Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1109/11.0TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
BOA -FÉ
TRABALHO SUPLEMENTAR
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / LIQUIDAÇÃO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de processo Civil” Anotado, VI, p. 28.
- Lebre de Feitas, “Código de Processo Civil” Anotado, II, 2001, pp. 648 – 650.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 1997, p. 440.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º, N.ºS 1 E 2, 334.º, 566.º, Nº 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 358.º, N.º 2, 609.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27.4.93, BMJ 426/438;
-DE 18.04.2006, P. 06A325, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT , COMO TODOS OS DEMAIS ARESTOS CITADOS SEM MENÇÃO EM CONTRÁRIO;
-DE 22.11.2006, P. 06S1542;
-DE 14.11.2013, P. 478/05.6TBMGL.C1.S1 (2ª SECÇÃO), DE 02.12.2013, P. 1445/08.3TTPRT.P1.S1, DE 18.09.2013, P. 1582/07.1TTLSB.L2.S1, DE 11.07.2012, P. 1861/09.3TTLSB.L1.S1, E DE 18.02.2011, P. 25/07.5TTFAR.E1.S1, SENDO OS QUATRO ÚLTIMOS DA SECÇÃO SOCIAL.
Sumário :
I - Determinar se o conteúdo de certas declarações gravadas permitem, ou não, concluir no sentido de o trabalhador ter isenção de horário de trabalho, não envolve a apreciação de qualquer questão de natureza jurídica, mormente das regras substantivas de direito probatório; daí que – estando a mesma subordinada ao princípio da livre apreciação da prova, da exclusiva competência das instâncias - não possa o Supremo Tribunal de Justiça exercer qualquer poder cognitivo quanto a essa questão.

II - À luz do disposto no art. 236.º, n.º 1, do Código Civil, e do princípio da geral da boa-fé na execução dos contratos, não pode deixar de entender-se como cessação do regime de isenção horário de trabalho o comportamento da entidade empregadora traduzido na extinção, por um período que se prolongou por mais de sete anos, do pagamento ao trabalhador do subsídio de isenção de horário de trabalho, pagando-lhe apenas a remuneração de base correspondente ao seu nível salarial, prevista nas tabelas salariais do ACT aplicável à relação laboral mantida entre as partes.

III - Terminando o horário de trabalho diário do A. às 16h30, e provado, para além do mais, que este, desde pelo menos 08.06.1998 e até à sua reforma, exercendo funções de Diretor, teve necessidade de prolongar o período normal de trabalho diário, com o consentimento da sua hierarquia direta, constitui trabalho suplementar o prestado para além daquela hora.

IV - Não tendo o trabalhador feito prova dos concretos dias e horas em que a prestação de trabalho suplementar teve lugar, deve relegar-se, nos termos dos artigos 609.º, n.º 2, e 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para ulterior incidente de liquidação, a determinação dos montantes concretamente devidos a tal título, bem como os referentes ao correspondente descanso compensatório.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.


1.1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Banco BB, S.A. (BBB), pedindo a condenação deste a pagar-lhe:

- As quantias de € 26.785,59, correspondente a 519 primeiras horas de trabalho suplementar, e de € 73.275,57, correspondente a 1.217 segundas e subsequentes horas, também de trabalho suplementar;

- A quantia de € 25.015,29, a título de descanso compensatório remunerado, (25% das horas de trabalho suplementar realizadas), tudo acrescido de juros de mora, até integral pagamento.


1.2. Para tanto, alega em síntese:

Foi trabalhador do R., onde exerceu funções de Direção, com horário de 35 horas semanais, entre as 8:30 e as 16:30, com uma hora de intervalo para almoço, de 2ª a 6ª feira, desde 17.01.1972 a 01.08.2010, data em que se reformou.

Com o consentimento do seu superior hierárquico, o A. – que não tinha isenção de horário de trabalho – prestou trabalho para além do horário, entre Março de 2006 e 28.07.2010, trabalho suplementar que não foi pago, tal como não lhe foi concedido o gozo do inerente descanso compensatório, nem pago qualquer montante em sua substituição.


2. O R. contestou.

3. Foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação, condenou o R. a pagar ao A.:

- Retribuição pelo trabalho suplementar, prestado pelo autor no período compreendido entre Março de 2006 e 28.07.2010 (para além do período normal de trabalho – até às 16h30 – acrescido de uma hora), a liquidar ulteriormente;


- Indemnização pelo descanso compensatório respeitante a esse trabalho suplementar não facultado pelo R., também a liquidar ulteriormente;


- Juros de mora, até integral pagamento, desde a data do respectivo vencimento quanto ao trabalho suplementar e desde a data da citação quanto a esta indemnização.

4. Interposto recurso de apelação por ambas as partes, foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP):

- Alterar a matéria de facto no sentido propugnado pelo A.

- Considerando que o A. não trabalhou em regime de isenção de horário, conceder parcial provimento ao recurso do A., condenando o R. a pagar-lhe a retribuição pelo trabalho suplementar prestado no período de 21.07.2006 até 28.07.2010, a partir das 16h30, bem como uma indemnização pelo descanso compensatório respeitante a esse trabalho suplementar, não facultado pelo R., a liquidar futuramente, acrescendo juros de mora, desde a data do respetivo vencimento quanto ao trabalho suplementar e desde a data da citação quanto à referida indemnização, até efetivo e integral pagamento.

