Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | TAXA DE JUSTIÇA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL RECLAMAÇÃO DA CONTA EXTEMPORANEIDADE | ||
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Data do Acordão: | 02/28/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O PROVIMENTO E O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS / CUSTAS NO PEDIDO CÍVEL / DISPOSIÇÕES SUBSIDIÁRIAS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÕES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - E-book, Custas processuais, 4.ª ed., Lisboa: CEJ, 2016 (última actualização de jan. 2017), p. 110; - Salvador da Costa, As custas processuais (análise e comentário), 6.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 134 e 135. in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_guia_pratico_das_custas_processuais_4edicao.pdf. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 523.º E 524.º. REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGO 6.º, N.º 7. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 527.º, N.º 1 E 616.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 669/10.8TBGRD-B.C1. S1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - DE 04-10-2016, ACÓRDÃO N.º 527/16, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT. | ||
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Sumário : | I - Nos termos do art. 523.º, do CPP, a responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil, sendo "subsidiariamente aplicável o disposto no RCP " (art. 524.º, do CPP). II - A decisão sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, deve ter lugar com a decisão que julgue a ação, incidente ou recurso e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1, do CPC, apenas podendo ocorrer posteriormente nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas (cf. art. 616.º do CP C), mas sempre antes da elaboração da conta. III - É extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado somente após a elaboração e notificação da conta de custas, já depois de homologada a desistência parcial do pedido de indemnização civil e de, no mesmo despacho, ter sido proferida decisão quanto às custas do pedido cível, sem que o recorrente tenha interposto qualquer recurso deste despacho nem ter requerido a sua reforma quanto a custas, nos termos do art. 6.°, n.º 7, do RCP. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. Nestes autos, a assistente/demandante AA veio, ao abrigo do art. 31.º, do Regulamento das Custas Processuais, requerer a reforma da conta, com base no pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça. O Tribunal da Relação de ..., a 04.06.2018, decidiu que “o requerimento em causa [se mostrava] extemporâneo, uma vez que só foi apresentado após a elaboração e notificação da conta de custas, razão pela qual se mostra prejudicado o conhecimento dos pressupostos da requerida dispensa” (cf. fls. 3561-4). 2. Inconformada com esta decisão, a assistente recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos arts. 411.º, n.º 1, al. a), 401.º, n.º 1, als. b) e c), 399.º, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. b), e 408.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal (CPP), apresentando as seguintes conclusões: «1. No despacho de que se recorre cometeram-se erros na aplicação da matéria de direito. 2. A aplicação das regras relativas às custas no caso concreto conduz a um resultado em que é manifesta a desproporcionalidade entre a atividade jurisprudencial desenvolvida e a taxa de justiça a cobrar, o que é violador de princípios estruturantes da Ordem Jurídica, como sendo o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proporcionalidade. 3. Só após a elaboração da conta final é que, na maior parte das vezes, as partes ficam plenamente conscientes da desproporcionalidade da taxa de justiça, pois, é a conta final que revela efetivamente esse excesso, pelo que, também por esta razão, não é aceitável exigir-se que a parte tenha de requerer a referida dispensa antes de saber o quantitativo das custas que serão colocadas a seu cargo, na medida em que, apesar de efetivamente na sentença ser feita referência às custas, não se poderá esquecer que, tal como é prática judiciária, o tribunal limitou-se a definir quem era o responsável pelo seu pagamento, sem atender aos específicos aspetos, como por exemplo, a concreta dimensão quantitativa dessa responsabilidade. 4. A possibilidade de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na reclamação da conta, além de não implicar qualquer alteração quanto à atribuição da responsabilidade pelo pagamento das custas, favorece ambas as partes, uma vez que, o valor da causa, para efeitos de custas, sofre uma limitação. 