Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2809/20.0JAPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CARLOS CAMPOS LOBO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PORNOGRAFIA DE MENORES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONCURSO APARENTE
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 11/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I – O crime de abuso sexual de crianças assume-se como destinado a proteger o desenvolvimento sexual das crianças preservando-as de um envolvimento prematuro / precipitado / precoce em atividades sexuais e, por essa via, impedir a existência de qualquer prejuízo no livre crescimento / amadurecimento da personalidade do menor.

II – O crime de pornografia de menores, por seu lado, visa sobretudo a proteção da juventude e, consequentemente, a redução / diminuição do número de destinatários neste domínio de potencial perigo de exposição e o controle do chamado turismo sexual, pretendendo-se proteger, não só, a autodeterminação sexual do menor, mas também acautelar / salvaguardar a sua exploração sexual, quer por via da utilização do menor em fotografia ou filme, quer se trate de uma exploração do menor mediante a divulgação daquele material, em ordem à garantia de um bem jurídico coletivo de proibição de disseminação dessa informação, proteção esta antecipada pela simples utilização do menor, ainda que o material não tenha sido disseminado.

III – Assim, em caso claramente parametrizado de envio, a menor, ao tempo com 13 anos de idade, de vários vídeos retratando e expondo órgãos genitais de adultos, coito oral e cópula, associado a conversas de cariz sexual, a par da existência de conversas tomadas em postura de aliciamento / convencimento do menor em que este fizesse o registo em vídeo ou fotografia do seu órgão sexual e o enviasse, estão claramente preenchidos os crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, alínea b) do CPenal e de pornografia de menores p. e p. pelos incisos conjugados dos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 7, do mesmo diploma legal.

IV – No domínio dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, vem exuberando da jurisprudência dominante, que se rejeita a ideia de crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, figura que não tem acalento em qualquer expressa normação legal, pois, nestes tipos, estão em causa bens eminentemente pessoais.

V - Hodiernamente, o tratamento penal dos crimes sexuais registou assinalável evolução sociológica e politico-criminal, assumindo-se como inseridos dogmática e sistematicamente no palco dos crimes contra a pessoa individual, concretamente contra a sua liberdade e autodeterminação sexual, traço este que impõe que a vítima e a sua perspetiva encerrem relevância decisiva.

VI - À insistência ou persistência da resolução criminosa do agente contrapõe-se e sobrepõe-se a necessidade de, perante cada atentado ao bem jurídico pessoal tutelado, reafirmar / acentuar / sublinhar a sua validade e importância para garantir o exercício livre e autêntico da identidade e da expressão sexual da vítima.

VII - Sempre, e cada vez, que o agente força ou impele uma pessoa sem o consentimento desta ou com o consentimento viciado ou legalmente inadmissível, a ter de suportar atos lascivos / sexuais, agride / invade o direito pessoal à liberdade e autenticidade da sua expressão sexual. No estar / sentir da vítima, que deve ter-se por decisivo, cada agressão sexual, independentemente de o agente ser o mesmo ou diverso, está imbuída de um sentido negativo de valor jurídico-penal.

VIII - A reiteração / repetição sucessiva e mais ou menos prolongada no tempo de agressões sexuais não é nem se pode transformar, para a vítima, num empreendimento ou numa atividade do agressor que aquela a tenha de suportar.

IX -  Tal tipo de prática / agir implica que sempre e a cada momento ocorre uma abordagem, uma reação, um sentir e uma consequência, o que claramente convoca a ideia de que cada ato / ação singular, repetida e sucessivamente operado, indiferentemente do tempo que entre eles medeia, preenchendo todos os elementos do mesmo tipo (objetivo e subjetivo), constitui um crime autónomo, estabelecendo entre si uma relação de concurso real ou efetivo de crimes e reclamando a respetiva punição nessa medida.

Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1. No processo nº 2809/20.0JAPRT.S1 da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., figurando como arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido a ...-...-1988, solteiro, empregado de bar, residente na Rua ..., ..., na sequência de acusação deduzida e realizado julgamento, foi proferido Acórdão em que se decidiu:

i - Absolver o arguido pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal contra o menor DD;

ii - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal praticado contra o menor EE (factos provados sob os nºs 5 a 15), na pena de 6 (seis) meses de prisão;

iii - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado do artigo 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal, contra o menor EE (factos provados sob os nºs 5 a 15) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

iv - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado do artigo 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal, praticado contra o menor EE (factos provados sob os nºs 16 e 17) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

v - Condenar o arguido pela prática de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº6 do CPenal praticado contra o menor EE (factos provados sob os nºs 18 a 23) na pena de, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

vi - Condenar o arguido pela prática de 24 (vinte e quatro) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal praticados contra o menor FF (factos provados sob os nºs 24 a 36) a pena de, por cada um dos crimes, 2 (dois) anos de prisão;

vii - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº1 do CPenal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nº37 a 58) a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;

viii - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do CPenal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nº37 a 58) a pena de 6 (seis) meses de prisão;

iv - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nºs 59 a 62) a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

x - Condenar o arguido pela prática de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal contra o menor DD (factos provados sob os nºs 63 a 75) na pena de, por cada um dos crimes, 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

Condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas referidas em ii) a x), na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;


*


Condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e liberdade sexual do artigo 69º-B, nº2 do CPenal pelo período de 6 (seis) anos;

*


Condenar o arguido na pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais do artigo 69º-C, nº2 do CPenal pelo período de 6 (seis) anos;

*


Condenar o arguido no pagamento de uma indemnização, a título de arbitramento, aos ofendidos:

a. FF, na quantia de 6.000,00€ (seis mil euros);

b. DD, na quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);

2. Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição)

1 - Conforme decorre do douto acórdão recorrido, com relação ao menor EE, o arguido foi condenado pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal e, em simultâneo, pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado do artigo 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do Código Penal; pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado do artigo 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do Código Penal e pela prática de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº6 do Código Penal;

2 - Já com relação ao menor FF, o arguido foi condenado, em simultâneo, pela prática de 24 (vinte e quatro) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do Código Penal; pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº1 do Código Penal; pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal e pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do Código Penal;

3 - Porém, no caso concreto destes dois ofendidos identificados nas cláusulas 1 e 2, em que em que o arguido comete simultaneamente o crime de abuso sexual de criança e o crime de pornografia de menores, não estamos perante um com curso real, tal como o entendeu o Tribunal a quo, mas antes, perante uma situação de concurso aparente, que deveria ter sido resolvido atendendo às regras da consunção, sendo o primeiro crime consumido pelo segundo, uma vez que a lei estabelece, a este último, uma moldura penal mais grave.

4 - O crime de pornografia de menores é praticado, nomeadamente, por quem utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim (aI. b) do nº 1, do artº 176 do CP).

5 - In casu, resultou provado nos autos relativamente ao ofendido EE (factos 5 a 15 dos factos provados) que o arguido iniciou com este um relacionamento com conversas de cariz manifestamente sexual, num padrão de conduta homogéneo, com o único fim de satisfazer os seus instintos libidinosos.

6 - Sabia o arguido qual a verdadeira idade deste menor e ainda assim manteve com o mesmo quer conversas de cariz marcadamente sexual, quer enviando vídeos com teor pornográfico retratando órgãos genitais de adultos, coito oral e copula, assim como com outros conteúdos, quer pressionando-o através de um discurso manipulador sobre as dimensões do pénis do menor, com a intenção de que aquele lhe remetesse imagens/fotografias deste, o que não logrou alcançar.

7 - Nesta situação, a factualidade dada como provada e constante dos pontos 5 a 15 dos factos provados integra a prática de 1 crime de pornografia de menores agravada p. e p. pelo art.º176 n.º1 b) e 177 n.º7, ambos do C.Penal, devendo considerar-se que o crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º171 n.º3 b) do C. Penal, é consumido pelo crime mais grave, o de pornografia de menores, revelando uma situação de concurso aparente de crimes.

8 - Com efeito, nesta situação concreta, temos por um lado temos o arguido a actuar perante este menor por meio de conversa pornográfica [abuso sexual de crianças], por outro temos que essa mesma conversa pornográfica visava, pelo menos, aliciar os menores a fim de se deixarem utilizar em fotografias retratando o seu pénis [pornografia de menores].

9 - Em cada uma dessas situações verifica-se assim que uma única conduta do arguido (conversação de teor sexual, no decurso da qual solicita ao menor que lhe envie fotografias onde figurem o seu pénis) preenche, em simultâneo, dois tipos incriminadores, sendo o mesmo o bem jurídico protegido.

10 - Nesta situação concreta da factualidade ínsita nos pontos 5 a 15 dos factos provados, verifica-se, portanto, uma relação de concurso aparente, a resolver de acordo com as regras da consumpção, sendo o crime de abuso sexual de crianças consumido pelo crime de pornografia de menores, devendo o arguido ser condenado apenas por este último, o que se requer.

11 - O mesmo sucedendo com a factualidade ínsita nos itens 37 a 58, onde, pelas mesmas razões se verifica uma situação de concurso aparente, também esta a resolver pelas regras da consumpção, sendo o crime de abuso sexual de crianças consumido pelo crime de pornografia de menores, devendo o arguido ser condenado apenas por este último, o que, também se requer.

12 - Isto dito, não pode o arguido concordar também com a qualificação jurídica constante do acórdão recorrido no que concerne à imputação ao arguido da prática de 1 crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea b) e 177.º n.º6 do Código Penal; de 29 crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea b) e 177.º n.º7 do Código Penal; de 2 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, b) do C.P; e de 1 crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do C.P..

13- Isto porque, ressalvado o devido respeito, que é muito, apesar de a conduta do arguido se subsumir a vários actos delituosos praticados com relação a cada um dos três ofendidos, certo é que estamos perante crimes de trato sucessivo, a impor que se considere que o arguido praticou, com relação a cada um dos menores EE e FF, um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores (na procedência do supra alegado) e de um único crime de pornografia de menores com relação ao menor DD.

14 - Tal conceito com genética doutrinal e jurisprudencial visa as situações de realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos de crime, que, fundamentalmente, protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, e unificados pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime.

15 - Paradigmático do entendimento de que, em determinadas circunstâncias a figura do trato sucessivo tem cabimento no âmbito dos crimes sexuais é o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2012, proferido no âmbito do Proc. 862/11.6 TAPFR . S1, segundo o qual “Os crimes sexuais são muitas vezes atos isolados, fruto de circunstâncias irrepetíveis. É assim no caso de violações durante um assalto a uma residência, ou na sequência de um rapto, ou num encontro em local ermo.

Mas, outras vezes seguem um percurso que se prolonga no tempo, isto é, em vez de um ato ou de vários atos ilícitos, há uma atividade sexual ilícita.

É próprio da natureza humana a junção dos mesmos parceiros sexuais por períodos prolongados no tempo. O mesmo se passa, muitas vezes, nos crimes sexuais, sempre que as circunstâncias o proporcionam e a diferença entre estes e as uniões sexuais mais correntes entre as pessoas, é a circunstância de nos casos criminosos existir uma vítima, alguém a quem o agente retira [ou condiciona] a liberdade ou a autodeterminação sexual.

Na “atividade sexual criminosa” o agente aproveita-se sexualmente de outra pessoa que é acessível ao seu contato, por ser da família, ou do seu círculo de amizades, ou do seu local de trabalho, ou por outra circunstância similar, fazendo-o pela força, ou pela intimidação, ou pela incapacidade da vítima em se defender, por exemplo, por ser menor. Nesses casos, os crimes sexuais tendem a ter uma frequência por um período prolongado no tempo e a juntar os mesmos «parceiros», um deles vitimizado sucessivamente.

Ora, quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.

O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa “atividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. (…).

A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.

Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por atos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atos se repetem.

O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma

«unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P.

Albuquerque). Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.(…).”

16 - E a propósito de um caso de crime de abuso sexual de crianças, o Ac. do STJ de 23-01-2008, proc. n.º 4830/07-3ª, resume do seguinte modo o que aqui temos vindo a expor: «I - O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da atuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado.II - Estando em causa um crime de abuso sexual de crianças agravado, não pode aceitar-se que o «êxito» da primeira «operação» e das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido: este agiu determinado pela vontade de satisfazer os instintos libidinosos, como se diz no acórdão recorrido, e, para tanto, aproveitou as situações mais favoráveis para esse efeito, nomeadamente a ausência da sua mulher e mãe da ofendida. O aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado. É, de resto, notório, que o arguido agiu determinado por uma única resolução, por ela levado a aproveitar todas as situações que facilitassem a prática dos atos ilícitos, e não formando sucessivamente novas resoluções perante circunstâncias favoráveis entretanto surgidas. III - Da mesma forma, a não resistência da ofendida, embora certamente tenha facilitado a repetição do comportamento do arguido, também não pode atenuar a culpa, pois a atitude da ofendida terá normalmente resultado do ascendente que, como pai, o arguido tinha sobre ela, e não de um «acordo» entre ela e o arguido, que não se provou. IV - Nem sequer se podem considerar homogéneas todas as condutas imputadas ao arguido, uma vez que uma delas, a descrita inicialmente na matéria de facto, assume claramente uma gravidade maior do que as restantes. Quando muito, poderia admitir-se a unificação num crime continuado das três condutas que consistiram em o arguido acariciar e chupar os seios da ofendida, condutas inteiramente homogéneas. Contudo, a homogeneidade não é condição suficiente da continuação criminosa, sendo essencial, como já se disse, que haja uma efetiva diminuição da culpa do agente, o que não sucede, pois que a repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do arguido em satisfazer os seus desejos, vontade essa que superou as normais inibições que estão ligadas às relações entre pais e filhos. V - Em todo o caso, essas três condutas, se não podem ser unificadas em termos de continuação criminosa, podem sê-lo como crime de trato sucessivo, que se caracteriza pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada, que será medida de acordo com o número de condutas e respetiva ilicitude.(…)

Como diz Eduardo Correia, (RLJ, ano 100, nº 3350-3357, citado no código penal anotado de P.P. Albuquerque) «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação», além de que deverá ainda ocorrer uma homogeneidade na conduta do agente, prolongada no tempo e em que os tipos de ilícito em causa sejam os mesmos ou, se diferentes, protejam essencialmente o mesmo bem jurídico ou bens jurídicos semelhantes.”

17 - É o que se passa no caso dos autos.

18 - In casu, a factualidade provada demonstra ter existido por parte do arguido um dolo inicial que abarcou os factos que praticou ao longo do período de tempo apurado, ou seja, uma conduta homogenia do arguido, prolongada no tempo, uma única resolução/intenção criminosa com relação a cada um dos 3 menores, num determinado período temporal, no mesmo contexto situacional, em que os tipos de ilícitos são os mesmos.

19 - Todos os factos integram a prática de vários crimes de pornografia de menores e de abuso sexual de criança, todos eles consubstanciados numa conduta homogénea do arguido, prolongada no tempo e ocorrida no mesmo contexto.

20 - Além de que o bem jurídico protegido por ambas as incriminações é a liberdade de desenvolvimento da autodeterminação sexual dos menores.

21 -A doutrina e a jurisprudência têm entendido que os denominados crimes de trato sucessivo, também chamados de exauridos, prolongados, protelados, apesar de se desdobrarem em várias condutas, são tratadas como um só crime, tanto mais grave quanto mais repetido.

22 - E ao contrário do que sucede no crime continuado, nos crimes de trato sucessivo não há uma diminuição considerável da culpa, mas, sim, um seu agravamento crescente à medida que a conduta se vai repetindo.

23 - Mas o fundamental é que há um único momento volitivo que faz desencadear todas as condutas, aglutinando-as todas, as primeiras e as subsequentes, motivo pelo qual se exclui o concurso real de infrações de acordo com o n.º 1, do art.º 30.º, do Código Penal.

24 - Certo que têm também entendido a doutrina e a jurisprudência que o crime de trato sucessivo é punido pelo facto mais grave.

25 - Vejam-se a este propósito os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos disponíveis em www.dgsi.pt, de onde resulta o mencionado entendimento:

•Ac. STJ, de 02-10-2003, pr. 2606/03-5.ª, in CJ-STJ 2003, tomo 3, pág. 194;

•AC. STJ, de 12-07-2006, pr. 1709/06 – 3.ª Secção

•Ac. STJ, de 03-10-2007, pr. 2271 – 3ª Secção;

•Ac. STJ, de 14-06-2007, pr. 1580/07-5.ª, CJ-STJ 2007, tomo 2, pág. 220;

•Ac. STJ, de 23-1-2008, pr. 4830/07-3.ª Secção;

•Ac. STJ, de 21-10-2009, pr. 33/08.9 TAMRA.E1. S1-3.ª Secção;

•Ac. STJ, de 7-1-2010, pr. 922/09.1 GAABF-5.ª, CJ-STJ 2010, tomo 1, pág. 176;

• Ac. STJ, de 20-1-2010, pr. 19/04.2JALRA.C2. S1-3.ª Secção;

• Ac. STJ, de 29/11/2012, pr. 862/11.6TAPFR.S1 – 5.ª Secção;

26 - Transpondo este entendimento para o caso dos autos, e como resulta dos factos provados, deve a punição do arguido ser feita através do crime mais grave imputado, ou seja, única e exclusivamente pelo o crime de abuso sexual de criança p.e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 do Código e, assim, aplicar-se ao arguido uma pena única de dois anos e nove meses de prisão – afinal, a pena parcelar aplicada a este crime no acórdão recorrido – ou, a não se entender assim, numa pena única de prisão que não deverá ultrapassar os cinco anos (atenta a prática de toda a atividade criminosa do arguido, consubstanciada também na pornografia de menores, e atento ainda o progressivo agravamento da culpa verificado com a reiteração da conduta).

27 - Esta pena a aplicar ao arguido, deverá sempre ser suspensa na respetiva execução nos precisos termos que vão descritos na parte final desta motivação.

28 - A medida da pena que acima preconizamos (quatro anos de prisão ou, assim não se entendendo, pena de prisão nunca superior a cinco anos e, em qualquer caso, com suspensão da respetiva execução), justifica-se por vários motivos que mais à frente abordaremos.

