Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANA PAULA LOBO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ATIVIDADES PERIGOSAS JOGO ESCOLA CULPA ÓNUS DA PROVA PRESUNÇÃO DE CULPA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA ILISÃO DA PRESUNÇÃO CONSENTIMENTO DO LESADO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | O jogo das apanhadinhas, praticado no recreio da escola por crianças do 5.º ano de escolaridade, não preenche o conceito de exercício de actividade perigosa nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 493.º, n.º 2 do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Recorrentes: AA, BB, autores Recorridos: Pro-Educação, Sociedade de Ensino, L.dª Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., rés * I – Relatório I.1 – BB, por si e na qualidade de legal representante de seu filho menor, AA apresentou recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 13 de Março de 2025 que confirmou a sentença pelo no Juízo Central Cível de Braga - Juiz 4 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, julgou totalmente improcedente a acção. Os recorrentes apresentaram alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1. A questão que importa aferir é o regime estabelecido no artigo 493.°, n.° 2, o conceito de atividade perigosa e, se o mesmo se aplica ao caso concreto. Se no caso concreto, o "jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las", pode ser considerado uma atividade perigosa. 2. Ou melhor as atividades feitas por crianças nas escolas, como corridas, ainda que brincadeiras, como no presente caso, se enquadram como uma atividade perigosa. 3. Na ótica da recorrente, o regime imposto pelo artigo 493.°, n.° 2, do CC é aquele que se tem de impor no âmbito das atividades exercidas por crianças no âmbito escolar, quando estão em movimentos que não os normais. 4. No entender da Recorrente, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu a questão que lhe foi suscitada, não ao arrepio do entendimento uniforme da Jurisprudência, da Doutrina e da Lei, mas antes, suscetível de gerar controvérsia na jurisprudência, por limitar excessivamente, o regime de actividade perigosa, previsto no artigo 493., n.° 2 do CC, o que acaba por levar a uma errónea interpretação da Lei e daquilo que a norma visou proteger. 5. O facto de crianças, andarem a correr, dentro do ambiente escolar, aumenta significativamente o risco de se causarem danos, o que implica que este tipo de atividades, como o jogo das apanhadinhas, tenha de ser considerada uma atividade perigosa. Fora das salas de aulas, em horário escolar, quando estão com menos vigilância e suscetíveis de criarem mais perigos a eles e a terceiros. 6. Na ótica do aresto recorrido, o risco agravado, protegido pelos estatuído no artigo 493.°, n.° 2 do CC, não abarca as brincadeiras de crianças feitas em estabelecimentos de ensino. Ainda que, as mesmas envolvam corridas e apanhadinhas - "O referido exercício não envolvia um risco especialmente agravado para a saúde para as crianças envolvidas. " 7. Entende a recorrente que, não sendo as brincadeiras de crianças, em si mesmo, uma atividade perigosa - art 493°, n°2, do Código Civil, o mesmo já não se pode dizer se as mesmas envolverem movimentos imprevisíveis e fora da sala de aula, o que envolvia um risco especialmente agravado e exigia redobrada prudência e vigilância da ré 8. O regime previsto no artigo 493.°, n.° 2 do CC deve ser aplicado ao caso concreto e que, face ao número de casos similares que podem vir a surgir no nosso ordenamento jurídico, esta questão merece uma melhor aplicação de direito. 9. Dos autos resulta que os danos sofridos pelo AA são causa da queda ocorrida a brincar com outras crianças ao jogo das apanhadinhas no parque infantil da instituição de ensino, durante o recreio. 10. Andava no 5.° ano, nada se sabendo quanto ao tipo de movimentos que eram encetados, no caso concreto, pelas crianças no chamado jogo das apanhadinhas. Mas certo é que, envolvia corridas e toques. 11. Por outro lado, não resulta provado que o parque infantil não reunia as necessárias condições de segurança para a referida brincadeira, mas também não resulta provado o contrário. Que tinha todas as condições para as corridas das crianças. 12. A lei não define o que é uma atividade perigosa, nos termos em que a contempla no n.° 2 do artigo 493.° do Código Civil. 13. Limitando-se a fornecer ao intérprete uma diretiva genérica para sua identificação, apenas admitindo que ela possa derivar da própria natureza da atividade ou da natureza dos meios empregues, nem sendo viável um conceito que abarque todos os casos. 