5. O artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais, ao preceituar que o juiz mandará reformar a conta se ela não estiver de harmonia com as disposições legais, aponta no sentido de poderem servir de fundamento à reclamação, além dos erros materiais, outras questões, sem embargo de se deverem ter seguramente por excluídas as relativas à definição da responsabilidade pelas custas, pois, essas tiveram de ficar decididas em momento anterior, pelo que, dúvidas não existem de que efetivamente a reclamação da conta é um dos meios processuais adequados para a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 6. O entendimento do tribunal “a quo” segundo o qual, a omissão da sentença quanto à dispensa excecional e a falta de pedido de dispensa por iniciativa da parte no âmbito da reforma da sentença faz precludir a possibilidade de aplicação do regime previsto no artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, é excessivo, pois, tendo em conta os princípios da lealdade e da cooperação processuais, afigura-se de toda a razoabilidade que seja reconhecida à parte responsável pelo pagamento das custas a possibilidade de suscitar, em sede de reclamação da conta, a discussão sobre a exata quantificação da sua responsabilidade, já que, só nessa conta se procede a tal quantificação. 7. Ao decidir como decidiu, o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais. 8. O tribunal “a quo” interpretou e aplicou o artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, no sentido de só poderem servir de fundamento à reclamação a existência de erros materiais, quando, deveria tê-lo interpretado, e, consequentemente, aplicado, no seguinte sentido: além dos erros materiais, outras questões, nomeadamente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça podem servir de fundamento à reclamação. 9. Atentos os argumentos expostos, e sendo certo que o Ministério Público se pronunciou no sentido de nada ter a opor quanto à reclamação apresentada pela assistente, deverá ser declarada a anulação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que proceda à apreciação do requerimento de reclamação da conta e da pretensão nela ínsita de aplicação da dispensa excecional, prevista no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais. TERMOS EM QUE, e nos demais de direito que V. Exas. douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser anulado o despacho de que se recorre, e, em consequência ser substituído por outro que proceda à apreciação do requerimento de reclamação». 3. A Senhora Procuradora Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães respondeu afirmando que “[a]pós melhor análise da questão, aderimos ao entendimento da jurisprudência maioritária sobre ela, e consequentemente remetemo-nos para a fundamentação constante da decisão recorrida”, concluindo que o “o recurso interposto deverá ser julgado improcedente”. 4. Respondeu o arguido tendo concluído que: «1) A reclamação do acto de contagem não constitui meio idóneo de suscitar a questão da existência de pressupostos da dispensa do pagamento do aludido remanescente; 2) É extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas; 3) Acaso a Assistente considerasse que havia fundamento para ser dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, deveria ter requerido a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas seguintes fases processuais: reforma do acórdão que julgou a ação ou no recurso do acórdão no segmento em que condenou em custas; 4) Pois que pelo menos imediatamente após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação; 5) Apesar de não se ter expressamente pronunciado pela não verificação dos pressupostos a que alude o art. 6º/7 do RCP, ambas as instâncias deixaram antever que consideraram a causa complexa, porque assim justificou expressamente o Venerando Tribunal da Relação de ... a (pesada) tributação do arguido nas custas criminais, 6 UCS – “atenta a complexidade da causa” - e o Supremo Tribunal de Justiça, implicitamente, ao condenar o arguido pelo valor máximo da moldura abstracta prevista nas tabelas legais – 10 UCS; 6) A decisão que assim venha a ser proferida, em nada afeta a lógica da justiça distributiva, porquanto a taxa de justiça aplicada em função do valor da acção é mera consequência do valor que a própria Assistente atribuiu ao pedido cível que formulou, só se podendo a mesma queixar de si própria, por não ter sabido adequar o valor do pedido ao dano efectivo que sofreu, não tendo ponderado as consequências do decaimento inevitável, atento o valor exorbitante e manifestamente desproporcionado que ela própria atribuiu ao pedido cível que formulou. Termos em que, sem mais, se pugna pela improcedência do recurso interposto, com a consequente manutenção do decidido pelo Tribunal recorrido.» 5. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça proferiu parecer no sentido de “o recurso dever ser julgado improcedente”. 6. Notificado o arguido deste parecer, nada disse. 7. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.
