Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
748/13.0PFCSC.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CONDENAÇÃO
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DIREITO AO RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
INADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Criminal de … – Juiz … foram julgados em processo comum coletivo, os arguidos AA, BB, CC e DD, e, por acórdão de ... de setembro de 2018, foi deliberado, julgar a acusação do Ministério Público improcedente e não provada e, em consequência Absolver AA, BB, CC e DD da prática, em coautoria material, em concurso real e na forma consumada de 6 (seis) crimes de corrupção passiva, previstos e punidos pelos artigos 373.º, n.º 1 e artigo 386.º, n.º 1, al. d) do Código Penal.

1.2. Inconformado com o acórdão absolutório dele interpôs recurso o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de ... de janeiro de 2020, deliberou:

1. Não se apreciar os recursos interlocutórios dos arguidos AA e CC, por ilegitimidade.

2. Concede parcial provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público pelo que, em consequência:

a. Concedem provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelo Ministério Publico pelo que declaram nulos os despachos judiciais de ...de junho e ... de junho de 2018, que indeferiram a reprodução da gravação das declarações das testemunhas nos termos do disposto no art.º 356°/ 4 CPP das declarações prestadas pelas testemunhas EE e FF em Inquérito, perante o Ministério Púbico por omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material cfr. art. 120° 2 d), 3 a) CPP - procedendo-se oportunamente a julgamento por factos respeitantes  àqueles queixosos na 1.º Instância.

b. Concedem provimento ao recurso do acórdão absolutório e revogam o mesmo, julgando provados os factos constantes da pronúncia, nos termos acima descritos, e em consequência, condenam os arguidos pela prática, em co-autoria material de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo artº 373º nº 1 e 386.º n.º al. d) ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos GG, EE, HH, e II, nas seguintes penas:

Factos respeitantes a GG

AA – 2 anos e 6 meses de prisão; BB – 2 anos de prisão; CC - 2 anos de prisão; DD - 2 anos de prisão.

Factos respeitantes a EE

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC - 1 ano e 9 meses de prisão; DD -1 ano e 9 meses de prisão;

Factos respeitantes a HH

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC - 1 ano e 9 meses de prisão; DD -1 ano e 9 meses de prisão;

Factos respeitantes a II

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC - 1 ano e 9 meses de prisão; DD -1 ano e 9 meses de prisão;

c. E em cúmulo jurídico condenam os arguidos:

AA – 4 anos de prisão; BB – 3 anos de prisão; CC- 3 anos de prisão; DD – 3 anos de prisão.

d. Suspendendo a execução das penas respetivas por 5 (cinco) anos aos arguidos.

1.3. Inconformados com este acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, vieram os arguidos AA, BB, CC e DD, dele interpor recurso para este Supremo Tribunal, que motivaram, concluindo nos seguintes termos:

«1. O presente recurso é interposto, ao abrigo do artigo 399.º do Código de Processo Penal, do douto acórdão do Tribuna da Relação de Lisboa, prolatado, em… de janeiro de 2020, em sede de recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de …, que absolveu os ora recorrentes de todos os crimes de que vinham acusado. Através do acórdão aqui recorrido foram aplicadas, aos recorrentes, penas de prisão, suspensas na execução.

2. Existindo dúvidas acerca da sua admissibilidade, tendo em conta o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, as mesmas são dissipadas através da jurisprudência do Tribunal Constitucional produzida sobre a matéria. Com a entrada em vigor da Constituição de 1976, é inquestionável que o direito de recurso passou a constituir uma garantia de defesa em Processo Penal, implicando, por isso, que o arguido beneficie sempre de um grau de recurso perante decisões que lhe sejam desfavoráveis, maxime decisões condenatórias. O n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, na redação conferida pela Revisão de 1997, prevê expressamente o direito de recurso como garantia de defesa. Sempre que o arguido tenha sido absolvido em primeira instância e, de forma inovatória, venha a ser condenado na Relação, beneficia obrigatoriamente do direito de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, contanto que estejam reunidos os pressupostos processuais de legitimidade e interesse em recorrer. Como já vimos, esta é a situação em apreço nos presentes autos. Por acórdão proferido em primeira instância os recorrentes foram absolvidos dos crimes de que haviam sido acusados (corrupção passiva) e o douto acórdão agora recorrido, proferido em sede de impugnação daquela deliberação, condenou-os de forma absolutamente inovatória, pelo que deve ser admitido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, padece de inconstitucionalidade material, por violar o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

3. O Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º598/2018, de 13 de dezembro de 2018, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade de acórdão da Relação que, inovadoramente ante a absolvição ocorrida em primeira instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

4. Recentemente, em 16 de janeiro de 2020, a 2.ª secção deste Venerando Tribunal, prolatou o acórdão n.º 31/2020, em que decidiu “Julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que condenem os arguidos em pena de multa, ainda que as decisões recorridas da 1ª Instância sejam absolutórias, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.” (sublinhados nossos).

5. A situação concreta que leva os recorrentes a interpor o presente recurso é mais gravosa do que a que foi julgada neste último acórdão do Tribunal Constitucional, tendo em conta a responsabilidade disciplinar em que ocorrem por serem militares da Guarda Nacional Republicana (cf. alínea e) do n.º 2 do artigo 21.º e artigo 33.º do Regulamento Disciplinar da Guarda Nacional Republicana

6. Para além disso, nenhum entendimento restritivo é compatível com o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. Acrescentando-se que tal entendimento não corresponderia apenas a uma interpretação restritiva propriamente dita, mas antes a uma verdadeira redução teleológica dessa norma constitucional. Com efeito extrair de uma norma que configura o direito de recurso como uma garantia de defesa em processo penal a conclusão de que o direito de recurso apenas é garantido no caso de condenação em pena de prisão e não quanto às restantes sentenças condenatórias não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, que uma interpretação restritiva exigiria (artigo 9.º, n.º2, do Código Civil). Ora, uma redução teleológica de uma norma constitucional que envolve uma agravação da responsabilidade penal do arguido (correspondendo a uma inexplicável “interpretação” ab-rogante valorativa ou corretiva) é absolutamente incompatível com o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29º da Constituição, à semelhança com o que sucede com a analogia in pejus.

7. No plano do Direito Internacional, o direto ao duplo grau de jurisdição está consagrado no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação por Portugal pela Lei n.º 29/78, de 12 de junho, que estipula, no artigo 14.º, n.º 5, que “Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei”. E, também, o nº 1 do artigo 2.º do Protocolo n.º 7 a Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada para ratificação por Portugal pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, contempla o direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal: “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superiora declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei”.

8. É verdade que esta norma comtempla exceções, estipulando o seu nº 2 que: “Este direito pode ser objeto de exceções em relação a infrações menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição”. Mas esta exceção tem de ser interpretada de forma restritiva, ficando dependente do rigoroso respeito do direito a um processo justo e equitativo, garantido pelo n.º 1 do artigo 6º da Convenção (cf. a vasta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem citada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 429/2016, de 6 de outubro, e supramencionada).

9. No caso vertente, a denegação do direito à interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não seria acompanhada pela observância das rigorosas exigências de um processo justo e equitativo: em primeiro lugar, o processo é desencadeado por provas; em segundo, não foram apreciados recursos interlocutórios; em terceiro, não foi garantido o contraditório em relação a parte da prova testemunhal. Por outro lado, não se pode considerar a corrupção passiva – pela qual foram condenados os arguidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa – uma infração menor, tendo em conta a sua gravidade, a sua ressonância ético-jurídico-social e até as consequências, que, em regra, envolvem o afastamento definitivo do serviço dos militares da GNR.

10. Por fim, a Constituição da República Portuguesa não admite exceção alguma em matéria de direito ao recurso como garantia de defesa e esse direito abrange, seguramente, o direito a um duplo grau de jurisdição, como possibilidade de impugnar perante os tribunais as próprias decisões judiciais.

Por tudo o que aqui se sustentou deve ser admitido o presente recurso, nos termos requeridos.

11. Quanto ao objeto do recurso, pretendem os recorrentes que sejam revogadas as deliberações que integram o douto acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em … de janeiro de 2020, em recurso do acórdão absolutório proferido pelo Juízo Central Criminal de …, tendo em conta o que passam a expor:

O julgamento pelo Tribunal da Relação de Lisboa dos recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos AA e CC, aqui recorrentes.

12. No decurso da audiência de julgamento, os recorrentes AA e CC, interpuseram os quatro recursos interlocutórios supramencionados. E quando contra-alegaram sobre o recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão absolutório prolatado pelo Juízo Central Criminal de …, manifestaram, expressamente, o interesse que mantinham na apreciação de tais recursos intercalares atempadamente interpostos, deixando bem claro que tal interesse apenas teria lugar no caso de vencimento do recurso interposto pelo Ministério Público, o que se encontra devidamente registado nas conclusões das referidas contra-alegações nos seguintes termos: “XI - Com as presentes conclusões os recorridos consignam o interesse que mantêm na apreciação de todos os recursos intercalares que interpuseram, para o caso – o que se não concede – de vencimento do MP.”

13. O douto acórdão recorrido, deliberou não apreciar os referidos recursos, por inadmissibilidade da respetiva subida e julgamento. Fundamentando esta sua posição com a citação dos seguintes acórdãos: Acórdão RC de 10-09-2014, in www.dgsi.pt; Acórdão da RE de 11-11-2015, proc.º 1427/10.5TAPTM.E1, Relator: António Condesso e Acórdão R. Coimbra 10-09-2014, proc.º 136/07.7ASAR.C2, Relator: Luís Coimbra.

14. Ainda sobre estes recursos, o douto acórdão recorrido afirmou que: “De qualquer forma os despachos mencionados não estão feridos de quaisquer nulidades e/ou irregularidades (“É este o princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades que o art. 118.º n.º 1 consagra na seguinte fórmula: a violação ou a inobservâncias das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. A norma do artigo 118.º n.º 1 não permite a sua extensa analógica”, Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Verbo, 2.ª Ed., 1999, Vol. II, pág. 74.”

15. Aqui temos duas questões a abordar: o entendimento que é efetuado acerca da impossibilidade de subida e julgamento de recurso interlocutório quando não existe recurso da decisão que põe termo à causa e a inexistência de nulidades ou irregularidades.

16. Quanto à primeira questão, sobre o entendimento que é adotado acerca da impossibilidade de subida e julgamento de recurso interlocutório quando não existe recurso da decisão que põe termo à causa, a jurisprudência invocada pelo doutro acórdão recorrido respeita a situações em que o autor do recurso interlocutório teve oportunidade de recorrer da decisão que pôs termo à causa, mas não o quis fazer, ou a situações de absolvição do arguido em primeira instância, confirmada pelo Tribunal da Relação. Nenhuma destas situações é semelhante àquela que aqui é julgada. Nos presentes autos os recorrentes foram absolvidos em primeira instância e condenados da sequência de recurso daquela deliberação.

17. Existindo uma irregularidade processual cujo reconhecimento como tal impossibilita a condenação do arguido, o facto de este ser absolvido apesar de tal irregularidade não ter sido declarada é para ele irrelevante e, por isso, a subida e o julgamento do recurso que impugna a decisão que não reconheceu a irregularidade pode perder o interesse. Contudo, esse interesse retorna quando outro interveniente processual interpõe recurso da decisão absolutória, pretendendo obter aresto de condenação do arguido absolvido. Nesta situação, o direito à subida e julgamento do recurso interlocutório retido ganha vitalidade perante a probabilidade de ser prolatada deliberação condenatória.

18. Como já vimos, o direito ao recurso é uma das garantias asseguradas ao arguido pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. A jurisprudência constante expressa no já citado acórdão n.º 31/2020, do Tribunal Constitucional, não aceita restrições ao direito de recurso que impliquem a impossibilidade de um duplo grau de jurisdição sobre as decisões desfavoráveis ao arguido. Por isto, se defende a inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação do n.º 3 do artigo 407.º com o n.º 5 do artigo 412.º, ambos do Código de Processo Penal, que impede o julgamento de recurso interlocutório interposto por arguido absolvido em primeira instância, nos casos em que exista recurso interposto desta decisão por outro interveniente processual que culmine com a condenação do arguido, por violação do direito ao recurso enquanto modalidade de garantia de defesa previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

19. Se assim não fosse, em determinadas situações, como é o caso em apreço, o direito de recurso seria praticamente denegado ao arguido. Embora ele pudesse ter formalmente recorrido e se afigure indiscutível a existência de interesse no conhecimento do objeto do recurso, tal conhecimento seria inviável. A violação do direito de recurso configurado como garantia de defesa pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição surge aqui associada a uma omissão de pronúncia que implica a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de que agora se recorre (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal).

20. Quanto à segunda questão, a inexistência de nulidades ou irregularidades, o douto acórdão recorrido não fundamenta a sua posição. Sem prescindir, se estivéssemos, apenas, perante meras irregularidades que afetam os atos objeto dos recursos intercalares, elas teriam sido arguidas em obediência ao disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal, o que obrigaria sempre o douto acórdão recorrido a pronunciar-se sobre tais irregularidades, sob pena de estarmos perante uma omissão de pronúncia, geradora de nulidade do douto acórdão recorrido (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal).

Por tudo isto, deve ser revogada a decisão que não admite os recursos interlocutórios apresentados pelos recorrentes AA e CC.

Da não valoração da gravação efetuada pela testemunha GG.

21. Em audiência de julgamento, o Ministério Público apresentou requerimento com vista à reprodução, naquela sede, de gravação efetuada pela testemunha GG, quando mantinha conversação com os recorrentes, sem conhecimento ou consentimento destes. O douto acórdão absolutório, a fls. 2, deliberou tratar-se de gravação “… nula e inadmissível como meio de prova, nos termos dos art.ºs 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e 126.º do Código de Processo Penal …” Foi ainda considerado que a referida gravação integrava, em abstrato, o crime de gravações ilícitas. Esta deliberação foi impugnada pelo Ministério Público e o duto acórdão recorrido, a fls. 116 e seguintes, deliberou pela sua improcedência, mantendo a deliberação tomada em primeira instância.

