão comuns que não podem dar origem a danos de prejuízo relevante» (art. 53 da contestação), perspectiva do arguido que apenas revela o grau da culpa e de conduta desconforme a ordem jurídica e as exigências reforçadas de prevenção especial!

42. Como tem insistido o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem numa asserção reiterada em múltiplos acórdãos: «A acção dos tribunais, que são garantes da justiça e cuja missão é essencial no Estado de direito, precisam da confiança do público. E atendendo à função chave dos advogados neste domínio é de lhes exigir que contribuam para o bom funcionamento da justiça e para a confiança do público na justiça» (cf. pp. 16-22 da motivação).

43. Os factos provados n.º 33, 35, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 49, 54, 55, 56, 57, 58, e 59, revelam que a calúnia foi o instrumento utilizado no quadro de uma actividade profissional, por intuitos derivados da mesma em que as dimensões relacionais derivam das funções dos envolvidos no sistema de justiça cuja integridade, por seu turno, está dependente da idoneidade, isenção e honestidade das pessoas que nele prestam funções e em particular os juízes.

44. Afirmar que um juiz está em conluio com uma parte e é íntimo de uma das pessoas envolvidas num conflito que tem a responsabilidade judicial de dirimir e atuou conformado por essa relação assume uma excepcionalidade impar, sendo esses factos falsos e visando a imputação remover o juiz de um processo tal circunstância não justifica a ilicitude antes constitui uma agravante da mesma (tanto mais grave quanto se afirma que a a juíza por via de grande intimidade com o pai de um menor e alegado abusador sexual do mesmo, deixa o menor em risco, discriminou as partes, favorecendo ilicitamente o pai do menor e prejudicando a mãe, contra a qual seria alimentada por uma inimizidade e a criança, proferindo decisões contra direito e a prova produzida no processo por via do seu interesse e empenho pessoal).

45. O desvalor de resultado compreende uma calúnia sobre a assistente demandante em que foi apresentada como uma magistrada que, violando deveres básicos, era parcial por força de factores contrários ao que a lei determina (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59), ressaltando, além da grave lesão da honra e bom nome da demandante (factos 31, 32, 54, 57, 58, 59), um impacto na própria administração da justiça (factos 27 e 49), tudo isso pretendido com dolo directo pelo arguido, sem que a prova inequívoca da falsidade da imputação, seu carácter calunioso, impacto na honra e bom nome da lesada e respectivo sofrimento tenham gerado qualquer retractação volvidos mais de seis anos (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47).

46. Impacto pessoal, na profissão associada à honra da profissão, mas atingindo a vida familiar, o qual é prolongado (factos 31, 32, 40, 54, 57, 58, 59, neste ponto atente-se, ainda, na motivação de facto da sentença), atingindo uma pessoa com elevada probidade e altamente exigente e rigorosa no plano moral e ético-profissional (factos 50, 53, 54).

47. Na ponderação da culpa do arguido demandado civil releva que o demandado associou a ofendida a comportamentos incompatíveis com as suas obrigações, sendo mesmo concretizadores da prática de crime de denegação de justiça e prevaricação (p. e p. pelo artigo 369.º, n.º 2, do Código Penal), calúnia empreendida por parte de quem tem especiais deveres de saber o significado e repercussão das graves ofensas perpetradas (factos 30, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56, 57, 58, 59).

48. Acresce que as lesões da ofendida subsistem e se acentuaram pela persistente imputação pelo arguido de falsidades ofensivas da sua honra e bom nome, um ataque que a visou apenas pelo facto de a lesada cumprir o seu dever ético e profissional sem ceder a intimidações ou pressões e, volvidos seis anos a provação da assistente continua (factos 29, 30, 31, 32, 33, 35, 40, 53, 54, 57, 58, 59).

49. O arguido produziu todos os resultados danosos com dolo directo muito intenso (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56), o que, atenta ainda a sua profissão, denota uma forte necessidade de prevenção especial.

50. Existe uma outra dimensão que deve relevar para a indemnização civil: A conduta delituosa opera-se por convicção contra a lei e os valores relativos aos direitos de personalidade de terceiros, caluniou a assistente com várias imputações falsas e muito graves, não se arrepende, acha que os juízes cuja honra e bom nome pessoal e profissional são atingidos têm de se submeter, isso mesmo diz na sua contestação: «as mágoas articuladas pela demandante não passam de simples vicissitude da carreira judicial» (artigo 53, fls. 896).

51. As exigências de prevenção especial são ainda reveladas pela conduta do arguido anterior, em particular o facto n.º 48: O arguido tinha sido condenado por sentença de 2-4-2009  como autor material e sob a forma consumada de um crime de injúria, em concurso efectivo com um crime de difamação agravado, tendo os factos sido praticados pelo arguido no exercício da advocacia em processo de regulação do poder paternal em que «lesou a honra e consideração devida ao ofendido, desde logo enquanto juiz, uma vez que colocou em causa a sua imparcialidade no que concerne à direcção da audiência de discussão e julgamento, imputando ao ofendido uma postura que não deve nem pode ter».

52. Atenta a conduta do arguido volvidos apenas 2 meses sobre anterior condenação exclusivamente penal e ausência de efeito da mesma na sua conduta, revela-se a necessidade no caso da função social da indemnização, como reacção à culpa, o crime não pode continuar a compensar!

53. A conduta do arguido demandado posterior aos factos ilícitos é factor que deve ser atendido para efeitos da ponderação da culpa com vista à fixação da indemnização para se valorar as exigências de prevenção especial, em face do disposto nos artigos 496.º, n.º 3 e 494.º, do Código Civil.

54. O arguido nunca se retractou, nem depois do desmentido veemente da assistente logo após a produção das imputações caluniosas que foram mantidas pelo arguido (facto 29), nem até à data, depois de conhecida toda a dimensão da calúnia e do seu impacto na lesada (factos 31, 32, 40, 54, 57, 58, 59),

55. No processo o arguido apenas agudizou a dimensão caluniosa da sua conduta, inclusive na motivação do recurso que deu origem ao acórdão recorrido em linha com o que foi demonstrado através dos trechos das seguintes peças: Na contestação (fls. 885-901); recurso entrado em 13-2-2012 (fls. 2099-2100); recurso entrado no dia 23-3-2012 (fls. 2286-2293); recurso entrado em Maio de 2012 (fls. 2475-2509) — cf. pp. 34-35 da motivação.

56. Pelo que, as provas abundantes da falsidade dos factos que imputou, bem como do sofrimento produzido e ofensa da honra da lesada, nunca o levaram a retractar-se, pelo contrário, e em relação a duas testemunhas essenciais que, de forma idónea e isenta, desmentiram alguns dos factos nucleares veio a anunciar que as iria perseguir criminalmente — quanto ao Conselheiro EE vejam-se fls. 1658 e quanto ao Sr. Alexandre Azinheira veja-se fls. 1691.

57. Como sublinha o Conselheiro Abrantes Geraldes, «a função punitiva» da indemnização deve ser empregue «com o objectivo de desincentivar junto do agente ou da comunidade em geral, a repetição dos actos ilícitos perante a insatisfatória resposta dos objectivos tradicionalmente traçados».

58. Na mesma linha tem-se pronunciado a generalidade da doutrina e jurisprudência mais recentes (cf. pp. 37-41 desta motivação), pois como destaca Paula Meira Lourenço, «O lesado deve ser compensado ou desagravado, na medida em que o lesante deva ser punido, devendo para tanto atender-se aos critérios enunciados no artigo 494.º e ao bem jurídico que a norma violada visa proteger. […] Assim o “grau de culpabilidade do agente” enunciado no artigo 494.º deve permitir a atribuição ao lesado de um montante mais elevado, se o agente tiver actuado com dolo».

59. «Em caso de culpa muito grave do lesante é admissível a aplicação de um montante puramente punitivo que acresça ao dano».

60. Dimensão punitiva da indemnização que tem sido destacada como fundamental na ponderação a indemnização por danos morais sofridos em virtude de ilícitos penais com culpa elevada, pela doutrina entretanto generalizada e de forma cada vez mais enfática pela jurisprudência dos tribunais superiores, sendo paradigmático o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-2-2014 (287/10.0 TBMIR. S1) onde se sublinha:

«Os danos punitivos visam promover o respeito pelas normas de conduta da sociedade e influenciar o comportamento dos agentes económicos. Também são designados por exemplary damages, pois visam orientar os agentes económicos na conduta correcta e exprimem a reacção da sociedade a uma conduta ilícita, que tem impacto, não apenas individual, mas social.

«Na prática, a categoria resulta de uma jurisprudência criativa que, preocupada com a justiça, condena o lesante, em casos de dolo ou de culpa grave, ao pagamento de uma quantia mais elevada do que os padrões habituais.»

61. Destacando-se, nomeadamente, que um campo central em que a figura opera é «no domínio da responsabilidade civil extracontratual (lesão de direitos de personalidade)».

62. Os factos provados n.º 33, 35, 40, 48, 49, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 revelam que a calúnia foi o instrumento utilizado no quadro de uma actividade profissional (facto 55), por intuitos derivados da mesma afectando as funções dos envolvidos no sistema de justiça cuja integridade, por seu turno, está dependente da idoneidade, isenção e honestidade das pessoas que nele prestam funções e em particular os juízes.

63. O desvalor de acção é reforçado pela referida condição profissional, tendo o arguido com a conduta descrita violado ainda os deveres próprios da profissão, nomeadamente, os previstos nos artigos 83.º, 84.º, 85.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), 92.º, n.º 2, 103.º e 105.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

64. O arguido agiu movido pelos seus interesses profissionais próprios, no quadro de uma actividade que exerce como fonte de rendimentos económicos (cf. factos 27, 30, 33, 35, 44, 46, 48, 49, 50, 55, 56, 57, 58 e 59).

65. Entende-se desta forma que no juízo sobre a indemnização deve ser ponderada a grande ilicitude da conduta do arguido, tanto ao nível do desvalor de acção como de resultado e ao dolo intenso e culpa muito grave do arguido

66. Devendo ser convocada a dimensão sancionatória ou de compensação punitiva da indemnização por danos morais relativos ao direito geral de personalidade, e as dimensões preventiva especial e geral que se devem repercutir na indemnização por danos morais; acresce que, no caso concreto, a lesão foi perpetrada no quadro de uma específica situação relacional (em que existe uma obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil para defesa do lesado) e se verificam especiais exigências de tutela e ponderação com enfoque na culpabilidade (cf. pp. 41-44 da motivação).

67. Sendo, por outro lado, pacífico que no caso de obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil o factor único de ponderação para efeitos do artigo 494.º do Código Civil é a culpa do lesante (assim vd. por todos Paula Meira Lourenço, op. cit, p. 292).

68. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem sido progressivamente mais enfática nas exigências de tutela efectiva através de indemnizações relevantes dos danos morais, veja-se o que foi determinado num caso muito menos grave de lesão do direito à honra direitos de personalidade (sem calúnia nem imputação expressa de factos), pelo STJ no acórdão de 25-3-2010 processo 576/05.6TVLSB.S1, e o que foi fixado pela mesma instância a título de danos morais (100.0000 euros), no acórdão de 25-2-2014 (287/10.0 TBMIR. S1), fundamentando-se na culpa grave do lesante, num caso em que os factos apresentam menos intensidade em termos de sofrimento da vítima e também dolo consideravelmente menos intenso, e um exemplo de anti-socialidade e convicção delitual muito menos ostensivo do que o dos presentes autos.

69. Refiram-se os factores então ponderados pelo Supremo Tribunal no acórdão de 25-2-2014: «O grau de ilicitude e o grau de culpa dos vendedores é muito elevado. Podemos mesmo falar, a este propósito, de dolo», «os princípios da boa fé e os deveres de lealdade exigiam dos réus outra conduta», «a boa fé, numa lógica de cooperação e de colaboração, exige que cada uma das partes pense nos interesses da outra», sublinhando-se, «a situação do caso dos autos, para além de ser grave para os interesses do autor, é também grave do ponto de vista social e económico, e exige, portanto, a ponderação da finalidade sancionatória da responsabilidade civil, por razões simbólicas e preventivas».

70. Atento o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e nos artigos 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 484.º, n.º 1 e 496.º, do Código Civil o arguido deve ser condenado no pagamento de indemnização à assistente no montante de €125.000 acrescidos de juros vincendos desde a altura da citação do pedido civil.

C. Quanto à condenação em custas da assistente demandante civil

71. O acórdão recorrido apresenta-se afectado na parte em que condenou a assistente demandante civil em custas atingido por uma dupla violação jurídica, que se suscita nesta sede ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 616.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (ex vi artigo 4.º do C.P.P.).