29 - Acaso porventura se entenda que os factos imputados ao arguido e dados como provados na decisão recorrida não integram a prática do denominado crime de trato sucessivo e que, tal como decidido na primeira instância, consubstanciam a prática de 1 crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea b) e 177.º n.º6 do Código Penal; de 29 crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea b) e 177.º n.º7 do Código Penal; de 2 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, b) do C.P; e de 1 crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do C.P., a punir em concurso real de infrações, deverão as penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes ser reduzidas aos mínimos legalmente previstos.

30 - Na verdade, nos crimes mencionados, em que foram ofendidos EE e DD, os menores sempre recusaram aceder aos pedidos do arguido de cariz sexual, como decorre expressamente dos factos dados como provados na decisão recorrida.

31 - Com tal, tendo-se verificado a recusa dos menores em aceder aos pedidos do arguido de cariz sexual, as consequências sofridas pelos ofendidos com a prática do aliciamento criminal, são bem menos graves do que seriam se aquele resultado se tivesse verificado.

32 - Bem sabemos que este exclusivo «aliciar» consubstancia também uma forma de consumação do crime; de qualquer modo, o desvalor do resultado sobre os bens jurídicos protegidos é substancialmente menor do que seria acaso os ofendidos tivessem acedido aos pedidos de cariz sexual do arguido.

33 - Com efeito, seria mais grave a conduta do arguido se porventura estes menores tivessem acedido a fotografarem o seu pénis como o arguido pretendia (como ocorreu com o ofendido FF); não dependeu essa recusa, também o sabemos, da vontade do arguido; mas o certo é que tudo se ficou pelo aliciamento, não havendo nudez dos menores nem a efetiva utilização dos mesmos em fotografia, filme ou gravação pornográficos.

34 - Como parece de fácil perceção, a gravidade das duas situações (utilização efetiva dos menores em fotografia, filme ou gravação pornográficos; ou simples aliciamento) é bem diferente, atenta a exclusividade do aliciamento.

35 - Esta substancial diferença no preenchimento do crime, deverá traduzir-se na medida da pena a aplicar ao agente do crime, e daí a previsão de um mínimo e de um máximo da pena, ou seja, aquele aplicável às situações menos gravosas e este às situações mais graves.

36 - Como tal, no que tange à prática dos crimes respeitantes aos ofendidos EE e DD, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse aplicado ao arguido uma pena situada nos correspondente mínimos legais.

37 - Já no que tange ao ofendido FF, atentas todas as circunstâncias resultantes dos factos provados da decisão recorrida e que infra vão pormenorizadamente descritas, a saber, a idade do arguido, o certificado do registo criminal do arguido sem mácula, o arrependimento e a vergonha do arguido pelos factos criminosos que praticou, a cabal inserção social do arguido verificada ao momento, o facto de já ter reflectido e interiorizado o desvalor da sua conduta, impunha-se que o Tribunal recorrido tivesse aplicado ao arguido uma pena situada, para cada um dos crimes em causa, muito próxima dos seus mínimos legais.

38 - Acresce ainda que deve notar-se que em nenhum dos crimes imputados ao arguido se verificou a agravação pelo resultado, nos termos do n.º 5, do art.º 177.º, do Código Penal, situação que o próprio legislador acaba por assumir como podendo revelar uma menor gravidade do crime a ponto de admitir, em certas circunstâncias, a suspensão provisória do processo (cfr. art.º 178.º, n.º 3 do Código Penal e art.º 281.º, n.º 8, do Código de Processo Penal).

39 - Com efeito, todas as circunstâncias a que acima fizemos alusão, não fazendo parte dos tipos de crime aqui em causa, claramente resultam em favor do arguido, devendo, por isso, nos termos do disposto no art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, ser consideradas relevantes na determinação da medida da pena.

40 - E daí que, no que respeita à pena única a aplicar ao arguido, quer no caso do crime do trato sucessivo, quer no caso do concurso real de infrações, e, mais uma vez, atentas todas as circunstâncias infra mencionadas que apontam no sentido de uma atenuação das exigências da prevenção geral e da prevenção especial, a pena a aplicar ao arguido deverá situar-se muito próximo do mínimo legal, e, em qualquer caso, nunca superior a 5 anos de prisão, medida da pena que, quer no caso do crime do trato sucessivo, quer no caso do concurso real de infrações, justifica-se pelos seguintes motivos que conduzem, indubitavelmente, a uma atenuação das exigências da prevenção geral e da prevenção especial:

. Desde logo, o arguido confessou a prática de todos os factos que lhe foram imputados nos presentes autos, colaborando ativamente no sentido da descoberta da verdade;

. O arguido demostrou um profundo e sincero arrependimento, sentindo-se envergonhado pela prática dos factos reportados nos autos;

. Pediu desculpa pela sua conduta;

. Nunca teve qualquer contacto físico com os menores EE e DD, já que toda a sua conduta se desenvolveu através de comunicações escritas, sendo que, com relação ao menor FF, tal contacto ocorreu uma única vez;

. também nunca transmitiu a terceiros quaisquer fotos deste menor;

. encontra-se perfeitamente inserido, pessoal, familiar e profissionalmente, posto que:

. integra, como ocorria à data dos factos, o agregado familiar composto pelos seguintes elementos: - CC, 66 anos, mãe do arguido, reformada; GG, 79 anos, tia paterna do arguido, reformada; -HH, 82 anos, tia paterna do arguido, reformada. 90.

. em termos escolares, após terminar o 9º ano, o arguido frequentou curso profissional de hotelaria, que não concluiu, em virtude de ter optado por iniciar atividade laboral no setor da restauração, no qual se encontra a trabalhar desde os 17 anos de idade;

. trabalhou em vários ... na zona de ... e trabalha actualmente como funcionário no ... “...” localizado na freguesia de ..., concelho de ..., auferindo um ordenado de cerca de 850 euros mensais;

. a situação económica do agregado é estável, sendo assegurada pelas reformas das familiares coabitantes do arguido e sendo a subsistência do próprio garantida pelos valores que este retira do seu trabalho;

. Paralelamente, o arguido dedica-se, juntamente com a mãe e as tias, à exploração agrícola e criação de gado;

. a dinâmica intrafamiliar é adequada e assente em sentimentos de solidariedade, laços de entreajuda e coesão, vindo o arguido a beneficiar do suporte dos familiares com quem coabita;

. no meio social, o arguido está bem inserido, não havendo relatos de vizinhos que refiram qualquer receio ou insegurança;

. não há registo de ocorrências posteriores aos factos constantes no presente processo;

. o arguido tem uma rotina, maioritariamente, dedicada à sua atividade profissional no setor da restauração, dedicando ainda parte do seu tempo à exploração agrícola e criação de gado, bem como ao convívio com amigos e familiares, sendo que no meio residencial não lhe são atribuídas atitudes desajustadas;

. o arguido vivencia os presentes autos com ansiedade e preocupação, reconhece a ilicitude dos factos em causa e revela consciência quanto à importância de manter a normatividade;

41 - Do vindo de expender resulta que se encontra, em grande medida, satisfeita e suprida a necessidade de tutela da confiança e das expetativas da comunidade na manutenção da vigência das normas jurídicas violadas e do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelos crimes praticados pelo arguido;

42 - Além de que do exposto resulta igualmente que, ao momento, é francamente possível a conformação dos comportamentos do arguido com as normas de vivência comunitária, pelo que haverá de concluir-se que as exigências resultantes das finalidades de prevenção geral e de prevenção especial inerentes a toda e qualquer pena, se encontram, em forte medida, atenuadas.

43 - Efectivamente, o arguido é primário; de entre toda a factualidade descrita no douto acórdão recorrido, apenas numa única ocasião teve contacto físico com um dos menores (o que, continuando obviamente a ser grave, não tem o mesmo grau de gravidade de um efetivo contacto físico, como é facilmente apreensível), não logrando alcançar o resultado pretendido na maioria das situações, já que os menores recusaram a enviar-lhe qualquer imagem ou fotografia das suas partes íntimas, como lhes foi solicitado pelo arguido, sendo certo que, apesar de o simples “aliciar” bastar para a consumação do crime de pornografia de menores o certo é que em termos de consequências nocivas para os menores o resultado é bem menos grave do que seria se os menores houvessem anuído aos pedidos do arguido;

44 - Além de que, enquanto se mantiveram os contactos com o arguido, os menores nunca se aperceberam que estavam a ser contactados e manipulados com as intenções pretendidas pelo arguido e descritas nos autos.

45 - De todo o exposto decorre que, ao momento, não se verifica a necessidade de aplicar ao arguido penas que se afastem dos mínimos legais previstos para os ilícitos criminosos imputados ao arguido.

46 - Na verdade, uma pena de prisão alargada e uma pena de prisão a cumprir efetivamente, no caso concreto, revelam-se manifestamente excessivas, atenta a reduzida exigência das finalidades dessas penas ao nível da prevenção geral e da prevenção especial ao momento verificada.

47 - Com efeito, todas as circunstâncias a que acima fizemos alusão, não fazendo parte dos tipos de crime aqui em causa, claramente resultam em favor do arguido, devendo, por isso, nos termos do disposto no art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, ser consideradas relevantes na determinação da medida da pena.

48 - E daí que lhe deveria ter sido aplicada uma pena nunca superior a 5 anos de prisão.

49 - Além de que a pena, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa.

50 - Também pelo que acima deixámos dito, e verificado o pressuposto de aplicação ao arguido de uma pena não superior a cinco anos de prisão, atenta a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias destes, é forçoso concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as supra mencionadas finalidades da punição.

51 - Impõe-se por isso a suspensão da execução da pena única que, em medida nunca superior a 5 anos de prisão, venha a ser aplicada ao arguido.

52 - Evidentemente que a suspensão da execução da pena de prisão deverá ficar condicionada ao cumprimento dos deveres e à observância das regras de conduta que este alto Tribunal entender adequados.

53 - Deve assim revogar-se o acórdão recorrido e o mesmo substituído por outro em conformidade com o preconizado supra

Nestes termos e nos melhores de direito, que o douto suprimento de Vs. Exas. acolherão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o douto acórdão recorrido substituído por outro que decida em conformidade com o expendido supra (…).

3.O Digno Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando em conclusões: (transcrição)

1) Os crimes de pornografia de menores agravado e abuso sexual de crianças descritos nos factos provados encontram-se em situação de concurso efectivo e não concurso aparente, pois que se reportam a censuras diversas;

2) O arguido cometeu tantos crimes (de pornografia de menores agravado e de abuso sexual de crianças) quantas as condutas por si perpetradas, inexistindo qualquer situação de trato sucessivo, que sequer tem previsão legal.

3) Quanto à medida da pena seria, em absoluto, desadequada ao caso concreto a pena propugnada de 5 anos de prisão (e muito menos suspensa na sua execução, atentas as fortíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir para os crimes em apreço), visto ficaria muito aquém das exigências de prevenção geral, em face do número expressivo de crimes cometidos contra crianças nos últimos anos, competindo, por isso, aos tribunais proferir decisões que reafirmem, perante a comunidade, a validade das normas violadas pelo arguido.

Entendemos, na verdade, e em suma, que nenhuma alteração ou revogação da douta decisão proferida deverá ser efectuada, pelo que, negando-se provimento ao recurso do arguido e confirmando-se o acórdão ora posto em crise (…).

4. Igualmente o Assistente EE veio responder ao recurso, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)

A) Os crimes de pornografia de menores agravado e abuso sexual de crianças descritos nos factos provados encontram-se em situação de concurso efectivo e não concurso aparente, pois que se reportam a censuras diversas;

B) Nos termos do art. 171º do C.Penal, sob a epígrafe “ Abuso sexual de crianças”:“1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos. 3 - Quem: b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos; é punido com pena de prisão até três anos.”

C) O bem jurídico ora tutelado é, pois, a liberdade e autodeterminação sexual a que qualquer pessoa tem direito, mas por se tratar de vítimas menores a relevância incide imediatamente na protecção da sexualidade durante a infância e o começo da adolescência e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento.

D) O elemento objectivo que caracteriza, por excelência, o tipo de ilícito é constituído pelo “acto sexual de relevo” praticado com ou em menor de 14 anos de idade, tendo a conduta do agente de ter cariz sexual e assumir significado de relevo.

E) A vontade da vítima não é elemento do tipo pois que o mesmo completa-se independentemente da existência ou não do consentimento da criança.

F) O elemento subjectivo revela-se na consciência e vontade de praticar o acto abusivo, com conhecimento da idade da pessoa ofendida, ou seja, basta-se o dolo genérico, em qualquer das três modalidades definidas no art. 14º do Código Penal, ou seja, a realização voluntária do facto típico (acto sexual de relevo), com conhecimento ou representando como possível a idade da menor inferior a 14 anos.

G) O legislador, no artigo 171º do CP presume iuris et de iure que qualquer conduta sexual que envolva menores de 14 anos lesa o desenvolvimento da sua personalidade, uma vez que abaixo desta idade o menor não tem, em princípio, capacidade para decidir de forma livre, consciente e esclarecida, em termos de relacionamento sexual, fazendo com que não se atribua relevância jurídica ao consentimento ou acordo eventualmente manifestado.

H) O crime de pornografia de menores é praticado, nomeadamente, por quem utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim (aI. b) do nº 1, do artº 176 do CP).

I) O tipo de crime do artigo 176.º, n.º 1, al. b), do CP, pressupõe uma determinada integração activa da conduta do agente, de modo a levar o menor a participar nas actividades que o agente pretende.

J) O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.

K) Os crimes contra a autodeterminação sexual tipificam condutas livres de violência e de ameaças graves, mas que são suscetíveis de causar graves danos no desenvolvimento da personalidade do menor, uma vez que este não tem ainda capacidade para formar livremente a sua vontade (CUNHA 2003, 203).

L) Não obstante, ambos os crimes (abuso sexual de crianças e pornografia de menores) serem crimes perigo abstracto, ambos diferem, quer quanto à conduta do arguido, quer quanto ao bem protegido.

M) O crime de pornografia de menores não pretende apenas proteger a autodeterminação sexual do menor, protege igualmente, a exploração sexual do menor, quer se trate de uma exploração por aliciamento ou utilizando o menor em fotografia ou filmes.

N) A autonomização do crime de pornografia de menor relativamente ao crime de abuso sexual de criança e adolescente visa punir sentidos sociais do ilícito distintos:

- se, por um lado, a análise global do ilícito subjacente ao ato sexual com criança ou adolescente permite-nos afirmar que se protege a autodeterminação e liberdade sexual dos menores;

- por outro lado, no crime de pornografia de menores, em qualquer uma das modalidades das condutas previstas no tipo, mostra-nos um outro sentido social ilícito subjacente à incriminação — a ilicitude decorrente da exploração sexual do menor quando utilizado em fotografia ou vídeos, imortalizando os atos ou poses cristalizados nas fotografias ou nos vídeos, ou o seu simples aliciamento é uma outra (e acresce à) ilicitude subjacente à realização do ato sexual.

O) O envio de fotografia/conteúdos pornográficos por parte do arguido/Recorrente para os menores não preenche o tipo do art.º 176º, nº 1, do Código Penal, mas sim, do crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º171 n.º3 b) do C. Penal, dado que, não se trata da cedência, exibição ou divulgação de material pornográfico em que figure os menores, ou o aliciamento dos mesmos para esse efeito.

P) Assim, este facto concreto (o envio de fotografias de cariz sexual ou outros conteúdos da mesma natureza para os menores) não se pode considerar consumido pelo crime de pornografia de menores (aliciamento dos menores para o envio de fotos íntimas do corpo dos menores).

Q) Ao contrário do alegado pelo arguido/recorrente, não se verifica uma única conduta por si praticada,

R) O arguido praticou estes factos com três menores, em situações temporais diferentes, tendo perdurado no tempo, alguns dos factos praticados quando os menores, inclusive o, ora Recorrido, eram menores de 14 anos e após atingirem os 14 anos.

S) Pelo que, não nos afigura correcta a pretensão do Recorrente no sentido de imputar um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores, relativamente a cada um dos menores envolvidos, lançando mão da figura do crime de trato sucessivo.

T) O arguido cometeu tantos crimes (de pornografia de menores agravado e de abuso sexual de crianças) quantas as condutas por si perpetradas, inexistindo qualquer situação de trato sucessivo, que sequer tem previsão legal.

U) Os factos praticados pelo arguido/recorrente em relação a cada menor, não consubstanciam uma conduta homogénea, dado que, em cada conversa mantida com cada menor o arguido/recorrente agia de forma diferente e tinha intentos diferentes, tanto enviava fotos de partes íntimas do corpo (pénis), como enviava fotos com conteúdos sexuais, tal como, a forma de aliciamento mudava consoante o comportamento de cada menor às suas investidas.

V) Quanto ao ora assistente/recorrido, os actos delituosos foram praticados em momentos temporais distintos (quando ele era menor de 14 anos e após este já ter completado os 14 anos) situações que foram valoradas quanto à agravação das penas.

W) Nos crimes de abuso sexual de menores, estão em causa bens eminentemente pessoais, pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado afasta-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente ao crime de trato sucessivo.

X) A jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como os dos presentes autos.

Y) Seguindo este entendimento, veja-se em https:/www.dgsi.pt>jstj.nsf os seguintes Acórdãos:

- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2022, Processo n.º 754/20.8JABRG.G1.S1, 3.ª SECÇÃO;

- o Acórdão de 2019-11-27 (Processo nº 784/18.0JAPRT.G1.S1), de 27 de novembro, datado de 2019-11-27;

- o Acórdão STJ de 29.11.2012 (rel. Santos Carvalho);

- o Acórdão STJ de 14.01.2016, rel. Manuel Augusto de Matos;

- o Acórdão STJ de 22.04.2015, rel. Sousa Fonte;

- o Acórdão STJ de 10.11.2016, rel. Manuel Braz;

- o Acórdão STJ de 6.04.2016, rel. Santos Cabral;

- o Acórdão STJ de 20.04.2016, rel. Helena Moniz;

- o Acórdão STJ de 13.07.2017, rel. Rosa Tching;

- o Acórdão STJ de 3.11.2016, rel. Francisco Caetano;

- nas Relações, o Acórdão do TRC de 09-04-2014, rel. Alcina da Costa Ribeiro;

- e o Acórdão TRE de 07.02.2017, rel. Ana Brito.