14. Há-de ser perante cada caso concreto, ponderando todas as circunstâncias e variáveis, que a atividade perigosa se definirá. Terá de ser considerada aquela que potencie o risco de danos. 15. Não são todas as atividades realizadas pelos alunos, dentro de um estabelecimento de ensino, capazes de serem integradoras na categoria de atividades perigosas. Mas já o devem ser, aquelas que realizadas por alunos, fora de aulas, mas dentro do horário letivo, e que envolvam corridas e movimentos inesperados. 16. Pelas caraterísticas das infraestruturas onde ocorreu o sinistro, o recreio, que não resulta que esteja adaptado à prática de "corridas", e pela própria conceção das atividade e natureza, as corridas e o toque, envolve uma especial aptidão produtora de danos. Até porque falamos de crianças. 17. As atividades realizadas por alunos, fora de aulas, mas dentro do horário letivo, e que envolvam corridas e movimentos inesperados, exigem um acompanhamento, auxílio e vigilância especiais por parte das auxiliares. 18. A mera existência de corridas no recreio, com crianças, aumenta significativamente o risco de quedas. 19. Vejamos o Douto Acórdão do STJ - Processo 092152 STJ - Sumário: Escola particular -Recreio - Danos causados a terceiro - Omissões - Negócio jurídico - Matrícula. O artigo 44.°, alínea e) do Decreto-Lei 553/80 de 21 de novembro, determina que compete à direcção pedagógica da escola particular "zelar pela educação e disciplina dos alunos". Zelar, nos termos referidos pela norma transcrita, envolve a respectiva vigilância, nomeadamente nos locais de recreio, onde ela mais se impõe. E, aí, necessária e notoriamente, mais frequente e previsível a ocorrência de acidentes, 20. Ao não considerar esta uma atividade perigosa, o douto Tribunal violou a ratio que protege a norma. O aumento de probabilidade de ocorrência de sinistros, como condão que nos orienta na aferição da atividade como perigosa, ou não. 21. Se existiu um aumento do risco de danos, como de facto ocorreu, sempre se terá de integrar a atividade do "jogo das apanhadinhas", como aquelas que envolvam movimentos bruscos no recreio, como uma atividade perigosa, enquadrável no regime previsto no artigo 493.°, n.° 2 do Cód. Civil. 22. Esta questão merece uma melhor apreciação, até porque as questões respeitantes à responsabilidade emergente de acidentes escolares, por a tal eventualidade estar constantemente exposta uma grande massa populacional constituída por crianças e jovens, revestem-se de evidente relevância social NESTES TERMOS E nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista Excepcional ser recebido, admitido e, em consequência, revogado o Douto Acórdão que ora se recorre e proferido novo Acórdão que condene a Recorrida / Colégio nos pedidos deduzidos na ação declarativa. Com a devida vénia se requer. Assim se fazendo a mais Sã, Serena c INTEIRA JUSTIÇA. Não foram apresentadas contra-alegações onde entende dever ser integralmente confirmado o acórdão recorrido. * I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso O recurso é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º do Código de Processo Civil dado que o acórdão recorrido convocou na sua decisão um fundamento não analisado pelo tribunal de 1.ª instância indicando não se estar perante o exercício de uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, deixando escrito: “o tipo de brincadeira em causa, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhar-se, tendo de fugir para não serem apanhadas – que é perfeitamente normal, comum e apropriado, tendo em conta a faixa etária das crianças nela participantes – não comporta em si uma especial aptidão para produzir danos, seja pela sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados. * I.3 – O objecto do recurso Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão: - Jogo das apanhadinhas como actividade perigosa. * I.4 - Os factos As instâncias consideraram provados os seguintes factos: A. A Autora BB é mãe do menor, AA, nascido a D/M/2009. B. A A. encontra-se divorciada, cabendo o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores do menor, que têm a guarda partilhada. C. A 1ª R. é uma Instituição de Ensino Particular com “Exploração de Estabelecimento de Ensino Pré-Escolar, Primário e Ciclo Preparatório”. D. A Escola/Colégio Leonardo da Vinci é um estabelecimento de ensino particular, integrado no designado regime de ensino particular e cooperativo, assim registado junto da então Direcção Regional de Educação de Braga, que é um Serviço do Ministério da Educação. E. A referida Escola/Colégio é formalmente titulada e gerida pela 1ª Ré, que é sua proprietária e também titular do seu alvará com o número AD 259, F. O menor AA frequentava o 5º ano de escolaridade no colégio explorado pela 1ª Ré, no ano