Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 7º SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA ABREU | ||
Descritores: | CONTRATO DE FACTORING CESSÃO DE CRÉDITOS COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS REQUISITOS EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA EXCEÇÃO PERENTÓRIA OPONIBILIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CESSÃO DE CRÉDITOS / ADMISSIBILIDADE DA CESSÃO. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 1974, p. 286 e 287; - Calvão da Silva, Direito Bancário, p. 429 e 430; - Luís Pestana de Vasconcelos, Dos Contratos de Concessão Financeira (BB), Studia Ivridica, 43, BFDUC, Coimbra Editora, 1999, p. 315; - Mafalda Oliveira Monteiro, O Contrato de BB em Portugal, 1996, p. 14; - Maria Helena Brito, O “BB” Internacional e a Convenção do Unidroit, Cosmos, 1998, p. 60; - Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, p. 580 e 581 ; Direito das Obrigações, Vol. II, p. 97; - Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, p. 69; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, p. 601; - Teles de Menezes Leitão, Cessão de Créditos, p. 512 e 518; - Teles de Menezes Leitão, ob. cit., página 512; - Vaz Serra, Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, 318, BFDUC, Volume XXX (1954), 310 a 312 ; Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, BMJ, número especial (1955), p. 130. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 577.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04-03-2004, PROCESSO N.º 100/04; - DE 27-05-2004, IN CJSTJ, XII, TOMO II, P. 75; - DE 27-05-2004, PROCESSO N.º 1556/04; - DE 13-01-2005, IN WWW.DGSI.PT; - DE 10-05-2007, PROCESSO N.º 3117/08.0TVLSB.L1.S1; - DE 04-05-2010, IN WWW.DGSI.PT; - DE 15-01-2012, IN WWW.DGSI.PT; - DE 02-03-2017, PROCESSO N.º 190/13.2T2STC.E1.S1. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : |
I. O contrato de factoring consiste na transferência dos créditos a curto prazo do seu titular (cedente, aderente) para um factor (cessionário), derivados da actividade habitual do primeiro, de fornecimento de bens ou prestação de serviços a terceiros (devedores cedidos), incumbindo-se o cessionário (o factor) da gestão e cobrança dos créditos, podendo assumir o risco de insolvência dos devedores cedidos e antecipar, total ou parcialmente, o valor dos créditos cedidos, tudo mediante o pagamento pelo cedente, de uma retribuição. II. O contrato de factoring pode ser celebrado na modalidade “sem recurso” (próprio), ou na modalidade “com recurso” ou direito de regresso (impróprio), sendo que na primeira modalidade, o factor assume o risco de insolvência ou de não cumprimento por parte do devedor, e pode exigir o respectivo pagamento ao devedor que era do aderente (factoring pro soluto), ao passo que no factoringimpróprio, o factor não assume esse risco, pois o cedente garante a solvência dos devedores cujos créditos foram cedidos, importando um factoringpro solvendo, pelo que, terá o cliente de reembolsar o factor em caso de não pagamento pelo devedor, o que implica que no factoringimpróprio a função del credere fica excluída. III. No raio de acção da estrutura do contrato de factoring, encontram-se cessões de créditos, sendo inteiramente aplicável a disciplina dos artºs. 577º, e seguintes do Código Civil, nomeadamente, que se verifica uma sucessão do factor (cessionário) na titularidade dos créditos cedidos, e que ocorre a oponibilidade ao factor (cessionário) das excepções fundadas na relação subjacente, sublinhando-se, neste particular, que a oponibilidade das excepções fundadas na relação subjacentes, deve reportar-se, apenas e só, àquelas ocorridas antes da notificação da cessão. IV. A eficácia da cessão depende da notificação ou da sua aceitação por parte do devedor, permitindo, assim, ao devedor cedido, impugnar, perante o adquirente do crédito, a sua existência e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao cedente, quer sejam factos que importem a invalidade, como os vícios de vontade, ou a destruição retroactiva, como a resolução, do negócio jurídico donde emerge o crédito, quer se trate de causas extintivas do próprio crédito, como a compensação, podendo, pois, defender-se, por excepção, em relação à pretensão jurídica arrogada pelo cessionário, ao exigir, contra si, o cumprimento do crédito. O devedor vê alterada a identidade do credor, o que, de todo, pode encerrar, qualquer diminuição da sua posição contratual. V. A cessão de créditos pode ter por objecto, direitos já existentes na esfera do cedente no momento da conclusão do contrato (créditos já vencidos ou créditos em que o vencimento se opera só depois de decorrido o prazo fixado), assim como pode incidir sobre créditos ainda não existentes, de todo, ou tão só na esfera jurídica do alienante, mas que este conta vir a adquirir, os primeiros, créditos presentes, e os últimos, créditos futuros, pelo que, temos de reconhecer que quanto a estes, créditos que ainda não têm existência, conquanto não haja dificuldade a que a notificação do futuro devedor cedido, seja realizada antecipadamente ao surto desse direito, não poderemos deixar de afirmar que a cessão de créditos só se verificará com o vencimento do crédito e cumpridas que sejam todas as formalidades ajustadas entre o cessionário e a cedente. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA e BB, SA., intentou a presente acção declarativa contra a CC, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de capital no valor de €85.827,00, acrescida de juros de mora vencidos calculados à taxa legal no valor de €28.961,58, tudo perfazendo o total de €114.788,58, bem como, nos juros vincendos até integral pagamento. Articulou, com utilidade, ter celebrado com a sociedade DD, Lda., em 6 de Setembro de 2011, um contrato de factoring, tendo por base a aquisição dos créditos comerciais, de que aquela sociedade, na qualidade de aderente, fosse titular, sendo considerados devedores as entidades previamente aceites pela Autora e que se encontrassem previamente notificadas pela aderente, nos ternos da cláusula 4ª do contrato celebrado. A cessão de créditos operada pelo contrato de factoring foi comunicada à Ré, pela DD, Lda., por carta de 6 de Setembro de 2011, tendo ficado a Ré a saber que a Autora era a única entidade credora de tais valores e à qual deveriam ser efectuados todos os pagamentos, tendo a Ré declarado, por documento de 15 de Setembro de 2011, ter tomado conhecimento da mencionada cessão de créditos e do mencionado contrato de factoring. No âmbito do mencionado contrato, a sociedade DD, Lda. submeteu à Autora diversas facturas, que esta aprovou e, em consequência, pagou àquela sociedade o valor dos créditos cedidos. Entre os créditos cedidos contam-se créditos que a sociedade DD, Lda. detinha sobre a Ré, titulados por diversas facturas cujo valor total ascende a €85.827,00. A Ré não procedeu ao pagamento de tal valor à Autora, não obstante interpelação para o efeito que lhe foi dirigida pela Autora. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação reconhecendo que lhe foi comunicada a celebração de um contrato de factoring entre a Autora e a DD, Lda., concluindo não ser devedora das facturas relacionadas e reclamadas pela Autora, importando ser absolvida do pedido. Alega para tal, em síntese, que algumas das facturas, que indica, foram pagas por si através de transferência bancária para a conta da CGD - BB - DD, Lda., indicada pela Autora à Ré; outras facturas foram também pagas por transferência bancária, mas o pagamento foi parcial, uma vez que a Ré procedeu à compensação de um crédito que detinha sobre a DD, Lda., decorrente de um sinistro rodoviário, compensação que a Ré podia opor à Autora por força da condição subordinante que fez constar da declaração de reconhecimento da notificação da celebração do contrato de factoring; outras facturas foram pagas directamente à DD, Lda., uma vez que as mesmas não tinham sido cedidas à Autora; finalmente, outras facturas foram forjadas, produzidas, preenchidas e emitidas à revelia da demandada.
Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Calendarizada e realizada audiência final, foi proferida sentença, que julgou a presente acção parcialmente provada e procedente, e, em consequência, condenou a Ré/CC, Lda. a pagar à Autora/AA e BB, SA., a quantia de €40.436,07 (€30.564,05+€ 9.872,02), acrescida de juros de mora (vincendos), calculados à taxa legal dos juros comerciais sucessivamente aplicável e contados do seguinte modo: (i) sobre a quantia de €30.090,57, contados desde 08/12/2016 até integral pagamento; (ii) sobre a quantia de €473,48, contados desde 06/08/2012 até integral pagamento.
Inconformada, recorreu a Ré/CC, Lda., para o Tribunal da Relação, o qual conheceu do objecto do recurso de apelação interposto, tendo consignado no dispositivo do acórdão proferido: “Nestes termos, ACORDAM os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação da ré e, em consequência, revogam a sentença recorrida, absolvendo a ré totalmente do pedido. Custas da acção e do recurso apenas pela autora.”
É contra esta decisão que a Autora/AA e BB, SA., se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões: “l.º Por força do n.º 1 dos artigos 847.º do Código Civil, a compensação é uma forma de extinção das obrigações quando os obrigados são simultaneamente credor e devedor. 2.º Para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao credor, exigem-se a verificação dos seguintes requisitos: a) a existência de dois créditos recíprocos; b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação; c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações; d) a não exclusão da compensação pela lei; e, e) a declaração de vontade de compensar; 3.º Não se verifica a existência de dois créditos recíprocos, porquanto a Recorrida não detém qualquer crédito sobre a Recorrente, detendo apenas, segundo invoca, um crédito sobre a Aderente. Com efeito,
4.º Em passo ou trecho algum, da sentença proferida em primeira instância ou do Acórdão proferido em segunda instancia, se alterou a decisão em material de facto, sendo que nunca, em momento algum, resultou provado que a Recorrida seja titular de algum crédito sobre a Recorrente. 5.º A compensação legal ali prevista não é automática, mas sempre potestativa, por depender de uma declaração de vontade, ou pedido, do titular do crédito secundário. 6.º Neste enfoque, improcede assim, a excepção peremptória da extinção da obrigação por compensação, por não se verificarem os requisitos previstos nos artigos 847.º e 848.º do Código Civil. 7.º O Acórdão recorrido incorreu num erro de determinação das normas aplicáveis, desaplicando as normas pertinentes do art. 848.º do Código Civil. 8.° Inexistem razões ou fundamentos de direito susceptíveis de pôr em crise a fundamentação ou motivação da sentença proferida em primeira instância. 9.º Ao alterar a decisão proferida, com fundamento numa errónea interpretação das normas insertas nos artigos 847.º e 848.º do Código Civil, o tribunal a quo incorreu o num erro de determinação das normas aplicáveis. Contudo, V. Exas. farão, a habitual Justiça”
A Recorrida/Ré/CC, Lda. apresentou contra alegações, sem ter aduzido conclusões, sustentando, no entanto, que deve ser negada a revista, mantendo-se inalterável o acórdão recorrido.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Recorrente/Autora/AA e BB, SA., consiste em saber se: (1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao deixar de reconhecer que a invocada compensação legal não é automática, mas sempre potestativa, por depender de uma declaração de vontade, ou pedido, do titular do crédito secundário, impondo-se, assim, a improcedência da arrogada excepção peremptória da extinção da obrigação por compensação, por não se verificarem os requisitos de que depende o respectivo reconhecimento?
II. 2. Da Matéria de Facto
Factos Provados. “1. A Autora é uma Instituição Financeira de Crédito, que tem por objecto a prática de operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, nas quais se inclui a concessão de crédito particular e empresas, incluindo a realização de operações de factoring. 2. No âmbito da actividade por si exercida, a Autora celebrou com a sociedade DD, Lda., em 06/09/2011, o contrato denominado «Contrato de factoring (com recurso) Nº ...» plasmado no documento junto a fls. 313 a 319 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido). 3. O contrato em apreço tem por objecto a aquisição, por cessão, de créditos comerciais a curto prazo, derivados da venda de mercadorias ou da prestação de serviços do Aderente (DD, Lda.) a terceiros, designados por Devedores no contrato, nos termos e condições nele estabelecidos (cláusula 1ª das Condições Gerais). 4. Nos termos da cláusula 2ª das Condições Gerais (Devedores), são considerados Devedores as entidades previamente aceites pelo Factor (Autora) e que se encontrarem notificadas nos termos da cláusula 4ª (nº 1), ficando o Aderente obrigado a submeter ao Factor, antes da celebração do contrato ou durante o período de vigência do mesmo, os pedidos de aprovação dos Devedores sobre os quais pretende ceder os seus créditos (nº 2) e decidindo o Factor sobre a aceitação ou recusa dos pedidos de aprovação apresentados (nº 3). 5. Nos termos da cláusula 3ª das Condições Gerais (Cessão de créditos), o Aderente obriga-se a submeter à apreciação do Factor as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas dos duplicados das facturas ou dos documentos equivalentes, neles indicando as condições de venda e de pagamento (nº 1), podendo as facturas ou documentos equivalentes ser discriminados em listagem informática, donde conste o número, o valor, a data de emissão e de vencimento de cada uma das facturas cedidas e a identificação do respectivo Devedor (n º 2), obrigando-se o Factor a apreciar e decidir sobre as propostas de cessão de créditos e a comunicar a sua decisão ao Aderente no prazo de 48 horas após a recepção da respectiva proposta de cessão (nº 3). 6. O nº 4 da referida cláusula 3ª das Condições Gerais estabelece que, em caso de aprovação da cessão, a sua eficácia fica, no entanto, condicionada à confirmação do recebimento pelo Devedor da notificação referida na cláusula 4ª. 7. O nº 5 da referida cláusula 3ª das Condições Gerais estabelece que o Aderente fica obrigado a apor nas facturas remetidas aos Devedores e nos correspondentes duplicados a seguinte menção: “O pagamento do valor deste documento deve ser efectuado somente à AA E BB, …, SA na morada da sua sede, cessionária do respectivo crédito e única entidade com capacidade legal para dar quitação do seu valor”. 8. Nos termos da cláusula 4ª das Condições Gerais (Notificação dos Devedores), o Aderente obriga-se a notificar o Devedor da celebração do presente contrato, de acordo com o texto facultado pelo Factor (nº 1) e, para efeitos do disposto no número anterior, o Aderente entregará na sede do Factor a notificação, assinada por quem o obrigue, para que o Factor a remeta para a morada do respectivo Devedor por carta registada com aviso de recepção (nº 2). 