Z) A “construção” do trato sucessivo não está de acordo com as exigências do Direito penal, há que tirar daí as devidas consequências.

AA) Face ao exposto, não obstante, as condutas praticadas pelo arguido/recorrente sejam em tudo idênticas, a verdade é que cada um dos actos perpetrados pelo arguido reclama, por si só, uma censura penal, consubstanciando uma conduta autónoma da seguinte – e da anterior.

BB) Assim, e sem necessidade de mais considerandos, entende-se o douto Acórdão não merece qualquer reparo quanto à condenação do arguido por tantos crimes quantas as condutas por si perpetradas, pelo que nenhuma censura nos merece a decisão proferida.

CC) Quanto à medida da pena seria, em absoluto, desadequada ao caso concreto a pena propugnada de 5 anos de prisão (e muito menos suspensa na sua execução, atentas as fortíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir para os crimes em apreço), visto ficaria muito aquém das exigências de prevenção geral, em face do número expressivo de crimes cometidos contra crianças nos últimos anos, competindo, por isso, aos tribunais proferir decisões que reafirmem, perante a comunidade, a validade das normas violadas pelo arguido.

DD) Ao fixar a concreta medida da pena aplicada ao recorrente, o Tribunal “a quo” procedeu de forma ponderada pois que tendo em atenção os limites mínimos e máximos da moldura penal aplicável convocou os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso para determinar aquela pena.

EE) O argumento do arguido/recorrente que as condutas por si perpetradas não foram excessivamente graves, demonstra uma falta de sensibilidade e de falta de consciência do mal que infligiu aos menores e demonstra ainda que não reconhece a ilicitude dos factos pelos quais doi condenado e revela uma inconsciência quanto à importância de manter a normatividade.

FF) Nos presentes autos o arguido/recorrente quer justificar a falta de gravidade da sua conduta com a capacidade de dois dos menores não aceitarem as suas propostas libidinosas – querendo beneficiar à custa da maturidade e bom senso dos menores.

GG) Tentando minimizar a gravidade da sua conduta, ocultando, de forma, propositada os actos praticados contra o menor FF.

HH) O arguido com a sua conduta atentou de forma reiterada a protecção da sexualidade e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual dos menores, onde se incluí o ora assistente/recorrido.

II) A confissão do arguido/recorrente feita em sede de audiência de julgamento deverá ser valorada com cautela tendo em conta que, ainda que, o arguido não confessasse os factos da douta acusação, a prova dos mesmos estava realizada documentalmente.

JJ) Quanto ao alegado arrependimento sincero do arguido/recorrente, face ao pedido de desculpas feito en sede de Audiência de Julgamento perante o douto Tribunal deve o mesmo ser entendido com enumeras reservas, dado que, o arguido/recorrente nunca por si, ou por interposta pessoa chegou a pedir desculpa directamente quer aos menores, quer aos seus familiares (pais).

KK) Foi dado como provado que o arguido, “não obstante, residir na mesma localidade do ofendido/demandante, continuou a participar nas atividades desportivas que o ofendido frequenta, e, após o ofendido ter comunicado aos seus pais os atos praticados pelo arguido/demandado, e ele ter sabido de tal, passou a frequentar o local de trabalho da mãe do ofendido, que até não frequentava”.

LL) Comportamento que é entendido pelo ora assistente/recorrido como será provocatório para a vítima e seus pais e contraria a versão de arrependimento.

MM) Não obstante o arguido/recorrente ter uma boa formação, demonstrando um elevado funcionamento cognitivo (acima da média) e ter uma dinâmica intrafamiliar adequada e assente em sentimentos de solidariedade, laços de entreajuda e coesão, beneficiando do suporte dos familiares com quem coabita, tais circunstâncias, não o impediram de praticar os factos de que foi acusado e condenado, nunca se confrontando a si próprio com a anomalia da sua conduta.

NN) As crianças são consideradas pelo legislador não só como destinatários, mas também como sujeitos de direitos fundamentais entre os quais sobressai o direito ao desenvolvimento integral em todos os aspetos da sua identidade pessoal, o direito ao respeito pela sua dignidade humana e o direito à proteção contra todas as formas de exploração ou exposição sexual.

OO) A pornografia infantil e o abuso sexual de crianças, constitui uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar” – Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro.

PP) Os factos praticados pelo recorrente e dados como provados, no âmbito da criminalidade em apreço, têm uma gravidade de patamar superior, dada a sua natureza, a tenra idade das vítimas, o modo como os abusos foram praticados e a sua reiteração, impondo-se uma tolerância zero quanto a este tipo de comportamento, que usou e abusou da confiança que os menores e seus pais tinham nele, para a prática dos crimes.

QQ) Em suma, afigura-se que pelas exigências de prevenção geral assinaladas e atenta a gravidade dos factos que praticou, a suspensão de execução da pena seria defraudar a tutela do bem jurídico que se impõe proteger.

RR) Nomeadamente, a pena tem inerente um efeito dissuasor, deve transmitir à comunidade um sentimento de Justiça feita - que o arguido não ficou impune, e que possa fazer pensar a quem tenha a ideia de atentar contar os bens jurídicos protegidos, antes de se decidir se vale a pena tal ousadia.

SS) Para as vítimas, (inclusive o ora assistente/recorrido) e para a sociedade em que estão inseridas, a simples ameaça com a pena de prisão, ainda com regime de prova, fará senti-los mais inseguros e com o sentimento de que ninguém se preocupa com os mesmos, mas apenas com quem prevarica, o que é de todo, de afastar.

TT) Ainda que, se pusesse de lado as exigências de prevenção geral, o que não se concede, afigura-se que não é possível fazer qualquer juízo de prognose favorável, privilegiando as necessidades de prevenção especial atenta à ausência de verdadeiro arrependimento do arguido (que continua a frequentar os lugares que o assistente/recorrido e seus pais frequentam como se nada se tivesse passado) e manifesta falta de interiorização do desvalor da conduta e das suas consequências.

UU) Nestes termos, nada nos permite supor que a simples ameaça com a pena de prisão seja suficiente para que sejam atingidas as finalidades da punição, também pelas exigências de prevenção especial, existindo sérias dúvidas de que o arguido desse modo se afastaria da criminalidade.

VV) Tudo ponderado, a aplicação de uma pena de prisão efectiva revela-se como a única adequada para alcançar todas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso, e por tudo o acima exposto, não se compagina com os presentes autos a ponderação e aplicação de outros institutos penais.

WW) O Tribunal a quo qualificou o grau de ilicitude (circunstâncias relativas ao grau de ilicitude, modo de execução e suas consequências) de “médio-alto” e “médio” e sublinhou as “elevadas” necessidades de prevenção geral (que, pela sua frequência e intensidade, se fazem sentir),

XX) O que significa que não sobrevalorizou estes fatores, em desconsideração das demais circunstâncias relevantes por via da culpa e da prevenção e em violação do limite imposto pela culpa.

YY) O Tribunal a quo para além das circunstâncias dos factos que depõem contra o arguido, consistentes na violação repetida do mesmo bem jurídico, com intensidade acrescida, do número de crimes praticados, em condições essencialmente idênticas, relacionadas com a verificação e aproveitamento de idênticas circunstâncias (utilização das redes sociais para abordar os menores e manter conversações, certificando-se do anonimato e confidencialidade entre ele e os menores, questionando-os se os pais tinham acesso às mesmas), ponderou a forte persistência e intensidade da vontade criminosa ao longo do tempo, não esquecendo as condições económicas e sociais do recorrente, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto [circunstâncias das al. d) a f) do art. 71.º].

ZZ) O facto do arguido/recorrente poder sofrer de uma «parafilia», uma perversão, no sentido de que se sentiu ou sente eroticamente atraído de forma compulsiva e exclusiva por crianças e jovens adolescentes ou “desconhecer a sua sexualidade” não poderá atenuar a sua responsabilidade.

AAA) Contra o arguido, com severidade, verificam-se as circunstâncias em que os crimes foram praticados, num quadro de confiança estabelecido entre o arguido e os menores e as suas famílias, que levavam a que as vítimas, menores de 14 anos, lhe fossem entregues, para cuidado, proteção e apoio, no âmbito da função que exercia nas actividades desportivas que os menores praticavam, o que lhe impunha especiais deveres de respeito, cuja violação é, neste contexto, merecedora de forte censura.

BBB) O facto, do arguido não ter averbadas no certificado de registo criminal condenações, a confissão dos factos e demonstração de arrependimento em audiência de julgamento perante o Tribunal, podendo ser positivamente ponderado, não justifica, por si só, no conjunto das circunstâncias de gravidade relativas aos factos, a satisfação da pretensão do recorrente.

CCC) Tendo em conta a moldura abstrata da pena aplicável aos crimes em concurso na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido projetada e revelada na sua prática, não se identifica fundamento que possa constituir motivo para intervenção corretiva na medida da pena aplicada.

DDD) Assim a pena de 7 anos e 6 meses de prisão, encontra-se justificada sem ocorrer violação dos critérios de adequação e proporcionalidade, na consideração das necessidades de proteção dos bens jurídicos e de reintegração que a sua aplicação visa realizar.

EEE) O arguido actuou com dolo directo e muito intenso, pois quis fazer o que fez e do modo como o fez, sendo certo que os fins que o moveram foram a satisfação da sua lascívia e do seu desprezo pelas vítimas menores.

FFF) Por outro lado, demonstrou frieza de ânimo, desprezo pelo próximo e insensibilidade face às vítimas fragilizadas, e de cujas idades bem conhecia.

GGG) A ilicitude e a culpa elevadas, a natureza dos crimes em causa, caracterizados pela sua danosidade e repulsa social, o seu número (várias dezenas), a sua extensão temporal, bem como o universo dos lesados, apontam para uma ilicitude global elevada.

HHH) Assim sendo, e por todo o exposto, não restam dúvidas que o Tribunal a quo não violou qualquer norma legal tendo decidido bem, com elevada Justiça e de acordo com o princípio da livre convicção do julgador.

III) Em face de todo este enquadramento, considera-se ajustada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

Termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso não obter provimento, mantendo-se o douto acórdão.

5. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer aderindo ao posicionamento tomado pelo Digno Ministério Público em 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, defendendo: (transcrição)1

(…)

Delimitado o âmbito do recurso pelas suas conclusões, decorre das acima transcritas serem seu objecto, e em síntese, 1) a qualificação jurídica dos factos, no que respeita aos crimes de pornografia de menores agravado e de abuso sexual de crianças, defendendo o recorrente que este é consumido por aquele, o mais grave, devendo ser condenado apenas pelo primeiro, no que respeita aos factos provados 5 a 15, relativos ao menor EE, e 37 a 58, estes relativos ao menor FF (conclusões 1 a 11), e ainda no que respeita à imputação da prática de 1 crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 6, do Código Penal; de 29 crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º1, alínea b), e 177.º, n.º 7, do Código Penal; de 2 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b), do Código Penal e de 1 crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, igualmente do Código Penal, pretendendo que apesar de a sua conduta se subsumir a vários actos delituosos praticados com relação a cada um dos três ofendidos, se está perante crimes de trato sucessivo, a impor que se considere que o arguido praticou, com relação a cada um dos menores EE e FF, um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores, e de um único crime de pornografia de menores com relação ao menor DD, o que deveria levar a que a sua punição do arguido fosse feita através do crime mais grave imputado, ou seja, única e exclusivamente pelo o crime de abuso sexual de criança p.e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 do Código e, assim, aplicar-se ao arguido uma pena única de dois anos e nove meses de prisão – afinal, a pena parcelar aplicada a este crime no acórdão recorrido – ou, a não se entender assim, numa pena única de prisão que não deverá ultrapassar os cinco anos (atenta a prática de toda a atividade criminosa do arguido, consubstanciada também na pornografia de menores, e atento ainda o progressivo agravamento da culpa verificado com a reiteração da conduta), pena ademais suspensa na sua execução (conclusões 12 a 28).

2) – Prevenindo diferente compreensão, e a manter-se a qualificação jurídica expressa na decisão recorrida, pugna o recorrente pela redução aos mínimos legais das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes (conclusões 29 a 39), sem que descure a pena única aplicada, clamando por um quantum muito próximo do mínimo legal, seja no crime do trato sucessivo, seja no concurso real de infracções, em qualquer caso nunca superior a 5 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução, condicionada a deveres e regras de conduta (conclusões 40 a 53).

(…)

Do concurso de crimes de pornografia de menores agravado e de abuso sexual de crianças.

O Tribunal a quo equacionou e decidiu esta questão nos seguintes termos:

(…)

Verificando-se que ambos crimes – de abuso de crianças e de pornografia de menores agravada – protegem essencialmente o mesmo bem jurídico e que os factos forma praticados na mesma ocasião, cumpre aquilatar se existe um concurso aparente que demande a punição por um só crime.

Sucede que, o abuso sexual de crianças traduziu-se no envio de filmes pornográficos de adultos ao menor, ao passo que o crime de pornografia de menores agravado consistiu no aliciamento para que o menor retratasse e enviasse ao arguido uma fotografia do seu pénis. Não pode, pois, afirmar-se que existe uma relação de consunção entre as referidas normas.

Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.07.2016, p. 87/10.8GGODM.E1, in www.dgsi.pt, onde se entendeu que:

“Porém, no decurso de uma das conversas que manteve com a menor ..., o arguido enviou-lhe (por mensagem de telemóvel) uma fotografia de um pénis ereto. Ora, se tal facto, ocorrido durante uma conversa de cariz pornográfico, não é autonomizável para efeitos do preenchimento do crime de abuso sexual de crianças na modalidade de atuação sobre menor por meio de conversa, escrito ou objeto pornográficos (constituindo um único crime de abuso sexual de crianças), já assim não será relativamente ao crime de pornografia de menores, pois a conduta em causa (o envio da tal fotografia pornográfica para o telemóvel da menor) não preenche o tipo do artigo 176º, nº 1, do Código Penal, dado que não se trata da cedência, exibição ou divulgação de material pornográfico em que figure um menor.

Assim, este facto concreto (o envio de uma fotografia pornográfica para o telemóvel da menor) não se pode considerar consumido pelo crime de pornografia de menores, havendo portanto que considerá-lo autonomamente dos demais, preenchendo o tipo de abuso sexual de crianças na modalidade de atuação sobre menor por meio de objeto pornográfico.”

Perfilhando o mesmo entendimento, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.2019, p. 3910/16.0T9PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt, no qual se decidiu que:

“Noutras situações factuais já ocorre efetivamente o concurso real e efetivo entre os tipos legais do abuso sexual de criança e o tipo legal da pornografia, situações devidamente identificadas supra, pois que, no decurso de algumas das conversas acima dadas por provadas o arguido envia a algumas das menores fotografia de um pénis ereto, entre outros conteúdos de natureza pornográfica. Ora, esta conduta (o envio de fotografia/conteúdos pornográficos por parte do agente para menor) não preenche o tipo do art.º 176º, nº 1, do Código Penal, dado que não se trata da cedência, exibição ou divulgação de material pornográfico em que figure um menor, ou aliciamento do mesmo para esse efeito, mas o crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º171 n.º3 b) do C. Penal. Assim, este facto concreto (o envio de uma fotografia pornográfica ou outro conteúdo da mesma natureza para menor) não se pode considerar consumido pelo crime de pornografia de menores, havendo portanto que considerá-lo autonomamente dos demais, preenchendo o tipo de abuso sexual de crianças na modalidade de atuação sobre menor por meio de objeto pornográfico” (negrito nosso).

No caso dos autos, concordando com o entendimento supra exposto, conclui-se que existe um concurso efetivo entre os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores agravado, devendo, em consequência, o arguido ser punido em conformidade.

(…)

Entendimento que nenhuma censura suscita, sendo de manter o decidido.

(…)

Dos crimes de trato sucessivo.

Insurge-se o recorrente contra a sua condenação pelos crimes de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 6, do Código Penal (um), de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 7, do Código Penal (vinte e nove); de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b), do Código Penal (dois) e de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, igualmente do Código Penal (um), dizendo que, apesar de a sua conduta se subsumir a vários actos delituosos praticados com relação a cada um dos três ofendidos, se está perante crimes de trato sucessivo, a impor que se considere que praticou, com relação a cada um dos menores EE e FF, um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores, e de um único crime de pornografia de menores com relação ao menor DD.

Sobre esta problemática do crime de trato sucessivo, considere-se o que ainda muito recentemente, em 26.09.2024, se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1379/21.6JAPRT.P1.S1, da 5ª Secção,

(…)

O crime de trato sucessivo não é uma categoria legal, mas um conceito elaborado pela doutrina e pela jurisprudência, e de que esta lançou mão para, em casos de dificuldade de prova causadas pelo elevado número de condutas repetidas, designadamente, no âmbito de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, ficcionar a existência de um crime único, com culpa agravada pela reiteração (entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012, processo nº 862/11.6TAPFR.S1), ficção esta de algum modo suportada na posição de Eduardo Correia segundo a qual, existirá pluralidade de crimes quando o agente se tornou passível de vários juízos de censura da culpa e, portanto, quando ocorra uma pluralidade de resoluções do projecto criminoso, sendo, no entanto, esta pluralidade de resoluções de excluir, sempre que exista uma conexão temporal entre os vários momentos da conduta do agente, de tal modo que, de acordo com as regras da experiência psicológica, seja aceitável admitir que aquele executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação (Direito Criminal, II, Reimpressão, 1971, Almedina, págs. 200 e seguintes).

Sucede, porém, que é hoje jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal o afastamento da figura do crime de trato sucessivo no âmbito dos crimes sexuais (entre outros, acórdãos de 9 de Maio de 2024, processo nº 1392/22.6JACBR.C1.S1, de 11 de Maio de 2023, processo nº 334/21.0GBCTX.L1.S1, de 14 de Julho de 2022, processo nº 42/19.2JAPTM.E1.S1, de 24 de Março de 2022, processo nº 500/21.9PKLSB.L1.S1, de 23 de Novembro de 2022, processo nº 754/20.8JABRG.G1.S1, de 12 de Janeiro de 2022, processo nº 427/18.1JACBR.C1.S1, de 28 de Janeiro de 2021, processo nº 53/17.2JABRG.G1.S1, e de 1 de Outubro de 2020, processo nº 308/18.9GACVD.L1.S1).