72. Com efeito, violou o disposto nos arts. 3.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. c), do Regulamento das Custas Judiciais na medida em que essas normas isentam a assistente e demandante civil de custas no presente processo porquanto é juíza de direito tendo o ilícito objecto dos autos sido praticado por causa do exercício das suas funções, pelo que a intervenção processual como assistente e demandante cível e subsequente intervenção processual ocorrem por via do respectivo exercício de funções de magistrada judicial, qualidade em que foi visada pela actuação do arguido demandado civil.

73. Violou, ainda, o caso julgado formal constituído sobre a matéria e, consequentemente, o disposto nos artigos 620.º e 628.º do CPC (ex vi artigo 4.º do CPP), porquanto foi reconhecido por todas as decisões proferidas no presente processo que a assistente demandante civil beneficia da isenção de custas nos presentes autos — nomeadamente, despacho de admissão da constituição como assistente de 20-2-2010 do proc. 953/09.3TASTR, despacho judicial de 18-2-2011 (fls. 918 dos autos principais), mantidas na sentença de 30-4-2012 todos no proc. 953/09.3TASTR e reconhecidas como transitadas em julgado pelo acórdão de 21 de Maio do Tribunal da Relação de Évora no proc. 953/09.3TASTR.E1.O tribunal ao omitir a comunicação da sentença à Ordem dos Advogados violou o disposto pelo artigo 116.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, pelo que a decisão final deve ser comunicada nos termos desse preceito.

            Termos em que, deve revogar-se o acórdão recorrido como pedido nas conclusões precedentes com as legais consequências, determinando-se, nomeadamente:

- A condenação do arguido no pagamento de indemnização à assistente no montante de €125.000 acrescidos de juros vincendos desde a altura da citação do pedido civil;

Assim se fará

                                         Justiça.


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Responderam à motivação do recurso:

O arguido, que encabeça a resposta (sem conclusões) com o seguinte:

Sumário: I – O recurso deve ser recusado in limine, porque no sistema da adesão a irrecorribilidade da sentença é uma irrecorribilidade geral que não deixa abertura para a impugnação indemnizatória; II – De qualquer modo, os factos que têm de ser dados como provados, no que diz respeito à absolvição crime, transitada e por isso indiscutíveis, não dão margem ao tema da mera culpa como base da indemnização; III – Esta nunca poderia, mesmo em contrário, ser graduada sob um critério dissuasor (que afaste o rigor da teoria da diferença), precisamente porque o dolo foi posto de lado no trânsito penal; IV – Mas, segundo a prova linguística, não houve por parte do advogado uma intenção ofensiva na escolha das expressões “inimizade grave” e “grande intimidade”, usadas para descrever a relação entre a juíza e as partes envolvidas no processo (causa de menores, onde o recorrido requereu a suspeição da magistrada); V – Parecer que decorre do estudo e análise científica, sem mais, do texto da autoria dele, advogado, tal como ficou escrito e foi apresentado na lide (e não de prova da subjectividade ou propósitos mais ou menos imaginados de AA) o qual, por isso mesmo, afasta (elide) qualquer pretensão indemnizatória residual, perante a imunidade do patrocínio forense, consagrada no art.º 208.º da CRP e art.º 10.º CEDH.  



O Ministério Público, que remata em conclusão;

“1- Nos termos do artigo 4° nº1 alínea c) do RCP estão isentos de custas os magistrados em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções.

2- Radicando a acção cível instaurada pela recorrente em factos consubstanciados em acusação penal deduzida contra o arguido por causa do exercício do poder jurisdicional daquela, nesse mesmo exercício, tem cobertura legal a pretendida isenção de custas.

Nestes termos, e nos demais de direito que doutamente se suprirão, entendemos ser de conceder provimento ao recurso interposto pela assistente, no que concerne à sua condenação em custas, revogando-se, nesta parte, o douto acórdão recorrido que deverá ser substituído por decisão que delas isente a recorrente.

Vossas Excelências, porém, melhor decidirão, conforme for de JUSTIÇA!”


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Neste Supremo, o Ministério Público p. o prosseguimento dos autos, e considerou que “O presente recurso visa exclusivamente questão cível para a qual carece o MºPº de legitimidade para intervir”

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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.


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Consta do acórdão recorrido:

“2 - A decisão recorrida.

No tocante aos factos (provados e não provados), e à motivação da decisão fáctica, é do seguinte teor a sentença revidenda:

“FUNDAMENTAÇÃO

Realizada audiência de julgamento na qual ocorreu a produção da prova, o tribunal procedeu à sua apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção – artº 127º do Código de Processo Penal, pelo que decide julgar:

ENUNCIAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS:

Da acusação:

1) BB, ofendida e assistente nos autos, é Magistrada Judicial e, entre 15/09/1999 e 31 /08/2009, exerceu funções junto do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Santarém.

2)    No âmbito do exercício das suas funções junto daquele juízo cível, a ofendida tramitou todos os processos que foram distribuídos ao mesmo, quer de natureza cível quer de família e menores, designadamente, elaborou todo o tipo de despachos, sentenças e acordos, bem como efetuou todas as diligências inerentes aos mesmos processos, como inquirições, conferências e audiências de julgamento.

3) O arguido AA é advogado, tendo, nessa qualidade, tido intervenção no processo de Regulação do Poder Paternal e respetivos apensos, com o n.º 325/08.7TBSTR, pendentes naquele Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, enquanto mandatário constituído por parte da progenitora do menor, a que se reportam os autos, CC.

4) No dia 4 de Junho de 2009, pelas 22h:16m, o arguido AA remeteu, via eletrónica, para os autos de Alteração da Regulação do Poder Paternal acima referidos, requerimento dirigido àquele processo, o qual foi concluso à titular do processo em 09-06-2009 e por meio do qual suscitou incidente de suspeição perante o Tribunal da Relação de Évora relativamente à Magistrada titular dos autos, Drª. BB, documento que consta de folhas 1 a 8 da certidão do incidente de suspeição apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido, no qual escreveu o seguinte:

Acresce que, percorrendo os já vastos 3 volumes do Processo 325/08-8, pode-se notar que ao Requerente são, quase sempre, conferidos prazos de 10 dias para responder, nomeadamente aos requerimentos da Requerida, enquanto a esta os prazos para o mesmo efeito, são de dois ou de cinco dias, no máximo”.

5) Bem como escreveu: “São conhecidas as ligações da Mmª Juiz ao Conselheiro Dr. EE - testemunha profusamente arrolada pelo Requerido - e deste ao Requerido, como melhor consta dos autos”.

6) Tendo concluído com as seguintes afirmações: “Tudo visto, verifica-se a existência de inimizade grave por parte da Mmª Juiz em relação à Requerida, bem como uma grande intimidade desta com o Requerente, o que, nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do n.º 1 do artigo 127º do C.P. C., se alega” - tudo ut teor dos itens/articulados do referido incidente de suspeição sob os nºs 5, 14 e 16, constante de fls., 11 a 16 e 722 a 724 e que aqui se dá por, integralmente, reproduzido para todos os efeitos legais -.

7)    Escreveu ainda no art.º 12.º do seu requerimento: «A Mmª Juiz titular deste processo, embora tenha considerado que, para a decisão desta matéria [alteração do regime de visitas no âmbito do referido processo de Regulação do Poder Paternal e respetivos apensos, com o nº 325/08.7TBSTR, o processo tinha natureza urgente, em 19 de Dezembro de 2008, indeferindo tal pedido, demora mais de 4 meses para decidir novamente tal pedido».

8) Com o requerimento formulado pela Requerida CC junto a 23-1-2009 a folhas 713 e seguintes do Processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, foi junta cópia do despacho de acusação datado de 8/1/2009, deduzido no processo de inquérito n.º 1256/07.3TASTR, que se encontra a folhas 719 a 723 de tal processo n.º 325/08.7TBSTR-B, documento cujo teor se da por reproduzido, na qual é imputada a pratica ao requerente DD de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punível pelos artigos 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na redação conferida pela Lei n. º 99/2001, de 25-8, em vigor até 14 de Setembro de 2007 e pelos artigos 171.º n.º 2 e 177.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, redação da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor desde 15-9-2007, tendo igualmente sido enviada ao referido processo em 2-2-2009, junta em 9-2-2009, cópia de tal acusação pelos serviços do M.º P.º, junta a folhas 754 a 759 de tal processo, documento cujo teor igualmente se da por reproduzido e em fase de instrução enviada em 5-3-2009 certidão de tal acusação junta a folhas 820 a 826 do referido processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, documento cujo teor igualmente se da por reproduzido.

9) Escreveu ainda o arguido no art.º 13.º do seu requerimento: «Conhecedora da acusação, por três vias, a saber, por cópia remetida pelo titular do processo-crime, por cópia junta aos autos pela requerida e por certidão, também remetida pelo titular - perca mais três meses para obter todos os meios de prova ali existentes, bem como a gravação das declarações para memória futura, prestadas pelo menor».

10)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 920 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 8-5-2009 a Assistente ordena que se solicite ao proc. n.º 1256/07.3TASTR a gravação das declarações para memória futura prestadas pelo menor FF.

11)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08.7TBSTR, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 365 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 16-9-2008 a Assistente ordena que se notifique a progenitora do menor recorrente para “a recorrente esclarecerá, no prazo de 2 dias, se pretende recorrer de todos os segmentos do despacho proferido em 11-8-2008 e, na negativa, quais os que são objeto do recurso ora interposto”.

12)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08. 7TBSTR, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 168 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 10-4-2008 a Assistente ordena que se notifique a progenitora do menor para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo requerido, via fax em 9/4/2008.

13)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08. 7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 282 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 1-9-2008 a Assistente ordena que se notifique DD do teor do requerimento de fls. 257-265 e para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o pedido de suspensão do regime de visitas fixado e sobre o que é agora proposto.

14)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 259 a 260 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 12-9-2008, a assistente ordena que se notifique a requerida para, no prazo de cinco dias “se pronunciar, querendo, sobre "os termos e horários" de permanência do menor FF na companhia de pai em conformidade com a cláusula supra referida” e para, no prazo de cinco dias, sugerir uma forma de comunicar ao progenitor do menor “todas as questões relevantes e referentes à vida e bem-estar do filho, nomeadamente a nível de saúde, escolaridade e outras”.

15)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 328 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 16/9/2008 a Assistente ordena que se notifica o requerido para, querendo, no prazo de dez dias se pronunciar sobre o requerimento de folhas 296-308 em anterior numeração 338-350, e fls., 353-355, para a requerida, no prazo de cinco dias, se pronunciar (art.º 181.º, n.º 2, da OTM).

16)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08. 7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 678 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 19/1/2009 a assistente ordena que se notifique o requerido do teor de folhas 670 a 672, 708 a 710, em anterior numeração e para, querendo, no prazo de cinco dias se pronunciar sobre o mesmo.

17)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n." 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 725 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 30/1/2009 a assistente ordena que se notifique o requerido para, querendo, no prazo de cinco dias se pronunciar sobre o efeito do recurso interposto a folhas 689, 721 em anterior numeração e para em dez dias, se pronunciar sobre o pedido de imediata suspensão do regime de visitas fixado no acordo firmado em Julho de 2006.

18) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 858 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 18/3/2009 a assistente ordena que se notifica a requerida via fax para no prazo de dois dias se pronunciar sobre o requerimento de folhas que se encontra a folhas 852 a 853, 870-871 em anterior numeração.

19)  Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º 325/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 950 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 21-5-2009 a assistente ordena que se notifica a requerida para no prazo de cinco dias se pronunciar sobre o requerimento de folhas que se encontra a folhas 922 a 932, 973-983 em anterior numeração.

20)  O Sr. Juiz Conselheiro Dr. EE é amigo desde a alguns anos dos pais de DD e deste.

21)  A assistente não conhecia CC antes de lhe serem distribuídos os autos n.º 325/08.7TBSTR, e apenas teve contacto com ela no quadro funcional adveniente do processo, nas decisões que proferiu apenas se guiou pela sua leitura dos factos e do direito aplicável e subsiste sem qualquer relação pessoal com ela.

22)  A assistente só conheceu essa pessoa em virtude do processo n.º 325/08.7TBSTR, no exercício das suas funções, apenas o tendo visto e contactado com ele em diligências processuais, não tendo qualquer grau de intimidade com aquele como nem sequer se verificou qualquer relação para além da referida e estrita dimensão processual, não tendo, nomeadamente, ocorrido quaisquer comunicações extraprocessuais, diretamente ou por interposta pessoa.

23)  A assistente apenas conhece o Juiz Conselheiro Dr. EE pela sua obra publicada, nunca teve a oportunidade de comunicar diretamente ou por interposta pessoa com ele, nunca teve a oportunidade de ter qualquer relação pessoal com Dr. EE.