- Negar provimento ao recurso do R.


5. A R. interpôs recurso de revista, pugnando pela improcedência da ação, ou, subsidiariamente, pela revogação do decidido no tocante à condenação no que vier a liquidar-se posteriormente, para tanto dizendo, em síntese, nas conclusões da sua alegação:

- Não houve prestação de trabalho suplementar, nem estão verificados os pressupostos do seu pagamento.

- Ainda que o tivesse prestado, o mesmo não era remunerável, nem, por outro lado, passível de liquidação.

- Resulta da prova produzida nos autos, nomeadamente das declarações prestadas pelo A. na audiência de julgamento, que este confessou ter isenção de horário, o que deve ser atendido, nos termos do art. 674.º, n.º 3, CPC, mantendo-se a versão original do facto provado n.º 30 e alterando-se em conformidade o constante do ponto n.º 7.

- Decorre, entre outros, dos pontos n.ºs 16, 23 e 29 dos factos provados que o A. tinha isenção de horário;

- O valor de 550.000$00 (aludido no ponto 29) é o valor do nível 16 já em vigor em Março de 1998, pois a tabela salarial foi acordada e entrou em vigor antes do ACT em causa, razão pela qual se procedeu nesta data à alteração da estrutura remuneratória do A.

- O A. estava perfeitamente consciente que o valor que lhe tinha acabado de ser atribuído a título de isenção de horário de trabalho havia sido incorporado na sua retribuição base, pelo que, a ter algum direito nesta matéria, seria abusivo o seu exercício.

- O art. 609.°, n.º 2, do CPC, deve ter uma interpretação restritiva, desde logo por respeito ao caso julgado, impedindo que se discutam novamente os mesmos factos.

- No caso dos autos, relegar para liquidação de sentença a quantificação do trabalho prestado para além do horário de trabalho é permitir que sobre os mesmos factos alegados se produza novamente prova.

6. O A. contra-alegou.


7. A Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam. 

8. Inexistindo quaisquer outras de que cumpra conhecer oficiosamente, em face das conclusões da alegação do recorrente, as questões a decidir são as seguintes[1]:

- Se o A. confessou ter isenção de horário, devendo por isso manter-se a versão original do facto provado n.º 30 e alterar-se em conformidade o constante do ponto n.º 7.

- Se o A. (não) trabalhava em regime de isenção de horário;

- Se estão verificados os pressupostos do pagamento de trabalho suplementar e da remuneração do correspondente descanso compensatório;

- Se é ilegal relegar para liquidação de sentença a quantificação do trabalho prestado para além do horário de trabalho;

- Se o A. agiu com abuso de direito.

E decidindo.

II.


9. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

1 - O Autor foi trabalhador efetivo do Réu, com domicílio profissional na respetiva sede, desde 17 de Janeiro de 1972 até 01 de Agosto de 2010, data em que se reformou.

2 - O Autor tinha a categoria contratual de Diretor, desempenhando desde antes de 2005 na Direção de Crédito do Réu as funções de Diretor de Crédito Corporate, que abrangia as Empresas ou Grupo de Empresas com faturação superior a cem milhões de euros e Institucionais sediadas no norte do país, Madeira e Açores, as quais no seu conjunto ascendiam a mais de mil empresas integrantes de mais de cem grupos económicos.

3 - Nos anos a seguir referidos o A. detinha o nível 18 e auferiu, pelo menos, a remuneração mensal[2]:

- 2006, retribuição base de € 4.209,50, o montante de € 597,79 a título de diuturnidades;

- 2007, retribuição base de € 4.326,10, o montante de € 614,35 a título de diuturnidades;

- 2008, retribuição base de € 4393,41, o montante de € 630,33 a título de diuturnidades;

- 2009, retribuição base de € 4.459,31, o montante de € 641,56, e a partir de julho, de €759,74, a título de diuturnidades;

- 2010, retribuição base de € 4.503,90, o montante de € 759,74 a título de diuturnidades.

4 - O período normal de trabalho do Autor era de 7 horas diárias e 35 horas semanais, com início às 8:30 e termo às 16:30 horas, com uma hora de intervalo para almoço, de segunda a sexta-feira.

5 - O Autor trabalhava para além das 16:30 horas.

6 - Aquele trabalho que o Autor prestava para além das 16:30 horas era prestado nas instalações da sede social do Banco BB, SA, com recurso ao seu equipamento e sistema informático e na presença da respetiva hierarquia e demais trabalhadores.

7 - Tal trabalho era consentido pela hierarquia direta do Autor.

8 - Trabalho esse que o Réu e a hierarquia do Autor valorizavam, mediante, designadamente, a atribuição de boas notações profissionais, que punham em evidência esse trabalho nos seguintes termos: “Evidencia uma total disponibilidade para a Unidade dando preciosos contributos para o seu desenvolvimento”.

9 - O Diretor Geral do Réu que tinha domicílio profissional em Lisboa e enquadrou hierarquicamente o Autor, deu nota ao Conselho de Administração do Banco da sua valia profissional, propondo no ano de 2008 a atribuição de um bónus de € 12.000,00.

10 - Ao Autor não era atribuída qualquer quantia a título de bónus ou gratificação de balanço.

11 - O Autor não gozou qualquer período a título de descanso compensatório por trabalho suplementar que tivesse sido por si prestado.

12 - O A. é originário do extinto Banco CC, S.A., que se fundiu no R.