lectivo de 2019/2020, tendo-lhe sido atribuído o número de aluno ..71, turma 5º.... G. No dia 16 de Dezembro de 2019, pelas 17 horas e 45 minutos, no Parque Infantil situado nas instalações do Colégio, no polo da Rua 1, em Braga, o menor brincava, juntamente com outras crianças, ao “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”. H. O menor AA saltou e quando caiu sentiu uma dor e já não se levantou. I. Foi chamado o INEM. J. Um os professores do colégio, professor de educação física, colocou-lhe uma tala na perna esquerda. K. A Escola rege-se, e regia-se à data dos factos em causa, além do mais, pelo regulamento interno. L. Prevendo-se, nomeadamente, que, «A Escola é obrigada a vigiar os alunos durante as aulas, intervalos, horas livres, durante a participação noutras actividades escolares, bem como 15 minutos antes do começo das aulas e 10 minutos depois de acabarem». M. O acidente em causa foi considerado pela Directora da Escola como acidente escolar. N. A escola não pagou aos progenitores as despesas que, em razão do acidente, lhe foram apresentadas. O. Não tendo pago os tratamentos e as consultas pelo SNS (Serviço Nacional Saúde) do Hospital de Braga. P. Não foram pagas as deslocações ao Hospital, quando os pais necessitaram para acompanhar o filho. Q. O menor AA além das actividades escolares desenvolvidas até às 15 horas de cada dia, praticava, após esta hora, actividades de tempos livres na escola. R. Para tanto, o menor AA estava inscrito na escola na valência de ATL –Actividades de Tempos Livres. S. O colégio recebe as crianças desde as 7h45 às 19h15. T. Deviam estar duas funcionárias a vigiar a recreio até às 18 horas; a partir das 18 horas devia estar uma funcionária. U. Após ter sido assistido no local, o AA foi transportado de ambulância (ou INEM) para o serviço de urgências do Hospital de Braga. V. Onde lhe realizaram os primeiros exames clínicos e radiológicos. W. Foi-lhe diagnosticada fractura cominutiva da diáfise dos ossos da perna esquerda com atingimento da placa de crescimento distal (SH tipo II). X. Foi imobilizado com tala gessada no SU e submetido a redução fechada da fractura e fixação percutânea com 2 parafusos canulados 4,5mm anteroposteriores na metáfise distal da tíbia e placa LPC por MIPO anteromedial. Y. No pós-operatório manteve edema marcado do MIE, tendo desenvolvido flictenas cutâneas na face anterior da perna, com evolução favorável com cuidados de penso e AINE. Feridas cirúrgicas com boa evolução. Z. Não pôde fazer carga no membro operado e teve de deambular com auxílio de canadianas. AA. Teve alta a 23-12-2019. BB. Teve nova admissão no Hospital de Braga a 22-12-2020, em regime de ambulatório, para EMOS de placa e parafusos. CC. Teve a última observação em consulta de ortopedia a 14-04-2021 "clinicamente muito bem. rx - alinhamento adequado. Fises aparentemente bem. vigilância anual." DD. Apresenta ligeira assimetria dos compartimentos dos membros inferiores, verificando-se que o membro inferior esquerdo é 8mm mais longo que o direito. EE. Deverá utilizar ortóteses plantares personalizadas. FF. Ficou incapacitado de brincar no recreio e fazer as actividades físicas, ginástica artística e educação física. GG. O menor AA regressou à escola em 06 Janeiro de 2020. HH. O menor utilizava umas canadianas para se movimentar até ao dia 20 de Fevereiro de 2020. II. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14/04/2021, tendo em conta os seguintes aspectos: o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efectuados e data da última consulta de Ortopedia no Hospital de Braga. JJ. Défice Funcional Temporário Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, que se terá situado entre 16/12/2019 e 23/12/2019, entre 22/12/2020 e 22/12/2020, é fixável num período de 9 dias. KK. O Défice Funcional Temporário Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitações, que se terá situado entre 24/12/2019 e 21/12/2020, entre 23/12/2020 e 14/04/2021, é fixável num período 477 dias. LL. A Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 16/12/2019 e 23/12/2019, entre 22/12/2020 e 22/12/2020, é fixável num período total de 9 dias. MM. A Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas actividades, ainda que com limitações, que se terá situado entre 24/12/2019 e 21/12/2020, entre 23/12/2020 e 14/04/2021, sé fixável num período total de 477 dias. NN. O Quantum doloris é fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados. OO. Foi atribuído um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos, pelas queixas de hipostesia referidas às áreas cicatriciais. PP. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente , tendo em conta as cicatrizes. QQ. As Dependências Permanentes de Ajudas são acompanhamento clínico em Consulta de Ortopedia, com periodicidade a definir pelo médico ortopedista. RR. As Ajudas técnicas são ortóteses plantares personalizadas, a definir por Podologista. SS. Entre a Ré contestante e a Ré Pro Educação Soc. Ensino, Lda., foi celebrado um contrato de seguro do ramo Acidentes Pessoais Grupo, titulado pela apólice nº .......31 com início às 00.00 horas de 29-04-2009 até às 24:00 horas de 28-04-2020 automática e anualmente renovável a partir desta data. TT. A Apólice em questão cobre o risco de seguro de escolas, desenvolvida pelo tomador e pessoa segura, Nº total de Pessoas Seguras: 352. UU. A Apólice do Seguro Ac. Pessoais Grupo, prevê apenas as coberturas por pessoa: MORTE POR ACIDENTE - limite de 5.000,00 €; INV.PERM. por ACIDENTE. - limite de 5.000,00 €, DESP.TRAT. ACIDENTE. - Limite 500,00 €. VV. O presente contrato de seguro garante os riscos de acidente de que possam ser vítimas alunos, inscritos no estabelecimento de ensino no Tomador de Seguro, em cada ano lectivo, exclusivamente em resultado da actividade escolar WW. A participação foi recebida por e-mail do mediador de 18.12.2019. XX. Em conformidade com o Artº 2º cobertura de Invalidez Permanente, alínea c) : “Em caso de Invalidez Permanente clinicamente constatada, na condição de que se comprove que a mesma foi consequência direta de Acidente coberto pela Apólice, a Allianz Portugal pagará a parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do Acidente. YY. Transcrevendo o que consta na mesma cobertura, todo o art 1º das Condições Particulares: “ b) O capital seguro desta cobertura relativo a cada Pessoa Segura é o indicado no Capítulo I da Parte I destas Condições, no Quadro de Coberturas ou, caso exista mais do que um grupo seguro, no quadro que respeita ao Grupo a que pertence. c) Em caso de Invalidez Permanente clinicamente constatada, na condição de que se comprove que a mesma foi consequência directa de Acidente coberto pela Apólice, a Allianz Portugal pagará a parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do Acidente. d) A indemnização relativa à Invalidez Permanente só é devida após reconhecimento médico formal dessa condição e atribuição do correspondente grau de desvalorização à Pessoa Segura. e) A atribuição do grau de desvalorização, efectuada de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de incapacidades Permanentes em Direito Civil, pressupõe a alta ou cura clínica da Pessoa Segura, ou seja, a situação em que as lesões resultantes do acidente se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada. ZZ. Dispõe o Artigo 2.º Exclusões Absolutas das Condições Particulares do Seguro de acidentes Pessoais de Grupo: “Sem prejuízo das exclusões mencionadas na Parte I destas Condições, ficam sempre excluídas da garantia do presente Contrato: 1. Quaisquer indemnizações por danos morais;” AAA. À hora do acidente, a maioria dos alunos que não tinha ainda saído da escola estava a frequentar actividades extracurriculares, aquelas chamadas de complemento curricular, como a ginástica artística, o futebol, a dança (2º, 3º e 4º anos e do 2º ciclo) e a catequese. BBB. Para além das crianças que aguardavam a aula de ginástica artística, a iniciar-se às 18:05 horas, estavam mais 5 ou 6 crianças no recreio. CCC. Estavam inscritas 12 crianças na aula de ginástica artística a iniciar às 18.05 horas DDD. Àquela hora, no recreio, a monitorizar, a supervisionar as crianças, estavam duas funcionárias: a D. CC e a D. DD. EEE. A D. DD inicia o seu trabalho no recreio pelas 15:30 horas até às 18:00 horas e a D. CC inicia às 16:30 horas até às 18:00 horas. FFF. O AA quando usava canadianas não podia transportar a mochila nem o material. GGG. Não podia fazer a sua higiene diária, como tomar banho sozinho. * Factos não provados: 1. O colégio tem uma trabalhadora/colaboradora a exercer as funções de vigilante do recreio. 2. Enquanto brincavam, um colega do AA tentou apanhá-lo e este apercebendo- se, saltou, mas o colega deu-lhe um pontapé enquanto o AA se encontrava no ar a saltar, 3. Sentiu um barulho no pé e caiu. 4. Com uma máscara de sofrimento não parou de chorar. 5. No recreio havia uma funcionária que nunca advertiu os meninos de eventuais perigos. 6. O menino que empurrou o AA foi advertido pela trabalhadora do colégio. 7. Na sequência do referido impulso (empurrão com violência e força) o menor AA veio a desequilibrar-se e caiu para o chão, sobre a sua perna esquerda. 8. O AA, perante o gesto irreflectido do colega, que lhe imprimiu mais velocidade (na brincadeira no recreio), ganhou mais rotação sobre a perna, não conseguiu segurar-se, tendo caído desamparado no chão e para o lado. 9. O AA sempre foi uma criança muito viva e saudável, antes do acidente. 