24)  O referido Sr. Juiz Conselheiro apenas foi arrolado como testemunha num incidente de incumprimento instaurado no processo n.º 325/08.7TBSTR-B, embora tenha sido necessário primeiro apreciar um pedido de indeferimento da sua admissão como testemunha, sendo posteriormente, requerida e admitida a apresentação do respetivo depoimento por escrito, atento o disposto no art. 624.º n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil.

25)  A assistente ao fixar prazos no processo nunca visou prejudicar CC e beneficiar DD, tendo-se antes regido sempre por uma estrita preocupação de aplicação da lei às especificidades do caso concreto.

26)  A junção de prova mencionada no artigo 13.º do requerimento do incidente de suspeição e nomeadamente o deferimento do pedido de certidão formulado pelo magistrado do Ministério Público depois de ser junta cópia do processo-crime, nunca visaram qualquer atraso processual por força de um intento desviante da Assistente enquanto juíza.

27)  A apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do arguido visou remover a lesada enquanto juíza do processo em que foi formulado.

28)  Até à data da apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do Arguido nenhuma decisão judicial proferida pela assistente no processo n.º 325/08.7TBSTR e respetivos apensos tinha sido revogada por tribunal superior ou objeto de recurso do Ministério Público.

29)  Foi formulada pela assistente resposta em que, nomeadamente, nega os factos que lhe são imputados no incidente de suspeição, tendo o arguido advogado AA sido notificado da mesma, não se retratou mantendo as referidas imputações sem desistir do seu requerimento.

30)  Mantendo o seu requerimento com as respetivas imputações, apesar de notificado do desmentido da assistente, bem como os pedidos de diligências probatórias a realizar pela juíza substituta, o arguido pretendeu, e conseguiu, que a remoção da juíza assistente do processo subsistisse até à intervenção do presidente do Tribunal da Relação de Évora e que mais pessoas viessem a saber que ele mantinha as imputações relativas à assistente, nomeadamente o destinatário do requerimento, não relevando a resposta da visada que negava esses factos.

31)  No dia 8 de Junho de 2009, a assistente ao ler a referida alegação sentiu-se profundamente atingida na sua honra e dignidade pessoais e profissionais.

32)  Perturbação que subsiste e que a continua a afetar.

33)  O arguido formulou as imputações no processo e por escrito em termos que sabia gerarem ampla divulgação no local de trabalho da ora assistente, nomeadamente entre magistrados e funcionários que aí prestam funções, entre as partes intervenientes no processo e ainda ao nível do tribunal superior que pretendia que fosse chamado a pronunciar-se sobre a imputação realizada.

34)  O Senhor Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora considerou que em termos da legislação processual civil foi incorreto o procedimento adotado na medida em que o ora arguido AA «deduziu imediatamente o incidente de suspeição, sem previamente ter sido dado ensejo à Mm.ª Juiz de pedir escusa».

35)  Em consequência da apresentação do requerimento do incidente de suspeição no processo referido por parte do Arguido por essa via assumiram a respetiva instrução dois outros juízes do tribunal judicial de Santarém, a tramitação pelos serviços judiciais e, como requerido, e veio a suceder, a apreciação pelo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Évora.

36)  O arguido pediu aquando da dedução do incidente de suspeição que fosse junto ao incidente de suspeição «cópia da queixa da anterior mandatária da requerida [CC] contra a Mm.ª Juiz titular destes autos».

37)  Como assume na sua resposta ao incidente de suspeição, até então a assistente BB ignorava o teor da referida participação.

38)  Por força de oficio do Conselho Superior da Magistratura, n.º 005226, datado de 17-6-2009, remetido em 18-6-2009, e recebido em 19-6-2009, a ora assistente veio a ter conhecimento do teor das imputações da referida participação da advogada GG que tinha sido a anterior mandatária de CC que o arguido advogado AA pretendeu que complementasse o incidente de suspeição por si interposto, participação cuja cópia esta a folhas 34 a 43 v., documento cujo teor se da por reproduzido.

39)  No processo n.º 325/08.7 do 3.º juízo cível de Santarém ao tempo em que o arguido deduziu o incidente de suspeição existia uma forte conflitualidade e divergência ao nível processual entre requerente e requerida e onde se suscitavam questões particularmente complexas e graves como alegados abusos sexuais de menor e o risco de repetição de atos da mesma natureza por parte do progenitor.

40)  O arguido AA sabia que as imputações que dirigiu à assistente iam ser lidas por esta e conhecidas, afetando-a, enquanto magistrada judicial, o que a tem perturbado desde a data em que teve conhecimento dessas imputações e da sua divulgação.

41)  O arguido AA formulou o incidente de suspeição supra referido com base na consulta dos autos n.º 325/08.7TBSTR e seus apensos, que correm termos no 3.º Juízo Cível deste tribunal, cuja certidão está apensa.

42)  O arguido AA ao dirigir o referido escrito - incidente de suspeição - àquele processo, representou e quis utilizar expressões e imputar factos relativamente à magistrada judicial titular do processo, a assistente, Drª BB, bem sabendo que eram aptos a ofender a honra, a consideração pessoal, o bom nome, a dignidade profissional daquela magistrada e o bom exercício da sua profissão, para além, ainda, de colocarem em causa o seu brio, equidistância e imparcialidade, qualidades e deveres que são próprios de qualquer Magistrado.

43)  O arguido AA atuou com a intenção direta de que a ora assistente fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade;

44)  O arguido AA atuou ainda sabendo que dos factos que imputava à assistente resultava que a mesma fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade, atuando conformando-se com tal realidade.

45)  Atuou, ainda, ao imputar à assistente uma grande intimidade com o requerido DD e conexões com a família deste, sabendo que tais factos seriam entendido que tais imputações teriam conformado contra a lei e os princípios jurídicos fundamentais decisões processuais em favor do seu íntimo e contra a patrocinada pelo arguido, CC, bem como em prejuízo do menor cujo poder paternal, que a assistente enquanto juíza, tinha o dever de regular, conformando-se com tal resultado.

46)  O arguido AA agiu sabendo que os factos que imputava a Assistente contra o seu bom nome e a honra, estes eram profundamente atingidos, nomeadamente, perante o Tribunal da Relação de Évora e perante todos os intervenientes e operadores que viessem a ter contacto com os autos e conhecessem a sua imputação, em particular, magistrados e oficiais de justiça que exercem funções no tribunal de Santarém, conformando-se com tal possibilidade.

47)  O arguido AA, que agiu livre, deliberada e conscientemente, conhecia bem que a sua descrita conduta lhe estava interdita por lei, porque ilícita.

48)  O arguido AA já anteriormente respondeu e foi condenado em tribunal pela pratica de crimes de difamação agravada como resulta do seu certificado de registo criminal junto a folhas 919 a 920 dos autos e da certidão junta a folhas 1346 a 1357 dos autos, documentos cujo teor se da por reproduzido.

49)  A assistente não conhecia até ao julgamento dos presentes autos pessoalmente o arguido, nunca chegando a realizar-se uma diligência em que contactasse com o ora arguido.

50)  A assistente nunca tinha sido anteriormente sujeita a imputações de condutas ou relações indevidas como fundamento de incidente, denúncia ou dedução de suspeição, sendo o requerimento deduzido pelo Dr. AA a primeira suspeição invocada por uma parte que a visasse por alegada parcialidade.

51)  A assistente nunca foi objeto de nenhum processo ou queixa disciplinar com exceção da participação apresentada por GG.

52)  As queixas-crime apresentadas contra GG e AA foram as primeiras subscritas pela lesada contra advogados ou quaisquer outras pessoas por factos relativos ao exercício da sua profissão de magistrada judicial, nunca tendo também tido qualquer iniciativa judiciária que visasse quaisquer outras pessoas além dos referidos advogados.

53)  Numa única ocasião em que se confrontou com uma situação desse jaez, a lesada tenha suscitado a sua escusa perante o tribunal da relação de Évora, relativamente à direção processual dos autos de um processo de divórcio em que interveio uma pessoa que realizava trabalhos de jardinagem na sua casa, apesar de não existir qualquer relação de «intimidade», processo n.º 31/06.7 do 3.º juízo cível de Santarém, conforme certidão de folhas 844 a 853 que se dá por reproduzida.

54)  A mera dúvida sobre o cumprimento do dever de imparcialidade, bem como da transparência e lisura no tratamento e comunicação com as partes afeta profundamente a honra e dignidade da Assistente e põe em causa uma atitude empenhada na defesa desses valores, de uma juíza que em Setembro de 2011 perfez 18 anos de antiguidade na carreira.

55)  O arguido AA é advogado inscrito na respetiva Ordem profissional desde 29-10-1983 exercendo essa atividade como fonte de rendimentos de forma praticamente ininterrupta.

56)  O arguido como advogado que exerce há mais de 25 anos sabia que os factos imputados à lesada, apresentavam enorme gravidade ética, jurídico disciplinar e jurídico-penal e apenas podiam ser alegados com base em provas.

57)  As pessoas que lessem o texto do arguido e as imputações que formulou relativamente à lesada, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que a lesada era uma juíza desonesta, consequência que o arguido representou e quis e com a qual se conformou.

58)  Mesmo a dúvida sobre a veracidade ou falsidade das imputações formuladas pelo arguido contra a lesada, que, no mínimo se suscitaria a qualquer um que lesse o requerimento do arguido e não conhecesse pessoalmente a lesada, implicava uma especial desconfiança relativamente à idoneidade e isenção desta, bem como à sua credibilidade no exercício de funções judiciais, facto que o arguido representou e com a qual se conformou.

59)  Suspeita com uma gravidade tal suscetível de conformar futuras representações sobre a honestidade da lesada.

ENUNCIAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS:

a) O arguido AA formulou o incidente de suspeição supra referido também com base no que lhe foi transmitido pela sua cliente CC, que lhe referiu haver ligações do marido da Mmª Juiz assistente e por esta via desta ao Conselheiro Dr. EE e deste a DD progenitor do menor em causa no processo referido.

b) O arguido AA admitiu como possível que aquelas expressões que traduzem factos não fossem verdadeiras e ainda assim atuou conformando-se com tal possibilidade.

c)   Que no caso concreto, tendo assumido o patrocínio de CC no processo n.º 325/08.7 de regulação do poder paternal que corre termos no 3° juízo cível de Santarém, depois de já outros advogados terem desempenhado esse encargo, e no que concerne à profissional que o precedeu nesses autos existindo vários requerimentos e recursos rejeitados, o arguido decidiu mostrar a sua capacidade e eficácia na prossecução dos objetivos da sua cliente, e como razão reforçada dos seus honorários neste e noutros processos, decidiu que era capaz de se socorrer de quaisquer instrumentos para, ainda que se sem qualquer suporte factual ou jurídico, afastar do processo a juíza que indeferira pretensões da sua cliente;

d)    Que desta forma, a imputação lesiva do bom nome e honra da demandante está diretamente conexa com a atividade profissional do arguido e os seus rendimentos, tendo sido instrumento para auferir benefícios económicos imediatos e futuros, estes na medida em que se apresentou relevante para a projeção da sua imagem profissional de quem através de estratégias temerárias consegue alcançar vantagens para quem lhe paga os honorários;

e)    Que a Ex.mª Senhora Juíza Assistente agora, representada pelo Ex.mº Procurador da República seu marido, e que participa, com o Senhor Conselheiro doutor EE, no BLOGUE - SAP NA PRIMEIRA PESSOA, residente em http://sapportugal-blogspot.com.da autoria do pai do menor, requerente no processo 325/08.7TBSTR.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

[…]”


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Cumpre apreciar e decidir

Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artº 71º do C.P.P. quer antes, quer depois, da revisão operada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto).

A dedução do pedido cível em processo penal é pois, a regra, e a dedução em separado a excepção (v. artºs 71º, 72 e 75 do C. Processo Penal), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis. – nº 3 do artº 72º.

Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento.

            Determina o artº Artigo 377.º, do CPP, referindo-se à “Decisão sobre o pedido de indemnização civil que

“1 - A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º

2 - Se o responsável civil tiver intervindo no processo penal, a condenação em indemnização civil é proferida contra ele ou contra ele e o arguido solidariamente, sempre que a sua responsabilidade vier a ser reconhecida.

3 - Havendo condenação no que respeita ao pedido de indemnização civil, é o demandado condenado a pagar as custas suportadas pelo demandante nesta qualidade e, caso cumule, na qualidade de assistente.

4 - Havendo absolvição no que respeita ao pedido de indemnização civil, é o demandante condenado em custas nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais. “

 Aliás o denominado Assento n.º 7/99, de 17.06.1999, Proc. n.º 993/98, in DR 179/99 SÉRIE I-A, de 1999-08-03, dispôs:

“Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.”