Com efeito, a regra que resulta do nº 1 do art. 30º do C. Penal é a de que existem tantos crimes quantas as vezes que o mesmo tipo legal foi preenchido pela conduta do agente.

Ao tipo do crime de pornografia de menores em causa é alheio qualquer elemento de reiteração pelo que, é aplicável a regra geral prevista naquele nº 1, cometendo o arguido tantos crimes, repetidos, quantas as vezes que preencheu, objectiva e subjectivamente, a conduta típica ou seja, à pluralidade de actos corresponde a pluralidade de sentidos de ilicitude típica (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 988 e seguintes).

Aliás, a lei aponta, indirectamente, é certo, no sentido da inadmissibilidade da unificação da conduta através do crime de trato sucessivo. É que o nº 3 do art. 30º do C. Penal afasta a possibilidade de existir continuação criminosa relativamente aos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais – nos quais se incluem, necessariamente, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual –, quando o crime continuado – contrariamente ao crime de trato sucessivo –, tem um estatuto legal que se caracteriza, além do mais, por um abrandamento da moldura penal (art. 79º do C. Penal) pelo que, por maioria de razão, nenhum sentido faria a unificação de condutas relativamente às quais não se verificam os pressupostos da continuação criminosa.

(…)

É nesta linha de compreensão, ancorada igualmente na doutrina nela citada, que se insere o enquadramento jurídico dos factos provados operado pelo Tribunal a quo, quando concluiu serem nos apontados números os crimes cometidos pelo arguido/recorrente, no entendimento de que nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual não têm cabimento categorias doutrinárias como o denominado crime prolongado, crime exaurido ou crime de trato sucessivo, figuras nas quais se convenciona (ficciona) que há só um crime, apesar de se desdobrar em várias condutas que, cada uma, em si mesma, isoladamente preenche todos os elementos constitutivos da infracção.

Atente-se, ainda, e na linha dos invocados na decisão recorrida e no acórdão acabado de transcrever, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 31.05.2023 (processo n.º 8/21.2GAVVC.E1.S1, 3ª Secção), 25.10.2023 (processo n.º 321/19.9JAPDL.L3.S1, 3ª Secção), e 07.12.2023 (processo n.º 382/21.0JDLSB.L1.S1, 5ª Secção), todos disponíveis para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj., ilustrativos do que tem sido o entendimento jurisprudencial uniforme actual do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria.

Também aqui se conclui não merecer reparo a decisão do Tribunal a quo.

(…)

Discorda o recorrente, por fim, da medida das penas aplicadas, pretendendo que que as penas parcelares sejam reduzidas aos mínimos legalmente previstos, e que a pena única se fixe também muito próximo do mínimo legal, nunca superior a 5 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução, condicionada a deveres e regras de conduta.

Importa reter, a este respeito, o que se diz na decisão recorrida, na fundamentação da medida das penas aplicadas:

(…)

o Tribunal a quo apreciou e valorou todos os elementos a que se deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e social do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

Não descurou o Tribunal a quo nenhuma das circunstâncias atenuantes apontadas pelo recorrente, designadamente a sua inserção social e familiar, a ausência de antecedentes criminais na data dos factos, a confissão dos factos e o pedido de desculpa apresentado.

Mas, como não podia deixar de ser, considerou o Tribunal a quo a elevada intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, o grau da ilicitude dos factos, tido por mediano, a forma de execução do crime, aproveitando-se de meios de comunicação para encobrir a sua actuação e facilitar o acesso aos menores, as consequências do seu comportamento delituoso, em termos de sequelas para as vítimas.

No que respeita às exigências de prevenção, são muito elevadas as de prevenção geral, considerados os bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras e a grande frequência com que são praticados estes tipos de crime, e bem assim o sentimento generalizado na comunidade de grande alarme social e de repugnância pelos indivíduos que cometem este género de actos, determinando ainda, as de prevenção especial, a necessidade de uma resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza por parte do arguido/recorrente, atenta a personalidade grandemente manipuladora e libidinosa que evidenciou.

Assim, na ponderação de todos aqueles elementos, e na consideração das molduras penais abstractamente aplicáveis, não se poderão ter por excessivas ou desajustadas as penas aplicadas, parcelares, qualquer delas fixada assaz próximo do respectivo limite mínimo, e única, esta fixada no limite do primeiro terço da penalidade aplicável, as quais se configuram justas, por adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conformes aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º e 77.º, do Código Penal, não se descortinando fundamento para que sejam alteradas, já que nenhuma das razões invocadas pelo recorrente, com correspondência na matéria de facto provada, das quais não se alheou o Tribunal a quo, justifica uma redução das penas aplicadas.

E a pena única, pelo seu quantum, não é susceptível de suspensão na sua execução, vedando-o a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

(…) secundando a tomada de posição do Ministério Público na 1ª Instância, também se entende dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

Não foi apresentada qualquer resposta.

6. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19952, bem como a doutrina dominante3, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir4.

Posto isto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, entende-se serem as seguintes as questões suscitadas, ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:

- da incorreta subsunção dos factos ao direito (concurso aparente entre os crimes de pornografia de menores, na forma agravada – artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 7 do CPenal – e de abuso sexual de crianças – artigo 171º, nº 3, alínea b) do CPenal; crimes de trato sucessivo);

- da desadequação, por excesso, das penas principais impostas (parcelares e pena única);

- da reavaliação / ponderação da forma de cumprimento da pena imposta.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)

Factos provados

1. O arguido é, pelo menos, desde 2012 ... da direção da Associação ..., com sede em ..., que tem por objeto a realização de atividades desportivas, recreativas, culturais e radicais, sem fins lucrativos.

2. Enquanto vogal, desde aquele período temporal até ao presente, o arguido tinha como função a colaboração na organização dos eventos desportivos promovidos pela Associação.

3. O arguido exerceu, também, até 2016, o cargo de treinador e treinador-adjunto de ..., competindo-lhe treinar equipas de crianças e jovens jogadores e acompanhá-los na participação de jogos e torneios.

4. Mesmo depois de abandonar o cargo de treinador e treinador-adjunto, em 2016, e pelo menos até ao ano de 2020, o arguido colaborou na organização de torneios municipais de ... infantil, que eram anualmente organizados pela Câmara Municipal de ..., designadamente na angariação de crianças e jovens que pretendessem participar nesses torneios em representação da Freguesia de ..., chegando mesmo a transportar as crianças participantes para o local dos torneios.

5. Foi nesse contexto que conheceu a vítima EE, nascido a ...-...-2004, que participou nos torneios e eventos desportivos descritos durante cerca de 6 ou 7 anos, travando contacto com o arguido, que conhecia por pertencer à Associação ... e ajudar na organização dos torneios e jogos de ....

6. Aproveitando-se de tal circunstância, em data não concretamente apurada mas certamente no decurso do ano de 2016, o arguido, utilizando a sua conta da plataforma FACEBOOK denominada “AA” adicionou como amigo a vítima EE, titular da conta denominada “EE”, começando a partir daí a encetar conversações eletrónicas com o menor através do chat Messenger.

7. Tais conversações eletrónicas decorreram, pelo menos, entre 17-6-2016 e 10-6-2019.

8. Inicialmente, o arguido conversou com o menor sobre ..., até que, em data não concretamente apurada mas certamente anterior a 11-3-2018, o arguido questionou o menor se o seu pai lhe controlava o telemóvel e a rede social Facebook/Messenger.

9. A vítima EE informou que as suas conversas no Facebook/Messenger não eram controladas pelos progenitores e, bem sabendo que EE era uma criança com menos de 16 (dezasseis) anos de idade, o arguido decidiu encaminhar recorrentemente o diálogo eletrónico para temas de teor sexual e pornográfico, pressionando e aliciando a vítima para que este lhe enviasse vídeos ou fotografias retratando o seu pénis desnudo, que este sempre recusou.

10. No 11-3-2018, quando EE ainda não tinha atingido os 14 (catorze) anos de idade, o que bem sabia o arguido, este remeteu através do Messenger ao menor um vídeo pornográfico retratando e expondo órgãos genitais de adultos, coito oral e cópula, escrevendo no contexto da conversação [fls. 209-210 e reprodução mecânica de fls. 198]:

[Arguido]: Já vais usar isto paa bater umas gaiolas;

[EE]: Sqn;

[Arguido]: Não… até aposto… quer dizer… tb como és pequeno… tb tens a pilita pequena nada da

11. No dia seguinte, pelas 19h36, mas em continuação da conversa anterior, a vítima EE limitou-se a remeter um emoji sorridente, continuando assim a conversação [fls. 210 e reprodução mecânica de fls. 198]:

[Arguido]: Quem cala consente

[EE]: ahaha

[Arguido]: Então é verdade?

[EE]: Nnc medi

[Arguido]: Aha… a serio.

[EE] Fogo k cromo não pego na régua… ora deixa cá ver

[Arguido] Só tem 5cm

[EE] Vezes 10

[Arguido] Era maior que tu

[EE] Ahahahahah

[Arguido] não sabes se a tens grande ou pequena?

[EE] Epah K Chato. Não precisas de saber

[Arguido] Tens é mefo

[EE] Aahah

[Arguido] Medo

[EE] De ti… ahah mais do papão do k de ti

[Arguido] Não estou a dizer de mim. Eu não meto medo a ninguém. Tens é medo de dizer o tamanho da tua pilita.

12. Durante a conversação ocorrida a 12-3-2018, descrita no ponto anterior, o arguido remeteu ao menor um outro vídeo pornográfico retratando e expondo órgãos genitais de adultos e coito anal.

13. No mesmo dia 12-3-2018, a partir das 20h48, o arguido prosseguiu com a conversação com o menor, encaminhando persistentemente o diálogo eletrónico para as características do órgão genital do EE, insistindo que o menor lhe provasse o tamanho do seu pénis, através da captação e envio de vídeo ou fotografia retratando órgão sexual da criança, nos seguintes termos melhor retratados a fls. 209 a 220 que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais, nomeadamente os seguintes:











[fotografia pornográfica]













14. Durante a descrita e representada conversação, o arguido remeteu ao menor EE mais três vídeos pornográficos retratando e expondo órgãos genitais de adultos e atos sexuais entre eles.

15. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado de remeter a EE, que sabia tratar-se de uma criança menor de 14 (catorze) anos, cinco vídeos com teor pornográfico e exposição de partes sexuais de adultos e atos sexuais, e de o questionar e pressionar, através de discurso manipulador, sobre as dimensões do pénis do menor, solicitando insistentemente pelo envio de vídeo ou fotografia retratando o pénis do menor, bem sabendo, que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

16. No dia 21-3-2018, o arguido encetou novamente conversação com o menor através do Messenger, inicialmente dialogando sobre a aquisição de umas sapatilhas tendo, posteriormente, o arguido direcionado o tema da conversação, e mais uma vez, de forma a aliciar e convencer a criança a captar e remeter-lhe um vídeo ou fotografia retratando o seu pénis, nos seguintes termos:


17. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado e renovado de solicitar e pressionar ao menor, através de discurso manipulador, pelo envio de vídeo ou fotografia retratando o pénis deste, bem sabendo que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual, que o EE tinha idade inferior a 14 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

18. No dia ...-...-2018, o menor EE completou 14 anos de idade, e perfeitamente ciente da idade do menor, o arguido entrou em conversação com o mesmo, através do chat MESSENGER, começando por lhe desejar os Parabéns, para imediatamente direcionar a conversa no sentido de instar o menor a apagar todas as conversações anteriores, incluindo os vídeos de teor pornográfico que havia remetido ao menor quando ele tinha menos de 14 anos de idade, nos seguintes termos:

19. No dia 7-5-2018, mais uma vez em conversação com o menor através do chat Messenger, o arguido tornou a direcionar o diálogo de forma a aliciar e convencer, de modo muito insistente, a criança a captar e remeter-lhe um vídeo ou fotografia retratando o seu pénis, nos seguintes termos:







20. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado e renovado de solicitar e pressionar ao menor, através de discurso manipulador e insistente, pelo envio de vídeo ou fotografia retratando o pénis deste, bem sabendo que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual, que o EE tinha idade inferior a 16 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

21. No dia 19-11-2018, e já depois do arguido ter levado o menor a ir assistir, de forma gratuita, a um jogo de ..., aquele encetou nova conversa com o EE através do chat Messenger, e depois de mostrar desagrado pelo facto do menor não lhe responder com regularidade e não responder a vídeos de teor pornográfico de adultos que o arguido continuou a remeter-lhe, o arguido direcionou o diálogo de modo a convencer o EE a captar e remeter-lhe uma fotografia retratando o seu pénis, com a aliciação de o levar a assistir a mais um jogo de ..., com tudo pago, nos seguintes termos:










22. Na sequência da conversação supra, o arguido continuou a insistir, inclusivamente anunciando o preço dos bilhetes e de todo o contexto de aliciação que deliberadamente criou de forma a compelir e influenciar o menor a captar e lhe remeter uma fotografia retratando o seu pénis.

23. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado e renovado de solicitar e pressionar ao menor, através de discurso manipulador e insistente, com promessa de assistirem a jogo de ... e visitarem o museu do Futebol ..., pelo envio de fotografia retratando o pénis deste, bem sabendo que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual, que o EE tinha idade inferior a 16 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

24. Foi no contexto descrito nos pontos 1. a 4. que o arguido viu pela primeira vez a vítima FF, nascido a ...-...-2007, que participou em jogos de ... organizados pela Associação ..., aí travando primeiro contacto visual com o arguido.

25. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2019, o arguido, utilizando a sua conta da plataforma INSTAGRAM, com o username “AA” efetuou um pedido de amizade à vítima FF, titular da conta com o username “FF_f5”.

26. Depois de aceite a amizade, o arguido iniciou e encetou conversações com o menor através do chat daquela plataforma, primeiro direcionando a temática para questões relacionadas com o ..., de modo a que o menor ganhasse consigo confiança.

27. No âmbito dessas conversações, que ocorreram até 22-6-2020, e também através da plataforma WHATSAPP (o arguido utilizando o contacto .......55 e o menor utilizando o contacto .......28), o arguido foi direcionando o tema de conversa do ... para a preparação e compleição física do menor FF para a prática da modalidade.

28. A pretexto da compleição física do menor, nas conversas que o arguido foi encetando, por escrito e mensagens de voz, através daquelas plataformas, mas com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos, e bem sabendo que o menor FF ainda não tinha 14 anos de idade, o arguido começou a pedir-lhe que captasse e lhe enviasse fotografias e efetuasse videochamadas retratando-se desnudo da cintura para cima, o que o menor fez, em número não concretamente apurado.

29. A partir de certa altura, mas certamente no decurso do ano de 2019 até meados do mês de Junho de 2020, pelo menos uma vez por semana, o arguido, mais uma vez com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos, e bem sabendo que o menor FF ainda não tinha 14 anos de idade, pediu ao menor que captasse e lhe enviasse fotografias totalmente desnudo ou desnudo da cintura para baixo, de modo que fosse captado e retratado o pénis ereto do menor, dizendo-lhe que o fizesse quando se deslocava ao quarto de banho.

30. O que o menor fez, por diversas vezes, em número não concretamente apurado, mas pelo menos uma vez por semana naquele hiato temporal.

31. Assim que o menor começou a remeter fotografias e a efetuar videochamadas retratando-se desnudo e exibindo o seu órgão genital ereto, o arguido solicitou ao menor que apagasse as mensagens escritas trocadas entre ambos diariamente, para que o progenitor do menor não as visse, o que o menor também fez.

32. Em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a março de 2020 (data de início da pandemia Covid-19 em Portugal), o arguido combinou com o menor dirigir-se à escola que este frequentava, dizendo-lhe que tinha algo para lhe dar.

33. O menor assentiu encontrar-se com o arguido, o que sucedeu, tendo o arguido lhe oferecido umas luvas de guarda-redes de ..., sob o pretexto do mesmo poder treinar melhor a posição de guarda-redes, mas com o real intuito de continuar a aliciar o menor a captar e remeter-lhe fotografias retratando o seu órgão sexual, o que sucedeu até meados de Junho de 2020.

34. Na semana iniciada a 22-6-2020, contudo, o menor não pretendeu mais tornar a remeter fotografias retratando o seu pénis ou realizar videochamadas para o mesmo efeito, tendo decidido não apagar as mensagens escritas através do Instagram com o arguido, por forma a que o seu progenitor as pudesse visualizar, pois tinha como hábito controlar as conversas online da criança.

35. Nessa sequência, e sempre adotando um discurso manipulador e, apesar de semelhante ao descrito e citado nos factos relativos ao menor EE (Parte B do libelo acusatório), mais impositivo, fruto do que havia efetivamente logrado ao longo de meses com o menor FF, no dia 22-6-2020, o arguido encetou a seguinte conversação com a criança:



36. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado e semanalmente renovado, pelo menos 24 semanas, de solicitar, obter e visionar do menor fotografias e videochamadas nas quais este se retratava desnudo com exibição do seu pénis ereto, bem sabendo o arguido que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual, que o FF tinha idade inferior a 14 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

37. Em data não concretamente apurada, mas certamente no decurso do mês de Junho de 2020, numa altura em que já se usavam máscaras cirúrgicas, e em que o menor ainda não tinha 14 anos de idade, o arguido combinou e organizou um jogo de ..., que se realizou num campo situado em ....

38. Para o efeito, o arguido convidou o menor FF, o menor EE e outras crianças, que ali se deslocaram.

39. O menor FF foi transportado àquele local pelo seu avô, que no entretanto ficou a jogar damas num café nas imediações.

40. No final do jogo, o arguido começou a insistir apenas com o menor FF que o levava a casa, tendo inclusivamente insistido com o menor para fosse pedir ao seu avô que o arguido lhe levasse a casa, o que sucedeu.