9. Nos termos da cláusula 7ª das Condições Gerais (Cobrança dos créditos), o Factor empreenderá junto dos Devedores todas as diligências necessárias à cobrança dos créditos cedidos (nº 1) e quaisquer pagamentos feitos directamente ao Aderente, porque indevidos, deverão ser imediata e integralmente entregues ao Factor, não ficando o Devedor eximido do pagamento a esta última (nº 3). 10. Nos termos da cláusula 10ª das Condições Gerais (Factoring com Recurso), as partes expressamente convencionam que o Factor poderá resolver a cessão de créditos relativos a facturas ou documentos equivalentes que não sejam pagos pelos Devedores no prazo de 90 dias a contar da data do respectivo vencimento, mediante envio de notificação escrita ao Aderente (nº 1). 11.A cessão de créditos operada pelo «contrato de factoring» foi comunicada à Ré pela sociedade cedente (DD, Lda.), nos termos plasmados no documento junto a fl. 38 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), datado de 6 de Setembro de 2011, destacando-se o seguinte conteúdo: “Informamos V. Exas. de que celebrámos um Contrato de BB com a AA E BB, …, SA, pelo qual cederemos a esta entidade financeira créditos decorrentes de vendas e de prestação de serviços a clientes nossos, entre os quais estão V. Exas. Deste modo, e de acordo com o disposto no referido Contrato, a AA E BB, …, SA, passará a ser a única entidade que poderá dar quitação dos valores a cobrar aos nossos clientes incluídos no Contrato de factoring, encarregando-se da cobrança dos mesmos. Assim, ficam V. Exas. notificados que a partir desta data devem efectuar à AA E BB, …, SA, todos os pagamentos respeitantes aos nossos créditos sobre a V. empresa, designadamente decorrentes de facturas, notas de crédito e quaisquer outros títulos, sejam quais forem os meios e modalidades de pagamento utilizados. Em consequência, os cheques deverão ser emitidos a favor da AA E BB, IFIC, SA, e deverão ser acompanhados de carta mencionando que os mesmos serão para pagamento de facturas de factoring, Identificando os números dos documentos/facturas a liquidar. Relativamente às transferências bancárias, deverão ser efectuadas para o NIB … da … e deverá ser enviada carta justificativa do valor transferido mencionando-se, igualmente, os números dos documentos/facturas a liquidar. A correspondência deverá ser emitida para a Av. … Lisboa. As presentes instruções, que se aplicam (seleccionar apenas uma das seguintes opções e eliminar as restantes) a todos os créditos emitidos / aos créditos emitidos a partir da factura nº ... de 17/08/2011, inclusive, / aos créditos emitidos a partir de 17/08/2011, inclusive, só poderão ser revogadas por carta subscrita pela AA E BB, …, SA, e nos exactos termos nela estabelecidos.”. 12. Atestando ter sido notificada da celebração do sobredito «contrato de factoring» e das obrigações para si resultantes do mesmo, a Ré, por documento escrito datado de 15 de Setembro de 2011 (documento junto a fl. 40 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido), declarou que “foi notificada de que o seu Fornecedor DD – …, LDA., celebrou um contrato de “BB” com a AA E BB, …, SA, em consequência do qual todos os pagamentos a efectuar àquele seu fornecedor serão feitos para a dita AA E BB, …, SA e que a referida notificação se aplica aos créditos emitidos a partir da factura nº ... de 17/08/2011, inclusive.”. 13. Em tal documento, a Ré declarou também que “a cedência de créditos emitidos fica subordinada às seguintes condições: a) A cedência é aceite apenas para facturas previamente aprovadas e validadas pela CC; b) A CC reserva-se o direito de invocar os meios de oposição que tenha em relação aos valores incorporados nas facturas que ocorram até à data do seu vencimento.”. 14. Em tal documento, a Ré declarou ainda “[ficar] notificada de que a AA E BB, …, SA é a única entidade com capacidade legal para dar quitação de qualquer valor referente a facturação emitida pelo seu supracitado fornecedor pelo que, qualquer outro recibo carece de validade legal, com excepção do número anterior”.
15. No âmbito do mencionado «contrato de factoring», a sociedade DD, Lda. submeteu à Autora as facturas a seguir identificadas que, depois de conferidas, mereceram a aprovação da Autora à respectiva cessão: a) Factura n.º FT …, emitida em 28.02.2012 e vencida em 28.04.2012, no valor € 2.028,30; b) Factura n.º FT …, emitida em 28.02.2012 e vencida em 28.04.2012, no valor de € 2.217,00; c) Factura n.º FT …, emitida em 29.02.2012 e vencida em 29.04.2012, no valor de € 2.101,30; d) Factura n.º FT …, emitida em 05.03.2012 e vencida em 04.05.2012, no valor de € 1.020,90; e) Factura n.º FT …, emitida em 05.03.2012 e vencida em 04.05.2012, no valor de €2.033,40; f) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.377,60; g) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.931,10; h) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.931,10; i) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.972,42; j) Factura n.º FT …, emitida em 16.04.2012 e vencida em 16.06.2012, no valor de € 4.975,35; k) Factura n.º FT …, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valar de € 2.510,22; l) Factura n.º FT …, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valor de € 4.121,81; m) Factura n.º FT …, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valor de € 14.563,20; n) Factura n.º FT ..., emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de € 4.004,94; o) Factura n.º FT …, emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de € 7.373,86; p) Factura n.º FT …, emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de € 2.387,40; q) Factura n.º FT …, emitida em 03.05.2012 e vencida em 02.07.2012, no valor de € 1.800,00; r) Factura n.º FT …, emitida em 03.05.2012 e vencida em 02.07.2012, no valor € 1.982,54; s) Factura n.º FT …, emitida em 04.05.2012 e vencida em 03.07.2012, no valor € 2.487,40; t) Factura n.º FT …, emitida em 04.05.2012 e vencida em 03.07.2012, no valor de € 2.263,20; u) Factura n.º FT …,emitida em 08.05.2012 e vencida em 07.07.2012, no valor de € 3.567,00; v) Factura n.º FT …, emitida em 08.05.2012 e vencida em 07.07.2012, no valor de € 984,00; w) Factura n.º FT …, emitida em 18.05.2012 e vencida em 17.07.2012, no valor de € 4.344,18; x) Factura n.º FT …, emitida em 21.05.2012 e vencida em 20.07.2012, no valor de € 2.194,70; y) Factura n.º FT …, emitida em 04.06.2012 e vencida em 03.08.2012, no valor de € 1.968,00; z) Factura n.º FT …, emitida em 04.06.2012 e vencida em 03.08.2012, no valor de € 2.214,00; aa) Factura n.º FT …, emitida em 06.06.2012 e vencida em 05.08.2012, no valor de € 734,61; ab) Factura n.º FT …, emitida em 11.06.2012 e vencida em 10.08.2012, no valor de € 2.151,01; ac) Factura n.º FT …, emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 1.869,60; ad) Factura n.º FT …, emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 2.184,13; ae) Factura n.º FT …, emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 1.840,21. 16. O valor total das facturas atrás identificadas ascende a €85.827,00. 17. A Autora pagou à sociedade DD, Lda. o valor dos créditos que lhe foram cedidos (incluídos nas facturas que lhe foram submetidas, atrás identificadas), nos termos contratuais acordados.
