Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL VÍCIOS DO ARTº 410 CPP INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO PERÍCIA ROUBO MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA / MEIOS DE PROVA / PROVA PERICIAL – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DA PROVA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE. | ||
Doutrina: | -Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p. 21 e ss. ; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss. ; Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1974, p. 155 ; Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, notícias editorial, p. 268 e 269; - Simas Santos e Leal Henrique, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição, p. 69; - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo, 2.ª Edição, p. 340; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Unv. Católica Editora, 2008, p. 241; - Cavaleiro Ferreira, A medida da pena, Lisboa, p. 62; - Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, Barcelona, 1981, p. 1190, 1201 ; Evolución del Concepto Jurídico Penal de Culpabilidad en Alemana Y Austria, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, ISSN 1695-0194 05-01(2003); - Jackobs, Schuld und Prävention, Tübingen, 1976, p. 8 e ss.; - Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención en Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), p. 93, 96-98; - Jorge Miranda, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148-163; - Anabela Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, p. 371; - Eduardo Correia, Estudos sobe a reforma do Direito Penal de pois de 1974, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119º, p. 6; - Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, p. 121; - Leal- Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal anotado, 2ª edição, p. 737 a 739; - Oliveira Mendes, Código de Processo Pela”, Comentado, 2016, 2ª ed. Revista, Almedina, p. 1048; - Oliveira Mendes, Código de Processo Penal, Comentado, 2016- 2ª Edição Revista, Almedina, p. 1049. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 151.º, 340.º, N.º 4, 410.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E C), 426.º E 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 202.º, ALÍNEA B), 204.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E F) E 210.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 13-01-1999, IN BMJ N.º 483 , P. 49; - DE 06-04-2000, IN BMJ N.º 496 , P. 169; - DE 09-10-2003, PROCESSO N.º 1670/03; - DE 04-10-2006, PROCESSO N.º 06P2678; - DE 28-02-2007, PROCESSO N.º 9/07; - DE 21-06-2007, PROCESSO N.º 07P2042; - DE 05-09-2007, PROCESSO N.º 2078/07; - DE 07-11-2007, PROCESSO N.º 3175/07; - DE 14-11-2007, PROCESSO N.º 3249/07; - DE 16-01-2008, PROCESSO N.º 4638/07; - DE 26-03-2008, PROCESSO N.º 306/08; - DE 26-03-2008, PROCESSO N.º 4833/07; - DE 04-06-2008, PROCESSO N.º 1668/08; - DE 04-12-2008, PROCESSO N.º 3774/08; - DE 18-06-2009, PROCESSO N.º 59/08.9PQLSB.S1; - DE 06-01-2010, PROCESSO N.º 99/08.1SVLSB.L1.S1; - DE 07-04-2010, PROCESSO N.º 83/03.1TALLE.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 13-10-2010, PROCESSO N.º 200/06.0JAAVR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 22-01-2013, PROCESSO N.º 182/10.3TAVPV.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 250/12.7JABRG.G1:S1; - DE 09-03-2017,PROCESSO N.º 74/16.2PAVFC.S1; - DE 29-03-2017, PROCESSO N.º 5160/13.8TDPRT.P1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 137/2002, DE 03-04-2002, PROCESSO N.º 363/01, IN DR, II SÉRIE DE 26-09-2002; - ACÓRDÃO N.º 171/2005, DE 31-03, PROCESSO N.º 764/2004, IN DR II SÉRIE, DE 06-05-2005. | ||
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Sumário : | I - O tribunal a quo, antes de deferir ou indeferir a realização de determinada diligência probatória requerida pela defesa ou por outros sujeitos processuais, está obrigado a aferir da utilidade, ou não, da sua realização, pelo que, o indeferimento de diligências probatórias em conformidade com o disposto no citado art. 340.º, n.º 4, do CPP, não viola as garantias de defesa do arguido. II - O exercício deste poder/dever por parte do juiz, pode ser sindicado pelo STJ em sede de violação da lei. III - Nenhum impedimento legal existe a que o juiz relegue a apreciação sobre a legalidade/necessidade de realização de uma diligência de prova requerida pela defesa, na contestação, para a audiência de discussão a julgamento, pelo que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se descortina nesta actuação do tribunal “a quo” qualquer irregularidade ou nulidade processual. III - Tendo presente que o decurso de alguns anos desde a ocorrência dos factos terá levado a modificações naturais na volumetria do arguido, bem como, a circunstância dos arguidos terem atuado encapuzados (o que inviabiliza, desde logo, a realização de um reconhecimento facial) e com vestuário volumoso, não merece censura o despacho recorrido que indeferiu a realização de uma perícia antropométrica ao arguido, por a mesma não se revelar de interesse para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, na medida em que esta apenas, serviria para protelar o andamento dos autos, não se descortinando que o referido despacho constitua violação do direito de defesa do arguido. IV - Conforme resulta claro do estatuído no art. 434.º, do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça é restrito à matéria de direito. V - Não obstante esta restrição, o STJ pode, excecionalmente, conhecer oficiosamente, dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, desde que resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e nos casos em que a sua ocorrência torne impossível a decisão da causa, ou seja, quando se tornar imperativo para o conhecimento da matéria de direito a ampliação da matéria de facto, a correção de evidentes erros ou a remoção de contradição insanável entre os factos e a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, caso em que este STJ ordena o reenvio - art.426.º, do CPP. VI - Existe insuficiência da matéria de facto quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito. VII - Contrariamente ao que sustenta o recorrente, no caso dos autos, não se vê que o tribunal estivesse impossibilitado de dar como provada a sua comparticipação no crime de roubo de que vinha acusado com base noutros meios de prova, que não a prova pericial, posto que esta, de harmonia com o disposto no art. 151.º, do CPP, apenas se impõe «quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos», o que não é o caso. VIII - Não se descortina qualquer utilidade na realização de diligências junto das autoridades romenas no sentido de averiguar se o arguido é dextro ou esquerdino, posto que, mesmo a admitir-se que o recorrente é dextro, daí não se retira que não pudesse empunhar uma arma com a mão esquerda, tanto mais que na outra mão (que seria a direita, segundo o arguido) empunhava um machado. IX - O vício a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão nem com o erro de julgamento, não contemplando as situações em que o recorrente manifesta a sua discordância relativamente aos factos dados como provados e porque está fora da competência deste STJ exercer censura sobre a valoração que o tribunal recorrido procedeu dos diversos meios de prova e sobre a convicção que sobre eles formou, à luz do princípio da livre apreciação. X - São de considerar verificados os pressupostos da reincidência se, antes de decorridos 5 anos sobre a anterior condenação pela prática de um crime de furto qualificado, o arguido voltou a cometer, um crime doloso, de roubo a que o Tribunal recorrido aplicou pena de prisão efectiva. XI - O curto espaço de tempo (de cerca de 1 ano e meio) que mediou entre o momento em que ficou em liberdade (por cumprimento integral da pena de prisão) e o momento em que praticou o crime de roubo objecto dos presentes autos, bem como, o facto de, em ambos os casos, tratarem-se de crimes visando a apropriação de bens alheios, num crescendo de ilicitude e de gravidade, a circunstância de o arguido, à data dos factos registar grande mobilidade, não apresentando enquadramento habitacional fixo e que, uma vez em liberdade, não diligenciou por arranjar trabalho ou ocupação lícita que lhe permitissem auferir rendimentos para fazer face às suas necessidades e às suas despesas diárias, antes se associando aos demais arguidos, com quem em conjunto levou a cabo a prática do crime de roubo, permite tirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado. XII - É de considerar elevada a intensidade da culpa, bem como a natureza e gravidade do ilícito cometido pelos 3 arguidos que planearam antecipadamente, de forma organizada e cautelosa, o assalto que decidiram fazer, munindo-se de duas viaturas, uma delas alugada em Espanha que serviram de "escolta" à utilizada no roubo, esta previamente furtada, de forma a evitar que viessem a ser descobertos, usando também as caras e cabeças tapadas, actuando em conjugação de esforços e intentos, exibindo um machado e uma arma de fogo e assim ameaçando todos os presentes na ourivesaria e na galeria onde aquela se situa, restringindo-os na sua liberdade de movimentos, com o intuito, de se apoderarem de todos os bens valiosos que ali conseguissem recolher, apoderando-se de várias peças em ouro e de joalharia ali existentes no valor total estimado de € 64.474,23. XIV- Não merecem censura, à luz do princípio da proporcionalidade, as penas aplicadas aos arguidos pela prática como co-autores materiais de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao disposto nas als. a) e f) do n.º 2, do art. 204.º e al. b), do art. 202.º, todos do CP, respectivamente de 7 anos de prisão e de 7 anos e 6 meses de prisão (este último como reincidente). | ||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO PENAL[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
1. No processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, nº 427/14.0JACBR da Comarca de Viseu – Juízo Central Criminal de Viseu –J2, o arguido AA requereu, em sede de contestação, uma perícia antropométrica comparativa das imagens indicadas em suporte à acusação no momento do furto com as dimensões de volumetria do seu próprio corpo, com vista a provar que não é o indivíduo que consta dos fotogramas relativos ao dia do roubo.
2. Em sede de audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 16 de janeiro de 2014, foi proferido o despacho que, considerando que tal diligência não se revelava de interesse para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, servindo apenas para protelar o andamento dos autos, indeferiu a realização da requerida perícia.
