Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
669/10.8TBGRD-B.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CUSTAS
DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
OPORTUNIDADE DE SUSCITAÇÃO
INCIDENTE DE RECLAMAÇÃO DA CONTA
ÂMBITO
RECORRIBILIDADE PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACESSO AO DIREITO
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
CUSTAS PROCESSUAIS - TAXA DE JUSTIÇA - CONTA DE CUSTAS / RECLAMAÇÃO DA CONTA / RECURSO DA DECISÃO DA RECLAMAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, AL. D).
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 6.º, N.º 7, 31.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 527/16, EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT ..
Sumário :
I. Face à norma limitativa do art. 31º, nº6, do RCP, das decisões proferidas no âmbito do incidente de reclamação da conta de custas apenas cabe um grau de recurso – admitindo-se, porém, o acesso ao STJ nos casos em que o recurso é sempre admissível, nos termos do art. 629º do CPC.

II. O objecto do recurso fundado na al. d) do nº2 do art. 629º do CPC está circunscrito ao preciso tema acerca do qual se verifica o apontado conflito jurisprudencial – não podendo abordar-se numa revista com esse específico fundamento outras questões, mesmo que enunciadas pelo recorrente ao longo da sua alegação.

III. A dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6º, nº7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que ao pressupostos de que dependeria tal dispensa não se consideraram verificados, sendo consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não contemplará seguramente essa dispensa:

IV. O direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser, por isso, exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa: na verdade, tal incidente destina se a reformar a conta que “não estiver de harmonia com as disposições legais” (art.º 31º nº 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.º 30º nº 3.

V. Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



  1. Na acção, com processo ordinário, interposta pela A. AA - Indústria, S.A. contra a R. BB Portugal, S.A. foi proferida sentença em que se julgou improcedente o pedido e parcialmente procedente a reconvenção, condenando a A. a pagar à R. o montante de €120.649,14, decidindo-se que as custas da acção são pela A. e as da reconvenção por A. e R., na proporção dos respectivos decaimentos.

   Tal decisão foi confirmada pela Relação, não sendo admitida a revista dirigida ao STJ.

- Remetidos os autos à 1ª Instância, foi elaborada a conta, tendo-se notificado a mesma - que apresentava um total de € 186.891,73 a pagar pela Ré “BB Portugal, S.A.”, a título de remanescente de taxa de justiça - nos termos do artº 31º do Regulamento das Custas Processuais (RCP);

   Notificada da conta de custas, veio a Ré, invocando o disposto no artº 31º, nº 2, do RCJ, requerer a “reforma da conta de custas”, sustentando que não lhe podia ser exigido o referido remanescente e que, mesmo que assim não fosse, sempre estariam reunidos os pressupostos do artº 6º, nº 7, do mencionado Regulamento.

   Terminou requerendo que se desse sem efeito a conta, na parte em que se lhe solicita o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou, subsidiariamente, que se dispensasse ad parte do pagamento desse remanescente, nos termos conjugados do disposto nos artº 6º, nº 7 e 14º, nº 9, do referido Regulamento, requerendo, em qualquer caso, que a obrigação desse pagamento ficasse suspensa até que fosse proferida decisão quanto à matéria em causa.

    Depois de ouvido o funcionário contador, que lançou informação no sentido de que, na elaboração da conta, foi tido em consideração o disposto no artº 530, nº 2 do (novo) CPC e no artº 6 do RCP, o Ministério Público emitiu parecer em que pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada pela Ré, tendo esta apresentado requerimento a rebater esta posição.

    Por despacho de 12 de Fevereiro de 2016, decidiu o juiz, depois de afirmar a responsabilidade da Ré pelo remanescente da taxa de justiça, indeferir a requerida dispensa de pagamento desse remanescente.


  A Ré, inconformada, apelou, tendo a Relação, no acórdão recorrido, negado provimento ao recurso (com declaração de voto), embora com fundamento diverso do que levara a 1ª instância a rejeitar a reclamação da conta de custas.

   O acórdão recorrido seguiu a seguinte fundamentação, como suporte da decisão que proferiu:

Assim, o que importa solucionar, como já acima se afirmou, é a questão de saber se a Ré, Apelante, é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça que foi incluída na conta de custas elaborada na 1ª Instância, e, em caso de resposta afirmativa, se lhe pode ser deferida a dispensa que, subsidiariamente, requereu, invocando o disposto nos artºs 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP, importando, finalmente, emitir pronúncia quanto à inconstitucionalidade que a Apelante refere.

- Como se viu, na sentença da 1ª Instância, que acabou por ser confirmada pelo Acórdão desta Relação, de 17/12/2014 - já que o objecto do recurso interposto deste Acórdão não foi conhecido pelo STJ -, colocou as custas da acção a cargo da Autora, e, quanto à reconvenção, uma vez que esta procedeu parcialmente, colocou as custas a cargo da Autora e da Ré “na proporção dos seus decaimentos.”, o que traduz o cumprimento do preceituado no nº 6 do artº 607º, do NCPC, quando aí se diz “No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.”

Vejamos.

De acordo com o Artº 529.º (art.º 447.º CPC 1961), do NCPC, “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (nº 1), sendo que a “…taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.” (nº 2). 

O artº 530.º do mesmo código (art.º 447.º-A CPC 1961), preceitua no respectivo nº 1: “A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.”.

Mais se consigna nesse artigo (nº 7) que “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Compreendendo, as custas de parte, entre o mais, as despesas de taxa de justiça pagas (nº 2 a), do artº 533.º do NCPC (art.º 447.º-D, do CPC 1961), estabelece o nº 1 desse artº 533º que “Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.”.

O RCP, por sua vez, consignando que as custas processuais abrangem “a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (artº 3º, nº 1), dispõe no nº 1 do seu artº 6º: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.”.

No nº 7 desse artº 6º consigna-se: “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”.

O Artº 11º do RCP estabelece: “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.”.

Inserido na SECÇÃO III, epigrafada “Responsabilidade e pagamento”, o artº 14º do RCP, depois de estabelecer, no respectivo nº 1, a regra de que “O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito…”, dispõe no seu nº 9: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”.

A primeira questão a tratar é a de saber se a Apelante é, independentemente de qualquer dispensa, responsável pelo pagamento do remanescente, tendo em conta as disposições acima referidas e, em especial o disposto nos artºs 6º, nº 7 e 14º, nº 9, do RCP.

A Apelante defende a resposta negativa a esta questão e alicerça-a, essencialmente, na circunstância de entender não ter sido responsável pelo impulso processual, no sentido em que não foi ela “…que deu causa à ação, nem sequer recorreu da decisão”.

A este propósito considerou o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” no despacho recorrido : «[…] o n.º 9, do artigo 14º, do Regulamento das Custas Processuais, constitui  um desvio ao disposto naquele n.º 6 do artigo 7º, pois se a parte devedora do remanescente da taxa de justiça não for condenada na sentença final, deve ser notificada a fim de proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta no prazo de dez dias, correspondendo o remanescente, conforme prescrito no fim da tabela I, ao acréscimo do valor da taxa de justiça de três unidades de conta no caso da sua coluna A, de uma e meia unidade de conta na hipótese da coluna B, e de quatro unidades de conta na situação da coluna C, em qualquer caso relativamente a cada vertente de valor da causa equivalente a € 25.000 ou fracção.

Este normativo refere-se especificamente “ao caso de o responsável pelo pagamento do referido remanescente da taxa de justiça não ter sido condenado a final e, por isso, não haver lugar a ato de contagem de custas da sua responsabilidade” e é “nessa situação que o devedor do remanescente da taxa de justiça deve ser notificado pela secretaria para proceder ao seu pagamento no decêndio posterior à notificação da decisão que ponha termo se o juiz não dispensar”, como é o caso, quanto ao vencido, pelo que o remanescente deve ser considerado na conta final, como sucedeu, não tendo razão a reclamante quando refere que “como apresentou reconvenção no valor de 149.670,37 euros, deve considerar-se como não aplicável o artigo 14º, n.º 7, do regulamento das Custas Judiciais porque a ré apenas poderia ser condenada a pagar taxa de justiça limitada ao acto cujo impulso é da sua responsabilidade”.

Na verdade, o citado n.º 7º do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, visa atenuar antes do termo da causa a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas acções de mais valor e está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I (já mencionada atrás): O referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final, não só para o vencido mas também para o vencedor porque também é devedor.

Pelo exposto, a ré é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça da acção apresentada pela autora.[…]».

Versando esta matéria, escreve-se no “Guia Prático das Custas Processuais” , com colaboração e revisão científica do Exmo. Sr. Conselheiro Jubilado, Salvador da Costa: «[…] Há situações em que o valor da taxa de justiça é, ab initio, variável, sendo provável que a taxa devida a final não coincida com o montante que foi inicialmente pago.

Estão nesta situação, por um lado, os incidentes/procedimentos anómalos e outros incidentes e procedimentos previstos na Tabela II e, por outro lado, as ações declarativas de valor superior a 275.000,00€ (linha 13 da Tabela I).

No primeiro caso (Tabela II), a taxa de justiça é autoliquidada pelo valor mínimo (ex. se fixada entre 1 a 3 UCS, paga uma UC), sem prejuízo de, a final, o valor da taxa poder ser ampliado até aos limites máximos previstos na Tabela II, devendo a parte pagar o excedente - artigo 6.º, n.º 6, do RCP.