10. Hoje está triste, falta de autoestima, tanto pelas nódoas das intervenções cirúrgicas dos tratamentos como pelas cicatrizes. 11. O Colégio, após o acidente, colocou mais uma funcionária para o dever de proteção e segurança dos alunos no recreio. 12. Antes havia uma liberdade de recreio muito alargada, agora é mais controlado, quer no espaço como nas brincadeiras dos menores. 13. Em consequência da descrita queda, o menor AA sofreu vários fraturas expostas. 14. Fracturou a tíbia e a perónio em três sítios. 15. Tem de usar um tacão no sapato esquerdo para compensação da dismetria, então diagnosticada, o que lhe causava grande desgosto. 16. Quando regressou à escola, teve de almoçar e lanchar na sala de aula, como não podia subir escadas, tiveram de mudar a sala de aula para o rés do chão. 17. Quando esteve internado teve a presença do pai e visitas diárias de 4 horas da mãe. 18. Altura em que esteve sujeito a tratamento ortopédico de tracção longitudinal da perna esquerda com 1,5 Kg e terapêutica analgésica e AINE. 19. Permaneceu durante 15 dias com a perna esquerda em tracção. 20. No dia 16 de Dezembro 2019 foi ao Bloco Operatório para lhe ser colocado Gesso PelviPodálico. 21. Ficou completamente engessado da cintura para baixo, tendo-lhe sido deixado apenas dois orifícios para fazer as necessidades fisiológicas. 22. Foi-lhe retirado o gesso pelvipodálico a 03 de Janeiro de 2020. 23. O menor apresenta actualmente as seguintes sequelas resultantes do acidente: a) Dismetria do membro inferior esquerdo de 0,2 cm; b) Atitude escoliótiaca do segmento toraco-lambar de convexividade esquerda. 24. O menor AA só voltou à escola em finais de Janeiro de 2020. 25. O pai é ... e a mãe .... 26. O menor faltou à festa de natal do Colégio de 2019, que não participou como não assistiu, por estar impedido. 27. O menor AA, quando retornou à escola, a partir de Janeiro de 2020, sentia-se inferior às demais crianças da sua idade, por se ver impossibilitado de participar activamente nas actividades lúdicas normais de uma criança da sua idade, designadamente jogar futebol com os amigos, ou outra actividade que implicasse estar durante determinado tempo de pé. 28. Ou deslocar-se em caminhadas mais longas; limitação esta que se manterá pela sua vida adiante. 29. Em virtude do trauma psicológico, vem manifestando constante pavor em deixar os pais para a sua guarda e cuidados de educação ser entregue a terceiros, com dificuldade de adaptação a este convívio necessário. 30. A A. trabalha por conta de outrem, como coordenadora comercial, auferindo um salário mensal de € 1.000 euros, com os quais têm de fazer face a todas as suas despesas e do seu filho. 31. Efectuaram os pais o pagamento (Colégio e material escolar) do ano lectivo de 2019/2020 de € 2.200,00 euros. 32. O pagamento de seguro do menor € 125,00 euros. 33. Pagamentos das refeições e aulas didácticas como ballet cifram-se no valor médio de € 550,00 euros. 34. Como (40) deslocações ao Hospital de Braga com custa de cada viagem de 25€ num total de € 500,00 euros para cada progenitor. 35. Estavam 10 alunos à espera da aula de ginástica artística. 36. As alunas EE e FF estavam no recreio. II – Fundamentação Jogo das apanhadinhas - actividade perigosa Como referido nas alegações de revista, pretendem os recorrentes que seja definido se, no caso concreto, o "jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las" pode ser considerada uma actividade perigosa. O acórdão recorrido sobre a questão aqui objecto de recurso indicou que: “Para a responsabilidade aquiliana deu-se execução à regra em matéria da repartição do ónus da prova estabelecida no art. 342º, n.º 1, do CC, segundo a qual ao “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. A lei consagra, porém, diversas presunções de culpa do responsável, que implicam uma inversão do ónus da prova (art. 350º, n.º 1, do CC), que passa a correr por conta do lesante. Apesar de as presunções serem genericamente ilidíveis (art. 350º, n.º 2, do CC), a verdade é que as dificuldades de prova neste domínio tornam, em caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de indemnização pelo lesado, levando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a função indemnizatória praticamente apague a função sancionatória . Entre outras presunções de culpa extracontratual , destacam-se (tendo em conta a situação particular objeto dos autos) a presunção de culpa relacionada com a omissão do dever de vigilância prevista e regulada no art. 491º (danos causados por incapazes naturais), bem como a que versa sobre o exercício de atividades perigosas, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, estabelecida no n.