3. Inconformado com este despacho, dele recorreu o arguido AA, terminando as motivações com as seguintes conclusões:
« a. O despacho em crise é ilegal porque antes considerou de forma liminar que a matéria suscitada pela defesa é desprezível do ponto de vista probatório e como tal não tem cabimento. b. Quando é certo que o tribunal apreciou e aplicou erradamente a lei no que concerne a um meio de prova requerido em sede da contestação da defesa, dando início ao julgamento e aguardando a produção da prova para indeferir o requerimento, como se se tratasse de um meio de prova na disponibilidade discricionária do tribunal a título oficioso.
c. Bem sabendo que não podia indeferir tal pretensão, dado que foi um meio de prova com natureza científica e pericial atempadamente e sempre requerido, pela defesa como uma diligência essencial à descoberta da verdade.
d, E também não desconhecendo que, só após o resultado pericial, podia o tribunal livremente, mas com a qualidade idêntica à de um estudo científico, fundamentar ainda que contrariando eventualmente o resultado da perícia.
e. O tribunal cometeu desse modo um ato arbitrário porque indeferiu a realização de uma perícia sem o poder fazer, assim prejudicando o arguido.
f. E restringindo de forma intolerável o direito de defesa, o que configura atuação contra legem.
g. O despacho está ainda ferido de ilegalidade porque aplicou efetivamente o entendimento inconstitucional, a saber que, perante um meio de prova requerido pela defesa em sede de contestação, o tribunal pode indeferir a sua realização, protelando a sua decisão até à conclusão da produção da restante prova em julgamento, desse modo ferindo o direito elementar do arguido, de apresentar prova de natureza técnica e científica e de requerer as diligências que julgue necessárias à sua defesa. h. Feriu o despacho em crise os arts. 9º nº 1; 61º nº 1, ais. a) e g); 97º nº 5; 118º nº 1; 120º nº 2, ai. d); 122º; 124º nº 1; 1512; 1632, 3152 nºs 1 e 3412, al, c) do CPP; arts; arts 8º; 20º nº 4 in fine; 22º; 32º nºs 1, 2 e 5; 202º, nº 2; 204º e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa; art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Por tais motivos expostos e no cumprimento das Leis Processual e Fundamental, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Decisão - quadro do Conselho da Europa de 13 de junho de 2002, devera o despacho ser declarado ilegal e inconstitucional; e como tal ser revogado com as legais consequências».
4. O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
5. Realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 10.02.2017, que decidiu julgar a acusação pública e pronuncia parcialmente procedentes e, consequentemente:
«A) Absolver os arguidos BB e AA do crime de associação criminosa que lhes vinha imputado.
B) Absolver o arguido AA do crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado.
C) Condenar os três mencionados arguidos como co-autores materiais de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º nº 1 e nº 2 b) - por referência ao disposto nas alíneas a) e f) do nº 2, do artº 204º e alínea b), do art.202, todos do Código Penal, nas seguintes penas:
- O arguido CC, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
- O arguido DD, na pena de 7(sete) anos e 6(seis) meses de prisão. - O arguido AA, na pena de 7(sete) anos de prisão.
D) Declarar perdidos a favor do Estado a chave de fendas e os sacos de ráfia, utilizados na prática do crime em apreço.
E) Ordenar o levantamento da apreensão dos três “pinos” ou cones de sinalização prévia, os quais deverão ser entregues a quem provar pertencer-lhes, determinando-se o cumprimento do disposto no art. 186º,nº3 e 4 do C.P.P..
F) Condenar cada um dos três arguidos na taxa de justiça, que se fixa individualmente em 5Uc e nos demais encargos.
G) Julgar improcedente o incidente de liquidação e, consequentemente, absolver o arguido BB , da declaração de perda contra si deduzida.
H) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante “ EE, Lda” e, consequentemente, condenar solidariamente os três mencionados arguidos a pagar-lhe a quantia global de €93.074,23 (noventa e três mil e setenta e quatro euros e vinte e três cêntimos), a título de indemnização dos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação para contestarem o respectivo pedido até efectivo e integral pagamento.
I) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante FF e, consequentemente, condenar os três mencionados arguidos a pagar-lhe solidariamente a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros), a título de indemnização dos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.
J) Custas do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante “EE”, a cargo dos arguidos, não sendo devidas quaisquer custas pelo pedido deduzido pela demandante FF, atento o disposto no art.4º, al.m), do Regulamento das Custas Processuais.
L) Ordenar que, após trânsito: - se remetam boletins ao registo; -se proceda à recolha de amostras para a base de dados de perfis de ADN, bem como, à inserção na respetiva base de dados (art.8º,nº2, da Lei 5/2008, de 12/2)».
6. Inconformado, o arguido, CC, interpôs recurso deste acórdão, terminando as motivações com as seguintes conclusões:
2- As razões subjacentes à referida discordância assentam no facto do tribunal, não ter no entendimento do recorrente valorado suficientemente os seguintes factores: A confissão dos factos lhe vinham imputados, na perspectiva de que quanto ao seu comportamento ilícito, o mesmo assumiu na íntegra a sua conduta delituosa, manifestando a vontade de em relação aos co-arguidos julgados nos presentes autos, não pretender prestar declarações. A posição assumida, não pode contudo ser entendida como um factor de protecção aos demais, mas apenas e tão só como protecção a si mesmo. Na verdade, a confissão não é mais do que a assunção da sua própria conduta, e em concreto o registo que a mesma é desconforme ao direito.
3- Esta postura não pode ser confundida com a delação. O arguido esclareceu como, quando e onde praticou os factos delituosos, e inclusive o número de indivíduos que os praticaram, tendo em concreto concretizado cada uma das suas condutas, e em especial a do próprio. Não identificou o nome de nenhum dos co-arguidos que consigo estavam a ser julgados, mas também não negou a sua participação.
4- Ou seja, as suas declarações foram essenciais para que o tribunal entendesse a dinâmica do assalto, quando conjugadas com os demais elementos probatórios juntos aos autos, factores que no seu conjunto e em obediência ao principio da livre apreciação da prova permitiram apurar os autores do acto ilícito. Em especial o aduzido no ponto 14 da motivação que aqui se dá por reproduzido.
5- A isto acresce, o seu percurso pessoal, marcado pelo início da actividade laboral desde muito jovem, actividade laboral que foi mantendo ao longo dos anos ainda que de carácter diversificado e temporário por vezes em país diverso do seu. O arguido dispõe de apoio familiar, integrando um agregado constituído pela sua companheira e um filho menor. A sua postura processual denota arrependimento, e interiorização do crime cometido, reconhecendo a ilicitude dos factos e a existência de vítimas. Apresenta uma condição sócio económica modesta, mantendo os laços familiares através do contacto telefónico e por carta.
9 –Ao circunstancialismo, supra descrito, haveria que adicionar, o arrependimento demonstrado, a sua confissão, relevante para a descoberta da verdade material, a ausência consequências gravosas para a funcionária e a recuperação de alguns dos objectos em ouro.
10 - O agregado familiar não está por qualquer forma relacionado com a prática de ilícitos, o arguido após a sua libertação pretende regressar à Roménia, para junto do agregado familiar.
11- No E.P.P manteve um comportamento adequado às regras institucionais, demonstrando, que, mantém após a reclusão a aceitação das regras e condutas que lhe são impostas, facto indiciador, de que o arguido, tem efectivas possibilidades de manter aquando da sua libertação uma conduta conforme ao direito.
12 - Face aos critérios legais (arts 40, 70 e 71 do C.P) o recorrente deveria ser punido atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, na pena de 5 anos de prisão.
13 - A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 70 e 71, do C. P». 7. O Ministério Público na 1ª instância, respondeu, concluindo no sentido de que não existem razões para diminuição da pena aplicada ao arguido, devendo o recurso ser julgado improcedente.
8. Inconformado, o arguido DD, interpôs recurso deste acórdão, terminando as motivações com as seguintes conclusões:
2. As razões subjacentes à referida discordância assentam no facto do tribunal, não ter no entendimento do recorrente valorado suficientemente os seguintes factores:
2.1. A sua conduta ilícita ter- se subsumido a um único acto isolado, uma vez que, a conduta desviante se esgotou no crime de roubo que lhe vinha imputado.. O crime pelo qual foi anteriormente condenado ter natureza diversa. Não ter resultado para a ofendida ou quaisquer outras pessoas danos físicos. Ter adoptado após a prática dos factos comportamento conforme ao direito tendo inclusive obtido integração laboral.
2.2. Ter apoio familiar e ser de condição sócio-económica modesta. 6 - Face aos critérios legais (arts 40, 70 e 71 do C.P) o recorrente deveria ser punido atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
7 - A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 70 e 71, do C. P
8- Entende o recorrente que o acórdão padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art 410 a) )
9 – No caso dos autos, o tribunal condenou o arguido como reincidente; com base, no certificado de registo criminal; considerando que pese embora a anterior condenação o mesmo não procurou trabalho, por forma a manter um comportamento conforme ao direito
10 – Entende o recorrente que no caso dos autos falece, por completo, o pressuposto material da reincidência, pois que, a conduta do arguido constituiu um acto isolado, o arguido após a sua pratica não reiterou comportamentos desajustados, estando à data da detenção cerca de um ano após os factos a desenvolver actividade laboral, não tendo sofrido condenações posteriores.
11 - Donde, há que concluir: que, para a afirmação (de direito) da verificação da reincidência não basta apenas a referência à prática de crimes de determinada natureza num preciso domínio temporal, sendo necessária ainda uma específica e concreta comprovação factual - que, com respeito pelo contraditório - autorize a estabelecer, em termos inequívocos, a relação entre a falha dissuasora da condenação anterior e a prática do novo crime; havendo, desde logo, de apreciar - afirmando ou afastando, fundamentadamente - a questão da íntima conexão entre os crimes constantes das condenações anteriores e o constante da condenação sub judicio; por forma a afirmar ou não, que na nova conduta, o arguido decidiu ignorar as anteriores condenações e o período de reclusão a que foi submetido, os quais lhe foram indiferentes, optando pela delinquência na prática de ilícitos de idêntica conexão;
12 - Face ao aduzido, a decisão recorrida enferma do vício previsto no artigo 410º/2 alínea a) C P Penal, por resultar do texto da decisão a apontada insuficiência de investigação de matéria de facto para a decisão, no imediato, sobre a consideração de o agente ser ou não reincidente, e, por consequência, com repercussão, no plano mediato, na questão da moldura penal abstracta e depois na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido
13 - Devendo, nos termos do artigo 426 nº 1 do C.P.P, ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à questão concretamente identificada na decisão do reenvio.