22. Contudo, também em relação a esta questão, o douto acórdão recorrido não deixou de criticar negativamente a deliberação absolutória, por alegados erros e omissões. Tendo afirmado, em abono de gravação ilícita que:

“… após a PSP ter tido acesso a esta gravação percebeu que a versão do GG era verdadeira e iniciaram as diligências investigatórias de vigilância e de solicitar à Sr. JIC a instalação de uma câmara no interior do estabelecimento comercial do GG, para gravar as imagens e som quando os arguidos ali se deslocavam, diligência que mereceu deferimento por parte do JIC que se apercebeu da gravidade dos factos que importava investigar.

Mas a intervenção da PSP deu-se nesse momento, ou seja, “a posteriori” da necessidade que o GG sentiu de fazer a gravação.

Quando o GG faz a gravação não dispunha de qualquer outro meio para se defender e se não fosse a sua gravação dificilmente os presentes autos teriam tido desenvolvimento.” (sublinhados nossos).”

23. O conteúdo desta transcrição do douto acórdão recorrido contrasta com a informação de serviço que se encontra a fls. 3 e seguintes dos autos, elaborada em … de outubro de 2013 pelo Chefe a PSP JJ. Nesta informação, que deu origem à abertura dos presentes autos, consta que a denúncia que esteve na sua origem foi apresentada por HH e não por GG. Também consta nesta informação que a intervenção de GG realizou-se depois de ter sido contactado por membros da PSP, não tendo partido dele qualquer iniciativa de denúncia.

Por outro lado, a fls.77dos autos consta o primeiro auto de inquirição de GG elaborado pela PSP. No depoimento prestado não existe referência a qualquer receio para a testemunha ou para a sua família.

Estes registos também provam que a PSP tomou conta da ocorrência e não negligenciou o depoimento prestado. Não ficou a aguardar que esta testemunha apresentasse qualquer elemento de prova.

Esta informação de serviço e o primeiro depoimento de GG, permitem concluir que não correspondem à verdade as passagens do douto acórdão recorrido que referem que: a PSP só depois de ter acesso à gravação é que percebeu que a versão do GG era verdadeira; a intervenção desta Força de Segurança só se verificou depois da realização da referida gravação e que GG não dispunha de qualquer outro meio para se defender a não ser a gravação.

O facto dos restantes denunciantes não terem tido qualquer necessidade de realizar gravações ilegais deste tipo, reforça a falsidade dos fundamentos apresentados pelo Ministério Público e adotados pelo douto acórdão recorrido para defenderem a “bondade” das gravações ilícitas.

24. Contudo, não existem quaisquer fundamentos para não acreditarmos que, como defende o Ministério Público e o douto acórdão recorrido, a referida gravação ilícita foi o fundamento para “…solicitar à Sr. JIC a instalação de uma câmara no interior do estabelecimento comercial do GG, para gravar as imagens e som quando os arguidos ali se deslocavam, diligência que mereceu deferimento por parte do JIC que se apercebeu da gravidade dos factos que importava investigar.” E que “… se não fosse a sua gravação dificilmente os presentes autos teriam tido desenvolvimento.” Quer isto dizer que a gravação ilícita foi o único meio que permitiu a instalação de uma câmara no estabelecimento do GG para captar som o imagens. Portanto, sem a gravação ilícita não teria sido realizada a captação de som e imagem na …….. de GG, o que, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada ou da proibição em cascata resultante do recurso à prova proibida, torna ilegal esta captação de som e imagem. Esta teoria, que proíbe as provas ilícitas por derivação, determina que quando os atos ilegais são fundamentais para se obter a prova lícita, que jamais seria recolhida sem a sua existência, a prova licita assim obtida é proibida, por ilicitude derivada do ato que lhe deu origem. A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e a doutrina são unanimes em considerar que a prova licita assim obtida é proibida (cf. acórdão n.º 198/04, do Tribunal Constitucional, de 24 de março de 2004, que limita o efeito à distância socorrendo-se de três hipótese: a limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula «(nódoa) dissipada».

Em matéria de Direito Comparado, no Acórdão, Miranda vs. Arizona, o Supremo Tribunal Federal dos EUA também se prevaleceu desta doutrina ao considerar proibida toda a prova produzida sequencialmente após uma detenção do arguido que não foi acompanhada da informação dos respetivos direitos (cf. Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436 -1966).

Esta doutrina constitucional também vale na Europa Continental, em sistemas como o português ou o alemão, podendo falar-se então na proibição em cascata a partir de uma prova proibida. No caso vertente se a prova sequencial não teria sido produzida, sem a prova proibida, então terá de se concluir pela sua nulidade. De resto, na Europa Continental a doutrina tende a ser aplicada com maior rigor do que nos próprios Estados Unidos da América, uma vez que na Europa as proibições de prova são concebidas como corolários de direitos fundamentais e não “apenas” como limites à ação de polícia (assim, Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 1992, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 197, 212 e 213; cf. também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Edição, 2009, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, pp. 318-9).

Por não restarem dúvidas de que a gravação ilícita realizada por GG foi a causa direta e necessária da captação de som e imagem na sua …, deve ser declarada nula e sem nenhum efeito a prova alcançada através de tais capações, por se encontrar contaminada com o vício que inquina a gravação ilícita que lhe deu origem.

Do julgamento dos recursos interlocutórios interpostos pelo Ministério Público em sede de audiência de julgamento.

25. Por indeferimento dos pedidos de leitura em audiência de julgamento das declarações prestadas pelas testemunhas FF e EE, o Ministério Público recorreu destas duas decisões judiciais, defendendo a reprodução das referidas declarações em audiência de julgamento. Os recursos subiram com o recurso interposto da deliberação absolutória e, por isso, foram julgados no douto acórdão recorrido, que, no último parágrafo de fls. 127 delibera: “Declarar procedentes as nulidades invocadas pelo Ministério Público (art. 120.º/2d)/3 a) CPP) por omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material, no caso a reprodução da gravação, em Julgamento, das declarações prestadas pelo ofendido/testemunha EE e da testemunha/ofendido FF, ofendido em Inquérito, perante Magistrado do Ministério Público cfr. 356.º/4 do CPP, revogando os respetivos despachos (isto no caso de se manter o desconhecimento do paredeiro do arguido).

Assim, os factos respeitantes a estes dois ofendidos, e que a seguir se transcrevem terão de ser julgados oportunamente na 1.ª Instância, a saber:”

26. O douto acórdão recorrido adotou, sem crítica, a posição defendida pelo Ministério Público sobre esta questão, ignorando os despachos recorridos e as contra-alegações apresentadas pelos agora recorrentes. Assim, também aqui, o douto acórdão recorrido incorreu nos pecados que aponta ao acórdão absolutório, apresentando um déficite de fundamentação da opção que fez. Já quanto à questão em análise, ela pode resumir-se ao seguinte: é lícito reproduzir em audiência de julgamento a gravação das declarações prestadas por testemunha durante o inquérito, perante o Ministério Público?

27. Uma resposta afirmativa será sempre superficial, resultando da interpretação literal do n.º 4 do artigo 356.º do Código de Processo Penal. Não podemos deixar de ter em conta o ordenamento jurídico na sua totalidade. Os despachos recorridos, devidamente fundamentados nos artigos 318.º, 319.º, 320.º, 271.º e 294.º do Código do Processo Penal e os princípios fundamentais de direito penal da oralidade, da imediação e do contraditório, acentuam o sentido em que decidiram no facto de não ser razoável que no âmbito da prestação de declarações para memória futura seja necessária a comunicação da realização deste meio de antecipação de prova “… ao Ministério Público, aos representantes do arguido, do assistente e das partes civis, com vista a assegurar a imediação, a oralidade e o contraditório, e que tal seja dispensado relativamente a declarações prestadas pelo Ministério Público que se pretenda utilizar em audiência de julgamento. Entendeu o Tribunal a quo que a finalidade a dar às declarações acaba por determinar os requisitos a que tem de obedecer a sua recolha. Concluindo que as declarações prestadas fora da audiência de julgamento só podem ser nela reproduzidas se forem recolhidas com obediência de todos os requisitos exigidos para as declarações para memória futura, por serem prestadas com esta finalidade.

28. Sobre esta questão existe doutrina que aceita que os depoimentos referidos no n.º 4 do artigo 356.º do Código de Processo Penal, prestados em inquérito, perante o Ministério Público só poderão ser valorados, desde que reunidos determinados requisitos (cf. Damião da Cunha, “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento” (arts. 356.º e 357.º do CPP)”, pág. 413, e Sandra Oliveira e Silva, A Protecção de Testemunhas no Processo Penal, Coimbra Editora, 2007, pág. 247, nota 491.). Quem adota esta solução aceita que as regras de recolha antecipada de prova e os princípios da oralidade, imediação e contraditório podem não ser observadas nas declarações prestadas em sede de inquérito perante Magistrado do Ministério Público quando a presença de determinados intervenientes processuais em audiência de julgamento se transforma numa impossibilidade duradoira, mas imprevisível. Quando a impossibilidade seja previsível, não admitem a leitura de tais declarações em audiência de julgamento.

29. Na questão em apreço, o Ministério Público, tendo em conta que se tratava de testemunhas que não tinham nacionalidade portuguesa, tinha a obrigação, por todas as razões, de realizar um juízo de prognose acerca da previsibilidade de não comparência na audiência de julgamento, não podendo conformar-se com qualquer resultado que não fosse a forte probabilidade da ausência destas testemunhas e, por conseguinte, requerer a antecipação da prova através da prestação de declarações para memória futura. Por não ter atuado deste modo, não acautelou os interesses que tinha obrigação de defender, pelo que a superação deste comportamento negligente não pode ser realizada à conta da postergação das mais elementares garantias de defesa do arguido aqui mencionadas.

Admitir como meio de prova declarações que não foram sujeitas a contraditório corresponde a uma interpretação do artigo 356.º, n.4, do Código de Processo Penal contrária ao disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. Tal norma, nessa interpretação, é, pois, materialmente inconstitucional por violar este artigo da Constituição.

30. Os despachos revogados adotaram a única solução possível, no respeito pelos princípios da oralidade, imediação e contraditório, pelo que não mereciam qualquer censura, devendo ser anulado o douto acórdão recorrido, por erro de julgamento.

31. Na senda desta anulação, o douto acórdão recorrido determinou que os factos respeitantes a estas duas testemunhas sejam julgados na primeira instância. E continuou com o julgamento do recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o douto acórdão absolutório. Salvo melhor opinião, a manter-se a revogação dos referidos despachos, o que não se concebe, a única solução possível para dar cumprimento a esta deliberação passa pela revogação do acórdão absolutório e, consequentemente, pelo reenvio do processo, ao abrigo do artigo 426.º do Código de Processo Penal, para produção da prova agora admitida.

Do julgamento do recurso interposto pelo Ministério Público sobre o acórdão absolutório.

32. O Ministério Público, no recurso interposto do acórdão proferido em primeira instância, impugnou a matéria de facto provada e não provada, mas não cumpriu o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. Não indica os pontos concretos de facto que tenham sido considerados, pelo Ministério Público, incorretamente julgados. Não sabemos se tais pontos dizem respeito à matéria de facto provada ou à que ficou por provar. Esta omissão impossibilitava o Tribunal ad quem de se pronunciar sobre a matéria de facto, na medida em que a mera alegação de que se estava a recorrer da matéria de facto não é uma via aberta para se realizar um segundo julgamento. A jurisprudência supracitada (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de outubro de 2015, no processo n.º 220/15.3PBAMD.L1-9 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, prolatado em 22 de outubro de 2008, no âmbito do processo n.º 1121/03.3TACBR.C1) é clara sobre esta questão. Sendo de destacar o seguinte trecho desta acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: “… Como se escreveu no Acórdão do STJ de 24/10/2002[iii] «(...) o labor do Tribunal da 2.ª instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida [art. 412.º, n.º 3, als. a) e b) do CPP].

Se o recorrente não cumpre aqueles deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência às provas e respectivos suportes». (…)”

33. Assim, em violação destas normas, o douto acórdão recorrido anulou a deliberação absolutória através da realização de um segundo julgamento, condenando os recorrentes pela prática de quatro crimes de corrupção em penas de prisão suspensas nas respetivas execuções. Entendeu o douto acórdão recorrido que existe, no acórdão absolutório, uma contradição entre a fundamentação e a decisão. Afirmando que “… o tribunal a quo, conforme resulta da fundamentação da matéria de facto não manifestou quaisquer dúvidas sobre a inocência dos arguidos pelo que não poderia absolvê-los com base no princípio in dúbio pro reo mas antes pura e simplesmente uma absolvição.” Partindo desta convicção, o douto acórdão recorrido acabou por condenar os recorrentes, que, segundo ele, deviam ter sido pura e simplesmente absolvidos.

34. Acompanhando a motivação apresentada pelo Ministério Público, o douto acórdão recorrido não indica os factos que foram dados como provados sem que o pudessem ser, nem aqueles que não foram dados como provados quando deviam como tal ter sido considerados. Mas, a fls. 138, afirma que o Tribunal a quo “… deveria também, além da prova testemunhal e da gravação vídeo ordenada por decisão judicial lançado mão de presunções para dar no essencial como provados os factos da PRONÚNCIA…” Mas esta afirmação não é acompanhada da indicação concreta das presunções que refere. Assim como não são indicados factos concretos da pronúncia que devem ser dados como provados através de prova indiciária. O douto acórdão recorrido acaba por lançar juízos de valor, sem qualquer sustentação probatória. Damos como exemplo a seguinte afirmação constantes de fls.141: “… os arguidos agiram da forma descrita porque os ofendidos, sendo imigrantes, sem a sua situação regularizada e com a atividade de sucateiros não legalizada constituíam alvos fragilizados para os seus intentos.” Não existem factos provados, direta ou indiretamente, que fundamentem esta convicção do douto acórdão recorrido. Este juízo de valor demonstra a falta de imparcialidade que presidiu a este julgamento.