º 2 do art. 493º ambos do CC . Em ambos os casos, trata-se de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva. (…)Importa também dar nota da presunção de culpa relacionada com o exercício de atividades perigosas, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, prevista e regulada no n.º 2 do art. 493º do CC . Nos termos do citado preceito, “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”. Não se alterando o princípio base do art. 483º do CC, de que a responsabilidade depende de culpa, o normativo citado estabelece uma presunção legal “tantum juris” de culpa de quem cause danos no exercício de uma atividade perigosa, com a inerente inversão do ónus da prova, de acordo com o estatuído no art. 344º do CC, pois que ao lesante se passa a exigir a demonstração de que adoptou todos os cuidados (regras técnicas e deveres ditados pelas regras da experiência comum) que as concretas circunstâncias exigiam para evitar o dano. A lei não fornece uma noção do que deve entender-se por “actividade perigosa”, tratando-se de um conceito indeterminado que deve ser concretizado, casuisticamente, segundo as circunstâncias de cada caso, pelo que revestirão especial relevo na densificação daquele conceito legal os contributos fornecidos para doutrina e jurisprudência. Dito por outras palavras, não indicando a lei um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos da norma e também não fornecendo um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade – esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade (geradora dos danos), como a natureza dos meios utilizados pelo agente para a pôr em prática –, é “aceite que a perigosidade tem de ser apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base o critério valorativo ali fixado, ou melhor a «directriz genérica» indicada pelo legislador” . Serve de orientação a definição dada por Vaz Serra , segundo a qual devem ser consideradas perigosas as atividades que «criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades». Almeida Costa defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, «tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral». O que significa que a perigosidade de uma atividade deve aferir-se segundo as regras da experiência, pelo que será perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. Note-se que a perigosidade deve ser entendida objetivamente, deixando-se de lado meros temores pessoais de uma potencial vítima . A maior propensão pode resultar da elevada intensidade dos potenciais danos (critério qualitativo) ou da elevada probabilidade da sua verificação (critério quantitativo). O que determinará, assim, a qualificação de uma atividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados. Ao tratar do exercício das atividades perigosas, o legislador quis (apenas) referir-se àquelas operações profissionais que, pela sua especial perigosidade (como o transporte, o comércio e o armazenamento de combustíveis e inflamáveis, os trabalhos de pirotecnia, o fabrico e uso de explosivos, os tratamentos de raio x, o emprego dos raios Laser, o uso da broca no tratamentos de odontologia, a actividade de produção, transformação, condução e distribuição de energia elétrica, a construção de uma barragem, a condução de água para abastecimento público, etc.) requerem medidas especiais de prevenção . Por fim, o presumidamente culpado (o titular da actividade perigosa) pode liberar-se da responsabilidade instituída nesse normativo provando “que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de» prevenir a ocorrência dos danos causados. O regime do art. 493º, n.º 2, do CC, é mais gravoso para o lesante do que o das previsões dos arts. 491º, 492º e 493º, n.º 1, do CC, na medida em que, por um lado, não prevê a possibilidade de desoneração pela prova de que os danos se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua (excluindo-se a relevância negativa da causa virtual); e, por outro lado, “a prova liberatória imposta ao exercente de actividades perigosas requer a demonstração de que foram adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não se satisfazendo literalmente com a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que vinculavam o exercente” . (…)Face à factualidade apurada (e não apurada) constata-se desde logo não se verificar a previsão do estatuído no art. 491º do CC, porquanto – como bem se reconheceu na sentença recorrida – ficou por demonstrar que uma qualquer criança sobre a qual a 1ª Ré teria de exercer o dever de vigilância tenha causado um dano ao menor AA. (…)Conclui-se, por conseguinte que a actividade de recreio das crianças no jogo da “apanhadinha” na qual o menor participava quando ocorreu o acidente não se pode configurar, objectivamente, como uma actividade de especial perigosidade ou que envolva uma especial potencialidade para gerar danos. Também não foram alegados – tão pouco provados – factos evidenciadores de que o parque infantil onde se desenvolvia aquela brincadeira, ao nível da localização, implantação, conceção e organização funcional dos espaços de jogo e recreio, respetivo equipamento e superfícies de impacto, não reunia as necessárias condições de segurança, por a sua utilização poder colocar em perigo a saúde e segurança de utilizadores e de terceiros.”