Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
752/2001.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
SIMULAÇÃO
CESSÃO DE QUOTA
ESCRITURA PÚBLICA
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA PROIBIDA
TERCEIRO
Data do Acordão: 11/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / PROVAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / LEGITIMIDADE DAS PARTES/ PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇAS / RECURSOS
Doutrina: - António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., p. 839 e ss..
- Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., p. 457 e ss..
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume I, p. 432 e ss..
- Heinrich Ewald Horster, Simulação. Simulação Relativa. Formalismo Legal., Cadernos de Direito Privado, 19, p. 3 e ss..
- Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, p. 165.
- J. P. Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., p. 393.
- José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, p. 239 e ss..
- José lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2.ª ed., p. 178 e ss..
- Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª ed., p. 280 e ss..
- Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, p. 69 e ss..
- Mota Pinto, Arguição da Simulação pelos Simuladores, Prova Testemunhal, CJ Ano X, 1985, Tomo III, p. 9 e ss..
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª ed., p. 682 e ss..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, 342.º, N.º 2, 349.º, 351.º, 353, N.º 2, 358.º, N.ºS 1 E 4, 361.º, 393.º, N.º 3, 394.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 28.º, N.º2, 668.º, N.º1, AL. D), 690.º- A, 710.º, N.º1, 712.º, N.ºS 1 E 2, 713.º, N.º5, 716.º, N.º1, 722.º, N.º2, 729.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19/10/2004, CJSTJ, TOMO III, P. 72;
-DE 29/05/2007, EM WWW.DGSI.PT:
-DE 20/09/2007, CJSTJ, TOMO III, P. 58;
-DE 03/11/2009, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 12-07-2011, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 22-05-2012, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Pretendendo o autor obter a declaração de nulidade de uma cessão de quotas, por simulação, deve a acção ser proposta contra todos os que celebraram o negócio, pois, de outro modo, a decisão judicial a obter não produziria o seu efeito útil normal, atenta a natureza da relação jurídica em discussão, pelo que se trata de um caso de litisconsórcio necessário passivo.

II - Nesse caso, à confissão de um dos réus, por isolada, não pode atribuir-se força probatória plena, estando a mesma sujeita à livre apreciação do tribunal, nos termos do art. 361.º do CC.

III - Também não pode atribuir-se força probatória plena à confissão não reduzida a escrito, sendo apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do art. 358.º, n.º 4, do CC.

IV - A proibição da prova testemunhal relativamente ao acordo simulatório, quando invocado pelos simuladores, não é aplicável a terceiros (art. 394.º, n.ºs 2 e 3, do CC).

V - O autor/representado apresenta-se como terceiro em relação ao conluio, por ser alheio ao acordo simulatório, sendo certo que a parte contrária nega a existência da simulação invocada.

VI - A prova de que o representado tinha conhecimento ou teve participação no conluio, na medida em que tal facto seria impeditivo do direito invocado, compete à parte contrária (art. 342.º, n.º 2, do CC).

VII - Mesmo em documentos autênticos, com força probatória plena, é admissível prova testemunhal para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial (art. 393.º, n.º 3, do CC).

VIII - É de admitir a prova por testemunhas para impugnação da veracidade das declarações da 1.ª ré, constantes da escritura de cessão de quotas, acerca do preço das quotas cedidas.
Decisão Texto Integral:            

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, e CC e mulher DD, pedindo que:

a) seja declarada a anulabilidade da procuração descrita nos artigos 52° a 54°, por ter sido por si assinada sobre logro, sugestão e artifícios da primeira Ré, nos termos descritos nos artigos 42° a 51°;

b) seja declarada a nulidade do contrato de cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade descrito sob os artigos 70, 91  a 98, por simulação;

c) sejam os Réus condenados nos termos das alíneas anteriores;

d) seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que sobre as ditas quotas hajam sido feitos após a dita escritura, a favor dos segundos Réus ou de terceiros.

Alegou, em resumo, que:

 É casado com a 1.ª Ré, BB, com quem contraiu matrimónio em 30 de Maio de 1981.

No decurso do casamento, o Autor e a 1.ª Ré conseguiram angariar património, fruto do trabalho de ambos, designadamente, as quotas que adquiriram na sociedade "DD - ..., Lda", depois redenominada "EE - ..., Lda", no valor de 30.000.000$00 para a Ré e 15.000.000$00 para si, após o aumento de capital para 60.000.000$00, realizado a 22 de Setembro de 1998.

Sócio da mesma sociedade é, também, o 2.º Réu, com uma quota de 15.000.000$00.

A partir do Verão de 2000, a 1.ª Ré começou a acusar o Autor de ter amantes e de a maltratar, apodando-o de “ ladrão” e “vigarista”, o que tudo culminou com o pedido de Providência Cautelar de Arrolamento, que instaurou contra si.

Ultrapassada essa fase de perturbação, a 1.ª Ré desistiu dessa providência cautelar, reatando a vida conjugal normal com o Autor, tendo passado juntos as férias nesse ano, no Algarve.