Portanto, o pagamento desse excedente apenas é devido se o juiz decidir, a final, dentro dos limites máximos constantes da Tabela II, a fixação da taxa de justiça devida em valor superior ao mínimo já pago, não bastando uma decisão de condenação no pagamento das custas do incidente ou procedimento (por exemplo, “Custas a cargo do requerido”).

No segundo caso (Tabela I), os sujeitos processuais pagarão inicialmente o valor correspondente a uma ação de valor entre 250.000€ e 275.000€, mas o juiz poderá dispensar o pagamento do remanescente, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tendo em vista, além do mais, os critérios constantes do n.º 7 do artigo 530.º do CPC - artigo 6.º, n.º 7, do RCP.

A final, tendo em conta que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual, no caso de haver apenas uma parte responsável por custas, esta pagará o remanescente de taxa de justiça através da imputação do valor remanescente na conta de custas. Portanto, a taxa de justiça remanescente é incluída na conta.

O n.º 7 do artigo 6.º deve ser conjugado com o disposto no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, nos casos em que a parte responsável pelo impulso processual não seja condenada a final.

Uma vez que não será elaborada conta da sua responsabilidade, deverá a Secretaria, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, proceder à notificação daquela parte para pagar o remanescente devido. Efetuado esse pagamento, poderá a parte, no prazo de 5 dias, exigir o seu reembolso através de custas de parte.

Caso ambas as partes sejam responsáveis em virtude de ter havido decaimento (sucumbência) de cada uma, será elaborada uma conta para cada uma, na qual se imputará o valor referente ao remanescente, independentemente da proporção do decaimento, tendo em conta que o acerto dos valores será feito através do instituto de custas de parte previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e nos artigos 30.º a 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04. […]».

Ora, concordando, em absoluto com o entendimento que se acaba de expor, o mesmo permite-nos afirmar a responsabilidade da Ré pelo pagamento do remanescente que lhe foi exigido.

A Apelante, salvo o devido respeito, confunde os conceitos quando diz: “O Art. 14.º, n.º 9 do RCP não pode ser interpretado no sentido de admitir a condenação do Réu ou do Autor reconvindo que tendo vencido a acção a que não deu causa é, ainda assim, condenado no pagamento de custas processuais (que, repete-se, uma vez mais não deu causa) apenas pelo facto de ter tido de contestar a acção que injustificadamente lhe era movida.”.

É que na verdade, não houve condenação nenhuma da Ré em custas processuais a não ser as atinentes à reconvenção que deduziu e na proporção do respectivo decaimento, resultando, a obrigação pagamento do remanescente que está em causa, da conjugação dos factores que já acima aludimos.

Vejamos.

A Ré, como não é entidade isenta de custas, nem beneficia de apoio judiciário, ao deduzir contestação - em que reconveio -, como é responsável por esse impulso processual, tem de pagar taxa de justiça, como flui do artº 529º, nº 2 do NCPC e do artº 6º, nº 1, do RCP - atente-se nas expressões “impulso processual de cada interveniente” e “impulso processual do interessado”, que constam de cada uma destas normas.

O que sucede é que a lei, no que respeita às causas de valor superior a (euro) 275000, não exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, dispensando, temporariamente, o pagamento da taxa que corresponde ao montante que excede os € 275000, mas, como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar, será depois exigido nos termos e condições que acima se referiram, incluindo, pois, nos termos sobreditos, à parte vencedora.

Como a Ré foi condenada em custas, sendo responsável em virtude do seu parcial decaimento, havendo que formular uma conta relativamente a ela, nessa conta deve ser imputado o valor referente ao remanescente, “independentemente da proporção do decaimento”.

Caso nenhuma responsabilidade por custas fosse imputada à Ré, então, porque não haveria conta a elaborar quanto a ela, é que seria de chamar à colação o nº 9 do artº 14º do RCP, já que se justificava uma notificação autónoma, para que, no prazo de dez dias, a contar da notificação da decisão que tivesse posto termo ao processo, pagasse o referido remanescente.

De toda a maneira, como se vê, mesmo nessa hipótese, teria a Ré de pagar o remanescente, a não ser que, notificada nos termos no referido artº 14º, nº 9, viesse requer a dispensa desse pagamento e a mesma lhe fosse concedida.

E foi este entendimento que seguiu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 09 de Março de 2016 (proc. nº 0223/14, da 2ª Secção), onde se pode ler: «[…] Como salienta Salvador da Costa in anotação ao artigo 14 do RCP - Almedina 5.ª edição pp 265 “o normativo em causa refere-se especificamente ao caso de o responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça não ter sido condenado a final e por isso não haver lugar ao acto de contagem de custas da sua responsabilidade.

E tal só não ocorrerá se o vencido for dispensado desse pagamento o que não foi o caso.[…]».

Não se vê nada de transcendente no apontado mecanismo, visto que se ele não existisse, a parte - que, nessa ocasião até desconhece se irá sair vencedora, ou não, da lide - teria de pagar no início uma taxa de justiça muito superior, que reflectisse a base tributável, pagamento esse a que só se eximiria se, não sendo entidade isenta de custas, nem fosse caso de dispensa do pagamento prévio dessa taxa (artº 15, nº 1, do RCP), litigasse com o benefício do apoio judiciário.

Diga-se, aliás, que no disposto no citado artº 15º, até se pode ver algumas semelhanças com a situação que está aqui em causa, pois para aqueles que, nos termos no nº 1 do artigo, foram dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, dispõe o nº 2, que “…independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.” .

De tudo o que acima ficou exposto resulta, pois, que a Ré é responsável pelo pagamento do remanescente assinalado na conta de que foi notificada.

(…)

Apreciando a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considera o acórdão recorrido

3) - Acontece que, a montante do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da referida dispensa, está a questão de esta não ter sido tempestivamente requerida, sendo, a nosso ver, a reclamação da conta de custas, um meio inidóneo para requerer essa dispensa ou para protestar contra a falta de concessão da mesma.

Sabemos que já se tem entendido que a dispensa em causa pode ser requerida pelas partes depois de estas serem notificadas da conta de custas, mas não descartando que haja casos muito específicos em que tal se possa admitir - pensamos, designadamente, naqueles casos, raros serão, todavia, em o processo vai conhecendo diversos valores, só a final se encontrando o valor definitivo - entendemos que, regra geral, onde tem perfeito cabimento o presente caso, as partes, mais a mais estando representadas por profissionais do foro, têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o artº 6º, nº 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta.

No sentido da afirmação das condições que acima se referiu verificarem-se, pode ler-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 15/10/2015 (Apelação nº 6431-09.3TVLSB-A.L1-6): «[…] Nem se diga, como pretextam as apelantes, que só quando são interpeladas pela liquidação e para pagamento é que são confrontadas com quantias que podem ser “exorbitantes”, ou que só então “tomam real contacto com os montantes que lhe são exigidos”. Argumentação que parece vir na sequência dos Acs. do TCAS de 29.05.2014 (Relator Pedro Marchão Marques)[6] e 26.02.2015 (Relator Pedro Marchão Marques)[7] que invoca a A apelante, onde se refere que “não se vêem razões preponderantes” para que a decisão deva ser tomada antes da elaboração da conta e que “será após a elaboração da conta, momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa, que o juiz inclusive melhor poderá decidir”.

Na verdade, não é minimamente correcto afirmar-se que só após a elaboração da conta é que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa e que só nessa altura podem as partes concluir que são exorbitantes.

Com efeito, caso não tenha sido determinado, oficiosamente pelo juiz, na sentença, a dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 7 do art.º 6º, quando da notificação da decisão final, a parte condenada em custas tem todos os dados para saber qual a taxa de taxa de justiça que será então devida e que será incluída na conta de custas, porquanto tal taxa de justiça tem então necessariamente por referência o valor da acção e a tabela I-A anexa ao RCP (cfr. parte final do nº 1 do art.º 6º do RCP).[…]».

Podendo ser oficiosamente declarada, a aludida dispensa deve, pois, em regra, ser ponderada e decidida pelo juiz antes da remessa dos autos a conta, o que ocorrerá, normalmente, na decisão que ponha termo à acção ou ao recurso.

Esta anterioridade tem a ver com a circunstância de não fazer sentido que se deixe elaborar a conta sem que o contador possa ter em consideração essa dispensa.

Então, se, sendo caso de dispensar o pagamento do remanescente, o juiz deve, oficiosamente, declarar essa dispensa em decisão anterior à remessa dos autos à conta, o que faz sentido é que as partes também requeiram essa dispensa antes dessa remessa, designadamente, quando confrontadas com uma decisão que, tendo-se pronunciado quanto às custas, nada referiu quanto a essa dispensa.

O que terão de fazer as partes, então, é requerer a reforma da decisão quanto a custas, pedindo que, na decisão reformada, se as dispense do pagamento do remanescente de taxa de justiça.

Portanto, ou as partes suscitam a questão da aludida dispensa em requerimento precedendo a decisão que vai por termo ao processo e proferir decisão sobre custas, ou, não o tendo feito, resta-lhes a possibilidade de requererem essa dispensa quando forem notificados dessa decisão e constatarem que nela não foi referida aquela.