35. Por ter aderido, sem crítica, à posição defendida pelo Ministério Público no recurso interposto, o douto acórdão recorrido acabou por incorporar as falsidades que aquele continha, destacando-se o exemplo relativo ao testemunho prestado por GG, tendo sido dado credibilidade ao seguinte: “teve medo dos arguidos … a única forma que encontrou de se defender, naquele momento, de algum mal que os arguidos pudessem fazer-lhe, foi efetuar uma gravação (…) e também para depois poder demonstrar a veracidade das queixas à PSP e assim, a partir daí poder passar a contar com a proteção deste OPC e do Tribunal.”; “… só após a PSP ter tido acesso a esta gravação percebeu que a versão do GG era verdadeira (…) e iniciaram as diligências investigatórias de vigilâncias (…)”; “… a intervenção da PSP deu-se nesse momento, ou seja, “a posteriori” da necessidade que o GG sentiu de fazer a gravação.”; e “Quando o GG faz a gravação não dispunha de qualquer outro meio para se defender e se não fosse a sua gravação dificilmente os presentes autos teriam tido desenvolvimento.” Tudo isto é falso e induziu em erro o douto acórdão absolutório. Como já vimos, foi a informação de serviço de fls. 3 e seguintes dos autos, que esteve na origem deste processo. Neste documento está provado que tudo se iniciou a partir da denúncia apresentada por HH e não GG, cuja intervenção foi provocada pela PSP, que o contactou, não partindo dele qualquer iniciativa de denúncia ou de pedido de ajuda. Lendo as declarações de GG prestadas no primeiro auto de inquirição elaborado pela PSP, a fls. 77, observamos que a testemunha não refere qualquer receio para ele ou para a sua família. E também concluímos que, na sequência de tais declarações, a PSP deu seguimento ao inquérito, não tendo ficado a aguardar melhor prova a apresentar por esta testemunha. De tudo isto resulta que as declarações prestadas por esta testemunha ao longo de todo o processo são destituídas de qualquer credibilidade. O Tribunal a quo, reconhecendo as debilidades apresentadas pela testemunha, entendeu não lhe dar credibilidade. Já o Tribunal ad quem ignorou tais factos.

36. Outra debilidade do douto acórdão recorrido, também ela transferida da motivação do recurso do Ministério Público, resulta da desconsideração que se pretende dar à excelente opinião acerca do profissionalismo do recorrente AA. Pretendeu o Ministério Público insinuar que existe uma ligação negativa entre este recorrente e o designado “caso de ….” para deste modo atacar o acórdão absolutório por neste constar que “AA recuperou material de …”. Esta frase, isolada do contexto em que se encontra inserida no duto acórdão absolutório, resulta do depoimento prestado pela testemunha KK, … da Guarda Nacional Republica, que entre outros aspetos que são do seu conhecimento e que atestam a competência, o zelo, o rigor, a dedicação e o brio profissional deste recorrente, afirmou “foi ele essencialmente que permitiu a recuperação do material” (cf. Sessão da Audiência de Julgamento do dia 24-5-18 aos minutos 7.00 a 8.00).De modo a criticar o acórdão absolutório, o douto acórdão recorrido sobre este assunto entendeu o seguinte: “… O AA recuperou material de …….. (nota: não se entende o alcance face aos desenvolvimentos posteriores deste caso, qual a conduta do arguido) …” (cf. fls. 163 deste aresto). Os acontecimentos posteriores não têm qualquer implicação nesta questão. Mas podemos afirmar que no “Processo de ……..” o recorrente integra o rol de testemunhas de acusação. Este recorrente exerce funções no …. da … desde … e a sua intervenção está relacionada com a análise do local do crime realizada na sequência do furto. A sua intervenção técnica na análise de tal local terá sido fundamental para dar pistas à investigação, nada mais do que isso. A referência que o douto acórdão recorrido faz a esta situação só pode ser entendida como um anátema com o intuito de diminuir o valor do douto acórdão absolutório por ter utilizado tal facto na sua fundamentação.

37. É de lamentar que, sobre esta e outras questões, o douto acórdão recorrido não tenha ponderado o alegado pelos recorrentes em sede de contra-alegações e tenha aderido, sem crítica, às falsidades do recurso do Ministério Público aqui exemplificadas, que geraram o erro de julgamento em que caiu. Nas contra-alegações apresentadas, que se encontram supratranscritas, os recorrentes assinalaram os exageros contidos no recurso do Ministério Público, permitindo a correta aplicação do Direito, que passa necessariamente pela confirmação do douto acórdão absolutório, que é irrepreensível e se encontra devidamente fundamentado, não merecendo, por isso, qualquer reparo.

38. Por outro lado, analisando o acórdão absolutório não se entende o fundamento dos reparos feitos pelo douto acórdão recorrido que levaram à sua anulação. Não podemos esquecer que, depois de ter indicado todos os meios de prova que foram tidos em conta na deliberação tomada acerca da matéria de facto provada e não provada, aquele aresto elaborou uma ponderada análise sobre toda a prova produzida, indicando, por exemplo, as razões que levaram a ter dúvidas sobre os depoimentos apresentados pela testemunha GG, e referindo os problemas detetados em transcrições das gravações realizadas na … desta testemunha (cf. Fls. 79 a 86 do acórdão absolutório). Na deliberação absolutória também é referida a inexistência de meios de prova, direta ou indireta, que permitissem ultrapassar as dúvidas que, de forma perfeitamente razoável, se instalaram no Tribunal Coletivo. Os recorrentes não apresentam sinais exteriores de riqueza incompatíveis com os rendimentos provenientes do trabalho dos respetivos agregados familiares. O seu património em geral e as suas contas bancárias foram analisadas e não foram detetadas quaisquer anomalias. Os superiores hierárquicos e os colegas dos arguidos, quando testemunharam, manifestaram grande surpresa pela acusação, na medida em que eram completamente incompatíveis com o conhecimento que tinham dos arguidos, sobre quem nunca havia recaído qualquer suspeita anterior. Acrescentando-se ainda a dedicação, o zelo, o empenho e o brio profissional com que sempre pautaram as suas condutas no exercício das funções públicas em que se encontram nomeados.

Foi neste quadro ambivalente, de credibilidade dos depoimentos prestados pelos recorrentes e pelas testemunhas que apresentaram e de dúvida acerca da realidade dos factos constantes na pronúncia, que o Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Cascais decidiu absolver os recorrentes, por não existir qualquer meio de prova que permitisse ultrapassar a dúvida gerada pelas debilidades dos depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação.

39. Por seu turno, o douto acórdão recorrido apresenta grandes debilidades. Não indica quais os factos provados que alcançou através de inferência. E não explica as razões que, com exceção dos artigos relativos às testemunhas FF e EE remetidos para oportuno julgamento em primeira instância, o levaram a dar como provados todos os restantes factos constantes na pronúncia. Não indica qual foi o meio de prova, direto ou indireto, que levou a dar como provado o facto constante no ponto 8 do rol dos factos provados: “Tendo tomado conhecimento das elevadas quantias monetárias, quase sempre recebidas em dinheiro, auferidas pelos proprietários de tais ..., com a venda de cobre de forma ilegal, bem como da precariedade da situação vivenciada pelos mesmos, decorrente dos fracos laços que os ligavam ao território nacional.”

40. Em suma, nos presentes autos não existem outros meios de prova para além dos depoimentos e dos documentos elaborados pelos investigadores em sede de inquérito. Da análise financeira às contas bancárias dos arguidos não resultou qualquer evidência da prática de qualquer crime. Nem é referida nos autos a existência de sinais exteriores de riqueza. Não é indicada qualquer prova indiciária nem o meio utilizado para a sua obtenção. Assim, o douto acórdão recorrido, ao anular o acórdão absolutório sem provas e alicerçado apenas em convicção, padece de vício de erro de julgamento.

Do crime de corrupção ativa

41. Por fim, é indispensável referir a forma como foi feita a imputação da conduta dos arguidos ao tipo de crime de corrupção. Conforme citação feita pelo douto acórdão recorrido do Acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de setembro de 2011, citado a fls. 228 “II – o tipo subjectivo pressupõe, para além do dolo, que tem por referência todos os elementos do tipo objetivo, de um elemento subjetivo especial que se traduz numa determinada conexão do comportamento objetivo do agente com a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes.”

42. Sem prescindir da necessidade de provar os restantes elementos do tipo de crime, não é possível preencher o elemento especial do tipo subjetivo, que, como já vimos, consiste na “… conexão do comportamento objetivo do agente com a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes.”

43. Dos factos provados não consta que existissem estabelecimentos em funcionamento ilegal que não tenham sido encerrados. O douto acórdão recorrido não indica qualquer estabelecimento que se encontrasse nesta situação. Aliás, socorrendo-nos à prova por presunção, concluímos, sem qualquer dúvida, que o exigido elemento subjetivo especial não se encontra reunido. Não se encontra provado nos autos que determinados estabelecimentos se encontravam ilegalmente em funcionamento e, por isso, deviam ter sido encerrados. Também não consta dos autos que a PSP, na qualidade de órgão de polícia criminal que investigou os factos sub judice ou o Ministério Público, no âmbito das suas competências, tenham determinado o encerramento de estabelecimentos ilegais, ou tenham tomado conhecimento da sua ilegal laboração. Na ausência destas provas, somos obrigados a concluir que não existiam estabelecimentos a funcionar ilegalmente.

44. Também não consta no douto acórdão recorrido qualquer concretização de quais são os estabelecimentos ilegais. Apenas se refere que os arguidos “… após realizarem uma fiscalização aos respetivos locais de trabalho, faziam menção da existência de violações às normas legais em vigor…" e exigiam pagamentos “… para que as infrações detetadas não fossem registadas ou comunicadas (…) como condição de não elaborar os respetivos autos de contraordenação nem dar inicio às respetivas investigações …” não cumprindo a obrigação de “… fecho das instalações dos identificados que sabiam encontrarem-se em situação ilegal…”. Nenhuma destas afirmações se suporta em factos. Não existe nenhum documento nos autos, ou outro meio de prova, que comprove a existência de, pelo menos, uma instalação onde existissem violações às normas legais em vigor, que tais infrações foram detetadas pelos arguidos, que as não registaram nem comunicaram, não permitindo a elaboração do respetivo autos de contraordenação nem dar inicio às investigações e ao encerramento das instalações que sabiam estar situação ilegal. Se tais instalações existissem e não tivessem sido encerradas por causa da conduta dos arguidos, a PSP teria promovido o seu encerramento e se tal não tivesse sucedido o Ministério Público teria atuado com esta finalidade. Se a PSP e o Ministério publico não instauraram processo de contraordenação nem deram início a investigações e também não decretaram qualquer encerramento de instalações, a única conclusão logica a que podemos chegar, por inferência ou através de regras de experiência, é que não existiam instalações ilegais. Assim, os arguidos não praticaram nenhum ato nem são responsáveis por qualquer omissão contrária aos deveres funcionais a que se encontravam obrigados pela qualidade de funcionários que todos eles detinham, à luz do artigo 386º do Código Penal. Neste contexto, não é possível preencher o elemento subjetivo especial do tipo do crime de corrupção passiva p. e p. no n.º 1 do artigo 373.º do Código Penal, o que torna impossível a subsunção da condutados agentes à estatuição da norma, sendo por isso impossível a sua condenação pela prática deste crime.

45. O crime que aqui estaria em causa seria a corrupção passiva própria, ou seja, orientada para a prática de ato contrário ao dever pelo corrompido, sendo, por isso, indispensável que se provasse, como contrapartida, a oferta realizável de ato contrário ao dever. A falta deste elemento não permite o preenchimento do tipo de ilícito, nem sequer na forma tentada, como é próprio dos crimes de resultado cortado ou parcial. Esta conclusão também deve ser lida à luz de um conceito material de crime que faz depender a qualificação do crime de corrupção do princípio da necessidade da pena, formulado tradicionalmente como um princípio de limitação do Direito Penal (cf. Maria Fernanda Palma, Direito Constitucional Penal, 2006, Coimbra: Almedina, p. 54).

46. Por tudo o que aqui se expõe o douto acórdão recorrido enferma em erro de julgamento pelo que deve ser revogado, sendo assim resposta a costumada Justiça praticada pelos Tribunais portugueses.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser anulado o douto acórdão recorrido com fundamento em erro de julgamento».

1.4. O recurso foi admitido por despacho de ...FEV20.

1.5. O Ministério Público respondeu, concluindo nos seguintes termos:

«I - QUESTÃO PRÉVIA: DA IRRECORRIBILIDADE DO ACÓRDÃO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO:

1 - O presente recurso vem interposto pelos arguidos AA, BB, CC e DD do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em … de Janeiro de 2020, pelo qual os arguidos foram condenados, em cúmulo jurídico, respectivamente:

- AA – 4 anos de prisão;

- BB – 3 anos de prisão;

- CC – 3 anos de prisão; e

- DD – 3 anos de prisão,

Suspendendo a execução das penas respectivas por 5 (cinco) anos aos arguidos.

2 - Ou seja, todos os arguidos/Recorrentes foram condenados em penas de prisão inferiores a 5 anos e suspensas na sua execução – não tendo assim sido condenados em penas de prisão efectiva - em face do que o Ministério Público considera que, atento o disposto no art. 400º n.º 1 al. e) do C. de Processo Penal, é inadmissível o recurso interposto pelos Arguidos;

3 - O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/2020, de 16/01/2020, proferido no Processo n.º 258/19, 2ª Secção, invocado pelos arguidos Recorrentes, não versa sobre situação semelhante à dos autos, ao que acresce que, mesmo a não se entender assim, o referido Acórdão do TC não tem força obrigatória geral;

4 - Aderimos convictamente à posição constante do voto de vencido do Senhor Conselheiro Pedro Machete no supra mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/2020, de 16/01/2020, que subscrevemos na íntegra e que aqui damos integralmente por reproduzida, e da qual salientamos que, ao invés do pretendido pelos recorrentes, é consabido que o direito ao recurso, constitucionalmente garantido, não é um direito absoluto; a pretensão dos recorrentes, a proceder, conduziria à absolutização do direito ao recurso previsto no art. 32º n.º 1 da CRP, pois tal direito ficaria assim imunizado contra restrições legais e, em caso de colisão com outros bens constitucionais, ficaria a prevalecer sempre, assim erigindo a garantia processual do direito ao recurso como um valor final, autónomo e absoluto, o que não decorre dos fundamentos do direito ao recurso nem é imposto pela Constituição.