18. A Autora enviou à Ré a carta registada com aviso de recepção que constitui o documento junto a fl. 137 dos autos (cujo teor aqui se reproduz), datada de 25/11/2015 e recebida pela Ré, tendo como “Assunto” a “Interpelação para pagamento de facturas vencidas e não pagas. V/ Fornecedor: DD, …, Lda.” e destacando-se o seguinte conteúdo: “Exmos. Senhores, A facturação emitida pela firma DD, …, Lda. à firma CC – Transitários, Lda. e cedida à AA e BB – …, SA, ao abrigo do contrato de factoring oportunamente comunicado a V. Exas., encontra-se vencida e em dívida desde 28-04-2012. As insistentes solicitações dirigidas pela AA e BB …, SA a V. Exas. não têm obtido a receptividade esperada, apresentando a vossa conta corrente um saldo devedor de 85.827,00 Euros. Face ao exposto, vimos pela presente interpelar V. Exas. para o pagamento da(s) factura(s) listadas em anexo, no prazo máximo de 8 dias, sob pena de imediato recurso às vias judiciais.”. 19. As facturas FT …, FT … e FT … (acima identificadas sob as alíneas a), b) e c) do nº 12 dos factos provados), no valor global de € 6.346,60, foram pagas, através de transferência bancária para a conta da … – BB – DD, e que foi a indicada à Ré pela Autora para o pagamento, transferência efectuada em 04.06.2012, que caiu na conta da Autora nessa mesma data, no valor de € 7.541,41, pois englobava outra factura, nº …, de € 1.194,81. 20. Quanto às facturas FT … FT …, FT …, FT …, FT … FT …, FT …, FT ..., FT …, FT …, FT …, FT …, FT … e FT …, no valor global de € 30.825,18, a Ré procedeu do seguinte modo: 20.1. A Ré reuniu aquelas facturas com outras facturas em débito à DD, Lda. (FT …, FT …, FT … FT …, FT … e FT …), atingindo-se o valor global de € 43.496,16; 20.2. A Ré entendeu dever descontar à DD, Lda., por compensação, a quantia de € 30.564,05, referente aos danos emergentes de um sinistro ocorrido em 11/11/2011, em que interveio um camião da DD, Lda. e donde resultaram danos nas mercadorias transportadas, no valor de € 32.990,47 (sendo que a Ré já havia descontado a quantia de € 2.426,42), sendo certo que a Ré entendeu adiantar ao dono das mercadorias, por conta e responsabilidade da DD, Lda., o valor das mercadorias; 20.3. Ao saldo apurado após a compensação, no montante de € 12.932,11, a Ré acrescentou o valor de outra factura (FT …), no valor de € 1.402,20, atingindo-se o valor de € 14.334,31, que a Ré pagou à Autora, através de transferência bancária para a conta da … – BB – DD, e que foi a indicada à Ré pela Autora para o pagamento, transferência efectuada em 28.09.2012, que caiu na conta da Autora nessa mesma data. 21. Quanto às facturas FT … e FT …, no valor global de € 4.182,00, apesar de terem sido submetidas à Autora pela DD, Lda., no âmbito do já referido «contrato de factoring», a DD, Lda. não apôs na versão destas facturas que remeteu à Ré a menção que estava obrigada a apor pelo nº 5 da cláusula 3ª das Condições Gerais do «contrato de factoring», pelo que a Ré, entendendo que se tratava de facturas que não tinham sido cedidas à Autora, efectuou o pagamento das mesmas directamente à DD, Lda., através de cheque emitido à ordem desta sociedade e a ela entregue, em 04/06/2012, no valor de € 4.056,54 (tendo a Ré descontado a quantia de € 125,46, referente a uma nota de crédito que a DD, Lda. tinha de emitir e referente à Nota de Crédito …). 22. Quanto às facturas FT … e FT …, no valor global de € 4.053,73, apesar de terem sido submetidas à Autora pela DD, Lda., no âmbito do já referido «contrato de factoring», a DD, Lda. não apôs na versão destas facturas que remeteu à Ré a menção que estava obrigada a apor pelo nº 5 da cláusula 3ª das Condições Gerais do «contrato de factoring, pelo que a Ré, entendendo que se tratava de facturas que não tinham sido cedidas à Autora, efectuou o pagamento das mesmas directamente à DD, Lda., através de transferência bancária para a conta desta sociedade, em 27/06/2012, que caiu na conta desta nessa mesma data, no valor de € 3.041,48 (pois que a Ré descontou o valor de uma penhora que teve de efectuar às Finanças por conta da DD, Lda., no valor de € 890,64, uma nota de crédito no valor de € 121,61 que a DD, Lda. tinha de emitir, referente às Notas de Crédito … e …). 23. Quanto à factura FT …, no valor global de € 1.840,21, apesar de ter sido submetida à Autora pela DD, Lda., no âmbito do já referido «contrato de BB», a DD, Lda. não apôs na versão desta factura que remeteu à Ré a menção que estava obrigada a apor pelo nº 5 da cláusula 3ª das Condições Gerais do «contrato de factoring», pelo que a Ré, entendendo que se tratava de factura que não tinha sido cedida à Autora, efectuou o pagamento da mesma directamente à DD, Lda., através de transferência bancária para a conta desta sociedade, em 04/07/2012, que caiu na conta desta nessa mesma data, de € 1.673,94 (tendo a Ré efectuado um encontro de contas com valores que entendia serem-lhe devidos pela DD, Lda.). 24. As facturas FT …, FT …, FT …, FT …, FT …, FT …, FT …, FT … e FT …não correspondem a serviços efectivamente prestados pela DD, Lda. à Ré, tendo tais facturas sido forjadas com o propósito de levar a Autora a adiantar e entregar à DD, Lda. as quantias nelas inscritas, no âmbito do «contrato de factoring» acima identificado.”
II. 3. Do Direito
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.
II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao deixar de reconhecer que a invocada compensação legal não é automática, mas sempre potestativa, por depender de uma declaração de vontade, ou pedido, do titular do crédito secundário, impondo-se, assim, a improcedência da arrogada excepção peremptória da extinção da obrigação por compensação, por não se verificarem os requisitos de que depende o respectivo reconhecimento? (1) A exegese seguida nas Instâncias considerou que estamos perante facticidade subsumível ao contrato de factoring, qualificando, nestes termos, o ajuizado negócio jurídico celebrado, entre a Autora/AA e BB, SA., e a Ré/CC, Lda., importando a respectiva dissensão, na oponibilidade da excepção de compensação, invocada pela Ré/CC, Lda., encerrando esta o objecto da presente revista. O contrato de factoring não tem uma disciplina própria no nosso ordenamento jurídico, continuando vaga a sua configuração e regime jurídicos, conquanto nos termos do art.º 2°, n.º 1, do Decreto-lei n.º 171/95, de 18 de Julho, a actividade de factoring ou cessão financeira consista na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno e externo.
Doutrina e Jurisprudência, entendem, pacificamente, que o contrato de factoring consiste na transferência dos créditos a curto prazo do seu titular (cedente, aderente) para um factor (cessionário), derivados da actividade habitual do primeiro, de fornecimento de bens ou prestação de serviços a terceiros (devedores cedidos), incumbindo-se o cessionário (o factor) da gestão e cobrança dos créditos, podendo assumir o risco de insolvência dos devedores cedidos e antecipar, total ou parcialmente, o valor dos créditos cedidos, tudo mediante o pagamento pelo cedente, de uma retribuição, neste sentido, Pedro Romano Martinez, in, Contratos Comerciais, página 69, Calvão da Silva, in, Direito Bancário, página 429, Mafalda Oliveira Monteiro, in, O Contrato de BB em Portugal, 1996, página 14, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2004, in, Colectânea de Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça, XII, 2, 75, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2005, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 2010, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2012, in, www.dgsi.pt. O contrato de factoring é celebrado pelas partes para obtenção de uma cobrança eficiente dos créditos, garantia do risco dos mesmos créditos e um financiamento pelo factor. Na verdade, como contrapartida da transmissão dos créditos, surgem prestações do factor, que podem ter, função de financiamento, ou seja, o factor antecipa à empresa cedente os (ou grande parte dos) valores dos créditos, assim a financiando; função administrativa de prestação de serviços, isto é, o factor administra e cobra os créditos adquiridos, assim facilitando aos aderentes a correspondente mobilização e alívio da sobrecarga administrativa para o efeito necessária; função de assunção dos riscos de cobrança dos créditos, qual seja, o factor assume o risco dos créditos cedidos, o risco de insolvência do devedor, neste sentido, Calvão da Silva, ob. cit., página 430, Teles