O requerimento da parte solicitando uma tal dispensa, após ser notificada da conta de custas, em reclamação desta, não só é extemporâneo, como é desajustado, pois que tal reclamação, que é dirigida ao juiz, há-de reportar-se a acto ou omissão que não seja imputável a este, mas antes ao funcionário judicial contador e de que resulte uma desarmonia da conta com as disposições legais (nº 2 do artº 31º do RCP).

Só dessa desarmonia e não daquela que, porventura, quanto à matéria de custas, incorreu o juiz, é possível a reclamação e a reforma de que trata o artº 31º do RCP.

E assim, estamos plenamente de acordo com o que, citando o Sr. Cons. Savador da Costa, se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20/10/2015 (proc nº 0468/15, da 1ª Secção), e ora se transcreve: «[…] A parte sabe que tem que pagar o remanescente e sabe o valor da causa pelo que, se o juiz não usou oficiosamente da possibilidade de, no momento da decisão decidir a referida dispensa, a parte deve fazê-lo em sede de pedido de reforma de custas.

É que a reclamação sobre a conta há-de ser por motivos inerentes à própria conta e não com fundamentos que impliquem uma decisão por parte do juiz ainda que apenas contenda com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artº6º nº7 do RCP.

Se a lei diz que o remanescente (ou seja, o valor da taxa de justiça que correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efetivo valor da causa para efeito de determinação da taxa) deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento, está a dizer que essa dispensa tem de ocorrer antes da conta final.

Aliás, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201, refere que, “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas” e mais à frente, págs. 354 e 355, refere ainda que, “Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados”.

Pelo que, o juiz ao ser colocado perante a dispensa do remanescente nos termos deste preceito, depois do trânsito em julgado da decisão, está a rever a questão das custas nomeadamente fazendo interferir juízos valorativos e jurídicos sobre a concreta taxa de justiça a pagar ainda que tal não interfira com o concreto responsável pelo seu pagamento.

Assim, transita em julgado não só a decisão quanto ao responsável pelas custas mas também o quantum dessa responsabilização estando a fixação do montante em concreto através da elaboração da conta abrangida pelo caso julgado.

Não pode, assim, o responsável pelas custas, em sede de reclamação da conta que venha a ser elaborada e que lhe seja notificada, requerer, nessa altura, a dispensa ou atenuação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por estar em causa um valor desproporcionado, por esta possibilidade do art. 6º nº7 contender com o trânsito em julgado da decisão final.

Estamos, pois, perante uma situação de reforma de custas e não de conta.

Pelo que, não pode o juiz, na sequência de reclamação da conta, mandar reformá-la sem que tal signifique uma alteração ao já decidido em matéria de custas.

Devemos, pois, interpretar esta disposição legal no sentido de que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado, após prolação da sentença, quanto à interferência de motivos que justifiquem uma determinada quantia de taxa de justiça.

Ora, na situação dos autos a decisão quanto a custas já transitou, pelo que se mantém inalterada, não sendo possível deduzir um pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em sede de reclamação da conta.[…]».

Efectivamente, a falta de consideração da dispensa a que alude o artº 6º, nº 7, do RCP, não integra a omissão quanto a custas a que se refere o nº 1 do artº 614º, do NCPC, que apenas abarca a omissão da condenação e, sendo caso disso, da indicação da proporção, que se aludem no nº 6 do artº 607º do NCPC. Havendo condenação em custas, a falta de ponderação do disposto no artº 6º, nº 7, sendo manifesto estarem reunidos os pressupostos da dispensa que aí se prevê, integra erro de julgamento (como se defende no Acórdão do STA, de 29/10/2014 (proc nº 0547/14, da 2ª Secção), ou, quanto muito (uma vez que a matéria da dispensa é de conhecimento oficioso), a nulidade da omissão de pronúncia (artºs 615º, nº 1, d) e parte final do nº 2 do artº 608, ambos do NCPC), nulidade esta, porém, que deve arguida no prazo legal e perante o tribunal que cometeu a falta, ou nas alegações de recurso, havendo-o.

Sob pena de se contrariar o disposto no artº 613º, nº 1, (aplicável aos despachos “ex vi” do nº 3 desse artigo e aos Acórdãos, por força do disposto no artº 666º, nº 1, todos do NCPC), ou mesmo o caso julgado que se formou quanto às decisões proferidas, o juiz, quanto aos actos e omissões que tais decisões encerrem, só pode proceder à respectiva reparação se se configurar alguma das situações referidas no nº 2 do citado artº 613º e tratadas nos artºs 614º, 615º e 616º, do NCPC, algumas das quais carecem de tempestivo requerimento do interessado.

Não se integra nessas situações a falta de consideração oficiosa da dispensa prevista no artº 6º, nº 7, do RCP, pelo que, a supressão dessa falta, pelo mecanismo da reforma da conta, seria modo ínvio de violar o disposto no citado artº 613º, nº 1, ou, mesmo, o caso julgado.

O requerimento da ora Apelante, de dispensa do pagamento do remanescente, efectuado em sede de reclamação da conta e na sequência da notificação desta, apresenta-se, assim, como extemporâneo e desadequado a tal propósito, razão esta, só por si suficiente para indeferir tal requerimento e, assim, para confirmar, ainda que com diferente fundamento, a decisão ora recorrida. [(Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/10/2015, (proferido nos autos nº 0468/15, da 1ª SECÇÃO), Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/10/2014, (proferido nos autos nºs 0547/14, da 2 SECÇÃO), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/10/2015, (proferido nos autos de apelação nºs 6431-09.3TVLSB-A.L1-6) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16/12/2015, (proferido no proc. nº 09173/15 CT- 2º JUÍZO) ].

Resta analisar a invocada inconstitucionalidade, que a Apelante sustenta, dizendo violar a garantida das partes, de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, da equidade, da proporcionalidade e da igualdade, previstos nos Arts. 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “…a interpretação do Art. 14.º, n.º 9 do RCP no sentido do Réu/Autor Reconvinte ser responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, embora tenha sido absolvido integralmente da acção e não seja titular do impulso processual da acção…”.

Esta interpretação, relacionando directamente a responsabilidade do Réu/Autor Reconvinte “…pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça…”, ao anacronismo de se dar a circunstância de ter sido “…absolvido integralmente da acção e não seja titular do impulso processual da acção pelo pagamento”, olvida o correcto alcance - que já acima foi explicado - do disposto no referido artº 14.º, n.º 9, e assenta em dois equívocos da Apelante que também já foram aflorados.

O primeiro equívoco da Apelante é considerar que, para efeitos de pagamento de taxa de justiça não é responsável pelo impulso processual. Já se viu que, deduzindo contestação, a Ré é responsável por esse impulso e, assim, é responsável pelo pagamento de uma taxa de justiça.

O segundo equívoco é o de confundir uma dispensa temporária do pagamento da totalidade da taxa de justiça, com uma dispensa definitiva do pagamento dessa totalidade, em caso de vencimento da acção, ou seja, com uma isenção do pagamento do remanescente para aquele que, beneficiando dessa dispensa, não decaísse na acção.

Ora, já se viu que a exigência, a final, do remanescente da taxa de justiça, não equivale a uma condenação, consistindo, apenas, em exigir do responsável pelo impulso processual - no caso da Ré, o impulso processual pela dedução da contestação à acção (independentemente de nela ter deduzido reconvenção) - o pagamento daquilo que ficou dispensado de satisfazer numa fase inicial da acção.

Trata-se, afinal, de um acerto de contas, que nada tem a ver com o vencimento ou o decaimento na acção, sendo que, o decaimento, para o efeito, apenas é importante para se saber se há que elaborar conta relativamente ao sujeito processual em causa, pois que, em caso de inexistir conta a fazer relativamente a ele, ter-se-á de o notificar - em momento necessariamente anterior à elaboração da conta relativa ao litigante que decaiu -, nos termos do nº 9 do artº 14º do RCP.

Se houver conta a fazer, mesmo para quem não decaia na acção - que

Portanto, o artº 14º nº 9, não define quem é ou não responsável pelo pagamento do remanescente, mas sim, se se há-de fazer, ou não, a notificação aí prevista, notificação essa que não se justifica - por isso não foi dirigida à Apelante -, para aquele que, embora vencedor na acção “stricto sensu”, é responsável por custas - como é ocaso da Apelante, pelo decaimento parcial da reconvenção - pois que relativamente a ele será elaborada conta, sendo notificado para pagar o remanescente quando for notificado desta última.

Salienta-se, uma vez mais, pelo paralelismo da situação, que também os dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, nas situações que o nº 1 do artº 15º do RCP prevê, embora venham a ter total ganho de causa, são obrigados a, no prazo de 10 dias a contar da notificação que para tal lhes é efectuada como a notificação da decisão que decida a causa principal (ainda que esta seja susceptível de recurso), a efectuar o pagamento da taxa de justiça que, em momento prévio, ficaram dispensados de pagar (nº 2, do artº 15º).

Não se vislumbra, portanto, que a norma do artº 14º nº 9, do RCP, viole quaisquer normas ou princípios constitucionais, nem que o Tribunal “a quo” tenha interpretado tal preceito de forma a infringir tais normas ou princípios, “rectius” as garantida das partes, de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, da equidade, da proporcionalidade e da igualdade, previstos nos Arts. 18.º e 20.º da CRP.