13 - Naquela Instituição Financeira, o A. teve e desempenhou, entre outras, a categoria de Diretor Adjunto e tinha o nível remuneratório 16 em Fevereiro de 1998.

14 - O A. esteve inscrito no Sindicato dos Bancários do Norte até Novembro de 1998.

15 - Em 1998, decidiu o A. alterar a sua filiação sindical, transitando do Sindicato referido, de onde se demitiu, para o Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários, onde ingressou em Setembro de 1998.

16 - O último Sindicato referido estava então em negociações com o Banco R. para a celebração de um acordo Coletivo de Trabalho, que contudo, no que se referia a retribuições tinha já àquela data (Fev./1998) concretizado os valores dos níveis remuneratórios e que eram os então praticados no BBB, e muito superiores aos da Banca em geral, designadamente no BCC, de onde o A. era oriundo.

17 - O R. entendeu que a integração dos trabalhadores provenientes do BCC, no BBB, em virtude da fusão, requeria pois especial atenção, que seria dada através de um mecanismo de correção de retribuições.

18 - A prática retributiva na Banca era de pagamento de um determinado nível remuneratório, acrescido de um conjunto variado de outras parcelas retributivas, designadamente isenções de horário de trabalho.

19 - A prática no BBB, ora R., não era essa, e por essa razão os níveis remuneratórios equiparáveis tinham um valor retributivo significativamente superior.

20 – O BBB e o Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários acordaram então num mecanismo corretivo que consistia na correção da retribuição base dos trabalhadores que viessem a ser filiados em tal Sindicato, e que consistia, em geral, em o novo valor retributivo integrar, pelo menos, alguns dos complementos retributivos auferidos pelos trabalhadores oriundos do BCC.[3]

21 - Este acordo estava já suficientemente sedimentado no decurso do ano de 1998, e foi na prática implementado nessa data, muito embora o Acordo Coletivo que o consignou viesse a ser celebrado mais tarde.

22 - Em muitos casos a remuneração do nível consignado no acordo feito com o Sindicado dos Quadros, depois de ser feita tal integração, continuava a ser superior à vigente no ACT celebrado entre o BCC e o Sindicato dos Bancários do Norte Sul e Ilhas (vulgo ACTV).

23 - No que ao A. concerne, a remuneração do nível 16, a que o A. tinha então, era no acordo coletivo em desenho, mas nesta parte já assente, superior ao do primeiro em 223.850$00.

24 - O A., já antes dos factos referidos em 25 e 26, prestava o seu trabalho com isenção de horário de trabalho, e recebeu, pelo menos até Fevereiro de 1998, o correspondente subsídio por isenção de horário de trabalho, que lhe era abonado em rubrica própria.

25 – (...)[4]

26 - O Banco CC, SA, pediu Isenção de Horário de Trabalho em relação ao A. à Inspeção do Trabalho em 10 de Fevereiro de 1998, tendo o A. dado a sua autorização, e sendo que o pedido de isenção de horário de trabalho foi formulado fazendo referência a haver necessidade de estender o período normal de trabalho do A., “(...) pedido este que se justifica pelo facto de geralmente, e devido às funções que desempenha, ser obrigado a prolongar o seu trabalho para além do período normal de trabalho de 1 HORA em média(...)”.[5]

27 - O referido pedido de isenção de horário de trabalho à Inspeção do Trabalho, foi por esta, aos 08.06.1998, “Deferido. A isenção é válida enquanto se mantiverem os pressupostos subjacentes à sua concessão”.[6]

28 - O A. desde pelo menos essa data, e até à sua reforma, exerceu sempre funções de Diretor com necessidade de prolongar o exercício de funções para além do período normal de trabalho diário.

29 – O Banco, a partir de Março de 1998, passou a pagar ao A. 550.000$00 mensais a título de remuneração de base correspondente ao nível 16, em vez de um total de 408.111$00 mensais, montante este referente a 326.150$00 a título de remuneração de base correspondente ao nível 16 e 81.961$00 referente a uma hora de isenção de horário de trabalho.[7]

30 - Desde, pelo menos, 2006, o A., por algumas vezes, chegou às 9h00 da manhã.[8]

31 - Para facilitar o registo, a aplicação informática dos registos de tempo de trabalho foi programada para, por defeito, assumir que os tempos de trabalhos se iniciassem, e terminassem, em sintonia com o horário de trabalho no Sector Bancário: 8:30 -12:30 e 13:30 - 16:30.


III.


a) - Se o A. confessou ter isenção de horário, devendo por isso manter-se a versão original do facto provado n.º 30 e alterar-se em conformidade o constante do ponto n.º 7.


10. Das decisões tomadas pelas Relações no plano dos factos não cabe recurso para o STJ (arts. 662.º, n.º 4, e 674.º, n.º 3, 1.ª parte, CPC), exceto quando seja invocada uma violação das regras substantivas de direito probatório (2.ª parte desta última disposição legal), ou seja, quando esteja em causa um erro de direito.

Em bom rigor, aliás, como já notava Alberto dos Reis[9], esta última norma – praticamente idêntica à consagrada no art. 722.º, § 2.º, do CPC 1939 – seria desnecessária, uma vez que é sempre possível recorrer de revista quando está em causa um erro de natureza jurídica (como é o caso das duas hipóteses de recorribilidade aí contempladas).