II Fundamentação 1. Factualidade considerada relevante pela decisão recorrida: « -A assistente/demandante deduziu pedido de indemnização civil[1], pedindo a condenação do arguido/demandado no pagamento da quantia de € 751 710,50, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais; - Foi proferido acórdão no qual o pedido foi julgado parcialmente procedente e o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia de € 5 000,00, acrescida de juros demora, contados desde a sua data e até efectivo pagamento; - Foram condenados nas custas a parte cível demandante e demandado, na proporção do respectivo decaimento; - Posteriormente à publicação do acórdão, veio a assistente desistir parcialmente do pedido de indemnização civil, requerendo que o mesmo fosse fixado em € 5 000,00; - Por despacho de fls.3007 foi homologada a desistência parcial do pedido e julgado extinto o direito que a assistente/demandada pretendia fazer valer relativamente à quantia excedente a € 5 000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do arguido/demandado até efectivo e integral pagamento e aquela condenada nas custas proporcionais à parte de que desistiu, nos termos do artº537º do C.P.PC., ex vi do artº523º do C.P.P.; - Deste despacho não foi interposto recurso nem a assistente requereu a sua reforma quanto a custas ou a aplicação do artº7º, nº6 do RCP; - Nem o acórdão proferido por esta Relação nem o acórdão do STJ se pronunciaram sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça; - Após o trânsito em julgado do acórdão, na sequência de recurso interposto para o STJ pelo arguido, foi elaborada a conta de custas na qual se imputou à assistente o montante de € 6 120,00.»
B. Matéria de direito 1. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente aquando da interposição do recurso, pelo que cumpre decidir se: - o requerimento para reforma da conta, baseada no pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, apresentado após elaboração e notificação da conta de custas, é ou não extemporâneo, e - se há lugar, ou não, à dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente. 2. Quanto ao primeiro aspeto a analisar, quer o Supremo Tribunal de Justiça quer o Tribunal Constitucional já se pronunciaram. 2.1. Por acórdão de 04.10.2016, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 527/16[2] (Relator: Cons. José Teles Pereira), decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”, porquanto: “o artigo 6.º, n.º 1, do RCP, enuncia, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada ‘em função do valor e complexidade da causa’, por referência a uma tabela, como já́ acontecia no regime anterior. Mas, inovatoriamente, a fixação da taxa de justiça passou a ter como fator de majoração do montante da taxa de justiça a complexidade da causa, podendo o juiz ‘determinar, a final, a aplicação dos valores [agravados] de taxa de justiça constantes da tabela I-C (...) às ações e recursos que revelem especial complexidade’, por conterem ‘articulados ou alegacões prolixas’, dizerem respeito a ‘questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso’ ou implicarem ‘a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas’ (artigos 6.º, n.º 5, do RCP, e 530.º, n.º 7, do CPC). Com o RCP, o legislador consagrou, assim, um ‘sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especial e particularmente complexos’ (cfr. SALVADOR da COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2012, 4.ª edição, p. 231). (…) [E] nas palavras do Acórdão n.º 361/2015): “[N]ão impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado. Sem postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais. (...) O indeferimento do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (...) assentou, apenas, (...) na circunstância de ter sido considerada extemporânea a sua suscitação após a elaboração da conta de custas. O eixo da discussão centra-se, assim, no efeito preclusivo daquela pretensão associado ao momento da elaboração da conta, tratando-se, agora, de saber se estamos perante um ónus processual proporcionado e compatível com um processo justo, apto a proporcionar a tutela efetiva dos direitos das partes que a ele recorrem. (...) [C]omo vem realçado no Acórdão n.º 442/2015: “O artigo 20.º da Constituição garante o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4). (...) Trata-se, em suma, de verificar se o ónus imposto à parte – ou seja, aqui, apresentar o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP – revela adequação funcional e respeito pela regra da proporcionalidade, uma vez que resultam “[...] constitucionalmente censuráveis os obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de modo desproporcionado, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva [...]” (Acórdão n.º 774/2014). O requisito da adequação funcional visa, precisamente, evitar a imposição de exigências puramente formais, impostas arbitrariamente e destituídas de qualquer sentido útil e razoável (Acórdão n.º 275/1999; no mesmo sentido, v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 440). Para além dos aspetos assinalados, deve ponderar-se, ainda, se existem correntes jurisprudenciais que suportem a interpretação em causa, na medida em que “[...] não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar” (Acórdão n.º 442/2015). 2.2.3. É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito momento da elaboração da conta. Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão. Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual. Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal. Não se trata, ao contrário do que a Recorrente alega, de um resultado implícito, “não discernível” a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito (“[...] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se...”) – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo. (…) 2.2.4. Cumpre referir, ainda, que – tal como a decisão recorrida evidencia – pese embora a discussão que vinha sendo mantida na jurisprudência, a interpretação em causa já havia sido afirmada em outras decisões, pelo que a Autora, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais, podia e devia ter contado com a interpretação afirmada pelo tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação. Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Assim, a interpretação normativa questionada pela Recorrente não traduz qualquer “ónus processual oculto” ou (nas suas palavras) uma “armadilha processual” com a qual a parte não podia contar. 2.3. As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso.” 2.2. Nesta mesma linha de entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 13.07.2017, no âmbito do processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1. S1[3] (relator: Cons. Lopes do Rego), quanto à “questão da admissibilidade/tempestividade da formulação do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça em incidente de reclamação da conta de custas” decidiu que: “Não nos parece, na verdade, que a recorrente não tenha tido oportunidade processual para, antes da feitura e notificação da conta de custas, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça: na verdade, importa salientar que esta dispensa decorre necessariamente de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que o julgador considerou que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não estão verificados - sendo, neste contexto, consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não irá contemplar seguramente essa dispensa: implica isto que o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente da taxa de justiça deverá ser exercitado durante o processo, ou seja, no caso, nomeadamente, mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere, sem excepções ou limitações, à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para, só́ então, reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa... É que o incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil - instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objecções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática).” E concluiu pela intempestividade do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. 2.3. Nos termos do art. 523.º, do CPP, [a] responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil”, sendo “subsidiariamente aplicável o disposto no Regulamento das Custas Processuais” (art. 524.º, do CPP), pelo que tudo o exposto até aqui vale igualmente para a situação sob apreciação nestes autos. Ora, o disposto no art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais determina que o remanescente deve ser considerado, a final, na conta, o que significa que “aquela conta é realizada, por referência ao vencido e ao vencedor, depois do trânsito em julgado da decisão final”, sendo certo que “é na sentença ou no acórdão final que o juiz ou o colectivo dos juízes, conforme os casos, verificados os mencionados pressupostos, deve declarar a mencionada dispensa “[4]. Ora, “verificados aqueles pressupostos, a não dispensa de pagamento daquele remanescente justifica o pedido das partes de reforma da sentença ou do acórdão, nos termos do art. 616.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, extensivamente interpretado. (...) A reclamação do ato de contagem não constitui meio idóneo de suscitar a questão da existência de pressupostos da dispensa de pagamento do aludido remanescente, porque se traduz na concretização do decidido a propósito das custas “lato sensu””[5]. Ou seja, “[a] decisão sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, deve ter lugar com a decisão que julgue a ação, incidente ou recurso e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, apenas podendo ocorrer posteriormente nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas (cf. artigo 616.º do CPC), mas sempre antes da elaboração da conta.”[6] Todavia, nem o acórdão do Tribunal da Relação, nem o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, se pronunciaram sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. Na verdade, nos presentes autos, já depois de homologada a desistência parcial do pedido de indemnização civil e, no mesmo despacho, ter sido proferida decisão quanto às custas do pedido cível, e depois de não ter sido interposto qualquer recurso deste despacho nem ter sido requerida a reforma quanto a custas, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, é que veio a assistente requerer a reforma da conta, quando antes mesmo da elaboração da conta tinha os elementos necessários para poder suscitar o pedido de dispensa de pagamento do remanescente. Assim sendo, concluímos que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente foi extemporaneamente apresentado, por o ter sido somente após a elaboração e notificação da conta de custas. Pelo que, improcede o recurso interposto. Ficam prejudicadas as demais questões colocadas.
III Nos termos expostos acordam, em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao recurso interposto pela assistente AA.Conclusão A recorrente vai condenado pagar as custas, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça (cf. art. 513.º, n.º 1, do CPP). --------------------- |