Embora não invocada directamente pela Apelante, dir-se-á que uma putativa inconstitucionalidade da norma do nº7 do art. 6º, fica desde logo afastada, quando, como é o caso, o fundamento efectivo - e não o fundamento “obiter dictum”, respeitante à consideração do não preenchimento dos requisitos da dispensa exigidos no nº7 do art. 6º - da não concessão da dispensa tem ver com a não utilização tempestiva, pela Apelante, dos meios processuais adequados a requerer essa dispensa e com a desadequação, para o efeito, da reclamação da conta de custas.

De toda a forma, julga-se que, o artigo 6.º do RCP, na redacção consagrada pela Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro, que lhe aditou o nº 7, não viola normas ou princípios constitucionais, como se explica no citado Acórdão do STA, de 20/10/2015, (nº 0468/15), que, “mutatis mutandis” é aqui aplicável e cujo trecho pertinente para o efeito se passa a transcrever:

«[…] este nº7 do art. 6º foi aditado pela Lei 7/2012, de 13-2, em resposta às questões suscitadas pelo facto de o Decreto-Lei 52/2011 não contemplar a possibilidade, antes prevista pelo CCJ, no n.º 3 do seu artigo 27.º, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei 324/2003, de o juiz, se a especificidade da situação o justificar, dispensar, de forma fundamentada, o pagamento do remanescente, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, possibilidade que veio a ser consagrada pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7.

Este preceito garante que os processos suscetíveis de serem qualificados como pouco complexos tragam para o sujeito passivo um custo que efetivamente reflita o valor correspondente a um menor serviço prestado face à menor complexidade e por isso a respetiva adequação.

O exercício do direito fundamental de acesso à justiça e princípio da proporcionalidade mostram-se assegurados, agora, através da introdução de mecanismo que permite adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado.

Tal como se havia sustentado no Ac. do TC n.º 421/2013, supra citado, “a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo”, “dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»”, na certeza de que “é … necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007). (…) Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito”.

Ora ao haver-se introduzido um tal mecanismo no n.º 7 do art. 06.º do RCP não procede a invocada inconstitucionalidade suscitada pela A. porquanto a existir uma desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na ação para o autor tal dever-se-á ao facto daquela, tendo e dispondo de todos os meios e mecanismos processuais para tutelar seus direitos e posições, não haver reagido ou impugnado, em sede e momento próprios, o segmento relativo à condenação em custas constante de decisões judiciais proferidas e que lhe eram desfavoráveis.

Com efeito, se antes do aditamento se poderia colocar a questão da constitucionalidade do referido art. 6º tal deixou de se verificar já que não se pode falar de inconstitucionalidade apenas porque a parte deixou decorrer o prazo e meio adequado para fazer valer um direito que a lei lhe concedia.

É certo que, como resulta dos artigos 18º e 20.º da CRP o “processo tem de ser equitativo e propiciar uma tutela plena, efetiva e em tempo útil, dos concretos direitos, liberdades e garantias pessoais, sobre os quais exista litígio ou simplesmente ameaça dele” e “também há de ser o adequado para a obtenção da específica tutela que decorre da titularidade dos específicos direitos, liberdades ou garantias pessoais que estejam em causa.” (Acórdão do Tribunal Constitucional 178/2007).

Mas, nem por isso, deixa o legislador ordinário de ter uma margem de ponderação constitutiva sobre o modo como deve ser “desenhado o figurino processual adequado à efetivação jurisdicional da tutela própria dos específicos direitos ou interesses legalmente protegidos.

Se o legislador estipulou certas regras para dar resposta a certas exigências específicas de direitos até de matriz constitucional a proteger não pode defender-se, sem mais, que os mesmos deviam ser salvaguardados por outros mecanismos ou interpretações que não constam de uma interpretação legal dos preceitos, apenas para dar uma maior tutela dos direitos do que a já consagrada, quando esta é suficiente e adequada à proteção dos mesmos.

Na verdade, não é pelo facto de se discordar do mecanismo que o legislador encontrou como o meio mais adequado para fazer valer um direito que deixa de ocorrer a tutela efetiva do mesmo, que se negue o acesso à justiça ou se introduza um sistema desproporcionado.

Ora, a possibilidade consagrada pelos preceitos em causa de, em sede de pedido de reforma da decisão de custas, fazer adequar a taxa de justiça concreta a pagar ao processado permite a efetivação daqueles princípios constitucionais.

A tutela efetiva e o acesso à justiça realizaram-se e mostram-se efetivados no caso e não saem beliscados pelo facto do titular do direito não ter usado tempestivamente dos meios adequados a fazer valer o direito em causa quando existiam os mecanismos legais para o efetivar.

Não ocorre, pois, qualquer inconstitucionalidade na interpretação legal supra veiculada a fazer aos referidos preceitos..[…]».

De tudo o que ficou exposto resulta, pois, que, sendo a Apelante responsável pelo pagamento do remanescente que foi incluído na conta que foi notificada para pagar e da qual reclamou, não é de conceder, ao abrigo do disposto no artº 6º, nº 7, do RCP, a dispensa que, relativamente a esse pagamento, requereu no âmbito de reclamação da conta, sendo de confirmar a decisão recorrida e de julgar a Apelação improcedendo.


    2. Inconformada, interpôs a R./reconvinte a presente revista, que encerrou com as seguintes conclusões:

A. A Recorrente não se conforma com o acórdão de fls. de que ora se recorre, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 644.º, n.º 2, alínea e) e g), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, todos do CPC. Não se verifica dupla conforme nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 671.º, n.º 3 do CPC, conquanto, por um lado, o Acórdão sindicado é acompanhado de um voto de vencido e, depois, o mesmo decide com fundamentação essencialmente diversa o objecto do recurso.

B. Caso assim não se entenda, sempre seria admissível a apresentação de revista excecional nos termos e para os efeitos dos Art. 629.º, n.º 2, al. d) e Art. 672.º, n.º 1, al. c), ambos do CPC, na estrita medida em que o Acórdão agora recorrido encontra-se em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 07.11.2013, Proc. n.º 332/04.9TBVPA.P1, conforme cópia que se junta e certidão que se protesta juntar (Anexo I).

C. Subsidiariamente ainda, sempre seria admissível a interposição de recurso nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 672.º, n.º 1, al. a) e b) do CPC. Com efeito, pelos motivos melhor detalhados em sede de requerimento de interposição de recurso, considera-se como interesse de particular relevância social e jurídica a questão de saber se a parte vencedora da causa e que não deu causa à mesma, pode ser condenada no pagamento do remanescente da taxa de justiça e/ou privada de requerer a dispensa desse pagamento se apenas foi notificada da conta de custas (e, não, de qualquer ofício para proceder ao pagamento do remanescente devido no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo).

D. Deve o Acórdão ser reformado nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 616.º, n.º 2(a), 616.º, n.º 3 e 617.º, n.º 1 do CPC por aplicar ao caso concreto um Regulamento das Custas Processuais que não se encontra em vigor. Com efeito, atendendo à data de início dos presentes autos (05.01.2010), é aplicável o Regulamento das Custas Processuais com a redacção em vigor àquela data – no caso, o DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – e, na parte que não o contrariar ou prejudicar os direitos das Partes, a actual redacção do Regulamento das Custas Processuais (cfr. Art. 27.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro).

E. Ora, por efeito da aplicação na lei no tempo, a Ré/ Recorrente não é devedora da quantia de € 186.891,73 (cento e oitenta e seis mil oitocentos e noventa e um mil euros e setenta e três cêntimos), porquanto, nos termos do Art. 14.º do RCP, na redacção em vigor em 2009 e, bem assim, nos termos do Art. 27.º da Lei n.º 7/2012 (aplicação da lei no tempo), não é aplicável às Partes qualquer dispositivo equivalente ao actual Art. 14.º, n.º 9 do RCP. O que determina, só por si, a improcedência da decisão que agora se sindica porquanto falece o pressuposto base que lhe está na origem – o actual Art. 14.º, n.º 9 do RCP não estava em vigor à data de apresentação dos presentes autos (05.01.2010), não sendo igualmente aplicável às Partes por força do disposto do Art. 27.º da Lei n.º 7/2012 (aplicação da lei no tempo), o qual impede a sua aplicação retroactiva.

F. Caso assim não se entenda, deve o Acórdão ser reformado nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 616.º, n.º 2(a), 616.º, n.º 3 e 617.º, n.º 1 do CPC, porquanto apenas é aplicável a Tabela I do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, em vigor à data da apresentação da Petição Inicial a fls., e do qual resulta que o valor tributável da acção para efeito de custas judiciais tem como tecto máximo € 600.000,00, independentemente do valor processual da acção ser superior. Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.09.2014, Proc. n.º 5394/09.0TVLSB-B.L1-6.

G. A não se entender assim, a aplicação dos valores de taxa de justiça da Tabela I de 2015, na conta final de custas da presente acção, viola, de forma desproporcionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança, na estrita medida que as Partes não poderiam prever e contar que, em 2012, o legislador viesse submeter os processos pendentes a alterações muito significativas em matéria de custas processuais, designadamente para aplicar, nas respectivas contas finais de custas, taxas de justiça de valores desmesuradamente superiores àqueles a que se encontravam sujeitos, quando deram entrada em juízo. Interpretação inconstitucional que se suscita por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 2º da CRP) e do direito de acesso à justiça (artigo 20º, n.º 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos.

