Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | RECURSO PENAL CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO DE INFRAÇÕES CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CÚMULO JURÍDICO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO ROUBO PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Data do Acordão: | 10/11/2017 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Doutrina: | -Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p.317 a 328; -Anabela Rodrigues, Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, 2002, 177 a 208 ; Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147 a 182; -Andrea António Dália e Marzia Ferraioli, Manuale di Diritto Processuale Penale, Cedam, p. 28 e 749; -Artur Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ; -Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas e Thomson Reuters, 2014; -Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 425; -Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, p. 8; -Hermenegildo Borges, Vida, Razão e Justiça, Racionalidade argumentativa na Motivação Judiciária, Minerva Editora, Coimbra, 2005, p. 177; -José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num processo de Estrutura Acusatória, Publicações Universidade Católica, Porto, 2002, p. 564; -Michelle Taruffo, La motivación de la Sentencia Civil, Editorial Trotta, Madrid, 2011, p. 19; -Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, p. 247; -Robert Alexy, Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica, Landy Editora, 2001, p. 100; -Santiago Mir Puig, Estado, Pena y Delito, Editorial Bdef, Montevideu – Buenos Aires, 2006, p. 101, 105 e 106; -Sergi Cardenal Montraveta, Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, (RECPC 17-18 (2015), p. 3; -Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, p. 127. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 374.º, N.º 2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, N.ºS 1 E 3, 72.º E 77.º, N.º 2. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 11-10-2007, PROCESSO N.º 07P3240; - DE 27-02-2012, CONSELHEIRO HENRIQUE GASPAR; - DE 23-03-2014, CONSELHEIRO OLIVEIRA MENDES; - DE 09-03-2016, CONSELHEIRO MANUEL MATOS; - DE 17-03-2016, CONSELHEIRO ARMINDO MONTEIRO. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Sumário : | I - O tribunal tem a obrigação de expor as razões de facto e de direito que enformam a sua convicção e justificam a sua decisão, num ou noutro dos sentidos possíveis que qualquer situação histórica pode conter. Não pode o tribunal bastar-se com alusões pervagantes dos momentos probatórios em que se vazou a actividade probatória, nem em asserções apodícticas de juízos adquiridos em concepções pré-estabelecidos. A obrigação de motivação dos actos judiciais está consagrada constitucionalmente e tem o seu vazamento em todos os ordenamentos jurídicos-adjectivos, encontrando-se prevista no ordenamento jurídico português no art. 374.º, n.º 2, do CPP. II - Tal como o próprio recorrente concede, a sentença que procede à operação de composição de um cúmulo jurídico de penas parcelarmente impostas noutros processos e justificadas nas respectivas sentenças, ainda que não possa deixar de manter uma estrutura similar à que se encontra delineada no art. 374.º, do CPP, pode, pela remissão referenciada a que procede, na exposição da factualidade em que se funda, deixar de efectuar uma motivação pormenorizada e analítica de todas as circunstâncias que irão formar a convicção do tribunal. III - Numa sentença para composição/formação do cúmulo jurídico de penas, a exigência de fundamentação recolhe em sentido distinto, na sua estruturação e configuração expositiva. Vale dizer, que a fundamentação neste tipo de sentenças fica preenchida e satisfeita com uma explicitação (sucinta e resumida) dos factos sacados das decisões que aplicaram as penas parcelares e com uma referência à personalidade do agente. IV - No caso que nos ocupa, o tribunal numa prática que não se nos afigura passível de ser subscrita e sufragada pela exigência legal adrede, procedeu à remissão das referências à personalidade do agente para o relatório social que se encontra junto aos autos. A prática não recolhe aplauso nem merece figurar num exemplo de decisão – tal como a lei actual a exige – mas não pode daí transladar-se para uma omissão ou deficiência (invalidade) da sentença. V - A justificação/razoamento adiantado pelo tribunal, embora parcimoniosa, mostra-se suficiente e arrimada ao fim fundamentador da decisão no concernente aos requisitos exigidos na lei. O tribunal, ainda que possa e deva, na sua função explicitadora verter na decisão todos os elementos de que se serviu para formar o seu juízo, ao fazê-lo por remissão, cumpre de forma zaranza a exigência legal, mas não de modo a torná-la absolutamente incapaz para o fim a que se destina. VI - A pena única surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelem contrários à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. VII – O modo de actuação e perpretação da maioria dos roubos que efectuou evidencia algum esvaecimento da vontade delitiva, atenta a forma de abordagem dos funcionários bancários (invocando desespero e dizendo que não queria causar problemas), manifestando ou prenunciando um sentimento de autocensura e de reprovabilidade do acto que pretende perpetrar. Não se descura que o arguido praticou, enquanto não foi detido, uma série de crimes e que com eles terá causado alarme social. Do mesmo passo não se olvidará que as importâncias arrecadadas pelo arguido não foram avultadas. Pelo que, tudo ponderado, se afigura como adequada a aplicação da pena única de 12 anos de prisão, em lugar da pena de 16 anos de prisão aplicada pela 1.ª instância. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: |
I. Relatório. AA, ..., e actualmente detido no EP de ..., foi condenado, na operação de cumulatória de penas em que havia sido condenado nos processos comuns nºs 2183/13.0JAPRT;129/13.5JBLSB;1982/13.8JAPRT;2086/13.9JAPRT;e 1934/13.8JAPRT, na pena única de dezasseis anos de prisão efectiva. Desconformado com a pena conjunta que lhe foi imposta, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a argumentação com que pretende alancear o julgado, com o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito. I,a). – Quadro Conclusivo. 15ª Não tendo o Tribunal recorrido possibilidade de recurso a qualquer cálculo matemático que o auxilie nesta função da determinação da pena para efeitos de cúmulo jurídico, terá este que atender a factos concretos que determinem a sua concretização; 16ª A personalidade do arguido terá que concorrer em larga medida com o factor da ressocialização do mesmo, sob pena de se aplicar ao arguido uma pena que inviabiliza qualquer possibilidade de recomeçar a sua vida quando sair em liberdade; 17ª O recorrente, para além de confessar na sua globalidade os factos de que vinha acusado, mostrou-se fortemente arrependido da prática dos mesmos e tem uma sustentação familiar e laboral que lhe permitem encarar uma vida sem a prática de qualquer delito; Termos em que deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade do acórdão recorrido. Caso assim não se entenda, deve ainda assim o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que aplique ao arguido uma pena única substancialmente reduzida e muito abaixo da pena de 16 anos ora aplicada.” 3. A personalidade do arguido evidenciada nos factos, a circunstância de ter cometido os crimes num período recente de liberdade condicional, assim como a conduta posterior em meio prisional até ser transferido para estabelecimento prisional de segurança máxima justificam uma pena de prisão que não poderá, sob pena de por em causa as necessidades de prevenção geral e especial, ser muito mais pequena do que a que aqui foi aplicada. Deste modo entendemos não haver fundamento para reduzir substancialmente a pena aplicada ao arguido, como este pretende (…).” O Distinto Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, é de parecer que (sic): “1. São três as questões submetidas a reexame: - Exclusão do cúmulo da pena de 1 ano e 5 meses de prisão aplicada no processo 321/14.5T9BRG; - Nulidade por falta de fundamentação. - Medida da pena única; Sustenta o recorrente que a pena aplicada no processo n.º 321/14…, com trânsito em julgado em 19 de Dezembro de 2016, «não foi levada em consideração no cúmulo…, o que… teria forçosamente que ocorrer». Quanto à medida da pena única defende que «é deveras penalizadora, inviabilizando qualquer hipótese de ressocialização». Alega que «nunca recorreu ao uso da força ou violência física, usando para o efeito um papel manuscrito para levar a cabo os seus intentos», e que «o produto daqueles crimes era de valor reduzido...», peticionando uma redução substancial da pena. Considera, em conclusão, «que a graduação das penas parcelares… se deverá situar no mínimo legal, assim também sucedendo no que diz respeito à pena única». Finalmente, defende que o acórdão «é totalmente omisso sobre o grau de ilicitude de cada um dos crimes, se existem conexões entre eles, de forma a permitira ponderação da «imagem global do facto» que pressupõe naturalmente as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso», inexistindo, igualmente, no acórdão «referências concretas à personalidade do arguido que permitam formular um juízo sobre o modo como se projectou nos factos ou foi por eles revelada (ocasionalidade, pluriocasionalidade ou tendência)». 2. A Exma. Procuradora da República, na sua resposta (607-611), pronunciou-se pela improcedência do recurso, concluindo, além do mais: Quanto à primeira questão refere que «A pena sofrida pelo arguido no processo 321/14.5T9BRG não se encontra em concurso com as condenações do ciclo das penas englobado no cúmulo jurídico, atendendo a que os factos… foram cometidos após 22.05.2014. Deve, pois, ser cumprida sucessivamente», pela correcção da medida das penas parcelares e da única. Em relação à segunda, expressa que «O acórdão recorrido contém na sua fundamentação as premissas lógicas que conduziram o Tribunal a encontrar a pena aplicada pelo que não está ferido de nulidade.» Finalmente, e quanto à última, defende que a «personalidade do arguido evidenciada nos factos, a circunstância de ter cometido os crimes num período recente de liberdade condicional, assim como a conduta posterior em meio prisional até ser transferido para estabelecimento prisional de segurança máxima justificam uma pena de prisão que não poderá, sob pena de pôr em causa as necessidades de prevenção geral e especial, ser muito mais pequena do que a que aqui foi aplicada.» 3. Com excepção da medida da pena única, acompanhamos integralmente a sucinta, mas cabal, resposta da Exma. Procuradora da República. 3.1. Uma vez que das condenações em causa a primeira transitar em julgado foi a do processo n.º 2183/13.0JAPRT, trânsito esse ocorrido em 22 de Maio de 2014, e os factos da condenação sofrida no processo n.º 321/14.5T9BRG são de 27 de Junho de 2014, ou seja, posteriores ao trânsito daquela condenação, é manifesto que não pode ser incluída no cúmulo jurídico. 3.2. É, de igual modo, claramente improcedente a inexistência da alegada nulidade por falta de fundamentação da pena única. Com efeito, o acórdão recorrido, depois de enunciar os factores determinantes da quantificação da pena única, a fls. 503 e 504, e caracterizar e quantificar o ilícito global (os crimes cometidos são todos de roubo, sendo alguns deles na forma tentada, sendo que as quantias subtraídas não são de grande monta; os crimes foram praticados num curto período de tempo), estabelece a necessária conexão entre estes e a personalidade do arguido [anteriormente já fora condenado por duas vezes por crimes de roubo (na verdade foi condenado por crimes de furto qualificado – 5 anos e 6 meses -, e de roubo – 3 anos e 6 meses -, que se encontra a cumprir), actualmente consegue manter um comportamento prisional ajustado às regras, esteve envolvido na problemática da toxicodependência], ponderando as exigências de prevenção. Temos, pois, como suficiente a fundamentação da pena única. 3.3. Finalmente, e no que respeita à pena única, entendemos dever ser desagravada para a proximidade dos 12 anos de prisão. Representa um acréscimo ao mínimo da moldura de cerca de 1/3 das restantes penas, sendo, ainda, ajustada ao ilícito global e personalidade do arguido, assegurando, por outro lado, as muito elevadas exigências de prevenção geral e especial (sobretudo, quanto a esta última, pelos riscos de prossecução de actividades criminosas fomentadas pela toxicodependência). 4. Pelo exposto, entendemos que o recurso merece parcial provimento no que respeita à medida da pena única, nos termos atrás mencionados.” I.b). – Questões a merecer apreciação do recurso. a) – Nulidade da sentença por carência/ausência de fundamentação; b) – Vícios da sentença, por: i) contradição insanável da fundamentação; ii) erro notório na apreciação da prova; c) – Medida da pena. Pena Conjunta. II. Fundamentação. II.a) - De facto “Com interesse para a decisão a proferir nesta sede, resulta apurado que o arguido AA foi condenado: 1.º Nos presentes autos de processo comum colectivo n.º 2304/13.6JAPRT, por acórdão datado de 15.12.2016 e transitado em julgado em 18.01.216, na pena de 2 anos de prisão, pela prática, como reincidente, em 30.09.2013, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: (Em síntese, no dia 30 de Setembro de 2013, pelas 11h20, o arguido dirigiu-se à agência da Caixa Geral de Depósitos, sita na Avenida Carlos Bacelar, Vila Nova de Famalicão. Num momento em que não se encontrava nenhum cliente no interior do banco, o arguido introduziu-se no interior daquela instituição bancária e dirigiu-se à caixa de balcão de atendimento a clientes onde se encontrava um funcionário daquela agência. Em seguida, o arguido exibiu àquele um pedaço de papel contendo em letras maiúsculas os seguintes dizeres: “Isto é um assalto. Não reaja. Dê-me dinheiro que tem na caixa. Estou com dificuldades”. O funcionário receando pela sua vida e integridade física, entregou ao arguido a quantia total de € 1.880,00 constituída por diversas notas e moedas do Banco Central Europeu. Em seguida, o arguido colocou-se me fuga. O arguido quis, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas apossar-se da mencionada quantia, integrando-a no seu património, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único proveito. Quis o arguido constranger o funcionário, exibindo-lhe um bilhete no qual lhe ordenava para não reagir adoptando uma conduta que levava a acreditar que estava disposto a utilizar de violência, pretendendo dessa forma coarctar ao ofendido, como efectivamente sucedeu, qualquer possibilidade de resistir. Agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. O arguido confessou a matéria da acusação, à excepção feita à circunstância de ser consumidor de estupefacientes). 2.º No processo comum colectivo n.º 1982/13.8JAPRT, do 4.º Juízo Central Criminal de Guimarães, por acórdão datado de 15.07.2015 e transitada em julgado em 30.09.2015, na pena de 2 anos de prisão, pela prática, como reincidente, em 23.09.2013, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal. O arguido confessou os factos pelos quais vinha acusado, à excepção de que era toxicodependente e foi esse facto que o determinou a agir). 3.º No processo comum colectivo n.º 2086/13.9JAPRT, do 2.º Juízo Central Criminal do Porto, por acórdão datado de 15.02.2016 e transitada em julgado em 16.03.2016, na pena em cúmulo jurídico de 5 anos de prisão, pela prática, como reincidente, de: - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, praticado em 7.10.13, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, praticado em 7.10.13, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - um crime de roubo na forma tentada, p. e p. 210.º, n.º 1, do Código Penal, por referência aos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 23.º, n.º 1, ambos do Código Penal praticado em 15.10.13, na pena de 1 ano de prisão; - um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, por referencia aos artigos 22.º, n.º 1 e 2, al. a) e 23.º, n.º 1, ambos do Código Penal, praticado em 15.10.13, na pena de 1 ano de prisão; - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, praticado em 15.10.13, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, por referência aos artigos 22.º, n.º 1 e 2, al. a) e 23.º, n.º 1, ambos do Código Penal, praticado em 15.10.13, na pena de 1 ano de prisão; Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: (Em síntese, Factos respeitantes aos autos principais: No dia 07.10.2013, pelas 12 horas e 52 minutos, o arguido dirigiu-se à agência do “Montepio” sita na rua das Carmelitas, no Porto, com o propósito de assaltar a referida agência bancária e, assim, se apoderar de quantias monetárias ali existentes. Uma vez no interior da dita agência, o arguido aproximou-se do funcionário e entregou-lhe um papel manuscrito no qual constava: “Estou em graves dificuldades por favor ajude e colabore. Tenho uma arma apontada a si. Dê-me todo o dinheiro que tiver”, ao mesmo tempo que mantinha a mão esquerda sobre o balcão, segurando um saco plástico que continha no seu interior um objecto não concretamente identificado, que aparentava ser uma arma de fogo. Com o propósito de evitar o assalto, o aludido funcionário disse ao arguido que tinha apenas moedas, tendo este retorquido, em tom sério e intimidatório “não brinque comigo”, exigindo-lhe a entrega dessas moedas. O mencionado funcionário, temendo o comportamento do arguido, entregou-lhe, então, a quantia de € 94,75 em moedas do Banco Central Europeu, e ainda 8 dólares. Depois, o arguido exigiu a devolução do papel manuscrito e abandonou a agência na posse das quantias monetárias acima descritas, das quais se apoderou e fez coisa sua. Factos respeitantes ao inquérito nº 2087/13.7JAPRT (em apenso): Ainda nesse mesmo dia 07.10.2013, pelas 13 horas e 08 minutos, mantendo o propósito de assaltar agências bancárias, o arguido dirigiu-se à agência do “Banco Popular”, sita na rua Sá da Bandeira, nºs 176 a 178, no Porto. Uma vez no interior da referida agência, o arguido aguardou a saída dos clientes que ali se encontravam e, de seguida, aproximou-se do funcionário. Ato contínuo, o arguido, também com o intuito de aparentar trazer consigo uma arma de fogo, entregou-lhe um papel manuscrito no qual constava nomeadamente: “(…) estou desesperado colabora comigo. Tenho uma arma (…)”, ao mesmo tempo que lhe ordenou, em tom intimidatório, para não sair do balcão e lhe entregar as notas e moedas de maior valor existentes na caixa. O aludido funcionário, temendo o comportamento do arguido, entregou-lhe, então, a quantia monetária de € 1.826,00 em notas e moedas do Banco Central Europeu. Na posse do referido papel manuscrito e da quantia atrás descrita, da qual se apoderou e de que fez coisa sua, o arguido abandonou então a agência bancária em referência. Factos respeitantes ao inquérito nº 2138/13.5JAPRT (em apenso): Factos respeitantes ao inquérito nº 2205/13.7JAPRT (em apenso): Factos respeitantes ao inquérito nº 2139/13.3JAPRT (em apenso): Factos respeitantes ao inquérito nº 2140/13.7JAPRT (em apenso): No dia 22/10/2013 foi encontrado na posse do arguido AA, para além do mais: - uma pistola de alarme, com a inscrição “domino 310”, “cal. 22” e “S. G. S. Made in Italy”, de calibre 6mm “Flob. Platz” (salva), sem carregador, construída em liga metálica ligeira, unicamente apta para deflagração de munições de salva, em más condições de conservação; - um par de óculos em massa, de cor preta, sem graduação; - um saco em papel castanho, formato A5, com as inscrições do “Banco Santander Totta”; - um casaco de cor preta, tipo de basebol, com capuz da mesma cor e com a inscrição “NY” em branco; - um par de sapatilhas, marca “Adidas”, de cor preta, branca e verde; - um casaco em tecido de cor azul e verde, com punhos e gola em malha às riscas; - um casaco em tecido, com mangas em napa de cor preta, com punhos e gola com listas brancas. - uma “T-shirt” branca, com estampado, marca “Quicksilver” Em todas as actuações anteriormente descritas, o arguido agiu sempre de forma livre e consciente, querendo apoderar-se das quantias monetárias acima indicadas e fazê-las suas, tal como fez, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam, que atuava sem autorização dos respectivos donos e que o seu comportamento, fazendo aparentar trazer uma arma de fogo, eram meios adequados a provocar medo e receio nos ofendidos. O arguido nas situações em que não logrou obter qualquer quantia monetária junto dos funcionários, foi-o por motivos alheiros à sua vontade, não obstante lhes ter feito temer o seu comportamento. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas por lei. O arguido confessou de forma parcial os factos de que vinha acusado). 4.º No processo comum colectivo n.º 129/13.5JBLSB, do 20.º Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão datado de 13.11.2014 e transitada em julgado em 15.12.14, na pena, em cúmulo jurídico de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em Setembro de 2013, de três crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano e 9 meses para cada um deles. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: (Em síntese, em data que não foi possível determinar do mês de Setembro de 2013, o arguido traçou um plano segundo o qual iria fazer suas as quantias monetárias provenientes de agências bancárias, mediante a utilização de ameaça que sugestionasse, nos respectivos funcionários bancários que viesse a abordar, que seria possuidor de uma arma de fogo. Para o efeito, muniu-se de óculos escuros e de um boné que lhe ocultavam parcialmente as feições. E na execução desse plano, o arguido praticou os seguintes factos: (Processo nº 128/13.7JBLSB – apensado): No dia 6 de Setembro de 2013, cerca das 11.06 horas, o arguido dirigiu-se à agência bancária do banco “Banif”, situada na Av. Columbano Bordalo Pinheiro, em Lisboa. Uma vez aí, dirigiu-se à funcionária que ali atendia o público, colocando um saco que continha um objecto, que esta não conseguiu identificar, em cima do balcão. Ato contínuo, o arguido entregou-lhe um papel com os dizeres manuscritos: “tenho uma arma, colabore comigo, ponha todo o dinheiro que tenha no envelope”. Convencida de que dentro do saco se encontrava uma arma de fogo, e receando pela vida, a funcionária colocou ali dentro € 250,00 em notas e cerca de € 10,00 em moedas. De seguida, o arguido ordenou-lhe que abrisse a porta, o que a mesma fez. O arguido pôs-se então em fuga na posse do dinheiro, que fez coisa sua. (Processo nº 129/13.5JBLSB – incorporante): No dia 9 de Setembro de 2013, cerca das 10.45 horas, o arguido dirigiu-se à agência bancária do banco “Millennium BCP” situada na Praça dos Restauradores, em Lisboa, com um boné e óculos escuros. No interior das instalações o arguido dirigiu-se ao funcionário que atendia o público, colocando um papel em cima do balcão com os seguintes dizeres manuscritos: “Tenho uma arma dentro do saco, colabore comigo, coloque o dinheiro no envelope”. Visualizando o saco que o arguido trazia na mão, o funcionário convenceu-se que ali se encontrava uma arma de fogo. Receando pela sua vida, obedeceu, colocando € 673,00 no interior do saco. Ato contínuo, o arguido pôs-se em fuga, na posse do dinheiro, que fez coisa sua. (Processo nº 130/13.9JBLSB – apensado): No dia 11 de Setembro de 2013, cerca das 10.49 horas, o arguido dirigiu-se à agência do banco “Caixa Geral de Depósitos”, situada na Av. 5 de Outubro, em Lisboa, usando um boné e óculos escuros. No interior das instalações, o arguido aguardou pela sua vez no atendimento, como se se tratasse de um cliente normal. Quando tal momento chegou, dirigiu-se à funcionária que atendia o público, colocando um papel em cima do balcão com os seguintes dizeres: “Colabore comigo dê-me todo o dinheiro que tem na caixa. Rápido e discreto. Assalto”. Reparando que o arguido colocava a mão na cintura, a funcionária logo se convenceu que aquele estava armado. Receando pela vida, a ofendida colocou assim algumas notas de € 5,00 num envelope que o arguido lhe entregou para o efeito. Ao vislumbrar a quantia entregue, o arguido disse baixo “não está a perceber, não me faça passar consigo, quero o dinheiro todo no envelope, quer que lhe mostre a arma?”. Estendeu então a mão até ao cacifo onde se encontravam guardadas notas em várias divisões e retirou-as, acondicionando-as no envelope que guardou num saco. Ato contínuo, o arguido pôs-se em fuga, na posse do dinheiro, que fez coisa sua, e que ascendeu ao montante global de € 1.955,00. Ao cometer os actos descritos, o arguido agiu com a intenção concretizada de fazer suas quantias monetárias que sabia não lhe serem devidas, mediante a ameaça de utilização de arma, por forma a pôr os ofendidos em total incapacidade de reagir, bem sabendo que agia contra a vontade dos legítimos proprietários de tais quantias. Em todas as situações o arguido agiu de forma livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas lhe eram vedada e reprováveis por lei. O arguido confessou os factos que lhe eram imputados). 5.º No processo comum colectivo n.º 2183/13.0JAPRT, do J4 do Juízo Central Criminal de Braga, por acórdão datado de 22.04.14 e transitada em julgado em 22.05.2014, na pena, em cúmulo jurídico, de 5 anos de prisão, pela prática, em 22 de Outubro de 2013, de dois crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 3 anos e 4 meses para cada um deles. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: (Em síntese, no dia 22 de Outubro de 2013, cerca das 12h17m, o arguido, depois de se munir de uma pistola de alarme, sem carregador, com a inscrição “Domino 310 S.G.S. Made in Italy”, “Cal. 22,6mm Flob. Platz”, entrou na agência bancária “Santander Totta”, sita na Calçada da Porta Nova, nº 10-12, em Barcelos, onde permaneceu até cerca das 12h40m, na fila de espera para o balcão de caixa, como se de um mero cliente se tratasse. Quando chegou a sua vez, o arguido aproximou-se do balcão, onde se encontrava a funcionária e entregou-lhe um folha de papel, na qual tinha escrito: “Bom dia, colabore comigo, tenho uma arma, discretamente entregue-me todo o dinheiro… não tente nada porque estou em desespero”, ao mesmo tempo que apontava na sua direcção a referida pistola, para que ela não reagisse. Convencida de que o instrumento empunhado pelo arguido era uma arma de fogo e temendo que ele pudesse disparar a mesma e com isso provocar-lhe ferimentos graves e até a morte, aquela, amedrontada, não conseguiu reagir, tendo então o arguido retirado do balcão um envelope contendo um cheque do Millennium BCP no montante de € 185,00 e a quantia de € 1.115,15 em dinheiro, provenientes de depósitos recebidos, que guardou, após o que saiu para o exterior da mencionada agência bancária, levando consigo as referidas quantias, e colocou-se em fuga. Cerca das 12h50m, do mesmo dia, o arguido, munido da mencionada pistola de alarme, entrou na agência bancária “BES”, sita no Campo 5 de Outubro, nº 309, em Barcelos, onde permaneceu até cerca das 12h55m, na fila de espera para o balcão de caixa, como se de um mero cliente se tratasse. Chegada a sua vez, o arguido aproximou-se do balcão, onde se encontrava o funcionário, entregou-lhe um envelope e disse-lhe, em tom de voz baixo: “isto é um assalto, age com discrição, senão dou-te um tiro nos miolos”, ao mesmo tempo que lhe mostrava a referida pistola, para que ele não reagisse. Convencido de que o instrumento que o arguido mostrava era uma arma de fogo e temendo que ele pudesse disparar a mesma e com isso provocar-lhe ferimentos graves e até a morte, aquele, amedrontado, abriu o dispensador de notas e retirou daí a quantia de € 700,00 em numerário, que colocou dentro do envelope e entregou ao arguido, após o que este saiu para o exterior da mencionada agência bancária, levando consigo aquela quantia em dinheiro e colocou-se em fuga, e veio a ser detido, cerca das 13h15m, por agentes da PSP de Barcelos, que recuperaram parte das quantias em dinheiro que ilegitimamente fez suas. O arguido agiu sempre de vontade livre e consciente, com o propósito conseguido de intimidar os funcionários das agências bancárias “Santander Totta” e “BES”, levando-os a crer que, caso resistissem, estaria disposto a disparar a pistola que empunhava e provocar-lhes ferimentos e até a morte, com o propósito alcançado de lhes retirar todo o dinheiro que detinham, nos montantes totais supra referidos e de os integrar no seu património contra a vontade e sem autorização dos seus legítimos donos, apesar de ciente de que não lhe pertenciam e que as suas condutas não eram permitidas. O arguido confessou os factos que lhe vinham imputados à excepção da posse da arma). 6.º No processo comum colectivo n.º 1934/13.8JAPRT, do J3 do Juízo Central Criminal de Guimarães, por acórdão datado de 19.10.16 e transitada em julgado em 18.11.16, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, pela prática, em 17 de Setembro de 2013, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: (Em síntese, no dia 17 de Setembro de 2013, pelas 10h38m, o arguido entrou na agência da instituição bancária denominada “BPI”, sita em Vila Nova de Famalicão, envergando um boné de pala e óculos de sol e dirigindo-se ao balcão de atendimento ao público exibiu ao funcionário daquela instituição bancária, um papel manuscrito, contendo expressões com o seguinte teor: “Bom dia, colabore comigo tenho uma arma no bolso”. Receando que o arguido tivesse na sua posse alguma arma, o funcionário entregou-lhe de imediato a quantia de €1.604,92, distribuído entre várias notas e moedas. Na posse da mencionada quantia em dinheiro acima indicada, o arguido pôs-se em fuga. Agiu de forma livre, deliberada e consciente. O arguido confessou os factos pelos quais vinha acusado). 7.º Mais resultou apurado que o arguido AA foi ainda condenado: - No âmbito do Processo Comum Singular nº 718/00.8GCBRG, do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 03.09.00, de um crime de ofensa à integridade física simples, por sentença proferida a 31.03.03, com trânsito em julgado ocorrido a 22.04.03, na pena de 250 dias de multa, já declarada extinta; - No âmbito do Processo Comum Singular nº 3/08.7PTBRG, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 29.08.07, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença proferida a 26.05.08, com trânsito em julgado ocorrido a 25.06.08, na pena de 100 dias de multa, já declarada extinta; - No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 929/07.5GCBRG, das Varas de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 06.10.07, de um crime de roubo, por sentença proferida a 26.11.08, com trânsito em julgado ocorrido a 16.12.08, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período; - No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 2481/08.5PBBRG das Varas de Competência Mista de Braga, pela prática, em 04.09.08, de um crime de roubo agravado, um crime de roubo agravado na forma tentada e um crime de detenção de arma proibida, por sentença proferida a 15.06.09, com trânsito em julgado ocorrido a 11.01.10, na pena única de 4 anos de prisão; - em cúmulo a englobar as penas referidas neste últimos processo foi ao arguido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; - No âmbito do Processo Comum Singular nº 2099/13.0PBBRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 25.09.13, de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas e serviços, por sentença proferida a 11.02.15, com trânsito em julgado ocorrido a 13.03.15, na pena de 50 dias de multa, a qual foi substituída por 33 dias de prisão, já declarada extinta. 8.º Mais se provou sobre as condições sociais e económicas do arguido AA, que; - O arguido descende de um agregado familiar cuja dinâmica se pautou pela estabilidade relacional, coesão ao nível intrafamiliar e pela transmissão de valores de uma vivência social normativa. - O percurso escolar de AA ocorreu em idade regulamentar, tendo concluído o 5º ano de escolaridade. A falta de motivação para dar continuidade aos estudos e a necessidade de desenvolver uma actividade remunerada e contribuir para o orçamento familiar precipitou o abandono escolar. - Aos 15 anos de idade iniciou aprendizagem como serralheiro mecânico na oficina onde o pai trabalhava, tendo desempenhado actividade de forma regular durante alguns anos. - Dos 9 aos 17 anos de idade praticou desporto na modalidade de futebol, federando-se no Sporting Clube de ... e manteve relações de sociabilidade com amigos e de confraternização com os seus pares, apesar da exigência dos pais no cumprimento das regras familiares. - Iniciou o consumo de estupefacientes aos catorze anos de idade, adição que veio a intensificar decorrido cerca de ano e meio. Todavia, com a adopção de uma relação afectiva precoce e o facto de ter emigrado por vários países, ..., onde trabalhou como carpinteiro de construção civil, em regime de contratos temporários, veio a estabilizar o seu comportamento aditivo. - Aquando de seu regresso a Portugal voltou a intensificar o consumo de substâncias psicoativas, passando a adoptar comportamentos desajustados que culminaram numa condenação de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo. - Integrou o CRI de Braga que o encaminhou para a Comunidade Terapêutica “Sempre a Crescer” em ..., tendo abandonado a instituição decorridos alguns meses depois, por se considerar recuperado e devido às dificuldades financeira vivenciadas pelo agregado (companheira e filhas), que se agudizaram com a aquisição de habitação. - Empregou-se na empresa Feliz Metalomecânica, onde desenvolveu funções de serralheiro inicialmente com regularidade, tendo abandonado na sequência de uma recaída nos consumos de estupefacientes. - Foi preso preventivamente em Setembro de 2008, vindo a ser condenado em cúmulo jurídico na pena única de cinco anos e seis meses de prisão, por crimes de furto qualificado. - Registou dificuldades de adaptação e integração ao meio institucional, com comportamentos instáveis e de revolta pelas suas perdas, (agregado constituído e liberdade), pelo foi por inúmeras vezes alvo de punições, por incumprimento de regras e deveres, e desrespeito para com terceiros. Com o decorrer do tempo, frequentou dois cursos EFA-Educação e Formação para Adultos, dos quais foi excluído por falta de assiduidade, e não aceitou tratamento terapêutico por considerar desnecessário, afirmando-se abstinente. - Saiu em liberdade condicional em 27.05.2013, cujo termo ocorreria em 01.03.2014. - Reintegrou o agregado dos pais e trabalhou na oficina auto onde o pai mantinha a sua actividade profissional. Contudo, volvido cerca de 2/3 meses, saiu da casa dos daqueles e abandonado o trabalho, por ter estabelecido um relacionamento afectivo com uma rapariga da zona de Setúbal, para onde se deslocou, e lhe ter sido proposta uma melhor oferta de trabalho, em Espanha, situação que não veio a concretizar-se. - No período antecedente à reclusão AA permanecia em liberdade condicional sujeito ao cumprimento de um conjunto deveres, entre eles a sujeição a consulta de avaliação/diagnóstico no CRI de ..., e a tratamento se caso disso, contudo apenas fez prova da sua comparência no dia 23.09.2013, a solicitar marcação de consulta. Mantinha inactividade laboral, situação face à qual foi orientado para o Instituto de Emprego e Formação Profissional e não tinha residência fixa pernoitando em pensões da cidade de Braga. - Foi preso em 23.10.2013 no Estabelecimento Prisional de Braga à ordem do processo 2183/13.0JAPRT – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J4 - Tribunal Judicial da Comarca de Braga. - Cumpre presentemente e desde 27.01.2016 uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão à ordem do processo 129/13.5JBLSB Comarca de Lisboa – Lisboa – Inst. Central – 1ª secção Criminal – J20, pela prática de crimes de roubo. - Sobre o impacto da situação jurídico-penal dos factos pelos quais se encontra condenado assume uma postura de reconhecimento da sua ilicitude e gravidade dos mesmos, demonstrando dificuldade em se distanciar da qualidade de arguido. - Face ao seu percurso marginal assume presentemente uma postura de maior sentido crítico, de reconhecimento da gravidade e impacto dos seus atos nas vítimas, verbalizando arrependimento e vergonha. Revela ainda consciência de que a problemática aditiva, a imaturidade e a situação de desemprego em que se encontrava contribuíram para a desestruturação do seu quotidiano. - Durante o cumprimento de pena registou uma conduta reiterada de incumprimento das regras prisionais, conduta incorrecta, agressiva, provocadora e ameaçadora para com elementos da vigilância e reclusos, situação pela qual foi alvo de várias medidas disciplinares e implicado a sua transferência, em 20.11.2014, para a secção de segurança máxima do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde ainda permanece. - Desde então, neste contexto prisional, o condenado tem vindo a manter uma conduta estável, adequada no contacto interpessoal com os vários intervenientes do estabelecimento prisional e sem registos disciplinares. - A reincidência criminal provocou grande impacto nos progenitores que acreditavam que o arguido e iria reabilitar quando saiu em liberdade, pois dispunha de condições favoráveis, o que não veio a acontecer. No entanto, estes continuam apoiantes e disponíveis para o receberem. No que concerne ao relacionamento que mantinha com a companheira este cessou aquando da sua reclusão.” II. – DE DIREITO. II.a). – NULIDADE DA DECISÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO (Artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código Processo Penal). É consabido, e não é demais afirmá-lo, que é através da sentença que o tribunal procede à interpretação/reconstituição de factos históricos, procedendo, depois, á sua integração/valoração à luz de normas jurídicas pré – existentes, para depois ditar o veredicto. Neste proceder/refazer histórico, o tribunal socorre-se de regras de experiência e de métodos lógico – racionais que possibilitem demonstrar a verosimilhança da situação reconstituída com o real acontecido – cfr. Paolo Tonini, La prova Penale, Cedam, 200, apg. 27 e segs. e Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Bosch, pag. 179 e segs.