5 - Face ao disposto no art. 400º n.º 1 al. e) do C. de Processo Penal, é inadmissível o recurso interposto pelos Arguidos, dado que os mesmos não foram condenados em penas de prisão efectiva.

6 - Deve, assim, o recurso dos arguidos ser rejeitado, nos termos dos arts. 414º n.º 2, primeira parte, e 420º n.º 1 al. b), do C. de Processo Penal.

II – DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO:

1 - A não se entender assim, o que não se concede, sempre se dirá que os arguidos Recorrentes vêm interpor o presente recurso do douto acórdão proferido em 23 de Janeiro de 2020 pela 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa pelo qual foi decidido:

Não se apreciar os recursos interlocutórios dos arguidos AA e BB, por ilegitimidade.

Concede parcial provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público pelo que, em consequência:

a) Concedem provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelo Ministério Público pelo que declaram nulos os despachos judiciais de … de junho e … de junho de 2018, que indeferiram a reprodução da gravação das declarações das testemunhas nos termos do disposto no art.º 356º/4 CPP das declarações prestadas pelas testemunhas EE e FF em Inquérito, perante o Ministério Público por omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material cfr. art. 120º 2 d), 3 a) CPP – procedendo-se oportunamente a julgamento por factos respeitantes àqueles queixosos na 1ª Instância.

b) Concedem provimento ao recurso do acórdão absolutório e revogam o mesmo, julgando provados os factos constantes da pronúncia, nos termos acima descritos, e em consequência, condenam os arguidos pela prática, em co-autoria material de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo art.º 373º n.º 1 e 386º n.º 1 al. d) ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos GG, EE, HH e II, nas seguintes penas:


Factos respeitantes a GG

AA – 2 anos e 6 meses de prisão; BB – 2 anos de prisão; CC – 2 anos de prisão; DD – 2 anos de prisão.

Factos respeitantes a EE

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC – 1 ano e 9 meses de prisão; DD – 1 ano e 9 meses de prisão.

Factos respeitantes a HH

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC – 1 ano e 9 meses de prisão; DD – 1 ano e 9 meses de prisão.

Factos respeitantes a II

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC – 1 ano e 9 meses de prisão; DD – 1 ano e 9 meses de prisão.

c) E em cúmulo jurídico condenam os arguidos:

AA – 4 anos de prisão; BB – 3 anos de prisão; CC – 3 anos de prisão; DD – 3 anos de prisão.

d) Suspendendo a execução das penas respectivas por 5 (cinco) anos aos arguidos.

2 - Os arguidos Recorrentes vêm impugnar:

- a não apreciação dos recursos interlocutórios dos arguidos AA e CC, por ilegitimidade;

- a não valoração da gravação efectuada pela testemunha GG;

- a concessão de provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelo Ministério Público em sede de audiência de julgamento (declarando nulos os despachos judiciais de … de junho e … de junho de 2018, que indeferiram a reprodução da gravação das declarações das testemunhas nos termos do disposto no art.º 356º/4 CPP das declarações prestadas pelas testemunhas EE e FF em Inquérito, perante o Ministério Público por omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material); e a concessão de provimento ao recurso do Ministério Público do acórdão absolutório [revogando o mesmo, julgando provados os factos constantes da pronúncia, nos termos acima descritos, e em consequência, condenando os arguidos pela prática, em co-autoria material de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo art.º 373º n.º 1 e 386º n.º 1 al. d) ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos GG, EE, HH e II].

3 - Consideramos que, mesmo a entender-se admissível o presente recurso, o que não se concede, nem assim o mesmo poderia ser atendido, pois a nosso ver o presente recurso sempre seria total e manifestamente improcedente uma vez que os Recorrentes carecem em absoluto de razão.

III – QUANTO À NÃO APRECIAÇÃO DOS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS DOS ARGUIDOS AA e CC, POR ILEGITIMIDADE:

1 - O douto acórdão recorrido deliberou não apreciar os referidos recursos por inadmissibilidade da respectiva subida e julgamento. Com o que os Recorrentes não concordam, invocando, em suma, violação do direito ao recurso, garantido pelo art. 32º n.º 1 da CRP, e nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do C. de Processo Penal.

2 - A nosso ver, o douto acórdão proferido pelo TRL decidiu muito bem, inexistindo as invocadas violações da garantia constitucional do direito ao recurso e da nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do C. de Processo Penal.

3 - O douto acórdão recorrido deliberou sobre tais recursos interlocutórios nos seguintes termos:

“Os recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos AA e CC não serão apreciados dado que “o recurso interlocutório retido só sobe e é julgado com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa se o sujeito que interpôs o recurso interlocutório recorrer também da decisão final – arts. 407º, n.º 3, e 412º, n.º 5, ambos do CPP.

No caso, os arguidos não interpuseram recurso da sentença. Por tal razão, em conformidade com o exposto no antecedente parágrafo, os recursos intercalares que tinham interposto não podem ser conhecidos. (vd. Acórdão RC de 10-09-2014, in www.dgsi.pt).

Vide o Acórdão da RE de 11-11-2015, proc.º 1427/10.5TAPTM.E1, Relator António Condesso (…) E ainda o Acórdão R. Coimbra 10-09-2014, proc.º 136/07.7TASAT.C2, Relator: Luís Coimbra, em situação de absolvição do arguido (…).

De qualquer forma os despachos mencionados não estão feridos de quaisquer nulidades e/ou irregularidades (“É este o princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades que o art.º 118º n.º 1 consagra na seguinte fórmula: a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. A norma do art. 118º n.º 1 não permite a sua extensão analógica”, Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Verbo, 2ª Ed, 1999, Vol II, pag. 74).

Pelo exposto, não se apreciam os recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos.”

Como se vê do ponto X – 1. do douto acórdão recorrido, foi, consequentemente, decidido “Não se apreciar os recursos interlocutórios dos arguidos AA e BB, por ilegitimidade.” 

4 - Não obstante, sempre se dirá que, mesmo que pudesse ser questionável esta decisão recorrida, o que não se concede, em face da clareza e justeza da fundamentação do douto acórdão recorrido, os recorrentes para a contrariarem apresentam argumentação manifestamente forçada, e manifestamente improcedente, arguindo a omnipresente inconstitucionalidade, falta e/ou insuficiência de fundamentação e omissão de pronúncia.

5 – Ora, é patente que não foi violado qualquer direito ao recurso dos ora recorrentes, é consabido que o direito ao recurso, constitucionalmente garantido, não e um direito absoluto, inexistindo a invocada violação de lei constitucional, sendo que a fundamentação do acórdão recorrido é clara, abundante e congruente, assenta em doutrina reconhecida e em jurisprudência consolidada e os recorrentes nem sequer conseguiram identificar quaisquer dificuldades de compreensão das razões pelas quais assim foi decidido, inexistindo falta ou sequer insuficiência de fundamentação e inexistindo igualmente omissão de pronúncia pois que este não se reporta aos argumentos dos arguidos mas sim às questões a decidir, e todas as questões suscitadas foram apreciadas.

6 - Deve, assim, o recurso dos arguidos ser rejeitado, nos termos dos arts. 414º n.º 2, primeira parte, e 420º n.º 1 al. b), do C. de Processo Penal.

IV - QUANTO À NÃO VALORAÇÃO DA GRAVAÇÃO EFECTUADA PELA TESTEMUNHA GG:

1 - Invocam os Arguidos que:

“Na sequência de requerimento apresentado pelo Ministério Público com vista à reprodução em julgamento da gravação efetuada pela testemunha GG, quando mantinha conversação com os arguidos, aqui recorrentes, sem conhecimento ou consentimento destes, o douto acórdão absolutório proferido pelo Juízo Central Criminal de Cascais, abordou esta situação a fls. 2 e seguintes, como questão prévia, tendo deliberado tratar-se de uma gravação “…nula e inadmissível como meio de prova  termos dos art.ºs 32º, n.º8, da Constituição da República Portuguesa, e 126º do Código de Processo Penal…” Foi ainda considerado que a referida gravação integrava, em abstrato, o crime de gravações ilícitas.

Por esta deliberação ter sido objecto de impugnação por parte do Ministério Público no recurso que interpôs daquele aresto, o douto acórdão aqui recorrido pronunciou-se sobre ela a fls. 116 e seguintes, deliberando pela improcedência deste segmento do recurso (…)

Ora, (…) a gravação ilícita realizada por GG foi a causa directa e necessária da captação de som e imagem na sua … Assim, deve ser declarada nula e sem nenhum efeito a prova alcançada através da captação de som e imagem na … de GG, por se encontrar contaminada com o vício que inquina a gravação ilícita que lhe deu origem.”

2 - Consideramos que não assiste razão aos arguidos Recorrentes, desde logo, por o douto acórdão recorrido se mostrar sucinta, mas incisivamente explícito quanto ao seu entendimento de que a testemunha GG não cometeu qualquer crime, e bem assim ao decidir não ser de admitir a valoração de tal gravação na 1ª Instância por a questão da valoração da gravação efectuada ser controvertida, e por o Chefe da PSP JJ referir que a testemunha fez a gravação por iniciativa própria.

3 - Pelo que improcede todo o invocado pelos Recorrentes.

4 - Ao que acresce que não assiste legitimidade e interesse em agir aos arguidos para ora virem impugnar a decisão do TRL de improcedência nesta parte do recurso do Ministério Público, pois esta decisão não lhes é desfavorável, dado que confirmou nesta parte a decisão da 1ª Instância – cfr. o art. 401º n.º 1 al. b), a contrario, e n.º 2, do Código de Processo Penal.

5 - Deve, assim, o recurso ser rejeitado, nos termos dos arts. 414º n.º 2, primeira parte, e 420º n.º 1 al. b), do C. de Processo Penal.

V – DO JULGAMENTO DOS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS INTERPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

1 - O Ministério Público interpôs dois recursos interlocutórios, do despacho judicial de 7 de Junho de 2018, que lhe indeferiu a leitura requerida nos termos do art.º 356º n.º 4 do CPP, do depoimento da testemunha FF, e do despacho judicial de 21 de Junho de 2018, que indeferiu a reprodução requerida nos termos do art.º 356º n.º 4 do CPP, do depoimento da testemunha EE, recursos estes que subiram com o recurso interposto pelo Ministério Público da decisão final.

Com estes recursos intercalares, o Ministério Público junto da 1ª Instância pretende a revogação das decisões recorridas e a sua substituição por outras que permitam a reprodução da gravação, em Audiência de Julgamento, das declarações prestadas pela testemunha FF e pela testemunha EE, em Inquérito, perante o Ministério Público (cfr. art. 356º n.º 4 do CPP), salientando que foi constatado pelo tribunal recorrido a impossibilidade duradoura de fazer comparecer as testemunhas a julgamento, e por via dessa impossibilidade, promoveu a referida reprodução em Audiência de Julgamento das aludidas gravações, o que lhe foi indeferido, pretendendo assim com estes recursos intercalares que se declarasse a nulidade de tais despachos com base na omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material – erro de direito, por violação do disposto nos arts. 120º n.º 2. al. d) e 3 al. a), e 356º n.º 4, ambos do CPP.

2 - Subscrevendo a argumentação apresentada pelo Ministério Público, o douto acórdão proferido pelo TRL, ora sob recurso, concedeu provimento a estes recursos intercalares do Ministério Público, tendo sido decidido:

“Declarar procedentes as nulidades invocadas pelo Ministério Público (art. 120º/2d)/3ª) CPP), por omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material, no caso a reprodução da gravação, em Julgamento, das declarações prestadas pelo ofendido/testemunha EE e da testemunha/ofendido FF, ofendido em Inquérito, perante Magistrado do Ministério Público cfr. 356º/4 CPP, revogando os respectivos despachos (isto no caso de se manter o desconhecimento do paradeiro do arguido).

Assim, os factos respeitantes a estes dois ofendidos, e que a seguir se transcrevem, terão de ser julgados oportunamente na 1.ª Instância, a saber:

(…)”

Trata-se dos factos 1 a 11, inclusive, factos 186 a 223, inclusive, factos 292 a 311, inclusive, e factos 326 a 330, inclusive, aí descritos.

3 - Os ora Recorrentes imputam à decisão judicial de procedência dos recursos intercalares do Ministério Público, nos termos acima transcritos, erro de julgamento, pois consideram não comprovada a imprevisibilidade do impedimento duradouro (que fundam no conhecimento pelo MP da nacionalidade não portuguesa das testemunhas), falta de fundamentação (por o acórdão recorrido ter aderido à fundamentação do Recorrente Ministério Público), inconstitucionalidade do art. 356º n.º 4 do CPP por violação do art. 32º n.º 5 da CRP (por admitir como meio de prova declarações que não foram sujeitas a contraditório) e, subsidiariamente, violação do art. 426º do CPP, pois entendem que a manter-se a revogação daqueles despachos, a única solução possível seria a revogação do acórdão absolutório com reenvio do processo à 1ª Instância, para produção da prova ora admitida.

4 - A nosso ver, os Recorrentes manifestamente não têm razão: a nacionalidade não é requisito que imponha a antecipação da prova através da prestação de declarações para memória futura; ficou comprovada a impossibilidade do impedimento duradouro, pelo que manifestamente o douto acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento; quanto ao facto de o acórdão recorrido ter aderido à fundamentação do Recorrente Ministério Público nos recursos intercalares em causa, tal não constitui falta de exame crítico nem falta de fundamentação da decisão sobre tais recursos, pois na verdade, basta ler o acórdão para se ver que todas as questões suscitadas foram apreciadas, que o mesmo se pronunciou sobre todos os factos, indicando e analisando os elementos que conduziram à respectiva decisão, mostrando o raciocínio que a ela esteve subjacente e demonstrando que a decisão proferida não é arbitrária nem contrária às regras da experiência; a decisão recorrida fundamentou-se correcta e abundantemente, tendo observado o preceituado no art. 374º n.º 2 do CPP; nada impedia que o acórdão proferido pelo TRL usasse do raciocínio e da argumentação das Motivações dos recursos intercalares do M.º P.º, pois tal apenas demonstra que é esse o entendimento do TRL, que assim expressou o seu entendimento, a sua decisão, o seu juízo sobre as questões suscitadas pelo recorrente M.º P.º, emitindo o seu juízo próprio.