14 - Violou-se o disposto no artigo 410 nº 2 al a) do C.P.P
Pelo que, deve ser revogada nos termos sobreditos».
9. O Ministério Público na 1ª instância, respondeu, concluindo nos seguintes termos:
«1ª - Não se verifica o vício invocado da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410 al. a) do CPP – ou qualquer outro - , nomeadamente no que á reincidência do arguido diz respeito, pelo que, o recurso do arguido nunca poderá proceder por esta via.
2ª- Por isso e não tendo sido interposto recurso da matéria de facto, está interdita ao Tribunal de recurso a reapreciação da matéria de facto nomeadamente no que á reincidência do arguido diz respeito.
3ª- Deve, pois, manter-se a condenação do arguido como reincidente.
4ª- Não existem razões para diminuição da pena aplicada ao arguido recorrente.
5ª- Em suma, deve manter-se o douto acórdão recorrido».
6. Inconformado, o arguido AA, interpôs recurso deste acórdão, terminando as motivações com as seguintes conclusões:
«a. O acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação legal.
b. Pois teceu considerações na fundamentação em matéria pericial, sabendo que havia recusado a perícia requerida pela defesa em sede da contestação.
c. Afirmando que o personagem que se descortina nos fotogramas aquando da ocorrência e que permaneceu fora da ourivesaria é o recorrente sem a menor fundamentação crítica de valor idêntico ao de uma perícia científica.
d. E ainda omitindo um elemento essencial a saber e declarado em audiência pelo arguido que o personagem que se vê a empunhar uma arma com a mão esquerda não pode ser o recorrente o qual é Dextro.
e. Matéria que o tribunal omitiu de apurar quanto mais não fosse através de contacto com as autoridades romenas cuja polícia de Bucareste é detentora do registo e das caraterísticas desse seu antigo elemento.
f. Por tal motivo a acórdão padece de nulidade, tanto é certo que o tribunal apreciou e aplicou erradamente a lei no que concerne a um meio de prova requerido em sede da contestação da defesa, dando início ao julgamento e aguardando a produção da prova para indeferir o requerimento, como se se tratasse de um meio de prova na disponibilidade discricionária do tribunal a título oficioso.
g. Bem sabendo que não podia indeferir tal pretensão, dado que foi um meio de prova com natureza científica e pericial atempada mente e sempre requerido, pela defesa como uma diligência essencial à descoberta da verdade.
h. E também não desconhecendo que, só após o resultado pericial, podia o tribunal livremente, mas com a qualidade idêntica à de um estudo científico, fundamentar ainda que contrariando eventualmente o resultado da perícia.
i. O tribunal cometeu desse modo, para além de um ato arbitrário ao indeferir a perícia requerida, um novo erro fundamentando sem valor científico sobre matérias de natureza pericial.
j. E omitindo as diligências adequadas a saber se o recorrente é Dextro ou esquerdino.
k. Assim prejudicando a defesa, dado que ninguém reconheceu o recorrente como o elemento que ficou no exterior da ourivesaria.
l. Nem tão pouco os registos da hora das ocorrências são rigorosos, dada a disparidade que ressalta dos próprios fotogramas.
m. Mais errou o tribunal na aplicação do direito quanto à medida da pena aplicando uma pena de 7 anos de prisão ao arguido primário, sem qualquer confronto com a justiça em lugar algum e ex membro das forças de segurança da Roménia.
n. Com excelente comportamento prisional e apoio familiar assegurado.
o. Uma medida extrema e exagerada que deverá ser revertida para uma outra mais próximas do mínimo legal em abstrato definido na lei substantiva.
p. Não devendo ultrapassar em todo o caso uma medida entre os 4 a 4 anos e meio de prisão.
q. Feriu o acórdão em crise os arts. 97º nº 5; 118º nº 1; 120º nº 2, al, d); 122º; 124º nº 1; 151º; 163º, 374º nº 2 in fine; 379º nº 1 als. a) e c) do CPP; arts; arts 8º; 20º nº 4 in fine; 22º; 32º nºs 1 e 5; 202º, nº 2; 204º e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa; art. 62 nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
r. Para efeitos do disposto no art. 412º nº 5 do CPP o recorrente declara formalmente que mantém interesse no recurso (único) interlocutório retido que sindica o indeferimento de perícia antropométrica requeri e exames complementares.
Por tais motivos expostos e no cumprimento das Leis Processual e Fundamental, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Decisão - quadro do Conselho da Europa de 13 de junho de 2002, deverá o despacho ser declarado ilegal e inconstitucional; e como tal ser revogado com as legais consequências».
10. O Ministério Público na 1ª instância, respondeu, concluindo nos seguintes termos:
«1ª – O douto acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade.
2ª- Não existem razões para diminuição da pena aplicada ao arguido.
3ª- Deve o recurso ser julgado improcedente.
4ª- Em observância do disposto no artigo 413, nº4 por referência ao artigo 412, nº5, o MP mantém a resposta ao recurso apresentada a fls. 4062 a 4065».
11. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu proficiente parecer, que se transcreve:
«1. O Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Viseu, Juiz 1, da Comarca de Viseu condenou, por Acórdão de 10/2/2017, os coarguidos CC, DD e AA, nos seguintes termos: “Condenar os três mencionados arguidos como coautores materiais de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210° n° 1 e n° 2 b) - por referência ao disposto nas alíneas a) e f) do n° 2, do art. 204° e alínea b), do art.202º, todos do Código Penal, nas seguintes penas: - O arguido CC, na pena de 7 (sete) anos de prisão. - O arguido DD, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. - O arguido AA, na pena de 7 (sete) anos de prisão.”. 2. AA interpôs recurso do despacho lavrado em acta de julgamento, de 16/1/2014, que indeferiu o pedido de perícia antropométrica, requerido pelo arguido em sede de contestação. 3. O MP respondeu, defendendo a manutenção do decidido (fls. 4063). 4. Os três arguidos interpuseram recurso do Acórdão condenatório proferido na 1ª instância, per saltum para este Venerando Tribunal, discutindo exclusivamente questões de direito. 4.1. Os recursos dos arguidos CC, DD e AA foram interpostos em tempo e com legitimidade (cf. fls. 4058). 5. O MP respondeu tempestivamente e com legitimidade. 6. Os recursos foram admitidos com o efeito e modo de subida devidos. 7. O recurso interlocutório interposto pelo arguido AA: Pretende o arguido seja revogado o despacho judicial que indeferiu o seu pedido de perícia antropométrica e substituído por outro que defira tal diligência, pelo que o Acórdão final condenatório deve ser anulado, determinando-se a realização de novo julgamento que tenha em consideração o resultado da perícia solicitada (fls. 3076 e segs.). Acompanhamos na íntegra a resposta do MP de fls. 4063 e segs, dos autos, que com a devida vénia, se dá aqui por reproduzida. A realização da perícia seria diligência de natureza dilatória, porquanto o seu resultado não se mostra nem imprescindível, nem necessário. Os respectivos fotogramas foram sujeitos à livre apreciação do Colectivo, objeto de análise crítica com reflexo no juízo sobre a ilicitude dos factos praticados e o grau de culpa do arguido, em resultado da apreciação conjunta de toda a prova produzida, testemunhal, documental e declarações, nos exatos termos do art. 127º do CPP. Relativamente à alegação do arguido AA sobre as consequências da não realização da perícia antropométrica dos fotogramas que dão resposta de imagens do assalto, deteta-se uma certa confusão na exposição do recorrente, entre prova penal, vinculada, e prova produzida de livre apreciação, pelo juiz, ainda que sujeita às regras da experiência comum. A prova pericial não alcançava inquestionavelmente o objectivo pretendido pelo requerente. Foi indeferida. Mas o conteúdo das imagens de videovigilância, obtido e analisado de acordo com as normas aplicáveis, pode e deve ser sopesado, apreciado e sobre ele recair a livre apreciação da prova, de acordo com a livre convicção do julgador, sujeitas, porém, às regras da experiência comum, devidamente fundamentadas, como se mostram, aliás, a fls. 3014 dos autos, segmento “c) Provado que serviram para formar a convicção do tribunal”, do Acórdão ora recorrido. A realização da perícia, no caso dos autos, não é obrigatória – Cfr. arts. 166º, nº 2, e 355º, nº 1, ambos do CPP. A convicção do julgador foi obtida pela ponderação e livre apreciação de toda a prova produzida. Deve manter-se o despacho recorrido nos seus precisos termos, assim se negando provimento ao recurso interlocutório do arguido AA. 8. Os três recorrentes contestaram as respectivas penas de prisão impostas, por as considerarem excessivas. 8.1. Consabidamente, são as conclusões de recurso que delimitam o seu âmbito – art.º 412º, nº 1, do CPP e Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência, nº 7/95, de 19/10/95, in DR, 1º série, de 28/12/95. 8.1.1. O arguido arguido AA apresenta as seguintes conclusões, em resumo: A pena de prisão de 7 anos de prisão, que lhe foi aplicada, peca por excesso, porquanto o Acórdão ora recorrido não considerou a confissão dos factos, com relevância para o apuramento da verdade, o seu percurso de vida, com uma actividade laboral desde muito novo e que se manteve ao longo dos anos, o apoio familiar de que dispõe, o seu arrependimento e interiorização do crime que cometeu, reconhecendo a ilicitude dos factos, a existência de vítimas e a sua condição sócio-económica modesta. A sua conduta delituosa foi isolada, há muitos anos que não cometia qualquer ilícito criminal, mormente em território português. Mantém um comportamento disciplinado no Estabelecimento Prisional onde se encontra em prisão preventiva. O ilícito criminal cometido é muito grave, bem assim o modo e circunstâncias em que foi levado a cabo. São elevadíssimos o grau de culpa e a ilicitude dos factos. Roubo a uma ourivesaria inserta em Estabelecimento Comercial, consumado com outros coarguidos, de acordo com um plano gizado em comum, levado a cabo com preparação e certa organização. Actuou o recorrente com dolo directo, em coautoria com outros coarguidos, mediante um plano gizado e querido por todos, preparado previamente e executado com aparato, provocando receio, quer nas vítimas quer nas pessoas em geral que no momento se encontravam perto do estabelecimento assaltado. Usaram a violência, ameaçando os empregados da ourivesaria com objectos susceptíveis de provocar a morte ou, pelo menos, graves lesões físicas nas vítimas que, por isso, foram coagidas, pelo medo das represálias, a entregar os objectos de que os arguidos queriam apoderar-se, o que fizeram, fugindo, depois, de acordo com o previamente acordado, no veículo que os aguardava no exterior do centro comercial, com outro individuo não identificado ao volante. As atenuantes que o recorrente invoca, não são susceptíveis de diminuir o desvalor da acção do recorrente, mais do que já o foram na ponderação da pena concreta aplicada. São enormes as necessidades de prevenção geral e especial neste tipo de criminalidade, que causa forte receio e censura na comunidade. Mostra-se adequada e proporcional a pena aplicada, pelo que deve ser mantida. 8.1.2. O recorrente DD levou às conclusões de recurso as seguintes questões: A pena de 7 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada mostra-se excessiva, na medida em que o Tribunal recorrido não valorou suficientemente o facto de de a sua conduta ilícita se concentrar num único acto isolado, o crime pelo qual foi anteriormente condenado é de natureza diversa, não ter em resultado danos físicos para ninguém. Tem apoio familiar e condição sócio-económico modesta, manteve, na prisão, comportamento adequado às regras. - O Acórdão recorrido padece de insuficiências para a decisão da matéria de facto, não se mostrando suficiente a matéria de facto fixada suficiente à sua condenação como reincidente. Não tem razão o recorrente. Nos termos do art. 434º do CPP, o STJ procede exclusivamente ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410º, nºs 2 e 3 do CPP. Invoca o recorrente vício da decisão recorrida, a que se reporta a al. a), do nº 2, do art. 410º. De acordo com o corpo do normativo, os vícios elencados sob as als. a) a c), inclusivé, têm de resultar do teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Da leitura do Acórdão sub judice não se surpreende quaisquer dos vícios contemplados no art. 410º, nºs 2 e 3, do CPP. Aliás, É Jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que os referidos vícios da decisão são atinentes à matéria de facto, não são do conhecimento do STJ sob alegação dos recorrentes mas sim do conhecimento oficioso se e quando os vícios em causa, tornarem impossível a decisão de direito a proferir por este Venerando Tribunal. Está fixada definitivamente a matéria de facto. A esta factualidade foi bem aplicada o direito, atento o elevado grau de culpa e da ilicitude dos factos, sendo premente neste tipo de criminalidade, roubo com grande aparato, em zona comercial, usada por enorme quantidade de pessoas, sendo elevado o valor dos objectos de que os arguidos se apropriaram. O crime foi consumado mediante um plano gizado por todos os arguidos, com alguma organização e pormenorizada preparação. Não merece provimento o recurso do arguido DD. 8.1.3. O arguido AA conclui o seu recurso desta forma, em síntese: 1º o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação legal, sendo certo que não foi realizada perícia que requereu oportunamente. 2º Omitiu matéria de facto imprescindível à sua defesa, pelo que é nulo o Acórdão recorrido. 3º A pena de 7 anos de prisão aplicada mostra-se excessiva pois é primário e mantém excelente comportamento prisional e apoio familiar assegurado. 4º Deve conhecer-se do recurso interlocutório por si interposto e pelo qual mantém interesse. Igualmente, não merece provimento o recurso do recorrente AA. Defende o arguido que o Tribunal recorrido não considerou devidamente as atenuantes provadas a seu favor. A moldura penal do crime de roubo praticado pelos recorridos é de 3 a 15 anos de prisão. O recorrente AA participou, consciente e voluntariamente, na decisão colectiva de “assalto” à ourivesaria em causa, participou na feitura do plano de roubo, neste participando activamente, com o desempenho da “tarefa” criminosa que lhe havia sido cometida por todos os participantes do bando. As necessidades de prevenção geral e especial, como já se anotou supra, são muito prementes, convocadas pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados e de reafirmação da validade da norma jurídica infringida. A pena de 7 anos de prisão aplicada satisfaz, na justa medida, as necessidades de prevenção geral e especial, pelo que deve manter-se. Pretendia ainda o recorrente fosse decidida a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade, concretizada na realização de perícia antropométrica. Como se defendeu supra, tal diligência não se mostra essencial, deve ser indeferida, pelo que o Acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade, devendo manter-se nos seus precisos termos. 9 – Como clarividentemente se afirma, no Ac. do STJ, de 17.03.2016, Proc. nº 125/15.8T8VCD.S1, “(…) O roubo é, hoje, um crime temível, sobretudo quando emergente de grupos, sempre de difícil controle, imprevisibilidade de acção, usando os seus agentes, por vezes, meios de actuação sofisticados, deslocalizando-se com facilidade tornando mais complexa a sua neutralização, com o que a pertinência a essa forma de acção traz um “plus” de culpa e de ilicitude, de censura e antijuridicidade antinormativismo. (…). “(…) Actualmente a perigosidade da criminalidade violenta contra o património tende a esbater-se, para dar-se mais relevo à percepção do desvalor do valor social do roubo, visto como uma grave forma de ataque às pessoas.(…)”. 10 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência de todos os recursos ora sub judice».
6. Notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos nada disseram.
7. Colhidos os vistos em simultâneo e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO
2. 1. Fundamentação de facto.
A. 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
Tendo tido conhecimento da existência da Ourivesaria “EE” também conhecida por “Petra”, sita na Loja ..., área da comarca de ..., propriedade do ofendido GG, os supra identificados arguidos, todos de nacionalidade romena, acompanhados ainda de pelo menos um outro da mesma nacionalidade, HH, em relação ao qual foi ordenada a separação de processos, em data não concretamente apurada gizaram entre eles um plano de aí se deslocarem para se apropriarem de todos os bens que conseguissem, designadamente peças em ouro e pedras preciosas ou semi-preciosas.
Para concretização de tal plano e tendo em vista evitarem serem descobertos após o gizado o roubo, o arguido II, no dia 5.11.2014, pelas 15h00, alugou em Vigo, Espanha, o veículo de marca Seat Ibiza de cor branca com a matrícula 8410HPT, junto da empresa Rent-a-Car “...” do aeroporto de Vigo, com o qual de imediato se deslocou até à localidade de Tondela, ali parando o mesmo veículo num local próximo do parque de estacionamento nas Galerias do Hipermercado “...”, onde se passeou por várias vezes de modo a poder verificar os sistemas de segurança daquele edifício e o posicionamento dos bens expostos na ourivesaria “PETRA” sita naquela galeria, que haviam delineado como alvo dos factos. A hora não concretamente apurada, mas ocorrida entre as 3h:18:01 e as 3h51m do dia 6 de Novembro de 2014, os arguidos BB e DD e o mencionado indivíduo HH, fazendo uma ligação directa sob o volante do veículo, furtaram a viatura de marca Nissan modelo Primera de matrícula ..., na cidade de Aveiro, que na mesma noite conduziram e posicionaram algures em local oculto a norte de Tondela. Usando o mesmo veículo de matrícula ..., o arguido BB regressou àquela mesma galeria comercial nos dias 6 e 7 de Novembro de 2014 para se assegurar do local visado, sendo que no dia 6 de novembro, entre as 20h05m e as 20h25m, foi o arguido AA que se dirigiu àquelas galerias, ficando arredados dali os restantes arguidos, mantendo este atitude de clara observação da segurança, como resulta das imagens captadas pelas camaras de vigilância. No dia 7 de Novembro de 2014, provenientes do norte de Portugal / Espanha, os três arguidos e o mencionado HH dirigiram-se até próximo da localidade de Tondela, vindo uns na viatura de marca Renault 19 de matrícula ..., propriedade do arguido AA e outros na viatura de marca Seat que o arguido Nicolae alugada em Vigo, circularam na A25, tendo o primeiro saído no nó de Camarinho e o segundo o veículo do arguido Nicolae no nó de Fail/Viseu. A hora não concretamente apurada, os arguidos que viajaram no veículo ... recolheram o veículo ..., previamente posicionado naquela zona após o seu furto, conduzindo-o até à periferia de Tondela. Pelas 19h55m, o arguido AA entra de novo nas referidas galerias, onde se mantém durante cerca de 18 minutos, observando de novo as condições de segurança em torno da ourivesaria “Petra”, de modo a confirmar que tudo se mantinha como anteriormente haviam planeado, regressando ao veículo onde o aguardava o arguido DD e o referido HH. De seguida, os três usando indumentárias próprias para ocultar as suas vestes pessoais, dois vestindo fatos-macaco, com a cara e cabeça tapadas, saíram de dentro da mesma viatura e de imediato dirigiram-se ao interior daquela superfície comercial, onde entram cerca das 20h38m. Enquanto isso, o arguido BB permaneceu no interior do seu veículo Seat que posicionou fora do parque de estacionamento do hipermercado, mas nas imediações do deste hipermercado, de modo a controlar a eventual aproximação da autoridade policial. O arguido DD dirigiu-se directamente à ourivesaria “Petra”, seguido de imediato pelo HH, levando ambos sacos de ráfia com uma alça presa ao pescoço, sendo que o arguido DD empunhava um objecto pontiagudo/ chave-de-fendas que apontou à funcionária daquele estabelecimento, FF. Por sua vez, o arguido AA manteve-se no interior da referida galeria, à porta da ourivesaria “Petra”, exibindo uma arma (que em tudo parecia uma arma de fogo verdadeira) numa mão e um machado na outra mão enquanto gritava para todas as pessoas que ali passassem, mandando-os baixar e não os deixando passar. Dentro da ourivesaria, o arguido DD e HH, dirigiram-se de imediato aos armários onde se encontravam guardadas as gavetas com os artigos de joalharia, que retiraram, acondicionando tais peças nos sacos de ráfia que levavam consigo, apoderando-se de várias peças em ouro e de joalharia ali existentes no valor total estimado de €64.474,23, saindo de seguida os três a correr para a viatura de matrícula ... e pondo-se de imediato em fuga. De seguida, os mencionados arguidos DD e AA e o identificado HH seguiram conduzindo o veículo de matrícula ... e dirigiram-se pelo troço do IP 5 até próximo do lugar de FF, onde seguiram numa estrada rural para Oeste, até próximo do lugar de Tourelhe, na freguesia de Cambas enquanto o arguido BB conduzindo o veículo matrícula ..., se veio juntar aos primeiros depois de passar pelo nó de Vouzela na A25, abandonaram ali o veículo furtado, após o que seguiram viagem, utilizando, pelo menos, o veículo, Seat alugado. Da forma supra descrita, agiram os arguidos BB, DD, AA e o mencionado HH, em conjugação de esforços e intentos, exibindo os objectos supra referidos, um deles indiciando uma arma de fogo e assim ameaçando todos os presentes na ourivesaria e na galeria onde aquela se situa, restringindo-os na sua liberdade de movimentos, com o intuito, de se apoderarem de todos os bens valiosos que ali conseguissem recolher, o que conseguiram. O arguido AA, aquando a prática dos factos, exibia um machado e uma arma que tudo indica seria verdadeira arma de fogo (ainda que não se tenha apurado as suas concretas características), objectos esses que usou com o intuito de amedrontar todos os presentes na galeria onde se situa a ourivesaria “Petra”, assim os restringindo na sua liberdade de movimentos, sendo o uso de tais armas por aquele arguido do conhecimento de todos os demais arguidos, uso esse que aliás fazia parte do plano anteriormente por todos delineado. Por sentença transitada em julgado em 17/12/2012, proferida no Processo Comum Coletivo nº 423/11.0GDCBR, que correu termos na 2ª Seção da (Extinta) Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Coimbra foi o arguido DD condenado, pela prática na noite de 13 para 14 de Dezembro de 2011, de um crime de furto qualificado, p.p. pelo art.203º, n.º1 e 204.º, n.º2 al.e), ambos do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão, pena essa que cumpriu integralmente porque não foi concedida a liberdade condicional, desde 14/12/2011 a 14/3/2013. Não obstante tal condenação, a solene advertência na mesma contida e até mesmo o cumprimento efectivo de tal pena de prisão, o arguido DD, uma vez em liberdade, não diligenciou por arranjar trabalho ou ocupação lícita que lhe permitissem auferir rendimentos para fazer face às suas necessidades e às suas despesas diárias, antes se associando aos demais arguidos, com quem em conjunto levou a cabo a prática do crime de roubo supra descrito. Ao praticar todas as condutas acima descritas, agiram sempre os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem essas condutas proibidas e penalmente punidas. O arguido BB não sofreu qualquer condenação em Portugal. Porém, constam do seu CRC da Roménia nove condenações em penas de prisão pela prática de crimes contra o património e condução ilegal. O arguido DD para além da condenação supra referida, foi condenado por sentença transitada em julgado em 16/2/2012 e relativamente a factos ocorridos em 6/10/2009, como autor de um crime de desobediência, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, pena esta já declarada extinta por pagamento. O arguido AA é delinquente primário. O arguido BB frequentou o sistema de ensino durante 11 anos (oito anos em ensino regular e 3 anos na área profissional de mecânica), do qual desistiu por volta dos 17 anos para iniciar uma vida profissional ativa, inicialmente no ramo da restauração, seguindo-se experiências profissionais na área da mecânica para diversas entidades patronais. Em 2010 deslocou-se para Espanha para executar tarefas sazonais de apanha da fruta, onde permaneceu durante cerca de três meses e onde conheceu o actual cônjuge. Em 2011 regressa à Roménia, onde se casou, tendo ficado a residir na localidade de origem de forma autónoma. Deste relacionamento nasceu um descendente do sexo feminino actualmente com três anos de idade. A subsistência do agregado era garantida pelos rendimentos auferidos pelo próprio que alternava, com frequência entre a Roménia e Espanha, por período de três meses, deslocando-se também com frequência a Portugal, onde permanecia alojado em casa de um familiar/tio na cidade da Amadora. O cônjuge não desempenhava qualquer actividade laboral e manteve residência fixa na Roménia. À data dos factos não exercia qualquer actividade fixa remunerada, beneficiando do apoio económico dos progenitores. Em meio prisional desde que se encontra em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, tem revelado uma conduta ajustada ao normativo disciplinar vigente, não registando qualquer sanção. Não beneficia de visitas, mantendo contactos via telefone com a sua familiar de origem, cônjuge e descendente. O arguido DD possui como habilitações literárias o 11º ano. O seu processo de desenvolvimento decorreu junto dos progenitores e de uma irmã mais velha. Após cumprir o serviço militar obrigatório, devido à falta de emprego opta por emigrar, percorrendo a Europa à procuração de colocação laboral, tendo exercido diversas actividades por curtos períodos de tempo. Mantém uma união de facto há 11 anos, residindo a companheira no país de origem. À data dos factos registava grande mobilidade, não apresentando enquadramento habitacional fixo. Tem o apoio monetário da família. O arguido AA concluiu doze anos de escolaridade com formação integrada na área da mecânica, até aos 20 anos, em 2006, enquanto se dedicava à actividade de manutenção física em ginásio. A inserção laboral concretizou-se a seguir como agente de vendas em representante comercial material de som, imagem e informática, durante dois anos, até ao ingresso na instituição policial em 2009, mas no ano seguinte por decisão e remodelação com contenção de despesas foi dispensado juntamente com outros elementos. Começou a trabalhar como segurança em estabelecimento de diversão nocturna e similares, entre 2011 e 2013 e ainda ensaiou a actividade de motorista de distribuição de bens, durante dois ou três meses, em 2014, antes de viajar para Espanha, Vigo. À data dos factos encontrava-se em Portugal, não exercendo qualquer actividade profissional remunerada. Já em 2015 viajou para o Reino Unido com o suporte e apoio da irmã uterina, ai inserida, onde se ocupava como segurança indiferenciado, situação em que se manteve até ser detido na sequência de mandado de detenção europeu emitido no âmbito dos presentes autos. No estabelecimento prisional onde se encontra tem respeitado o regulamento interno, tendo já iniciado a frequência da formação em língua portuguesa para estrangeiros. Para além da factualidade supra enunciada, provou-se ainda, no que tange aos pedidos cíveis. - Em consequência da apropriação supra descrita, a demandante “EE”, Lda, deixou de auferir a quantia de €25.000,00, correspondente à margem mínima de 40% de lucro que iria auferir com a venda dos objectos de que se apropriaram os arguidos. - Em consequência da atuação supra descrita, ficaram destruídas 41 gavetas/expositores da ourivesaria “Petra”, onde ocorreu o assalto, nas quais se encontravam os artigos de ourivesaria de que se apropriaram os arguidos, tendo a demandante procedido à sua substituição, no que despendeu a quantia de pelo menos 3.600,00 euros. - A demandante FF trabalha na ourivesaria “Petra”desde Junho de 2014. - Desde essa altura sempre foi uma pessoa alegre, bem disposta e sociável com o público. - Durante a ocorrência do assalto nos termos supra descritos, sentiu um forte medo, angústia e inquietação, tendo temido não só pela sua integridade física, mas também pela própria vida. - Sentiu-se privada da sua liberdade de movimentos, não podendo fazer quaisquer movimentos, sob pena de as ameaças dos arguidos se concretizarem. - A partir do dia da ocorrência do assalto e durante o tempo em que trabalha sente-se mais nervosa e desconfiada, sentindo um enorme temor e receio que semelhante episódio volte a acontecer.
B. Factos não provados Para além dos factos supra enunciados não se provaram quaisquer outros que se não compaginem com os mesmos, designadamente: - que os quatro arguidos juntamente com outros indivíduos, em data não concretamente apurada, se tenham associado entre si para organizar a prática de roubos a ourivesarias sitas em várias localidades de Portugal, país para onde pelo menos estes quatro arguidos se vêm deslocando por diversas vezes desde pelo menos 2010, havendo já registo da prática pelos mesmos de vários crimes contra a propriedade em diversas localidades cada vez que se deslocava a este nosso país. - que sob o comando do arguido BB, desde há pelo menos 10 anos a esta parte, todos os supra identificados indivíduos se venham dedicando, em conjunto, à prática de factos contra o património, em Portugal em Espanha e bem assim na Roménia; - que enquanto os três mencionados indivíduos – DD, HH e AA entraram para a galeria, um quarto individuo de identidade não apurada tenha ido colocar três cones/pinos de sinalização viária na via pública, nos termos descritos na acusação pública. - Que a demandante FF em consequência dos factos supra descritos tenha tido necessidade de ser acompanhada por um psicólogo.
Quanto aos demais factos alegados na acusação, nos pedidos cíveis e nas contestações e não mencionados em A) ou B), os mesmos são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual o tribunal não se pronunciou quanto aos mesmos. ***
2.2. Fundamentação de direito
Constitui jurisprudência assente que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 412.º do Código de Processo Penal e sem prejuízo para a apreciação das questões de oficioso conhecimento, o objecto do recurso define-se e delimita-se pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação.
Assim, a esta luz, as questões a decidir são as seguintes:
2.2.1. Quanto ao arguido CC: medida da pena.
*
2.2.2. Relativamente ao arguido DD:
1ª- se o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2ª- se se verifica os pressupostos da punição por reincidência;
3ª- da medida da pena.
*
2.2.3. Relativamente ao arguido AA:
1ª- quanto ao recurso interlocutório, se a decisão do tribunal de 1ª instância de indeferimento da perícia antropométrica requerida pelo arguido constitui violação do seu direito de defesa
2ª- se o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação.
3ª- da medida da pena.
***
Posto que a questão da medida da pena é comum a estes três arguido, procederemos à sua análise conjunta, a final. Começaremos, por isso, por apreciar as demais questões suscitadas pelos arguidos AA e DD
***
I. Recursos interpostos pelo arguido AA.
1.1. Recurso interlocutório
Sustenta o recorrente que, ao indeferir a realização da perícia antropométrica por ele requerida na contestação para prova de que não é ele o indivíduo que aparece nos fotogramas ( de fls. 162, 163, 166-168, 170, 171, 175), no exterior da ourivesaria assaltada, empunhando uma arma de fogo e um machado, o despacho recorrido restringiu de forma intolerável o seu direito de defesa, violando, por isso, o disposto nos arts. 9º nº 1; 61º nº 1, als. a) e g); 97º nº 5, 118º nº 1; 120º nº 2, al. d); 122º; 124º nº 1; 151º; 163º, 315º nºs 1 e 341º, al, c) do CPP; arts 8º; 20º nº 4 in fine; 22º; 32º nºs 1, 2 e 5; 202º, nº 2; 204º e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Vejamos, então, se lhe assiste razão. A este respeito, refere Figueiredo Dias[2], que «a realização da justiça e a descoberta da verdade material (ou mesmo só da primeira, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto) constituem, por consenso praticamente unânime, finalidade do processo penal. E assim é, por certo, logo no sentido de que o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade (…)». E sublinha ainda este ilustre Professor[3] que « (…) o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto – comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. (…) O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «com-participação» de todos os interessados na criação da decisão». No mesmo sentido, afirma o Conselheiro Oliveira Mendes[4], que « a procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal». Daí a razão de ser do CPP consagrar, respetivamente, nos nºs 1 e 2 do art. 340º, nº1, os princípios da verdade material e da investigação, e estabelecer, também respectivamente, nos nºs 3 e 4, als. b), c) e d) deste mesmo artigo, que os requerimentos de prova apenas são indeferidos quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis ou se for notório que: - As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa , ou - O requerimento tem finalidade meramente dilatória. Significa isto, por um lado, que o juiz tem o poder/dever de, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure essencial “a descoberta da verdade e à boa decisão da causa”. Mas, por outro lado, que o juiz tem também, na fase da produção da prova, um poder de direcção do processo, que lhe permite rejeitar liminarmente as diligências probatórias notoriamente irrelevantes ( sem interesse para a decisão da causa), supérfluas ( quando inútil para a decisão da causa), inadequadas (quando é imprópria, nada permitindo demonstrar ou estabelecer), de obtenção impossível ou de obtenção muito duvidosa ( quando é inalcançável ou, segundo as regras da experiência, improvavelmente alcançável) ou meramente dilatórias ( quando visa protelar ou demorar a audiência)[5]. O princípio da investigação em processo penal conferido ao tribunal tem, assim, os seus limites na lei e está condicionado ao princípio da necessidade, sendo ao juiz que julga a causa que cabe o juízo de necessidade ou desnecessidade de produção de prova, sem prejuízo da possibilidade de reexame, por via de recurso[6]. Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 13.05.1998 (ITIJ), a realização de uma perícia « não é consequência automática do requerimento do interessado, competindo ao julgador ajuizar se a prova pericial em causa se revela justificada ou imprescindível em cada caso concreto». Trata-se, no dizer do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 171/2005, de 31 de Março ( proc. nº 764/2004, Diário da República II Série, de 6 de Maio de 2005) « da atribuição ao tribunal do poder de disciplinar a produção da prova, quer da acusação, quer do arguido, para evitar que aquela se eternize ou se perca o contacto com o thema decidendum, e essa função, de controlo, só pode caber ao juiz (…), pelo que impõe-se « concluir que o artigo 340.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na medida em que confere ao juiz poderes de disciplina da produção de prova, exigindo para o indeferimento desta a notoriedade do seu carácter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou, ainda, da sua finalidade meramente dilatória, não viola as garantias de defesa do arguido». No mesmo sentido, pronunciaram-se os acórdãos deste mesmo Tribunal nº 137/2002, de 3 de Abril de 2002 ( proc. nº 363/01, Diário da República, II Série de 26 de Setembro de 2002) e nº 171/2005 de 31 de Março ( proc. nº 764/2004, Diário da República II Série, de 6 de Maio de 2005). Decorre, assim, de tudo isto que, não só o tribunal a quo, antes de deferir ou indeferir a realização de determinada diligência probatória requerida pela defesa ou por outros sujeitos processuais, está obrigado a aferir da utilidade, ou não, da sua realização, como também o indeferimento de diligências probatórias em conformidade com o disposto no citado art. 340º, nº4 , não viola as garantias de defesa do arguido. Mas porque conforme já se deixou dito o exercício deste poder/dever por parte do juiz, pode ser sindicado pelo Supremo em sede de violação da lei, a este respeito, impõe-se, desde logo, referir que nenhum impedimento legal existe a que o juiz relegue a apreciação sobre a legalidade/necessidade de realização de uma diligência de prova requerida pela defesa, na contestação, para a audiência de discussão a julgamento, pelo que, também contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se descortina nesta actuação do tribunal a quo qualquer irregularidade ou nulidade processual. E, indagando, agora, da legalidade do indeferimento da perícia antropométrica requerida pelo recorrente, na sua contestação, para prova de que não é o indivíduo que aparece nos fotogramas ( de fls. 162, 163, 166-168, 170, 171, 175), no exterior da ourivesaria assaltada, empunhando uma arma de fogo e um machado, começaremos por referir que a Antropometria Forense tem como objectivo a identificação e reconstrução de corpos que, pelo seu estado actual, não são fáceis de identificar. Trata-se de um ramo das ciências forenses que é utilizado na identificação de cadáveres (incluindo os que se encontram em estado esquelético), mas também quando precisamos de verificar a identidade de uma pessoa a partir de imagens em que o seu rosto não aprece com nitidez. Com efeito, o uso cada vez mais frequente de câmaras de segurança assim como o aumento exponencial do emprego de imagens digitais fazem com que em algumas ocasiões seja necessário a realização de uma perícia com vista a verificar a identidade de uma pessoa que aparece nas ditas imagens. Concretamente no que respeita ao reconhecimento facial, traduz-se no emprego de técnicas de fotografia forense avançadas que incluem identificação de padrões faciais, elaboração de um perfil antropométrico único e comparação com os padrões que não oferecem dúvidas. Por meio de software de edição fotográfica determina-se a correcção a aplicar sobre a imagem para, deste modo, poder precisar a localização dos pontos de referência. Por meio de negatoscopio digital pode-se realizar sobreposições entre as imagens que oferecem dúvidas e as isentas de dúvidas, analisando a correspondência entre os pontos de referência[7]. Mas se assim é, há que reconhecer razão ao Ministério Público na 1ª Instância, quando afirma que « a fiabilidade da perícia antropométrica dependeria da exactidão das medidas a extrair dos fotogramas que se pretendem utilizar como meio de comparação» e que no caso dos autos, os fotogramas de fls. 162, 163, 166-168, 170, 171, 175, « quer pela visibilidade (fraca) e posicionamento do corpo em tais fotogramas, quer pelo vestuário volumoso (por baixo do fato macaco comprado numa loja de chinês) e calçado (também ele comprado numa loja de chinês, não havendo, sequer, a garantia de corresponder ao comprimento do pé)», « não são susceptíveis de fornecer medidas com a exactidão necessária para se proceder a um estudo comparativo com as medidas do corpo do arguido». E igual razão assiste ao Sr Juiz quando, corroborando esta argumentação, salienta ainda que o decurso de alguns anos «terá levado a modificações naturais na volumetria do arguido, desde logo a nível de ganhar ou perder peso», concluindo que uma «, tal perícia, em pouco, ou nada, iria contribuir para o esclarecimento da verdade dos factos na perspectiva da defesa do arguido». É também este o nosso entendimento, tanto mais que, no caso dos autos, a circunstância dos arguidos terem atuado encapuzados inviabiliza, desde logo, a realização de um reconhecimento facial. Por tudo isto e porque não merece qualquer censura o despacho recorrido ao entender « que tal diligência não se revela de interesse para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, mas apenas serviria para protelar o andamento dos autos, indefere-se a realização da requerida perícia», nem se descortina que o mesmo constitua violação do direito de defesa do arguido, impõe-se concluir pela improcedência do recurso interlocutório interposto pelo arguido Vladimir.
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1.2. Recurso do Acórdão Tratam-se de vícios da decisão, vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei. No dizer de Simas Santos e Leal Henrique[9], existe o vício previsto na alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final. Ou, segundo refere Germano Marques da Silva[10], quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. No mesmo sentido, vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, de forma pacífica[11], que existe insuficiência da matéria de facto quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação ( e a medida desta) ou a absolvição ( existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito. Dito de outro modo, quando os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão. A razão de ser deste entendimento radica nos princípios da investigação e da verdade material que, conforme já se deixou dito, impõem ao tribunal a obrigação de investigar, independentemente da acusação e da defesa, com os limites previstos na lei, os factos sujeitos a julgamento, de forma a criar as bases necessárias para a decisão. Melhor dizendo, o tribunal tem o dever de, oficiosamente, socorrer-se do disposto no artigo 340.º, do C.P.P., para investigar os factos sujeitos a julgamento, procedendo, e independentemente da iniciativa probatória dos sujeitos processuais, às diligências que, numa perspectiva objectiva, possam ser razoavelmente consideradas necessárias para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, tendo em vista as finalidades a que se referem os arts. 368º e 369º, ambos do CPP. A verdade, porém, é que, contrariamente ao que sustenta o recorrente, no caso dos autos, não se vê que o tribunal estivesse impossibilitado de dar como provada a sua comparticipação no crime de roubo de que vinha acusado com base noutros meios de prova, que não a prova pericial, posto que esta, de harmonia com o disposto no art. 151º do CPP, apenas se impõe «quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos , científicos ou artísticos», o que não é o caso. Sendo assim e porque, tal como já se deixou dito, está fora da competência deste Supremo Tribunal exercer censura sobre a valoração que o tribunal recorrido procedeu dos diversos meios de prova e sobre a convicção que sobre eles formou, à luz do princípio da livre apreciação ( a menos que essa valoração envolva violação da lei), impõe-se concluir pela improcedência, nesta parte, do recurso. 2.1. Sustenta este arguido padecer o acórdão recorrido do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art. 410º, nº2, al. a) do CPP, quer porque, ao contrário do que foi dado como provado, não corresponde à verdade que o arguido não tenha procurado ocupação profissional por forma a manter um comportamento conforme ao direito, quer porque a conduta do arguido constituiu um ato isolado. Conforme já se deixou dito no ponto 1.2.1, o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, há-de relevar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitirem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa[12]. A insuficiência relevante para efeitos do disposto no art. 410.º do CPP, consiste, assim, numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria da causa seja proferida uma decisão segura e justa. Ora, o que se constata, no caso em apreço, é que o arguido não indica, nem nas conclusões da motivação, nem na motivação, que existe carência de factos para a decisão de direito tomada pelo Tribunal a quo, mas sim uma carência de prova para este haver dado como provado que o arguido « não diligenciou por arranjar trabalho ou ocupação lícita que lhe permitissem auferir rendimentos para fazer face às suas necessidades e às suas despesas diárias» e que, por isso, esta factualidade deveria ter sido dada como não provada. Ora, porque o vício a que alude o art. 410º, nº2, al. a) do CPP não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão nem com o erro de julgamento, não contemplando as situações em que o recorrente manifesta a sua discordância relativamente aos factos dados como provados e porque está fora da competência deste Supremo Tribunal exercer censura sobre a valoração que o tribunal recorrido procedeu dos diversos meios de prova e sobre a convicção que sobre eles formou, à luz do princípio da livre apreciação, impõe-se concluir pela inverificação do alegado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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Questão diferente é, porém, a de saber se os factos dados como provados integram todos os requisitos da reincidência, posto que o arguido defende não se verificar o pressuposto material desta figura jurídica. Sobre a reincidência, estabelece o nº 1 do artº 75º do CPenal, que «é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime». E acrescenta o nº 2 deste mesmo artigo que «o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade». Como refere o Acórdão do STJ, de 18-06-2009 ( proc. nº 59/08.9PQLSB.S1- 3ª Secção ), «são pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”, 1º - que o crime agora cometido seja um crime doloso; 2º - que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses; 3º - que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso; 4º - que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança. Além daqueles pressupostos formais a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime». Segundo Figueiredo Dia[13], «é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente». No mesmo sentido, advertem Simas Santos e Leal Henriques que “ a prática do segundo crime pode não indiciar desrespeito pela condenação anterior, a reiteração criminosa pode ficar a dever-se a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas. Em tal caso não deve haver lugar a agravação, uma vez que não pode afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Por esta via de agravação ope judicis, exclui-se a delinquência pluriocasional do âmbito da reincidência.” Daí dever entender-se, tal como afirma Paulo Pinto de Albuquerque, seguindo o entendimento do Prof. Eduardo Correia, que «este elemento material deve ser provado com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime (…)»[14]. E, tal como nos dá conta o supra mencionado Acórdão do STJ, de 18-06-2009, esta doutrina tem sido sufragada, sem dissidências, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, atendendo a que a reiteração criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por, então, não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» [15].
Aqui chegados e cientes de que o instituto da reincidência, consagrado no citado art. 75°, não é de aplicação automática, vejamos, então, se no caso dos autos verifica-se o preenchimento integral dos respectivos pressupostos. A este respeito, ficou provado, para além do mais, que: « Por sentença transitada em julgado em 17/12/2012, proferida no Processo Comum Coletivo nº 423/11.0GDCBR, que correu termos na 2ª Seção da (Extinta) Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Coimbra foi o arguido Mihai condenado, pela prática na noite de 13 para 14 de Dezembro de 2011, de um crime de furto qualificado, p.p. pelo art.203º, n.º1 e 204.º, n.º2 al.e), ambos do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão, pena essa que cumpriu integralmente porque não foi concedida a liberdade condicional, desde 14/12/2011 a 14/3/2013. Não obstante tal condenação, a solene advertência na mesma contida e até mesmo o cumprimento efectivo de tal pena de prisão, o arguido DD, uma vez em liberdade, não diligenciou por arranjar trabalho ou ocupação lícita que lhe permitissem auferir rendimentos para fazer face às suas necessidades e às suas despesas diárias, antes se associando aos demais arguidos, com quem em conjunto levou a cabo a prática do crime de roubo supra descrito. O arguido DD, para além da condenação supra referida, foi condenado por sentença transitada em julgado em 16/2/2012 e relativamente a factos ocorridos em 6/10/2009, como autor de um crime de desobediência, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, pena esta já declarada extinta por pagamento».
Ante este quadro factual, o acórdão recorrido justificou a condenação do arguido DD como reincidente do seguinte modo: «Tendo em conta o acabado de referir, temos que entre a prática pelo arguido do crime que determinou a mencionada condenação e a prática do crime de roubo em causa nestes autos, mediou menos de cinco anos. Temos assim que não obstante tal condenação, a solene advertência na mesma contida e até mesmo o cumprimento efectivo de tal pena de prisão, o arguido DD, uma vez em liberdade, ao invés de diligenciar por arranjar trabalho ou ocupação lícita que lhe permitissem auferir rendimentos para fazer face às suas necessidades e às suas despesas diárias, optou por se associar aos demais arguidos, com quem em conjunto levou a cabo a prática do crime de roubo supra descrito. A condenação sofrida pelo arguido não foi, claro está, suficiente para o afastar da criminalidade e conseguir a sua recuperação social, dado que este se mostrou totalmente insensível à advertência ínsita nessa condenação, revelando que a pena de prisão anteriormente aplicada não produziu os seus efeitos preventivos de ressocialização, de reintegração na comunidade e como forma de prevenção da prática de novos crimes. Cremos, pois, que se mostram verificados os pressupostos da reincidência previsto no art.75º,nº1 e 2º, do C.Penal».
E este é também o nosso entendimento. Com efeito, a manter-se a condenação em prisão efectiva – que o recorrente contesta na sua última questão objecto de recurso – e superior a 6 meses, temos de concluir que, antes de decorridos 5 anos, nos termos a que se alude no n.º2 do art.75.º do Código Penal, o arguido voltou a cometer, no presente processo, um crime doloso, de roubo, a que o Tribunal recorrido aplicou pena de prisão efectiva, verificando-se, por isso, os pressupostos formais da reincidência atrás descritos. Do mesmo modo, julgamos que: - o curto espaço de tempo ( cerca de 1 ano e meio) que mediou entre o momento em que ficou em liberdade (por cumprimento integral da pena de prisão em que foi condenado pela prática do crime de furto qualificado) – 14.03.2013 - e o momento em que praticou o crime de roubo objecto dos presentes autos – 07.11.2014; - o facto de, em ambos os casos, tratarem-se de crimes visando a apropriação de bens alheios, num crescendo de ilicitude e de gravidade, evidenciado pela prática do crime de roubo; - e o facto de se ter provado que o arguido, à data dos factos registava grande mobilidade, não apresentando enquadramento habitacional fixo e que, uma vez em liberdade, não diligenciou por arranjar trabalho ou ocupação lícita que lhe permitissem auferir rendimentos para fazer face às suas necessidades e às suas despesas diárias, antes se associando aos demais arguidos, com quem em conjunto levou a cabo a prática do crime de roubo supra descrito, tudo, conjugado, permite-nos tirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado. Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao considerar verificados os pressupostos da reincidência, improcedendo, consequentemente, neste segmento, o recurso interposto pelo arguido.
III. Medida da pena - Recursos interpostos pelos arguidos AA, DD e II.
Posto que a questão da medida da pena é suscitada por todos estes arguidos, nos respectivos recursos, procederemos à sua análise conjunta.
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Feito este enquadramento teórico e expostos os entendimentos jurisprudenciais que se teve por interessantes para resolução do caso concreto, chegou o momento de sindicar o acórdão recorrido no que respeita à determinação da medida concreta da pena aplicada a cada um dos recorrentes . *
No caso dos autos, o acórdão recorrido condenou cada um dos três mencionados arguidos como co-autores materiais de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º nº 1 e nº 2 b) - por referência ao disposto nas alíneas a) e f) do nº 2, do artº 204º e alínea b), do art.202, todos do Código Penal, sendo ainda o arguido ... como reincidente, nos termos do art. 75º do mesmo código. E, ante uma moldura penal abstracta situada entre os 3 a 15 anos de prisão e entre 4 a 15 anos de prisão (no caso de reincidência), teve como « adequadas à culpa dos arguidos e sobretudo de molde a dar satisfação às prementes exigências de retenção, de defesa do ordenamento jurídico e da paz social em tal sorte de crimes, sem deixar de lado as necessidades de ressocialização dos arguidos, (…) as seguintes penas: - Ao arguido BB: 7 anos de prisão. - Ao arguido DD: 7 anos e 6 meses de prisão. - Ao arguido AA : 7 anos de prisão»,
que fundamentou nos seguintes termos:
« na determinação da concreta pena a aplicar a cada um dos arguidos, cumprirá referir que os mesmos actuaram com dolo na conduta que lhes vem imputada, desde logo, a título de dolo directo, correspondente aquilo que grosso modo se designa por intenção criminosa, em que o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso. Dolo esse que foi intenso. Com efeito, os arguidos fizeram reconhecimento prévio do local, evidenciando persistência na sua intenção criminosa. Mostraram grande à vontade e ousadia, tendo cometido o assalto em horário de pleno funcionamento da galeria comercial, agindo com determinação para a prática do crime. Quanto à ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, considera-se a mesma de grau elevado. Desde logo, atenta a natureza dos bens de que se apropriaram e o seu valor global - muito para lá daquele que é considerado valor consideravelmente elevado. O modo de execução dos crimes é muito censurável, revelador de um plano concertado pelos arguidos. Com efeito, os arguidos planearam antecipadamente, de forma organizada e cautelosa, o assalto que decidiram fazer, muniram-se de duas viaturas, uma delas alugada em Espanha que serviram de “escolta” à utilizada no roubo, esta previamente furtada, de forma a evitar que viessem a ser descobertos, usaram também as caras e cabeças tapadas, executaram-no com manifesta superioridade física dos arguidos, à custa da ameaça que exerceram sobre a funcionária do estabelecimento e sobre as demais pessoas/clientes da galeria – atente-se nos registos de imagens que retratam o assalto alguns dos mencionados clientes em posição baixa, entre os quais se inclui uma criança- as quais se viram manietadas pelo receio que lhe incutiam, quer a pistola exibida e que admitiram estar apta a disparar, quer os demais objectos de que os arguidos se muniram nos termos descritos na factualidade provada. A forma como os arguidos se organizaram no respetivo assalto é também reveladora desse plano concertado e de um grande profissionalismo por banda dos arguidos, organização essa que permitiu que o mesmo tivesse ocorrido muito mais rápido. De ponderar, no entanto, pese embora o circunstancialismo em que ocorreu o assalto, a ausência de consequências gravosas para a funcionária do estabelecimento e para os demais clientes que no momento que se encontravam no interior da galeria comercial. As exigências de prevenção geral são muito acentuadas, sendo necessário reafirmar peremptoriamente a validade da norma violada e recriar a confiança da comunidade nela, atenta a elevada frequência deste tipo de crime e a sua prática por indivíduos de outras nacionalidades, a crescer no nosso país cada vez mais, cometidos em pleno dia e com banalização do recurso à violência e o alarme social que normalmente causam e que, no caso vertente, sobressaiu. Impõe-se, pois, que a pena a aplicar aos arguidos reforce com firmeza a validade da norma violada aos olhos da comunidade. Como se refere no Ac. do S.T.J. de 1 de Abril de 1998 “as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”. As exigências de prevenção especial fazem-se sentir em relação a todos os arguidos, em face da sua personalidade revelada nos factos, da ausência de integração profissional, a que acresce em relação aos arguidos DD e AA a ausência de qualquer arrependimento e reconhecimento do mal praticado, porquanto o primeiro remeteu-se ao silêncio, e o segundo negou peremptoriamente ter participado no crime em apreço. De salientar ainda no que respeita aos arguidos BB e DD as condenações já sofridas, o que sobressai no caso do arguido BB - nove condenações - reveladoras de personalidades deformadas – a carecer de socialização, ainda que a última sofrida pelo arguido Nicolae remonte ao ano de 2000. De ponderar, a favor do arguido BB a circunstância de ter colaborado parcialmente com o tribunal na descoberta da verdade material, admitindo os factos que lhe vinham imputados, o que é indiciador que interiorizou a desconformidade da sua actuação à lei e respectiva gravidade, ainda que em relação à participação dos arguidos DD e AA nada tenha querido esclarecer. Milita a favor do arguido AA a ausência de antecedentes criminais. A favor dos arguidos militam as suas modestas condições pessoais de vida».
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3.1. Reputa, porém, o arguido II de excessiva a pena de 7 anos de prisão em que foi condenado, pugnando pela sua redução para 5 anos de prisão com o fundamento de que o tribunal a quo não valorou suficientemente os seguintes factores: - confissão dos factos que lhe eram imputados, com relevo para a compreensão da dinâmica do assalto; - que a sua postura processual denota arrependimento e interiorização do crime cometido, reconhecendo a ilicitude dos factos e a existência de vítimas; - a sua condição sócio-económica modesta; - o seu percurso pessoal marcado pelo início da actividade laboral desde muito jovem; - a circunstância dos seus antecedentes criminais reportarem-se a factos praticados há mais de 18 anos, permite concluir que a sua conduta desajustada constituiu um ato isolado, sendo certo não ter qualquer condenação por crime de roubo; - a ausência de consequências gravosas para a funcionária da ourivesaria e a recuperação de alguns dos objectos em ouro; - no estabelecimento prisional manteve e continua a manter um comportamento adequado às regras.
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A este respeito, diremos não merecer qualquer reparo a consideração dos factores a que o acórdão recorrido atendeu nos termos e para os efeitos do citado art. 71º, nº2, pois, contrariamente ao defendido pelo arguido, não se vê que se possa atribuir maior valor atenuativo às circunstâncias acabadas de enunciar. É que se é certo não poder o arguido ser prejudicado pela circunstância de se ter remetido ao silêncio quanto à participação dos demais arguidos, não menos certo é também que não poderá tirar qualquer benefício desse seu silêncio. E muito menos se pode extrair, com base na sua confissão, qualquer arrependimento, pois, como refere o Acórdão do STJ, de 21.06.2007 ( proc. nº 07P2042), este « só releva quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime», o que não se provou. De salientar ainda que, contrariamente ao alegado, a atuação dos arguidos deixou sequelas graves na funcionária da ourivesaria, uma vez que provado ficou que « a partir do dia da ocorrência do assalto e durante o tempo em que trabalha sente-se mas nervosa e desconfiada, sentindo um enorme temor e receio que semelhante episódio volte a acontecer».
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3.2. Pugna também o arguido DD pela redução da pena de 7 anos e 6 meses de prisão para 5 anos e 6 meses de prisão. Alega, para tanto, não ter o tribunal a quo valorado suficientemente os seguintes factores: - A sua conduta ilícita subsumiu-se a um único acto isolado, uma vez que, a conduta desviante esgotou-se no crime de roubo que lhe vinha imputado. - O crime pelo qual foi anteriormente condenado tem natureza diversa. - Não ter resultado para a ofendida ou quaisquer outras pessoas danos físicos. - Ter adoptado após a prática dos factos comportamento conforme ao direito tendo inclusive obtido integração laboral. - Ter apoio familiar e ser de condição sócio-económica modesta. - No estabelecimento prisional desenvolve actividade laboral no sector do artesanato e manteve um comportamento adequado às regras institucionais, demonstrando que tem efectivas possibilidades de manter aquando da sua libertação uma conduta conforme ao direito. * Acresce não ser verdadeira a afirmação que da atuação do arguido não resultou danos físicos para a funcionária da ourivesaria, pois, tal como já se deixou dito, provado ficou que a mesma, « a partir do dia da ocorrência do assalto e durante o tempo em que trabalha sente-se mas nervosa e desconfiada, sentindo um enorme temor e receio que semelhante episódio volte a acontecer».
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3.3. Sustenta o arguido AA que o tribunal errou na aplicação do direito ao condená-lo numa pena de 7 anos de prisão, sendo que, por ser delinquente primário, sem qualquer confronto com a justiça em lugar algum e ex membro das forças de segurança da Roménia, com excelente comportamento prisional e apoio familiar assegurado, tal pena não devia ultrapassar uma medida entre os 4 a 4 anos e 6 meses de prisão.
Não é este o nosso entender, na medida em que a elevada intensidade da culpa, a natureza e gravidade do ilícito cometido, tornam muito fortes, quer as exigências de prevenção geral na defesa e restabelecimento das normas violadas, quer as de prevenção especial ou socialização, tendo em conta que a circunstância de o arguido ter negado, peremptoriamente, a prática dos factos é bem reveladora de que o mesmo não aparenta qualquer interiorização dos valores ofendidos e vontade de alterar o seu comportamento desviante, por forma a criar uma fundada confiança na sua atual capacidade para, no futuro, resistir a pulsões criminógenas, o que tudo conjugado, não abona em favor da sua personalidade.
*** III. DECISÃO Termos em que acordam na 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, CC b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido DD
c) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA d) Confirmar, na íntegra, o acórdão recorrido.
e) Tributar os recorrentes em custas, com 5 (cinco) Unidades de Conta (UC’s) de taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro. Supremo Tribunal de Justiça, 27 de setembro de 2017 (Texto elaborado e revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2, do CPP). Lopes da Mota ---------------------------- [11] cfr. Acórdãos de STJ, de 04.10.2006 ( proc. n.º 06P2678 - 3.ª Secção); de 05.09.2007 ( proc. n.º 2078/07 - 3.ª Secção); de 07.11.2007 ( proc. 3175/07-3ª Secção) e 14.11.2007 ( proc. n.º 3249/07 - 3.ª Secção). [13] Cfr. “ Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, notícias editorial, págs 268 e 269. |