(Na acepção deste segundo Autor a reconstituição do sucedido prende-se com o princípio da verdade material e da racionalidade do direito da prova e, ainda, da essência da compreensão (aqui nas vertentes da compreensão cénica e da compreensão textual). No dizer de Andrea António Dália e Marzia Ferraioli “a sentença tem um duplo conteúdo, porque é, a um tempo uma declaração de vontade e um acto de inteligência: exprime a aplicação da norma no caso concreto e dá razão de tal aplicação” – Manuale di Diritto Processuale Penale, Cedam, pag. 749. É com base nas provas que foram adquiridas para o processo (ou no decurso do processo), que o juiz reconstitui o facto histórico cometido pelo imputado (mottivi “in fatto”); logo (a seguir) interpreta a lei e precisa o “fatto típico”, previsto na norma penal incriminadora (mottivi “in diritto”), finalmente valora (aprecia) se o facto histórico “rientra” no facto típico (giudizio di conformitá) – op. loc. cit. pag. 28. O tribunal tem a obrigação de expor as razões de facto e de direito que enformam a sua convicção e justificam a sua decisão, num ou noutro dos sentidos possíveis que qualquer situação histórica pode conter. Não pode o tribunal bastar-se com alusões pervagantes dos momentos probatórios em que se vazou a actividade probatória, nem em asserções apodícticas de juízos adquiridos em concepções pré – estabelecidas. Deve o tribunal expor as razões da sua convicção adquirida num “ragionamento” objectivo, lógico e arrimado às regras comummente assimiladas pelo proceder do homem em sociedade e segundo padrões de razoabilidade e bom senso. A obrigação de motivação dos actos judiciais está consagrada constitucionalmente e tem o seu vazamento em todos os ordenamentos jurídico-adjectivos.(“O juiz deve dar conta dos resultados probatórios adquiridos e dos critérios com base nos quais valorou tais resultados. Deve, portanto, proceder à exposição concisa, mas exaustiva, dos motivos de facto e de direito sobre os quais funda a decisão, com indicação dos elementos de prova que lhe estiveram na base e a enunciação das razões que o induziram a julgar não atendíveis os elementos de prova contrários”). [[3]] Deve, pois, o julgador, quando obtém, e depois propõe e assume, uma determinada convicção, elucidar as pessoas a quem se dirige quais foram os caminhos percorridos para chegar até ela e os meios de prova que valorou e quais desbordou para se alçar à decisão conviccional que verteu no texto decisório. Não basta uma simplista e cómoda alusão que, em relação a um determinado facto ou a um conjunto, mais ou menos alargado de matéria factual, bem com a vaga indicação de que ocorreu ausência de prova. Exige-se que o julgador joeire a prova, indique pontos de convergência e de divergência, suscite e convoque os dissídios entre os distintos elementos probatórios em confronto, procure estabelecer a plataforma de consenso que, razoavelmente, e de acordo com as regras normais do proceder e do agir humano e societário, naquela concreta e histórica situação se apresentam como mais plausíveis, aceitáveis e credíveis, por forma a que a verdade histórica e processual fique inconcussa e se perfile como logicamente compreensível. [[4]] É necessário que aquele que tem a função de julgar, em obediência e com arrimo à lei e ao direito, procure explicitar as razões das suas decisões e, mais ainda, que dê a conhecer o iter racional e lógico por que chegou aquela e não a outra decisão. T. Sauvel, citado por Chaim Perelman, num artigo denominado “Histoire du jugement motivé”, considera que “motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. É, deste modo, obrigar quem a toma a tê-las. É afastar toda a arbitrariedade. Somente graças á motivação aquele que perdeu um processo sabe como e porquê. A motivação convida-o a compreender a sentença e não o deixa entregar-se por muito tempo a amargo prazer de “maldizer os juízes”. [[5]] É ainda este autor quem, impressivamente, incute a ideia de que “a sentença motivada substitui a afirmação por um raciocínio e o simples exercício de autoridade por uma tentativa de persuasão. Desempenha, desta forma, no que poderíamos chamar de equilíbrio jurídico e moral do país, um papel absolutamente necessário”. Através da motivação judiciária associa-se a demonstração e a justificação das decisões judiciais, “afirmando-se um lugar onde para usarmos a terminologia de Robert Alexy, se exprime a justificação interna da decisão ou da justeza do dispositivo da aplicação do direito, de feição demonstrativa, e a justificação externa da decisão, justificação propriamente dita dos motivos que determinaram as escolhas, de feição mais argumentativa e que constitui o paradigma de fundamentação de fundamentação em Filosofia”. [[6]] “A justificação judicial pode, portanto, cumprir outras funções: “Trata-se de tratar um ser humano racionalmente, isto é, como um ser racional, explicando a ele, através das razões porque se pode chegar a uma decisão que afecta adversamente os seus interesses. O próprio Luhman considera necessário “que os não participantes cheguem a uma convicção de que nada de estranho está acontecendo, de que a verdade e a justiça estão sendo estabelecidos com esforço sério, sincero e árduo e que eles também, se for necessário, terão assegurado os seus direitos pelo recurso a esta instituição”. [[7]] A motivação é informada, ou perpassada, por um princípio basilar, qual seja o da completude. Finca-se este princípio na necessidade de uma justificação cabal de todas as razões que determinaram a valoração (lógico-racional), tanto de facto como de direito, em que o Juiz se escorou para conferir determinada opção ou eleição decisória. No ensino de Michele Taruffo o princípio da completude comporta duas implicações. “[A] primeira implicação é que a motivação completa deve incluir tanto a chamada justificação interna, que atende à conexão lógica entre premissas de Direito e premissa de facto (a chamada subsunção do facto à norma) que sustenta a decisão final, como a justificação externa, quer dizer, a justificação das eleições das premissas das quais deriva a decisão final. A justificação externa da premissa de facto da decisão concerne às razões pelas quais o juiz reconstruiu e determinou de uma dada maneira os factos da causa: estas razões referem-se, essencialmente, às provas das quais o juiz se serviu para decidir acerca da verdade ou falsidade dos factos.” [[10]] No entanto, como adverte este autor, torna-se necessário eliminar um equívoco, consistente em considerar que a motivação é uma espécie de registo do razoamento que o juiz desenvolveu para chegar à decisão. “[P]elo que respeita à motivação do juízo de facto, a motivação seria então uma espécie de narrativa (recuento) do que o juiz havia pensado ao praticar as provas, ao valorá-las e ao derivar delas a decisão final. Trata-se de uma concepção errada: há que distinguir entre o razoamento com que o juiz chegou a uma decisão e o razoamento com que o juiz a justifica. O primeiro razoamento tem um carácter heurístico, procede por hipóteses verificadas e falseadas, inclui inferências abdutivas e articula-se numa sequência de eleições até à eleição final sobre a verdade ou falsidade dos factos. A motivação da decisão consiste num razoamento justificado que - por assim dizer - pressupõe a decisão e está dirigida a mostrar que há «boas razões» e argumentos logicamente correctos, para a considerar válida e aceitável. Naturalmente, pode suceder que haja pontos de contacto entre as duas fases do razoamento do Juiz: o juiz que sabe que deve motivar estará induzido a razoar correctamente ainda quando está valorando as provas e formulando a decisão. O mesmo juiz ao redactar a motivação, poderá completar argumentos e inferências que formulou ao valorar as provas e ao configurar a decisão final. Isto não demonstra, sem embargo, que as duas fases de razoamento do juiz tenham a mesma estrutura e a mesma função, nem muito menos que uma possa considerar-se como uma espécie de reprodução da outra,” [[11]/[12]] Assim é que, por exemplo, quando um tribunal procede à reapreciação da decisão de facto deve motivar a sua decisão, conformando e satisfazendo a exigência constitucional imposta aqueles a quem a lei confere o poder de administrar a justiça, e como forma de esse poder aparecer aos olhos dos destinatários de veredicto judiciário legitimado e reconhecido pela racionalidade e vinculação a valores de justiça e não por assumir decisões fundadas na discricionariedade, na irrazoabilidade e no arbítrio. Os destinatários da decisão, porque, de ordinário, são por ela afectados na sua esfera de interesses, devem poder conhecer as razões e motivos porque o tribunal assumiu, ou elegeu, uma determinada opção em detrimento de outra. A realização de um juízo de justiça deve, assim, ser suportada pelo razoamento e pela explicitação dos motivos e razões que determinaram um órgão investidos do poder de julgar opcionou num determinado sentido factual e/ou jurídico. E isto, como se deixou aflorado deve ser assumido tanto na sua vertente endoprocessual como extraprocessual, confirmando desta forma uma das funções determinantes da acção jurisdicional na legitimação interna e externa do processo. [[13]] Entre os aspectos determinantes da função extraprocessual da motivação, Michele Taruffo assinala a instrumentalidade que caracteriza a obrigação constitucional da motivação “[c]om respeito às garantias fundamentais relativas á administração da Justiça: é mediante a motivação, com efeito, que se torna possível controlar se em cada caso se cumpriram efectivamente princípios como o da legalidade ou os atinentes ao “devido processo”. “Outro aspecto relevante de la función de la motivación, que está en el lundamenta de su obligatoriedad, es que induce al juez a demostrar, justificando su decisión, que hay razones válidas para considerar la decisión misma como coherente con el sistema jurídico en el que se inserta. En este sentido, la motivación desarrolla una función de legitimación de la decisión, em cuanto muestra que responde a critérios que guían el ordenamiento y gobiernan la muestra la actividad del juez”. [[14]] Discorrendo sobre a natureza da motivação este autor assevera que não será correcta a ideia que parece querer impor-se de que o juiz deveria reproduzir o percurso lógico e psicológico da decisão que tomou “[a] a decisão estaria motivada sobre a base de uma espécie de explicação, quer dizer sobre a base de momentos e passagens mediante os quais a decisão se foi formando na mente do juiz”. “Este modo de entender la motivación como un discurso que desenhe la formación de la decisión está bastante difundido pero es impropio y está sustancialmente equivocado por varias razones que se pueden indicar sinteticamente.” [[15]] A primeira é que a psicologia da decisão e a estrutura da sentença não são coisas qualitativamente diferentes e deve ser evitada a confusão entre elas. Por outro lado parece óbvia a impossibilidade de, para o juiz, redactar uma espécie de registo ou reconto das suas próprias passagens mentais para explicar como chegou á decisão: “[el] procedimiento mental del juez se desarrolla em vários momentos en el curso del proceso, y sóIo al flnal lleva a cabo la decisión final.” “En otros términos lo que se exige al juez cuando se le impone la obligación de motivación, es suministrar una justificación racional de su decisión, es decir, desarrollar un conjunto de argumentaciones que hagan que su decisión resulte justificada sobre la base de critérios y estándares intersubjetivos de razonamiento. Si se acoge, como parece necesario, la concepción «legalracional» de la justicia, em los términos que han sido establecidos claramente por ejemplo, por Jerzy WROBLEWSKI con referencia a ordenamientos que – como el nuestro – están marcados por el principio de la legalidad, resulta evidente que la motivación de la sentencia consiste precisamente en un discurso justificativo en el que el juez enuncia y desarrolla las «buenas razones» que fundamentan la legitimidad e la racionalidad de la decisón”. [[16]] Arrancando destes ensinamentos, o juiz que reaprecia a prova, em via de recurso, deve “[S]iempre y cuando eI juez haya motivado su razonamiento probatório, el juez ad quem podrá revisar las declaraciones prestadas por los sujetos del proceso, y comprobar que efectivamente eran coherentes, estaban corroboradas, contextualizadas y no contenían detalles oportunistas, siempre que cada uno de esos aspectos sea relevante en el caso concreto, […] El juez de apelación, finalmente, puede hacer algo más que descubrir los errores en el razonamiento probatório de la forma indicada. También puede, a raiz del descubrimiento de dichos errores, valorar conjuntamente toda la prueba practicada y extraer una versión diferente a la afirmada por el juez a quo.” [[17]] Já quanto ao razoamento necessário e institucionalmente validante de uma decisão judicial este Mestre processualista italiano refere que o razoamento do juiz – para aqueles que, como ele, inculcavam à fundamentação (motivação da decisão judicial) uma distinção entre razoamento decisório e razoamento justificativo – se devia desdobrar em dois planos, pois “uma coisa é o procedimento através do qual o juiz chega a formular a decisão final, mediante uma concatenação de eleições, de hipóteses constatadas como falsas ou confirmadas, de mutações que intervêm no curso do processo, de elaborações e valorações que desembocam na decisão final; e outra coisa é o razoamento com o qual o juiz, após haver formulado a decisão final, organiza um razoamento justificativo no qual expõe as «boas razões» em função das quais a sua decisão deveria ser aceitada como válida e compatível.” Refere o autor que esta distinção e forma de enquadrar o razoamento judicial, se equivale ao context of discovery: “que tinha características estruturais próprias: articula-se no tempo, implica a síntese de diversos factores, procede através de abduções e de trial and error, percorre caminhos que logo são abandonados, inclui a influencia de factores psicológicos e ideológicos, implica juízos de valor, e pode inclusivamente compreender a participação de várias pessoas, como ocorre em todas as hipóteses nas quais a decisão é tomada por um colégio de juízes.” Por outra parte o equivalente do context of justification apresentar-se-ia como sendo verdadeiramente como a motivação da sentença. Esta motivação configurar-se-ia como sendo aquela que surge quando a fase decisória já está esgotada e a decisão final já foi assumida “não tem a função de formular eleições, mas sim mostrar que as eleições que se realizaram foram «boas»; tem uma estrutura argumentativa e não heurística; tem uma função justificativa ; é um discurso – e, portanto uma entidade linguística – e não um iter psicológico; funda-se em argumentos com valência tendencialmente intersubjectivo; está estruturada logicamente: pode incluir inferências dedutivas e indutivas, mas não de abdução, e assim sucessivamente.” [[18]] Se não se pode saber com o juiz tomou uma decisão, ou seja quais são «as razões reais» pelas quais o juiz elegeu um determinado vector decisório e logo o assumiu como decisão (definitiva), poderá sempre ficar-se a saber quais as «boas razões» que justificam a decisão tomada, se a justificação que for assumida lograr uma concatenação lógico-racional que permita ao destinatário percepcionar e compreender, de forma inteligível, clara e válida que as «boas razões» que estiveram na base e por detrás da decisão tomada se articulam num contexto de sentido racional aceitável e admissível à luz de valorações e princípios comummente aceites pelo substrato ideológico prevalente num determinado e dado contexto societário. A motivação (justificativa) deve ser entendida, no ensino do Mestre que vimos citando, “como um discurso elaborado pelo juiz com o intento de tornar evidente (“volver manifesto”) um conjunto de significados: isso significa, para além disso, que a motivação deve ser configurada como um instrumento de comunicação que se insere (“inserta”) num procedimento comunicativo, que tem a sua origem no juiz e que está encaminhado para informar as partes, e também ao público em geral, aquilo que o juiz pretende expressar.” “A motivação não deve ser vista como um todo unitário e homogéneo, mas sim como um conjunto de entidades que, sob certos aspectos, são heterogéneos entre si: tratando-se de um discurso, entendido com um conjunto de proposições, poder-se-ia definir a motivação como o conjunto de signos linguísticos, quer dizer, como um signo complexo, dependendo do que se queira evidenciar a variedade das suas componentes, ou ainda a sua inserção (“ubicación”) num mesmo conjunto” [[19]] Quando falte, ou contenha de forma não suficientemente explicita, compreensível ou perceptível, qualquer uma das exigências fundantes da estruturação e composição da sentença, a decisão proferida não cumpre o fim para que tende na sua necessária relação comunicacional com os destinatários, a saber os sujeitos processuais, em primeira linha, e o público ou a comunidade em geral, em derradeira função da administração da Justiça. [[22]] De forma apodíctica, a fundamentação deve servir, no dizer de Chaïm Perelman, para convencer os destinatários do veredicto do órgão decisório da coerência interna do raciocínio lógico seguido pelo julgador no processo de formação da sua convicção e na justificação do ato decisório que desse processo emana, tendo em linha de conta a vivência normal dos indivíduos numa determinada sociedade, histórico-socialmente situada e as regras de direito aplicáveis ao caso. Ainda para este autor, in Lógica Jurídica, Martins Fontes, S. Paulo, p. 238, “as decisões de justiça devem satisfazer três auditórios diferentes, de um lado as partes em litigio, a seguir, os profissionais do foro e, por fim, a opinião pública, que se manifestará pela imprensa e pelas reacções legislativas ás decisões dos tribunais”. Ainda para este autor “motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. É, deste modo, obrigar quem a toma a tê-las. É afastar toda a arbitrariedade”.