5 - Não se verifica qualquer nulidade, ausência de juízo próprio, falta ou insuficiência de fundamentação, nem omissão ou excesso de pronúncia; também não se verifica qualquer inconstitucionalidade do art. 356º n.º 4 do CPP, por alegada violação do art. 32º n.º 5 da CRP, falecendo na íntegra a arguição dos arguidos Recorrentes.

6 – Subsidiariamente, os Recorrentes invocam ainda violação do art. 426º do CPP, pois entendem que a manter-se a revogação daqueles despachos, a única solução possível seria a revogação do acórdão absolutório com reenvio do processo à 1ª Instância, para produção da prova ora admitida.

7 - Carecem de razão, mais uma vez, pois a apreciação daqueles factos sobre os quais foram pelo acórdão do TRL ora recorrido revogados os despachos recorridos pelo Ministério Público nos recursos intercalares, não contende com o julgamento da demais matéria dos autos, quanto à qual os arguidos foram condenados pelo TRL, não havendo qualquer justificação para haver lugar a reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas, por SER POSSÍVEL DECIDIR DA CAUSA – cfr. o art. 426º n.º 1 do CPP.

8 - Termos em que improcede - e manifestamente - na totalidade a pretensão dos recorrentes.

9 - Deve, assim, o recurso ser rejeitado, nos termos dos arts. 414º n.º 2, primeira parte, e 420º n.º 1 al. b), do C. de Processo Penal.

VI – QUANTO À CONCESSÃO DE PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO:

1 - Por último, os arguidos Recorrentes vêm impugnar a concessão de provimento ao recurso do Ministério Público do acórdão absolutório proferido pela 1ª Instância.

Pelo douto acórdão proferido pelo TRL, ora recorrido, foi decidido no ponto X – 2. b):

“Concedem provimento ao recurso do acórdão absolutório e revogam o mesmo, julgando provados os factos constantes da pronúncia, nos termos acima descritos, e em consequência, condenam os arguidos pela prática, em co-autoria material de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo art.º 373º n.º 1 e 386º n.º 1 al. d) ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos GG, EE, HH e II (…)”.

2 - A este respeito, os arguidos Recorrentes invocam, em suma, nos n.ºs 32 a 46 das Conclusões, ERRO DE JULGAMENTO:

- que o TRL não poderia apreciar a impugnação do Ministério Público da decisão sobre a matéria de facto do acórdão absolutório, por falta de cumprimento pelo Recorrente do disposto no art. 412º n.º 3 al. a), do C. de Processo Penal;

- que o acórdão proferido pelo TRL não indicou os factos que foram dados como provados e os que foram dados como não provados, que invocou lançar mão de presunções para dar no essencial como provados os factos da pronúncia, mas sem indicar concretamente a que presunções se refere;

- que o acórdão proferido pelo TRL aderiu sem crítica à posição defendida pelo Ministério Público, tendo sido induzido em erro ao dar credibilidade ao depoimento prestado pela testemunha GG;

- que o acórdão proferido pelo TRL aderiu sem crítica à posição defendida pelo Ministério Público, tendo sido induzido em erro ao dar credibilidade à desconsideração do depoimento do arguido AA, atacando o acórdão absolutório por neste constar da fundamentação que “AA recuperou material de ….”;

- que o acórdão proferido pelo TRL aderiu sem crítica à posição defendida pelo Ministério Público, tendo olvidado as dúvidas que o acórdão absolutório manifestou quanto à credibilidade dos depoimentos prestados pelos arguidos recorrentes e pelas testemunhas de defesa e de acusação, não supríveis através dos documentos elaborados pelos investigadores em sede de inquérito, não tendo resultado qualquer evidência da prática dos crimes através da análise financeira às contas bancárias dos arguidos e não sendo referida a existência de sinais exteriores de riqueza, não vindo indicada qualquer prova indiciária nem o meio utilizado para a sua obtenção, estando assim o acórdão recorrido proferido pelo TRL alicerçado apenas em convicção; e

- que não é possível preencher o elemento subjectivo especial do tipo legal do crime de corrupção.

3 - Não têm razão.

4 - Desde logo, por a impugnação da decisão sobre a matéria de facto efectuada pela Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, ter, ao invés do pretendido pelos arguidos Recorrentes, respeitado o preceituado no art. 412º n.ºs 3 e 4, do C. de Processo Penal, assim justificando o seu conhecimento pelo TRL.

5 – Com efeito, o Ministério Público, Recorrente do acórdão absolutório, apresentou uma apreciação dos factos diversa da efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância, e fê-lo apontando factos concludentes que permitiram contraditar a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância e especificando as concretas provas que, perante as regras da experiência comum, impunham decisão diversa, como determina o art. 412º n.º 3 al. b), do C. de Processo Penal, ou seja, demonstrando que, pelo raciocínio lógico, da razão e do pensamento, baseado naquelas regras, se chega à conclusão de que a convicção do julgador está eivada de erro (erro de julgamento), que suscita dúvidas razoáveis que põem em causa a decisão de absolvição dos arguidos, e por esse motivo a sua impugnação foi atendida pelo TRL.

6 – Manifestamente, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao proferir o acórdão condenatório, não se encontrou em estado de dúvida; não ocorreu qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.

7 – A convicção do Julgador do TRL mostra-se fundada na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, apreciada segundo as regras da normalidade e da experiência comum; a decisão recorrida cumpre os requisitos do art. 374º d CPP, nomeadamente quanto à sua fundamentação, congruente e lógica, em particular no que se refere ao exame crítico das provas com base nas quais o TRL firmou a sua convicção.

8 – Os factos ora dados como provados, que resultam estabilizados, integram o tipo legal dos 4 (quatro) crimes de corrupção corrupção p. e p. pelo art. 373º n.º 1 e 386º n.º 1 al. d), ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos GG, EE, HH e II, pelos quais os arguidos ora Recorrentes foram condenados, mostrando-se correcta a qualificação jurídica.

As penas parcelares aplicadas mostram-se justas e adequadas – e até mesmo benévolas -, sendo determinadas em função da culpa dos Arguidos e das exigências de prevenção, tendo ponderado todas as circunstâncias que depunham contra e a favor dos mesmos, mostrando-se equilibradas.

Não são, pois, desproporcionadas nem ultrapassam a medida da culpa, não tendo sido violada qualquer norma legal.

Do mesmo modo, as penas únicas respeitam o preceituado no art. 77º do C. Penal, tendo sido fixadas dentro dos limites previstos na lei e ponderado em conjunto os factos e a personalidade dos Arguidos.

9 - Os arguidos Recorrentes invocam também que o acórdão proferido pelo TRL não indicou os factos que foram dados como provados e os que foram dados como não provados, e invocou lançar mão de presunções para dar no essencial como provados os factos da pronúncia, mas sem indicar concretamente a que presunções se refere.

10 - Novamente, não têm razão alguma, o que é patente pela leitura do douto acórdão recorrido proferido pelo TRL, para a qual se remete atenta a clareza da respectiva exposição e cujo teor apenas se não transcreve por razões de economia processual, dada a respectiva extensão.

11 - Os arguidos Recorrentes invocam também que o acórdão proferido pelo TRL aderiu sem crítica à posição defendida pelo Ministério Público, tendo sido induzido em erro ao dar credibilidade à desconsideração do depoimento do arguido AA, atacando o acórdão absolutório por neste constar da fundamentação que “AA recuperou material de …”; e

- que o acórdão proferido pelo TRL aderiu sem crítica à posição defendida pelo Ministério Público, tendo olvidado as dúvidas que o acórdão absolutório manifestou quanto à credibilidade dos depoimentos prestados pelos arguidos recorrentes e pelas testemunhas de defesa e de acusação, não supríveis através dos documentos elaborados pelos investigadores em sede de inquérito, não tendo resultado qualquer evidência da prática dos crimes através da análise financeira às contas bancárias dos arguidos e não sendo referida a existência de sinais exteriores de riqueza, não vindo indicada qualquer prova indiciária nem o meio utilizado para a sua obtenção, estando assim o acórdão recorrido proferido pelo TRL alicerçado apenas em convicção;

12 - Ilações que não correspondem à verdade. Já supra defendemos que a adesão do acórdão ora recorrido proferido pelo TRL aos fundamentos e aos argumentos apresentados por um Recorrente – no caso, pela Exm.ª Magistrada do Ministério Público no recurso interposto do acórdão absolutório proferido pela 1ª Instância -, não implica qualquer desvalor para o mesmo; Tal não constitui falta de exame crítico nem falta de fundamentação da decisão, pois na verdade, basta ler o acórdão para se ver que todas as questões suscitadas foram apreciadas, que o mesmo se pronunciou sobre todos os factos, indicando e analisando os elementos que conduziram à respectiva decisão, mostrando o raciocínio que a ela esteve subjacente e demonstrando que a decisão proferida não é arbitrária nem contrária às regras da experiência; E, da leitura da Motivação e das Conclusões desse recurso, cotejadas com o douto acórdão proferido pelo TRL, verifica-se que o douto acórdão recorrido efectuou a sua própria apreciação de toda a matéria, emitiu juízos próprios e fundamentou-se também em doutrina e jurisprudência que considerou pertinente. A decisão recorrida fundamentou-se correcta e abundantemente, tal como estava obrigada por força da lei, tendo observado o preceituado no arts. 374º n.º 2, do C. de Processo Penal.

13 - Pelo que carecem inteiramente de razão os arguidos Recorrentes, pois o TRL expressou o seu entendimento, a sua decisão sobre as questões suscitadas pelo Recorrente Ministério Público, emitiu o seu juízo próprio. Não se verifica, pois, qualquer nulidade, ausência de juízo próprio, falta ou insuficiência de fundamentação, nem omissão nem excesso de pronúncia.

14 - Como se vê do ponto 6. – “Do enquadramento jurídico-penal” do douto acórdão proferido pelo TRL, “Encontram-se verificados os elementos objectivos e subjectivos pelo que se irá condenar os arguidos pela prática de quatro crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo art.º 373º, n.º 1, com referência ao disposto no art.º 386º, n.º 1 al. d), ambos do Código Penal. (…) Sendo os arguidos agentes da força militarizada GNR, e exercendo, por isso, funções públicas, fica preenchido o conceito de funcionário definido no art.º 386º n.º 1 al. d) do Código Penal. (…) “Revertendo agora ao caso dos autos, temos que os arguidos abordaram alguns dos proprietários das sucateiras e, após realizarem uma fiscalização aos respectivos locais de trabalho, faziam menção da existência de violações às normas legais em vigor, exigiam a entrega de uma quantia monetária em dinheiro, para que as infracções detectadas não fossem registadas ou comunicadas com o intuito de obter quantias monetárias, que utilizaram em seu proveito próprio, as quais sabiam não ter direito e que não podiam solicitar; bem sabendo que, no exercício das suas funções, na qualidade de militares da GNR, não podiam solicitar e aceitar receber dinheiro, como condição de não elaborar os respectivos autos de contra-ordenação nem dar início às respectivas investigações ao invés de proceder ao fecho das instalações dos identificados que sabiam encontrarem-se em situação ilegal, ao que estavam obrigados em face da qualidade que detinham.”

Ora, em face desta factualidade que resultou provada é manifesto que a mesma integra o tipo legal de crime de corrupção passiva, pelo qual os arguidos se encontram acusados.

Deste modo, mostram-se preenchidos os elementos constitutivos de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo art.º 373º n.º 1, com referência ao art.º 386.º n.º 1 al. d), ambos do Código Penal, quanto aos factos reativos aos ofendidos GG, EE, HH, e II.”

15 - Resulta, pois, claramente provado e explicitado, o elemento subjectivo especial do tipo legal do crime de corrupção.

16 - Pelo que, também quanto à subsunção jurídica, os arguidos Recorrentes carecem em absoluto de razão.

17 - Deve, assim, o recurso dos arguidos ser rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos dos arts. 414º n.º 2, primeira parte, e 420º n.º 1 al. a), do C. de Processo Penal.

18 - O douto acórdão “sub judice” proferido pelo TRL fez correcta interpretação e aplicação do direito, não merecendo qualquer censura, devendo, por isso, os recursos dos arguidos ser rejeitados por irrecorribilidade ou, quando assim se não entenda, devendo os recursos dos arguidos ser rejeitados por serem julgados manifestamente improcedentes, e desse modo ser confirmado integralmente o douto acórdão recorrido.

VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS CONSELHEIROS, APRECIARÃO E DECIDIRÃO COMO FOR DE JUSTIÇA!»

1.6. Neste Supremo Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da rejeição do recurso, nos termos dos arts. 400º, nº 1, al. e), 420º, nº 1, al. al. b), e art. 414º, nº 2, todos do Cod. Proc. Penal, interposto pelos arguidos AA, BB, CC e DD por ser irrecorrível o Acórdão ora sub judice, nos seguintes termos: (transcrição)

«II - Relatório

1. Os arguidos AA, BB, CC e DD, foram julgados em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, no âmbito do Proc. nº 748/13.0PFCSC, do Juízo Central Criminal de … - Juiz .., da Comarca de …, tendo sido absolvidos da prática, em co-autoria material, em concurso real, e na forma consumada, de seis crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1, e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal.

2. O Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de … - Juiz …, da Comarca de …, não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando erro de julgamento, e requerendo igualmente que fossem apreciados e decididos os dois recursos intercalares que interpôs, em …/07/2018, e em …/07/2018, relativamente às decisões proferidas em audiência de julgamento, dos dias …/06/2018 e …/06/2018, que indeferiram os pedidos por si formulados, de audição do depoimento prestado pela Testemunha EE, e pela Testemunha FF, em sede de inquérito.

3. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

4. O Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e determinou que se procedesse oportunamente a julgamento por factos respeitantes aos queixosos EE e FF, procedendo-se à audição da gravação das suas declarações em sede de inquérito, e revogou o acórdão proferido em 1ª Instância tendo condenado os arguidos AA, BB, CC e DD pela prática, em co-autoria material, de quatro crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão para o primeiro, e nas penas únicas de 3 (três) anos de prisão para cada um dos outros três arguidos, penas que foram todas suspensas na sua execução por um período de 5 (cinco) anos.