Na verdade – ao contrário do que ocorre no tocante ao erro na avaliação da prova livre (maxime da prova testemunhal), bem como na apreciação dos factos (mormente em matéria de presunções hominis) –, o erro na fixação dos factos decorrente da violação de uma norma jurídica (envolvendo, pois, prova legal ou vinculada) é um erro de direito.

Deste modo:

O erro na (não) fixação de factos por acordo não é passível de revista quando a concreta matéria suscitada se situe no estrito plano dos factos, como é o caso, nomeadamente, da questão de saber se determinado facto foi, ou não, objeto de “posição definida” (cfr. art. 474.º, do CPC) pela contraparte (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa[10] e Ac. do STJ de 27/4/93, BMJ 426/438), ou de avaliar se determinado facto está, ou não, “em oposição com a defesa considerada no seu conjunto” (para efeitos n.º 2 do mesmo art. 490.º).

No entanto, diversamente, o erro na fixação dos factos por acordo é passível de censura pelo Supremo quando esteja verificado o apontado condicionalismo previsto no art. 674.º, n.º 3, 2.ª parte, CPC [neste sentido, v.g. Ac. do STJ de 22/11/2006, P. 06S1542 (Pinto Hespanhol)[11]], e, em geral, uma infração às regras substantivas de direito probatório (assim acontecerá, paradigmaticamente, considerando-se admitido por acordo um facto que não admita confissão ou que só por documento possa provar-se, por tal infringir a norma ínsita  no art. 490.º, n.º 2, CPC).

11. No caso vertente, o R. sustenta que da prova produzida nos autos, nomeadamente das declarações prestadas pelo A. na audiência de julgamento, resulta que este confessou ter isenção de horário, pelo que deve manter-se a versão original do facto provado n.º 30 e alterar-se em conformidade o constante do ponto n.º 7.

Para tal alega, nomeadamente, que do teor das declarações do A., prestadas na audiência, constantes do “Registo áudio: minutos 00:01 a 35:14”, “decorre inquestionavelmente que o (…) ora recorrido declarou ter isenção de horário de trabalho até ao final do contrato, muito embora não lhe fosse paga”.

É patente, assim, que o pretendido exigiria a efetiva reponderação dos meios de prova (a modificação, pura e simples, da matéria de facto), em infração ao assinalado princípio da livre apreciação de prova pela Relação, e à competência do STJ em sede de recurso de revista (em cujo âmbito nunca tem lugar a análise dos registo/gravação  da prova…), nada tendo sido verdadeiramente suscitado no plano da violação das normas de direito probatório que presidiram à alteração da matéria de facto levada a cabo na decisão recorrida.

Na verdade, determinar se o conteúdo de certas declarações gravadas permitem, ou não, concluir no sentido de o A. ter isenção de horário, não envolve a apreciação de qualquer questão de natureza jurídica, mormente das regras substantivas de direito probatório.

Por conseguinte, suscitada matéria da competência exclusiva das instâncias, sobre a qual o Supremo Tribunal de Justiça não pode exercer o seu poder cognitivo, improcede, a pretensão do recorrente em apreço.

***




b) - Relativamente à segunda (se o A. não trabalhava em regime de isenção de horário) e terceira (se estão verificados os pressupostos do pagamento de trabalho suplementar e da remuneração do correspondente descanso compensatório) questões.

12. Neste âmbito, cabal e consistentemente, o acórdão recorrido desenvolveu a seguinte argumentação:

- Quanto a saber se o A. (não) trabalhava em regime de isenção de horário:

“(…)

Segundo entende o A., o seu horário de trabalho terminava às 16h30, sendo que, tendo até Fevereiro de 1998 prestado trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, tal regime cessou pois que o Réu, desde Março de 1998, deixou de lhe pagar o correspondente subsídio que, até então, lhe era pago, passando a pagar-lhe tão-só a retribuição base mínima prevista na tabela salarial para o seu nível salarial.

Por sua vez, defende o Réu que tal isenção se manteve, sendo que o subsídio correspondente foi integrado na remuneração de base do A., o que ocorreu por virtude das necessárias correções da remuneração que se verificaram decorrentes da transição do A. para o BBB e da sua filiação no Sindicato dos Quadros, cujo ACT previa tabelas salariais muito superiores às aplicáveis no âmbito do ACT para o sector bancário, assim considerando que tal subsídio, por via dessa integração, foi pago ao A. Mais entende que foi, em Fevereiro de 1998, pedida, com o consentimento do A., e autorizada pela IGT, isenção de uma hora de trabalho para o prolongamento do período normal de trabalho, mantendo-se, após isso, válidas as razões justificativas desse pedido e da sua autorização.

Na sentença recorrida entendeu-se que o A. prestava o seu trabalho em regime de isenção de horário de trabalho de uma hora, nela se tendo referido o seguinte:

“Ora, tendo em consideração que está – nomeadamente - provado que o Banco pediu isenção de horário de trabalho do autor à Inspeção do Trabalho em Fevereiro de 1998, tendo o autor dado a sua autorização, pedido de isenção de horário de trabalho que foi formulado fazendo referência a haver necessidade de estender o período normal de trabalho do autor, “(...) pedido este que se justifica pelo facto de geralmente, e devido às funções que desempenha, ser obrigado a prolongar o seu trabalho para além do período normal de trabalho de 1 HORA em média(...).”, e sendo que tal pedido de isenção de horário de trabalho à Inspeção do Trabalho, foi por esta “Deferido. A isenção é válida enquanto se mantiverem os pressupostos subjacentes à sua concessão”, situação que se manteve até à data da reforma do autor (cf. pontos 25, 26 e 27 da matéria de facto) temos de concluir que efetivamente o autor beneficiava de isenção de horário.