de Menezes Leitão, in, Cessão de Créditos, página 518; e Menezes Cordeiro, in, Manual de Direito Bancário, página 581. O contrato de factoring pode ser celebrado na modalidade “sem recurso” (próprio), ou na modalidade “com recurso” ou direito de regresso (impróprio), sendo que na primeira modalidade, o factor assume o risco de insolvência ou de não cumprimento por parte do devedor, e pode exigir o respectivo pagamento ao devedor que era do aderente (factoring pro soluto), ao passo que no factoring impróprio, o factor não assume esse risco, pois, o cedente garante a solvência dos devedores cujos créditos foram cedidos, importando um factoring pro solvendo, pelo que, terá o cliente de reembolsar o factor em caso de não pagamento pelo devedor, o que implica que no factoring impróprio a função del credere fica excluída, neste sentido, Teles de Menezes Leitão, ob. cit., página 512; e Menezes Cordeiro, ob. cit., página 580. Como defende, Rui Pinto Duarte, Notas sobre o Contrato de factoring, in, Novas Perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, pagina 144 “quando observado ao longo da sua execução, o contrato de BB pode ser descrito do seguinte modo: a) uma das partes, conhecida por factor, cobra créditos da contraparte (a que podemos chamar cliente) nascidos de vendas de bens ou serviços feitos por esta; por este serviço de cobrança, o cliente paga uma quantia calculada em função do valor dos créditos que indica para cobrança; b) o factor entrega ao cliente, mediante solicitação deste, quantias correspondentes ao valor dos créditos a cobrar, não aguardando a data do respectivo vencimento; esta antecipação de fundos tem como contrapartida o pagamento de juros; c) o factor, também mediante solicitação do ciente, assume o risco de os créditos a cobrar não serem pagos, assunção de risco essa que é obviamente também remunerada (ainda que essa remuneração possa não ser discriminada relativamente à do serviço de cobrança)”. Do enunciado enquadramento normativo, doutrinal e jurisprudencial, decorre que no raio de acção da estrutura do contrato de factoring, encontram-se cessões de créditos, sendo inteiramente aplicável a disciplina dos artºs. 577º, e seguintes do Código Civil, neste sentido, Pestana de Vasconcelos, in, Dos Contratos de Cessão Financeira (factoring), página 272 e seguintes: Teles de Menezes Leitão, ob. cit., página 522; Calvão da Silva, ob. cit., página 432, revestindo, assim, o contrato de factoring, a natureza (pese embora a existência de divergências na doutrina no que respeita à anterioridade ou ulterioridade dos créditos) de um negócio de promessa de cessão de créditos ou de cessão de créditos futuros, pelo que, sublinhamos, na ausência de cláusulas contratuais e no silêncio do Decreto-Lei n.º 171/95 de 18 de Julho, são aplicáveis ao contrato de factoring as regras da cessão de créditos, nomeadamente, para o que interessa ao caso sub iudice, que se verifica uma sucessão do factor (cessionário) na titularidade dos créditos cedidos, conforme estatui o art.º 582º do Código Civil e que se reconhece a oponibilidade ao factor (cessionário) das excepções fundadas na relação subjacente, como decorre do art.º 585º do Código Civil (sublinhando-se, neste particular, que a oponibilidade das excepções fundadas na relação subjacentes, deve reportar-se, apenas e só. àquelas ocorridas antes da notificação da cessão, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2004 [Processo n.º 100/04 desta 7ª secção], Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2004 [Processo n.º 1556/04], Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2007 [Processo n.º 3117/08.0TVLSB.L1.S1], e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2017 [Processo n.º 190/13.2T2STC.E1.S1] e na Doutrina, Calvão da Silva, ob. cit., paginas 432/433). Conforme prescreve o direito substantivo civil, na cessão de créditos, o credor transmite a terceiro, independentemente de consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito - art.º 577º do Código Civil - ocorrendo tão-somente a substituição do credor, mantendo-se inalterado, o crédito transferido. Concluído o negócio jurídico, a cessão opera inter partes, independentemente, da respectiva notificação ao devedor, como decorre do princípio da eficácia imediata das convenções negociais, acentuando-se, porém, que pese embora o contrato opere os seus efeitos, imediatamente nos termos gerais adiantados, esses efeitos não se manifestam face ao devedor, neste sentido, Menezes Cordeiro, in, Direito das Obrigações, Vol. II, página 97, importando quanto a este, que a cessão lhe seja notificada ou que ele a aceite, conforme estatuído no direito substantivo civil - art.º 583º n.º 1 do Código Civil - .
Na verdade, em relação ao devedor, que não tem de ser parte no contrato de factoring, a eficácia da cessão depende da notificação ou da sua aceitação por parte do devedor, permitindo, assim, ao devedor cedido, impugnar, perante o cessionário, adquirente do crédito, a sua existência e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao cedente, quer sejam factos que conduzam à sua invalidade, como os vícios de vontade, ou a destruição retroactiva, como a resolução, do negócio jurídico donde emerge o crédito, quer se trate de causas extintivas do próprio crédito, como a compensação, reconhecendo-se, assim, a defesa, por excepção, em relação à pretensão jurídica arrogada pelo cessionário, ao exigir, contra si, o cumprimento do crédito, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 2010, in, www.dgsi.pt., citando doutrina neste sentido, Vaz Serra, in, Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, 318, BFDUC, Volume XXX (1954), 310 a 312; Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 1974, 286; Maria Helena Brito, in, O “BB” Internacional e a Convenção do Unidroit, Cosmos, 1998, 60. Sublinhamos que na cessão de créditos, o devedor vê alterada a identidade do credor, o que, de todo, pode encerrar, qualquer diminuição da sua posição contratual, pois, como já adiantamos, o devedor conserva todos os meios de defesa e excepções que podia opor ao credor cedente, decorrentes da circunstância de que o crédito em que o cessionário fica investido identifica-se com aqueloutro que pertencia ao cedente, não se transmitindo para aquele apenas os acessórios e as garantias, mas, também, as causas da relação creditória, que o podem fragilizar, ou mesmo extinguir. Relembremos o objecto da presente revista, qual seja, saber se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao deixar de reconhecer que a invocada compensação legal não é automática, mas sempre potestativa, por depender de uma declaração de vontade, ou pedido, do titular do crédito secundário, impondo-se, assim, a improcedência da excepção peremptória da extinção da obrigação por compensação, por não se verificarem os requisitos de que depende o respectivo reconhecimento. A questão solvenda reside, pois, em saber se a devedora, aqui Ré/CC, Lda. pode opor à cessionária, aqui Autora/AA e BB, SA., a compensação traduzida em contra créditos de que é titular, perante a cedente, DD, Lda. A Doutrina vem defendendo, de há muito a esta parte, veja-se, entre outos, Vaz Serra, Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, in, Boletim do Ministério da Justiça, número especial (1955), página 130; e Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, página 287 e nota (1), que a justificação da oponibilidade ao cessionário da compensação de um crédito do devedor perante o cedente, reside, acima de tudo, na ideia de que a cessão não deve prejudicar a posição que o devedor tinha perante o cedente, ainda que o seu vencimento seja posterior à cessão, desde que a sua constituição seja anterior ao conhecimento desta ou contemporânea dele. A compensação somente deixa de operar se provier de facto posterior ao conhecimento da cessão, se se tornar invocável após o conhecimento da cessão, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, página 601, impondo-se, todavia, ao devedor que, confrontado com a solicitação do cessionário, enquanto novo sujeito activo da relação obrigacional contraída junto do agora cedente, dada a reconhecida modificação subjectiva, e da qual é sujeito passivo, informe o factor, cessionário, dos factos que sustentam a compensação, cumprindo os exigidos deveres de boa-fé. O devedor titular de um contra crédito sobre o cedente, poderá realizar a compensação, imediatamente, após a cessão do crédito ou, se assim o entender, só mais tarde, quando o factor exigir o pagamento do preço, impondo-se sempre o dever, por parte do devedor, de informar o cessionário, do arrogado contra crédito, enquanto dever lateral de conduta face ao seu novo credor, neste sentido, Luís Pestana de Vasconcelos, in, Dos Contratos de Concessão Financeira (factoring), Studia Ivridica, 43, BFDUC, Coimbra Editora, 1999, página 315 e nota (791). É chegada a altura de subsumir os factos adquiridos processualmente, aos consignados princípios, recordando os factos demonstrados com interesse para decidir sobre a invocada compensação de créditos. “1. A Autora é uma Instituição Financeira de Crédito, que tem por objecto a prática de operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, nas quais se inclui a concessão de crédito particular e empresas, incluindo a realização de operações de factoring. 2. No âmbito da actividade por si exercida, a Autora celebrou com a sociedade DD, …, Lda., em 06/09/2011, o contrato denominado “Contrato de factoring (com recurso) n.º ...” plasmado no documento junto a fls. 313 a 319 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido). 3. O contrato em apreço tem por objecto a aquisição, por cessão, de créditos comerciais a curto prazo, derivados da venda de mercadorias ou da prestação de serviços do Aderente (DD, Lda.) a terceiros, designados por Devedores no contrato, nos termos e condições nele estabelecidos (cláusula 1ª das Condições Gerais). 4. Nos termos da cláusula 2ª das Condições Gerais (Devedores), são considerados Devedores as entidades previamente aceites pelo Factor (Autora) e que se encontrarem notificadas nos termos da cláusula 4ª (nº 1), ficando o Aderente obrigado a submeter ao Factor, antes da celebração do contrato ou durante o período de vigência do mesmo, os pedidos de aprovação dos Devedores sobre os quais pretende ceder os seus créditos (nº 2) e decidindo o Factor sobre a aceitação ou recusa dos pedidos de aprovação apresentados (nº 3). 5. Nos termos da cláusula 3ª das Condições Gerais (Cessão de créditos), o Aderente obriga-se a submeter à apreciação do Factor as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas dos duplicados das facturas ou dos documentos equivalentes, neles indicando as condições de venda e de pagamento (nº 1), podendo as facturas ou documentos equivalentes ser discriminados em listagem informática, donde conste o número, o valor, a data de emissão e de vencimento de cada uma das facturas cedidas e a identificação do respectivo Devedor (n º 2), obrigando-se o Factor a apreciar e decidir sobre as propostas de cessão de créditos e a comunicar a sua decisão ao Aderente no prazo de 48 horas após a recepção da respectiva proposta de cessão (nº 3). 6. O nº 4 da referida cláusula 3ª das Condições Gerais estabelece que, em caso de aprovação da cessão, a sua eficácia fica, no entanto, condicionada à confirmação do recebimento pelo Devedor da notificação referida na cláusula 4ª. 7. O nº 5 da referida cláusula 3ª das Condições Gerais estabelece que o Aderente fica obrigado a apor nas facturas remetidas aos Devedores e nos correspondentes duplicados a seguinte menção: “O pagamento do valor deste documento deve ser efectuado somente à AA E BB, …, SA na morada da sua sede, cessionária do respectivo crédito e única entidade com capacidade legal para dar quitação do seu valor”. 8. Nos termos da cláusula 4ª das Condições Gerais (Notificação dos Devedores), o Aderente obriga-se a notificar o Devedor da celebração do presente contrato, de acordo com o texto facultado pelo Factor (nº 1) e, para efeitos do disposto no número anterior, o Aderente entregará na sede do Factor a notificação, assinada por quem o obrigue, para que o Factor a remeta para a morada do respectivo Devedor por carta registada com aviso de recepção (nº 2). 9. Nos termos da cláusula 7ª das Condições Gerais (Cobrança dos créditos), o Factor empreenderá junto dos Devedores todas as diligências necessárias à cobrança dos créditos cedidos (nº 1) e quaisquer pagamentos feitos directamente ao Aderente, porque indevidos, deverão ser imediata e integralmente entregues ao Factor, não ficando o Devedor eximido do pagamento a esta última (nº 3). 10. Nos termos da cláusula 10ª das Condições Gerais (Factoring com Recurso), as partes expressamente convencionam que o Factor poderá resolver a cessão de créditos relativos a facturas ou documentos equivalentes que não sejam pagos pelos Devedores no prazo de 90 dias a contar da data do respectivo vencimento, mediante envio de notificação escrita ao Aderente (nº 1). 11.A cessão de créditos operada pelo “contrato de factoring” foi comunicada à Ré pela sociedade cedente (DD, Lda.), nos termos plasmados no documento junto a fl. 38 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), datado de 6 de Setembro de 2011, destacando-se o seguinte conteúdo: “Informamos V. Exas. de que celebrámos um Contrato de factoring com a AA E BB, …, SA, pelo qual cederemos a esta entidade financeira créditos decorrentes de vendas e de prestação de serviços a clientes nossos, entre os quais estão V. Exas. Deste modo, e de acordo com o disposto no referido Contrato, a AA E BB, …, SA, passará a ser a única entidade que poderá dar quitação dos valores a cobrar aos nossos clientes incluídos no Contrato de factoring, encarregando-se da cobrança dos mesmos. Assim, ficam V. Exas. notificados que a partir desta data devem efectuar à AA E BB, …, SA, todos os pagamentos respeitantes aos nossos créditos sobre a V. empresa, designadamente decorrentes de facturas, notas de crédito e quaisquer outros títulos, sejam quais forem os meios e modalidades de pagamento utilizados. Em consequência, os cheques deverão ser emitidos a favor da AA E BB, …, SA, e deverão ser acompanhados de carta mencionando que os mesmos serão para pagamento de facturas de factoring, Identificando os números dos documentos/facturas a liquidar. Relativamente às transferências bancárias, deverão ser efectuadas para o NIB … da … e deverá ser enviada carta justificativa do valor transferido mencionando-se, igualmente, os números dos documentos/facturas a liquidar. A correspondência deverá ser emitida para a Av. …Lisboa.
As presentes instruções, que se aplicam (seleccionar apenas uma das seguintes opções e eliminar as restantes) a todos os créditos emitidos / aos créditos emitidos a partir da factura nº ... de 17/08/2011, inclusive, / aos créditos emitidos a partir de 17/08/2011, inclusive, só poderão ser revogadas por carta subscrita pela AA E BB, SA, e nos exactos termos nela estabelecidos.”. 12. Atestando ter sido notificada da celebração do sobredito “contrato de factoring” e das obrigações para si resultantes do mesmo, a Ré, por documento escrito datado de 15 de Setembro de 2011 (documento junto a fl. 40 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido), declarou que “foi notificada de que o seu Fornecedor DD – …, LDA., celebrou um contrato de “factoring” com a AA E BB, …, SA, em consequência do qual todos os pagamentos a efectuar àquele seu fornecedor serão feitos para a dita AA E BB, …, SA e que a referida notificação se aplica aos créditos emitidos a partir da factura nº ... de 17/08/2011, inclusive.”. 13. Em tal documento, a Ré declarou também que “a cedência de créditos emitidos fica subordinada às seguintes condições: a)A cedência é aceite apenas para facturas previamente aprovadas e validadas pela CC; b)A CC reserva-se o direito de invocar os meios de oposição que tenha em relação aos valores incorporados nas facturas que ocorram até à data do seu vencimento.”. 14. Em tal documento, a Ré declarou ainda “[ficar] notificada de que a AA E BB, …, SA é a única entidade com capacidade legal para dar quitação de qualquer valor referente a facturação emitida pelo seu supracitado fornecedor pelo que, qualquer outro recibo carece de validade legal, com excepção do número anterior”. 15. No âmbito do mencionado “contrato de factoring”, a sociedade DD, Lda. submeteu à Autora as facturas a seguir identificadas que, depois de conferidas, mereceram a aprovação da Autora à respectiva cessão: a) Factura n.º FT …, emitida em 28.02.2012 e vencida em 28.04.2012, no valor € 2.028,30; b) Factura n.º FT …, emitida em 28.02.2012 e vencida em 28.04.2012, no valor de € 2.217,00; c) Factura n.º FT …, emitida em 29.02.2012 e vencida em 29.04.2012, no valor de € 2.101,30; d) Factura n.º FT …, emitida em 05.03.2012 e vencida em 04.05.2012, no valor de € 1.020,90; e) Factura n.º FT …, emitida em 05.03.2012 e vencida em 04.05.2012, no valor de €2.033,40; f) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.377,60; g) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.931,10; h) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.931,10; i) Factura n.º FT …, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de € 1.972,42; j)Factura n.º FT …, emitida em 16.04.2012 e vencida em 16.06.2012, no valor de € 4.975,35; k) Factura n.º FT …, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valar de € 2.510,22; l) Factura n.º FT …, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valor de € 4.121,81; m) Factura n.º FT …, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valor de € 14.563,20; n) Factura n.º FT …, emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de € 4.004,94; o) Factura n.º FT …., emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de € 7.373,86; p) Factura n.º FT …, emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de € 2.387,40; q) Factura n.º FT …, emitida em 03.05.2012 e vencida em 02.07.2012, no valor de € 1.800,00; r) Factura n.º FT …, emitida em 03.05.2012 e vencida em 02.07.2012, no valor € 1.982,54; s) Factura n.º FT …, emitida em 04.05.2012 e vencida em 03.07.2012, no valor € 2.487,40; t) Factura n.º FT …, emitida em 04.05.2012 e vencida em 03.07.2012, no valor de € 2.263,20; u) Factura n.º FT ….,emitida em 08.05.2012 e vencida em 07.07.2012, no valor de € 3.567,00; v) Factura n.º FT …, emitida em 08.05.2012 e vencida em 07.07.2012, no valor de € 984,00; w) Factura n.º FT …, emitida em 18.05.2012 e vencida em 17.07.2012, no valor de € 4.344,18; x) Factura n.º FT …, emitida em 21.05.2012 e vencida em 20.07.2012, no valor de € 2.194,70; y) Factura n.º FT …, emitida em 04.06.2012 e vencida em 03.08.2012, no valor de € 1.968,00; z) Factura n.º FT …, emitida em 04.06.2012 e vencida em 03.08.2012, no valor de € 2.214,00; aa) Factura n.º FT …, emitida em 06.06.2012 e vencida em 05.08.2012, no valor de € 734,61; ab) Factura n.º FT …., emitida em 11.06.2012 e vencida em 10.08.2012, no valor de € 2.151,01; ac) Factura n.º FT …, emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 1.869,60; ad) Factura n.º FT …, emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 2.184,13; ae) Factura n.º FT …, emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 1.840,21. 16. O valor total das facturas atrás identificadas ascende a €85.827,00. 17. A Autora pagou à sociedade DD, Lda. o valor dos créditos que lhe foram cedidos (incluídos nas facturas que lhe foram submetidas, atrás identificadas), nos termos contratuais acordados. 18. A Autora enviou à Ré a carta registada com aviso de recepção que constitui o documento junto a fl. 137 dos autos (cujo teor aqui se reproduz), datada de 25/11/2015 e recebida pela Ré, tendo como “Assunto” a “Interpelação para pagamento de facturas vencidas e não pagas. V/ Fornecedor: DD, …, Lda.” e destacando-se o seguinte conteúdo: “Exmos. Senhores, A facturação emitida pela firma DD, …, …, Lda. à firma CC – …, Lda. e cedida à AA e BB – …, SA, ao abrigo do contrato de factoring oportunamente comunicado a V. Exas., encontra-se vencida e em dívida desde 28-04-2012. As insistentes solicitações dirigidas pela AA e BB …, SA a V. Exas. não têm obtido a receptividade esperada, apresentando a vossa conta corrente um saldo devedor de 85.827,00 Euros. Face ao exposto, vimos pela presente interpelar V. Exas. para o pagamento da(s) factura(s) listadas em anexo, no prazo máximo de 8 dias, sob pena de imediato recurso às vias judiciais.”. 20. Quanto às facturas FT …, FT …, FT …, FT ..., FT ... FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ... e FT ..., no valor global de € 30.825,18, a Ré procedeu do seguinte modo: 20.1. A Ré reuniu aquelas facturas com outras facturas em débito à DD, Lda. (FT ..., FT ..., FT ... FT ..., FT ... e FT ...), atingindo-se o valor global de € 43.496,16;
20.2. A Ré entendeu dever descontar à DD, Lda., por compensação, a quantia de € 30.564,05, referente aos danos emergentes de um sinistro ocorrido em 11/11/2011, em que interveio um camião da DD, Lda. e donde resultaram danos nas mercadorias transportadas, no valor de € 32.990,47 (sendo que a Ré já havia descontado a quantia de € 2.426,42), sendo certo que a Ré entendeu adiantar ao dono das mercadorias, por conta e responsabilidade da DD, Lda., o valor das mercadorias; 20.3. Ao saldo apurado após a compensação, no montante de €12.932,11, a Ré acrescentou o valor de outra factura (FT ...), no valor de €1.402,20, atingindo-se o valor de € 14.334,31, que a Ré pagou à Autora, através de transferência bancária para a conta da … – BB – DD, e que foi a indicada à Ré pela Autora para o pagamento, transferência efectuada em 28.09.2012, que caiu na conta da Autora nessa mesma data.” A enunciada facticidade revela, sendo, aliás, pacificamente aceite pelos litigantes, a celebração, em 6 de Setembro de 2011, de um contrato de factoring, entre a Autora/AA e BB, SA. e a DD, Lda., onde foram cedidos àquela, os créditos que esta detinha, ou viria a deter, o que foi notificado à ora Ré/CC, Lda., enquanto devedora, que aceitou, com condições, distinguindo-se do contrato, concretas cláusulas, que importa enfatizar “são considerados Devedores as entidades previamente aceites pelo Factor (Autora) e que se encontrarem notificadas nos termos da cláusula 4ª (nº 1), ficando o Aderente obrigado a submeter ao Factor, antes da celebração do contrato ou durante o período de vigência do mesmo, os pedidos de aprovação dos Devedores sobre os quais pretende ceder os seus créditos (nº 2) e decidindo o Factor sobre a aceitação ou recusa dos pedidos de aprovação apresentados”; “o Aderente obriga-se a submeter à apreciação do Factor as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas dos duplicados das facturas ou dos documentos equivalentes, neles indicando as condições de venda e de pagamento (nº 1), podendo as facturas ou documentos equivalentes ser discriminados em listagem informática, donde conste o número, o valor, a data de emissão e de vencimento de cada uma das facturas cedidas e a identificação do respectivo Devedor (n º 2), obrigando-se o Factor a apreciar e decidir sobre as propostas de cessão de créditos e a comunicar a sua decisão ao Aderente no prazo de 48 horas após a recepção da respectiva proposta de cessão (nº 3)”; “em caso de aprovação da cessão, a sua eficácia fica, no entanto, condicionada à confirmação do recebimento pelo Devedor da notificação referida na cláusula 4ª.”; “Nos termos da cláusula 10ª das Condições Gerais (Factoring com Recurso), as partes expressamente convencionam que o Factor poderá resolver a cessão de créditos relativos a facturas ou documentos equivalentes que não sejam pagos pelos Devedores no prazo de 90 dias a contar da data do respectivo vencimento, mediante envio de notificação escrita ao Aderente (nº 1).”. Ademais, resultou demonstrado que o ajuizado “contrato de factoring” foi comunicada à Ré/CC, Lda. pela sociedade cedente/DD, Lda., tendo aquela declarado que “a cedência de créditos emitidos fica subordinada às seguintes condições: a) A cedência é aceite apenas para facturas previamente aprovadas e validadas pela CC; b) A CC reserva-se o direito de invocar os meios de oposição que tenha em relação aos valores incorporados nas facturas que ocorram até à data do seu vencimento.”