. Tal como analisado no ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2008, proferido no processo 08A867, acessível em www.dgsi.pt, a que nos reportamos pela sua simplicidade e clareza, “A perigosidade a que alude o art. 493º, nº 2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade, ou risco dessa actividade.” Assim, pese embora os lamentáveis danos sofridos pelo AA, danos que podem ocorrer em qualquer brincadeira entre crianças, o jogo das apanhadinhas tal como o conhecemos, e, encheram a infância de todos nós, não é uma actividade intrinsecamente perigosa seja pelas regras do jogo, seja pelos meios empregues na sua execução. Quanto aos meios do jogo, as crianças a brincar com utilização do seu próprio corpo, energia e alegria, em abstracto será das actividades menos perigosas que se conhecem situando-se no campo diametralmente oposto aos explosivos, às armas, às derrocadas, aos deslizamentos de terra, uso de engenhos de força muito superior ao ser humano e capazes de o destruir, à navegação aérea, marítima ou rodoviária. As regras são apenas: “corre, e, eu tento apanhar-te … e isso vai acabar a fazer-nos rir profundamente no meio de muito cansaço”. Na jurisprudência encontramos, por exemplo, no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 108/.7TVRM.l1.si., acessível em www.dgs.pt , a consideração do futebol, que envolve corrida de uns jogadores a tentarem apanhar outros e retirarem-lhes o domínio da bola, com todos os componentes do jogo das apanhadinhas, como actividade não perigosa, considerando que: “II - Na actividade desportiva, têm-se como potencialmente perigosos, os desportos praticados “atleta-contra-atleta” que, sendo particularmente agressivos, tem por objectivo provocar lesões ao adversário, bem como alguns desportos automobilísticos, aquáticos e praticados na neve, os quais, pela sua natureza ou pelas características dos meios empregues, revelam maior aptidão para causarem frequentemente lesões graves nos seus praticantes. III - O futebol é disputado entre duas equipas e tem como objectivo principal o jogo (sendo, porém, possível a ocorrência de lesões, devidas, em regra, à negligência na disputa da bola ou na sua projecção), não lhe estando associada qualquer ideia de particular perigosidade na sua prática (ainda que ocorra no âmbito federado) ou nos meios envolvidos. O contacto corporal é frequente e pode até envolver alguma violência ligada à competitividade que rodeia o jogo mas as lesões daí advenientes, desde que ligeiras e conquanto a sua causação não ultrapasse o limiar da mera culpa, são socialmente toleráveis. (…)No campo da actividade desportiva vêm-se considerando como potencialmente perigosos, entre outros, o boxe e as artes marciais, desportos praticados por “atleta-contra-atleta”, particularmente agressivos e que têm por objectivo causar lesões no adversário. O futebol integra os designados desportos “uns-contra-os-outros”, em duas equipas adversárias se confrontam. O seu objectivo principal é o jogo, embora no decurso do mesmo possam ocorrer, e ocorrem frequentes vezes, lesões devidas, por regra, a conduta negligente de um atleta da mesma equipa ou da equipa adversária na disputa pela posse da bola e, bem assim, na projecção desta durante as jogadas. O grau de perigosidade que lhe está associado não é, contudo, comparável ao inerente a actividades como os já referidos boxe e artes marciais, bem como a alguns desportos aquáticos, automobilísticos e praticados na neve, os quais pela sua natureza e pelos meios envolvidos revelam maior susceptibilidade ou aptidão para provocarem lesões de gravidade nos seus praticantes e mais frequentes do que sucede noutras modalidades desportivas (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 30.11.2004, proc. 04A3925, acessível em www.dgsi.stj.pt, que julgou a circulação de motas de água uma prática desportiva perigosa subsumível à previsão do artigo 493º nº 2 do Código Civil). Sendo um desporto que congrega o interesse generalizado quer de praticantes, quer de espectadores, o futebol constitui, culturalmente, uma actividade desportiva, que começa na meninice e se prolonga muitas vezes