Por sua vez, nos termos do artº 400º nº 3, do CPP. mesmo que não seja admissível recurso quanto á matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

Mas, de harmonia com o nº 2 do mesmo preceito: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

Esta norma era idêntica ao artigo 678.º do CPC, na versão anterior à vigente, que versando sobre decisões que admitem recurso, dispunha no seu nº 1:

21 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência somente ao valor da causa.”

            Actualmente, o art º 629º nº 1 do CPC, sobre Decisões que admitem recurso, continua a dispor:

“1 — O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo--se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”

No caso concreto a decisão recorrida – acórdão do Tribunal da Relação de Évora – absolveu o arguido “da imputada comissão de um crime de difamação” e “do pedido de indemnização civil contra ele formulado.”, tendo ainda condenado a assistente em custas pelo recurso interposto, fixando em 4(quatro) UCs a taxa de justiça.

Assim, a decisão recorrida ao revogar a decisão da 1ª instância, sendo o pedido cível deduzido pela assistente no montante de 125.000,00 € e a alçada da Relação de 30.000€ conforme art  24º da Lei nº 52/2008 de 28-08-2008 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais na redacção actualizada, dada por Decreto-Lei nº 303/2007 de 24-08-2007, que, aliás, o artº 44º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto manteve) , torna-se evidente que, a decisão recorrida foi desfavorável para a recorrente em valor superior a mais de metade da referida alçada, sendo por conseguinte admissível recurso sobre o pedido de indemnização civil.


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O acórdão da Relação é irrecorrível quanto a matéria penal, conforme artº 400º nº 1, al. d) do CPP.

A matéria de facto provada torna-se definitiva

Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artº 410º nºs 2 e 3, do CPP,


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   São pois indiscutíveis os factos integrantes do objecto do processo, na sua vertente estritamente penal, simultaneamente constitutivos da causa de pedir do pedido de indemnização civil, que ficaram provados.

            E, se com base neles, a decisão penal formou caso julgado, na qual se apurou e decidiu a questão da culpa, poderia porventura pensar-se que esta, e a ilicitude que lhe serve de base, mesmo para efeitos de natureza cível, não poderiam ser discutidas ou reapreciadas, como aliás apontaria a delimitação indicada pelo artº 129º do CP.

  Mas, em termos de responsabilidade, uma coisa é a responsabilidade criminal, e outra a responsabilidade cível. Aquela pode gerar esta, mas esta pode existir sem aquela.

            De outro modo, poderia não ser compreensível que em caso de a absolvição do arguido, este só possa ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual -v disposto no artº 377º nº 1 do CPP, e o denominado assento nº 7/99, de 17.06.1999. in DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-A N. 179 — 3-8-1999


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Como se sabe, o artº 129º do C. Penal, ao referir-se à responsabilidade civil emergente de crime, dispõe: “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Isto significa que a indemnização é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, mas não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva, isto é, embora deduzida em processo penal, de harmonia com o princípio da adesão (artºs 71º e segs do CPP), subordina-se, porém, na dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.

Expendeu-se no supra citado assento nº 7/99

“Segundo este Professor, [Prof. Germano Marques da Silva , in Curso de Processo Penal, , vol. I, pp. 77 e segs.] «O artigo 128.o do Código Penal de 1982 referia-se à responsabilidade civil emergente de crime e à indemnização de perdas e danos emergentes de um crime; e o artigo 71.o do Código de Processo Penal à indemnização civil fundada na prática de um crime, mas a expressão usada pelo Código de Processo Penal é insuficiente, como resulta dos artigos 84.o e 377.o do Código de Processo Penal, que admitem a condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vise revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal» (op. cit., p. 77). Mais adiante, o mesmo Professor firma a seguinte tese: «Sucede é que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo.» (Loc. cit.) Estamos perfeitamente de acordo com isto, mas importa acrescentar que, na medida em que o artigo 129.o do Código Penal remete a regulação da indemnização de perdas e danos emergentes do crime para a lei civil, esta só pode ser o artigo 483.o do Código Civil, que apenas contempla a responsabilidade por factos ilícitos, mas com total exclusão da responsabilidade contratual e da responsabilidade por factos lícitos, nos casos contemplados na lei., vol. I, pp. 77 e segs.) Segundo este Professor, «O artigo 128.º do Código Penal de 1982 referia-se à responsabilidade civil emergente de crime e à indemnização de perdas e danos emergentes de um crime; e o artigo 71.º do Código de Processo Penal à indemnização civil fundada na prá- tica de um crime, mas a expressão usada pelo Código de Processo Penal é insuficiente, como resulta dos artigos 84.o e 377.o do Código de Processo Penal, que admitem a condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vise revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal» (op. cit., p. 77). Mais adiante, o mesmo Professor firma a seguinte tese: «Sucede é que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo.» (Loc. cit.) Estamos perfeitamente de acordo com isto, mas importa acrescentar que, na medida em que o artigo 129.º do Código Penal remete a regulação da indemnização de perdas e danos emergentes do crime para a lei civil, esta só pode ser o artigo 483.o do Código Civil, que apenas contempla a responsabilidade por factos ilícitos, mas com total exclusão da responsabilidade contratual e da responsabilidade por factos lícitos, nos casos contemplados na lei.«O artigo 128.o do Código Penal de 1982 referia-se à responsabilidade civil emergente de crime e à indemnização de perdas e danos emergentes de um crime; e o artigo 71.o do Código de Processo Penal à indemnização civil fundada na prá- tica de um crime, mas a expressão usada pelo Código de Processo Penal é insuficiente, como resulta dos artigos 84.o e 377.o do Código de Processo Penal, que admitem a condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vise revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal» (op. cit., p. 77). Mais adiante, o mesmo Professor firma a seguinte tese: «Sucede é que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo.» (Loc. cit.) Estamos perfeitamente de acordo com isto, mas importa acrescentar que, na medida em que o artigo 129.o do Código Penal remete a regulação da indemnização de perdas e danos emergentes do crime para a lei civil, esta só pode ser o artigo 483.o do Código Civil, que apenas contempla a responsabilidade por factos ilícitos, mas com total exclusão da responsabilidade contratual e da responsabilidade por factos lícitos, nos casos contemplados na lei.”

Como ressalta do mesmo aresto. a explicação da dependência da acção civil perante a acção penal, no fundo consiste, de ambas provirem da mesma causa material.

O pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal. E assim se compreende que é por força da autonomia entre as duas responsabilidades que o Tribunal absolva da responsabilidade criminal, mas possa conhecer da responsabilidade civil

Em face do artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, verifica-se a autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, mas isso não impede que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, mas que tem necessariamente a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal;  Não pode concluir-se do artigo 129.º do Código Penal que a reparação civil arbitrada em processo penal é um efeito da condenação, mas sim que este normativo apenas remete para o artigo 483.o do Código Civil; Esta responsabilidade civil, que poderá exclusivamente ser apreciada em processo penal (se o pedido for aí deduzido), refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, ficando, portanto, excluída a responsabilidade contratual (artigo 483.º do Código Civil)

            A decisão recorrida considerou a dado passo:

            “Afirma, pois, o arguido, em suma, que a assistente, no exercício das suas funções (de Magistrada Judicial), e no âmbito de um concreto processo, foi parcial, beneficiando uma das partes no processo e prejudicando a outra, tudo por motivos de amizade e inimizade.

Ofendeu o arguido, assim, inquestionavelmente, a honra e a consideração da assistente.


*

Porém, importa apurar se, apesar do que se deixou dito, o arguido cometeu ou não o crime de difamação de que vem condenado em primeira instância (saber se estão ou não preenchidos, in casu, todos os elementos, objetivos e subjetivos, de tal tipo legal de crime).

Nesta tarefa, há que começar por determinar se a forma de o arguido dizer a justiça, de perspetivar a invocada atuação da Magistrada aqui assistente, de intervir em busca da verdade (processual e substantiva) que pretende afirmar no processo, pode ou não configurar o crime de difamação (preenchendo todos os elementos deste - relativos não só à tipicidade, como também à ilicitude e à culpa).

A esta luz, temos de averiguar se o “incidente de suspeição”, suscitado pelo arguido, e no qual foram escritas as expressões aqui em análise, descreditou (ou diminuiu) a reputação e/ou o crédito público de que a assistente (visada em tal “incidente de suspeição”) era (e é) portadora.

No fundo, e por outras palavras, devemos apurar se os factos destes autos possuem efetiva relevância criminal (se revestem de ilicitude e de culpa), ou se, pelo contrário, estamos perante uma peça processual, elaborada por Advogado, que, por mais incorreta, ácida, impolida e até desrespeitosa que seja, não pode ser erigida em ilícito criminal.

[…]

O arguido, enquanto mandatário judicial de uma parte interveniente num determinado processo de natureza cível (ou seja, no uso formal dos poderes conferidos por procuração forense), suscitou, perante o Tribunal da Relação territorialmente competente, um “incidente de suspeição” da Magistrada Judicial ora assistente, ao abrigo do disposto nos transcritos normativos da lei processual civil.

Na verdade, e bem vistas as coisas, o arguido opôs suspeição à Magistrada Judicial ora assistente, alegando existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente por entender haver amizade/intimidade/inimizade entre tal Magistrada Judicial e as partes num determinado processo, que estava a ser tramitado pela mesma Magistrada Judicial.

E o arguido, não só alegou tais motivos de “suspeição” (como a lei, expressamente, exige), como concretizou ainda as suas alegações, em obediência também aos preceitos legais aplicáveis ao “incidente de suspeição” (acima transcritos) - em resumo, na visão do arguido, a Magistrada Judicial em causa conferia, “quase sempre”, prazos mais alargados para uma das partes (a alegadamente beneficiada) responder aos requerimentos da outra, tinha uma “inimizade grave” em relação a uma das partes, e tinha “grande intimidade” com a outra parte, tudo devidamente concretizado no requerimento de “suspeição” em causa, e tudo, nas palavras do arguido, “nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do nº 1 do artigo 127º do C.P.C.

[…]

Em face do que vem de dizer-se, não merece, quanto a nós, censura criminal (estando afastada a ilicitude) o uso, pelo Advogado, no âmbito do exercício do seu mandato forense e num concreto processo, de palavras deselegantes, inadequadas ou até imoderadas e indesejáveis.

Assim, não preenche o tipo legal do crime de difamação (não se verifica a ilicitude nele pressuposta) o exercício, pelo Advogado, no estrito âmbito assinalado (existência de mandato, e processo concreto), do direito de crítica, quer ela incida sobre as posições assumidas pela parte contrária no processo, quer incida sobre atos processuais praticados pelo Juízes ou pelos Magistrados do Ministério Público.

Mais: ao referido afastamento da ilicitude é, em princípio, indiferente a falta de pertinência da crítica feita pelo Advogado, sobretudo quando essa crítica se traduz, no essencial, na formulação de meros juízos de valor, bem como é indiferente a maior ou menor correção (elegância ou polidez) das expressões utilizadas pelo Advogado.

É claro, a nosso ver, que ao arguido faltou saber expressar-se sob a inteira disciplina da razão, esquecendo que, na oratória forense, “a retidão do advogado é a suprema habilidade” (Cohendy, citado em “O Advogado e a Sua Liberdade de Expressão nos Tribunais”, de Alfredo Gaspar, Coimbra Editora, 1994, pág.17), e esquecendo ainda que “todas as verdades se podem dizer, desde que se saiba como dizê-las” (Ângelo de Almeida Ribeiro, in “Direitos dos Advogados - Independência e Relações com a Magistratura”, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, 1958, pág. 09).

Só que, o Advogado, se violar o dever de urbanidade, fica sujeito a perseguição disciplinar, mas não, só por isso, a perseguição criminal (a acidez, a indelicadeza, a falta de polidez, e mesmo a formulação de juízos injustos e impertinentes sobre a atuação, num processo concreto, de um Magistrado Judicial, não são punidas criminalmente - com o devido respeito por diferente opinião -).