41. Durante o trajeto para a residência do menor, em ..., efetuado no veículo automóvel de dois lugares do arguido, este fez um desvio e parou numa mata.

42. Nesse local, convenceu o menor a fazer corrida (sprint), o que o menor fez.

43. Novamente no interior do veículo, mas ainda estacionado naquele local, o arguido pediu ao menor que se despisse da cintura para baixo, o que o menor fez, por sentir medo.

44. De seguida, o arguido colocou a sua mão no pénis desnudo do FF, tocando-lhe e masturbando-lhe no órgão genital, com o intuito de satisfazer os seus desejos libidinosos.

45. Ainda naquele contexto, o arguido, que usava uns calções, começou a massajar o seu próprio pénis, desconhecendo-se se desnudo ou por cima do vestuário, e pediu ao menor para se masturbar e ainda lhe perguntou se metia o pénis [do arguido] na boca e se lhe chupava o pénis.

46. O menor negou, apesar das várias insistências do arguido, que dizia “ANDA LÁ”, mesmo já durante o trajeto para a residência do menor.

47. Na sequência da conversação descrita no ponto 35., naquele dia 22-6-2020, apesar do FF se ter inicialmente oposto a remeter mais fotografias retratando o seu pénis, e perante o discurso manipulador que foi adotado pelo arguido, o menor começou a ceder na firmeza da oposição que inicialmente efetuara, esclarecendo que deixara de remeter as fotografias retratando o seu pénis por ter sentido medo e perdido a confiança do arguido durante os factos relatados nos pontos 37 a 46:



48. Como ilustrado, o menor decidiu continuar o seu relato através de três mensagens de voz, onde afirma (em ordem cronológica):

- Fiquei com medo porque não te conhecia bem naquela altura, não nos conhecíamos uma vez… e … eu fiquei com medo porque… pronto, eu fiquei com medo porque não te conhecia bem e… olha… fiquei com medo quando me pediste aquilo e fiquei assustado, viste como o meu coração bateu… tinha medo que de coisar… medo que me fizesses qualquer coisa, é por isso que eu às vezes te minto…que eu tenho medo daquilo que me pediste, que eu fiquei assustado, viste bem como eu tremia.

¬- E no fim… fiquei medo quando tu disseste assim “Queres pôr a minha pila na tua boca? E eu viro-me assim “Não” e eu viro-me assim “Pronto” e eu viro-me assim “não não quero”, e tu disseste assim “ANDA LÁ” e eu fiquei com medo a partir daí.

- Viste como eu comecei a...a… fiquei cheio de medo com a cena… por causa disso é que eu deixei de mandar fotografias e isso… mas se isso não tivesse acontecido eu até mandava e continuava a mandar… se fosse preciso até mandava agora… Mas não é isso, eu sei que não me obrigaste… mas não é isso… eu fiquei assustado de teres pedido, pensava que tinhas outra intenção, tás a perceber?

49. Enquanto isso, a conversação escrita prosseguiu, nos seguintes termos:

50. Em resposta à pergunta do arguido “Q intenção?”, o menor respondeu através de mensagem de voz:

- Quando me começaste a coisar eu não te conhecia bem na altura… quando tu perguntaste aquilo pensava que tavas (impercetível) de me fazer mal ou coisa assim…

- Mas depois quando vi que nos fomos embora é que percebi que não, mas eu tive medo… eu tive medo, foi por isso que te deixei de mandar coisas, percebes?

- Mas agora tenho a certeza que tenho confiança em ti se me prometeres que não me fazes mal.

51. Prosseguiu a conversação escrita nos seguintes termos:




52. À medida que o arguido se foi apercebendo que o menor se encontrava a reverter a sua posição de não lhe remeter mais fotografias com teor sexual, direcionou a conversação de modo a fazer o menor descrever com mais detalhe tudo o sucedido, por forma a – mais uma vez – o arguido satisfazer os seus instintos libidinosos, desta feita através da excitação por o menor se encontrar a reviver e relatar o ocorrido.

53. Para o efeito, o arguido começou a questionar o menor relativamente à gaiola, termo por ambos utilizado para descrever a masturbação que o arguido fez no pénis do menor, nos seguintes termos:





54. Em mensagem de voz, o menor relatou: “Nós paramos… começamos a falar… eu disse que o (imperceptível)… tinha muito jeito para aquilo e que o EE joga bem mas não muito, e tipo… fizemos um sprintzinho … depois bateste-me a gaiola e depois aquilo… eu recusei que não e fui com medo para casa… Pronto, mas podes ter confiança em mim”.

55. Continuou a conversação escrita, nos seguintes termos:

56. Na sequência do citado diálogo, o arguido continuou a questionar o menor se à data da conversa (22-6-2020) estaria disposto a tocar e masturbar o pénis do arguido, adotando um discurso manipulador, sempre com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos, nos seguintes termos:





57. Ao atuar da forma descrita, nos pontos 37. a 46., agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, através da prática de atos de masturbação no pénis desnudo do FF, que o arguido sabia saber ser menor de 14 anos de idade, sabendo e querendo praticar aquele ato sexual sobre o menor, bem sabendo que dessa forma atingiria, como atingiu, a liberdade e autodeterminação sexual da criança.

58. Ao atuar da forma descrita, nos pontos 47. a 56., agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, através de conversação eletrónica com o menor FF, que sabia ser menos de 14 anos de idade, sabendo e querendo instigar o menor a relatar os atos sexuais descritos nos pontos 37. a 46. e questionar o menor se, à data da conversa, lhe tocaria no pénis, sempre através de um discurso insistente e manipulador, bem sabendo que dessa forma atingiria, como atingiu, a liberdade e autodeterminação sexual da criança.

59. Ainda no dia 22-6-2020, na sequência da conversa transcrita ocorrida através da plataforma Instagram, o arguido solicitou o menor a continuarem a conversa através da plataforma WHATSAPP, o que sucedeu.

60. Através de conversação eletrónica no WhatsApp, e depois de adotar o discurso insistente, manipulador e libidinoso, conforme descrito, o arguido voltou a solicitar ao menor que lhe remetesse fotografia ou efetuasse videochamada retratando o seu pénis desnudo, por forma a satisfazer os seus instintos libidinosos.

61. Só que desta feita, o menor, apesar de ter remetido fotografia, não a fez retratar o seu órgão sexual, o que foi causa para o arguido adotar um discurso ainda mais persistente e manipulador, numa conversação com o seguinte teor:















62. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado e renovado de solicitar e pressionar ao menor, através de discurso manipulador, pelo envio de vídeo ou fotografia retratando o pénis deste, bem sabendo que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual, que o FF tinha idade inferior a 14 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

63. Foi no contexto descrito nos pontos 1. a 4. que o arguido viu pela primeira vez a vítima DD, nascido a ...-...-2007, que participou em treinos, jogos e torneios de ... organizados pela Associação ....

64. Em data não concretamente apurada mas em meados de Junho de 2018, quando o menor DD tinha 10 (dez) anos de idade, este utilizou a sua conta na plataforma FACEBOOK/MESSENGER, com o perfil denominado “DD”, username .............95 e associado ao e-mail ..., para adicionar e iniciar uma conversação eletrónica através do Messenger com o arguido.

65. As diversas conversações tidas entre o arguido e o menor ocorreram, pelo menos, entre 17-6-2018 e 15-10-2019.

66. Logo no dia 19-6-2018, através de conversação eletrónica nos termos descritos, o arguido questionou o menor sobre a sua idade, tendo o menor respondido ter 10 anos de idade, fazendo 11 anos em Agosto.

67. A partir desse momento, e à semelhança das condutas já imputadas respeitantes a EE e FF, o arguido, que nos primeiros dois dias de conversação apenas direcionara o tema de conversa para o ..., começou a instigar o menor a afirmar-se já homem crescido, através da manipulação da natural inexperiência e ingenuidade do menor, por forma a que o menor lhe remetesse fotografias totalmente desnudo e retratando o seu pénis, nos seguintes termos (ordem cronológica invertida das mensagens por cada figura/imagem de transcrição):

68. Logo no dia seguinte, em 20-6-2018, e depois de continuar a instigar o menor a provar ser já um “homenzinho” e a “prová-lo”, o arguido insistentemente disse ao menor para lhe enviar uma fotografia totalmente desnudo, com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos.

69. Perante as sucessivas recusas do menor, o arguido foi sendo cada vez mais insistente, tendo o menor recusado e pedido que fosse mudado o tema de conversa, tudo nos seguintes termos:









70. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado de solicitar, instigar e pressionar ao menor, através de discurso manipulador, pelo envio de fotografia retratando-se totalmente nu, bem sabendo que tal representação tinha uma natureza pornográfica e sexual, que o DD tinha idade inferior a 14 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

71. As descritas condutas foram repetidas e renovadas em diferentes dias, entre conversações sobre temas relacionados com a vida pessoal do menor e a temática do menor, o que sucedeu, pelo menos, nos dias 21-6-2018 com continuação no dia 22-6-2018 e no dia 28-6-2018.

72. Com efeito, entre os dias 21-6-2018 e 22-6-2018, o arguido tornou a solicitar ao menor que lhe enviasse uma fotografia retratando-se totalmente nu, nos seguintes termos:


73. Apercebendo-se que o menor não pretendia captar e remeter-lhe tal fotografia, o arguido afirmou poder tornar-se o melhor amigo do menor, sempre por forma a satisfazer os seus instintos libidinosos e obter deste, através de discurso persistente e manipulador, uma fotografia retratando-se totalmente nu:








74. No dia 28-6-2018, o arguido tornou a direcionar o tema de conversação, por forma a compelir o menor a remeter-se fotografia em que se retratasse totalmente nu, nos seguintes termos:











75. Ao atuar da forma descrita em cada um dos hiatos temporais de 21 e 22 de Junho de 2018 e 28 de Junho de 2018, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, motivado em satisfazer os seus instintos libidinosos, com o intuito concretizado e renovado de solicitar e pressionar ao menor, através de discurso manipulador, pelo envio de fotografia retratando-se nu ou retratando o seu pénis desnudo, bem sabendo que tais representações tinham uma natureza pornográfica e sexual, que o DD tinha idade inferior a 14 anos e que dessa forma estava a atingir a liberdade e autodeterminação sexual da criança, o que logrou.

76. O arguido agiu sempre sabendo da censurabilidade e punibilidade criminal de todas as descritas condutas.

77. Fruto da tenra idade à data da prática dos factos e da sua inexperiência de vida, todas as vítimas estiveram particularmente vulneráveis às condutas do arguido.

[Do pedido de indeminização civil]

78. Para além de ter colocado em perigo o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso do ofendido/demandante EE, que estava na idade da adolescência (idade complicada no desenvolvimento de um jovem), afetou o normal relacionamento no seio familiar e social.

79. O ofendido/demandante EE é pessoa tímida, introvertida, pacata, educada, reservada, respeitadora, estudioso, visto como "bom miúdo" no meio onde reside, tendo uma boa relação com toda a população do meio onde reside.

80. O ofendido à data dos factos, não tinha consciência da pretensão do arguido, nem da gravidade do seu comportamento libidinoso e leviano.

81. O ofendido/demandante quando tomou consciência da natureza dos atos levados a cabo pelo arguido sentiu nojo, ansiedade e tristeza.

82. O demandado perturbou a tranquilidade do demandante, agravada pelo receio daquele, em retaliação, poder tornar públicas as conversações ou exercer retaliações sobre a sua família.

83. O arguido, não obstante residir na mesma localidade do ofendido/demandante, continuou a participar nas atividades desportivas que o ofendido frequenta, e, após o ofendido ter comunicado aos seus pais os atos praticados pelo arguido/demandado, e ele ter sabido de tal, passou a frequentar o local de trabalho da mãe do ofendido, que até não frequentava.

84. Após conseguir verbalizar o sucedido com a sua família mais próxima (pais), o ofendido/demandante sentiu-se envergonhado, constrangido, passou por introversão, afastamento social, tendo necessitado de uma reforçada assistência da parte da família.

85. Ainda hoje, o seu pensamento está dominado pelos referidos acontecimentos que o traumatizaram, e continuam a causar-lhe sofrimento emocional pela aversão que sente.

86. Durante o hiato temporal que durou o comportamento do arguido/demandado, o ofendido/demandante viu a sua integridade, liberdade e autodeterminação sexual completamente abaladas e até suprimidas pelos comportamentos daquele em quem confiava e achava amigo e companheiro, e/ou até mentor.

87. Em consequência do comportamento do arguido/demandado, o ofendido/demandante, desenvolveu sentimentos de desconfiança quer com as pessoas mais chegadas do seu círculo social, bem como, com qualquer indivíduo que o aborde.

88. O comportamento do arguido/demandado causou ao ofendido/demandante forte abalo psíquico, sobretudo pelo receio, vergonha, perturbação, desgosto, vexame, dissabores e tristezas por que passou, agravado pela relação social que é obrigado a continuar a ter com o arguido.

[Condições pessoais e socioeconómicas do arguido:]

89. O arguido AA integra, assim como ocorria à data dos factos, o agregado familiar composto pelos seguintes elementos:

- CC, 66 anos, mãe do arguido, reformada;

- GG, 79 anos, tia paterna do arguido, reformada;

- HH, 82 anos, tia paterna do arguido, reformada.

90. Este agregado familiar reside em moradia, dotada de adequadas condições de conforto, inserido em zona rural, sendo esta habitação propriedade da mãe e tias do arguido.

91. Em termos escolares, após terminar o 9º ano, o arguido frequentou curso profissional de hotelaria, que não concluiu, em virtude de ter optado por iniciar atividade laboral no setor da restauração, no qual se encontra a trabalhar desde os 17 anos de idade.

92. Trabalhou em vários ... na zona de ..., tendo mudado por motivos relacionados com melhores condições de trabalho.

93. Atualmente, o arguido trabalha como funcionário no ... “...” localizado na freguesia de ..., concelho de ..., auferindo um ordenado de cerca de 850 euros mensais.

94. A situação económica do agregado é estável, sendo assegurada pelas reformas das familiares coabitantes do arguido e sendo a subsistência do próprio garantida pelos valores que este retira do seu trabalho.

95. Paralelamente, o arguido dedica-se, juntamente com a mãe e as tias, à exploração agrícola e criação de gado.

96. A dinâmica intrafamiliar é adequada e assente em sentimentos de solidariedade, laços de entreajuda e coesão, vindo o arguido a beneficiar do suporte dos familiares com quem coabita.

97. No meio social, o arguido está bem inserido, não havendo relatos de vizinhos que refiram receio ou insegurança.

98. Não há registo de ocorrências posteriores aos factos constantes no presente processo.

99. O arguido tem uma rotina, maioritariamente, dedicada à sua atividade profissional no setor da restauração, dedicando ainda parte do seu tempo à exploração agrícola e criação de gado, bem como ao convívio com amigos e familiares, sendo que no meio residencial não lhe são atribuídas atitudes desajustadas.

100. O arguido vivencia o presente processo com ansiedade e preocupação, reconhece a ilicitude dos factos pelos quais se encontra indiciado e revela consciência quanto à importância de manter a normatividade.

101. O arguido confessou integralmente os factos, disse estar arrependido e pediu desculpa.

102. O arguido não tem averbadas no certificado de registo criminal condenações.


*


Factos não provados:

a. O ofendido/demandante quando tomou consciência da natureza dos atos levados a cabo pelo arguido sentiu raiva.

b. A família do arguido é influente no meio onde ambos residem.

c. Após o referido em 84, o ofendido/demandante passou por episódios de choro escondido e dificuldades em dormir.

d. O demandante sente raiva.

2.2. Das questões a decidir

Foi o arguido recorrente condenado pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso real, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal praticado contra o menor EE (factos provados sob os nºs 5 a 15), na pena de 6 (seis) meses de prisão, 1 (um) crime de pornografia de menores agravado do artigo 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal, contra o menor EE (factos provados sob os nºs 5 a 15) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado do artigo 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal, praticado contra o menor EE (factos provados sob os nºs 16 e 17) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº6 do CPenal praticado contra o menor EE (factos provados sob os nºs 18 a 23) na pena de, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, de 24 (vinte e quatro) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal praticados contra o menor FF (factos provados sob os nºs 24 a 36) a pena de, por cada um dos crimes, 2 (dois) anos de prisão, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº1 do CPenal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nº37 a 58) a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do CPenal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nº37 a 58) a pena de 6 (seis) meses de prisão, de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nºs 59 a 62) a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado dos artigos 176º, nº1, b) e 177º, nº7 do CPenal contra o menor DD (factos provados sob os nºs 63 a 75) na pena de, por cada um dos crimes, 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, sendo que em cúmulo jurídico das penas referidas, lhe foi imposta a pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Mais foi condenado nas penas acessórias de proibição de exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e liberdade sexual do art. 69º-B, nº2 do CPenal pelo período de 6 (seis) anos e de proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais do art. 69º-C, nº2 do CPenal pelo período de 6 (seis) anos, bem como, no pagamento de indemnização, a título de arbitramento, aos ofendidos FF - a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros) – e DD - a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros).

Como decorre de todo o articulado recursório, o arguido recorrente pretende apenas e só reagir relativamente ao enquadramento jurídico relativo à tipologia crime que lhe é assacada e, sequentemente, quanto às penas principais – parcelares e única - que lhe foram aplicadas.

Nesse alinhamento, em primeiro e pronto passo, entende o arguido recorrente que determinada factualidade provada – pontos 5 a 15 e 37 a 58 - respeitante a crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores, na forma agravada, perpetrados nas pessoas dos menores EE e FF, ao invés de configurarem o desenho de concurso real de crimes, transportam antes a ideia de concurso aparente.

E, sustentando a sua tese, exercita argumentário (…) no caso concreto destes dois ofendidos identificados (…) em que o arguido comete simultaneamente o crime de abuso sexual de criança e o crime de pornografia de menores, não estamos perante um com curso real (…) mas antes, perante uma situação de concurso aparente, que deveria ter sido resolvido atendendo às regras da consunção, sendo o primeiro crime consumido pelo segundo (…) O crime de pornografia de menores é praticado, nomeadamente, por quem utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim (…) resultou provado nos autos relativamente ao ofendido EE (factos 5 a 15 dos factos provados) que o arguido iniciou com este um relacionamento com conversas de cariz manifestamente sexual, num padrão de conduta homogéneo, com o único fim de satisfazer os seus instintos libidinosos (…) Sabia o arguido qual a verdadeira idade deste menor e ainda assim manteve com o mesmo quer conversas de cariz marcadamente sexual, quer enviando vídeos com teor pornográfico retratando órgãos genitais de adultos, coito oral e copula, assim como com outros conteúdos, quer pressionando-o através de um discurso manipulador sobre as dimensões do pénis do menor, com a intenção de que aquele lhe remetesse imagens/fotografias deste, o que não logrou alcançar (…) a factualidade dada como provada e constante dos pontos 5 a 15 dos factos provados integra a prática de 1 crime de pornografia de menores agravada p. e p. pelo art.º176 n.º1 b) e 177 n.º7, ambos do C.Penal, devendo considerar-se que (…) o crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art.º171 n.º3 b) do C. Penal, é consumido pelo crime mais grave, o de pornografia de menores (…) nesta situação concreta, temos por um lado temos o arguido a actuar perante este menor por meio de conversa pornográfica [abuso sexual de crianças], por outro temos que essa mesma conversa pornográfica visava, pelo menos, aliciar os menores a fim de se deixarem utilizar em fotografias retratando o seu pénis [pornografia de menores] (…) verifica-se assim que uma única conduta do arguido (conversação de teor sexual, no decurso da qual solicita ao menor que lhe envie fotografias onde figurem o seu pénis) preenche, em simultâneo, dois tipos incriminadores, sendo o mesmo o bem jurídico protegido (…) pontos 5 a 15 dos factos provados, verifica-se, portanto, uma relação de concurso aparente, a resolver de acordo com as regras da consumpção, sendo o crime de abuso sexual de crianças consumido pelo crime de pornografia de menores, devendo o arguido ser condenado apenas por este último, o que se requer (…) O mesmo sucedendo com a factualidade ínsita nos itens 37 a 58, onde, pelas mesmas razões se verifica uma situação de concurso aparente, também esta a resolver pelas regras da consumpção (…).

De seu lado, e neste particular matiz, reza o Acórdão recorrido:

- (…) Enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada sob os nºs 5 a 15 relativos ao menor EE Resulta (…) naquela data – 11.03.2018 e 12.03.2018 – o ofendido contava com 13 anos de idade (factos provados sob os nºs 5, 10, 11, 12 e 13), o que era do conhecimento do arguido e que este, por seu turno, contava com 29 anos de idade (…) nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas, enviou-lhe cinco vídeos com teor pornográfico por retratar e expor órgãos genitais de adultos, coito oral e cópula, bem como, de outros atos sexuais (factos provados sob os nºs 10, 11, 12, 13 e 14) (…) por corresponderem a uma atuação sobre um menor de 14 anos por meio de objeto pornográfico integram a previsão normativa dos elementos objetivos do tipo da alínea b) do nº3 do artigo 171º do Código Penal (…) Tendo ainda resultado provado que quer a idade do menor, quer o cariz pornográfico dos vídeos, eram do conhecimento do arguido e que ainda assim quis praticar os factos (…) igualmente se verifica o preenchimento dos respetivos elementos subjetivos (…) embora os factos tenham ocorrido em dois dias diferentes, verifica-se que se tratam de dias seguidos e que integram uma mesma conversação, pelo que, se concluiu que correspondem a uma única situação típica, de violação do mesmo bem jurídico e a que presidiu uma única resolução, ou seja, que corresponde à prática de um único crime (….) esses factos, que correspondem à prática de um crime de abuso sexual do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal (….) Resulta dos referidos factos provados que naquela data – 11.03.2018 e 12.03.2018 – o ofendido contava com 13 anos de idade (…) o que era do conhecimento do arguido e que este, por seu turno, contava com 29 anos de idade (…) nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas, questionou e pressionou, através de discurso manipulador, sobre as dimensões do pénis do menor, solicitando insistentemente pelo envio de vídeo ou fotografia retratando o pénis do menor (…) Os referidos factos por corresponderem ao aliciamento do menor para o utilizar em fotográfica pornográfica, por respeitar ao retrato do órgão sexual, integram a previsão normativa dos elementos objetivos do tipo da alínea b) do nº1 do artigo 176º do Código Penal (…) resultado provado que quer a menoridade do menor, quer o cariz pornográfico da fotografia para a qual aliciou o ofendido a tirar, eram do conhecimento do arguido e que ainda assim quis praticar os factos (…)Vem o arguido acusado do crime em causa, na sua forma agravada pelo artigo 177º, nº7 do Código Penal (…) verifica-se ainda que o menor, na data de tais factos, tinha 13 anos, conforme supra se afirmou, pelo que, se têm como preenchidos os elementos objetivos de que depende a agravação (…) resultado provado que tal era do conhecimento do arguido e que ainda assim quis praticar os factos, igualmente se verifica o preenchimento dos respetivos elementos subjetivos (…) embora os factos tenham ocorrido em dois dias diferentes, verifica-se que se tratam de dias seguidos e que integram uma mesma conversação, pelo que, se concluiu que correspondem a uma única unidade sentido, a uma única situação típica, de violação do mesmo bem jurídico, a que presidiu uma única resolução, ou seja, que corresponde à prática de um único crime (…) ambos crimes – de abuso de crianças e de pornografia de menores agravada – protegem essencialmente o mesmo bem jurídico e que os factos forma praticados na mesma ocasião, cumpre aquilatar se existe um concurso aparente que demande a punição por um só crime (…) o abuso sexual de crianças traduziu-se no envio de filmes pornográficos de adultos ao menor, ao passo que o crime de pornografia de menores agravado consistiu no aliciamento para que o menor retratasse e enviasse ao arguido uma fotografia do seu pénis. Não pode, pois, afirmar-se que existe uma relação de consunção entre as referidas normas (…) conclui-se que existe um concurso efetivo entre os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores agravado, devendo, em consequência, o arguido ser punido em conformidade;

- (…) Enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada sob os nºs 37 a 58 relativos ao menor FF (…) Resulta dos referidos factos provados que (…) em dia não concretamente apurado do mês de junho de 2020 – o ofendido contava com 13 anos de idade (…) o que era do conhecimento do arguido e que este, por seu turno, contava com 31 anos de idade (…) resultou (…) provado que o arguido, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas, pediu ao menor que se despisse da cintura para baixo, o que o menor fez, por sentir medo, em seguida, colocou a sua mão no pénis desnudo deste, tocando-lhe e masturbando-lhe no órgão genital e ainda começou a massajar o seu próprio pénis, e pediu ao menor para se masturbar e ainda lhe perguntou se metia o pénis [do arguido] na boca e se lhe chupava o pénis, o que o menor negou (…) factos por corresponderem à prática de diversos atos sexuais de relevo, na medida em que correspondem a toques em órgãos sexuais (pénis), integram a previsão normativa dos elementos objetivos do tipo do nº1 do artigo 171º do Código Penal (…) o arguido agiu com conhecimento e vontade de satisfazer os seus instintos libidinosos através da prática de atos de masturbação no pénis desnudo do FF, que o arguido sabia saber ser menor de 14 anos de idade, sabendo e querendo praticar aquele ato sexual sobre o menor, bem sabendo que dessa forma atingiria, como atingiu, a liberdade e autodeterminação sexual da criança (…) Mais resultou (…) provado que o arguido, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas, através de conversação eletrónica com o menor FF, que sabia ser menos de 14 anos de idade, instigou o menor a relatar os atos sexuais descritos nos pontos 37. a 46. e questionar o menor se, à data da conversa, lhe tocaria no pénis, sempre através de um discurso insistente e manipulador (…) por corresponderem a uma atuação sobre um menor de 14 anos por meio de conversa pornográfica integram a previsão normativa dos elementos objetivos do tipo da alínea b) do nº3 do artigo 171º do Código Penal (…) Relativamente aos factos descritos sob os nºs 47 a 56 e 58, o arguido vem acusado da prática de um crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal (…) naquela data – 22.06.2020 – o ofendido contava com 13 anos de idade (…), o que era do conhecimento do arguido e que este, por seu turno, contava com 31 anos de idade (…) nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas, através de conversação eletrónica com o menor FF, que sabia ser menos de 14 anos de idade, instigou o menor a relatar os atos sexuais descritos nos pontos 37. a 46. e questionar o menor se, à data da conversa, lhe tocaria no pénis, sempre através de um discurso insistente e manipulador (…) por corresponderem a uma atuação sobre um menor de 14 anos por meio de conversa pornográfica integram a previsão normativa dos elementos objetivos do tipo da alínea b) do nº3 do artigo 171º do Código Penal (…).

Desde logo, ao que perpassa, incorre o arguido recorrente em falha quando diz que a factualidade vertida nos pontos 37 a 58 foi lida pelo Tribunal recorrido, como integrando as figuras criminais do abuso sexual de crianças e de pornografia de menores.

Olhando para o atrás transcrito, o que efetivamente desponta é que se considerou, em 1ª instância, e relativamente à matéria ali inserta, o cometimento pelo arguido recorrente do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CPenal – factos ocorridos em data não concretamente apurada do mês de junho de 2020 (pontos 37 a 46 e 57) – e do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, alínea b) do CPenal – factos ocorridos em 22 de junho de 2020 (pontos 47 a 56 e 58).

Reforçando tal, atente-se, também, ao dispositivo do Acórdão em sindicância, mormente o que consta das alíneas g)5 e h)6, ponto III, A – Parte Criminal, IV – Decisão.

Assim, no que a este traço concerne, sem mais delongas, é de concluir não ter o menor suporte o propugnado pelo arguido recorrente, nem qualquer adesão ao ponderado e decidido em 1ª instância.

Importa, então, sopesar a suscitada vertente da existência de um quadro de concurso aparente quanto ao recorte factual que consta dos pontos 5 a 15 dos factos provados.

E, nesse desiderato, ao que se crê, há que visitar a lei substantiva penal vigente, mormente o seu artigo 30º7 que enfrenta a problemática do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único constituído por uma pluralidade de atos ou ações, o qual, no fundo, traduz o pensamento desde há muito expresso pelo Professor Eduardo Correia, na sua obra “Unidade e Pluralidade de Infrações – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”.

O aludido preceito legal não fornece uma definição do que seja o concurso de crimes, limitando-se a indicar um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de crimes.

Numa primeira abordagem, pensa-se que a afirmação de um crime pressupõe a existência de uma resolução (decisão de praticar determinados atos), atos de execução e que estes preencham determinada previsão legal, ou seja, que integrem um tipo de crime previsto no CPenal.

A antijuridicidade de uma relação social começa por se exprimir pela possibilidade da sua subsunção a um ou a vários tipos de crime, pelo que é na concreta violação desta norma de determinação que assenta o juízo de censura em que se estrutura a culpa.

Desse modo, ante uma reiterada ineficácia da mesma norma de determinação corresponderão plúrimos juízos concretos de reprovação. O critério para averiguar acerca da existência dessa reiteração é o da pluralidade de resoluções – isto é, de determinações da vontade – pelas quais o agente atuou: se foram tomadas duas ou mais resoluções no desenrolar da atividade criminosa, então duas ou mais vezes falhou a eficácia determinadora da norma. Sendo que, por cada vez que tal sucedeu, há um fundamento para o juízo de censura em que se estrutura a culpa.

O número de vezes de preenchimento do tipo pela conduta do agente conta-se pelo número de juízos de censura de que o agente se tenha tornado passível, o que, por sua vez, se deve reconduzir à pluralidade de processos resolutivos, resoluções ou decisões criminosas8.

Diga-se, ainda, que o nº 1 do artigo 30º do CPenal contém duas partes, ambas reportadas a situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente – na primeira, dispõe-se que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos pela conduta do agente – o denominado concurso heterogéneo (realização de diversos crimes decorrente da violação de diversas normas incriminadoras); na segunda, declara-se que o número de crimes também se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente – o chamado concurso homogéneo (realização plúrima do mesmo crime decorrente de violações da mesma norma incriminadora).

Por outro lado, quer na primeira quer na segunda situações descritas, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só ação, como em vários factos ou ações.

Efetivamente, a partir de um só facto ou de uma só ação podem realizar-se diversos crimes, por violação simultânea de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora; tal como a partir de vários factos ou de várias ações pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação repetida da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras.

Saliente-se, ainda, que em caso de pluralidade de infrações, há que distinguir entre o concurso legal, aparente ou impuro e o concurso efetivo, verdadeiro ou puro.

No primeiro caso, verifica-se que a conduta do agente preenche formalmente vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não devendo ser aplicados.

Esses tipos de crime podem encontrar-se numa relação de especialidade - um dos tipos aplicáveis (tipo especial) incorpora os elementos essenciais de um tipo aplicável (tipo fundamental) - acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente, situação em que deve ser aplicado o tipo especializado, de consumpção - o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) -, situação em que, por regra, deve ser aplicado o tipo mais grave, de subsidiariedade - certas normas só se aplicam subsidiariamente, ou seja, quando o facto não é punido por outra norma mais grave - e de facto posterior não punível - os crimes que visam garantir ou aproveitar a impunidade de outros crimes não são punidos em concurso efetivo com o crime de fim lucrativo ou de apropriação, salvo se ocasionarem um novo dano ao ofendido ou se dirigirem contra um novo bem jurídico.

No caso de concurso efetivo verdadeiro ou puro, entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente não se dá uma exclusão por via de qualquer das regras acabadas de enunciar, e as diversas normas aplicáveis surgem como concorrentes na aplicação concreta.

Dentro deste concurso faz-se a distinção entre o concurso ideal - numa só ação se violam diferentes tipos (concurso ideal heterogéneo) ou se viola várias vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo) - e o concurso real - à pluralidade de crimes cometidos corresponde uma pluralidade de ações.

Resta referir que as relações entre normas que conduzem ao concurso legal aparente ou impuro não devem ser consideradas quando os bens jurídicos tutelados pelas normas violadas revestem natureza eminentemente pessoal9.

Em outra dimensão, há que considerar as tipologias criminais aqui em confronto e o que as mesmas encerram / acautelam / protegem.

Parece inquestionável que os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores se alojam nos crimes contra a autodeterminação sexual.

O primeiro, assume-se como destinado a proteger o desenvolvimento sexual das crianças preservando-as de um envolvimento prematuro / precipitado / precoce em atividades sexuais e, por essa via, impedir a existência de qualquer prejuízo no livre crescimento / amadurecimento da personalidade do menor10, vendo-se aqui a autodeterminação sexual sob uma forma particular, não face a condutas que representem extorsão de contactos sexuais de forma coactiva, mas ante condutas de natureza sexual que, tendo em conta a pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade11.

De outra banda, no que concerne ao segundo, albergando a filosofia trazida pela Decisão-Quadro do Conselho de 22 de dezembro de 200312, substituída pela Directiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 201113, relativa à luta contra o abuso sexual de crianças, a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, visa-se sobretudo a proteção da juventude e, consequentemente, a redução / diminuição do número de destinatários neste domínio de potencial perigo de exposição e o controle do chamado turismo sexual.

Aqui não se pretende apenas proteger a autodeterminação sexual do menor, mas também acautelar / salvaguardar a exploração sexual do menor, quer se trate de uma exploração utilizando o menor em fotografia ou filme, quer se trate de uma exploração do menor mediante a divulgação daquele material, em ordem à garantia de um bem jurídico coletivo de proibição de disseminação dessa informação, proteção esta antecipada pela simples utilização do menor, ainda que o material não tenha sido disseminado14.

Concatenando toda esta enunciação com o acervo factual existente e integrador dos afirmados pontos 5 a 15, tal como o cuidadamente o explicita a decisão em sindicância, é evidente / claro / cristalino que se está ante concurso real de crimes.

Na verdade, todo o enquadramento relativo ao envio, ao menor EE, ao tempo com 13 anos de idade, de vários vídeos retratando e expondo órgão genitais de adultos, coito oral e cópula, associado a conversas de cariz sexual, integra, claramente a previsão expressa no artigo 171º, nº 3, alínea b) do CPenal.

Por outra banda, tendo o arguido recorrente, naquele mesmo contexto, entabulado conversa e tomado postura de aliciamento / convencimento do menor em que este fizesse o registo em vídeo ou fotografia do seu órgão sexual e àquele o enviasse , mostra-se patenteada a previsão conjugadamente prevenida nos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 7, ambos do CPenal.

Mostra-se definitivamente parametrizado, crê-se, que o arguido recorrente, não se ficou apenas e só pelo envio de vídeos de coloração / conotação pornográfica, como, ademais, tudo fez para convencer o destinatário, uma criança de 13 anos de idade, ao tempo, a fotografar o seu órgão sexual e, posteriormente, lhe fazer chegar esse registo – aliás, toda a conversa encetada se desenrola nesse contexto de aliciamento / incitamento / persuasão.

Acresce que tudo o fez com propósitos perfeitamente diferenciados.

Exubera com confortada clareza que se está perante dois registos individualizados / distintos / inconfundíveis – o primeiro poderia ter acontecido sem o segundo e, bem assim, o pedido de registo fotográfico poderia ter surgido, ainda que por via de um aliciamento, independentemente dos vídeos remetidos.

Cada um dos vários actos do arguido recorrente foi levado a cabo em contexto situacional comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível.

Na verdade, tudo transparece como dois retratos perfeitamente autonomizáveis pois estão configurados / desenhados sentidos sociais do ilícito absolutamente distintos. Num, o abuso sexual de crianças, quer-se salvaguardar a autodeterminação sexual da criança. De outra feita, o crime de pornografia de menores, em qualquer um dos seus matizes previstos no tipo, mostra um outro sentido social ilícito subjacente à incriminação - a ilicitude decorrente da exploração sexual do menor quando utilizado em fotografia ou vídeos, imortalizando os atos ou poses cristalizados nesses registos15.

Cotejando, ao que se pensa, é de sucumbir esta linha defendida em recurso.


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De certo modo relacionado com o abordado segmento, desponta a questão relativa a estar patente situação, quanto aos menores EE, FF e DD, cabível na ideia / noção de crimes de trato sucessivo.

Neste ensejo, o arguido recorrente, conclusivamente, ensaia (…) não pode o arguido concordar também com a qualificação jurídica constante do acórdão recorrido no que concerne à imputação ao arguido da prática de 1 crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea b) e 177.º n.º6 do Código Penal; de 29 crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea b) e 177.º n.º7 do Código Penal; de 2 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, b) do C.P; e de 1 crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do C.P. (…) apesar de a conduta do arguido se subsumir a vários actos delituosos praticados com relação a cada um dos três ofendidos, certo é que estamos perante crimes de trato sucessivo, a impor que se considere que o arguido praticou, com relação a cada um dos menores EE e FF, um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores (na procedência do supra alegado) e de um único crime de pornografia de menores com relação ao menor DD (…), citando, em abono da sua tese, variada jurisprudência deste STJ, situada nos anos de 2003 a 2012.

O Tribunal recorrido, por sua vez, relativamente a este pronto conspecto, recorrendo a abundante jurisprudência e doutrina, afastou a linha de entendimento do arguido recorrente, concluindo de forma lapidar (…) julgamos que cada uma das condutas do arguido perpetradas contra um dos ofendidos tem de ser enquadrada no tipo legal de crime correspondente.

Um debruce, então, a propósito deste vetor recursivo.

Tanto quanto se crê, e depois de alguma discussão neste domínio, vem exuberando da jurisprudência dominante, que neste campo de intervenção criminal se rejeita a ideia de crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo pois, nestes crimes de abuso sexual de crianças e / ou pornografia de menores estão em causa bens eminentemente pessoais, seguindo-se até a ideia de que mesmo em situações em que possa haver alguma dificuldade em determinar quantos e com que frequência ocorreram, esse óbice não deve levar o tribunal a bastar-se com imputações genéricas e cair no caminho da dita formulação jurídica. O agente deverá ser antes punido por tantos crimes quantos os atos levados a cabo e provados, em concurso efetivo de crimes.

Faça-se, também, menção, que a figura do crime de trato sucessivo, não tendo acalento em qualquer expressa normação legal, vem sendo referenciada pela doutrina, encarando-a como o crime em que a consumação se não dá mediante a prática de um só ato, mas de uma multiplicidade deles.

Exala, desde logo, ao que se pensa, que as alterações legislativas que sofreu o artigo 30º do CPenal apontam para o afastamento da tese que o arguido recorrente pretende ver afirmada.

Na verdade, através da Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, ao dito inciso legal foi acrescentado um nº 3, contendo O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima, sendo que por via da Lei nº 40/2010, de 3 de setembro, dali passou a constar, expressamente, O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

Ao que se crê, hodiernamente, o tratamento penal dos crimes sexuais registou assinalável evolução sociológica e politico-criminal, assumindo-se como inseridos dogmática e sistematicamente no palco dos crimes contra a pessoa individual, concretamente contra a sua liberdade e autodeterminação sexual, traço este que impõe que a vítima e a sua perspetiva encerrem relevância decisiva, pelo que tal como em crimes contra a vida e / ou contra a integridade física a verificação de uma repetição de atos de semelhante natureza e enquadramento tenha o mesmo tipo de tratamento.

Ou seja, nenhum fundamento jurídico razoável se deteta, no tipo objetivo nem no tipo subjetivo, para que deva dispensar-se consideração diversa a agressões à liberdade e autodeterminação sexual. À insistência ou persistência da resolução criminosa do agente contrapõe-se e sobrepõe-se a necessidade de, perante cada atentado ao bem jurídico pessoal tutelado, reafirmar / acentuar / sublinhar a sua validade e importância para garantir o exercício livre e autêntico da identidade e da expressão sexual da vítima.

Na realidade, sempre, e cada vez, que o agente força ou impele uma pessoa sem o consentimento desta ou com o consentimento viciado ou legalmente inadmissível, a ter de suportar atos lascivos / sexuais, agride / invade o direito pessoal à liberdade e autenticidade da sua expressão sexual. No estar / sentir da vítima, que deve ter-se por decisivo, cada agressão sexual, independentemente de o agente ser o mesmo ou diverso, está imbuída de um sentido negativo de valor jurídico-penal.

A reiteração / repetição sucessiva e mais ou menos prolongada no tempo de agressões sexuais não é nem se pode transformar, para a vítima, num empreendimento ou numa atividade do agressor que aquela a tenha de suportar pois, como parece confortadamente claro, tal qual ao que sucede nos demais crimes contra as pessoas e, designadamente nos crimes contra a liberdade, não há nem se pode ficcionar a existência de qualquer quadro / condicionante que propicie / fomente a reiteração de agressões sexuais.

Este tipo de prática / agir implica que sempre e a cada momento ocorre uma abordagem, uma reação, um sentir e uma consequência, o que claramente convoca a ideia de que cada ato / ação singular, repetida e sucessivamente operado, indiferentemente do tempo que entre eles medeia, preenchendo todos os elementos do mesmo tipo (objetivo e subjetivo), constitui um crime autónomo, estabelecendo entre si uma relação de concurso real ou efetivo de crimes e reclamando a respetiva punição como tal16.

Sopesando todos estes considerandos, resultando limpidamente delimitados todos os factos cometidos pelo arguido recorrente, em termos de tempo, modo e circunstancialismo envolvente, e dirigidos aos diversos ofendidos – EE, FF e DD -, nada mais resta que não seja concluir pelo afastamento do pretendido, baqueando a tese do arguido recorrente quanto à verificação de retrato cabível em crime de trato sucessivo.


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Ante este concluído e tendo em atenção o posicionamento recursivo do arguido recorrente em matéria de punição - Acaso porventura se entenda que os factos imputados ao arguido e dados como provados na decisão recorrida não integram a prática do denominado crime de trato sucessivo e que, tal como decidido na primeira instância (…) a punir em concurso real de infrações, deverão as penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes ser reduzidas aos mínimos legalmente previstos (…) não se verifica a necessidade de aplicar ao arguido penas que se afastem dos mínimos legais previstos para os ilícitos criminosos imputados ao arguido (…) uma pena de prisão alargada e uma pena de prisão a cumprir efetivamente, no caso concreto, revelam-se manifestamente excessivas, atenta a reduzida exigência das finalidades dessas penas ao nível da prevenção geral e da prevenção especial ao momento verificada (…) daí que lhe deveria ter sido aplicada uma pena nunca superior a 5 anos de prisão – há que avaliar a propósito das consequências jurídicas a retirar e apurar se in casu se demanda a intervenção deste STJ.

Flui com evidente clareza que pretende o arguido recorrente atacar o decidido, em matéria de pena principal, nos matizes penas parcelares e penas únicas.

Parece insofismável que apesar das diversas penas parcelares em causa serem inferiores a 5 anos de prisão, a competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – recurso per saltum - que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence a este Tribunal, a coberto do estatuído no artigo 432º, nºs 1, alínea c), e 2, do CPPenal, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas17.

Retenha-se, também, que vem sendo pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo e que sobreleve de todo o espetro decisório.

De outra banda, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu na decisão de primeira instância nesta vertente.

Na verdade, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram sedimentadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no artigo 71º do CPenal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável18.

Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida em primeira instância, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada19.

O arguido recorrente, e quanto às diversas penas parcelares impostas, e com vista a ilustrar que as mesmas se deveriam ter reconduzido ao mínimo legal previsto, convoca razões como (…) nos crimes mencionados, em que foram ofendidos EE e DD, os menores sempre recusaram aceder aos pedidos do arguido de cariz sexual (…) as consequências sofridas pelos ofendidos com a prática do aliciamento criminal, são bem menos graves do que seriam se aquele resultado se tivesse verificado (…) seria mais grave a conduta do arguido se porventura estes menores tivessem acedido a fotografarem o seu pénis como o arguido pretendia (como ocorreu com o ofendido FF); não dependeu essa recusa (…) da vontade do arguido; mas o certo é que tudo se ficou pelo aliciamento, não havendo nudez dos menores nem a efetiva utilização dos mesmos em fotografia, filme ou gravação pornográficos (…) no que tange ao ofendido FF, atentas todas as circunstâncias resultantes dos factos provados da decisão recorrida (…) a idade do arguido, o certificado do registo criminal do arguido sem mácula, o arrependimento e a vergonha do arguido pelos factos criminosos que praticou, a cabal inserção social do arguido verificada ao momento, o facto de já ter reflectido e interiorizado o desvalor da sua conduta, impunha-se que o Tribunal recorrido tivesse aplicado ao arguido uma pena situada, para cada um dos crimes em causa, muito próxima dos seus mínimos legais.

Por seu turno, e nesta vertente, a decisão em sindicância, recorrendo a uma avaliação global de toda a factualidade, sem que delucide em particular as diversas situações e quadros20, anuncia (…) Quanto à prevenção geral, verifica-se que se impõem exigências elevadas atenta a natureza pessoalíssima dos bens jurídicos protegidos pela incriminação criminal em causa e a proliferação deste tipo de crimes no nosso país (…) à prevenção especial, as exigências revelam-se a um nível médio porquanto, apesar do arguido não ter antecedentes criminais, ter confessado os factos e ter dito estar arrependido, verifica-se que praticou os factos contra três menores, que gozavam da sua confiança e que resulta da factualidade provada que têm21 uma personalidade grandemente manipuladora e libidinosa (…) impõe-se proceder à determinação da pena concreta de acordo ainda com o critério geral do artigo 71º do Código Penal (…) e ainda atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele considerando, entre outras, as circunstâncias mencionadas nas alíneas do nº2 daquele artigo 71º (…) a ilicitude dos factos é mediana, face ao grau de lesão dos bens jurídicos, considerando o número de atos praticados em cada uma das situações e o tipo de atos praticados, que se situam num patamar de gravidade próximo do limite mínimo da moldura; a forma de execução do crime, aproveitando-se de meios de comunicação para encobrir a sua atuação mais facilmente e ter acesso mais frequente aos menores; o dolo que é intenso, na modalidade de direto; as consequências dos factos por si praticados, considerando as sequelas que factos deste tipo provocam (…) são circunstâncias que depõem contra o arguido (…) a sua inserção social e familiar; - ausência de antecedentes criminais na data dos factos; o facto de ter confessado e ter pedido desculpa (…) são circunstâncias que depõe a favor do arguido (…) Ponderando todo o descrito circunstancialismo (…) entende-se por ser proporcional, adequada e necessária, aplicar ao arguido pena em medida próxima do primeiro terço da moldura.

Retira-se, igualmente, de todo o percurso traçado pelo Tribunal a quo, neste segmento decisório, que tratando igualmente todos os quadros criminais verificados, em termos de fundamentação para a determinação concreta das penas parcelares a encontrar, ante a mesma tipologia - crime de pornografia de menores, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 7 do CPenal -, sem exercitar a menor explicação para tal, acaba por nuns casos – ofendidos EE e DD – impor a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, e noutro – ofendido FF – fixar a pena de 2 (dois) anos de prisão.

Ora, calcorreando todo percurso encetado pelo Tribunal recorrido, em matéria de determinação das medidas concretas das penas, nada nele se denunciando sobre que diferenças concretas detetou / considerou / pesou para com os mesmos argumentos justificativos, diferenciar situações que expressamente considerou (…) todo o descrito circunstancialismo e atendendo às exigências de prevenção referidas, entende-se por ser proporcional, adequada e necessária, aplicar ao arguido pena em medida próxima do primeiro terço da moldura (…), numa imediata análise, poder-se-ia cogitar que inexistem razões / suportes que, de modo claro e inequívoco, transmitam em que se estribou o julgador para a aludida diferenciação.

Todavia, atentando no elenco dos factos dados como provados, sendo certo que os menores EE e DD, pese embora as diversas formas de abordagem e tentativas de convencimento, nunca chegaram a tirar e enviar fotografias para o arguido recorrente, em que estivessem desnudos e / ou revelassem algo das suas partes intímas – tudo se ficando pelo aliciamento -, não é menos verdade que o menor FF mediante agir do arguido recorrente (…) a partir de certa altura, mas certamente no decurso do ano de DD até meados do mês de Junho de 2020, pelo menos uma vez por semana, o arguido (…) bem sabendo que o menor FF ainda não tinha 14 anos de idade, pediu (…) que captasse e lhe enviasse fotografias totalmente desnudo ou desnudo da cintura para baixo, de modo que fosse captado e retratado o pénis ereto do menor (…) O que o menor fez, por diversas vezes, em número não concretamente apurado, mas pelo menos uma vez por semana naquele hiato temporal.

Aliás, tal nota distintiva é perfeitamente assumida pelo arguido recorrente que, limpidamente, a refere e aceita (…) seria mais grave a conduta do arguido se porventura estes menores tivessem acedido a fotografarem o seu pénis como o arguido pretendia (como ocorreu com o ofendido FF).

Desta feita, tanto quanto se crê, atentando nesta particularidade, é possível e crível antever que foi o mote para que se tivesse entendido, em 1ª instância, diferenciar as penas impostas num quadro que, em primeira abordagem, se considerou / olhou como semelhante / similar.

E, nessa medida, há que concluir pela existência de motivo bastante para tratamento diferenciado, como o fez o Tribunal recorrido.

Prosseguindo, e considerando todos os cambiantes enformadores dos diversos crimes pelos quais o arguido recorrente foi condenado e, bem assim, todo o explicativo tido pelo Tribunal recorrido em matéria de penas parcelares, não se vislumbra a existência de retrato de desproporcionalidade, desadequação e falta de justeza na dosimetria de cada uma daquelas.

Na realidade, e relativamente a todas as situações, são de nota as necessidades de prevenção geral, considerando o bem jurídico em questão – autodeterminação sexual -, o estarem em causa três menores, diversos atos aos mesmos dirigidos, sendo visíveis as repercussões que este tipo de comportamento desencadeia nas vítimas e sequencialmente no tecido social.

Todo este tipo de comportamentos envolvendo e dirigido a crianças, sem qualquer hesitação, é realidade que repugna à consciência coletiva, tanto no plano ético como moral. Assume-se como um grave e evidente atentado a seres indefesos pois, é salutar e desejável, em termos de interesse comunitário, que as crianças cresçam e se desenvolvam harmoniosa e equilibradamente.

Acresce que a prática de crimes desta natureza, gerando graves consequências à pessoa das vítimas provocam alarme e intolerância social, ataque à paz social, denotando a necessidade de intervenção firme dos tribunais, como forma de apaziguar o panorama social afetado, e demover potenciais delinquentes da ideia / vontade de incorrerem neste tipo de comportamento22.

São efetivamente prementes e muito elevadas as razões de prevenção geral que se fazem especialmente sentir neste tipo de infração, tendo em conta o bem jurídico violado nos crimes em questão – a autodeterminação sexual de crianças – e impostas pela frequência de condutas deste tipo e do conhecido alarme social e insegurança que em geral tais comportamentos causam na comunidade, mormente, face à atual realidade em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade, justificando uma resposta punitiva firme, sendo ainda de salientar os danos que são suscetíveis de desencadear na formação da personalidade e desenvolvimento afetivo e emocional das vítimas.

Sopesando no matiz da prevenção especial.

Como notas negativas, a intensidade do dolo, porque situado no patamar mais elevado (dolo direto), a forma de execução dos crimes – a sua maioria por via de aplicações telefónicas de mais fácil e imediato contacto -, a mediana ilicitude traduzida, por um lado, no tipo de atos cometidos que dentro de uma panóplia possível, e sem os branquear, não envergam carga de dimensão tão grave e intrusiva como muitos outros23 a reclamar intervenção e censura, por outro, na repetição e insistência, aproveitando a proximidade decorrente da confiança existente por parte dos menores.

Soltam-se como aspetos positivos a ponderar, tal como o denotado em 1ª Instância, a inserção social, familiar e laboral do arguido recorrente, o facto de não exibir antecedentes criminais e, de sublinhar, o ter confessado os factos24 e ter pedido desculpas pelos seus atos.

Mensurando, conclui-se que as penas parcelares encontradas, correspondendo a um quantum albergado pelo primeiro terço das molduras abstratas possíveis, não merecem qualquer censura e / ou intervenção, sendo que todo o argumentário trazido pelo arguido recorrente, nesta sede, não tem virtualidade bastante e suficiente para abalar o decidido, mormente, justificativo de imposição de penas correspondentes aos mínimos legais previstos.


*


Recursivamente, apresenta-se, igualmente, como pretensão do arguido recorrente, reagir contra a pena única que lhe foi arbitrada.

Aquele, neste segmento, limitando-se a repetir todas as razões que invocou na defesa da fixação das diversas penas parcelares, entoa (…) que lhe deveria ter sido aplicada uma pena nunca superior a 5 anos de prisão.

De seu lado, a decisão revidenda afirma (…) a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) no caso concreto a moldura do concurso fixa-se entre 2 anos e 9 meses a 63 anos e 11 meses de prisão, ou seja, 25 anos de prisão (atento o limite máximo legal) (…) Atendendo ao número de vítimas, ao número e contexto em que os factos foram praticados, à intensidade do dolo, à mediana gravidade das consequências dos crimes de abuso sexual para os ofendidos, por um lado, e à sua inserção social e familiar, à confissão e ao pedido de desculpas, por outro, entende-se da avaliação global dos factos resulta uma tendência clara da personalidade do arguido para a prática de crimes deste tipo (…) entende o Tribunal que aplicar uma pena única fixada entre o primeiro quarto e o primeiro terço da moldura do concurso, ou seja, a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

A punição do concurso de crimes emergente do artigo 77º do CPenal encara o sistema da pena conjunta, rejeitando uma visão atomística da pluralidade de crimes, e nessa medida, obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.

Nesse trajeto, encontradas as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Em termos de segundo passo, importa essencialmente atender à unicidade / visão de conjunto, abandonando a ideia de compartimentação em que se fundou a construção de cada uma das molduras singulares que, não apagando a pluralidade de ilícitos perpetrados, antes a converte numa nova conexão de sentido, entendendo-se que a este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação.

Ou seja, a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do agente e das diversas penas parcelares, sendo por isso necessário que se obtenha uma visão integrada dos factos, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto, a maior ou menor autonomia, a frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento25.

Impõe-se o equacionar, em conjunto, a pessoa do autor e os delitos individuais, de modo que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve sempre refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência, sendo que na valoração da personalidade do agente deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si26.

Há a reter, também, que não emergindo do ordenamento penal português o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem o da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, este visto não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto os factos e a personalidade do agente27.

Releva, ainda, a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)28.

Toda esta métrica, reclama, por isso, que se fundamente a opção a tomar, por forma a que a medida da pena do concurso não surja como fruto de um ato intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário, pese embora aqui, o dever de fundamentação não assuma nem o rigor nem a extensão dimanados do artigo 71º, podendo, contudo, os fatores enumerados no nº 2 deste inciso servir de mote enformador.

Debruçando um olhar no caso sub judice, em termos de pena única principal, tem-se como dosimetria a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão a 63 (sessente e três) anos e 11 (onze) meses de prisão, ou seja, como limite máximo, o tempo de 25 anos de prisão, face ao plasmado no artigo 77º, nº 2 do CPenal.

O quadro em presença, como se salientou, revela preocupações em termos de prevenção geral, face ao valor em causa – autodeterminação sexual- e às consequências que este tipo de agir desencadeiam nas vítimas e, naturalmente, no todo da comunidade em geral.

Ressalta que o arguido recorrente, incorreu em práticas repetidas, na mesma linha e tipo de atuação, em tempo de algum significado sem que isso o fizesse pensar / considerar / cercear no caminho encetado, agiu com dolo direto, esquecendo a idade das vítimas e os nefastos efeitos que todo o seu agir naquelas poderiam provocar.

Mostra-se também evidente, crê-se, que os atos perpetrados, constituindo alvo de censura, sendo criticáveis e de reprovar, e sem se pretender escamotear, não se assumem de contornos de severa e grave invasão na esfera da intimidade e sexualidade dos menores, como em muitos outros quadros que reclamam intervenção.

A par, a circunstância de o arguido recorrente não exibir antecedentes criminais, estar profissional, social e familiarmente inserido, usufruir de apoio familiar, e essencialmente, o ter confessado os factos, assumindo-os integralmente, e ter pedido desculpa, aspetos que inculcam a ideia, face ao sucedido, de ter exercitado algum sentido crítico, capacidade de autocensura e de ter efetivamente dimensionado e entendido a gravidade do seu estar / posicionar nesta vertente da sexualidade.

Todo este circunstancialismo, pese embora apelando a um sancionamento de algum rigor, potenciando ao arguido recorrente um exame sobre todo o acontecido, reclama que se tempere com um não afastamento por demasiado tempo da vida em sociedade e, nesse desiderato, uma mais fácil e propícia futura integração na sociedade.

Concatenando estes traços ponderativos, uma pena única algo superior ao mínimo possível, situada no patim dos 6 (seis) anos de prisão parece mais ajustada, proporcional e adequada29.

Ante tal, desde logo por falha do requisito objetivo expresso no artigo 50º, nº 1 – primeira parte – do CPenal (pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos), cai por terra o intento recursivo de utilização da pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, decidem:

a) Manter o decidido em 1ª Instância no que concerne à condenação do arguido AA, em termos de penas parcelares, pela prática em autoria material e em concurso real dos crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171º, nº 3, alínea b) e 171º, nº 1 do CPenal – em que são ofendidos EE e FF – e de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 7 e 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6 do CPenal – em que são ofendidos EE, FF e DD, confirmando o Acórdão recorrido, nessa parte;

b) Alterar a pena única imposta e condenar o arguido AA, em cúmulo, na pena única de 6 (anos) anos de prisão;

c) Manter, no mais, todo o decidido em 1ª Instância.


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Sem custas, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513º, nº 1, última parte, do CPPenal.

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O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 20 de novembro de 2024

Carlos de Campos Lobo (Relator)

Jorge Raposo (1º Adjunto)

Antero Luís (2º Adjunto)

________


1. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão propalado em 1ª instância que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.

2. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

3. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p. 335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p. 113.

4. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

5. (…) condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº1 do Código Penal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nº37 a 58) a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.

6. (…) condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº3, b) do Código Penal praticado contra o menor FF (factos provados sob os nº37 a 58) a pena de 6 (seis) meses de prisão.

7. Artigo 30.º

  Concurso de crimes e crime continuado

  1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

  2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

 3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

8. Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J.M., Código Penal Parte geral e especial, Com Notas e Comentários, 2015, 2ª Edição, Almedina, p. 229 – (…) A possibilidade de subsunção duma relação da vida a um ou vários tipos legais, é praticamente, a chave para determinar a unidade ou pluralidade de crimes em que tal relação se sintetiza ou desdobra (…) Acresce a importância do bem jurídico (…) se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade (…) interessa ademais a pluralidade de resoluções criminosas do agente (…) no sentido de determinações de vontade, de realizações do projeto criminoso (…).

  Ainda, os Acórdãos do STJ, de 12/07/2012, proferido no Processo nº 1718/02.9JDLSB – (…) O tipo legal é o portador, o interposto da valoração jurídico-criminal, ante o qual se acham colocados os tribunais e o intérprete. A possibilidade de subsunção duma relação da vida a um ou vários tipos legais de delito é a chave para determinar a unidade ou pluralidade a unidade ou pluralidade de crimes -, de 24/04/2019, proferido no Processo nº 308/12.2TAABF.S1 - (…) o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (…) Se a conduta do agente integra um único tipo de crime constitui uma única infração; se preencher vários tipos de crime haverá várias infrações (…) A unidade de tipo de crime avalia-se de acordo com a unidade de bem jurídico infringido. No caso de várias condutas violarem o mesmo bem jurídico, o critério de distinção deve residir na existência de unidade ou pluralidade de resoluções criminosas. Sempre que exista uma única resolução, determinante de uma prática sucessiva de atos ilícitos, haverá lugar a um único juízo de censura penal, e, portanto, existirá apenas um crime. Caso haja sucessivas resoluções, estaremos perante uma pluralidade de juízos de censura, e, portanto, de infrações (…), disponíveis em www.dgsi.pt.

9. Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2021, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p. 241 – (…) o legislador pôs fim à figura (…) que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos atos seja a mesma pessoa (…).

10. Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J.M., ibidem, pp. 759 e 760.

  Ainda os Acórdãos do STJ, de 13/03/2019, proferido no Processo nº 3910/16.0T9PRT.P1.S1- (…) O bem jurídico ora tutelado é, pois, a liberdade e autodeterminação sexual a que qualquer pessoa tem direito, mas por se tratar de vítimas menores a relevância incide imediatamente na protecção da sexualidade durante a infância e o começo da adolescência e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento -,

11. Neste sentido, PEREIRA, Victor de Sá e LAFAYETE, Alexandre, Código Penal, Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2014, 2ª Edição, Quid Juris, p. 501 – (…) a pouca idade da vítima (criança, adolescente, jovem) passa a ser o decisivo ponto de referência. Por força da certeza de que determinadas condutas de índole sexual são idóneas para prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade (…) a lei presume (…) que a prática de actos sexuais com menor, sobre menor ou por menor de certa idade desfavorece o desenvolvimento global do mesmo, sem chegar a presumir , contudo, que a pessoa não é livre para de decidir em termos de relacionamento sexual (…).

12. Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho.

13. Artigo 1º

  Objecto

  A presente directiva estabelece regras mínimas relativas à definição dos crimes e sanções no domínio do abuso sexual e da exploração sexual de crianças, da pornografia infantil e do aliciamento de crianças para fins sexuais. Introduz igualmente disposições para reforçar a prevenção desse tipo de crimes e a protecção das suas vítimas.

 Artigo 2º

  Definições

 Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

  a) «Criança», uma pessoa com menos de 18 anos de idade;

  b) (…)

  c) «Pornografia infantil»,

i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou

ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais,

 iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou

  iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais;

  d) (…)

  e) (…)

  f) (…)

  Artigo 5º

  Crimes relativos à pornografia infantil

  1. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que os comportamentos intencionais referidos nos n.os 2 a 6, quando praticados ilegitimamente, sejam puníveis.

2. A aquisição ou posse de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a um ano.

3. A obtenção de acesso a pornografia infantil com conhecimento de causa e por meio das tecnologias da informação e da comunicação é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a um ano.

  4. A distribuição, difusão ou transmissão de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.

5. A oferta, fornecimento ou disponibilização de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.

6. A produção de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a três anos.

 7. Cabe aos Estados-Membros decidir se o presente artigo se aplica aos casos de pornografia infantil referidos no artigo 2.o, alínea c), subalínea iii), se a pessoa que aparenta ser uma criança tiver de facto 18 anos de idade ou mais no momento da representação.

 8. Cabe aos Estados-Membros decidir se os n.os 2 e 6 do presente artigo se aplicam aos casos em que se comprove que o material pornográfico na acepção do artigo 2.o, alínea c), subalínea iv), é produzido e está na posse do produtor apenas para seu uso privado, na medida em que não tenha sido utilizado para a sua produção material pornográfico na acepção do artigo 2.o, alínea c), subalíneas i), ii) ou iii), e desde que o acto não comporte risco de difusão desse material.

14. Neste sentido o Acórdão do STJ de 16/01/2020, in CJ Acórdãos do STJ, XXVIII, I, p. 131

15. Neste sentido o Acórdão do STJ, referido na nota 12.

  Ainda, o Acórdão do STJ, de 13/03/2019, proferido no Processo nº 3910/16.0T9PRT.P1.S1 – (…) dado o teor das conversas mantidas com as já identificadas jovens a par dos conteúdos a estas remetidos pelo arguido, de natureza claramente sexual (…) preencheu o tipo legal do crime de abuso sexual p. e p. pelo art.º171 n.º3 b) do C. Penal, cometendo tantos os crimes quanto as menores atingidas (…) A par dessas conversas o arguido efectivamente ainda aliciou algumas das menores a exporem a sua nudez, nomeadamente a zona genital, através de fotografia ou outro meio de comunicação visual (…)assim preenchendo aquele os crimes previstos no art.º176 n.º1 b) em conjugação, ora com o art.º177 n.º7 (…), disponível em www.dgsi.pt.

16. Neste sentido o Acórdão do STJ, de 27/11/ 2019, proferido no Processo n.º 1257/18.6SFLSB.L1.S1 - 3.ª secção, disponível em ww.dgsi.pt.

  Na mesma linha de entendimento, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 16 /01/2008, proferido no Processo nº 4735/07-3.ª, de 1/10/2008, proferido no Processo n.º 2872/08-3.ª, de 5/11/2008, proferido no Processo nº 2812/08-3.ª, de 19/03/2009, proferido no Processo nº 483/09-3ª, de 20/01/2010, proferido no Processo nº 19/04.2JALRA. C2.S1, de 13/07/2011, proferido no processo nº 451/05.4JABRG.G1.S1, de 12/07/2012, proferido no Processo n.º 1718/02.9JDLSB.S, de 23/05/2019, proferido no processo nº 134/17.2JAAVR.S1, de 27/11/2019, proferido no Processo nº 784/18.0JAPRT.G1.S1 - (…) a aplicação do trato sucessivo quando, como sucede nos crimes de abuso sexual de menores, estão em causa bens eminentemente pessoais é pelo STJ «pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado» em tais situações, sendo que no caso do crime de abuso sexual de crianças, o entendimento já sedimentado é o da integração da pluralidade de condutas à figura do concurso efectivo de crimes, afastando-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente ao crime de trato sucessivo (…) -, de 17/06/2020, proferido no Processo nº 91/18.8JALRA.E1.S1, de 12/01/2020, proferido no Processo nº 1070/20.4PASNT.S1 e de 25/06/2020 proferido no Processo nº 227/16.3T9VFR.P1.S1, todos disponíveis em www.dgis.pt.

  Ainda, e mais recentemente, os Acórdãos do STJ, de 23/11/2022, proferido no Processo nº 754/20.8JABRG.G1.S – (…)É atualmente uniforme e consolidada a jurisprudência deste tribunal que afasta o recurso à figura do denominado “crime de trato sucessivo” em relação aos crimes contra a autodeterminação sexual (…) - , de 24/03/2022, proferido no Processo nº 500/21.9PKLSB.L1.S1 - (…) Embora a jurisprudência do TJ se tenha mostrado dividida quanto à aplicação da figura do crime exaurido ou de trato sucessivo aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, atualmente e desde há alguns anos atrás, consolidou-se jurisprudência, cremos que unanimemente, no sentido da integração da pluralidade de condutas integradoras de crimes de abuso sexual de crianças, na figura do concurso efetivo de crimes previsto no art.30.º, n.º1 do Código Penal, afastando-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente ao crime de trato sucessivo -, de 12/01/2022, proferido no Processo nº 1079/20.4PASNT.S1 – (…) A aplicabilidade da figura do “trato sucessivo” aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual foi defendida, nos nossos tribunais superiores, em situações em que está presente uma actividade repetida, prolongada no tempo (…) Mais recentemente, este STJ tem vindo a decidir, de forma uniforme, pela inaplicabilidade de tal figura a este tipo de crimes (…) porque – e entre o mais – “na perspectiva da vítima, que deve ter-se por decisiva, cada agressão sexual, independentemente de o agente ser o mesmo ou diverso, está dotada de um sentido negativo de valor jurídico-penal”, de 16/10/2024, proferido no Processo nº 1373/20.4JAPRT.P1.S1 (…) é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime "de trato sucessivo", ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as ações. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

17. Acórdão do STJ (AUJ) nº 5/2017, de 23 de junho, publicado no D.R. nº 120/2017, Série I de 2017-06-23.

18. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 18/05/2022, proferido no Processo nº 1537/20.0GLSNT.L1.S1 – (…) A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” -, de 19/06/2019, proferido no Processo nº 763/17.4JALRA.C1.S1- (…) justifica-se uma intervenção correctiva quanto à pena aplicada ao arguido, reduzindo-se a pena de (…) para (…) que entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa - , disponíveis em www.dgsi.pt.

19. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

20. Consigna-se que este caminho / fórmula, sem particularizar, destrinçando, pelo menos, as situações relativas a cada um dos menores, salvo melhor e mais avisada opinião, não prima pelo rigor e acerto.

21. Entende-se que aqui terá havido lapso, pretendo antes dizer-se “tem”, pois, esta dimensão no contexto refere-se ao arguido e não aos menores ofendidos.

22. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 10/10/2012, proferido no Processo nº 617/08.5PALGD.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt.

23. (…) Novamente no interior do veículo (…) o arguido pediu ao menor que se despisse da cintura para baixo, o que o menor fez, por sentir medo (…) De seguida, o arguido colocou a sua mão no pénis desnudo do FF, tocando-lhe e masturbando-lhe no órgão genital, com o intuito de satisfazer os seus desejos libidinosos (…) naquele contexto, o arguido, que usava uns calções, começou a massajar o seu próprio pénis, desconhecendo-se se desnudo ou por cima do vestuário, e pediu ao menor para se masturbar e ainda lhe perguntou se metia o pénis [do arguido] na boca e se lhe chupava o pénis (…) O menor negou, apesar das várias insistências do arguido, que dizia “ANDA LÁ” (…).

24. Faça-se notar que neste tipo de crimes é muito pouco comum a sua assunção por parte dos perpetradores dos mesmos.

25. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 28/4/2010, proferido no Processo 4/06.0GACCH.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. - I - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

  II - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

  III - A substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos (RPDC, Ano 16.º, pg. 154 e ss.), as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas.

  IV - Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

 V - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.

26. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 27/05/2015, proferido no Processo nº 173/08.4PFSNT-C.S1, de 14/07/2022, proferido no Processo nº 36/15.7PDCSC-A.S1 - para a determinação da medida da pena única, como já acima se disse, há que ponderar o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, procedendo-se a uma avaliação da gravidade da ilicitude global dos mesmos (tendo em conta o tipo de conexão entre os factos em concurso), e a uma avaliação da personalidade do agente (aferindo-se em que termos é que a mesma se projecta nos factos por si praticados), de forma a apurar se a sua conduta traduz já uma tendência para a prática de crimes, ou se a sua conduta se reconduz apenas a uma situação de pluriocasionalidade (…) -, de 24/03/2021, proferido no Processo nº 536/16.1GAFAF.S1 - (…) na determinação da pena única devem considerar-se todos os factos, crimes e penas aplicados, para a obtenção da imagem do “comportamento global” e da personalidade do agente (…), disponíveis em www.dgsi.pt.

27. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 290-292.

28. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 292.

29. A título de exemplo de situações de penas únicas neste tipo de situações, citem-se os Arestos do STJ, de 25/10/2023, proferido no Processo nº 3761/20.7T9LSB.S1 – em causa 174 crimes de abuso sexual de crianças, simples e agravados, onde foi considerado que a pena única aplicada, de 7 anos de prisão, se encontra fixada respeitando os critérios de adequação e proporcionalidade, legalmente impostos, na consideração das necessidades de proteção dos bens jurídicos e de reintegração que a sua aplicação visa realizar, e de 11/05/2023, proferido no Processo nº 334/21.0GBCTX.L1.S1 – em causa 75 (setenta e cinco) crimes de abuso sexual de crianças, 45 (quarenta e cinco) dos quais previstos e puníveis pelos arts. 171.º, n.os 1 e 2 , e 177.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, e 30 (trinta) previstos e puníveis pelos arts. 171.º, n.os 1 e 2 e 177.º, n.º 1, als. a) e c), ambos do CP, onde foi tido que a fixação em patamar de 13 anos a pena de prisão unitária, a partir de uma moldura com um mínimo de 6 anos pelo crime mais grave, não se assume como desproporcional ou exagerado, considerando uma moldura penal abstrata do concurso entre 06 e 25 anos de prisão, a elevadíssima ilicitude dos factos, o grau de culpa intenso, a necessidade de uma robusta censura do comportamento, de 16/10/2024, proferido no Processo nº 1373/20.4JAPRT.P1.S1 - em causa 52 crimes de abuso sexual de crianças, simples e agravados, onde foi fixada a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, entre uma moldura de 5 a 25 anos de prisão, todos disponíveis em www.dgsi.pt.