(…)

À luz das normas citadas, nenhuma razão se alcança para pôr em crise a validade da referida isenção de horário de trabalho, quer na sua génese quer depois enquanto situação subsistente até à data da reforma do autor.

É certo que pode questionar-se da efetividade do (alegado pela ré) pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, atentos os concretos termos em que a ré alegou ter feito o pagamento.

(…)

Porém, esta é questão que em boa verdade não importa aprofundar, pois o autor não pede nada com esse fundamento, de falta de pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho.”

4.1. Ou seja, a questão que se coloca é a de saber se, pese embora o Réu tenha, em Março de 1998, deixado de pagar ao A. o subsídio de isenção de horário de trabalho, este continuou a prestar o seu trabalho em regime de isenção de horário de trabalho (de uma hora diária).

Em abstrato, poder-se-ia dissociar a isenção de horário de trabalho, como regime da prestação de trabalho, do crédito à correspondente retribuição (que, por comodidade, designaremos de subsídio), admitindo-se que o trabalhador possa prestar o seu trabalho em regime de isenção de trabalho mas que o correspondente subsídio lhe esteja em dívida por o empregador não lho haver pago. E que, neste caso, o que o trabalhador deva reclamar seja o pagamento do subsídio e não o pagamento do trabalho suplementar correspondente a essa hora de isenção.

Afigura-se-nos, todavia (…) que a apreciação e solução a dar a tal questão (…) transcende a da mera mora no pagamento do subsídio, não passando essa apreciação (…) apenas pela circunstância desse regime haver sido pedido e concedido e de o A. ter continuado a trabalhar nos mesmos moldes em que anteriormente o fazia, isto é prolongando o seu período normal de trabalho diário por subsistirem as razões que justificaram o pedido.

Importa, a nosso ver, apurar, no caso concreto (…) se o Réu, ao ter deixado de pagar ao A. o correspondente subsídio desde Março de 1998 e ao longo de todo o restante período de execução do contrato de trabalho, não pôs termo ao próprio regime de isenção de horário de trabalho, o que passa também pela interpretação da vontade negocial e pelas regras da boa-fé na execução contratual.

4.2. O regime da isenção de horário de trabalho (IHT) constitui uma forma de organização do tempo de trabalho que permite que o trabalhador não esteja adstrito ao cumprimento do horário de trabalho nos termos e na medida do que foi previsto na isenção (…) mediante o pagamento de uma contrapartida remuneratória, o já designado subsídio de isenção de IHT.

Na situação em apreço, o A. foi trabalhador do BCC, havendo sido este quem (…), em 10.02.1998, requereu à IGT a concessão do regime de IHT, a qual posteriormente veio a ser deferida e havendo o A., no mês de Fevereiro desse ano, recebido o subsídio correspondente.

Da matéria de facto provada não decorre, expressamente ou com absoluta clareza, o momento da efetiva transição, na sequência do processo de fusão, do A. do BCC para o BBB. Dela decorre, contudo, que o pedido de isenção foi formulado pelo BCC ou em nome deste em início de Fevereiro [o pedido está subscrito pelo BCC e não pelo BBB], mas que, em finais desse mesmo mês, o A. terá efetivamente transitado para o BBB, como decorre da alteração da sua retribuição base para 550.000$00 mensais a partir de Março de 1998, esta a prevista no ACT celebrado entre o BBB e o Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários [sendo que, a essa data, Março de 1998, o A. não era ainda filiado em tal Sindicato, pelo que nem estava o BBB obrigado ao pagamento dessa remuneração de base mínima; aliás, de acordo com a tese do Réu, a transição do A. do BCC para o BBB terá determinado a necessidade do alegado “acerto” remuneratório].

Ocorreu ou coincidiu, pois, nesse curto lapso temporal, uma alteração (…) dessas entidades, assim como ocorreu uma alteração da retribuição do A., que deixou de auferir a remuneração de base de 326.150$00 (correspondente ao nível 16 que detinha) acrescida da quantia de 81.961$00 a título de uma hora de isenção de horário de trabalho, para passar a auferir apenas  a remuneração de base, que lhe foi atribuída pelo Banco Réu, de 550.000$00, correspondente a esse nível 16, mas tendo-lhe, desde então, deixado de ser paga qualquer quantia a título de subsídio de isenção de horário de trabalho.

Não decorre dos factos provados que o Réu tivesse, então, comunicado ao A. que nesse montante estaria incluído o subsídio de IHT, nem do título a que era paga a quantia de 550.000$00 se pode concluir que o mesmo nela estivesse incluído (…).

E (…) muito menos se pode considerar, e nunca poderia o Banco Réu assim considerar, que, a partir do momento em que o A. se filiou no Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários (em Setembro de 1998), esse subsídio estivesse incluído na retribuição base correspondente ao nível (16), que o A. detinha em 1998, previsto na tabela salarial constante do ACT celebrado entre o Réu e esse Sindicato (publicado no BTE nº 1, de 08.01.1998), nem nas retribuições base subsequentes, mormente nas pagas nos anos de 2006 a 2010.