Ponderando, na sua globalidade complexiva, o que deixámos exposto nesta matéria (relativa à qualificação jurídica dos factos), e utilizando as palavras da Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer (a fls. 4305 e 4306 dos autos), resta-nos dizer: “o arguido, na qualidade de mandatário da mãe de menor a favor de quem corria processo tutelar, suscitou incidente de recusa da assistente que, na qualidade de Juiz, tramitou o aludido processo, nos termos que melhor constam da douta sentença proferida. O douto tribunal a quo concluiu que as expressões usadas pelo arguido integram objetivamente o tipo legal de crime de difamação previsto no artigo 180º do Código Penal. No que ao direito concerne, considerou inverificada a causa de exclusão da ilicitude prevista no artigo 180º, nº 2, do Código Penal, para concluir ser a conduta típica, ilícita e culposa. A conduta típica, no caso em análise, pode ser justificada nos termos do artigo 32º, nº 2, alínea b), do Código Penal, que prevê a exclusão da ilicitude do facto praticado no exercício de um direito. A ilicitude da imputação de factos desonrosos, ainda que sob a forma de suspeita, pode ser afastada se realizada na prossecução de interesses legítimos, nos termos do nº 2 do artigo 180º do Código Penal. No caso dos autos, não desconsideramos como ofensivas da honra e consideração de qualquer Magistrado Judicial, e da assistente em particular, imputações de parcialidade e comprometimento com uma das partes envolvidas na causa para favorecimento desta. Daí que não tenhamos por atípicos os factos descritos/provados nestes autos. Porém, não podemos deixar de considerar que existiu erro de direito, que se constituiu em erro de julgamento, no juízo que o douto tribunal a quo fez da inverificação de causa de exclusão da ilicitude. Na verdade, se atentarmos na peça processual produzida pelo arguido, que constitui o objeto da discussão que aqui se trava, facilmente constatamos que esta consubstancia, tão só, uma alegação em que este utiliza os termos constantes da própria lei (veja-se o artigo 120º, nº 1, alínea g), do CPC) e encontra justificação na necessidade e adequação à finalidade do exercício do patrocínio forense, na modalidade processual escolhida pelo próprio como sendo a mais conveniente ao bom desempenho do seu mandato, faculdade com tutela do direito e da Constituição. E não estaremos a referir, tão só, essa avaliação subjetiva do arguido sobre o mecanismo processual que melhor pudesse defender os interesses que tem o dever de prosseguir, mas, também, a ponderar a vertente objetiva na exclusiva medida em que o incidente suscitado, nos termos em que o foi, se inclui naquilo que é a prática judiciária. Mau grado o desconforto causado, não poderá dizer-se que o incidente suscitado foi ostensivamente inadequado à defesa da causa, também porque, ao acioná-lo, o arguido/advogado dirigiu-o à obra e não ao seu autor. É que, salvo melhor entendimento, as imputações não foram feitas ad hominem, pelo que não poderá ter-se por excessivo o limite de atuação, mostrando-se este justificado pelo Estatuto. Pelo que não poderá tal atuação deixar de ser considerada como tendo sido levada a cabo no exercício de direito e na prossecução de legítimo interesse, excluindo-se, pois, a ilicitude dos factos, por ocorrência de causa de justificação. Excluída a ilicitude, prejudicada fica a questão do dolo”.

Por conseguinte, impõe-se a absolvição do arguido do crime pelo qual vem condenado em primeira instância.


*

Afastada que está, nos termos expostos, a responsabilidade criminal do arguido/demandado, importa apreciar agora da sua responsabilidade civil.

O princípio geral que rege nesta matéria é o consignado no artigo 483º do Código Civil, segundo o qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente um direito de outrem (...) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Daqui resulta que são pressupostos do dever de reparação, decorrente de responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto; a ilicitude; a culpa; os danos; e o nexo causal entre o facto e os danos (cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 1991, págs. 445 e segs., e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 3ª ed., Vol. 1º, págs. 417 e 418).

No caso dos autos, e conforme acima explanado (na parte criminal), não existe um facto ilícito praticado pelo demandado.

A ilicitude, para efeitos de responsabilidade civil, significa contrariedade a um dever jurídico, o que se traduz na ofensa a direitos subjetivos absolutos ou na infração de preceitos legais destinados a proteger interesses alheios (artigo 483º do Código Civil), ou ainda, no abuso de direito.

São ainda casos especiais de ilicitude, entre outros, os atos ofensivos do crédito ou do bom nome (artigo 484º do mesmo Código Civil).

No nosso direito, contudo, a ilicitude não se confunde com o dano. Compreendida como violação do direito, é colocada antes do dano. Como bem salienta o Dr. Diogo Leite de Campos (in ROA, nº 46º, Tomo 1, pág. 51), “a verificação de um dano (que deve ser reparado) não basta: é preciso que esse dano não devesse ter sido produzido”.

Não é suficiente, por conseguinte, que alguém pratique um facto prejudicial aos interesses de outrem, para que seja obrigado a compensar o lesado. Como refere o Prof. Antunes Varela (ob. citada, pág. 424), “uma coisa é (...) a calúnia ou a injúria (a afirmação de um facto que fere a honra ou afeta o bom nome de uma pessoa) e outra o dano que a calúnia ou injúria causou (...). E a ilicitude reporta-se ao facto do agente, à sua atuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz”.

Assim sendo, existem uma série de comportamentos que, embora possam causar danos a outrem, são exigidos ou sancionados pelo direito, ou são pelo menos indiferentes à ordem jurídica ou por ela tolerados.

No caso dos autos, a atuação do demandado/advogado, nos termos em que ocorreu, é destituída de ilicitude, mesmo para efeitos meramente civis, nos precisos termos (com os mesmo fundamentos) que acima deixámos enunciados (quando afastámos a ilicitude da atuação do demandado para efeitos criminais).

Aliás, como é sabido, há duas causas de ordem geral que afastam a ilicitude: o regular exercício de um direito e o cumprimento de um dever. Como ensina o Prof. Antunes Varela (ob. citada, pág. 441), “de um modo geral, pode dizer-se que o facto, embora prejudicial aos interesses de outrem ou violando o direito alheio, se considera justificado, e por consequência lícito, sempre que é praticado no exercício regular de um direito (qui iure suo utitur nemini facit injuriam; feci sed iure feci) ou no cumprimento de um dever”.

Ou seja, está excluída a ilicitude de um facto, e, por isso, legitimada a sua prática, sempre que o autor do mesmo tenha agido no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever.

No caso sub judice, o demandado/advogado agiu, salvo o devido respeito por opinião contrária, no exercício de um direito e na prossecução de interesse legítimo (como acima assinalámos).

Falta, por conseguinte, um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (a ilicitude do facto - nos termos do disposto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil -), para poder impor ao arguido/demandado a obrigação de indemnizar.

Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, o arguido/demandado tem de ser absolvido do pedido cível formulado nos autos.

Nestes termos, é totalmente de improceder o pedido cível apresentado pela demandante.”


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O arguido foi absolvido em termos criminais, por ter sido excluída “a ilicitude [criminal]  dos factos, por ocorrência de causa de justificação.” “na necessidade e adequação à finalidade do exercício do patrocínio forense, na modalidade processual escolhida pelo próprio como sendo a mais conveniente ao bom desempenho do seu mandato, faculdade com tutela do direito e da Constituição. E não estaremos a referir, tão só, essa avaliação subjetiva do arguido sobre o mecanismo processual que melhor pudesse defender os interesses que tem o dever de prosseguir, mas, também, a ponderar a vertente objetiva na exclusiva medida em que o incidente suscitado, nos termos em que o foi, se inclui naquilo que é a prática judiciária. Mau grado o desconforto causado, não poderá dizer-se que o incidente suscitado foi ostensivamente inadequado à defesa da causa, também porque, ao acioná-lo, o arguido/advogado dirigiu-o à obra e não ao seu autor. É que, salvo melhor entendimento, as imputações não foram feitas ad hominem, pelo que não poderá ter-se por excessivo o limite de atuação, mostrando-se este justificado pelo Estatuto. Pelo que não poderá tal atuação deixar de ser considerada como tendo sido levada a cabo no exercício de direito e na prossecução de legítimo interesse[…] nas palavras da Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer (a fls. 4305 e 4306 dos autos).

Porém, como consta da decisão recorrida sobre a qualificação jurídica dos factos:

b) Da qualificação jurídica dos factos (recurso do arguido).

Alega o arguido que os factos dados como provados na sentença sub judice não integrarem a prática do crime de difamação pelo qual vem condenado.

Importa, pois, averiguar se a conduta do arguido dada por provada preenche a previsão do tipo legal de crime em discussão nestes autos (difamação).

Incorre na prática de um crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sobre a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” (artigo 180º, nº 1, do Código Penal).

Como decorre da simples leitura da transcrita norma, o tipo objetivo do crime de difamação surge estruturado em dois grandes campos. Um, reportado à ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por qualquer pessoa através da imputação de facto ofensivo da honra de outrem, por meio de formulação de um juízo de igual forma lesivo da honra de alguém, ou ainda pela reprodução daquela imputação ou juízo. O outro, exigindo que as condutas supra descritas se não façam diretamente ao ofendido, mas que, ao serem praticadas, se dirijam a terceiros, residindo aqui o traço distintivo fundamental entre o conceito normativo de injúria e de difamação (como bem escreve José de Faria Costa - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 608 -, “o ponto nevrálgico da difamação centra-se (…) na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efetuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros”).

Como ficou dito, a ofensa pode apresentar-se sob a forma de imputação de facto ou sob a veste de formulação de juízo.

Embora o legislador, para a verificação do crime, equipare essas duas situações, por razões de rigor analítico e conceitual não deixaremos de aludir às diferenças que as marcam.

Nas palavras de José de Faria Costa (ob. citada, págs. 609 e 610), “a noção de facto traduz-se naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. (....) Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos. (....) De forma simples: um facto é um juízo de existência ou de realidade. O juízo, independentemente dos domínios em que ele pode ser operatório (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico), deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor. O que é o mesmo que dizer: deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido (a verdade, a beleza, a moral, a justiça, etc.)”.

Procuremos agora concretizar o que deve entender-se por honra ou consideração - valores constitucionalmente protegidos (artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

De acordo com a doutrina tradicional, a ofensa à honra é “a ofensa a esse sentimento da própria dignidade e do decoro que toda a gente, no seu íntimo, põe acima de todas as coisas (honra subjetiva) e a esse património moral de estima e de reputação, junto dos outros, que qualquer pessoa adquira e de que goze vivendo em sociedade (honra objetiva), os quais podem ser ofendidos por meio de atos ou de palavras de outra pessoa” (Borciani, in “As Ofensas à Honra”, tradução Portuguesa, 1950, Coimbra, pág. 5).

Nelson Hungria (in “Comentários ao Código Penal”, Vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1958, pág. 39) sustenta que “o interesse jurídico que a lei protege (...) refere-se ao bem material da honra, entendida esta, quer como o sentimento da nossa dignidade própria (honra interna, honra subjetiva), quer como o apreço e respeito de que somos objeto ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos (honra externa, honra objetiva, reputação, boa fama). Assim como o Homem tem direito à integridade do seu corpo e do seu património económico, tem-no igualmente à indemnidade do seu amor-próprio (...) e do seu património moral”. Acrescenta este autor (obra e local citados) que “a honra é um bem precioso, pois a ela está necessariamente condicionada a tranquila participação do indivíduo nas vantagens da vida em sociedade”.

Na previsão legal do crime de difamação fala-se em ofensa à honra ou consideração. A honra, em nosso entender, refere-se à supra aludida “honra subjetiva”, ao passo que a consideração será a reputação da pessoa, a estima que o homem soube, pelos seus atos, conquistar (“honra objetiva”) - cfr., na distinção destes conceitos, Lopes da Silva Araújo, in “Crimes Contra a Honra”, Coimbra Editora, 1957, págs. 90 a 97 -.

Dito de outro modo: no crime de difamação protege-se não apenas a personalidade moral dos cidadãos como também a sua valoração social.

Como bem esclarece o Prof. Figueiredo Dias (in RLJ, Ano 115, 1982-1983, nº 3697, pág. 105), “nunca teve entre nós aceitação a restrição da «honra» ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade”.

No que tange à preposição “mesmo sob a forma de suspeita” contida no acima transcrito artigo 180º, nº 1, do Código Penal, não consubstancia ela um verdadeiro elemento do tipo, devendo ser tida como um “alargamento modal à imputação de factos ou juízos desonrosos. Isto é: a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita” (José de Faria Costa, ob. citada, pág. 611).

Relativamente ao tipo subjetivo de ilícito, o crime de difamação assume-se como um crime doloso, ainda que sob a forma de dolo eventual, sendo imprescindível à incriminação que o agente represente todos os elementos objetivos contidos no tipo, inclusive que a imputação de facto ou a formulação de juízo desonroso se processe através de um terceiro (é hoje entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina que o animus difamandi não integra o tipo subjetivo do crime em análise, ou seja, não se exige que o agente tenha agido com a intenção - consciência e vontade - de ofender a honra e/ou a consideração de outrem, bastando a consciência, por parte do mesmo, de que o seu comportamento é de molde a produzir a ofensa da honra e/ou da consideração de alguém e que a queira realizar).

Feito este excurso, e retomando o caso dos autos, entendemos serem ofensivas da honra e consideração da assistente (enquanto magistrada judicial) as imputações, feitas pelo arguido, de parcialidade, de comprometimento com uma das partes envolvidas num processo judicial e de favorecimento dessa mesma parte.