H. Caso assim não se entenda, deverá ainda o o Acórdão recorrido ser reformado nos termos do disposto nos Art. 616.º, n.º 2(a) e (b), 616.º, n.º 3 e 617.º, n.º 1 do CPC e substituído por outro que considere que a Ré/ Recorrente tem o direito de requerer a dispensa do pagamento das custas de parte na sequência da notificação para pagamento de conta de custas (não antecedida de notificação prevista no Art. 14.º, n.º 9 do RCP) sempre que a parte tenha vencido integralmente a causa.

I. Ao contrário do que resulta do Acórdão recorrido, a Ré/ Recorrida não foi considerada responsável pelo pagamento das custas judiciais quanto ao pedido formulado na acção, motivo pelo qual a Secretaria não estava dispensada de notificar a Ré para o pagamento da referida quantia nos termos do disposto no Art. 14.º, n.º 9 do RCP (ou seja, no prazo de 10 dias a contar da decisão que ponha termo ao processo).

J. A decisão do Mmo. Tribunal a quo se funda no pressuposto, que não é correcto, que a Ré/ Recorrente teria decaído no pedido da acção contra si movido. Situação que configura um erro na qualificação jurídica ou, no limite na aplicação de norma de direito, conferindo à parte direito à reforma do acórdão. Sendo que, por outro lado, não é verdade eu a Ré/ Recorrente tenha empregue um expediente processual diferente do devido. O que sucede é que a Ré não teve nenhuma oportunidade processual de requerer a dispensa do pagamento do remanescente antes de ser notificada da conta de custas uma vez que, como se afirmou, a mesma, não foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 14.º, n.º 9 do RCP, pese embora tenha vencido integralmente a causa.

K. Sem prejuízo, caso a reforma do Acórdão não seja procedente, sempre deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que decida, quanto ao mérito, aplicar o RCP em vigor à data de início dos presentes autos (05.01.2010), – no caso, o DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – e, na parte que não o contrariar ou prejudicar os direitos das Partes, a actual redacção do Regulamento das Custas Processuais (cfr. Art. 27.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro).

L. Ora, por efeito da aplicação na lei no tempo, a Ré/ Recorrente não é devedora da quantia de € 186.891,73 (cento e oitenta e seis mil oitocentos e noventa e um mil euros e setenta e três cêntimos), porquanto, nos termos do Art. 14.º do RCP, na redacção em vigor em 2009 e, bem assim, nos termos do Art. 27.º da Lei n.º 7/2012 (aplicação da lei no tempo), não é aplicável às Partes qualquer dispositivo equivalente ao actual Art. 14.º, n.º 9 do RCP. O que determina, só por si, a improcedência da decisão que agora se sindica porquanto falece o pressuposto base que lhe está na origem – o actual Art. 14.º, n.º 9 do RCP não estava em vigor à data de apresentação dos presentes autos (05.01.2010), não sendo igualmente aplicável às Partes por força do disposto do Art. 27.º da Lei n.º 7/2012 (aplicação da lei no tempo), o qual impede a sua aplicação retroactiva.

M. Caso assim não se entenda, as normas ínsitas no artigo 14.º, n.º 9 do RCP e do Art. 27.º da Lei n.º 7/2012, interpretadas e aplicadas no sentido de retroagirem à data de apresentação de acção no qual não se previra a condenação da parte vencedora no pagamento do remanescente da taxa de justiça, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e da confiança (artigo 2º da CRP) e do direito de acesso à justiça (artigo 20º, n.º 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos – o que se invoca cautelarmente.

N. Caso assim não se entenda, deve o Acórdão ser reformado nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 616.º, n.º 2(a), 616.º, n.º 3 e 617.º, n.º 1 do CPC, porquanto apenas é aplicável a Tabela I do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, em vigor à data da apresentação da Petição Inicial a fls., e do qual resulta que o valor tributável da acção para efeito de custas judiciais tem como tecto máximo € 600.000,00, independentemente do valor processual da acção ser superior. Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.09.2014, Proc. n.º 5394/09.0TVLSB-B.L1-6.

O. A não se entender assim, a aplicação dos valores de taxa de justiça da Tabela I de 2015, na conta final de custas da presente acção, viola, de forma desproporcionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança, na estrita medida que as Partes não poderiam prever e contar que, em 2012, o legislador viesse submeter os processos pendentes a alterações muito significativas em matéria de custas processuais, designadamente para aplicar, nas respectivas contas finais de custas, taxas de justiça de valores desmesuradamente superiores àqueles a que se encontravam sujeitos, quando deram entrada em juízo. Interpretação inconstitucional que se suscita por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 2º da CRP) e do direito de acesso à justiça (artigo 20º, n.º 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos.

P. Subsidiariamente, sempre se deverá entender que o Art. 14.º, n.º 9 do RCP não se aplica à Recorrente, pois a mesma não é responsável pelo impulso processual. Depois, mesmo que se aplicasse à Recorrente aquele normativo legal, o que não se concede, no presente caso estão reunidos os pressupostos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, para que seja ordenada a dispensa do pagamento da taxa de justiça.

Q. No caso sub judice, foi a A., e não a R., aqui Recorrente, a responsável pelo “impulso processual”, no sentido em que não foi esta que deu causa à ação, nem sequer recorreu da decisão, A Recorrente limitou-se a oferecer a sua contestação, no exercício do direito de defesa que lhe assiste.

R. O Art. 14.º, n.º 9 do RCP não pode ser interpretado no sentido de admitir a condenação do Réu ou do Autor reconvindo que tendo vencido a acção a que não deu causa é, ainda assim, condenado no pagamento de custas processuais (que, repete-se, uma vez mais não deu causa) apenas pelo facto de ter tido de contestar a acção que injustificadamente lhe era movida. Assim, ao passo que a 1.ª parte do Art. 14.º, n.º 9 do CRP (ao remeter para o Art. 6.º, n.º 7 do RCP) visa apurar a responsabilidade a final de cada uma das partes que pratica um acto processual (e, nessa qualidade, que provoca o impulso processual da Petição Inicial e da Contestação), pelo contrário, a 2.ª parte do Art. 14.º, n.º 9 do RCP tem de ser interpretado noutro sentido.

S. A 2.ª parte do Art. 14.º, n.º 9 do RCP visa identificar quem é a parte onerada com o impulso processual da acção e se a mesma foi ou não condenada nas custas processuais. Essa parte é sempre o Autor ou o Réu Reconvinte pois são estes que têm o dever de impulso processual da acção, sob pena de deserção da instância (cfr. Art. 270.º, n.º 1 do CPC).

T. Por conseguinte, a única interpretação possível do Art. 14.º, n.º 9 do RCP é a seguinte:

a. Se o Autor/ Réu Reconvinte vence a acção (e, logo, não é condenado nas custas a final), mas tem de pagar o remanescente da taxa de justiça nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, então, deve suportar esse pagamento por ser ele que tirou benefício da acção cujo ónus do impulso processual era, em exclusivo, seu;

b. Se o Autor/ Réu Reconvinte (ou, de igual modo, o Réu ou o Autor Reconvindo) perdeu a acção e tem de pagar o remanescente da taxa de justiça nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, tem de continuar a suportar tal pagamento na qualidade de parte vencida;

c. Se, pelo contrário, é o Réu/ Autor Reconvindo que é absolvido da acção (e, logo, não é condenado nas custas a final), mas teria de pagar o remanescente da taxa de justiça nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, então, nesse caso, a norma do Art. 14.º, n.º 9 do RCP dispensa-o desse pagamento por não ser ele o responsável pelo impulso processual da acção (e, como é evidente, não ter culpa da acção que lhe foi apresentada…).

U. Só assim é possível interpretar, de forma sistemática e coerente o Art. 14.º, n.º 9 do RCP e o Art. 6.º, n.º 7 do RCP. Caso contrário, se cada interveniente processual, independentemente de ter vencido ou perdido, tivesse que liquidar sempre as custas nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, de nenhuma utilidade teria a norma do Art. 14.º, n.º 9 do RCP.

V. Esta norma, ao referir “e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final”, tem, por isso, um propósito muito claro: responsabilizar sempre o Autor/ Réu Reconvinte pelo pagamento das custas processuais – por ser ele quem dá causa à acção – e isentar o Réu/ Autor Reconvindo das custas processuais sempre que o mesmo é absolvido a final e não condenado em custas processuais – por ser o único caso em que não é responsável pela acção que lhe foi movida –. De outro modo, estaríamos, injustificadamente, a onerar o direito de defesa da parte passiva, desprotegendo-a.

W. Mais. A interpretação do Art. 14.º, n.º 9 do RCP no sentido do Réu/ Autor Reconvinte ser responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, embora tenha sido absolvido integralmente da acção e não seja titular do impulso processual da acção, é inconstitucional por violar a garantida daquelas partes de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, da equidade, da proporcionalidade e da igualdade, previstos nos Arts. 18.º e 20.º da CRP, cuja arguição desde já se requer.

X. Sem prejuízo, caso o Venerado Tribunal considere que a Ré/ Recorrente é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, ainda que na qualidade de parte vencida e no pressuposto que a apresentação de contestação corresponde a um impulso processual –, sempre se deverá ser considerado que o mesmo deveria ter sido notificada no prazo de 10 dias a contar da decisão que ponha termo ao processo para liquidar o remanescente da taxa de justiça que dizia respeito à acção, sem prejuízo da eventual conta de custas que seria notificada na parte que decaiu no pedido reconvencional, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 14.º, n.º 9 do RCP.