Com efeito, a partir da data daquela filiação, tal ACT passou a ser aplicável  à relação laboral, vinculando o Réu, em relação ao A., às tabelas salariais dele constantes. Ora, a mencionada remuneração de 550.000$00 corresponde à remuneração de base, mínima e obrigatória, prevista na tabela salarial constante do Anexo II para o nível 16, pelo que nunca poderia o A. auferir remuneração inferior, a qual, e por consequência, nunca poderia integrar qualquer subsídio de isenção de horário de trabalho, o que, manifestamente, não poderia deixar de ser do conhecimento do Banco Réu. Tal remuneração é uma remuneração mínima devida em função apenas do nível salarial do trabalhador e que não integra qualquer outra componente ou complemento, para além de que, a par da remuneração de base correspondente aos níveis mínimos obrigatórios previstos na tabela salarial, o ACT aplicável também prevê a isenção de horário de trabalho para cargos de direção e o pagamento do correspondente subsídio. E o mesmo se diga quanto aos anos subsequentes, mormente quanto aos anos de 2006 a 2010, em que as remunerações de base pagas ao A. (referidas no nº 3 dos factos provados) correspondem às previstas nas tabelas salarias do ACT aplicável para o nível 18, este o do A.

Há pois que concluir que não procede a tese do Réu de que integrou o subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração de base do A. e que, por via disso, o pagou. O que ocorreu foi que o Réu, pelo menos a partir da filiação sindical do A. no Sindicato dos Quadros e Técnicos Bancários, passou a pagar ao A. a remuneração de base correspondente ao seu nível salarial e que era obrigatoriamente devida por via da aplicabilidade do ACT celebrado com esse Sindicato, deixando de lhe pagar o subsídio de isenção de horário de trabalho.

Ora, tal comportamento, que perdurou durante cerca de 12 anos, não pode deixar de ser entendido (…) como uma manifestação inequívoca não apenas de que o Banco Réu pretendeu deixar de pagar o subsídio de IHT, como também de que fez cessar o regime de isenção de horário de trabalho. E fê-lo cessar, senão antes, pelo menos a partir da data em que o A. peticiona o trabalho suplementar (Março de 2006), sendo certo que, a esta data, já tinham decorrido mais de 7 anos desde, pelo menos, a data em que o A. se filiou no mencionado Sindicato dos Quadros [data a partir da qual à relação laboral passou a ser aplicável o ACT celebrado com esse Sindicato e, por consequência, passou a ser obrigatória a remuneração base prevista nas suas tabelas salariais para o nível do A.].

(…)

Tendo o Réu deixado de lhe pagar, em 1998, o subsídio de isenção de horário de trabalho, passando o A., pelo menos partir do momento em que se filiou no Sindicato dos Quadros e durante largos anos, a receber apenas a retribuição base obrigatória prevista nas tabelas salariais do ACT que lhe era aplicável, e não já o subsídio correspondente a essa isenção (não procedendo, como não procedeu, a tese do Réu de que tal subsídio estivesse integrado na remuneração de base), ACT esse que, concomitantemente, previa a possibilidade de concessão aos diretores do regime de isenção de horário de trabalho e do pagamento da correspondente retribuição, não vemos que, face ao art. 236º do CC e às regras da boa-fé, outra possa ser a interpretação que não a de que o Banco Réu fez cessar, e com tal comportamento manifestou essa sua intenção  que assim foi interpretada pelo A., o regime de isenção de horário de trabalho que o BCC havia solicitado em Fevereiro de 1998.

E a isso não obsta o facto de o A. ter continuado a prestar o seu trabalho nos moldes em que o vinha fazendo anteriormente. Como decorre do nº 28 dos factos provados, as funções do A. determinavam a necessidade de prolongar o seu trabalho para além do seu período normal de trabalho diário, sendo que o trabalho era prestado no Banco, na presença e com o consentimento da hierarquia e que era valorizado com boas notações (nºs 6 a 9 dos factos provados).

Ou seja, e concluindo, não podemos acompanhar a sentença recorrida, entendendo-se que o trabalho prestado pelo A. para além das 16h30 (…) não o era em regime de isenção de horário de trabalho (…)”

- Quanto a saber se estão verificados os pressupostos do pagamento de trabalho suplementar e da remuneração do correspondente descanso compensatório:

“(…)

Ao caso é aplicável o CT/2003, bem como o CT/2009, tendo em conta o período a que se reporta o alegado trabalho suplementar, e ainda o ACT celebrado entre o Réu e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários [referido no nº 15 dos factos provados], publicado no BTE nº 30, de 15.08.2002, e suas alterações posteriores [publicadas nos BTE nºs 30, de 15.08.2003, 4, de 29.01.2005 e 22, de 15.06.2007].

(…)

Considera-se trabalho suplementar aquele que é prestado fora do horário de trabalho [arts. 197º do CT/2003 e 226º do CT/2009 e clª 51ª do ACT], dispondo o nº 5 do art. 258º do CT/2003 e o nº 2 do art. 268º do CT/2009, que é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador, sendo que, a este propósito, dispõe o nº 4 da clª 51º do ACT aplicável que “4 - A prestação de trabalho suplementar tem de ser prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora ou consentida pela hierarquia direta do trabalhador, sob pena de não ser exigível o respetivo pagamento.”.

Por sua vez, a prestação de trabalho suplementar em dia útil confere ao trabalhador o direito a descanso compensatório nos termos referidos no art. 202º, nºs 1 e 2 do CT/2003 e 229º, nº 1, do CT/2009.

 

5.2. No caso, o período de trabalho diário e semanal do A. é de, respetivamente, 7 horas diárias  e 35 horas semanais [nº 4 dos factos provados e clª 48º, nº 1, do ACT], sendo o seu horário de trabalho o indicado no nº 4 dos factos provados: de 2ª a 6ª feira, com início às 7h30 e termo às 16h30, com uma hora de intervalo para almoço. 

Decorre, pois, da matéria de facto provada que o horário de trabalho do A. terminava às 16h30, e bem assim, que o A. trabalhava para além desta hora, o que fazia nas instalações da sede social do Réu, com recurso ao seu equipamento e sistema informático, na presença da respetiva hierarquia, com o consentimento da sua hierarquia direta, trabalho esse que o Réu e a hierarquia do A. valorizavam mediante, designadamente, a atribuição de boas notações profissionais e que punham em evidência a sua disponibilidade [nºs 5 a 8 dos factos provados]. Mais decorre que o exercício das suas funções determinava a necessidade de prolongamento do seu período de trabalho [nº 28].

De tal matéria resulta, pois, que o A. prestou trabalho suplementar, pois que o prestou para além das 16h30, como tal se considerando o que era prestado após esta hora e que o seu pagamento é exigível ao Réu, nos termos das disposições legais citadas, uma vez que prestado com o conhecimento e consentimento deste, incluindo da sua hierarquia direta.

Por outro lado, e como decorre do que se deixou dito em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, não fez o Réu prova da alegada prestação de trabalho em regime de horário de trabalho flexível, assim como decorre igualmente do que se decidiu no ponto III.4. a 4.2., que o trabalho prestado para além das 16h30 não o foi ao abrigo do regime jurídico da isenção de horário de trabalho. Não decorre também das normas legais aplicáveis e das cláusulas constantes do ACT aplicável que não sejam ao A. aplicáveis os preceitos relativos ao horário de trabalho e ao trabalho suplementar.

Por outro lado, importa referir que se nos afigura irrelevante que o A., por vezes, pudesse chegar depois das 8h30, não se vendo que esses atrasos legitimem o correspondente desconto no trabalho suplementar, carecendo esse desconto de fundamento legal.

É que falecem os pressupostos, ao que nos parece, considerados na sentença recorrida para que esta tivesse entendido que o que estaria em causa não seria o trabalho prestado fora do horário de trabalho, mas sim o prestado para além do período de trabalho diário de 8 horas [7 horas normais + 1 hora de isenção], quais sejam o de que o A. prestava o seu trabalho em regime de isenção de horário de trabalho e de que geriria, do modo que entendesse, a sua prestação laboral sem estar sujeito ao cumprimento de horário de trabalho e sem estar sujeito a qualquer horário de almoço [assim considerando que haveria que contabilizar os “atrasos” na hora de entrada no período da manhã e o tempo despendido no almoço com vista ao apuramento do trabalho suplementar].

Perante a alteração da matéria de facto, não é esse, todavia, o caso.

O A. tinha um horário de trabalho definido, sendo que prestou trabalho para além do seu termo, isto é, para além das 16h30. E, este, constitui trabalho suplementar porque foi prestado para além do termo do seu horário de trabalho diário, sempre o sendo independentemente de eventuais atrasos na hora de início da sua prestação laboral, não estando em causa a prestação de trabalho suplementar por excesso do período normal de trabalho diário [como se sabe (…) período normal de trabalho e horário de trabalho são realidades distintas]. Os eventuais “atrasos” do A., fossem ou não tolerados pelo Réu, se este os tivesse por relevantes, eles poderiam não ser inócuos, porém para outros efeitos,  que ao caso não relevam, mas não já para os efeitos ora em apreço, em que o que aqui está em causa é a prestação de trabalho suplementar fora do horário de trabalho.

5.3. Tendo o A. feito prova de que prestou trabalho para além das 16h30, impõe-se concluir que fez prova da prestação de trabalho suplementar e do direito ao correspondente descanso complementar, que o Banco Réu não lho concedeu, nem poderá vir a conceder na medida em que o contrato de trabalho já cessou, nem lho pagou, como aliás foi reconhecido na sentença recorrida, embora com menor extensão ou alcance do ora reconhecido.

Por outro lado, não fez o Réu prova do pagamento desse alegado trabalho suplementar, prova essa que lhe competia - art. 342º, nº 2, do CC.

(…)”

13. No essencial, subscrevemos os termos convincentes em que estas duas questões foram refletidas e argumentadas na 2ª instância, nada de útil havendo a acrescentar, pelo que se mantém o correspondente juízo decisório.

***

c) - Se é ilegal relegar para liquidação de sentença a quantificação do trabalho prestado para além do horário de trabalho:

14. Não tendo o A. feito prova dos concretos dias e horas em que a prestação de trabalho suplementar teve lugar, decidiu-se, nos termos dos arts. 609.º, n.º 2, e 358.º, n.º 2, do NCPC, relegar para ulterior incidente de liquidação a determinação dos montantes concretamente devidos a tal título, bem como os referentes ao correspondente descanso compensatório.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal encontra-se atualmente estabilizada nesta matéria, decidindo-se, uniforme e reiteradamente que, apurada a existência de danos, mas não permitindo a matéria de facto provada a sua quantificação, não deve o Tribunal socorrer-se do preceituado no art. 566.º, nº 3 do C. Civil, mas antes do estatuído no art. 609.º, n.º 2 do NCPC (art. 661.º, nº 2 do anterior Código), exceto se se concluir que o respetivo montante (concreto) já não pode ser determinado, podendo, pois, o tribunal condenar no que se liquidar ulteriormente, mesmo que o pedido em causa tenha sido formulado em quantia certa, possibilidade que (ao contrário do sustentado pela recorrente) em nada viola o princípio do caso julgado.