Ou seja, os factos tidos como provados na sentença revidenda, e assim resumidos, não são factos atípicos, integrando-se, isso sim, na tipicidade atinente ao crime de difamação.

Dito de outro modo: o conteúdo das afirmações inseridas no requerimento subscrito pelo arguido é ofensivo da honra e da consideração da assistente.

Com efeito, o arguido suscitou um incidente processual “normal” (previsto na lei), incidente a decidir pelo Tribunal da Relação de Évora, mas, para o efeito, deixou consignadas, no requerimento com que iniciou esse incidente processual, diversas afirmações, visando a magistrada titular do processo (a ora assistente), claramente ofensivas da honra e da consideração de tal magistrada.

Senão vejamos (no essencial):

- (…) Percorrendo os já vastos 3 volumes do Processo 325/08-8, pode-se notar que ao Requerente são, quase sempre, conferidos prazos de 10 dias para responder, nomeadamente aos requerimentos da Requerida, enquanto a esta os prazos para o mesmo efeito, são de dois ou de cinco dias, no máximo”.

- “São conhecidas as ligações da Mmª Juiz ao Conselheiro Dr. Simas Santos - testemunha profusamente arrolada pelo Requerido - e deste ao Requerido, como melhor consta dos autos”.

- “Tudo visto, verifica-se a existência de inimizade grave por parte da Mmª Juiz em relação à Requerida, bem como uma grande intimidade desta com o Requerente, o que, nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do nº 1 do artigo 127º do C.P.C., se alega”.

- “A Mmª Juiz titular deste processo, embora tenha considerado que, para a decisão desta matéria (alteração do regime de visitas no âmbito do referido processo de Regulação do Poder Paternal e respetivos apensos, com o nº 325/08.7TBSTR), o processo tinha natureza urgente, em 19 de Dezembro de 2008, indeferindo tal pedido, demora mais de 4 meses para decidir novamente tal pedido”.

- “Conhecedora da acusação, por três vias, a saber, por cópia remetida pelo titular do processo-crime, por cópia junta aos autos pela requerida e por certidão, também remetida pelo titular - perca mais três meses para obter todos os meios de prova ali existentes, bem como a gravação das declarações para memória futura, prestadas pelo menor”.

Na verdade como consta ainda dos seguintes pontos da matéria de facto provada:

“21) A assistente não conhecia Lúcia Maria Cerejo Pereira Sigalho antes de lhe serem distribuídos os autos n.º 325/08.7TBSTR, e apenas teve contacto com ela no quadro funcional adveniente do processo, nas decisões que proferiu apenas se guiou pela sua leitura dos factos e do direito aplicável e subsiste sem qualquer relação pessoal com ela.

22)  A assistente só conheceu essa pessoa em virtude do processo n.º 325/08.7TBSTR, no exercício das suas funções, apenas o tendo visto e contactado com ele em diligências processuais, não tendo qualquer grau de intimidade com aquele como nem sequer se verificou qualquer relação para além da referida e estrita dimensão processual, não tendo, nomeadamente, ocorrido quaisquer comunicações extraprocessuais, diretamente ou por interposta pessoa.

23)  A assistente apenas conhece o Juiz Conselheiro Dr.EE pela sua obra publicada, nunca teve a oportunidade de comunicar diretamente ou por interposta pessoa com ele, nunca teve a oportunidade de ter qualquer relação pessoal com Dr. EE.

24)  O referido Sr. Juiz Conselheiro apenas foi arrolado como testemunha num incidente de incumprimento instaurado no processo n.º 325/08.7TBSTR-B, embora tenha sido necessário primeiro apreciar um pedido de indeferimento da sua admissão como testemunha, sendo posteriormente, requerida e admitida a apresentação do respetivo depoimento por escrito, atento o disposto no art. 624.º n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil.

25)  A assistente ao fixar prazos no processo nunca visou prejudicar CC e beneficiar DD, tendo-se antes regido sempre por uma estrita preocupação de aplicação da lei às especificidades do caso concreto.

26)  A junção de prova mencionada no artigo 13.º do requerimento do incidente de suspeição e nomeadamente o deferimento do pedido de certidão formulado pelo magistrado do Ministério Público depois de ser junta cópia do processo-crime, nunca visaram qualquer atraso processual por força de um intento desviante da Assistente enquanto juíza.

27)  A apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do arguido visou remover a lesada enquanto juíza do processo em que foi formulado.

27) A apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do arguido visou remover a lesada enquanto juíza do processo em que foi formulado.

28)  Até à data da apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do Arguido nenhuma decisão judicial proferida pela assistente no processo n.º 325/08.7TBSTR e respetivos apensos tinha sido revogada por tribunal superior ou objeto de recurso do Ministério Público.

29)  Foi formulada pela assistente resposta em que, nomeadamente, nega os factos que lhe são imputados no incidente de suspeição, tendo o arguido advogado AA sido notificado da mesma, não se retratou mantendo as referidas imputações sem desistir do seu requerimento.

30): Mantendo o seu requerimento com as respectivas imputações, apesar de notificado do inequívoco desmentido da lesada, bem como os pedidos de diligências probatórias a realizar pela juíza substituta, o arguido pretendeu, e conseguiu, que a remoção da juíza do processo subsistisse até à intervenção do presidente do Tribunal da Relação de Évora e que mais pessoas viessem a saber que ele mantinha as imputações relativas à lesada, nomeadamente, o desembargador destinatário final do requerimento.

33): O arguido formulou as imputações no processo e por escrito em termos que sabia gerarem a ampla divulgação no local de trabalho da lesada, nomeadamente entre magistrados e funcionários que aí prestam funções, entre as partes intervenientes no processo e ainda ao nível do tribunal superior que pretendia que fosse chamado a pronunciar-se sobre a imputação realizada..

34)  O Senhor Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora considerou que em termos da legislação processual civil foi incorreto o procedimento adotado na medida em que o ora arguido AA «deduziu imediatamente o incidente de suspeição, sem previamente ter sido dado ensejo à Mm.ª Juiz de pedir escusa».

35)  Em consequência da apresentação do requerimento do incidente de suspeição no processo referido por parte do Arguido por essa via assumiram a respetiva instrução dois outros juízes do tribunal judicial de Santarém, a tramitação pelos serviços judiciais e, como requerido, e veio a suceder, a apreciação pelo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Évora.

36)  O arguido pediu aquando da dedução do incidente de suspeição que fosse junto ao incidente de suspeição «cópia da queixa da anterior mandatária da requerida [CC] contra a Mm.ª Juiz titular destes autos».

37)  Como assume na sua resposta ao incidente de suspeição, até então a assistente BB ignorava o teor da referida participação.

38)  Por força de oficio do Conselho Superior da Magistratura, n.º 005226, datado de 17-6-2009, remetido em 18-6-2009, e recebido em 19-6-2009, a ora assistente veio a ter conhecimento do teor das imputações da referida participação da advogada GG que tinha sido a anterior mandatária de CC que o arguido advogado AA pretendeu que complementasse o incidente de suspeição por si interposto, participação cuja cópia esta a folhas 34 a 43 v., documento cujo teor se da por reproduzido.

39)  No processo n.º 325/08.7 do 3.º juízo cível de Santarém ao tempo em que o arguido deduziu o incidente de suspeição existia uma forte conflitualidade e divergência ao nível processual entre requerente e requerida e onde se suscitavam questões particularmente complexas e graves como alegados abusos sexuais de menor e o risco de repetição de atos da mesma natureza por parte do progenitor.


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Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. - artº 483º nº 1 do Código Civil. (C.C.)

            A justificação da ilicitude do arguido em termos criminais, não invalida a ilicitude civil, pois os factos apurados constitutivos da ilicitude criminal são os mesmo que revelam a ilicitude civil, procedendo a culpa do arguido ao produzir tal factualidade relevante de forma querida e assumida conhecendo a sua ilicitude.  

Como ressalta das conclusões da assistente:

Da factualidade provada decorre que o arguido proferiu várias afirmações que isoladamente, por si sós, eram caluniosas e consideravelmente ofensivas da honra e bom nome da assistente, […] com base em factos falsos, a ideia de uma atuação desonesta e parcial da lesada, visando beneficiar (falsos) amigos e prejudicar (falsos) inimigos em violação da lei, praticando, consequentemente factos que a serem verdade a constituiriam em autora de crime e infrações disciplinares.

Ofensa da honra e bom nome que não se restringiu a juízos de valor mas compreendeu a imputação de factos reportados relações falsas da assistente (de inimizidade com uma parte e grande intimidade com outra, […])apresentadas como causa de uma consequência igualmente falsa: uma actuação pretérita parcial e desonesta da assistente num processo em que exercia funções judiciais, […], discriminando as partes,

O arguido foi o autor de uma associação entre as supostas relações da juíza com as partes e alegada actuação parcial, através de uma construção ficcional suportada em várias falsidades com a qual pretendeu construir uma mensagem com um objectivo claro: Apresentar a assistente como uma magistrada que, violando deveres básicos, era parcial por força de factores contrários ao que a lei determina (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59), o desvalor de resultado compreende, assim, além da grave lesão da honra e bom nome da demandante (factos 31, 32, 54, 57, 58, 59), um impacto na própria administração da justiça (factos 27 e 49), tudo isso pretendido com dolo directo pelo arguido, sem que a prova inequívoca da falsidade da imputação, seu carácter calunioso, impacto na honra e bom nome da lesada e respectivo sofrimento

Com efeito, consta ainda da matéria de facto provada.- pontos 40 a 47:

              “O arguido AA sabia que as imputações que dirigiu à assistente iam ser lidas por esta e conhecidas, afetando-a, enquanto magistrada judicial, o que a tem perturbado desde a data em que teve conhecimento dessas imputações e da sua divulgação.

O arguido AA formulou o incidente de suspeição supra referido com base na consulta dos autos n.º 325/08.7TBSTR e seus apensos, que correm termos no 3.º Juízo Cível deste tribunal, cuja certidão está apensa.

O arguido AA ao dirigir o referido escrito - incidente de suspeição - àquele processo, representou e quis utilizar expressões e imputar factos relativamente à magistrada judicial titular do processo, a assistente, Drª BB, bem sabendo que eram aptos a ofender a honra, a consideração pessoal, o bom nome, a dignidade profissional daquela magistrada e o bom exercício da sua profissão, para além, ainda, de colocarem em causa o seu brio, equidistância e imparcialidade, qualidades e deveres que são próprios de qualquer Magistrado.

O arguido AA atuou com a intenção direta de que a ora assistente fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade;

44)  O arguido AA atuou ainda sabendo que dos factos que imputava à assistente resultava que a mesma fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade, atuando conformando-se com tal realidade.

Atuou, ainda, ao imputar à assistente uma grande intimidade com o requerido DD e conexões com a família deste, sabendo que tais factos seriam entendido que tais imputações teriam conformado contra a lei e os princípios jurídicos fundamentais decisões processuais em favor do seu íntimo e contra a patrocinada pelo arguido, CC, bem como em prejuízo do menor cujo poder paternal, que a assistente enquanto juíza, tinha o dever de regular, conformando-se com tal resultado.

O arguido AA agiu sabendo que os factos que imputava a Assistente contra o seu bom nome e a honra, estes eram profundamente atingidos, nomeadamente, perante o Tribunal da Relação de Évora e perante todos os intervenientes e operadores que viessem a ter contacto com os autos e conhecessem a sua imputação, em particular, magistrados e oficiais de justiça que exercem funções no tribunal de Santarém, conformando-se com tal possibilidade.

O arguido AA, que agiu livre, deliberada e conscientemente, conhecia bem que a sua descrita conduta lhe estava interdita por lei, porque ilícita.”

           

            A ocorrência de causa de exclusão da ilicitude criminal, não exclui necessariamente a ilicitude civil,


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O factos ilícitos provados geraram danos no bom nome e integridade pessoal sofridos pela lesada em virtude da conduta do arguido como consta dos factos  31, 32, 40,  54,, 57, 58, 59):

No dia 8 de Junho de 2009, a assistente ao ler a referida alegação sentiu-se profundamente atingida na sua honra e dignidade pessoais e profissionais

Perturbação que subsiste e que a continua a afectar.

O arguido sabia que a imputação que dirigiu à lesada ia ser lida por esta e conhecida, afectando-a, enquanto magistrada judicial, que a tem perturbado desde a data em que teve conhecimento dessas imputações e da sua divulgação.»

A mera dúvida sobre o cumprimento do dever de imparcialidade, bem como da transparência e lisura no tratamento e comunicação com as partes afecta profundamente a honra e dignidade da Assistente e põe em causa uma atitude empenhada na defesa desses valores, de uma juíza que em Setembro de 2011 perfez 17 anos de antiguidade na carreira.