[[23]] “O dever de fundamentação cumpre, no essencial, a ideia de que o tribunal “administra a Justiça”, tal qual ela se deve precipitar, concretamente, num certo juízo jurisdicional. O que significa que, no concreto juízo jurisdicional, deve estar suficientemente demonstrado que a decisão final tomou em devida consideração todos os argumentos (de facto e de direito) aduzidos pelas “partes” na audiência de julgamento (o que, no nosso processo penal, significa uma decisão fundamentada quanto ao que “resta” de um conflito penal. Assim, este dever de demonstração implica (agora para o processo penal), a possibilidade de reconhecimento de que o concreto juízo jurisdicional corresponde a uma decisão sobre todas as questões cuja apreciação foi solicitada ao tribunal, por parte os sujeitos processuais”, [[24]] “o dever de fundamentação cumpre, no caso de decisão condenatória, não só uma função de garantia perante o arguido (a de que este é condenado, por um juízo que demonstre, através de uma fundamentação, que foram tomados em consideração todos os contributos – as suas declarações e os meios de prova que apresentou), mas representa também a garantia “institucional” de uma condenação que não deixa margem para quaisquer dúvidas, por tal forma que a concreta decisão se afirme como “aceitável” nas suas premissas de facto e de direito”. [[25]] Na sequência do que entende por dever de fundamentação e dever de motivação, este autor escreve, mais adiante que “o dever de motivação cessa necessariamente onde esteja em causa o princípio da livre apreciação da prova – ou, talvez melhor de livre apreciação das provas. Este aspecto merece alguma atenção, pois que, o dever de motivação levado a extremos, pode implicar a reconsideração do princípio de livre apreciação das provas. Se, de facto, ao tribunal compete necessariamente dar conta das provas decisivas para a decisão (o que, por si, é já um limite à tradicional consideração do princípio da livre apreciação), exigir-se uma motivação profunda que conduza a uma espécie de discurso justificativo sobre toda as operações mentais que levaram o tribunal a dar um “facto” como provado, para além de deparar com dificuldades inerentes à composição dos tribunais colegiais e à sua forma de deliberação, poderia transformar o tribunal de recurso – quando o recurso fosse pensado a partir de uma efectiva “motivação” – num “substitutivo” do sistema de provas legais (por tal forma que o tribunal de recurso fizesse, ele próprio, uma valoração da prova, acabando, ao invés de censurar a decisão, por proceder a um juízo, mas com inversão das regras de audiência de julgamento) ou, então, numa espécie de juízo por parâmetros. Aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar, é a violação de todo o conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação das provas (que limitam o arbítrio na sua apreciação), exactamente: as regras [[26]] de experiência comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio da presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto isenta de qualquer referência a características pessoais do arguido”. Será, pois, nestes precisos limites que o dever de fundamentação se deverá expressar e não já, como parece querer exigir o recorrente, entrar na intima ou interior convicção do julgador, seja ela medida ou aferida por esquemas mentais explorados por Habermas ou Florescu, [[27]] seja mesmo pela exigência de escandir e pontualizar todos os momentos psicológicos que intervieram na formação da convicção. O processo de formação da convicção não é um processo linear e passível de ser descrito sem intervenção e apelo a soluções exteriores, porque interiormente acumuladas com o saber e a experiência de quem decide, sendo passível de serem encontradas fissuras ou descompensações intelectivas que, contudo não podem abalar a compreensão de quem analisa e textualiza a explicação critica apresentada numa decisão. O processo de formação de um juízo de probabilidade acima de uma dúvida razoável e cerca da certeza histórica constitui-se como um proceder entretecido e entramado de pontos essenciais, que congraçados com alguns outros de menor densidade real/material, se concitam num núcleo mental arrimado a uma realidade histórica que se nos prefigura como plausível e adequada ao acontecer histórico normal e comum. A falta de fundamentação não se confunde, ou não pode ter a mesma dimensão compreensiva, da falta de convencimento que essa fundamentação opera no destinatário. Para este a fundamentação pode não ser suficiente para os fins que prossegue e que anela da decisão do órgão jurisdicional, mas esta perspectiva não pode obumbrar o fim constitucional do dever de fundamentação enquanto dever geral e comum de percepção do sentido das decisões por todos aqueles que delas tomem conhecimento ou que delas sejam destinatários. Se visitarmos a decisão recorrida, constataremos que a convicção do tribunal foi exposta por remissão. (“O acervo factual que vimos de expender supra resulta da análise do teor dos elementos documentais carreados para estes autos, e por estes devidamente corroborado. Assim, a prova dos factos teve por base os referenciados nos acórdãos acima mencionados, designadamente as informações e acórdãos proferidos, dos presentes autos a fls. 303 e ss, 341 e ss, 355 e ss, 369 e ss, 420 e ss e 473 e ss, mormente no que concerne à factualidade aí descrita quanto aos crimes cometidos e penas aplicadas. Quanto à situação pessoal e social do arguido atendeu-se ao relatório social junto aos autos, a fls. 465. No que concerne aos restantes antecedentes criminais do arguido valorou-se o CRC junto a fls. 400 a 408.”) Tal como o próprio recorrente concede, a sentença que procede à operação de composição de um cúmulo jurídico de penas parcelarmente impostas noutras processos e justificadas nas respectivas sentenças, ainda que não possa deixar de manter uma estrutura similar à que se encontra delineada no artigo 374º do Código Processo Civil, pode, pela remissão referenciada a que procede, na exposição da factualidade em que se funda, deixar de efectuar uma motivação pormenorizada e analítica de todas as circunstâncias que irão formar a convicção do tribunal. Na sentença que procede ao cúmulo de penas parcelares – e a sentença que a tal procede não tem outro fim que não seja a formação/composição de uma pena unitária – o tribunal deve ater-se a dois factores axiais (a) os factos; (b) a personalidade do agente. Não tem o tribunal que ponderar, por exemplo, as motivações para a prática do crime, as circunstâncias anteriores e posteriores que engolfaram a ambiência pessoal e material do crime, o grau de culpa do agente e a incidência de ilicitude que se reverbera do injusto consumado. Todos estes factores que intervêm na escolha, determinação e individualização da pena, já obtiveram ponderação nas sentenças que impuseram as penas parcelares e determinaram a medida da pena. A formação da pena conjunta, na medida em que congraça e aglutina as penas parcelares inoculará todos estes factores por absorção, ou integração concentrada, e assimila-os quando pondera a factualidade conjunta e a personalidade do agente. Decorre do que se deixa asserido que numa sentença para composição/formação do cúmulo jurídico de penas, a exigência de fundamentação recolhe em sentido distinto, na sua estruturação e configuração expositiva. Vale dizer, que a fundamentação neste tipo de sentenças fica preenchida e satisfeita com uma explicitação (sucinta e resumida) dos factos sacados das decisões que aplicaram as penas parcelares e com uma referência à personalidade do agente. No caso que nos ocupa, o tribunal numa prática que não se nos afigura passível de ser subscrita e sufragada pela exigência legal adrede, procedeu à remissão das referências á personalidade do agente para o relatório social que se encontra junto a fls. 465. A prática não recolhe aplauso nem merece figurar num exemplo de decisão – tal com a lei actual a exige – mas não pode daí trasladar-se para uma omissão ou deficiência (invalidade) da sentença. O tribunal deveria ter procedido a uma síntese/resumo das conclusões do relatório social e com esse diminuto esforço teria cumprido, de forma cabal, a exigência estipulada na lei. Não o tendo feito não será a sentença invalidada, mas, como se disse, não deixa de ser criticada. A justificação/razoamento adiantado pelo tribunal, embora parcimoniosa, mostra-se suficiente e arrimada ao fim fundamentador da decisão no concernente aos requisitos exigidos na lei, nos termos que atrás se deixaram explicitados. O tribunal, ainda que possa e deva, na sua função explicitadora – dada a função de completude atrás aludida – verter na decisão todos os elementos de que se serviu para formar o seu juízo, ao fazê-lo por remissão, cumpre de forma zaranza a exigência legal, mas não de modo a torná-la absolutamente incapaz para o fim a que se destina. II.b). – VÍCIO DE ERRO DA SENTENÇA POR CONTRADIÇÃO INSANÁVEL. Para o recorrente, o tribunal incorreu num vicio de julgamento ao ditar um aresto que contém na sua estrutura fundante uma contradição insanável – que não explicita, descreve ou pontua, nem identifica no texto da decisão – cfr. item 24º das conclusões extractadas. A jurisprudência tem vindo a vessar doutrina no sentido de que (sic): “(…) o recurso para o Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame das questões de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2 do CPP. Assim, relembrando conceitos por demais sedimentados, em relação ao invocado vício da sentença, importa precisar que o C.P.P. de 1987 trata os vícios previstos no artigo 410 nº2 do Código Penal como vícios da decisão, e não de julgamento. Nesta disposição estamos em face de vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal, concretamente á exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal. Consubstancia-se aquele recurso numa revista ampliada, configurando a possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária á exposta pelo tribunal.” [[28]] Ainda assim, sempre se dirá que os vícios decisórios elencados no artigo 410.º, n.º 2 do CPP são “vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei” [[29]], os quais devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte da decisão. [[30]] Existe contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, nos termos previstos na alínea b) do citado normativo, quando do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, se verifica incompatibilidade inultrapassável entre os factos provados (quando se consideram como provados dois factos contraditórios), entre os factos provados e os não provados (o mesmo facto é, simultaneamente, considerado provado e não provado), entre a fundamentação e a decisão (quando, após a realização de um raciocínio lógico, se conclui que a fundamentação conduz a uma decisão contrária à que foi tomada, ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, a decisão não fica suficientemente esclarecida pois que os fundamentos invocados são incompatíveis entre si). [[31]] De forma lapidar, escreveu-se no douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça datado de 3.10.2007, proferido no processo nº 07P1779:“A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito. A contradição e a não conciliabilidade tem, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos. […] O “erro notório na apreciação da prova” constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum”. Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta. Em síntese de definição, estes são os elementos que hão-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício (cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, no BMJ nºs. 476, pág. 82; 477, pág, 338; 478, pág. 113; 479, pág. 439,494, pág. 207 e 496, pág. 169). O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência. Não basta, porém, que numa dada situação se verifique que os factos, considerados na singularidade das suas correlações imediatamente físicas e naturais, e no domínio da possibilidade material ou das projecções de vontade, não suscitem reparos. Esta verificação não é bastante para afirmar a integridade do processo racional e lógico de formação da convicção sobre os factos e, por conseguinte, também da inexistência de «erro» na apreciação da prova. Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão. A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). – cfr., v. g., o acórdão deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc. 3213/03”. Do que se trata, no caso do último dos apontados vícios, é de detectar uma antinomia endógena à estrutura da decisão que torne conflituantes a argumentação de facto ou de direito explanada na parte fundamentadora da decisão com o veredicto que o tribunal assumiu no dispositivo decisório. No silogismo que é mister constituir-se entre as partes fundamentadora da sentença e o dispositivo, a contradição do operar lógico evidencia uma refracção no plano lógico-dedutivo que desconecta o sentido racional do julgado. As premissas enunciativas deixam de exercer o seu papel denotador da decisão para figurarem como desvirtuadoras do processo de formação lógico-racional conclusivo. A contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, tanto pode ocorrer entre a fundamentação de facto, em si, como entre esta e a fundamentação de direito ou entre esta mesma fundamentação, ou, ainda, entre todas, e cada uma, destas posições antinómicas e a decisão a que se chegou. Os vícios da decisão resultam, inescapávelmente, tão só do contexto narrativo em que se inerem, vale dizer do texto decisório. A contradição que se detecte na exposição ou narração a que se procede, tanto pode ocorrer entre a fundamentação de facto, em si, como entre esta e a fundamentação de direito ou entre esta mesma fundamentação, ou, ainda, entre todas, e cada uma. No cerne da predisposição do primeiro dos apontados vícios, encastoa-se uma antinomia endógena à estrutura da decisão que torna conflituantes a argumentação de facto ou de direito explanada na parte fundamentadora da decisão com o veredicto que o tribunal assumiu no dispositivo decisório. No silogismo que é mister constituir-se entre as partes fundamentadora da sentença e o dispositivo, a contradição do operar lógico evidencia uma refracção no plano lógico-dedutivo que desconecta o sentido racional do julgado. As premissas enunciativas deixam de exercer o seu papel denotador da decisão para figurarem como desvirtuadoras do processo de formação lógico-racional conclusivo. [[32]] No excurso que fizemos pela doutrina e jurisprudência procuramos argumentar contra a tendência que surpreendemos na maior parte dos pedidos de correcção das decisões sob impugnação de, ao invés de se demonstrar e evidenciar a contradição patente no texto da decisão, para justificar a alegação do vicio com que pretendem obter o sucesso da sua pretensão, os recorrentes terem, de ordinário, a tentação de se substituir ao tribunal no julgamento e confrontarem a sua apreensão e inteligibilidade probatória com aquela que o tribunal operou. A interpretação da realidade histórico-social e dos comportamentos humanos poderá, no limite, revestir tantas conotações quantos os sujeitos activos interpretantes do fenómeno ou situação humana e social em exame. A história do escravo índio contada por John Wilkins, no início do seu “Mercury, Or the Secret and Swift Messenger”, com que Umberto Eco abre a sua obra “Os limites da Interpretação”, é ilustrativa do sentido e compreensão que pode estar contida numa determinada mensagem e de como ela pode adquirir interpretações absolutamente díspares. “Los conocimientos sobre la selectividad de la perccepción de los datos y sobre la “subjectividad de la comprensión” han dado lugar a dudar sobre la veracidad, sobre el carácter vinculante de la elaboración jurídica de los casos. La comprensión jurídica general y la particular de cada jurista en concreto vienen guiadas no solamente por las facultades de comprensión generalmente aceptadas y, por ello, vinculantes para todos, sino también por los pré-juicios y las diferentes rutinas,y, del mismo modo, éstos guian la solución de los respectivos casos. Qual es el caso “verdadero”? É o que pergunta Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, Bosch, Barcelona, 1984, p. 184. Para infra intentar fornecer a resposta, conferindo o significado á expressão “verdade”. Para este autor (a tradução é nossas) “Não obstante, a obtenção da verdade como meta da fase de produção do caso em processo penal não deve situar-se num lugar tão inalcançável. A expressão “verdade” poderia significar, mais modestamente, que o caso produzido é o caso verdadeiro quando contém os dados relevantes e se encontram entre si numa relação completa e correcta. Um conceito de verdade como o exposto admitiria a intersubjectividade, a selectividade, os pré-juízos e as diferentes rotinas e não clamaria obstinadamente (“tozudamente”) pela “objectividade”. Em direito processual penal, exige-se aos juízes somente “a livre convicção” e não “hipóteses cientificamente comprovadas”.