Na verdade, como se explana no Ac. do STJ de 18-04-2006, P. 06A325, “o art. 569.º do Cód. Civil permite expressamente a formulação de pedidos genéricos, a liquidar posteriormente de acordo com os cânones gerais do incidente de liquidação. Por isso, se o lesado tem a faculdade de prescindir da prova no momento processual inicial, para quantificar os danos exatos que sofreu, podendo fazê-lo mais tarde, por paridade de razão isso também lhe será facultado quando formular um pedido líquido e certo e não lograr fazer a prova daquele montante líquido. Pressuposto essencial é a demonstração da existência de prejuízos e o resto já tem que ver com a contabilidade da sua amplitude”.


Ainda neste sentido, v.g. os Acs. do STJ de 14.11.2013, P. 478/05.6TBMGL.C1.S1 (2ª Secção), de 02.12.2013, P. 1445/08.3TTPRT.P1.S1, de 18.09.2013, P. 1582/07.1TTLSB.L2.S1, de 11.07.2012, P. 1861/09.3TTLSB.L1.S1, e de 18.02.2011, P. 25/07.5TTFAR.E1.S1, sendo os quatro últimos desta Secção Social.[12]

É indiscutível que no caso dos autos se encontram verificados os apontados requisitos do mecanismo processual em análise, improcedendo, pois, também, esta questão.


***


d) - Se o A. agiu com abuso de direito.

15. Neste âmbito, alega o R. que o A. estava perfeitamente consciente que o valor que lhe tinha acabado de ser atribuído a título de isenção de horário de trabalho havia sido incorporado na sua retribuição base, pelo que, a ter algum direito nesta matéria, seria abusivo o seu exercício.

Ora, é inequívoco que não se encontram preenchidos os requisitos legalmente consagrados para o abuso de direito (cfr. art. 334.º, C. Civil) – figura que como é sabido se destina a prevenir situações que especialmente colidam com a consciência jurídica dominante –, desde logo por não se terem provado os factos em que o R. alicerça a sua invocação (cfr. supra n.º 9).

IV.

16. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 25 Junho de 2015

Mário Belo Morgado (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Pinto Hespanhol

______________________
[1] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, NCPC], questões que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
[2] Alterado pelo TRP, constando da sentença da 1ª Instância: “Auferindo, pelo menos, a remuneração mensal: (...)”.

[3] Alterado pelo TRP, constando da sentença da 1ª Instância: “O BBB e o Sindicato dos Quadros acordaram então num mecanismo corretivo que consistia na correção da retribuição base dos trabalhadores que viessem a ser filiados em tal Sindicato, e que consistia, em geral, em o novo valor retributivo integrar os complementos retributivos auferidos pelos trabalhadores oriundos do BCC”.
[4] Eliminado pelo TRP, sendo o seguinte o seu teor: “O A. manteve a isenção de horário de trabalho até à data da sua reforma”.
[5] Alterado pelo TRP, constando da sentença da 1ª Instância: “O Banco pediu Isenção de Horário de Trabalho do A. à Inspeção do Trabalho em Fevereiro de 1998, tendo o A. dado a sua autorização, e sendo que o pedido de isenção de horário de trabalho foi formulado fazendo referência a haver necessidade de estender o período normal de trabalho do A., “(...) pedido este que se justifica pelo facto de geralmente, e devido às funções que desempenha, ser obrigado a prolongar o seu trabalho para além do período normal de trabalho de 1 HORA em média(...)”.
[6] Alterado pelo TRP, constando da sentença da 1ª Instância: “O referido pedido de isenção de horário de trabalho à Inspeção do Trabalho, foi por esta “Deferido. A isenção é válida enquanto se mantiverem os pressupostos subjacentes à sua concessão”.
[7] Alterado pelo TRP, constando da sentença da 1ª Instância: “O Banco passou a pagar ao A. a título de remuneração base 550.000$00, em lugar de 408.111$00, considerando o Banco que naquele montante de 550.000$00 já estava incluído o pagamento do subsídio por isenção de horário de trabalho”.
[8] Alterado pelo TRP, constando da sentença da 1ª Instância: “Desde data anterior a 1998, e sem prejuízo do que consta em 4, o A. podia gerir o seu tempo laboral como entendesse mais adequado à otimização da sua prestação, não estando sujeito ao cumprimento do horário de trabalho ali referido, sendo que – e sem prejuízo também do que consta em 5 e em 28 - por vezes chegava depois das 8:30, às 9 ou 10h da manhã, e não cumpria qualquer horário de almoço”.
[9] CPC Anotado, VI, p. 28.
[10] Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 1997, p. 440.
[11]  Disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais arestos citados sem menção em contrário.
[12] Quanto à Doutrina, desenvolvidamente, cfr. Lebre de Feitas, CPC Anotado, II, 2001, p. 648 – 650.