As pessoas que lessem o texto do arguido e as imputações que formulou relativamente à lesada, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que a lesada era uma juíza desonesta, consequência que o arguido representou e quis que se verificasse.

Mesmo a dúvida sobre a veracidade ou falsidade das imputações formuladas pelo arguido contra a lesada, que, no mínimo se suscitaria a qualquer um que lesse o requerimento do arguido e não conhecesse pessoalmente a lesada, implicava uma especial desconfiança relativamente à idoneidade e isenção desta, bem como à sua credibilidade no exercício de funções judiciais, facto que o arguido representou e quis que se verificasse.

Como refere a recorrente, “o demandado associou a ofendida a comportamentos incompatíveis com as suas obrigações, sendo mesmo concretizadores da prática de crime de denegação de justiça e prevaricação (p. e p. pelo artigo 369.º, n.º 2, do Código Penal), calúnia empreendida por parte de quem tem especiais deveres de saber o significado e repercussão das graves ofensas perpetradas (factos 30, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56, 57, 58, 59).”, sendo que como vem provado o o arguido é Advogado inscrito na respectiva Ordem profissional desde 29-10-198. exercendo essa actividade como fonte de rendimentos de foram praticamente ininterrupta.

Alega a recorrente que

Como sublinha o Conselheiro Abrantes Geraldes, «a função punitiva» da indemnização deve ser empregue «com o objectivo de desincentivar junto do agente ou da comunidade em geral, a repetição dos actos ilícitos perante a insatisfatória resposta dos objectivos tradicionalmente traçados».

Na mesma linha tem-se pronunciado a generalidade da doutrina e jurisprudência mais recentes (cf. pp. 37-41 desta motivação), pois como destaca Paula Meira Lourenço, «O lesado deve ser compensado ou desagravado, na medida em que o lesante deva ser punido, devendo para tanto atender-se aos critérios enunciados no artigo 494.º e ao bem jurídico que a norma violada visa proteger. […] Assim o “grau de culpabilidade do agente” enunciado no artigo 494.º deve permitir a atribuição ao lesado de um montante mais elevado, se o agente tiver actuado com dolo».

Em caso de culpa muito grave do lesante é admissível a aplicação de um montante puramente punitivo que acresça ao dano».

Dimensão punitiva da indemnização que tem sido destacada como fundamental na ponderação a indemnização por danos morais sofridos em virtude de ilícitos penais com culpa elevada, pela doutrina entretanto generalizada e de forma cada vez mais enfática pela jurisprudência dos tribunais superiores, sendo paradigmático o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-2-2014 (287/10.0 TBMIR. S1) onde se sublinha:

«Os danos punitivos visam promover o respeito pelas normas de conduta da sociedade e influenciar o comportamento dos agentes económicos. Também são designados por exemplary damages, pois visam orientar os agentes económicos na conduta correcta e exprimem a reacção da sociedade a uma conduta ilícita, que tem impacto, não apenas individual, mas social.

«Na prática, a categoria resulta de uma jurisprudência criativa que, preocupada com a justiça, condena o lesante, em casos de dolo ou de culpa grave, ao pagamento de uma quantia mais elevada do que os padrões habituais.»

Destacando-se, nomeadamente, que um campo central em que a figura opera é «no domínio da responsabilidade civil extracontratual (lesão de direitos de personalidade)».

Devendo ser convocada a dimensão sancionatória ou de compensação punitiva da indemnização por danos morais relativos ao direito geral de personalidade, e as dimensões preventiva especial e geral que se devem repercutir na indemnização por danos morais; acresce que, no caso concreto, a lesão foi perpetrada no quadro de uma específica situação relacional (em que existe uma obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil para defesa do lesado) e se verificam especiais exigências de tutela e ponderação com enfoque na culpabilidade (cf. pp. 41-44 da motivação).

A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem sido progressivamente mais enfática nas exigências de tutela efectiva através de indemnizações relevantes dos danos morais, veja-se o que foi determinado num caso muito menos grave de lesão do direito à honra direitos de personalidade (sem calúnia nem imputação expressa de factos), pelo STJ no acórdão de 25-3-2010 processo 576/05.6TVLSB.S1, e o que foi fixado pela mesma instância a título de danos morais (100.0000 euros), no acórdão de 25-2-2014 (287/10.0 TBMIR. S1), fundamentando-se na culpa grave do lesante, num caso em que os factos apresentam menos intensidade em termos de sofrimento da vítima e também dolo consideravelmente menos intenso, e um exemplo de anti-socialidade e convicção delitual muito menos ostensivo do que o dos presentes autos.

Atento o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e nos artigos 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 484.º, n.º 1 e 496.º, do Código Civil o arguido deve ser condenado no pagamento de indemnização à assistente no montante de €125.000 acrescidos de juros vincendos desde a altura da citação do pedido civil.

  Em pois provada a ilicitude civil e respectiva culpa do demandado civil, bem como a existência de danos morais para a assistente, causalmente decorrentes da conduta dolosa assumida pelo demandado em incidente de suspeição da assistente, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, por repercutidos sobretudo na sua honra funcional de magistrada judicial em efectividade, e no exercício de suas funções,


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Como se sabe, a indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arºs 562º, a 564º e 569º do C.C.)

 A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja essencialmente onerosa para o devedor - artº 566º nºs 1 e 2 do C.C.

            Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”

            Quanto a danos não patrimoniais

Dispõe o artigo 496º nº 1 do CC, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;.

O artº 494º do C.C. alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.

A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar o lesado, da ofensa imerecida, ao bom nome e dignidade

            Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

            A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele (v. Ac. do S.T.J. de 19-4-91 in A.J. 18º, 6)

Na atribuição dessa indemnização deve respeitar-se «todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p, 501 e, entre outros, Ac. deste Supremo de 05-11-2008, in Proc. n.º 3266/08 desta 3ª Secção)

 Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito, tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e, não de harmonia com percepções subjectivas, ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano, justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.(em sentido idêntico – Acórdão deste Supremo de 18 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt)

         Essa indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”.(v. por ex,  Acórdão do S.T.J. de 11 de Setembro de 1994 (in Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92),

A expressão “em qualquer caso”, constante do artº 496º do CC, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96).

Por sua vez, “demais circunstâncias do caso” é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda.

            Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». (v.v.g. Acórdão do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04, e de 3-7-2008 in prc. 122&708 , ambos da 5ª secção)-

Tem-se feito jurisprudência no sentido de que tal como escapam à admissibilidade de recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (arts. 400., n.1, al. b), do CPP e 679. do C PC), em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras – cf., entre outros, Acs. de 29-11-01, Proc. n. 3434/0º1; de 08-05-03, Proc. n. 4520/02; de 17-06-04, Proc. n, 2364/04 e de 24-11-05, Proc. n. 2831/05, todos da 5.ª Secção. Ac. do STJ de 07.12. 2006 , Processo n.  3053/06 - 5.ª Secção.

Sobre a actualidade da indemnização já o acórdão deste Supremo, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 referia «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios.”

O aumento do custo de vida e as exigências da dignidade humana e de realização comunitária assim o exigem.

Por outro lado, escreveu-se no acórdão deste Supremo, de25-02-2014, proc. 287/10.0 TBMIR. S1  da 1.ª SECÇÃO, sobre a finalidade sancionatória do instituto da responsabilidade civil, que pela sua pertinência nessa parte se transcreve:.

“4. Mesmo a doutrina, no início de vigência do Código Civil de 1966, reconhecia à responsabilidade civil uma finalidade sancionatória ou punitiva, embora de natureza secundária e subordinada à finalidade reparatória[3], destacando-se, contudo, a posição de Pessoa Jorge, que aceitando a tese dominante quando está em causa a responsabilidade meramente civil, defendia que a responsabilidade civil conexa com a criminal desempenhava uma função predominantemente punitiva[4]. Também Pereira Coelho, no domínio da relevância da causa virtual, defende que apesar da causa virtual, a indemnização subsiste, reconhecendo que esta visa não um fim compensatório de danos, mas um fim sancionatório:

«O legislador terá consagrado, em princípio, o conceito de dano como diferença no património. Mas aceitando, em regra, a irrelevância da causa virtual, não terá tirado todas as consequências lógicas da «teoria da diferença» e do pensamento em que ela se baseia, da função puramente reparadora ou compensadora da obrigação de indemnizar. Na verdade, a subsistência da obrigação de indemnizar apesar da causa hipotética é um resultado que está para além deste pensamento; a obrigação de indemnizar não visa, não pode visar aí um fim de compensação do dano, pois não há aí um dano como diferença no património; não é uma ideia de compensação mas uma ideia de sanção que explica um tal resultado»[5].

A natureza punitiva da responsabilidade civil tem sido aprofundada por alguns estudos de direito civil, que a reconhecem com maior amplitude do que a doutrina clássica[6]. Usa-se, para referir esta finalidade repressiva da responsabilidade civil, a expressão «danos punitivos», importada do termo anglo-saxónico “punitive damages”, do qual é uma tradução literal, embora se trate de uma expressão pouco adequada, porque é a indemnização que é punitiva e não os danos[7].

O conceito de «danos punitivos» ou de «indemnização punitiva» é uma figura com escopos idênticos ao direito criminal, encerrando uma função retributiva, característica da justiça correctiva e uma finalidade preventiva, associada à justiça distributiva[8]. Esta categoria esbate as fronteiras entre o Direito Civil e o Direito Penal, e significa o reconhecimento de que os princípios da responsabilidade civil e da responsabilidade penal são os mesmos[9]. Entre o ilícito civil e o ilícito penal, há um continuum que passa por figuras intermédias como o ilícito de mera ordenação social e a sanção civil punitiva.

O dano tem uma dimensão simultaneamente individual e comunitária. As noções de interesse privado e de interesse público, como sempre reconheceu a ciência jurídica, entrecruzam-se, de forma que a ofensa aos direitos de uma pessoa pode traduzir também ofensa a interesses sociais. Os danos punitivos visam promover o respeito pelas normas de conduta da sociedade e influenciar o comportamento dos agentes económicos. Também são designados por exemplary damages, pois visam orientar os agentes económicos na conduta correcta e exprimem a reacção da sociedade a uma conduta ilícita, que tem impacto, não apenas individual, mas social.   

Na prática, a categoria resulta de uma jurisprudência criativa que, preocupada com a justiça, condena o lesante, em casos de dolo ou de culpa grave, ao pagamento de uma quantia mais elevada do que os padrões habituais.

A origem história do conceito remonta ao século XVIII, no Reino Unido, como estandarte do respeito pelo direito à reserva da vida privada e pela liberdade do indivíduo contra os abusos de autoridade e exercício arbitrário de poder[10]. Com efeito, os punitive damages surgiram devido aos graves abusos de autoridade por parte de funcionários públicos e entes privados, evidenciados nos casos Huckle v. Money (1763) e Wilkes v. Wood, nos quais se reconheceu que a responsabilidade civil comportava uma função de pena privada[11]. Mas foi em 1964, no caso Rooks v. Barnard[12], que pela primeira vez se distinguiu os punitive damages dos aggravated damages: a função dos primeiros seria prevenir condutas graves e punir o agente, não tendo as quantias concedidas nenhuma relação com o prejuízo sofrido pelo lesado, e os segundos resultariam do impacto da conduta do infractor na dignidade do lesado e serviriam para o compensar.

A condenação ao pagamento de uma indemnização punitiva significa que a finalidade sancionatória da responsabilidade civil passa de meramente secundária ou acessória a finalidade dominante, em certos contextos ou casos específicos, considerados excepcionais. Nestes casos, a incapacidade do agente prever o montante de danos punitivos que lhe será imposto em caso de transgressão de regras de conduta é a única forma de evitar que, orientado por critérios de racionalidade económica, opte por praticar condutas ilícitas, escolhendo incumprir os seus deveres, sempre que preveja que os lucros que a conduta ilícita pode produzir são superiores ao valor das indemnizações que seria condenado a pagar ao lesado[13].

A incursão de danos punitivos dá-se, quer no domínio da responsabilidade civil extracontratual (lesão de direitos de personalidade), quer na responsabilidade obrigacional, nas situações em que o incumprimento do contrato é perpetrado através de uma conduta fraudulenta [14].