durante a juventude e a idade adulta, com um pendor puramente recreativo e sem que lhe esteja associada qualquer ideia de particular perigosidade tanto na sua prática, como nos meios que envolve, embora a possibilidade de contrair lesões não lhe seja alheia e estas possam atingir extremo nível de gravidade, como o revela o infortúnio do autor. A prática do futebol como desporto federado não lhe confere carácter de maior perigosidade, se bem que, como observa André Gonçalo Dias Pereira (“Responsabilidade Civil em Eventos Desportivos”, Dez Anos de Desporto & Direito, 2003 a 2013, Almedina, pág.124), «O facto de o desporto federado se encontrar melhor regulamentado, quer ao nível das exigências da medicina desportiva, quer ao nível da protecção dos seguros desportivos, passando pela existência de sistemas punitivos ligados à justiça desportiva, e à qualidade do equipamento utilizado, conduz-nos à necessidade de defender um campo de intervenção mais amplo para o direito civil relativamente ao desporto de mero recreio». Existe no futebol um modelo de interacção que, mesmo com respeito pelas regras pré-estabelecidas, envolve o contacto corporal frequente dos jogadores na disputa pela bola e até, como se dá nota no acórdão recorrido, alguma violência ligada à competitividade que rodeia o jogo, à velocidade e à força física que os jogadores imprimem durante o mesmo, o que é susceptível de causar lesões corporais. Não obstante, não se trata de modalidade desportiva dotada de perigosidade intrínseca em função da sua natureza e/ou dos meios nela utilizados, sendo até consideradas socialmente toleráveis lesões ligeiras, sob a forma de heterolesão, ocorridas durante os jogos desde que não seja ultrapassado o limiar da mera culpa. É certo que as lesões nem sempre são leves. São os casos de lesões graves como as que o recorrente infelizmente sofreu, de gravidade muito superior às que normalmente acontecem em desafios de futebol, que se revelam problemáticas. Contudo, a especial perigosidade a que a lei se refere não se afere pela gravidade da lesão do atleta ou jogador. Terá de resultar da verificação de um dos pressupostos enunciados no nº 2 do artigo 493º citado. E porque assim é, sufraga-se o acórdão recorrido no entendimento de que o futebol não constitui na acepção daquele normativo uma actividade perigosa, ficando afastada a aplicação da regra de inversão do ónus probatório nele consignada.”. No jogo das apanhadinhas existe, além disso um factor que sempre teria que ser tido em conta na sua classificação de actividade perigosa, que reside na circunstância de ser uma actividade muito benéfica, porventura mesmo imprescindível para o desenvolvimento psico-motor, social e cognitivo das crianças através do qual desenvolvem os seus músculos, os seus reflexos, a sua capacidade de definir estratégias, mas, também, as suas capacidades sociais de relacionamento com os seus pares, e, neste caso, praticadas ao ar livre, o seu contacto com o mundo exterior real separado dos ecrãs. Não que não possa causar danos, como infelizmente causou, e que os recintos onde ocorre não devam estar limpos, sem obstáculos perigosos, sem piso escorregadio, mas, por, ainda assim, se afigurar a prática de tal jogo quase como imperativo da promoção do desenvolvimento infantil saudável e equilibrado. As corridas das crianças no recreio aumentam naturalmente o risco de quedas, mas são muito mais saudáveis que se permanecerem sentadas a olhar para o telemóvel, o que lhes causa danos de postura, de visão, de desenvolvimento psico-motor, e, sobretudo de perda de contacto social com as demais crianças que estão no recreio, e, com o mundo real que as rodeia. Por último, apenas uma nota sobre o texto da conclusão XIX das alegações onde se refere um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que corresponde efectivamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 16-02-1995, no processo 0092152, relativo à presunção de culpa “in vigilando” e não à qualificação como perigosa da actividade aqui em causa, não sendo aquela objecto do presente recurso. Nele se refere que no recreio é necessária e notoriamente, mais frequente e previsível a ocorrência de acidentes, mas nada acrescenta sobre a qualificação como actividade perigosa a prática do Jogo das apanhadinhas entre crianças de níveis etários similares. Acompanhamos, pelos fundamentos expostos, a decisão proferida pelo tribunal recorrido o que impõe a respectiva confirmação. *** III – Deliberação Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, e confirmar o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. * Lisboa, 6 de Novembro de 2025 Ana Paula Lobo (relatora) Maria da Graça Trigo Fernando Baptista de Oliveira |