. A cessão de créditos, como reconhecemos, pode ter por objecto, direitos já existentes na esfera do cedente no momento da conclusão do contrato (créditos já vencidos ou créditos em que o vencimento se opera só depois de decorrido o prazo fixado), assim como pode incidir sobre créditos ainda não existentes, de todo, ou tão só na esfera jurídica do alienante, mas que este conta vir a adquirir, os primeiros, créditos presentes, e os últimos, créditos futuros, pelo que, temos de reconhecer que quanto a estes, créditos que ainda não têm existência, conquanto se reconheça não haver dificuldade a que a notificação do futuro devedor cedido, seja realizada antecipadamente ao surto desse direito, não poderemos deixar de afirmar que a cessão de créditos só se verificará com o vencimento do crédito e cumpridas que sejam todas as formalidades ajustadas entre o cessionário e a cedente. Revertendo ao caso sub iudice, temos que a cessão dos créditos incorporados nas consignadas facturas não se deu por mero efeito da celebração do contrato de factoring entretanto celebrado, mas antes pela aposição nas facturas, pela aderente, da menção de cessão, e subsequente apreciação e aprovação do crédito pelo factor, aqui Autora/AA e BB, SA.. A interpretação da consignada facticidade, levada a cabo por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, concretamente, no que ao negócio jurídico outorgado entre a AA e BB, SA. e a DD, Lda., leva-nos a concluir que a outorga do contrato de factoring abrangia créditos que a cedente DD, Lda., detinha à data da subscrição do aludido contrato de BB, ou seja, em 11 de Setembro de 2011, como também os créditos que viesse a deter, sendo que a cessão de créditos não decorria, automaticamente, da constituição da Ré/CC, Lda., como devedora da cedente/DD, Lda.,, antes só aconteceria, cumpridas que fossem todas as formalidades exigidas e consignadas no ajuizado contrato de factoring, designadamente, a prévia aceitação do devedor, pelo factor, aqui Autora/AA e BB, SA., ficando o aderente obrigado a submeter ao factor, antes da celebração do contrato ou durante o período de vigência do mesmo, os pedidos de aprovação do devedor sobre o qual pretende ceder os seus créditos, decidindo o factor sobre a aceitação ou recusa dos pedidos de aprovação submetidos à apreciação pelo aderente, obrigando-se o factor a apreciar e decidir sobre as propostas de cessão de créditos, e a comunicar a sua decisão ao aderente, no prazo de 48 horas, após a recepção da respectiva proposta de cessão, tendo sido expressamente convencionado que o factor poderia resolver a cessão de créditos relativos a facturas ou documentos equivalentes que não sejam pagos pelo devedor, no prazo de 90 dias a contar da data do respectivo vencimento, mediante envio de notificação escrita ao aderente. Assim, sendo, resultando dos autos que os créditos reclamados pelo factor, atinentes às facturas FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT... FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ... e FT ..., no valor global de €30.825,18 (identificadas sob as alíneas d) a k), n), q), r), u), v) e aa) do facto provado nº 15), a que a Ré juntou outras facturas em débito à DD, Lda. (FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ... e FT ...), atingindo o montante global de €43.496,16 (confessadamente vencidas e em dívida desde 28 de Abril de 2012), fazendo uma compensação de créditos, pelo valor de €30.564,05, relacionada com um sinistro ocorrido em 11 de Novembro de 2011, do qual resultaram danos nas mercadorias transportadas, que a Ré/CC, Lda. teve de adiantar ao respectivo dono (por conta e responsabilidade da DD, Lda.), apurando-se o saldo de €12.932,11, a somar o valor de uma outra factura (FT ...), no montante de €1.402,20, que a Ré/CC, Lda. pagou à Autora/AA e BB, SA., através de transferência bancária, efectuada em 28 de Setembro de 2012, temos que reconhecer que a cessão de créditos sobre a qual a Ré/CC, Lda. pretende invocar o seu contra crédito, somente se constituiu em 2012, concretamente, encontra-se vencida e em dívida desde 28 de Abril de 2012, conforme admitido pela cessionária, aqui Autora/AA e BB, SA., sendo que o sinistro, fundamento do contra crédito, ocorreu em 11 de Novembro de 2011, tendo a Ré/CC, Lda. (cumprindo os exigidos deveres de boa-fé, conforme estava obrigada, confrontada que foi com a solicitação do cessionário, enquanto novo sujeito activo da relação obrigacional contraída junto da cedente), informado da verificação daquele contra crédito, a Autora/AA e BB, SA., enquanto cessionária, se não antes, pelo menos quando contestou o arrogado pagamento, atinentes às reclamadas facturas (FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT... FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ..., FT ... e FT ..., no valor global de €30.825,18), e sem que a cessionária, aqui Autora/AA e BB, SA., tivesse posto em causa a ocorrência do invocado sinistro. O arrogado contra crédito foi constituído numa altura em que a cedente era a credora, sendo que esta posição ainda era ocupada por si. Assim, sendo, e como já adiantamos, o meio de defesa, nomeadamente, a compensação, que provém de facto anterior ao conhecimento da cessão, é oponível pelo devedor ao cessionário, factor, importando a extinção recíproca dos créditos. A cessão dos créditos incorporados nas consignadas facturas não se deu por mero efeito da celebração do contrato de factoring antes celebrado, mas antes pela aposição nas facturas, pela aderente, da menção de cessão, e subsequente apreciação e aprovação do crédito pelo factor. Tudo visto, aprovamos o entendimento vertido no acórdão recorrido ao consignar “Conforme estatui o art. 847º do C. Civil, no seu n.º 1, “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor”. A compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea de crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor. No ensinamento de Antunes Varela “logo que verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados para admitir a extinção das dívidas, compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se, quando assim é que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral)”. Os requisitos legais estão estabelecidos nos arts. 847º a 856º do Código Civil: - a existência de dois créditos recíprocos; - a exigibilidade do crédito do autor da compensação; - a fungibilidade e homogeneidade das prestações; - a não exclusão da compensação por lei; - a declaração da vontade de compensar. Finalmente, de acordo com o disposto no artº 847º, nº 2, Código Civil, se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. (…) na situação dos autos verificam-se todos os requisitos legais da invocada compensação do contra crédito da ré sobre a DD, nomeadamente os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 847º CC, tendo-se tornado efectiva a compensação com a notificação da contestação à autora, nos termos do artº 848º, nº 1, Código Civil. (…) Com efeito, a ocorrência do sinistro (em 11.11.2011) que fundamenta o contra crédito da ré sobre a cessionária do crédito à autora referente às facturas em causa (todas emitidas no ano de 2012), é anterior à cessão dos créditos incorporados nas facturas sobre as quais a Recorrente invoca a referida excepção e, consequentemente, anterior ao conhecimento por parte desta da cessão. É nos termos e cláusulas do contrato de factoring em causa e do DL n.º 171/95, de 18/07, que o regula, que se compreende que o contrato de factoring não torna o Factor imediata e automaticamente o cessionário dos futuros créditos da Aderente, operando-se a cessão de créditos, apenas e tão só, em relação às facturas que vão sendo emitidas após a celebração do contrato de factoring. Neste sentido, conforme decorre do facto provado n.º 5, com reporte para a cláusula 3ª das condições gerais do contrato de factoring em apreço, a Aderente, neste caso, a DD, ficou obrigada a submeter à apreciação do Factor, no caso, à aqui Recorrida, as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas das facturas ou documentos equivalentes, tendo, por seu turno, o Factor que proceder à apreciação dessas propostas, tomando uma decisão de aprovação ou de não aprovação, no prazo de 48h após a recepção de todas e cada uma das propostas. (…) a cessão dos créditos incorporados em todas e cada uma das facturas é uma operação que se inicia com o acto de aprovação das mesmas por parte do Factor e se conclui com o acto de aposição pelo Aderente, no caso, a DD, em cada uma delas (facturas) de menção expressa de que o seu pagamento deve ser efectuado ao Factor, no caso à Recorrida, que assume, então, e só então, a qualidade de cessionária dos créditos. Nestes termos, a cessão dos créditos incorporados em todas e cada uma das facturas só se concretizava ou materializava mediante ou através da aprovação do Factor (…)”. Apreciadas as conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Recorrente/Autora/AA e BB, SA., não reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da presente demanda, mantendo-se o acórdão sob escrutínio.
IV. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente a revista interposta, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido. Custas pela Recorrente/Autora/AA e BB, SA.. Notifique. Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Março de 2019
Oliveira Abreu (Relator) Ilídio Sacarrão Martins Nuno Pinto Oliveira
(A redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico) SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Código de Processo Civil) |