[33] Depois de pervagar, a propósito da essência da compreensão da produção da caso, onde analisa os princípios da imediação, da oralidade, da legalidade, do acusatório e da presunção da inocência, este autor afirma que “a teoria hermenêutica do direito exige transparência da compreensão textual. Quem interpreta e aplica a lei deve informar sobre os seus fundamentos e explicar a sua decisão para que os demais possam compreendê-la e, no seu caso, intervir (particularmente aqueles que são afectadas por ela); só assim será possível que a justiça, em cuja s mãos recai o “poder de definição” sobre o conteúdo das leis, transmita a sua decisão à comunidade e que esta tenha conhecimento da mesma e das demais reacções argumentativas que tenham tido lugar”. [[34]] Na decisão recorrida não se surpreendem quaisquer divergências, ou antinomias, que confrontem razoamentos antípodas ou desconformados. Nem o recorrente os apontou nem este tribunal os detectou pelo que se julga inviável o apontado vício. II.c). – VÍCIO DE ERRO DA SENTENÇA POR ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA. Tal como já fizera para o vício apreciado no apartado antecedente, o recorrente aponta à decisão o vício de erro notório na apreciação da prova. Poder-nos-íamos limitar a sacudir a questão com a proclamação da inexistência deste erro, mas o respeito – que parece não colher reciprocidade da parte do recorrente pelo tribunal de recurso – pela obediência à cognoscibilidade de todas as questões colocadas à apreciação no recurso, leva-nos a conhecer da questão, ainda que de forma perfunctória. O erro notório de apreciação da prova, não é demais dizê-lo, só pode ser conhecido pelo tribunal de recurso, se, ou desde que,” o vício resulte do texto da decisão recorrida”. Vale por dizer que a ilogicidade e a desconformidade das asserções que sustentam a decisão nos seus pressupostos factuais e de direito e o seu desconchavo com a realidade vivencial comum tem de reverberar do conteúdo literal da decisão sob impugnação. Não se podem esgrimir argumentos opinativos quanto ao julgamento de facto a que o tribunal chegou e que verteu no texto da decisão, nem criticar o processo formativo cognitivo – racional que arrimou uma tal ou qual apreciação factual ou valoração probatória, a menos que eles sejam cruciantes para o senso comum, et pour cause, o tornem inane para validação do acto de julgamento efectuado. É consabido que na sentença o tribunal procede à reconstituição e interpretação de factos históricos, procedendo, depois, à sua integração e valoração á luz de normas jurídicas preexistentes, para logo ditar uma decisão. Neste proceder/refazer histórico, o tribunal socorre-se de regras de experiência e de métodos lógico-racionais que possibilitam demonstrar a verosimilhança da situação reconstituída com o real acontecido. [[38]] O erro notório de apreciação da prova, só pode ser conhecido pelo tribunal de recurso, se, ou desde que, “o vício resulte do texto da decisão recorrida”. Vale por dizer que a ilogicidade e a desconformidade das asserções que sustentam a decisão nos seus pressupostos factuais e de direito e o seu desconchavo com a realidade vivencial comum tem de reverberar do conteúdo literal da decisão sob impugnação. Não se podem esgrimir argumentos opinativos quanto ao julgamento de facto a que o tribunal chegou e que verteu no texto da decisão, nem criticar o processo formativo cognitivo - racional que arrimou uma tal ou qual apreciação factual ou valoração probatória, a menos que eles sejam cruciantes para o senso comum, et pour cause, o tornem inane para validação do acto de julgamento efectuado. O erro notório constitui-se como evidência ilógica ou como uma aporia insustentável na realidade fáctica donde o facto patenteado é inferido. Aplicando os ensinamentos contidos no item “ logicismo” da “Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos”, de João Branquinho e Desidério Murcho, pag. 461 e segs. poder-se-ia sintetizar a ideia de ilogicidade na impossibilidade de constatação da inferência das premissas que contêm as proposições invariáveis e para demonstração explicativa da realidade que se pretende apresentar como existente. A verificação ou constatação de uma inescapável antinomia entre os pressupostos de um esquema proposicional irrefutável ou tido como vivencialmente adquirido e a inferência que se ostenta constitui um erro de construção lógico-racional que invalida a aceitação do concluído como verdadeiro e socialmente aceitável. “Os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP titulam a presença do ilógico numa peça processual onde deve predominar a harmonia e a coerência, e põem a descoberto, relevando pela negativa, o absurdo que representaria esse ilogismo na sentença, que se há-de detectar sem esforço de análise, pelo texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos estranhos a ela, sendo tais vícios de conhecimento e declaração oficiosos. IX – O erro notório na apreciação da prova leva a uma conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum, desconhecedor dos meandros jurídicos, notado sem qualquer esforço.” [[39]] Não ocorre o apregoado erro notório, antes, e como se procurou demonstrar, o raciocínio que conduziu à decisão se mostra inconcusso e atinado a um razoar lógico dedutivo e condizente com as regras de experiência comum. II.d). – MEDIDA DA PENA. PENA CONJUNTA. II.d).1. – INCLUSÃO NA PENA CONJUNTA DE UMA PENA PARCELAR. Conclama o recorrente pela inclusão na operação de composição/formação de pena conjunta, da pena de 1 ano e 5 meses que lhe foi imposta no processo 321/14.579BRG,que terá corrido termos pela secção criminal J1, da Instância local da guarda, cuja sentença terá transitado em 19 de Dezembro de 1916. O Ministério Publico junto do tribunal recorrido, reagiu à omissão em forma expositiva tabelar e explicando que (sic): “Como resulta de fls. 328, em 18.01.2017, foi proferido um despacho, notificado ao arguido a fls. 336, pelo qual o Tribunal indicou os processos a integrar o cúmulo jurídico de penas a realizar, por referência à promoção do Ministério Público constante de fls. 326. O arguido, a tal despacho, não reagiu. Ainda antes da audiência a que alude o art. 477.º do CPP, o Tribunal fez juntar aos autos o CRC do arguido, obtido em 30.01.2017 e junto de fls. 408 e ss, do qual não consta a aludida condenação, tendo sido esse CRC que foi levado em conta para a decisão como resulta da respectiva motivação. Em 09.03.2017, data em que se realizou a audiência de cúmulo jurídico (cf. acta de fls. 471), o arguido nada requereu relativamente àquela condenação, designadamente a obtenção da certidão com nota de trânsito em julgado. No entanto, e ainda que o tivesse feito, a verdade é que se conclui, face aos elementos entretanto juntos aos autos (cfr. certidão junta a fls. 559 e ss), essa condenação não se encontra no mesmo ciclo de penas do cúmulo jurídico realizado, devendo ser cumprida sucessivamente. Na verdade, o arguido sofreu as seguintes condenações:
Da análise da tabela resulta o seguinte: O primeiro juízo de censura efectuado ao arguido ocorre em 22.04.2003, sendo que até essa data o arguido apenas tinha cometido os factos subjacentes a esse mesmo processo (C1). O segundo juízo de censura ocorre em 25.06.2008 sendo que, até essa data, o arguido tinha cometido os factos subjacentes ao processo 3/08.7PTBRG e os do processo 929/07.5GCBRG (C2). O terceiro juízo de censura ocorre em 11.01.2010 sendo que, até essa data, o arguido tinha cometido os factos subjacentes ao processo 2481/08.5PBBRG (C3). O quarto juízo de censura ocorre em 22.05.2014 sendo que, até essa data, o arguido tinha cometido os factos subjacentes aos processos 2183/13.0JABRG, 129/13.5JBLSB, 2099/13.0PBBRG, 1982/13.8JAPRT, 2086/13.9JAPRT e 1934/13.8JAPRT (C4). Os factos subjacentes ao processo 321/14.5T9BRG foram cometidos em 27.06.2014, já não integrando este ciclo de penas, devendo a pena aplicada ser cumprida sucessivamente. O Acórdão recorrido cumulou as penas correspondentes ao 4.º ciclo, com exclusão da pena de multa aplicada no processo 2099/13.0PBBRG, uma vez que não existia qualquer outra da mesma natureza em tal ciclo, tendo já sido declarada extinta pelo cumprimento da correspondente prisão subsidiária. Em face disso, o Acórdão recorrido não merece censura por não ter englobado a pena sofrida pelo arguido no processo 321/14.5T9BRG, devendo nessa parte o recurso ser julgado improcedente.” Os elementos de facto e a diacronia processual desfiada pelo Ministério Público, no troço de contra-argumentação com que intenta contraminar a pretensão recursiva do recorrente, resulta que, aquando da realização da audiência de julgamento, não constava do processo o elemento preformativo da decisão que induzisse o tribunal a considerar a inclusão da pena imposta no processo referido pelo recorrente. Acresce que, como bem nota, e se mostra explicitado no quadro supra, os factos por que o arguido/recorrente foi condenado no processo nº 321/14.579BRG tiveram a sua consumação em data posterior ao trânsito em julgado da primeira condenação a ser considerada na cumulação superveniente a que se procedeu. (Uma vez que das condenações em causa a primeira transitar em julgado foi a do processo n.º 2183/13.0JAPRT, trânsito esse ocorrido em 22 de Maio de 2014, e os factos da condenação sofrida no processo n.º 321/14.5T9BRG são de 27 de Junho de 2014, ou seja, posteriores ao trânsito daquela condenação, é manifesto que não pode ser incluída no cúmulo jurídico.” A propósito do conhecimento da superveniência do concurso escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2013, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, que “no concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando – o retroactivamente (cfr. Ac. deste STJ, de 2.6.2004, CJ, STJ, II, 221). A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cfr. Prof. Lobo Moutinho, in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. Da Faculdade de Direito da UC, 2005, 1324). Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, de concluir é que o agente é punido, de certo que pelos individualmente praticados, mas não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290 - 292; cfr., ainda, os Acs deste STJ, in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06, este daquela data, levando –se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Sem discrepância tem sido pacífico o entendimento neste STJ de que o concurso de infracções não dispensa que as várias infracções tenham sido praticadas antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas, representando o trânsito em julgado uma “barreira excludente” (cfr. Ac. deste STJ, de 25.6.2009, P.º n.º 2890/01.9GBAB 6.E.S1) afastando-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária que englobando as cometidas até essa data se cumulem infracções praticadas depois deste trânsito. Cfr., neste sentido, os Acs. deste STJ , de 7.2.2002 , CJ , STJ , Ano X, TI, 202 e de 6.5.99 , proferido no P.º n.º 245/99 . O limite intransponível em caso de consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é, como dito, o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente; no caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras, devendo a decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto – cfr. Ac. deste STJ, de 17.3.2004, in CJ, STJ, I, 2004, 229 e segs. e de 15.3.2007, in Rec.º n.º 4796 /06 , da 5.ª Sec., de 11.10.2001, P.º n.º 1934/01 e de 17.1.2002 , P.º n.º 2739/01. Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta, contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência, latu sensu, é a doutrina do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 425, dando lugar a cúmulos separados e a pena executada separada e sucessivamente, neste sentido, também, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, pág. 247. Orientação diversa, de todas as penas ponderar, sem dicotomizar aquela situação, é a que se acolhe no chamado “cúmulo por arrastamento”, seguida em data anterior a 1997, mas hoje inteiramente rejeitada por este STJ , desde logo pelo Ac. de 4.12.97 , in CJ , STJ , V, III, 246, podendo, actualmente, reputar-se unânime o repúdio da tese do cúmulo reunindo indistintamente todas as penas, “por arrastamento”, assinalando-se que ele “aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência (Comentário de Vera Lúcia Raposo , RPCC , Ano 13.º , n.º 4 , pág. 592)”, abstraindo da conjugação dos art.ºs 78.º n.º 1 e 77.º n.º 1 , do CP . E as razões por que a pena aplicada depois do trânsito em julgado, à partida, não deve ser englobada no cúmulo, aplicando-se, antes, as regras da reincidência, resulta do facto de ao assim proceder o arguido revelar maior inconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia, deixando de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos e da personalidade, circunstância óbvia para afastar a benesse que representa o cúmulo, defende Vera Lúcia Raposo, in Rev. cit , págs 583 a 599; idem Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, 313 e Paulo Dá Mesquita, Concurso de Penas, pág. 45 e segs. Cfr., ainda, Ac. deste STJ, de 15.3.2007, P.º n.º 4797/06-5.ª Sec. O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes , meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade , tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias , op. cit . § 421. Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. E não tendo optado pela acumulação material fornece, por isso, um critério que considere os factos e a personalidade do agente no seu conjunto. A decisão de cúmulo proferida em julgamento, no tribunal da última condenação por ser aquele que melhor posicionado não se mostrando imperiosa a fundamentação alongada com exigência no art.º 374.º n.º 2, do CPP, pois se trata de valorar factos no seu conjunto e a personalidade do agente, mas nem por isso a decisão. Não valem, na fundamentação, enunciados genéricos, como a simples referência à tipologia da condenação, fórmulas tabelares, ou seja remissões para os factos comprovados e os crimes certificados, a lei, juízos conclusivos, premissas imprecisas, pois vigora no nosso direito o dever de fundamentar as decisões judiciais, mais extenso em dadas situações, de que é paradigmática a sentença, menos exigente noutras, mas ainda assim de conteúdo minimamente objectivado, permissivo da possibilidade de se alcançar a gravidade dos factos , numa óptica de conjunto, ou seja a imagem global respectiva , evidenciando a personalidade do agente, por forma a hipotizar-se, com um grau de probabilidade forte, se oferece condições de futura fidelidade à lei, de condução de vida de forma responsável, ou pelo contrário ostracizante, caso em que a prevenção de reincidência se apresenta mais ponderosa, exacerbando a medida da pena, em nome de necessidades acrescidas de ressocialização. Não se abdica de um raciocínio lógico-dedutivo, conducente ao conhecimento do processo cognitivo do julgador, por forma a controlar – se o decidido e a afirmar-se que não procede de simples capricho , à margem do irrazoável – art.ºs 97.º n.º 4 e 374.º n.º 2, do CPP – e que importa prevenir . Seria, na verdade, um trabalho inútil e exaustivo exigir a menção dos factos da cada uma das sentenças pertinentes a cada pena, de reportar ao cúmulo, mas será sempre desejável que se proceda a uma explicitação por súmula dos factos das condenações e bem assim os que se provem na audiência, que servirão de guia, de referencial, ao decidido, em ordem a caracterizar a personalidade, modo de vida e inserção do agente na sociedade, como se decidiu nos Acs. deste STJ , de 5.2.09, Rec.º n.º 107/09 -5.ª e de 21.5.09, Rec.º n.º 2218/05 .OGBABF.S1-3.ª. Imprescindível na valoração global dos factos para fins de determinação da pena de concurso, é, também, analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, a uma “carreira” ou tão só a uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, bem como aquele efeito já apontado da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit. § 421. A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa.” [[40]] Sendo, como está adquirido, a data do crime, por que o arguido/recorrente foi condenado no processo 321/14, posterior à data do trânsito da primeira condenação a pena imposta ao arguido nesse processo não deverá ser englobada no cúmulo jurídico a que se procedeu neste processo. Falece, pelas razões expostas, este fundamento da oposição oposta ao acórdão sob sindicância. II.d).2. – PENA CONJUNTA. Na procura teórico-dogmática a que procede para a legitimação e limites do Estado à escolha e determinação da pena, Claus Roxin, depois de passar em análise as diversas teorias – retribuição, prevenção geral e prevenção especial – que desde a época do Iluminismo têm vindo a procurar encontrar uma justificação para as penas, refere que o seu ponto de partida arranca de que o Direito Penal “se enfrenta al individuo de tres maneras: amenazando con, imponiendo e ejecutando penas” [[41]] e que essas três tarefas de actividade estatal necessitam de justificação cada uma em separado. Quando se pergunta o que pode proibir o legislador haveremos de ter em conta a natureza subsidiária do Direito Penal e reconhecer a este ramo do Direito a necessidade e de assegurar a vigência de valorações essenciais e modelares da comunidade, ou seja a defesa dos bens jurídicos que sobrelevam para uma vivência fundada e configurada pelos valores da pessoa humana. Os reconhecidos bens jurídicos, com a vida, a integridade corporal a liberdade de actuação ou a propriedade. Ao par destes bens jurídicos, o Estado tem igualmente necessidade de assegurar o cumprimento das chamadas prestações públicas “de las depende el individuo en el marco de la assistencia social por parte del Estado.” [[42]] Em síntese, refere o Autor que as cominações penais só estarão justificadas se têm em conta a dupla restrição que encerra o principio da protecção subsidiária dos bens jurídicos e prestações. Para a imposição [[43]]e medição da pena resume o Autor a sua posição com a sequente asserção. A imposição da pena serve para a protecção subsidiária e a preventiva, tanto geral como individual, de bens jurídicos e das prestações estatais, mediante um procedimento que salvaguarde a autonomia da personalidade e que ao ditar uma pena está limitado à medida da culpabilidade. Desta forma “se conserva el principio de prevenção geral, reduzido às exigências do Estado de Direito, y se completa con los componentes de prevención especial de la sentencia, pero que simultaneamente, mediante la función limitadora del concepto de liberdade e culpabilidad en consonancia con nuestra Ley Fundamental se borran los reparos que se oponem a que se tenga en cuenta aquel principio en el quantum de pena.” [[44]] Já para a execução da pena haverá que apelar a um sentido ressocializador que deve conlevar da autonomia da personalidade e de exigências de prevenção geral. [[45]] Numa síntese, “si quisiéramos perfilar en una frase el sentido y los limites del Derecho penal, podríamos caracterizar su missión como protección de bienes jurídicos y prestaciones de servicios estatales mediante prevención general y especial que salvaguarde la personalidad en el marco trazado por la medida de la culpabilidad individual. Se trata, si se me permite darle un nombre a esta concepción, de una teoria unificadora dialéctica, que hay que distinguir estrictamente, tanto metodologicamente como por su contenido, de las tradicionales teorias monistas, así como de la teoria dominante de la unificación por adición.” [[46]] Para este Autor [[47]/[48]], epígono da corrente penalista que defende que os fins das penas atinam com a denominada «prevenção da integração», o limite da pena deve ser aferido pela culpa. Na conclusão das suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior dessocialização. Em remate para este autor «la pena adecuada a la cupabiIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxin llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62). [[49]] Numa outra sistematização da teoria da pena, com intelectualmente se nos afigura mais aliciante, a pena é concebida com um instrumento para resolver as defraudações e expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira, “se trata de un tratamiento especifico de defraudaciones que consiste en demostrar a costa del defraudante que se mantiene la expectativa de comportamiento. La sanción expresa que no es incorrecta la expectativca de la sociedad, sin la acción o comunicación del sancionado y resuelve comunicativamente el conflicto mediante imputación de costes de resolución del mismo a un sujeto.” [[50]] A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica [[51]], enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente A pena terá, assim, que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação ao cometer o crime. Em decisivo, numa lapidar expressão, para este autor «la única meta que lle corresponde al Derecho Penal es garantizar la función orientadora de las normas jurídicas. La pena no persigue impresionar al penado ni a terceros para que se abstengan de cometer delitos. Trata solo de “ejercitar en la confianza de la norma” a la colectividad, para que todos sepan cuáles son sus expectativas, de “ejercitar en la fidelidad al Derecho”, y de “ejercitar en la acpetación de las consecuencias” en caso de infracción. Estos três efectos resumen en el de “ejercitar en el reconocimiento de la norma”.