 A doutrina tradicional tem aceitado a finalidade sancionatória da responsabilidade civil, mas apenas com uma natureza acessória ou secundária, sempre subordinada à função reparadora e fundamenta-a na norma do art. 494.º, que confere ao julgador o direito de redução equitativa da indemnização na hipótese de mera culpa, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, as condições económicas do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso[15]. No mesmo sentido, concorrem o regime do art. 497.º, n.º 2, no qual a repartição da indemnização entre as várias pessoas responsáveis se faz na medida das respectivas culpas, e o do art. 570.º, em que a graduação da indemnização, quando haja culpa do lesado, se faz com base na gravidade das culpas de ambas as partes, reflectindo estas normas o carácter punitivo ou repressivo da responsabilidade civil[16].

Para Antunes Varela, «(…) a função preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, subjacente aos requisitos da ilicitude e da culpa, subordina-se à sua função reparadora, reintegradora ou compensatória, na medida em que só excepcionalmente o montante da indemnização excede o valor do dano»[17]. 

 Mas o autor, a propósito da causa virtual do dano, afirma que «Não se pode aceitar como boa a afirmação de que seja “nitidamente excepcional” a função sancionatória ou preventiva da responsabilidade, baseada na ilicitude do facto. Será uma função subordinada (…); mas, com a amplitude que o art. 494.º hoje atribui ao poder do tribunal de graduar o montante da indemnização, de olhos postos, acima de tudo, no grau de culpabilidade do agente, não pode seriamente contestar-se o seu carácter geral, fundado na ilicitude do facto»[18].

Contudo, a ciência jurídica tem evoluído e encontramos, desde o final do século XX, defensores de um alargamento da finalidade punitiva da responsabilidade civil.

Pinto Monteiro refere que a dimensão sancionatória da responsabilidade civil implica o reacentuar da finalidade ético-jurídica do instituto e relaciona-se com o emergir do direito civil como direito constitucional das pessoas[19].

Júlio Gomes acentua o papel da pena privada como uma reacção eficaz face às insuficiências do direito penal [20] e defende a sua aplicação no domínio da difamação via imprensa, criminalidade económica e concorrência desleal[21].

A figura dos punitive damages, no domínio da responsabilidade contratual, contribui ainda para tornar efectiva a reparação integral do dano, pois os métodos tradicionais de cálculo do dano não garantem tal reparação integral, contribuindo, pelo contrário, para que a parte inocente seja onerada com uma parte substancial dos prejuízos causados pela violação culposa da outra parte[22].

Menezes Cordeiro acolhe a função punitiva para as indemnizações por danos não patrimoniais, «Quando estejam em causa valores morais – portanto: atinentes à pessoa, à família, à dignidade, à saúde e ao bom nome – a responsabilidade civil deve assumir uma postura mais avançada, retribuindo o mal e prevenindo as ofensas. As agressões, no sentido mais amplo do termo, multiplicam-se, mercê da evolução tecnológica e da crescente pressão das sociedades modernas sobre as pessoas; paralelamente, parece clara a incapacidade do direito penal clássico para assegurar uma protecção. (…) Há pois que facilitar a imputação aquiliana, no tocante a danos morais, quer aligeirando – tanto quanto a interpretação da lei o permita – os seus pressupostos, quer reforçando as indemnizações»[23]. Reconhece o autor à responsabilidade civil um papel punitivo: visa ressarcir o mal feito e desincentivar, quer junto do agente, quer junto de outros elementos da comunidade, a repetição das práticas prevaricadoras[24].

No mesmo sentido, chamando a atenção para o facto de o ilícito, sem uma indemnização adequada, compensar o agente, Patrícia Guimarães defendeu a consagração oficial da indemnização como pena privada, para evitar que a violação de direitos alheios compense o agente, na medida em que reduz os custos de transacção e não dá à outra parte a possibilidade de exigir um preço superior ao de mercado[25].

Paula Meira Lourenço, no seu estudo «A finalidade punitiva da responsabilidade civil», faz a defesa da indemnização sancionatória ou punitiva, solução que contribuirá para o reforço da tutela da pessoa humana relativamente à violação dos direitos de personalidade pelos meios de comunicação social sensacionalistas, permitirá a punição do produtor que prefere pagar indemnizações a eliminar os defeitos encontrados e promoverá a prevenção e punição do poluidor, em sede de responsabilidade ambiental[26]. A Autora propõe um modelo em que a indemnização punitiva seja dividida em partes iguais, entre o lesado e um Fundo de Garantia criado com o objectivo de assegurar o pagamento de indemnizações, sempre que os lesantes não sejam proprietários de bens penhoráveis, procedendo-se, assim, à socialização do lucro e do dano[27].

A indemnização punitiva tem sido adoptada nos casos de invasões de privacidade ou ofensas ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, em que as lesões a direitos fundamentais podem não causar danos às vítimas, mas ainda assim, por razões preventivas e sancionatórias, a imprensa deve ser condenada a pagar indemnizações, as quais devem ser suficientemente pesadas, para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro[28]. Também no Direito do Ambiente, é reconhecida à responsabilidade civil uma finalidade preventiva[29].

Henrique Sousa Antunes utiliza para o cálculo da indemnização punitiva um modelo explicativo que se situa, ainda, dentro do conceito de dano, propondo uma revisão do conceito de dano não patrimonial, que inclua o desequilíbrio patrimonial com expressão económica na esfera do lesante, permitindo ao lesado resgatar o lucro[30]. Neste modelo, o lucro ilícito, para além de constituir um critério de quantificação do dano, constitui, ele mesmo, um dano autónomo ou uma lesão. O autor exclui da satisfação do lesado um escopo punitivo principal, admitindo, apenas, um efeito punitivo secundário, relacionado com a vindicta do lesado[31]. O lesante é tão-só privado daquilo com que ilegitimamente se enriqueceu, não cabendo falar em punitive damages ou em pena privada[32].  

5. Independentemente das várias construções doutrinais possíveis, a jurisprudência europeia, dos países da civil law, tem vindo a dar relevância crescente à finalidade punitiva da responsabilidade civil, numa lógica de interacção entre a civil law a common law.

No domínio da protecção da reserva da intimidade da vida privada, tem sido esta a opção do Supremo Tribunal Alemão neste contexto, a propósito dos casos que opuseram a Princesa Carolina do Mónaco a jornais que publicaram fotografias suas e do seu filho[33].

No direito francês, a doutrina estudou já aprofundadamente os casos em que a responsabilidade civil é usada como pena privada com o objectivo de moralização da ordem económica, a propósito da regulação das relações de concorrência e da defesa dos contratantes colocados em situações de inferioridade económica, no domínio dos contratos de seguro, responsabilidade do produtor, direito do trabalho e direito do consumidor[34].

 Os tribunais franceses, sem aceitar a categoria dos danos punitivos, utilizam a maleabilidade do conceito de dano moral e o critério da equidade, para elevar o valor das indemnizações, a fim de obter um resultado sancionatório da conduta do lesante, sobretudo em matéria de violação de direitos de personalidade por difamação ou invasão da privacidade[35]. Contudo, o Tribunal de recurso de Douai, de 21 de Dezembro de 1989, um tribunal francês defendeu que, nas acções judiciais em matéria de concorrência desleal, a indemnização tem por finalidade não tanto reparar um prejuízo causado a outrem, mas sim sancionar a deslealdade dos actos cometidos[36]. Mesmo nos casos em que a jurisprudência, na fundamentação das decisões judiciais, não refere a finalidade sancionatória, é claro que, no cálculo das indemnizações em matéria de concorrência desleal, se afasta dos critérios gerais.

A jurisprudência portuguesa, apesar de não ter aceitado o conceito de danos punitivos , não deixa de, em determinados casos concretos, nomeadamente nos casos de ofensas ao bom nome e nos acidentes de viação atribuir à indemnização por danos não patrimoniais uma natureza mista de «reparar os danos sofridos pelo lesado e reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[37], calculando o montante da indemnização por danos não patrimoniais, tendo em conta o grau de culpa do agente e a sua situação económica(arts. 494.º e 496.º, n.º 3), o grau de culpa dos responsáveis nos casos de direitos de regresso, conforme o art. 497.º, n.º 2 e diminuindo ou excluindo a indemnização nos casos de culpa do lesado (art. 570.º) [38].

O conceito de indemnização punitiva surge, assim, a par de um movimento de desmaterialização do direito civil e da necessidade social de aumentar os valores das indemnizações por danos não patrimoniais, quando está em causa a violação de direitos fundamentais da pessoa humana.”

            Ora, como vem provado:

      

        O arguido AA ao dirigir o referido escrito - incidente de suspeição - àquele processo, representou e quis utilizar expressões e imputar factos relativamente à magistrada judicial titular do processo, a assistente, Drª BB, bem sabendo que eram aptos a ofender a honra, a consideração pessoal, o bom nome, a dignidade profissional daquela magistrada e o bom exercício da sua profissão, para além, ainda, de colocarem em causa o seu brio, equidistância e imparcialidade, qualidades e deveres que são próprios de qualquer Magistrado.

         O arguido AA atuou com a intenção direta de que a ora assistente fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade;

         O arguido AA atuou ainda sabendo que dos factos que imputava à assistente resultava que a mesma fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade, atuando conformando-se com tal realidade.

O arguido AA agiu sabendo que os factos que imputava a Assistente contra o seu bom nome e a honra, estes eram profundamente atingidos, nomeadamente, perante o Tribunal da Relação de Évora e perante todos os intervenientes e operadores que viessem a ter contacto com os autos e conhecessem a sua imputação, em particular, magistrados e oficiais de justiça que exercem funções no tribunal de Santarém, conformando-se com tal possibilidade

O arguido como advogado que exerce há mais de 25 anos sabia que os factos imputados à lesada, apresentavam enorme gravidade ética, jurídico disciplinar e jurídico-penal e apenas podiam ser alegados com base em provas.

As pessoas que lessem o texto do arguido e as imputações que formulou relativamente à lesada, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que a lesada era uma juíza desonesta, consequência que o arguido representou e quis e com a qual se conformou.

Mesmo a dúvida sobre a veracidade ou falsidade das imputações formuladas pelo arguido contra a lesada, que, no mínimo se suscitaria a qualquer um que lesse o requerimento do arguido e não conhecesse pessoalmente a lesada, implicava uma especial desconfiança relativamente à idoneidade e isenção desta, bem como à sua credibilidade no exercício de funções judiciais, facto que o arguido representou e com a qual se conformou.

Suspeita com uma gravidade tal suscetível de conformar futuras representações sobre a honestidade da lesada.

   Considerando os factores supra expostos na determinação do montante da indemnização por danos morais, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, entende-se por adequada uma indemnização de quinze mil euros.


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Sobre a condenação em custas da assistente demandante civil

O acórdão recorrido determinou na parte decisória:

 “Custas, do recurso interposto pela assistente, a cargo da assistente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça”.

A Recorrente, como refere, “é juíza de direito tendo o ilícito objecto dos autos sido praticado por causa do exercício das suas funções, pelo que a intervenção processual como assistente e demandante cível e subsequente intervenção processual ocorrem por via do respectivo exercício de funções de magistrada judicial, qualidade em que foi visada pela actuação do arguido demandado civil.”

Assim por força do disposto nos artº 4.º, n.º 1, al. c), do Regulamento das Custas Processuais, encontra-se isenta de custas, as quais abrangem, nos termos do artº 3º, nº 1 , do mesmo diploma, “a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.”

Alega a Recorrente que o tribunal ao omitir a comunicação da sentença à Ordem dos Advogados violou o disposto pelo artigo 116.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, pelo que a decisão final deve ser comunicada nos termos desse preceito.

   Como resulta do artº 116.º, nº1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, sobre a Independência da responsabilidade disciplinar

“1 - A responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil e criminal decorrente da prática do mesmo facto.”

Por sua vez o artº 121.º deste diploma, referindo-se à Participação pelos tribunais e outras entidades explicita no seu nº1:

“1 - Os tribunais e quaisquer autoridades devem dar conhecimento à Ordem dos Advogados de todos os factos suscetíveis de constituir infração disciplinar praticados por advogados”.,

Sendo que de harmonia com o disposto no nº 1 do artº Artigo 122.ºdo referido Estatuto, acerca da “Legitimidade procedimental e extinção do direito de queixa”

“1 - Tem legitimidade para participar à Ordem dos Advogados factos suscetíveis de constituir infração disciplinar qualquer pessoa direta ou indiretamente afetada por estes”

Assim, a 1ª instância determinará em conformidade o que tiver por conveniente.


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª secção. em dar parcial provimento ao recurso quanto ao pedido de indemnização civil, em tal âmbito revogando o acórdão da Relação, e consequentemente condenam o arguido demandado civil, no pagamento à assistente demandante, da quantia de quinze mil euros como indemnização por danos não patrimoniais

Custas pelo arguido demandado, na respectiva proporção, de vencido, estando isenta a demandante na proporção de decaimento,

           

            Supremo Tribunal de Justiça,, 26 de Outubro de 2016

                                               Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges