Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | HABEAS CORPUS MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO MENORES ACOLHIMENTO RESIDENCIAL PRAZO REVISÃO CESSAÇÃO | ||
| Apenso: | | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
| Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
| Sumário : | I - O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial] expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da CRP em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros. II - Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no nº3 do artº 27º fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo, e entre elas na sua al. e) excepciona-se a “Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;” a qual, por esta via, se tem entendido constituir uma medida de privação da liberdade e assim sobre a qual é admissível a providencia de habeas corpus, através da qual se pode reagir contra a situação ofensiva por abuso de poder, desde que a situação se enquadre na enumeração taxativa do nº2 do artº 222º CPP, podendo a privação da liberdade fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c). III - A medida, de proteção de menores, de acolhimento residencial encontra-se legalmente prevista (arts. 35.º, n.º 1, al. f) e 49.º da LPCJP), para as situações de perigo para as crianças, e foi aplicada por decisão judicial e pelo tribunal competente, pelo que neste âmbito não se verificam situações de ilegalidade ou abuso de poder. IV - Tendo o acolhimento residencial sido fixado pelo período de um ano, que se mostra ultrapassado e não foi prorrogado, a medida de acolhimento residencial cessou, e a privação da liberdade dos menores excedeu o prazo, pelo qua sua situação é ilegal, devendo a providencia de Habeas corpus ser deferida ( artºs 61º, 62º e 73º da Lei 147/99). V - Tendo cessado a medida de acolhimento residencial e mantendo-se a criança na mesma instituição de acolhimento, ela encontra-se privada da liberdade de modo ilegal; VI - O deferimento do habeas corpus determina a adoção de uma das medidas catalogadas no art.º 223º n.º 4, entre as quais, mandar que a pessoa privada da liberdade seja apresentada ao juiz no prazo de 24 horas. VII - Estando em causa uma medida de protecção aplicada pelo tribunal no superior interesse da criança para através do seu acolhimento proporcionar-lhe condições de bem estar e de livre e são crescimento e desenvolvimento da sua personalidade, que a sua vivência familiar não lhe podia proporcionar, a ausência de revisão obrigatória findo o prazo de aplicação da medida, não deve determinar a entrega da criança aos progenitores mas a sua apresentação ao tribunal competente para a revisão, para decisão imediata e em conformidade com os dados de facto existentes, por aplicação extensiva do disposto no artº 223º 4c) CPP e artº 92º nº 1 da Lei 147/99 por constituir aquela uma privação da liberdade e como tal equiparada pelo artº 27º1 e) CRP. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em audiência os juízes conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. No processo de Promoção e Proteção nº 6903/21.1T8LSB-C do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo de Família e Menores de Setúbal - Juiz 1 relativo aos menores AA e BB que se encontram institucionalizados em medida de acolhimento residencial desde 07/03/2024, veio CC em documento subscrito por advogada, apresentar petição de Habeas Corpus, pedindo a restituição imediata dos seus filhos, nos seguintes termos: “I- Dos Factos: 1º- Os menores AA e BB encontram-se institucionalizados em medida de acolhimento residencial desde 07/03/2024, conforme resulta do processo promovido pelo Ministério Público. 2º-A medida foi aplicada de forma provisória e posteriormente reduzida a despacho de aplicação da medida cautelar de acolhimento residencial em 07/05/2025 . 3º.Em 13/11/2024, foi fixada a medida de acolhimento residencial por 1 ano, nos termos do artigo 35.º da LPCJP. 4.º Nos termos do artigo 35.º, n.º 2 da LPCJP e do próprio despacho/sentença, a medida caducava em 13/11/2025. 5.º Até à presente data, não existe despacho de prorrogação, revisão ou substituição da medida, apesar de a progenitora ter apresentado requerimentos a solicitar a cessação, revisão e impulso processual em: 26/096. 6.º Na sequência dos requerimentos de revisão apresentados pela progenitora, o Douto Tribunal de Família e Menores notificou a EMAT para entrega do relatório obrigatório em 07/10/2025, renovado em 07/11/2025 e 13/11/2025, mas até hoje o relatório não foi junto aos autos, impedindo a revisão da medida nos termos do artigo 91.º da LPCJP. 7.º Não existe, pois, qualquer título judicial em vigor que legitime a atual institucionalização dos menores. 8.º A CAR e o CAFAP emitiram relatórios favoráveis ao regresso dos menores à mãe, concluindo pela ausência de risco atual. 9.º À data da presente providência, os menores estão institucionalizados ilegalmente há vários dias, após o termo do prazo legal da medida. 10.º O que apenas se verifica pela inércia da EMAT. 11.º A falta de relatório técnico não é nem pode ser fundamento para manter uma medida restritiva de direitos fundamentais. II - DO DIREITO 12.º Nos termos do disposto no Artigo 27.º, n.º 1 da CRP ninguém pode ser privado da liberdade exceto nos casos previstos na lei. 13.º O artigo 31.º Da CRP consagra o recurso a habeas corpus em caso de prisão ou detenção ilegal. 14.º O legislador vem ainda estabelecer ,no código Processo Penal, Artigo 222.º, n.º 2, alínea c), que a providência é admissível quando “a prisão se mantiver para além do prazo legalmente fixado ou judicialmente decidido”. 15.º Ora, considerando que a LPCJP, Art. 35.º, n.º 2 – estabelece que a medida cautelar de acolhimento tem duração máxima de 1 ano. 16.º Mais considerando que nos termos do disposto no Art. 91.º, do referido diploma legal, a revisão é obrigatória antes do termo da medida. 17.º In casu, a medida já caducou. 18.º A progenitora já requereu por 3 vezes a revisão da medida aplicada. 19.º Não tendo obtido qualquer decisão por se verificar que a EMAT, apesar das diversas insistências do Douto Tribunal, não procede ao envio do competente relatório. 20.º Tendo o próprio CAFAP, sem que para tal tivesse sido notificado, confrontado com tal inércia, remetido aos autos o seu próprio relatório que se mostrou favorável à reintegração dos menores. 21.º Ora, o Supremo Tribunal de Justiça já reconheceu que o habeas corpus é admissível em acolhimento residencial quando não existe título judicial válido. 22.º In casu, verifica-se ultrapassado o limite temporal da medida sem decisão judicial válida, verifica-se detenção ilegal, pelo que se mostra admissível a tutela via habeas corpus. 23.º A medida está caducada desde 13/11/2025 (art. 35.º, n.º 2 LPCJP) e Douto Despacho de aplicação da medida. 24.º Os menores encontram-se em regime de acolhimento residencial desde o dia 07/03/2024, ou seja, há VINTE MESES!!! 25.º Não existe prorrogação, revisão ou nova decisão. 26.º Não existe despacho recorrível para a Relação. 27.º A manutenção dos menores configura privação da liberdade sem título, violando os artigos 27.º e 31.º da CRP e o artigo 222.º, n.º 2, alínea c) CPP. 28.º A pendência de relatórios técnicos não suspende direitos fundamentais nem substitui o despacho judicial obrigatório (art. 91.º LPCJP). Nestes termos, e ao abrigo do art. 31.º da CRP e do art. 222.º, n.º 2, alínea c) CPP, requer-se que o Supremo Tribunal de Justiça: Admita o presente habeas corpus; declare ilegal a manutenção dos menores na instituição de acolhimento, por caducidade da medida e ausência de título judicial; ordene a sua imediata entrega à mãe;(…)” 2. Da informação enviada, nos termos do artº 223º1 CPP consta (transcrição): “Em 22 de Março de 2024, o Ministério Público instaurou o presente processo judicial de promoção e protecção relativamente às crianças BB e AA, requerendo, para além do mais, a prolação de decisão provisória a confirmar o acolhimento residencial das crianças, que ocorreu no dia 6 de Março de 2024, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas f) e g), 34.º, alíneas a) e b), 35.º, n.º 1, alínea f), 37.º e 91.º e 92.º, todos da LPCJP. Em 7 de Maio de 2024, foi decidido aplicar, a título cautelar, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial a favor das crianças BB e AA. Em 13 de Novembro de 2024, foi homologado o acordo de promoção e protecção, no âmbito do qual foi aplicada a medida de acolhimento residencial pelo prazo de um ano, com revisão semestral. Em 27 de Fevereiro de 2025, foi proferido despacho de revisão da medida aplicada, tendo a mesma sido mantida. Em 22 de Maio de 2025, foi solicitado o relatório de acompanhamento da execução da medida decretada nos autos com vista à revisão da medida. Foram efectuadas insistências junto da EMAT pela junção do relatório em 7 de Outubro de 2025, 27 de Outubro de 2025 e 13 de Novembro de 2025. Até à presenta data, ainda não foi junto aos autos o relatório de acompanhamento da execução da medida, motivo pelo qual ainda não se proferiu despacho de revisão da medida. Autuado por apenso, remeta-se, de imediato, ao Colendo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça cópia da petição de habeas corpus, da presente informação, e de certidão da petição inicial, do despacho proferido em 7 de Maio de 2024, da acta de 13 de Novembro de 2024, do despacho proferido em 27 de Fevereiro de 2025 e dos ofícios remetidos à EMAT em 22 de Maio de 2025, 7 de Outubro de 2025, 27 de Outubro de 2025 e 13 de Novembro de 2025.” e com ela foi junta a pertinente certidão dos autos. 3. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/ defensor da requerente, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP. Finda a audiência o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido nos termos seguintes: Os factos relevantes para a decisão mostram-se condensados na petição de Habeas Corpus e na informação do tribunal requerido e documentos com ela juntos que aqui se dão por transcritos e deles resultam que a questão a decidir consiste em saber se - a medida de acolhimento residencial aplicada aos menores por um ano, que caducou em 13/11/2025, sem que tenha sido objecto de prorrogação, revisão ou substituição, implica que as crianças devem ser entregues à mãe. + 4. Conhecendo e apreciando: O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial] expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344)”1 O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no mesmo normativo, no seu nº3, fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. por todos, o ac. de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em 2www.dgsi.pt)3. Assim é que entre elas na sua al. e) se excepciona a “Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;” a qual, por esta via, se tem entendido constituir uma medida de privação da liberdade4 e assim sobre a qual é admissível a providencia de habeas corpus, através da qual se pode reagir contra a situação ofensiva por abuso de poder, desde que a situação se enquadre na enumeração taxativa do nº2 do artº 222º CPP. No sentido de que a Jurisprudência do STJ, tem entendido que o habeas corpus está vocacionado para corrigir e remediar atentados à liberdade hoc sensu das pessoas, em geral, e não especificamente apenas para os casos de prisão ou detenção em que classicamente se pensará somente decidiu o A.c. STJ de 15/5/2024 Proc 11967/24 www.dgsi.pt, “I- A providência de habeas corpus é plenamente apta, em tese, a apreciar casos relativos a alegada ilegalidade de medida de acolhimento residencial de menores tomada pela CPCJ e não apenas a casos de reclusão “clássica” como medidas punitivas, prisão preventiva, etc….”, traduzindo uma jurisprudência constante.5 5. Para o fim em vista é a seguinte a situação, nos autos, dos menores: - Em 22 de Março de 2024, o Ministério Público instaurou o presente processo judicial de promoção e protecção relativamente às crianças BB e AA, requerendo, para além do mais, a prolação de decisão provisória a confirmar o acolhimento residencial das crianças, que ocorreu no dia 6 de Março de 2024, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas f) e g), 34.º, alíneas a) e b), 35.º, n.º 1, alínea f), 37.º e 91.º e 92.º, todos da LPCJP. - Em 7 de Maio de 2024, foi decidido aplicar, a título cautelar, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial a favor das crianças BBe AA. - Em 13 de Novembro de 2024, foi homologado o acordo de promoção e protecção, no âmbito do qual foi aplicada a medida de acolhimento residencial pelo prazo de um ano, com revisão semestral. - Em 27 de Fevereiro de 2025, foi proferido despacho de revisão da medida aplicada, tendo a mesma sido mantida. - Em 22 de Maio de 2025, foi solicitado o relatório de acompanhamento da execução da medida decretada nos autos com vista à revisão da medida. - Foram efectuadas insistências junto da EMAT pela junção do relatório em 7 de Outubro de 2025, 27 de Outubro de 2025 e 13 de Novembro de 2025. - Até à data [da informação] ainda não foi junto aos autos o relatório de acompanhamento da execução da medida, motivo pelo qual ainda não se proferiu despacho de revisão da medida.” - Aos menores foi aplicada a medida de acolhimento residencial do artº 35º 1 f) da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro ( LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO), situação em que se encontram, por se evidenciar uma situação de perigo resultante de: Instabilidade habitacional; Instabilidade relacional da progenitora; Exposição das crianças a vários cuidadores; Falta de identificação por parte da progenitora da situação que originou a sinalização e atual perigo para a integridade física dos filhos; Intoxicação por monóxido de carbono; Existência de análises clínicas à criança que identificam a existência de anfetaminas na urina; Colocação das crianças aos cuidados de diversos adultos sem que exista relação de confiança; Situação de saúde especifica do AA, avaliada pela progenitora como sendo «atrasado».” + A providência de Habeas Corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido/ detido/ ou privado da liberdade em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, Nos termos do artº 222º2 CPP, a petição a apresentar no Supremo Tribunal de Justiça deve fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c). Estes são os fundamentos do habeas corpus, de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e como tal são só os fixados nas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus) que podem ser invocados e como tal importa apenas apreciar se os actos descritos na petição e resultantes do processo se podem, para a sua procedência, reconduzir aos fundamentos referidos no artº. 222.º, n.º 2, do CPP. O fundamento indicado pela requerente traduz-se no facto de a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada às crianças de menoridade, haver ultrapassado o seu prazo, sem que haja sido renovada. Resulta do expendido supra que a medida em causa foi acordada com os progenitores ouvidos e “Em 13 de Novembro de 2024, foi homologado o acordo de promoção e protecção, no âmbito do qual foi aplicada a medida de acolhimento residencial pelo prazo de um ano, com revisão semestral. Em 27 de Fevereiro de 2025, foi proferido despacho de revisão da medida aplicada, tendo a mesma sido mantida.” Donde se verifica que a medida de acolhimento residencial encontra-se legalmente prevista (arts. 35.º, n.º 1, al. f) e 49.º da LPCJP), para as situações de perigo para as crianças, e foi aplicada por decisão judicial e pelo tribunal competente, pelo que neste âmbito não se verificam situações de ilegalidade ou abuso de poder. Mas conforme resulta dos autos já decorreu o prazo de um ano de duração da medida aplicada, nos termos homologados pelo tribunal, e tendo sido objecto de revisão aos 6 meses, não mais o foi posteriormente. Daqui resulta em conformidade com o disposto no artº 61º da Lei 147/99 que a duração da medida é de 1 ano, pois foi a estabelecida e acordada, terminando por isso em 13/11/2025, pelo que deveria ter sido obrigatoriamente objecto de revisão, antes do seu término, nos termos do artº 62º da Lei 147/99 que dispõe no seu nº1 “ Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 37.º, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial…” podendo determinar em caso de revisão, a sua cessação, modificação ou continuação / prorrogação da mesma (nº 3), e não ocorrendo nenhuma destas situações, impõe o artº 63º da Lei 147/99 a sua cessação, nos seguintes termos: “1 - As medidas cessam quando: a) Decorra o respetivo prazo de duração ou eventual prorrogação;” Como se nos afigura evidente o STJ pode e deve verificar se a medida foi aplicada por juiz competente, se ocorreu em relação a factos e se foram respeitados os limites temporais da privação de liberdade fixados pela lei ou em decisão judicial6, e se no que respeita à competência e sua admissibilidade não se suscitam problemas (aplicada pelo tribunal competente por factos que a admitem – situação de perigo para as crianças), já quanto à sua duração, o problema se coloca. A medida de protecção é obrigatoriamente revista até ao termo do prazo estabelecido. Cessa se até lá não tiver sido decretada a sua continuação ou prorrogado o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial. A revisão é um ato processual obrigatório e o prazo de duração fixado é perentório. O que não ocorreu. E por isso a medida cessou. Apesar disso, as crianças mantiveram-se na casa de acolhimento, onde se encontram, uma vez que nenhuma decisão foi judicialmente tomada, não o sendo por isso, em face da cessação da medida pelo decurso do prazo, em execução de qualquer medida de proteção. Daí decorre que se configura uma situação de privação ilegal da sua liberdade, porque mantida para além do prazo fixado na sentença de promoção e proteção, sem que, entretanto e até à data, tenha sido determinada judicialmente a continuação da execução da referida medida de promoção e proteção.7 Tal situação configura uma situação ilegal de privação da liberdade ilegal por excesso do prazo que fora determinado, pelo que cai na previsão do art.º 222º n.º 2 al.ª c) do CPP donde as crianças estão privadas da sua liberdade ilegalmente. Em face da manutenção das crianças na casa de acolhimento em que se encontram, e pelo facto de estarem em causa crianças de tenra idade, não pode determinar-se a sua imediata libertação, porque estando em causa a “não observância do dever de revisão da medida de acolhimento residencial e da sua cessão, ope legis, não pode decorrer, automaticamente, a entrega das crianças aos pais, por se correr o risco de as devolver à situação de perigo que determinou a adoção urgente de medidas cautelares de promoção e proteção adequadas a promoção dos seus direitos e à sua proteção”8. Estão em causa os direitos e o superior interesse das crianças, que levaram à intervenção judicial e à aplicação da medida de acolhimento residencial e que importa salvaguardar, no sentido de averiguar da actual necessidade ou não da sua manutenção. A situação concreta das crianças e dos seus pais pode aconselhar ou demandar a adoção de medidas de proteção, mesmo que cautelares, que se afigurem necessárias e adequadas a salvaguardar a situação de perigo em que poderiam ser colocadas e a assegurar a promoção dos direitos e a proteção daquelas duas crianças. O tribunal onde o processo corre termos é o mais habilitado a decidir da necessidade de medidas de promoção e proteção e, sendo o caso, de qual a mais adequada a promover os superiores interesses das crianças. Assim - conjugando o disposto no art.º 223º n.º 4 al.ª c) do CPP que permite ao STJ mandar apresentar a pessoa privada de liberdade no tribunal competente, e o no art.º 92º n.º 1 da Lei n.º 147/99 que permite a confirmação das “providências tomadas para a imediata proteção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35.º ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança” em caso de perigo eminente para a criança -, é de determinar que o tribunal do processo, no prazo máximo de 48 horas aprecie e reveja a situação das crianças, adoptando a medida adequada ao interesse das mesmas. + Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, decide: a) – declarar ilegal a manutenção atual e efectiva das crianças AA e BB, na Casa de acolhimento onde se encontram nesta data; b) - determinar a sua apresentação ao juiz 1 do Juízo de Família e Menores de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, no âmbito do processo de Promoção e Proteção nº 6903/21.1T8LSB-C para que, no mais curto prazo possível, sem exceder 48 horas, reveja e aprecie a situação das crianças e adote a medida adequada ao superior interesse das crianças, em vista a prevenir o perigo que poderia decorrer da imediata entrega das crianças à requerente sua mãe. c) – determinar que o STJ seja informado da decisão tomada em vista do seu cumprimento (artº 223º 4 al.c) CPP) Sem custas Notifique Com cópia comunique-se de imediato ao proc. nº 6903/21.1T8LSB-C – Juiz 1 do Juízo de Família e Menores de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, e à Casa de Acolhimento Residencial “...”, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde as crianças se encontram para os fins determinados em b). Dn. + Lisboa e STJ, 26/11/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Fernando Ventura Antero Luis Nuno Gonçalves ( Presidente da Secção) ____________ 1. Cf. ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPR T-K.S1 Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt 2. idem 3. idem 4. Com o apoio da alínea b) do ponto 11 do Anexo relativo às «Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade», adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua Resolução 45/113, de 14 de dezembro de 1990, « Privação de liberdade significa qualquer forma de detenção ou prisão ou a colocação de uma pessoa num estabelecimento público ou privado do qual essa pessoa não possa sair por sua própria vontade, por ordem de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública”, e da Convenção Sobre os Direitos da Criança, ratificada por Portugal em 1990, cujo art. 9º, nº1 dispõe que « Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança (…)», estabelecendo na alínea d) do seu artigo 37º que a « a criança privada de liberdade tem direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão sobre a matéria» in ac. STJ 18/1/2017 www.dgsi.pt 5. Cfr entre outros Ac STJ de 18-01-2017, Proferido no Proc.º n.º 3/17.6YFLSB “I - Não obstante a medida de promoção e proteção prevista no art. 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, ter por finalidade o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem estar e desenvolvimento integral, ela não deixa de traduzir uma restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os arts. 220.º e 222.º do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”, sob pena das ilegais situações de excesso da sua duração, por decurso do seu prazo máximo de duração (6 meses) ou por omissão de revisão ( findos os 3 meses), ficarem desigualmente protegidas em relação aos casos de detenção ou prisão ilegais. II - Daí que, embora o CPP, nos seus arts. 220.º e 222.º, n.º 1, preveja apenas a medida de habeas corpus para a detenção e prisão ilegais, atenta a filosofia subjacente a estas normas, tem-se por adequado aplicar, ao abrigo do disposto no art. 4.º do CPP e por analogia, o regime do “habeas corpus” previsto no citado art. 222.º ao caso dos autos, ou seja, à medida de provisória de acolhimento residencial do menor, sob pena de situações análogas gozarem de tratamento injustificadamente dissemelhante, com a consequente violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.” E que sufraga o entendimento já expresso no Ac. STJ de 14-10-2001 : I. Um menor a quem é aplicada medida de guarda em centro educativo em regime semiaberto pode lançar mão da providência de habeas corpus. II. Para que a mesma proceda, há, contudo, que estar preenchida, - mutatis mutandis -, a exigência de qualquer das alíneas que integram a enumeração taxativa do n.º 2 do art. 222.º do Código de Processo Penal.” E no Ac. STJ de 8-03-2006 proc. 06P885 “1. Um menor a quem é aplicada medida de guarda em centro educativo em regime semiaberto pode lançar mão da providência de habeas corpus. 2 . Para que a mesma proceda, há, contudo, que estar preenchida, - mutatis mutandis -, a exigência de qualquer das alíneas que integram a enumeração taxativa do n.º 2 do art. 222.º do Código de Processo Penal. “ in www.dgsi.pt . Na mesma linha de pensamento no sentido da aplicabilidade da providência de Habeas corpus a situações como a dos autos envolvendo medidas de protecção e acolhimento de menores, o ac. STJ de 09-06-2021 - procº 6/21.6T1PTG.S1 relator Paulo F. Cunha) e ac. 23/7/2021 proc. 2943/20.6T8CBR-A.S1 Cons. Nuno Gonçalves, www.dgsi.pt. Ac. STJ 11/10/2023 proc. 244/23.7T8OHP-A.S1 “I - A maioria dos Arestos deste Supremo Tribunal de Justiça têm alargado, através de uma interpretação extensiva ou de integração analógica do referido regime jurídico e das finalidades que o legislador constitucional e ordinário persegue com o mesmo, num Estado de Direito como o nosso, a aplicação da figura do HABEAS CORPUS às medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo que, embora não se possam qualificar juridicamente como «prisão» ou «detenção», são suscetíveis, ainda assim e de alguma forma, de a elas se equipararem, ao afetarem a liberdade pessoal dos cidadãos visados pelas mesmas, através da sua privação, limitação ou restrição. II - Tal equiparação ou similitude, de facto, pode existir e, nessa medida, justificar plenamente, à falta da existência de um meio alternativo de reação, o recurso a este expedito meio cautelar que constitui o procedimento de HABEAS CORPUS. III - Afirmar tal extensão da figura do HABEAS CORPUS aos processos de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo acarreta, naturalmente, uma ponderada aproximação entre os dois regimes jurídicos em confronto, e uma adequada adaptação, quer em termos substantivos como procedimentais, entre ambos, tudo sem prejuízo de se manter a essência de cada um deles.” www.dgsi.pt Ac STJ 6/7/2022 Proc. 561/11.9T2SNS-D.S1, Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt «I. O habeas corpus, previsto no artigo 31.º, n.º 1, da Constituição como direito fundamental contra o abuso de poder, por detenção ou prisão ilegal, constitui uma providência expedita e urgente de garantia privilegiada do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição. A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no artigo 27.º da Constituição, sem lei ou contra a lei. II. O direito à liberdade consagrado e garantido no artigo 27.º da Constituição, que se inspira diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), é o direito à liberdade física, de “ir e vir”, à liberdade ambulatória ou de locomoção, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço; este direito visa proteger a liberdade física da pessoa contra a detenção e contra a prisão arbitrária ou abusiva, conferindo o direito de não ser detido ou preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos expressa e excecionalmente previstos na lei, que deve reunir os necessários requisitos de certeza e previsibilidade, e de acordo com os procedimentos legalmente previstos, nomeadamente quanto à garantia de apreciação e controlo judicial e aos prazos de duração, como tem sido repetidamente afirmado em jurisprudência firme do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). III. O habeas corpus constitui um meio de tutela que abrange qualquer forma de privação da liberdade não admitida pelo artigo 27.º da Constituição e pelo artigo 5.º da CEDH, aqui se incluindo a privação da liberdade de uma criança, fora das condições legais, por sujeição a medida de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado [na formulação do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição] ou a detenção de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância [na formulação do artigo 5.º, n.º 1, al. d), da CEDH], no seu interesse, compreendendo muitos aspetos dos direitos e responsabilidades parentais para benefício e proteção da criança, independentemente de esta ser suspeita da prática de facto qualificado como crime ou de ser uma criança em risco. IV. Neste caso, a medida de “detenção” ou privação da liberdade de uma criança, admitida pela Constituição e pela CEDH, só é legal se for aplicada por um tribunal e estiver expressamente prevista em lei acessível e suficientemente precisa quanto aos seus pressupostos, condições e finalidade, que devem respeitar os princípios da necessidade e proporcionalidade em função do superior interesse da criança e do fim visado, e quanto ao processo de aplicação, prazos e controlo judicial.(…)” Ac STJ 1/9/2022 proc. 14079/21.8T8SNT-D.S1 Cons. Maria do Carmo Silva Dias” I- De acordo com a maior parte da jurisprudência do STJ é admissível alargar a providência do habeas corpus à medida de promoção e proteção de crianças e jovens de “acolhimento residencial”, atenta a sua natureza e finalidade, uma vez que não deixa de ser uma medida limitativa da liberdade e de direitos fundamentais (ainda que não tenha uma finalidade punitiva, como a medida tutelar educativa), tanto mais que (como se esclarece no ac. do STJ de 2.06.2021) constitui também uma medida que origina uma “compressão do direito à unidade familiar” www.dgsi.pt. 6. Ac STJ 5/9/2019 proc. 600/18.2JAPRT.P1.S1-A, www.dgsi.pt “II - Ao STJ, num pedido de habeas corpus por prisão ilegal, apenas incumbe verificar se a prisão resulta de uma decisão judicial proferida por um juiz com competência criminal, se a sua aplicação foi motivada pela prática de um facto que a admite e se foram respeitados os limites temporais da privação da liberdade fixados por lei ou em decisão judicial cf. art. 222.º, n.º 2, do CPP.” 7. Assim Ac. STJ de 23/07/2021, proc. 2943/20.6T8CBR-A.S1 Cons. Nuno Gonçalves, www.dgsi.pt que seguimos de perto 8. Ac. STJ citado de 23/7/2021 citado |