- op. loc. cit. pág. 58 e 59. Para o Autor que vimos seguindo, [[56]] ”a prestação que realiza o Direito Penal consiste em contradizer por sua vez a contradição das normas determinantes da identidade da sociedade”, “(…) nesta concepção a pena não é tão somente um meio para manter a identidade social, mas já constitui essa própria manutenção”. Do mesmo modo as novas teorias incoam a desafogar a ideia de que as penas resultam imprescindíveis para a manutenção da ordem protegida pelo Direito. “Esta função da pena, todavia (“empero”), e ao contrário da concepção habitual, de nenhum modo se refere somente á prevenção, quer dizer à evitacão de delitos futuros, mas, de modo muito mais geral, à ampla descarga que para cada um significa o asseguramento da ordem jurídica”. [[57]] “Naturalmente, uno de los cometidos que deben cumplir la amenaza de pena y la pena también es el de evitar delitos que un autor determinado o terceros indeterminados posiblemente habrian cometido de no haberlas. Pero la imposición de la vigência de normas elementales, en caso necesario, mediante la coacción, parece ser un factor francamente esencial del derecho, y el hacerlo en absoluto es un asunto exclusivo del Derecho penal” [[58]] Essencialmente a pena tem uma função de manutenção da confiança na ordem jurídica e na reconstituição afirmativa da normatividade violada “Lo que debe importar de la pena (…) es solamente su significado como «respuesta confirmatória de la norma» a la «afirmación contraria a la norma» implícita en el delito, es decir, su función simbólica”. “A pena é sempre reacção ante a infracção de uma norma. Mediante a reacção evidencia-se (se pone de manifesto) que há que observar a norma. E a reacção demonstrativa sempre tem lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por “à custa” entende-se neste contexto o perda de qualquer bem). (…) A pena há que defini-la positivamente: É uma mostra da vigência da norma á custa do responsável”. [[59]] “A decepção, o conflito e a exigência de uma reacção à infracção da norma, por isso, não podem interpretar-se como uma vivência do sistema individual “pessoa singular”, mas, outrossim, se há-de interpretar como sucessos no sistema de relação social”. “Missión de la pena es el mantenimiento de la norma como modelo de orientación para los contactos. Contenido (conteúdo) de la pena es una réplica, que tiene lugar a costa (à custa) del infractor, frente al cuestionamineto de la norma”. Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig escreve que: «El principio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito. Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206. Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43 De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44 Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. [[60]] Já para Hassemer «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” De todos os autores citados se retira a ideia de que a pena tem uma função preventiva, no sentido em que deve servir a manutenção das expectativas da comunidade na vigência das normas e actuam como factor de dissuasão do autor do facto violador da regra jurídica e demais conviventes sociais na necessidade de manter estável e vigente a validade orientadora do amplexo normativo que regula o tecido social. No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[61]] Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”.[62] “A determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”. Constata-se, assim, que no ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. [[63]] «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» [[64]]. Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. [[65]] Na jurisprudência, e a propósito dos fins das penas, da medida concreta da pena e do princípio da proporcionalidade, doutrinou o nosso mais Alto Tribunal em dois arestos que se deixam transcritos a seguir. “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) “O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). [[66]] Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, uma insubstituível tarefa mediadora e constitutiva. Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer [[67]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[68]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[69]] Num seminário sobre os fins das penas, [[70]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade, devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou ela forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode , portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[71]] Aceitando a opção legislativa recolhida do Código Penal – cfr. artigo 40º - de que “a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade”, afigura-se-nos que as penas parcelares determinadas pelo tribunal se compaginam com a culpabilidade do agente, e tomou na devida consideração (i) os motivos; (ii) a vida anterior à comissão do delito; e (iii) as circunstâncias pessoais do agente. A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal. “São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única: - prática de uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo); - que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” [[72]] Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” [[73]] (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” [[74]] Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global. Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB, ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare”[agravar]”. [[75]] No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares - refere o Autor que vimos seguindo que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) só; pois a valoração global de todos os facto puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.” No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”. O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. [[76]] “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente á pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar “) parece adequada em quantia de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional especifica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.” Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” [[77]] Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o Autor que vimos seguindo que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor a esta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.” Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” “O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.” Tendo o agente praticado uma pluralidade de infracções antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer delas, o tribunal impôs uma pena conjunta de dez (10) anos de prisão, para o que encontrou a seguinte fundamentação (sic): “Em face do disposto no art. 77.º do Código Penal e uma vez que estamos perante um concurso efectivo de crimes há que aplicar ao arguido uma pena conjunta Face ao disposto no art. 77.º, nº 2, do Código Penal, a moldura abstracta do concurso será de seis a doze anos de prisão. Assim, considerando os factos já referidos no seu conjunto e a personalidade do arguido, a sua condição pessoal e antecedentes criminais, bem como o contexto em que os factos ocorreram, a reiteração criminosa, com a violação de vários bens jurídicos diferentes e de bens jurídicos eminentemente pessoais, tendo ainda em conta que, para além de tratar de factos objectivamente graves, impressiona a sequência dos mesmos, que denota uma energia criminosa muito considerável – não esquecer que, por duas vezes, o arguido obrigou a queixosa a ingerir comprimidos, que a obrigou a lavar-se e a lavá-lo após os factos, que a deixou com os pés atados, antes de sair. A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. [[78]] No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena. Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição. O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta. Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes. A explanação dos fundamentos, que á luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal á formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática. Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade. Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões. Da aplicação do excurso produzido ao caso vertente ressalta desde logo a ideia de que no mesmo algo não converge com os princípios que devem presidir à elaboração do cúmulo jurídico. Na verdade, falamos dum apuramento global da responsabilidade criminal do arguido o qual tem como pressuposto o conhecimento da pluralidade de penas a que a sua actuação parcelar deu motivo e tal conhecimento, que será equacionado com a aferição duma culpa e ilicitude conjunta em função de razões de prevenção geral e especial, não se compadece com visões sectoriais que apenas se focam num segmento de tal responsabilidade. Se é aquele pedaço de vida que revela na sua força narrativa um percurso de vida e de vida no domínio do ilícito pergunta-se de qual é o interesse, ou relevância, de efectuar um cúmulo jurídico sabendo antecipadamente que o mesmo está incompleto porquanto não estão presentes as penas parcelares correspondentes a infracções que deveriam ser consideradas. Aliás, a elaboração do cúmulo jurídico nestes termos, não tendo qualquer consequência benéfica em termos do estatuto jurídico do arguido, apenas o poderá prejudicar na medida em que cria uma referência que servirá de patamar em futuros cúmulos. Na verdade, é por demais conhecido o fenómeno que se verifica em relação a cúmulos jurídicos sucessivos em que cada uma de tais operações tende a caracterizar-se por uma progressão matemática na medida da pena aplicada. Entendemos, assim, que, estando adquirido que as penas a considerar para efeito de cúmulo eram também outras, que não somente as tomadas em conta na decisão recorrida, esta incorre em colisão com o disposto nos artigos 77 e 78 do Código Penal. Reforçando o exposto e, nomeadamente, à forma linear como se condena o arguido numa pena conjunta de dezassete anos de prisão, o repristinar da ideia da necessidade de explanação dos fundamentos que, á luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal á formação da pena conjunta deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Como já se referiu é uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática. (…) Mas, mesmo a considerar-se que o cúmulo jurídico efectuado seria admissível o que, como dissemos, não é aceitável, ainda assim se suscitaria uma outra questão relacionada com a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade que a mesma decisão invoca como pressuposto da medida da pena encontrada. Na verdade, pena adequada é aquela que é proporcional á gravidade do crime cometido. Em sede de violação do princípio da proporcionalidade, torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto e a gravidade da pena pois que se é certo que, ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado no exercício do seu direito de punir igualmente é exacto que esta sanção importa uma limitação de sua liberdade. Uma das ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente a de invadir o menos possível a esfera de liberdade do individuo isto é ser intrusivo apenas na medida do estritamente necessário á finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido. Por tal motivo a ideia da proporcionalidade não pode ser separada de considerações sobre a finalidade, e função da pena, e não é possível determinar a medida da pena se esta não for orientada para um fim pelo que a racionalidade da opção assenta numa ideia sobre os seus efeitos. Ao crime e à sua gravidade se refere a maior parte da doutrina para estabelecer critérios concretos de ponderação em relação à extensão da pena a aplicar em cada caso. Tal sucede não somente por razões retributivas, mas também em razão da culpa pelo facto atribuindo ao princípio da proporcionalidade uma função de garantia constitucional. Como refere Norbierto Barranco também em função de razões preventiva se deve aceitar o critério da proporcionalidade pois que o direito penal foca a sua atenção na prevenção de comportamentos e maior ênfase na prevenção é imbricado quanto maior a importância do interesse a ser protegido. O problema, no entanto, e como salienta Ferrajoli, é a noção de gravidade do crime, tanto em termos dos critérios que determinam como na sua quantificação em termos transponíveis para os limites da pena, ou seja, a proporcionalidade entre a dimensão da pena e a gravidade do crime é um princípio geral que, sendo irrenunciável admite uma pluralidade de perspectivas. É evidente, quanto a nós, que, ao avaliar a gravidade do delito que motiva a intervenção criminal, a primeira referência incide sobre o bem jurídico salvaguardado pela tutela penal. Se o objectivo prioritário do direito penal é a protecção dos direitos legais, entendidos como pré-requisitos para o desenvolvimento pessoal, daí decorre que, quanto mais valor é dado a cada um deles, maior o esforço que deve ser incrementado para garantir a sua salvaguarda. Para Gimbemat as sanções num direito penal fundamentado na livre determinação fixam-se a partir do valor do bem jurídico protegido e da natureza culposa ou dolosa do delito da conduta que lesou aquele bem. Isto é assim, diz aquele autor, porque" se a tarefa que a pena tem de cumprir é o de reforçar a natureza inibitória de uma proibição, para criar e manter controles para os cidadãos os quais devem ser mais vigorosa quanto maior a nocividade social da conduta, seria absolutamente injustificado por exemplo punir mais severamente um crime contra a propriedade que um crime contra a vida. O legislador, nesse caso, não teria feito um uso correto do meio que com tanto cuidado tem de ser manejado, da pena. Decisivo na escolha do tipo de pena e sua duração é a procura da maximização da tutela do bem jurídico com o menor custo possível. Na perspectiva da eficácia da prevenção geral intimidatória a eficácia da tutela depende não só a magnitude da pena, mas também que esta seja tomada a sério, ou seja, que se alguém lesa o bem jurídico é sancionado. Para muitos Autores o princípio da proporcionalidade radica na necessidade protecção dos bens jurídicos e no princípio da culpa pois que é necessária a existência duma proporção entre a ameaça penal e a danosidade social do facto e apena infligida em concreto na medida da culpa do seu autor Na relação com o princípio da culpa há que assinalar que com a proporcionalidade se entrecruzam as exigência ligados a ideias de justiça ou retribuição com a lógica da utilidade do protecção jurídico-penal e respeito pelos valores sociais Neste sentido, e numa afirmação da lógica da retribuição, nasce a necessidade de que a pena não seja inferior ao exigido pela ideia de justiça e sua imposição não resulte numa pena mais grave do que a exigida pela gravidade do delito. Aqui deve-se notar o ponto de vista de Santiago Mir Puig , no sentido de que a proporcionalidade deve ser baseada na nocividade social do facto cujo pressuposto é a afirmação da validade das regras da consciência colectiva. A configuração de um Estado democrático requer o ajuste da severidade das sanções ao significado para a sociedade que assume o ataque aos bens jurídico. Mir Puig observou que a proporcionalidade é necessário para o funcionamento adequado de prevenção general. A determinação da concreta medida definitiva da pena tem sempre presente pontos de vista preventivos. Dado que o parâmetro da culpa só representa um estádio até á determinação da medida definitiva da pena a sua dimensão final fixa-se de acordo com critérios preventivos dentro dos limites de adequação á culpa. Também neste contexto a proibição de excesso tem uma importância determinante. Consequentemente importa eleger a forma de intervenção menos gravosa que ofereça perspectivas de êxito e, assim, é possível que a dimensão concreta da pena varie dentro dos limites da culpa segundo a forma como se apresenta a concreta imagem de prevenção do autor. Como refere Anabela Rodrigues a finalidade de prevenção geral que aqui está em causa é limitada pela referência ao bem jurídico e sua importância. Com o que o conteúdo da prevenção geral que aqui está em causa começa a ganhar contornos: a gravidade do facto cometido deve integrar esse conteúdo, servindo, além do mais, de limite à prevenção. Adianta a mesma Autora que o que se diz, pois, é que, exactamente do ponto de vista de um controlo racional preventivo da criminalidade que se justifique a partir da necessidade social da intervenção penal jurídico-constitucionalmente consagrada (artigo 18.