Y. A omissão desta notificação constitui uma irregularidade com manifesto prejuízo para a parte na medida em que a parte vencedora apenas pode reclamar da outra as custas de parte que tiver efectivamente suportado e não aquelas que sendo embora obrigada a suportar ainda não foi notificada para pagar. Sendo que, por outro lado, essa irregularidade gera a nulidade dos actos subsequentes de apuramento e liquidação do montante das custas, nomeadamente da conta propriamente dita. Vide, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.11.2013, Proc. n.º 332/04.9TBVPA.P1 (junto como Anexo I).

Z. Pelo exposto, deverá o Acórdão recorrido ser revogado, juntamente com a decisão do tribunal de primeira instância e a conta de custas, notificando-se a Ré/ Recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 14.º, n.º 9 do RCP, e sem se amputar os seus direitos processuais.

AA. Sem prejuízo do supra exposto, caso não se julgue procedente a supra mencionada nulidade, nem por isso se poderá deixar de considerar que a Ré/ Recorrente, em momento prévio à notificação da conta de custas, não teve oportunidade para requerer qualquer dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

BB. Nesse sentido, não é verdade que a Ré/ Recorrente tenha empregue um expediente processual diferente do devido. O que sucede é que a Ré não teve nenhuma oportunidade processual de requerer a dispensa do pagamento do remanescente antes de ser notificada da conta de custas uma vez que, como se afirmou, a mesma não foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 14.º, n.º 9 do RCP, pese embora tenha vencido integralmente a causa.

CC. Por outro lado, e ao contrário do entendido pelo Mmo. Tribunal a quo, as Partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tanto em sede de reforma de custas, como, de igual modo, em sede de incidente de impugnação da conta de custas. Vide, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.11.2013, Proc. n.º 332/04.9TBVPA.P1 (junto como Anexo I). No mesmo sentido milita o Exmo. Senhor Juiz Desembargador que proferiu o voto vencido ao Acórdão Recorrido.

DD. Adicionalmente, ao contrário do decidido pelo Mmo. Tribunal a quo, entendemos também que o poder jurisdicional não se esgota, após a prolacção da sentença, quanto à interferência de motivos que justifiquem uma determinada quantia de taxa de justiça. Nem, tão-pouco, a decisão do Mmo. Tribunal sobre a dispensa de pagamento do remanescente em sede de incidente de impugnação da conta de custas violaria o disposto no Art. 613.º, 614.º, 615.º e 616.º do NCPC.

EE. Com o devido respeito, a tese do Acórdão recorrido torna o que é certo num mar de incertezas e de hipóteses e de sub-hipóteses, aumento sem fim o número de incidentes que, por cautela, teriam de ser apresentados… O que, com o devido respeito, não tem sentido algum conquanto a lei processual não limite o alcance do incidente de impugnação da conta de custas, nem, tão-pouco, obrigado a parte vencedora a ter de apresentar requerimentos de reforma de custas por cautela.

FF. O incidente de reforma ou reclamação da conta de custas não limita os argumentos de reacção das partes. Bem pelo contrário, o Art. 31.º, n.º 1 do RCP adopta mesmo um conceito abrangente ao referir que “a conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento” (realce nosso). Logo, a reforma ou reclamação da conta de custas não está limitada a meros erros materiais, como entende o Mmo. Tribunal a quo, nem, tão-pouco, se encontra esgotado o seu poder jurisdicional neste sede para dispensar as partes do pagamento do remanescente.

GG. A decisão de dispensa do remanescente não tem nada que ver com a decisão de repartição da responsabilidade pelo pagamento das custas de parte – essa sim, esgotada com a prolacção da decisão –. Ou seja, o incidente de reforma e reclamação da conta de custas é apto para discutir o apuramento e a liquidação do montante das custas fixadas, estando apenas vedado a reapreciação da repartição da responsabilidade do seu pagamento.

HH. Pelo exposto, deverá ser revogado o Acórdão do Mmo. Tribunal a quo também nesta parte, e substituído por outro que considere que a oportunidade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não se esgota com o incidente de reforma de sentença quanto às custas, sendo ainda possível no âmbito do incidente de reforma e reclamação da conta de custas.

II. Mesmo que assim também não se entenda, o que somente se admite por mero dever de patrocínio, a Recorrente entende que, em qualquer caso, sempre deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP.

JJ. Do Art. 6.º, n.º 7 do RCP resulta uma evidente preocupação do legislador em ajustar o valor da taxa de justiça não apenas ao valor da ação, mas também à própria complexidade da causa em apreciação e à conduta processual das partes, com vista a evitar uma desproporção entre os montantes liquidados pela parte (a título de custas) e o concreto encargo judiciário provocado pela ação.

KK. No caso dos presentes autos, o resultado da aplicação destas regras – e sem menosprezar as diligências e o trabalho do Mmo. Tribunal a quo – é flagrantemente exorbitante face à especificidade da situação.

LL. O litígio não se revestia de complexidade técnica, corporizando, tão-somente, um problema de cômputo do decurso do prazo de caducidade do alegado direito de acção de indemnização de clientela da Autora. A Ré/ Recorrente entendia que o direito da Autora/ Recorrida não existia e, ainda que existisse, caducara, ao passo que a Autora/ Recorrida entendia o inverso. Além disso, e sem prejuízo da dimensão dos documentos juntos aos autos e da extensão dos depoimentos das testemunhas, as Partes não provocaram incidentes anómalos no processo, nem adotaram condutas processuais censuráveis que obstaculizassem o andamento normal do processo.

MM. Pese embora o valor da ação seja elevado, a complexidade da causa é diminuta, uma vez que as questões substantivas submetidas à apreciação do Tribunal a quo não são controvertidas e as questões processuais não têm qualquer complexidade.

NN. Motivo pelo qual é legítimo afirmar que o valor das custas de € 186.891,73, a acrescer à taxa de justiça inicialmente paga, apresenta-se desajustado face ao concreto encargo judiciário provocado pela ação da A. (não da R., ora Recorrente!).

OO. Mais se diga que a cobrança de taxas elevadas pela prestação dos serviços de justiça, não só pode determinar a sua desproporcionalidade, afrontando o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso consagrado no Art. 2º da CRP, como também pode pôr em risco o próprio direito fundamental dos cidadãos de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos (Art. 20.º, n.º 1, da CRP).

PP. A fixação da taxa de justiça tem de ser adequada à atividade judicial efetivamente desenvolvida e corresponder à justa medida entre a exigência de pagamento da taxa de justiça e o serviço de administração da justiça. A contrapartida pela prestação dos serviços de administração da justiça não pode restringir de modo intolerável o direito de acesso aos tribunais.

QQ. No caso sub judice, o valor exagerado das custas a pagar resultou apenas do elevado valor do processo, independentemente da sua complexidade, não havendo correspondência entre os custos da atividade jurisdicional e o valor total das taxas que estão a ser solicitadas. Verifica-se, portanto, face à tramitação do processo e ao teor/ natureza das questões decididas, que o valor das custas é desadequado, porquanto é manifestamente desproporcional ao serviço prestado.

RR. Na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional, as normas ínsitas no Art. 6.º, n.ºs 1 e 2 do RCP, em conjugação com a tabela I, interpretadas e aplicadas no sentido de não estabelecer um limite máximo para as custas a pagar, designadamente através de um limite para o valor da ação a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, dando azo à fixação de um valor manifestamente desproporcional face aos serviços públicos prestados, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2º da CRP) e do direito de acesso à justiça (art. 20º, n.º 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos – o que se invoca cautelarmente.

SS. Por conseguinte, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento de todo o remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá

a) o Acórdão recorrido ser reformado e substituído por outro que aplique ao caso o RCP na redação em vigor à data da apresentação da acção judicial (05.01.2010), nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 672.º, n.º 1, al. a) e b) do CPC; ou, em qualquer caso, deverá ainda o Acórdão recorrido ser reformado nos termos do disposto nos Art. 616.º, n.º 2(a) e (b), 616.º, n.º 3 e 617.º, n.º 1 do CPC e substituído por outro que considere que a Ré/ Recorrente tem o direito de requerer a dispensa do pagamento das custas de parte na sequência da notificação para pagamento de conta de custas (não antecedida de notificação prevista no Art. 14.º, n.º 9 do RCP) sempre que a parte tenha vencido integralmente a causa

b) caso assim não se entenda, o acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que decida dar sem efeito a conta de custas com a Ref. 900100014732015, na parte que solicita o pagamento à Recorrente do remanescente da taxa de justiça; ou

c) Subsidiariamente, ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento de todo o remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP e com os fundamentos supra referidos.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


  Apresentados os autos, como revista excepcional, à competente formação, foi determinada a distribuição do recurso como revista normal, a fim de que o relator pudesse apreciar a admissibilidade de tal recurso, interposto prioritariamente pela parte, apreciando a questão prévia da recorribilidade, enunciada no próprio despacho de admissão de recurso na Relação.

   Determinou-se a audição do MºPº , por ser o verdadeiro interessado em contradizer, uma vez que o litígio incide exclusivamente sobre matéria de custas – sendo apresentado parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso, por via do disposto no art. 31º, nº6, do RCP – entendendo-se subsidiariamente que nenhuma censura merece o acórdão recorrido.

   Facultado o contraditório à entidade recorrente, manteve esta a sua anterior posição.


 3. Importa começar por dirimir as questões adjectivas conexionadas com a recorribilidade do acórdão proferido pela Relação. No caso dos autos, é manifesto que se não verificam os pressupostos da dupla conforme, enquanto regime limitativo no acesso ao STJ, já que – para além de o acórdão recorrido ter apendiculada uma declaração de voto – ele assentou numa fundamentação essencialmente diferente da decisão apelada: enquanto nesta se rejeitara a pretensão de ver dispensado o remanescente da taxa de justiça com base num juízo acerca da complexidade da causa, a ratio decidendi do acórdão recorrido fundou-se antes num juízo de intempestividade acerca da formulação de tal pretensão, ao considerar que ela estava precludida no momento ulterior à elaboração da conta.

   E, deste modo, é no quadro da revista normal que terá de se dirimir a questão da admissibilidade do acesso ao STJ.

   Ora, como já foi notado ao longo do processo – nomeadamente pelo Exmo. relator, ao admitir o recurso, bem como no parecer exarado pelo representante do MºPº - existe efectivamente no RCP uma norma limitativa no acesso ao STJ em sede de decisões proferidas em sede de incidente de reclamação da conta de custas: a norma constante do art. 31º, nº6, do RCP, segundo a qual, neste caso o recurso apenas é admissível num grau: da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC.

   Não é, pois, admissível, em sede de incidente de reclamação da conta, o normal exercício do direito ao recurso, traduzido na obtenção de um triplo grau de jurisdição sobre a matéria controvertida – sendo manifesto que a entidade recorrente, ao optar, na sua estratégia processual, por tal via procedimental tardia para obter a pretendida dispensa do remanescente da taxa de justiça, não podia razoavelmente deixar de contar com o obstáculo no acesso ao STJ que decorre inelutavelmente de tal norma legal, num caso em que o único grau de recurso existente já foi efectivamente exercitado, conduzindo à solução que consta do acórdão proferido pela Relação.

  Considera-se, porém, de acordo com o entendimento que vimos seguindo, que tal norma, limitativa do acesso ao STJ, tem de ser compaginada com a tipologia dos casos em que o CPC admite sempre o recurso: ora, na situação dos autos, está invocado pela recorrente o fundamento previsto na al. d) do nº2 do art. 629º do CPC, juntando-se cópia de outra decisão da Relação em que se adoptou entendimento diferente acerca da questão do âmbito do incidente de reclamação da conta, com possível incidência na tempestividade do requerimento destinado a obter a dispensa do remanescente da taxa de justiça – considerando-se nesse aresto que, não definindo a lei o objecto do incidente de reclamação da conta, deve entender-se que através desse incidente podem ser suscitadas questões que têm a ver com o apuramento e liquidação do montante das custas fixadas, independentemente de parte desses actos não integrar a conta propriamente dita e alguns deles serem praticados directamente pelas partes.

  Deste modo, notando-se a existência de um efectivo conflito jurisprudencial, ao nível das Relações, sobre matéria que, por motivos estruturais ( e não apenas conjunturais de determinada causa, por ligados apenas ao respectivo valor ou sucumbência) , não é susceptível de acesso ao STJ, justifica-se a uniformização pela via do referido preceito legal, de modo a que se reponha, na medida do possível, a uniformidade de soluções interpretativas e a segurança e certeza na aplicação do direito.

  O enquadramento da revista na citada al. d) tem, porém, uma relevante consequência ao nível das questões que cabe apreciar nesse recurso, circunscritas ao preciso tema acerca do qual se verifica o apontado conflito jurisprudencial – não podendo obviamente abordar-se, numa revista com esse específico fundamento, a pluralidade de questões enunciadas pela sociedade recorrente, a título principal e subsidiário, sem a menor conexão, muitas delas, com o específico conflito jurisprudencial subjacente ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento, indicado pela recorrente: implica isto que apenas se irá abordar neste recurso, especificamente admitido ao abrigo da al. d) do nº2 do art. 629º do CPC, a questão da admissibilidade/tempestividade da formulação do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça em incidente de reclamação da conta de custas.


   4. Saliente-se que, quanto a esta precisa questão, o TC teve oportunidade de se pronunciar recentemente, decidindo no Ac. 527/16 : Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.

Tal decisão assentou na seguinte fundamentação:

2.2. A Recorrente pretende, ainda, a fiscalização da inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, na interpretação segundo a qual está vedada à parte a formulação do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça no momento em que as partes são confrontadas com a conta de custas para pagar.

Embora, a partir do sentido geral das alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e das subsequentes alegações seja claro o sentido material da questão, a sua enunciação formal não foi rigorosa.

Assim, não se trata, exatamente, de estar vedada a formulação do pedido de dispensa, mas sim de o pedido formulado se considerar extemporâneo. Por outro lado, para o sentido decisivo da interpretação e aplicação das normas na decisão recorrida, não relevou que a apresentação de tal requerimento fosse feita “no momento” em que a parte foi confrontada com a conta de custas, mas sim que o tenha feito após a respetiva elaboração (o seguinte segmento da decisão recorrida é inequívoco a este respeito: “[…] do art. 6.º, n.º 7, e da interpretação conjugada dos demais preceitos analisados, decorre que a pretensão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulada pela parte – caso não seja conhecida antes oficiosamente pelo juiz, nomeadamente quando da prolação da sentença – em momento anterior à elaboração da conta de custas”).

Deste modo, em bom rigor, a discussão interpretativa, na decisão recorrida e no recurso interposto pela Autora para o Tribunal Constitucional, centra-se na norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas. Será este, então, o objeto do recurso a apreciar, não se justificando a audição prévia da Recorrente relativamente a esta enunciação, na medida em que, não obstante a construção ligeiramente diferente (na forma), a substância dos seus argumentos (em coerência com a decisão recorrida) já se refere à dimensão normativa que ora se delimitou.

2.2.1. Para apreciação desta questão de inconstitucionalidade, tenha-se presente a redação do preceito legal (n.º 7 do artigo 6.º do RCP), que foi introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro:

Artigo 6.º

Regras gerais


----------------------------------------------------------------


7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.


A norma em causa permite, assim, que seja desconsiderado o valor do remanescente da taxa de justiça que, nas ações de valor superior a €275.000,00, não foi objeto de liquidação prévia pela parte.

O enquadramento geral da evolução legislativa que conduziu à norma sub judicio foi já descrito no Acórdão n.º 361/2015:

“[…]

A tabela I […] corresponde à primeira das quatro tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais, e nela encontram previsão, no eixo horizontal, treze escalões de valor da ação, e, no eixo vertical, três colunas de montantes específicos de taxa de justiça, designadas pelas letras A, B e C.

[…]

[O]s treze escalões previstos na tabela I preveem os valores da ação até ao montante de €275.000,00, a que acresce, para além desse limiar, ‘a final, por cada €25.00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna A, 1,5 UC, no caso da coluna B, e 4,5 UC, no caso da coluna C’.

7. O contexto normativo em que se situa tal normação decorre do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (e posteriormente alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de agosto, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de agosto, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de agosto, e Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro), o qual introduziu uma nova disciplina para as custas processuais, revogando, entre várias normas e diplomas que versavam sobre a matéria de custas, o Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro.

Uma das vertentes da alteração trazida pelo RCP radicou precisamente nos mecanismos de fixação do valor do tributo a pagar. Pode ler-se no preâmbulo do diploma em apreço:

‘De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores.

De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.’

Refletindo essa mudança, o artigo 6.º, n.º 1, do RCP, enuncia, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada ‘em função do valor e complexidade da causa’, por referência a uma tabela, como já acontecia no regime anterior. Mas, inovatoriamente, a fixação da taxa de justiça passou a ter como fator de majoração do montante da taxa de justiça a complexidade da causa, podendo o juiz ‘determinar, a final, a aplicação dos valores [agravados] de taxa de justiça constantes da tabela I-C (…) às ações e recursos que revelem especial complexidade’, por conterem ‘articulados ou alegações prolixas’, dizerem respeito a ‘questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso’ ou implicarem ‘a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas’ (artigos 6.º, n.º 5, do RCP, e 530.º, n.º 7, do CPC). Com o RCP, o legislador consagrou, assim, um ‘sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especial e particularmente complexos’ (cfr. SALVADOR da COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2012, 4.ª edição, p. 231).

A par deste mecanismo corretivo, no sentido ascendente, do valor da taxa de justiça a pagar, em função da materialidade da lide, não foi editado qualquer outro que, agora no sentido inverso, permita genericamente ao julgador intervir no domínio da taxa de justiça, reduzindo-a para valores inferiores aos correspondentes à taxa normal, mormente para aqueles constantes da tabela I-B. O que não significa que a intervenção judicial moderadora no domínio das custas judiciais esteja ausente por completo: persiste nas causas de valor mais elevado, ainda que limitada ao que respeita ao remanescente a pagar a final.

Com efeito, na redação originária do RCP, a tabela I estatuiu vários escalões de valor da causa até ao montante de €600.00,00 e, a partir daí, uma taxa de justiça variável, entre os limites estabelecidos, devendo a parte liquidá-la no seu valor mínimo e pagar o excesso, se o houvesse, a final (artigo 6.º, n.º 6, do RCP).

O Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quadro normativo aqui aplicável, veio, inter alia, alterar as tabelas anexas ao RCP, o que decorreu, como resulta do respetivo preâmbulo, da consideração de ‘que a taxa de justiça nalguns casos não estava adequada à complexidade da causa, pelo que se prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento’. Passou, assim, a prever-se, na tabela I, uma taxa de justiça fixa, graduada por escalões em função do valor da causa, até ao limite de €275.000,00, sendo, a partir daí, calculado o mesmo valor de acréscimo por cada unidade ou fração no montante de €25.000, mantendo-se a sua exigibilidade apenas no final da lide. E, desse modo, reintroduziu-se um mecanismo de aumento automático e ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa, já antes consagrado pela tabela I anexa ao CCJ, embora diminuído na sua expressão, idóneo a gerar um remanescente a pagar a final.

Importa neste ponto notar que, na vigência do CCJ, o funcionamento desta regra foi atenuado com a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que passou a prever a possibilidade do intervenção corretiva do juiz, circunscrita aos processos de valor superior a € 250.000,00, quanto ao remanescente a pagar a final. Dizia o n.º 3 do artigo 27.º do CCJ, na redação introduzida pelo referido Decreto-Lei n.º 324/2003 que ‘se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente’. No RCP, solução normativa homóloga só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, com o aditamento de um novo número ao artigo 6.º, com a seguinte redação: ‘7- Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento’.

[…]” (sublinhado acrescentado).

A discussão que se encontra na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a incidência da taxa de justiça tem passado, essencialmente, pelos critérios de fixação do respetivo montante (assim, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96, 521/99, 349/2002, 708/2005, 227/2007, 255/2007, 471/2007 e 301/2009). Sobre esta matéria, o Tribunal considerou que (ainda nas palavras do Acórdão n.º 361/2015):

“[…]

[N]ão impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado. Sem postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais.

Assim, e sempre que se pronunciou sobre o domínio de regulação em apreço, o Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo. Daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada (cfr. Acórdãos n.ºs 349/2001, 151/2009, 301/2009 e 534/2011). Mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação - maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu crescimento linear em ações de maior valor – levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional (cfr. Acórdãos n.ºs 227/2007, 471/2007, 116/2008, 301/2009, 266/2010, 421/2013, 604/2013, 179/2014 e 844/2014).

Na síntese do Acórdão n.º 421/2013, […], ‘o que determinou tais julgamentos, incluindo estas últimas decisões de não inconstitucionalidade, foi a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe»’.

[…]”.

2.2.2. Considerada a jurisprudência acabada de expor, resulta evidente que o problema colocado nos presentes autos é outro. Não se trata, aqui, de saber se é (ou deve ser) possível a redução do valor da taxa de justiça a pagar, por via da dispensa ou redução do pagamento do remanescente, a final. Essa possibilidade, para além de resultar, de forma inequívoca, da redação atual do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, não foi negada à Autora por não existir base legal correspondente. O indeferimento do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado pela Autora, ora Recorrente, assentou, apenas, como acima dissemos, na circunstância de ter sido considerada extemporânea a sua suscitação após a elaboração da conta de custas. O eixo da discussão centra-se, assim, no efeito preclusivo daquela pretensão associado ao momento da elaboração da conta, tratando-se, agora, de saber se estamos perante um ónus processual proporcionado e compatível com um processo justo, apto a proporcionar a tutela efetiva dos direitos das partes que a ele recorrem.

O Tribunal Constitucional afirmou já, em diversas ocasiões, os termos em que se deve ter por admissível a imposição de ónus processuais associados a efeitos preclusivos. A discussão enquadra-se, desde logo, no âmbito do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, como vem realçado no Acórdão n.º 442/2015:

“[…]

O artigo 20.º da Constituição garante o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4).

Como se afirmou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/10, esse é o princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legislador ordinário na conformação das normas de processo, e embora ele tenha apoio textual expresso apenas nesse nº 4 do artigo 20.º da Constituição, verdade é que através da garantia do processo justo ou equitativo se cumprem também outros valores constitucionalmente relevantes, como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrentes do artigo 2º, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à “igualdade de armas”).

Em idêntico sentido, em situação similar à agora analisada, o Tribunal também considerou que a «expressão constitucional de um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso», justificando-se nessas circunstâncias que a garantia do processo equitativo se entrecruze com outros parâmetros constitucionais como os que emanam do artigo 2.º da Constituição.

E cabe ainda assinalar que a garantia do processo equitativo, para além do direito a uma solução jurídica dos conflitos em prazo razoável e a um correto funcionamento das regras do contraditório nas suas diversas vertentes, e do direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, contempla também o direito à fundamentação das decisões, o que se torna particularmente relevante quando essa exigência é necessária para permitir às partes discernir os ónus processuais de reação que lhe são impostos e as consequências da sua inobservância […]”.

Centrando a atenção mais diretamente na imposição de ónus processuais, pode ler-se o seguinte no Acórdão n.º 620/2013:

“[…]

Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevân­cia da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em “Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa”, pág. 839 e seg.).

[…]”.

Na mesma linha, prossegue o Acórdão n.º 277/2016:

“[…]

Na verdade, sustenta Lopes do Rego [na obra citada, págs. 839-840], em relação aos regimes adjetivos que prescrevem requisitos de natureza estritamente procedimental ou formal dos atos das partes – «isto é, conexionados, não propriamente com a formulação essencial das pretensões ou impugnações dos litigantes, mas tão-somente com o modo de apresentação ou exposição dos respetivos conteúdos» – que os mesmos devem (além de revelar-se «funcionalmente adequados aos fins do processo, não traduzindo exigência puramente formal, arbitrariamente imposta, por destituída de qualquer sentido útil e razoável quanto á disciplina processual»):

‘Conformar-se – no que respeita às consequências desfavoráveis para a parte que as não acatou inteiramente – com o princípio da proporcionalidade: desde logo, as exigências formais não podem impossibilitar ou dificultar, de modo excessivo ou intolerável, a atuação procedimental facultada ou imposta às partes; e as cominações ou preclusões que decorram de uma falta da parte não podem revelar-se totalmente desproporcionadas – nomeadamente pelo seu caráter irremediável ou definitivo, impossibilitador de qualquer ulterior suprimento – à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta imputada à parte.’

Ou, segundo a síntese formulada no Acórdão n.º 96/2016:

‘[O]s ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, [ob. cit., pp. 839 e ss.) e, entre outros, os Acórdãos n.ºs 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/2008, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional).

O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais;

- a justificação da exigência processual em causa;

- a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;

- e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07).’

[…]”.

Trata-se, em suma, de verificar se o ónus imposto à parte – ou seja, aqui, apresentar o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP – revela adequação funcional e respeito pela regra da proporcionalidade, uma vez que resultam “[…] constitucionalmente censuráveis os obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de modo desproporcionado, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva […]” (Acórdão n.º 774/2014). O requisito da adequação funcional visa, precisamente, evitar a imposição de exigências puramente formais, impostas arbitrariamente e destituídas de qualquer sentido útil e razoável (Acórdão n.º 275/1999; no mesmo sentido, v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 440).

Para além dos aspetos assinalados, deve ponderar-se, ainda, se existem correntes jurisprudenciais que suportem a interpretação em causa, na medida em que “[…] não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar” (Acórdão n.º 442/2015).

2.2.3. É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito momento da elaboração da conta.

Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.

Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.

Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos

Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.

Não se trata, ao contrário do que a Recorrente alega, de um resultado implícito, “não discernível” a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito (“[…] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…”) – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo.

Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de “[…] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria” nem se vê privada de “[…] questionar a adequação das quantias efetivamente liquidadas às concretas especificidades do processo”, como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não refletir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular corretamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça correto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.

2.2.4. Cumpre referir, ainda, que – tal como a decisão recorrida evidencia – pese embora a discussão que vinha sendo mantida na jurisprudência, a interpretação em causa já havia sido afirmada em outras decisões, pelo que a Autora, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais, podia e devia ter contado com a interpretação afirmada pelo tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação.

Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Assim, a interpretação normativa questionada pela Recorrente não traduz qualquer “ónus processual oculto” ou (nas suas palavras) uma “armadilha processual” com a qual a parte não podia contar.

2.3. As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso.


5. Não se vê que esta linha argumentativa - no essencial coincidente com o entendimento seguido no acórdão recorrido – seja posta em causa pela argumentação da entidade recorrente.

   Não nos parece, na verdade, que a recorrente não tenha tido oportunidade processual para, antes da feitura e notificação da conta de custas, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça: na verdade, importa salientar que esta dispensa decorre necessariamente de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que o julgador considerou que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não estão verificados - sendo, neste contexto, consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não irá contemplar seguramente essa dispensa: implica isto que o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente da taxa de justiça deverá ser exercitado durante o processo, ou seja, no caso, nomeadamente, mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere, sem excepções ou limitações, à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para, só então, reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa…

   É que o incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil - instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objecções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática).

Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se a revista, confirmando a decisão recorrida acerca da questão da intempestividade do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Custas pela recorrente, com base no valor indicado na minuta de recurso.


Lisboa, 13 de Julho de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António Piçarra