5. Os arguidos AA, BB, CC e DD não se conformaram com esta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação daquela decisão, invocando a admissibilidade do recurso face à recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, e questionando o entendimento adoptado quanto à impossibilidade da subida e do julgamento de recursos interlocutórios interpostos, quando se verifica uma situação de não interposição de recurso da decisão que põe termo à causa.

6. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo – cfr. despacho de …/02/2020.

7. A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso interposto pelos recorrentes pugnando pela sua rejeição, por inadmissibilidade legal.

III Parecer

Os recorrentes AA, BB, CC e DD, interpuseram recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que determinou que se procedesse oportunamente a julgamento, por factos respeitantes aos queixosos EE e FF, procedendo-se à audição da gravação das suas declarações em sede de inquérito, e que revogou a decisão da 1ª Instância, que os absolveu da prática, em co-autoria material, em concurso real, e na forma consumada, de seis crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal, revertendo esta decisão, e condenando-os pela prática, em co-autoria material, de quatro crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão para o primeiro, e nas penas únicas de 3 (três) anos de prisão para cada um dos outros três recorrentes, penas que foram todas suspensas na sua execução, por um período de 5 (cinco) anos.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD defendem a admissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, não obstante terem todos sido condenados em penas inferiores a 5 (cinco) anos de prisão, invocando para tal jurisprudência recente do Tribunal Constitucional.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD põem em causa a forma como o acórdão recorrido apreciou a prova e fixou a matéria de facto que deu como provada, e não provada, pugnando pela sua anulação, por vício de erro de julgamento.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD tecem considerações sobre a não valoração da gravação efetuada pela Testemunha GG, e sobre a admissibilidade dos recursos interlocutórios interpostos pelo Ministério Público em sede de audiência de julgamento, relativamente aos pedidos de leitura em audiência de julgamento das declarações prestadas pelas Testemunhas FF e EE, ao determinar que os factos respeitantes a estas duas testemunhas sejam novamente julgados na 1ª Instância.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD questionam igualmente o entendimento adoptado quanto à impossibilidade da subida e do julgamento de recursos interlocutórios interpostos, quando não foi interposto recurso da decisão que põe termo à causa.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD referem ter interposto quatro recursos interlocutórios e que, quando contra-alegaram o recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão absolutório proferido em 1ª Instância, manifestaram expressamente o interesse que mantinham na apreciação de tais recursos interlocutórios, atempadamente interpostos, frisando que este interesse apenas teria lugar caso fosse julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, como se pode constatar nas conclusões das referidas contra-alegações.

Antes da emissão de parecer caberá apurar se o recurso interposto pelos recorrentes AA, BB, CC e DD é passível de admissão para este Supremo Tribunal de Justiça.

A - Questão Prévia – Da Admissibilidade Legal do Recurso

Os recorrentes AA, BB, CC e DD interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou o acórdão absolutório da 1ª Instância e os condenou pela prática, em co-autoria material, de quatro crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal, em penas de prisão não superiores a 5 (cinco) anos, suspensas na sua execução.

Assim, o recorrente AA foi condenado numa pena única de 4 (quatro) anos de prisão, o recorrente BB foi condenado numa pena única de 3 (três) anos de prisão, o recorrente CC foi condenado numa pena única de 3 (três) anos de prisão, e o recorrente DD foi condenado numa pena única de 3 (três) anos de prisão, sendo que todas estas penas de prisão foram suspensas na sua execução, por um período de 5 (cinco) anos.

E, para apurar da admissibilidade e/ou da inadmissibilidade do recurso interposto pelos recorrentes AA, BB, CC e DD para este Supremo Tribunal de Justiça iremos enunciar as disposições legais e a jurisprudência pertinente sobre esta questão.

Assim, começaremos por invocar o art. 400º, nº 1, al. e), do Cod. Proc. Penal que, sobre a epígrafe “Decisões que não admitem recurso” refere no seu nº 1, al. e), que:

“Não é admissível recurso: e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

Ora, há que ter em conta que os recorrentes AA, BB, CC e DD não foram condenados em penas de prisão efectiva, mas sim em penas de prisão que foram suspensas na sua execução, ou seja, foram condenados em penas não detentivas da liberdade.

E, invocando também aqui o sumário do Ac. STJ de 19/09/2019, in Proc. nº 8083/15.2TDLSB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt., aí se diz que:

I. A pena suspensa é uma pena de substituição não detentiva, não privativa da liberdade, autónoma da pena de prisão.

II. A norma processual convocada pela recorrente, o art. 400 n.º 1 al.ª e) do CPP, tem dois segmentos que regulam situações diversas: a primeira parte determina a inadmissibilidade de impugnação “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade”; a segunda parte estabelece a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que apliquem “pena de prisão não superior a 5 anos”.

III. O Tribunal Constitucional empenhou-se em patentear que o necessário equilíbrio entre garantias de defesa do arguido e a racionalidade do sistema judiciário, fez com que se tenha circunscrito a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral firmada no Ac. 595/2018, à situação em que o acórdão da Relação, revertendo decisão absolutória da 1ª instância, condena inovatoriamente o arguido em pena de prisão efectiva.

IV. Excluída do vício da inconstitucionalidade ficou a reversão de absolvição em condenação numa pena de multa, ou em pena não privativa da liberdade.

V. Entendimento que o Tribunal Constitucional reafirmou no Ac. n.º 372/2019 de 19 de junho (in www.tribunalconstitucional.pt) e que alguma jurisprudência deste STJ tem sustentado.

VI. Nestes casos, o direito ao recurso pode satisfazer-se, adequada e proporcionadamente, com um duplo grau de jurisdição, assegurado pelo acórdão da Relação, proferido em segunda instância.

VII. Introduzir um terceiro grau de jurisdição nestas questões, diminuiria consideravelmente o regime de cognição do STJ, cuja essência de controlo de legalidade sobre os tribunais de instância e de uniformização de jurisprudência deve ser preservada.

VIII. Não é admissível recurso para o STJ, visando apenas o reexame do julgamento dos factos efectuado pela Relação, pugnando a recorrente pela reversão à matéria de facto decidida pela 1ª instância” (sublinhado nosso).

Como já referimos, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em …/01/2020, julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, e decidiu alterar o julgamento da matéria de facto, por enfermar de erro notório na apreciação da prova, tendo revogado a decisão da 1ª Instância, e condenado os recorrentes AA, BB, CC e DD pela prática, em co-autoria material, de quatro crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal em penas de prisão não superiores a 5 (cinco) anos, todas suspensas na sua execução, por um período de 5 (cinco) anos.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD sustentam o seu direito de recorrer para este Supremo Tribunal, independentemente do disposto no já citado art. 400º, nº 1, al. e) do Cod. Proc. Penal, por considerarem que, caso assim não se entenda, estamos perante a inconstitucionalidade da interpretação desta norma legal, por violação do direito ao recurso previsto no artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Os recorrentes AA, BB, CC e DD alegam que o Tribunal da Relação de Lisboa não deveria ter alterado a matéria de facto considerada como provada e não provada pelo Tribunal de 1ª Instância, condenando-os, em co-autoria material, pela prática de quatro crimes de corrupção passiva, p. p. pelos arts. 373º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Penal, uma vez que não foi possível preencher o elemento subjetivo especial deste tipo do crime de corrupção passiva, “(…) o que torna impossível a subsunção da conduta dos agentes à estatuição da norma, sendo por isso impossível a sua condenação pela prática deste crime (…)”, pugnando pela revogação desta decisão.

Estamos perante um recurso que impugna a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal recorrido, a forma como foram admitidos e apreciados os meios de prova que a sustentaram e a fixaram, e que suscita a questão do entendimento que é adoptado quanto à impossibilidade da subida e do julgamento de recursos interlocutórios interpostos quando não foi interposto recurso da decisão que põe termo à causa.

E, delimitado o objecto do recurso, cumpre desde logo apreciar se o mesmo é ou não admissível.

Entende-se que o presente recurso não poderá ser admito, por inadmissibilidade legal, uma vez que os recorrentes AA, BB, CC e DD foram todos condenados pelo Tribunal da Relação de Lisboa em penas de prisão, suspensas na sua execução, ou seja, em penas não privativas da liberdade, Convém referir que é o próprio Tribunal Constitucional que considera que a pena suspensa não é uma pena privativa de liberdade – cfr. Ac. n.º 353/2010, in DRE n.º 218/2010, Série II de 2010-11-10, mencionado no citado Ac. STJ, de 19/09/2019.

Também, o AUJ n.º 13/2016, in DRE nº 193/2016, Série I de 07/10/2016, reafirmou a autonomia da suspensão relativamente à pena de prisão, e fixou jurisprudência com o seguinte entendimento: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”.

Assim, as penas aplicadas aos recorrentes AA, BB, CC e DD são penas de substituição não privativas da liberdade, que cabem na previsão da primeira parte, da al. e), do nº 1, do art. 400º do Cod. Proc. Penal, que determina a inadmissibilidade de impugnação “De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade (…)”.

E, tal como se refere no citado Ac. STJ, de 19/09/2019 “(…) o Tribunal Constitucional tem entendido, e reafirmou no recente Acórdão n.º 372/2019 de 19 de junho, transcrevendo trechos de anterior aresto seu (Acórdão n.º 128/2018, de 13 de março), que a norma em análise tem efectivamente dois segmentos que “apesar de integrados no mesmo preceito legal [alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP],… configuram critérios diferenciados de não admissão do recurso, reportando-se um a penas não privativas de liberdade (…) e o outro a penas de prisão não superiores a 5 anos” (…)”.

Disto isto, não enferma de inconstitucionalidade material a interpretação da não admissão de recurso do acórdão da 2ª Instância que, alterando uma decisão absolutória da 1ª Instância, condena em pena de prisão suspensa na sua execução, ou seja, condena em pena não privativa da liberdade, sendo que a Constituição não consagra os graus que o direito ao recurso pode comportar.

Ora, o Ac. TC nº 595/2018, in DRE nº 238/2018, Série I, de 11/12/2018, declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro”, excluindo-se, assim, do vício da inconstitucionalidade, a reversão de uma decisão de absolvição proferida em 1ª Instância, para uma decisão de condenação em pena não privativa da liberdade proferida em 2ª Instância.

E, sempre se dirá que os recorrentes AA, BB, CC e DD ao impugnar o julgamento dos factos que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou provados, não poderão vir invocar que não lhes foi dada oportunidade de se defenderem contra uma eventual reversão relativamente à alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Na verdade, os recorrentes AA, BB, CC e DD ao tomarem conhecimento das alegações de recurso apresentadas pelo Ministério Público em 1ª Instância tiveram oportunidade de as contra-argumentar, de as rebater, até poderiam ter requerido a realização de audiência, especificando os pontos da (contra) motivação do recurso que pretendiam ver debatidos, nos termos do art. 413º, nº 4, do Cod. Proc. Penal, e alegando aí o que tivessem por conveniente, nos termos do art. 423º, nº 3 deste diploma legal, nomeadamente sobre a reclamada condenação, podendo e devendo antecipar a possibilidade de lhes vir a ser aplicada uma pena.

Caberá também invocar o art. 434º do Cod. Proc. Penal, que refere que: “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.

Assim, ao Supremo Tribunal de Justiça está-lhe vedado sindicar a apreciação da prova, e a fixação da factualidade dada como provada e não provada, funcionado apenas como tribunal de revista alargada à deteção de vícios lógicos de que possa padecer a decisão recorrida, daí que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre a matéria de facto tornou-se definitiva.

Quanto às demais questões suscitadas pelos recorrentes AA, BB, CC e DD designadamente o entendimento adoptado quanto à impossibilidade da subida e do julgamento de recursos interlocutórios interpostos quando não foi interposto recurso da decisão que põe termo à causa, entende-se que tal entendimento está claramente consagrado no art. 407º, nº 3, e no art. 412º, nº 5, ambos do Cod. Proc. Penal.

Face ao exposto e, uma vez que se entende não ser inconstitucional a interpretação do artº 400º, nº 1, al. e), do Cod. Proc. Penal, no sentido da não admissão de recurso de acórdão do Tribunal da Relação que revertendo uma decisão de absolvição em 1ª Instância para uma decisão de condenação, aplica uma pena não privativa da liberdade, deverá o presente recurso ser rejeitado, nos termos dos arts. 400º, nº 1, al. e), 420º, nº 1, al. al. b), e art. 414º, nº 2, todos do Cod. Proc. Penal, ficando prejudicada apreciação das demais questões invocadas pelos recorrentes».

1.7 Os recorrentes ofereceram resposta mantendo a posição assumida na motivação de recurso.


***


2. O DIREITO

2.1. Questão Prévia

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal suscitou a questão prévia da irrecorribilidade do Acórdão Recorrido, tal como no Tribunal “a quo” é defendido pela Magistrada do Ministério Público na Resposta à motivação de recurso no Tribunal da Relação de Lisboa.

Para tanto alega, em síntese, que «Assim, começaremos por invocar o art. 400º, nº 1, al. e), do Cod. Proc. Penal que, sobre a epígrafe “Decisões que não admitem recurso” refere no seu nº 1, al. e), que:

“Não é admissível recurso: e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

Ora, há que ter em conta que os recorrentes AA, BB, CC e DD não foram condenados em penas de prisão efectiva, mas sim em penas de prisão que foram suspensas na sua execução, ou seja, foram condenados em penas não detentivas da liberdade.

E, invocando também aqui o sumário do Ac. STJ de 19/09/2019, in Proc. nº 8083/15.2TDLSB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt., aí se diz que:

o sumário do Ac. STJ de 19/09/2019, in Proc. nº 8083/15.2TDLSB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt., aí se diz que:

I. A pena suspensa é uma pena de substituição não detentiva, não privativa da liberdade, autónoma da pena de prisão.

II. A norma processual convocada pela recorrente, o art. 400 n.º 1 al.ª e) do CPP, tem dois segmentos que regulam situações diversas: a primeira parte determina a inadmissibilidade de impugnação “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade”; a segunda parte estabelece a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que apliquem “pena de prisão não superior a 5 anos”.

III. O Tribunal Constitucional empenhou-se em patentear que o necessário equilíbrio entre garantias de defesa do arguido e a racionalidade do sistema judiciário, fez com que se tenha circunscrito a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral firmada no Ac. 595/2018, à situação em que o acórdão da Relação, revertendo decisão absolutória da 1ª instância, condena inovatoriamente o arguido em pena de prisão efectiva.

IV. Excluída do vício da inconstitucionalidade ficou a reversão de absolvição em condenação numa pena de multa, ou em pena não privativa da liberdade.

V. Entendimento que o Tribunal Constitucional reafirmou no Ac. n.º 372/2019 de 19 de junho (in www.tribunalconstitucional.pt) e que alguma jurisprudência deste STJ tem sustentado.

VI. Nestes casos, o direito ao recurso pode satisfazer-se, adequada e proporcionadamente, com um duplo grau de jurisdição, assegurado pelo acórdão da Relação, proferido em segunda instância.

VII. Introduzir um terceiro grau de jurisdição nestas questões, diminuiria consideravelmente o regime de cognição do STJ, cuja essência de controlo de legalidade sobre os tribunais de instância e de uniformização de jurisprudência deve ser preservada.

VIII. Não é admissível recurso para o STJ, visando apenas o reexame do julgamento dos factos efectuado pela Relação, pugnando a recorrente pela reversão à matéria de facto decidida pela 1ª instância” (sublinhado nosso).

Entende-se que o presente recurso não poderá ser admitido, por inadmissibilidade legal, uma vez que os recorrentes AA, BB, CC e DD foram todos condenados pelo Tribunal da Relação de Lisboa em penas de prisão, suspensas na sua execução, ou seja, em penas não privativas da liberdade, Convém referir que é o próprio Tribunal Constitucional que considera que a pena suspensa não é uma pena privativa de liberdade – cfr. Ac. n.º 353/2010, in DRE n.º 218/2010, Série II de 2010-11-10, mencionado no citado Ac. STJ, de 19/09/2019.

Também, o AUJ n.º 13/2016, in DRE nº 193/2016, Série I de 07/10/2016, reafirmou a autonomia da suspensão relativamente à pena de prisão, e fixou jurisprudência com o seguinte entendimento: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”.

Assim, as penas aplicadas aos recorrentes AA, BB, CC e DD são penas de substituição não privativas da liberdade, que cabem na previsão da primeira parte, da al. e), do nº 1, do art. 400º do Cod. Proc. Penal, que determina a inadmissibilidade de impugnação “De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade (…)”.

E, tal como se refere no citado Ac. STJ, de 19/09/2019 “(…) o Tribunal Constitucional tem entendido, e reafirmou no recente Acórdão n.º 372/2019 de 19 de junho, transcrevendo trechos de anterior aresto seu (Acórdão n.º 128/2018, de 13 de março), que a norma em análise tem efectivamente dois segmentos que “apesar de integrados no mesmo preceito legal [alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP],… configuram critérios diferenciados de não admissão do recurso, reportando-se um a penas não privativas de liberdade (…) e o outro a penas de prisão não superiores a 5 anos” (…)”.

Disto isto, não enferma de inconstitucionalidade material a interpretação da não admissão de recurso do acórdão da 2ª Instância que, alterando uma decisão absolutória da 1ª Instância, condena em pena de prisão suspensa na sua execução, ou seja, condena em pena não privativa da liberdade, sendo que a Constituição não consagra os graus que o direito ao recurso pode comportar.

Ora, o Ac. TC nº 595/2018, in DRE nº 238/2018, Série I, de 11/12/2018, declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro”, excluindo-se, assim, do vício da inconstitucionalidade, a reversão de uma decisão de absolvição proferida em 1ª Instância, para uma decisão de condenação em pena não privativa da liberdade proferida em 2ª Instância».

Por seu turno os recorrentes defendem que o recurso deve ser admitido alicerçando-se para o efeito no acórdão do TC n.º 31/2020, 2ª secção, de 16 de janeiro de 2020, em que decidiu “Julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que condenem os arguidos em pena de multa, ainda que as decisões recorridas da 1ª Instância sejam absolutórias, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.”

Vejamos.

No Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... foram julgados em processo comum coletivo, os arguidos AA, BB, CC e DD, e, por acórdão de ... de setembro de 2018, foi deliberado, julgar a acusação do Ministério Público improcedente e não provada e, em consequência absolver AA, BB, CC e DD da prática, em coautoria material, em concurso real e na forma consumada de 6 (seis) crimes de corrupção passiva, previstos e punidos pelos artigos 373.º, n.º 1 e artigo 386.º, n.º 1, al. d) do Código Penal.

Inconformado com o acórdão absolutório dele interpôs recurso o Ministério Público interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de ... de janeiro de 2020, deliberou:

1. Não se apreciar os recursos interlocutórios dos arguidos AA e CC, por ilegitimidade.

2. Concede parcial provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público pelo que, em consequência:

a. Concedem provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelo Ministério Publico pelo que declaram nulos os despachos judiciais de ... de junho e ... de junho de 2018, que indeferiram a reprodução da gravação das declarações das testemunhas nos termos do disposto no art.º 356°/ 4 CPP das declarações prestadas pelas testemunhas EE e FF em Inquérito, perante o Ministério Púbico por omissão de diligência necessária à descoberta da verdade material cfr. art. 120° 2 d), 3 a) CPP - procedendo-se oportunamente a julgamento por factos respeitantes àqueles queixosos na 1.º Instância.

b. Concedem provimento ao recurso do acórdão absolutório e revogam o mesmo, julgando provados os factos constantes da pronúncia, nos termos acima descritos, e em consequência, condenam os arguidos pela prática, em co-autoria material de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo artº 373º nº 1 e 386.º n.º al. d) ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos GG, EE, HH, e II, nas seguintes penas:

Factos respeitantes a GG

AA – 2 anos e 6 meses de prisão; BB – 2 anos de prisão; CC- 2 anos de prisão; DD - 2 anos de prisão.

Factos respeitantes a EE

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC - 1 ano e 9 meses de prisão; DD -1 ano e 9 meses de prisão;

Factos respeitantes a HH

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC - 1 ano e 9 meses de prisão; DD -1 ano e 9 meses de prisão;

Factos respeitantes a II

AA – 2 anos de prisão; BB – 1 ano e 9 meses de prisão; CC - 1 ano e 9 meses de prisão; DD -1 ano e 9 meses de prisão;

c. E em cúmulo jurídico condenam os arguidos:

AA – 4 anos de prisão; BB – 3 anos de prisão; CC- 3 anos de prisão; DD – 3 anos de prisão.

d. Suspendendo a execução das penas respetivas por 5 (cinco) anos aos arguidos.


A suspensão da execução da pena é uma pena de substituição e enquadra-se dentro da categoria das chamadas penas de substituição em sentido próprio, uma vez que não tem um caráter detentivo, já que é cumprida em liberdade.[1]


De harmonia com o disposto no art. 400º, nº1, alínea c) do Código do Processo Penal

«Não é admissível recurso: (…)

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».

A propósito deste preceito, e seguindo de perto o AC do STJ de 18 de setembro de 2019, processo 8083/15.2TDLSB.E1.S1 (relator Nuno Gonçalves), disponível in www.dgsi.pt, citado no Parecer da Exmª PGA junto deste Supremo Tribunal de Justiça, «o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 353/2010 decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a pena suspensa não é uma pena privativa de liberdade” (in DRE n.º 218/2010, Série II de 2010-11-10).

A norma processual convocada pela recorrente, o art. 400 n.º 1 al.ª e) do CPP, tem dois segmentos que regulam situações diversas. A primeira parte determina a inadmissibilidade de impugnação “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade”. A segunda parte estabelece a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que apliquem “pena de prisão não superior a 5 anos”.

O Tribunal Constitucional tem entendido, e reafirmou no recente Acórdão n.º 372/2019 de 19 de junho, transcrevendo trechos de anterior aresto seu (Acórdão n.º 128/2018, de 13 de março), que a norma em análise tem efetivamente dois segmentos que “apesar de integrados no mesmo preceito legal [alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP], … configuram critérios diferenciados de não admissão do recurso, reportando-se um a penas não privativas de liberdade (…) e o outro a penas de prisão não superiores a 5 anos”.

“Esta diferença encontra projeção expressa e clara no julgamento empreendido no Acórdão n.º 429/2016, não permitindo a transposição dos fundamentos subjacentes ao juízo de inconstitucionalidade ali formulado para o caso ora em análise.

(…)

d) . direito ao recurso e graus de jurisdição:

i. instrumentos internacionais dos Direitos Humanos:

Previamente à convocação da arquitectura constitucional e normativa do direito ao recurso e das limitações que pode admitir, parece útil, em breve nota, dizer que o direito ao recurso está expressamente consagrado em instrumentos jurídicos de direito internacionais sobre os direitos fundamentais que Portugal se vinculou a observar.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos estabelece, no art. 14º: “Toda a pessoa declarada culpada de um delito terá direito a que a sentença e a pena que lhe foram impostas sejam submetidas a um tribunal superior, conforme o previsto na lei”.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagrando, no Protocolo n.º 7, artigo 2º o “direito a um duplo grau de jurisdição”, estatui:

1. Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação.

Remete para a lei ordinária de cada Estado parte, a regulamentação“[d]o exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido”.

Reconhecendo não poder ser um direito infinito e ilimitadamente exercido, no n.º 2 enuncia situações que podem fundamentar a inadmissibilidade da reapreciação da culpabilidade ou da condenação em 2ª instância, sem que daí resulte desprotecção insuportável de direitos fundamentais da pessoa condenada. Estabelece:

2. Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.

Pela correspondência com a situação dos autos, acentua-se a admissibilidade da limitação do direito à reapreciação da condenação “quando o interessado tenha sido … declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição”.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, interpretando esta norma, tem afirmado, reiteradamente, que “os Estados Contratantes, em princípio, desfrutam de uma ampla margem de apreciação ao determinar como o direito garantido pelo Artigo 2 do Protocolo nº 7 da Convenção deve ser exercido (ver Krombach v. França, nº 29731/96 96, CEDH 2001 ‑ II)”

Afirma que esta norma regula essencialmente dois aspetos: a acessibilidade à jurisdição de recurso; e o escopo do controlo que esta exerce –cfr. caso de SHVYDKA v. UCRÂNIA, (Application n.º. 17888/12), julgamento de 30 de outubro de 2014.

Tem entendido que “a revisão por um tribunal superior de uma condenação ou sentença pode dizer respeito a questões de fato e questões de direito, ou pode limitar-se apenas a questões de direito”.

“Contudo, quaisquer restrições contidas na legislação nacional sobre o direito a uma revisão mencionada nessa disposição devem, por analogia com o direito de acesso a um tribunal consagrado no artigo 6, parágrafo 1, da Convenção, buscar um objetivo legítimo e não infringir a própria essência desse direito (ver Krombach v. França , nº 29731/96, § 96, CEDH 2001-II) – cfr. caso de ROSTOVTSEV v. UCRÂNIA (Application n.º. 2728/16), julgamento de 25 de julho de 2017.

ii. regime constitucional:

A Constituição da República, na quarta versão, - dada pela Lei Constitucional n.º 1/97 de 20 de Setembro -, no artigo 32º n.º 1, incluiu nas garantias da defesa no processo penal, o direito ao recurso, sem diferenciar a impugnação do julgamento dos factos, da reponderação da decisão em matéria de direito. Não consagra, à semelhança dos instrumentos internacionais de direito mencionados, um direito ilimitado e infinito.

A Constituição não estatui sobre os graus que o direito ao recurso pode comportar. Sendo certo que exige pelo menos um gau de jurisdição.

Compete ao legislador ordinário dar expressão normativa àquele concreto aspeto das garantias de defesa que o processo penal não pode deixar de colocar à disposição do arguido.

iii. regime processual penal:

Executando o comando constitucional, o Código de Processo Penal consagra o princípio da recorribilidade das decisões proferidas no processo penal – art. 399º -, não admitindo limitações que não estejam expressamente previstas na lei. As sentenças, acórdãos e despachos que não admitem recurso estão catalogadas, essencialmente, no art. 400º.

Elenco que inclui a norma do n.º 1 al.ª e), que (em 22 anos) já vai na quarta versão (dada pela Lei n.º 20/2013), com a redacção seguinte: “1- Não é admissível recurso:

e) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

O legislador da Lei n.º 20/2013, com a alteração do “regime da admissibilidade de interposição de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”, quis clarificar “que são irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos. Sendo igualmente irrecorríveis os acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações relativamente a decisão de primeira instância condenatória em pena de multa, ou em pena de prisão não superior a cinco anos”. Na expressão da então Ministra da Justiça, aquando da discussão parlamentar, respondendo à objecção de uma Deputada: “Foi unicamente o que se fez, esclarecendo que, abaixo dos cinco anos, não havia recurso senão para a Relação”.

Na Proposta de Lei n.º 77/XII (1.ª)(GOV), que deu lugar à Lei n.º 20/2013, explicitando os motivos da visada clarificação expende-se que “era essencial delimitar o âmbito dos recursos para o Supremo, preservando a sua intervenção para os casos de maior gravidade e eliminando “as dificuldades de interpretação e assintonias que conduzam a um tratamento desigual em matéria de direito ao recurso” .

e) a jurisprudência do Tribunal Constitucional:

O Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamentecaber na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados”. – Ac. .357/2017.

O direito ao recurso em processo penal, as limitações que pode admitir, os graus de recurso que pode ou não comportar e os graus de jurisdição a que, por essa via, se pode aceder, são aspectos que têm sido vivamente discutidos, com especial enfoque na jurisprudência do Tribunal Constitucional que até data recente ia univocamente, e sem destrinçar as situações a que se aplicava, no sentido de que a garantia jusconstitucional do direito ao recurso se satisfazia com um grau de jurisdição. Entendia-se que oconteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior” –Ac. n.º 189/2001.

Tribunal que vinha afirmado não ser “arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do STJ, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada. Essa limitação do recurso apresenta-se como «racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade»” – Ac. .357/2017.

Naquele entendimento, no Ac. n.º 49/2003 expende-se:o acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso”.

Cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição”.

Porquanto, “se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará”.

f) inconstitucionalidade declarada no Ac. 595/2018:

Alterando, num aspeto concreto, o sentido da sua jurisprudência, o Tribunal Constitucional, no Acórdão 595/2018 (publicado no DRE n.º 238/2018, Série I de 11-12-2018) declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro”»

Reiterando que o direito ao recurso pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, afirma-se que pode não bastar-se com ele.

Motivando o juízo de inconstitucionalidade do especificado segmento daquela norma processual, no aresto em citação transcrevem-se do Acórdão 429/2016, os seguintes trechos:

“Nestes casos de reversão no tribunal de recurso de uma absolvição em condenação as consequências jurídicas do crime só são definidas no julgamento do recurso. Assim, apesar de o duplo grau de jurisdição facultar ao arguido a possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da sentença absolutória, esta faculdade não lhe assegura a possibilidade de sindicar o processo decisório subjacente à escolha e à determinação da medida concreta da pena de prisão que será aplicada no futuro e a consequente reapreciação dos respetivos fundamentos. Na verdade, o arguido vê-se confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma. Neste caso, os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida adequada da pena escapam a qualquer controlo”.

“Deixar livre de qualquer controlo parte da decisão condenatória, a norma em apreciação implica uma intensa e grave restrição ou compressão do direito ao recurso, uma vez que resulta totalmente excluído da sua proteção o poder de recorrer de uma parte da decisão, precisamente aquela que acarreta o maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido” (a escolha e a determinação da pena privativa da liberdade).

g) a declaração é extensível a outras situações?

Conhecido o fundamento da declaração de inconstitucionalidade do segmento da norma processual em análise, urge questionar se é extensível a todo e qualquer acórdão da Relação que reverte sentença absolutória em condenação e/ou também que simplesmente agrava a condenação da 1ª instância mas sem que aplique pena efectiva de prisão?

A resposta negativa decorre não só do teor literal do dispositivo como também, e muito nitidamente, do próprio texto do Ac. 595/2018, e, sobretudo, tem sido reafirmada em arestos posteriores.

Efetivamente, do texto do acórdão em referência consta a advertência expressa de que “levado ao limite, este argumento[4] poderia parecer impor a garantia da recorribilidade de qualquer decisão condenatória que se apresente como inovatória, independentemente da pena concretamente aplicada. Poder-se-ia argumentar que, num caso de condenação que reverte uma absolvição de 1.ª instância, o direito ao recurso é tão afetado com a aplicação de pena de multa como com a aplicação da pena máxima de 25 anos de prisão.

Um tal raciocínio ad consequentiam (…) baseia-se, no entanto, num paralogismo inaceitável desde logo porque a restrição do direito ao recurso em ambos os casos não é equivalente”.

Justificando, explicita-se: “existe, com efeito, uma diferença qualitativa entre a pena de prisão e todas as outras penas que deve ser relevada na verificação do respeito pelo direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido. Ignorar as particularidades da pena de prisão efetiva, é desprezar a correlação existente entre o direito fundamental ao recurso e os direitos fundamentais caracteristicamente restringidos pela pena, o que não pode ser aceite, já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Quanto mais grave for a pena aplicada (i.e., quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso - ou de, em compensação, contrabalançar a afetação da posição processual do arguido com a proteção de um interesse público igualmente valioso”.

Acentuando a diversidade das penas e a especial gravidade da prisão efectiva, acrescenta-se: “Em contraste com a execução coativa das penas não detentivas, a execução da pena de prisão efetiva não pode ser condicionada por qualquer decisão adicional. Não existe qualquer outro meio de defesa ao dispor do condenado para impedir, atenuar ou sequer adiar a execução da prisão efetiva em que é definitivamente condenado. Por conseguinte, a ausência de possibilidade de recurso implica a imediata restrição forçada da sua liberdade o que demonstra o imperativo de se reconhecer ao condenado o direito ao recurso enquanto valor garantístico próprio - e único! - no quadro das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido”.

Da antecedente citação resulta inquestionável que o Tribunal Constitucional se empenhou, firme e ostensivamente, em deixar patenteado que o necessário equilíbrio entre garantias de defesa do arguido e a racionalidade do sistema judiciário, fez com que tenha circunscrito a declaração de inconstitucionalidade da norma do art. 400º n.º 1 al.ª c) do CPP, taxativamente às situações em que o acórdão da Relação, revertendo decisão absolutória da 1ª instância, condena inovatoriamente o arguido em pena efectivamente privativa da liberdade. Exclui do vício da inconstitucionalidade, expressamente, a reversão de absolvição em condenação numa pena de multa, ou também em outra pena não privativa da liberdade.

Não resta, pois, margem para defender que a jurisprudência do Tribunal Constitucional e, designadamente, a declaração de inconstitucionalidade firmada no Ac. 595/2018, serve de “chapéu” para abrigar o entendimento de que é inconstitucional também o primeiro segmento da norma do art. 400º n.º 1 al.ª e) do CPP, ou seja, na parte em que estatui que não é admissível recurso de acórdão da Relação que, revertendo sentença absolutória, condena o arguido em pena não privativa da liberdade (máxime: multa, pena suspensa, proibição do exercício de profissão, função ou actividades, prestação de trabalho, admoestação)».

Aqui chegados importa salientar que o acórdão do TC invocado pelos recorrentes, nº 31/20, de 16 de janeiro de 2020, para além de não ser acórdão com força obrigatória geral, por isso não derroga o declarado no acórdão 595/2018 (publicado no DRE n.º 238/2018, Série I de 11-12-2018), louvamo-nos no Voto de Vencido de Pedro Machete, quando afirma:

(..)«entendo que a presente decisão, na sua análise quanto à defesa do arguido absolvido em 1.ª instância e que se vê confrontado com uma condenação proferida em 2.ª instância, desloca o acento tónico da determinação das consequências do crime – aspeto consequencial, mas inovatório face ao objeto da decisão absolutória anterior – para a própria condenação pelo(s) crime(s) de que o arguido foi acusado e, ou, pronunciado – aspeto que traduz uma apreciação diferente da mesma matéria de facto e de direito objeto da decisão (absolutória) recorrida e que é inerente à natureza do recurso penal para as relações enquanto recurso de substituição ou de reexame (mas o mesmo já não ocorre na revista alargada para o Supremo, conforme previsto no artigo 434.º do Código de Processo Penal).

O resultado é a absolutização do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição: tal direito fica, assim, imunizado contra restrições legais e, em caso de colisão com outros bens constitucionais, deve prevalecer sempre. Ou seja, a referida garantia processual, considerada de per si, em abstrato, é, ela própria erigida como um valor final, autónomo e absoluto (v., em especial, os n.ºs 10 e 11 da decisão, e o próprio dispositivo, apesar do que se refere na parte final do n.º 12). Consequentemente, deixa de haver espaço para ponderações e o princípio da proporcionalidade já não pode ser convocado como parâmetro de legitimidade constitucional.

Sucede que tal não decorre dos fundamentos do direito ao recurso (cfr. o Acórdão n.º 49/2003) e que, tão-pouco, aquela absolutização do mesmo direito, com abstração das diferenças entre os interesses que o mesmo permite tutelar, é imposta pela Constituição.

Bem pelo contrário.

Conforme referido no Acórdão n.º 595/2018, existe uma correlação «entre o direito fundamental ao recurso e os direitos fundamentais caracteristicamente restringidos pela pena, […], já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Quanto mais grave for a pena aplicada (i.e., quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso – ou de, em compensação, contrabalançar a afetação da posição processual do arguido com a proteção de um interesse público igualmente valioso» (v. o respetivo n.º 22; e também o n.º 23 seguinte). Daí que a substituição de um juízo absolutório proferido em 1.ª instância por uma condenação em prisão efetiva decidida em 2.ª instância apresente especificidades (e uma gravidade muitíssimo maior), por comparação com a condenação, em circunstâncias paralelas, noutras penas (ou, porventura, até com dispensa de pena, nos termos do artigo 74.º do Código Penal), suficientes para que, do ponto de vista constitucional, se justifique proceder a uma ponderação entre os sacrifícios impostos ao arguido em cada caso e os ganhos de racionalidade, celeridade, eficácia e eficiência do sistema de administração da justiça, globalmente considerado, cujo resultado não pode – nem deve – ser sempre o mesmo. A interdependência do direito ao recurso e da organização dos tribunais (artigos 209.º a 211.º da Constituição), máxime no que toca ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, explica – e legitima – que se não absolutize, neste domínio, um dos polos com total abstração do que está em causa em cada situação típica.

Deste modo, e situando-me apenas no quadro da jurisprudência do Plenário (Acórdãos n.ºs 429/2016 e 595/2018), no que se refere à matéria objeto da presente decisão, estou mais próximo da linha argumentativa do Acórdão n.º 672/2017, com particular destaque para o respetivo n.º 14:

«[E]stando somente em causa a fixação do número de dias da pena de multa e respetiva taxa diária, a efetiva possibilidade de condicionar esse juízo tendo por base os factos já fixados nos autos, apesar de não corresponder à mais ampla ou eficaz modalidade de concretização do direito ao recurso, não coloca tal direito […] aquém do ponto constitucionalmente prescrito pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Trata-se, pelo contrário, de uma opção cabida ainda na ampla margem de conformação que ao legislador ordinário assiste no âmbito da definição do elenco das decisões (ir)recorríveis, cujo resultado não é, relativamente aos fins que através dela se prosseguem, desproporcionado ou excessivo.

Considerar excessiva a compressão do direito ao recurso que resulta da exclusão da faculdade de impugnação, perante uma outra instância, da medida concreta da pena de multa aplicada pelo Tribunal da Relação, significaria considerar constitucionalmente imperativo o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em todos os casos de revogação de uma decisão absolutória proferida em primeira instância e, portanto, também naqueles em que a condenação imposta em segunda instância é acompanhada da aplicação da sanção penal que, relativamente ao risco de privação da liberdade, apresenta o menor conteúdo aflitivo de entre todas as previstas no ordenamento. O que, diga-se por último, poria irremediavelmente em causa o próprio critério subjacente à definição do elenco das decisões recorríveis para aquele Supremo Tribunal: por razões que encontram suficiente amparo no próprio princípio constitucional da proibição do excesso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é tanto mais impreterível quanto mais intenso for o nível de afetação da liberdade implicado na sanção aplicada ao arguido recorrente.

Ora, nos casos em que a reversão da absolvição proferida em primeira instância dá lugar à aplicação de uma pena de multa alternativa, movemo-nos no âmbito, não só dos crimes de gravidade menos acentuada, como daqueles que, sendo de gravidade menos acentuada, foram efetivamente sancionados com a menos grave das sanções penais admitidas no ordenamento. Isto é, precisamente no âmbito dos crimes relativamente aos quais tem especial cabimento o propósito de limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de modo a salvaguardar o seu eficaz funcionamento e, com isso, o direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição).»

Note-se que este último aspeto não é de somenos importância: uma justiça morosa não é nem efetiva (e justa) nem eficaz.

E a lógica da presente decisão, ao impor, sempre que a decisão recorrida é revertida em desfavor do arguido, uma nova decisão por um tribunal diferente do tribunal de recurso, independentemente da gravidade do crime por que aquele é condenado e da gravidade da pena que em consequência lhe é aplicada, tem o efeito inelutável e perverso de adiar por mais algum tempo a decisão final. Este acórdão contribui, assim, para uma justiça mais morosa e, por isso mesmo, mais nominal.

De resto, tal efeito não é contrariado, mesmo que o legislador, para continuar a limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (e, também, para assegurar que os poderes de reexame da determinação da espécie e da medida da pena são constantes e não limitados à revista alargada), decidisse adotar uma solução que, pelo menos nos casos de crimes menos graves, impusesse a baixa do processo à 1.ª instância (afastando, desse modo, a prática determinada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2016 – v. Diário da República, 1.ª série de 22 de fevereiro de 2016). Com efeito, nessa eventualidade, não só se teria de reabrir a audiência no tribunal de 1.ª instância para determinação da espécie e medida da pena, como se teria de admitir, depois, novo recurso para a relação quanto a tal decisão.

Em suma, considero, desde logo, e na linha das minhas anteriores declarações de voto, que a presente decisão limita excessivamente a liberdade de conformação do legislador democrático quanto à definição do sistema de recursos em matéria penal. Acresce que a mesma decisão vem desequilibrar (ainda mais) o sistema de administração da justiça criminal sem que os ganhos reais em termos de tutela dos direitos fundamentais dos arguidos o justifiquem suficientemente».


Os recorrentes impugnam a matéria de facto fixada no acórdão recorrido.

Como resulta do art. 434º, do CPP, «Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito».

Este preceito fixa os poderes de cognição do STJ, que não é um tribunal de instância.

Constitui jurisprudência dominante do STJ que «II- O artigo 434º do CPP quando alude aos vícios constantes do artº 410º nº 2 do CPP significa que estes são conhecidos oficiosamente pelo Supremo ao detetá-los na decisão recorrida, e, não quando suscitados pelos recorrentes como fundamento de recurso., uma vez que ” o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito” III - Mesmo nos recursos interpostos das decisões finais do tribunal coletivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, terá de recorrer para a tribunal da relação, já que a invocação expressa dos vícios pertence ao conhecimento de matéria de facto, e é ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP». (AC do STJ de 27MAI2010, processo nº 11/04.7GCABT.C1, Relator Pires da Graça),


Por todo o exposto, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível, motivo pelo qual não pode ser admitido o recurso, nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420 º, nº 1, al. b), do CPP, e terá que ser rejeitado, pois, o facto de ter sido admitido, não vincula o Tribunal Superior (art. 414 º, nº 3 do CPP).


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4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, na procedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, em rejeitar o recurso nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), do CPP.

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 17 de junho de 2020


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

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[1] Prof. Figueiredo Dias, in “DIREITO PENAL PORTUGUÊS” – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 334-336.