°-2), é possível assinalar à prevenção geral um conteúdo que a impeça de excessos. Via a exigir que o efeito preventivo, a obter-se (apenas) mediante a confirmação da validade da norma jurídica violada, se realize em consonância com a função de protecção de bens jurídicos que cabe ao direito penal assegurar. Só assim, e ainda na medida em que esta função apenas se legitima se e enquanto não há outros meios para possibilitar a convivência pacifica dos homens em sociedade, a realização daquela finalidade de prevenção postulará a sua limitação pelo princípio da proporcionalidade. Princípio que não é mais do que um limite à intervenção penal derivado do fundamento da prevenção geral na necessidade social e que implica, no âmbito da medida da pena, que a sua gravidade seja adequada à gravidade da lesão do bem jurídico ocorrida. O que significa que, com isto, o efeito de prevenção geral que se quer obter - protecção de bens jurídicos -, radicado na necessidade, mediante o limite que constitui a própria referência ao bem jurídico, postula um limite à sua própria realização - a proporcionalidade -, com que nunca correrá o risco de se transformar numa prevenção geral de intimidação. Atribuindo consistência prática ao exposto, as penas têm de ser proporcionadas á transcendência social- mais que ao dano social - que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido porquanto a sua garantia é o principal fundamento da referida intervenção. É exactamente essa proporcionalidade em função de ponto de vista preventivo geral e especial, avaliada em função do bem jurídico protegido e violado, que está em causa com a pena aplicada no caso vertente de dezassete anos de prisão sendo certo que, em abstracto, em termos parcelares o crime a que corresponde o limite mínimo em termos de moldura penal se situa nos quatro anos de prisão. A proporcionalidade de que falamos com étimo constitucional arranca duma valoração diversa dos bens jurídicos que a lei entende merecerem tutela legal. Não é admissível, e torna-se desconcertante em termos de procura da pena mais justa, que sejam equiparados bens jurídicos duma dimensão substancialmente diversa sendo certo que não é possível aferir duma culpa e duma ilicitude global sem ponderar a intensidade com que o agente rompe o seu contrato social. A pena aplicada nos presentes autos referida a crimes patrimoniais em relação aos quais a pena parcelar mais elevada se situa nos quatro anos de prisão suscita sérias reservas sobre o cumprimento do princípio da proporcionalidade. Ainda na esteira da afirmação do mesmo princípio não pode deixar de se chamar à colação um princípio que lhe anda perto e que é o princípio da legalidade. Se é certo que o arguido não tem direito a uma pena conjunta não é menos exacto que o mesmo tem inscrito no seu património de cidadania o direito a uma uniformidade de critérios na apreciação de um dos valores que é mais caro a qualquer cidadão, ou seja, a sua liberdade. Por alguma forma está em causa uma volatilidade de critérios que viola um direito á segurança jurídica. Pode-se afirmar que a vivência jurídica num Estado de Direito Democrático terá de estar ancorada, necessariamente, nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. O princípio da segurança jurídica, enquanto imbricado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta a ideia da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos». A realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos. É, assim, que o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica. Como refere Pablo Milanese, o princípio da legalidade tradicionalmente apresenta quatro consequências ou repercussões moldadas em forma de proibições, que são: a proibição de analogia (nullum crimen, nulla poena sine lege estricta), a proibição do Direito consuetudinário para fundamentar ou agravar a pena (nullum crimen, nulla poena sine lege scripta), a proibição de retroactividade (nullum crimen, nulla poena sine lege praevia) e a proibição de leis penais indeterminadas ou imprecisas (nullum crimen, nulla poena sine lege certa). Daí pode-se afirmar que o Princípio da Legalidade exerce uma dupla função: uma política, ao expressar o predomínio do poder legislativo frente a outros poderes do Estado e que a transforma em garantia de segurança jurídica para o cidadão, e outra técnica, ao exigir do legislador a utilização de cláusulas seguras e taxativas na formulação dos tipos penais. Tais limitações consistem em algumas garantias para os cidadãos, das quais cabe destacar a reserva de lei (a exigência de lei orgânica) e o princípio da taxatividade e a segurança jurídica (lei estrita). Além da garantia formal, integra o Princípio da Legalidade a garantia material representada pelo princípio da taxatividade, através do qual há a exigência de que o legislador faça a lei de forma clara e concreta, evitando o abuso de conceitos vagos e indeterminados. O contrário caracterizaria manifesta infracção do princípio de segurança jurídica, também consagrado na Constituição já que a clareza das normas é uma exigência deste princípio. A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico …” (in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257) Na verdade, os cidadãos têm direito a um mínimo de certeza e de segurança quanto aos direitos e expectativas que, legitimamente, forem criando no desenvolvimento das relações jurídicas. Por isso que «não é consentida uma normação tal que afecte, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa, aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito devem respeitar.» (Cf. Ac. TC nº 365/91, DR II Série, de 27.09.91). Partimos do pressuposto de que a dignidade da pessoa é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer acto que o confrontem. A mesma dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida quando os cidadãos sejam atingidos por um tal nível de instabilidade jurídica que não permitam, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar no Estado e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar (sic): “Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo estabelecido pelo artigo 78º do Código Penal, tendo em conta os factos e a personalidade do agente. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. O modelo de fixação da pena no concurso de crimes rejeita, pois, uma visão atomística dos vários crimes e obriga a olhar para o conjunto - para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse pedaço de vida criminosa com a personalidade do seu agente. Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares crimes, cabe ao tribunal, na moldura do concurso definida em função das penas parcelares, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos que determinam as penas parcelares por cada crime. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido». Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de «relações existenciais diversíssimas», a reclamar uma valoração que não se repete de caso para caso. A este conjunto – a esta «massa de ilícito que aparente uma particular unidade de relação» - corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação, isto é, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade. Fundamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade. «Como referem Maurach, Gossel e Zipf a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos (Schonke-Schrôder-Stree)», «a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa». «Também Jeschek pensa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si» (cfr., v. g., os acórdãos do STJ, de 24 de Março de 2011, proc. nº 322/08.2TARGR, e de 5 de Julho de 2012, proc. nº 265/11.6SAGRD, este com exaustiva indicação de jurisprudência, e Cristina Líbano Monteiro, anotação ao acórdão do STJ de 12 de Julho de 2005, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16º, p. 155 ss.). Assim, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e especialmente na pena do concurso os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). A avaliação do conjunto dos factos – do «ilícito global» - há-de partir necessariamente da consideração relativa de cada acontecimento singular por si, mas também na projecção sobre relações de confluência: reiteração e persistência; temporalidade; aproximação ou distanciamento; homologia ou homotropia; valores individualmente afectados; pluralidade de bens pessoais; limitação a bens materiais; modos de execução; consequências instrumentais. No caso, nesta complexa avaliação, a natureza dos factos essencialmente homogénea na dimensão mais relevante, em que estão em causa valores materiais e a ofensa a bens pessoais (domicílio) fora da afectação mais intensa da integridade física, integram e constituem uma projecção global do ilícito que não exaspera a ilicitude (simples) que resultaria da mera adição dos valores afectados como se fossem unitariamente construídos; a pluralidade encerra, certamente, um valor agravativo, mas esbate uma estrutura aritmética da pluralidade. Também, os crimes de indocumentação na condução automóvel não assumem, no contexto, peso que adense relevantemente o ilícito global, para além do sentido e da gravidade da ilicitude contida na violação de normas para-administrativas para protecção dos valores impessoais (segurança rodoviária) protegidos pela incriminação. A personalidade do arguido que vem descrita nos factos provados, avaliada na perspectiva global que se projecta e é também revelada pela natureza e pelas circunstâncias dos diversos acontecimentos, aponta para características de desestruturação pessoal, com reflexos na persistência de crimes contra o património de baixa intensidade, de idêntica natureza (em residências), com relativa continuidade e consistência. 6. A fixação da pena do cúmulo – meio judicial para encontrar ponderadamente a pena única adequada a responder simultaneamente às exigências de prevenção geral e especial – não constitui um re-sancionamento do agente depois das penas parcelares, mas realiza a finalidade de determinar a pena individualizada do conjunto num sistema diverso da acumulação e da exasperação, prevenindo a relativa incerteza decorrente da concretização da sanção concreta a cumprir apenas no âmbito da execução. A aplicação e a interacção das regras do artigo 77º, nº 1, do Código Penal (avaliação em conjunto dos factos e da personalidade) convocam critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, por vezes de grande amplitude; proporcionalidade e proibição de excesso em relação aos fins na equação entre a gravidade do ilícito global e a amplitude dos limites da moldura da pena conjunta. A condição principológica da proporcionalidade permite concretizar o valor em construção normativo-aplicativa e instrumento metodológico; a proporcionalidade stricto sensu – dimensão material e operativa da proporcionalidade em sentido amplo - constitui um instrumento para encontrar o equilíbrio adequado entre direitos ou valores em confronto. No julgamento e na ponderação na aplicação de penas actua através da interacção complexa entre o valor da liberdade (e, negativamente, a privação de liberdade) ou de outros modos de intromissão na autonomia e livre condução de vida do agente de um crime, e o interesse público na aplicação de uma sanção penal pela prática de um acto qualificado como crime, que realize, nem mais nem menos, as finalidades da punição impostas para a realização desse interesse público. A proporcionalidade, regra ou princípio, na dimensão stricto sensu faz a passagem entre a abstracção de uma noção e a identificação metodológica de critérios utilizáveis em cada caso concreto. A regra básica de ponderação e construção ou encontro da harmonia e do equilíbrio (balancing) de direitos e razões (proporcionalidade), como medida fundamental de decisão, seja do legislador, do juiz ou da administração, está na «importância social marginal» dos valores ou posições em confronto (cf., Aharon Barak, «Proportionality; Constitutional Rights and their Limitations», Cambrige University Press, 2012, p. 362-3); a leitura adequada da proporcionalidade aponta para um juízo de equidade, que exige uma «particular atitude espiritual» do juiz, «de estreita relação prática: razoabilidade, adaptação, capacidade de alcançar composições», com «espaço para muitas razões» (cf., Ingo Wolfgang Sarlet, «Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência», “Revista Brasileira de Ciências Criminais”, nº 47, Marco-Abril de 2004, p. 64-65, referindo Zagrebelsky). Aplicando em casos de determinação da medida da pena, a importância social marginal dos benefícios decorrentes da protecção de uma norma ou de um determinado acto praticado em aplicação de uma norma, e a importância social marginal dos efeitos individuais na prevenção de um dano ou das consequências no destinatário da aplicação de uma sanção penal pela prática de um facto qualificado como crime. Concretizando estes critérios, considerada a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes contra o património, e a menor ressonância externa e comunitária da prevenção geral no que respeita à indocumentação na condução automóvel, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela reiteração, aconselharia na perspectiva das exigências de prevenção geral a fixação de uma pena no limite próximo da metade inferior da escala da moldura da pena do cúmulo. Porém, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto frequente com o sistema penal e sem aproveitamento do juízo de prognose favorável de que beneficiou, aconselham – e impõem – a intervenção exigente das finalidades de prevenção especial; como revelam os factos provados, as sanções penais de natureza e medida que então foram consideradas adequadas em função de juízos favoráveis sobre o comportamento futuro do recorrente, não constituíram meio idóneo de ressocialização e de reencaminhamento para os valores. As finalidades de prevenção especial são, assim, muito acentuadas, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida. A isonomia na construção da medida na pena única perante o «ilícito global», e a ponderação da semelhança e da diferença das penas aplicadas na praxis jurisprudencial, faz acentuar algum grau de desadequação da pena em que o recorrente vem condenado, revelando uma «disfunção de proporcionalidade»; «na tensão entre o caso e a regra», uma pena como a que vem aplicada não é exigida pelas finalidades das penas, nem realiza o equilíbrio e a justa medida entre a intensidade das consequências pessoais e a interesse ou imposição social na punição: a pena não é proporcional. Há, pois, que fixar a pena respeitando a proporcionalidade entre os crimes e a reacção penal.” “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” [[81]] Em recensão da factualidade que esteve na base das condenações que suportaram o cúmulo de penas englobado no presente processo avultam: i) o arco de tempo em que as acções ilícitas e culposas mais salientes foram levadas a cabo foi curto, concretamente entre 6 de Setembro de 2013 (sendo certo que não terá possível apurar uma data em que agiu de Setembro) e 22 de Outubro de 2013 – sendo neste mês o dia mais profícuo e movimentado o dia 15); ii) também o raio de intervenção e de incidência nas instituições bancárias foi de baixa amplitude (Porto, Vila Nova de Famalicão e uma incursão em Lisboa); iii) as importâncias subtraídas e alcançadas por meio de coacção aos funcionários foram reduzida valor (a mais elevada de € 1.955,00; duas de cerca de € 1,800,00; outra de cerca de € 1.247,00 e as restantes de valor inferior); iv) o modo de abordagem dos funcionários terá assumido uma feição intimidatória, de seriedade e em tom ameaçador, no entanto insusceptível de causar alarme interno e criar situações de pânico nos utentes (numa concreta situação terá mesmo desistido, depois de instado pelo funcionário); v) as acções foram conduzidas utilizando o mesmo modus operandi, a saber acercamento do balcão e entrega ao funcionário de um papel manuscrito que, com pouca variação continha os dizeres “colabore comigo. Tenho uma arma comigo ou apontada a si. Dê-me o dinheiro. Não tente nada que estou desesperado.” No atinente ao conspecto caracterológico da sua personalidade vem adquirido que: i) provem de uma família socialmente estável; ii) frequentou a escola até ao 5º ano; iii) passou a trabalhar como serralheiro mecânico aos 15 anos; iv) foi praticante de futebol num clube bracarense, desde ao 9 aos 17 anos de idade; v) iniciou o consumo de estupefacientes aos 14 anos, tendo-se tornado adicto; vi) trabalhou emigrado como carpinteiro, na construção civil; vii) quando voltou ao país manteve a sua adicção ao consumo de estupefacientes, tendo sofrido a primeira condenação em pena que lhe foi suspensa na execução; viii) depois de ter integrado uma instituição de terapêutica de consumo de estupefaciente trabalhou numa empresa de metalomecânica, que abandonou após uma recaída no consumo de estupefacientes; ix) viria a ser preso preventivamente e mais tarde condenado a uma pena única de 5 anos e 6 meses, por crime de furto qualificado; x) teve dificuldades de adaptação ao meio social onde estava inserido, tendo sofrido diversas sanções penais; xi) depois de ter saído em liberdade condicional – em 27-05-2013 – praticou os actos que vêm relatados supra; xii) viria a ser preso em 23 de Outubro de 2013; xiii) assume uma postura de reconhecimento da ilicitude das condutas perpetradas e da gravidade que as são susceptíveis de configurar; xiv) terá assumido (sic) “presentemente uma postura de maior sentido crítico, de reconhecimento da gravidade e impacto dos seus actos nas vítimas, verbalizando arrependimento e vergonha. Revela ainda consciência de que a problemática aditiva, a imaturidade e a situação de desemprego em que se encontrava contribuíram para a desestruturação do seu quotidiano”; xv) “Durante o cumprimento de pena registou uma conduta reiterada de incumprimento das regras prisionais, conduta incorrecta, agressiva, provocadora e ameaçadora para com elementos da vigilância e reclusos, situação pela qual foi alvo de várias medidas disciplinares e implicado a sua transferência, em 20.11.2014, para a secção de segurança máxima do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde ainda permanece.”; xvi) ter-se-á, desde algum tempo, abstido de perturbações internas, mantendo um comportamento estável; xvii) a família manterá uma disponibilidade para lhe dispensarem apoio uma vez liberto. O acórdão recorrido justificou a pena imposta com a sequente argumentação (sic): “Em sede de cúmulo jurídico, a pena única deve ser definida tendo como limite abstrato máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada delas (art.º 77.º, n.º 2 do Código Penal). A moldura deste concurso situar-se-á então entre um mínimo 3 anos e 4 meses de prisão e o máximo de 28 anos e 8 meses. Como ponto de partida, há que ponderar os critérios gerais de determinação da medida da pena. Recorde-se que a pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - arts. 1.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 25.º, n.º 11 da Constituição e o art.º 40.º do Código Penal. Atente-se ainda, que à luz do art.º 71.º do Código Penal, devem ser consideradas todas as circunstâncias do caso, favoráveis ou desfavoráveis ao arguido, que não façam parte dos tipos legais de crime, nesta sede aderindo nós à conceção doutrinária que propugna que em sede de determinação da medida da pena o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; e que fixado esse limite o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual nenhuma pena satisfaria as exigências de proteção do bem jurídico violado, interpretadas tais exigências através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida; e que como último passo o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida ótima de pena, tendo em atenção os princípios da prevenção especial positiva (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág. 227 e ss.). Acresce, agora especificamente em matéria de concurso de crimes, que o que se revela decisivo é uma visão de conjunto de todos os factos, no âmbito da qual haverá que ponderar nomeadamente o seguinte: (a) a relação dos crimes entre si e no seu contexto, designadamente tendo em vista apurar se estamos diante alguém que revela uma inclinação criminosa ou antes de alguém que apenas perpetrou delitos ocasionais; (b) a forma de comissão dos crimes; (c) a natureza dos bens jurídicos atingidos e a sua maior ou menor diversidade; (d) e o efeito da pena no comportamento ulterior do arguido (Ac. do STJ de 9.01.2008, in CJSTJ 2008, t. I, págs. 182-3). Dito isto, ocorre sublinhar alguns pontos. Antes do mais, os crimes cometidos pelo arguido são todos eles da mesma natureza - crimes de roubo. Acresce que os crimes de roubo, pela sua objetiva gravidade e pela frequência com que ocorrem, suscitam intensos sentimentos de alarme e insegurança na comunidade. Cresce que anteriormente já havia sido condenado por duas vezes pela prática de crimes de roubo, entre outras condenações. O quadro que vimos de traçar induz pois a que tenhamos em via de princípio como muito elevadas as exigências punitivas, seja na vertente da prevenção geral, seja na vertente da prevenção especial. Todavia, importa, é certo, não ignorar alguns dados. O primeiro deles é a circunstância de o arguido ter estado envolvido na problemática da toxicodependência, a qual, obviamente não justificando as suas condutas, nem as desculpando, mitigam em certa medida o juízo de censura de que é passível, comprimindo nesse sentido a severidade da sanção a aplicar-lhe. Em contexto prisional ter o arguido, atualmente, conseguido manter um comportamento ajustado às regras e manifestar interesse em integrar atividade estruturada no E.P.. A relevar que o arguido confessou e, em quase todos os processos, de forma integral, os factos pelos quais vinha acusado. Acresce que os factos aqui em apreço remontam todos a um curto período de tempo - setembro e outubro de 2013. Ademais, as quantias subtraídas não são de grande monta, sendo que alguns crimes são na forma tentada. E nesta linha favorável ao arguido, refira-se por fim que o mesmo dispõe de apoio familiar, que decerto o poderá auxiliar a não reincidir no futuro em comportamentos do mesmo jaez. Aqui chegados, afigura-se-nos necessário, adequado, proporcional e justo fixar a pena única em dezasseis anos de prisão.” Reiterando o paradigma jurídico-conceptual-penal exposto supra de que a pena terá como vectores de subsistência e justificação a culpabilidade e a prevenção geral (cfr. nota 49), afigura-se-nos que, malgrado a reiteração das acções ilícitas, o modo de actuação do agente se revestia de alguma inanidade ofensiva, vista ou assumida esta à luz do que soe ocorrer neste tipo de acções –assalto a agências bancárias –, qual seja a de uso de violência extrema, emprego de armas de fogo com elevado poder de intimidação e capacidade de ameaça impressiva e de ilaqueação reactiva, tanto dos funcionários como dos utentes. O modo de actuação e perpretação da maioria dos roubos que efectuou evidencia algum esvaecimento da vontade delitiva, na medida em que o modo e forma de abordagem dos funcionários – dizendo que se encontrava numa situação de desespero e que não queria criar problemas – manifesta ou prenuncia um sentimento de autocensura e de reprovabilidade do acto que pretende perpetrar. O arguido/recorrente deixa transparecer uma atitude censória relativamente à acção que pratica, deixando antever a existência de uma consciência ético-social critica consubstanciada na aquisição cognitiva de que a acção representa um mal que tem a reprovação do ordenamento jurídico-social. Não se descura que o arguido praticou, enquanto não foi detido, uma série de crimes e que com eles terá causado alarme social. Do mesmo passo não se olvidará que as importâncias arrecadas pelo arguido não foram avultadas. Se a estes elementos adirmos o facto de o arguido poder vir a ser integrado familiarmente e a ser acompanhado na sua reintegração societária pensamos que a pena (única) a impor ao arguido poderá situar-se abaixo da que lhe foi imposta na decisão recorrida. Ponderando os factores de intervenção na formação da pena conjunta, temos com adequada uma pena de doze (12) anos de prisão.
III. – DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revendo a pena imposta ao arguido condená-lo na pena única de doze (12) anos de prisão. - Sem custas.
Lisboa. 11 de Outubro de 2017
[22] A propósito do dever constitucionalmente assumido de fundamentação dos actos judiciais escreveu-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 27/2007, proferido no processo nº 784/05: “[…] Em particular, a dimensão normativa em causa é confrontada com o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, constante do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. Deste dever de fundamentação das decisões judiciais decorre que, nas decisões sobre matéria de facto, é obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A imposição constitucional referida só fica satisfeita com a explicitação das razões dessa decisão, feita pelo seu próprio autor, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou impugná-la de forma consciente e eficiente. O exame crítico das provas credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar «o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão», como foi sublinhado já na Conferência Parlamentar sobre a Revisão do Código de Processo Penal, em 7 de Maio de 1998 (cf. as intervenções de Luís Nunes de Almeida, Germano Marques da Silva e Eduardo Maia Costa, entre outros, em Código de Processo Penal - Processo Legislativo, 2.° vol., t. 2, ed. da Assembleia da República, 1999, pp. 68, 85,86,90 e 95 e segs.). Ocupando essa garantia de fundamentação das decisões judiciais um lugar central no sistema de valores nos quais se deve inspirar a administração da justiça no Estado democrático moderno (cf. Michele Taruffo, «Notte sulla garanzia costitutionale della motivazione», in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 55.° vol., 1979, pp. 29 e segs.). Ela deve ser susceptível, como se escreveu já em acórdão deste Tribunal, «de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida» (cf. o Acórdão n.º 680/98, publicado no Diário da República, 2.a série, de 5 de Março de 1999). A respeito da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, pode ler-se também no Acórdão nº 61/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt): «Foi a primeira revisão constitucional (1982) que, com a inserção do novo n.º 1 do então artigo 210.º da CRP, veio proclamar que "As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei", formulação que, sem alteração de redacção, transitou, com a segunda revisão constitucional (1989) para o n.º 2 do artigo 208.° A remissão para a lei, não apenas da modulação dos termos, mas também da definição dos casos em que a fundamentação das decisões dos tribunais era devida (muito embora sempre se entendesse que "a discricionariedade legislativa nesta matéria não [era total], visto o dever de fundamentação [ser] uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cf. o artigo 2.°), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso"), representando "a falta de consagração constitucional de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais", surgia como "pouco congruente com o princípio do Estado de direito", para além de não se compreender que "a garantia de fundamentação seja constitucionalmente menos exigente quanto às decisões judiciais do que quanto aos actos administrativos (artigo 268.°, n.º 3)" (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, pp. 798-799) - preceito este último que impunha a "fundamentação expressa" dos "actos administrativos [ ... ] quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos" . Foi a revisão constitucional de 1997 que deu à norma em causa a sua localização (artigo 205.°, n.º 1) e formulação ("As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei") actuais. Estabeleceu-se, assim, com dignidade constitucional, a regra geral do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, com a única excepção das de mero expediente, remetendo-se para a lei ordinária a definição, já não dos casos em que a fundamentação é devida, mas tão-só da forma de que se pode revestir. O alcance desta alteração foi salientado por este Tribunal, no Acórdão n.º 680/98, nos seguintes termos: "7 - Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que “as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”. A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas “nos termos previstos na lei”para o serem “na forma prevista na lei”. A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação." Também o Acórdão n.º 147/2000 salientou que a "actual redacção do artigo 205.°, n.º 1, imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde a Constituição remetia para a lei os “casos”em que a fundamentação era exigível, passou a concretizar-se que ela se impõe em todas as decisões “que não sejam de mero expediente”, mantendo-se apenas a remissão para a lei quanto à “forma” que ela deve revestir", acrescentando: "Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controlo mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas. De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à actuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a “forma” em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido útil daquele mandado (cf. o Acórdão nº 59/97, in Diário da República, 2.a série, nº 65, de 18 de Março de 1997) - qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão. [ ... ] Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judiciais naquele domínio."» A exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais tem uma função não apenas endoprocessual, mas também dirigida ao exterior do processo: ela visa explicitar a ponderação que integrou o juízo decisório e permitir às partes - no caso, ao arguido - o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de fundamentação possibilita também, mediatamente o exercício do direito ao recurso que possa caber no caso). Mas a exigência de fundamentação visa também possibilitar o próprio conhecimento pela comunidade das razões que levaram a uma determinada decisão, e, pela via da exigência de lógica ou racionalidade da fundamentação (contida na exigência de fundamentação), contribui também para a própria legitimação da actividade decisória dos Tribunais. 5 - O tribunal do julgamento tem, pois, que explicitar as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados. Importa, porém, notar que, como este Tribunal também já afirmou, «a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética» (Acórdão n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Nem, por outro lado, a fundamentação tem de obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a convicção do tribunal. Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe, na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram. Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou, e que, por outro lado, não compete ao Tribunal Constitucional controlar a forma como concretamente o tribunal formou a sua convicção. Como se referiu, não está, aliás, em causa no presente recurso o controlo do exame crítico das provas feito na decisão em causa, nem uma admissão da mera elencagem «tabelar» das provas produzidas”. [25] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2007; Proc. n.º 07P3240., onde se escreveu: “Mais exigentemente, pois que agora se deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação. A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, “uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão” (V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9) Foi devolvido ao legislador o seu “preenchimento”, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, deixando a sua concretização ao legislador ordinário. (cfr. o ac. nº 310/94 do T. Constitucional – DR IIS de 29.8.94), sem que isso signifique, como se viu, que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional. Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença diversas funções: — Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral; — Permite, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz; — Constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (cfr. citado Ac. 680/98). E a norma, que desenhou o dever de fundamentação no processo penal, cumpre todas estas funções, como vêem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional (cfr. Ac. TC n.ºs 680/98 e 636/99, 102/99, 258/2001, 382/98 e AcSTJ de AcSTJ de 11.11.2004, proc. n.º 3182/04-5)”. E ainda no mesmo sentido o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09-01-2008 - Proc. n.º 4457/07. “[…] VIII - Através da exigência de fundamentação consegue-se que as decisões judiciais se imponham não por força da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230). Ao mesmo tempo, permite-se a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em melhores condições para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova. IX - Antes da vigência da Lei 59/98, de 25-08, entendia-se que o art. 374.º, n.º 2, do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas, nem impondo que o julgador expusesse pormenorizadamente o raciocínio lógico que se encontrava na base da sua convicção, pelo que somente a ausência total da referência às provas que formaram a fonte da convicção do tribunal constituía violação do art. 374.º, n.º 2, do CPP, a acarretar nulidade da decisão nos termos do art. 379.º do mesmo diploma legal. X - Actualmente, face à nova redacção do n.º 2 do art. 374.º do CPP – introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, e inalterada pela Lei 48/2007, de 29-08 –, é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas, ou seja, é necessário que o julgador esclareça “quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra”. XI - O dever constitucional de fundamentação da sentença (art. 205.º, n.º 1, da CRP) basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas também dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que aquela se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. XII - A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controlo indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Não basta, pois, uma mera referência dos factos às provas, torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam. XIII - Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do art. 374.º, n.º 2, do CPP não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, acolheu a fundamentação do acórdão recorrido que se apresenta detalhada, justificando-o na parte respectiva, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias. XIV - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância. Dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e das provas que impõem decisão diversa (e não indiscriminadamente de todas as provas produzidas em audiência). XV - O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O art. 127.° indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova. [28] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdão do STJ de 15 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, disponível em www.stj.pt. No mesmo sentido os acórdãos de 15 de Novembro de 2012, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, de que se respiga o sequente tramo textual: “Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3ª Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto. Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito,, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para 0 STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto. É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP. As reformas do Código de Processo Penal operadas quer pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, quer pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, não alteraram esse entendimento. Mas há que não esquecer, como já observava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), que se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP.” Ou ainda o acórdão, igualmente deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Abril de 2015, relatado pelo Conselheiro Maia Costa , em que se deixou expresso (sic): “Os vícios do art. 410.º, nº 2 do C.P.Penal são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Como expressamente prevê o art. 410º do CPP os vícios nele previstos têm de resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento. Erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, não se podendo confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar. A invocação de erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportada ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas. Como se afirmou no Ac. do STJ de 14.7.2010, pº 149/07, não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que a expressão de uma divergência, que se reconduz afinal à discordância em relação ao decidido.” [39] Cfr. Ac. STJ de 11 de Julho de 2007, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro. |