Destituído da gerência, em princípio de Agosto de 2000, o Autor manteve-se, no entanto, a administrar a sociedade.

No princípio de 2001, a 1.ª Ré abandonou a casa de morada da família e intentou outra providência cautelar de arrolamento e uma acção de divórcio litigioso contra o Autor, imputando-lhe a prática de adultério e de agressão.

Enquanto o divórcio corria os seus trâmites, mantinham contactos assíduos e íntimos, lamentando-se, no entanto, a 1.ª Ré de não ser correspondida no seu amor, dizendo que o Autor só via nela o dinheiro, precisando, para ficar tranquila, que ele lhe dessa uma prova.

Reatando a vivência com o Autor, a 1.ª Ré programou umas férias com ele, de cerca de uma semana, em Cabo Verde, a partir de 21 de Março de 2001.

 A pedido da 1.ª Ré, e unicamente a fim de provar o seu amor desinteressado, no dia da partida para Cabo Verde, o Autor assinou uma procuração conferindo àquela poderes especiais para vender ou ceder as quotas que detinham na EE, procuração essa que a 1ª Ré minutou com o teor que entendeu, sabendo que o Autor nunca a assinaria se soubesse que ela iria fazer uso da mesma.

Regressados dessas férias, de tipo lua-de-mel, em Cabo Verde, a 1.ª Ré apressou-se a usar a aludida procuração para retirar do património do casal as duas referidas quotas sociais: em 29 de Março de 2001, por escritura de cessão de quotas e de alteração de contrato de sociedade, conluiada com os segundos Réus, seus pais, para o prejudicar, a 1.ª Ré declarou, por si e como procuradora do Autor, ceder-lhes as referidas quotas de 30.000.000$00 e 15.000.000$00, por preços iguais aos valores nominais, no valor total de 45.000.000$00.

Em 3 de Abril de 2001, a 1.ª ré desistiu da referida providência cautelar e, em 23 do mesmo mês, aceitou convolar o divórcio para divórcio para mutuo consentimento.

Para que o Autor não se apercebesse do negócio realizado pela mencionada escritura de 29 de Março de 2001, a 1.ª Ré programou umas férias, no fim de Maio de 2001, aos Estados Unidos, acompanhados dos filhos.

Regressados dos Estados Unidos, Autor e Ré acordaram em desistir do divórcio, em 1 de Junho de 2001, tendo festejado os 20 anos do casamento, no dia seguinte.

Em princípios de Setembro de 2001, a 1.ª Ré saiu de casa e foi viver para o apartamento da família, de Fafe, rompendo em absoluto com o Autor.

Estranhando tal conduta, o Autor veio, então, a descobrir que a 1.ª Ré tinha usado aquela procuração, outorgando na referida escritura de 29 de Março de 2001.

A 1.ª Ré não recebeu nem quis receber a aludida quantia dos segundos Réus, nem estes a pagaram ou quiseram pagar, sendo simulado o negócio consubstanciado na dita escritura.

A 1.ª Ré engendrou os aludidos artifícios para conseguir que o Autor assinasse a dita procuração e, uma vez na posse dela, em conluio com os seus pais, o prejudicarem.

Para que, no divórcio, que já alinhavara, a 1.ª Ré não tivesse que partilhar com o Autor aquelas quotas da sociedade.

O valor das referidas quotas da 1.ª Ré e do Autor, correspondentes a 75% do capital social, é de cerca de um milhão de escudos.

Sendo que, no balanço referente ao ano de 1999, mencionado na escritura de cessão, as quotas pretensamente cedidas correspondiam, respectivamente, a valores de 176.168.152$00 e de 88.804.706$00.

Os Réus contestaram, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Alegaram, em resumo, que:

A quota da 1ª Ré no “EE-..., Lda.” era bem próprio, resultante de doações de seus pais, o 2.º e 3.º Réus.

No ano de 2000, ocorreu a primeira ruptura do casal, porquanto a 1.ª Ré começou a dar conta de que o Autor, gerente da sociedade “EE-..., Lda.”, vinha prestando avales a amigos dele em débitos vultuosos que estes assumiam, com emprego de dinheiros da sociedade.

Pelo que, o Autor veio a ser destituído da gerência, por deliberação social de 7 de Agosto de 2000.

O Autor convenceu a 1.ª Ré a desistir do processo cautelar de arrolamento por esta requerido contra ele e a não propor a acção de divórcio, prometendo alterar o seu comportamento conjugal e passar a dar-lhe conta da vida financeira do casal, em especial, quanto ao EE.

Não tardou que o Autor voltasse ao anterior comportamento, o que originou nova ruptura conjugal e a instauração pela 1.ª Ré da acção de divórcio.

Novamente aquele conseguiu convencer a 1.ª Ré da seriedade das suas promessas, tendo sido lavrado termo de desistência da acção de acção de divórcio, em 1 de Junho de 2001.

Em 12 de Setembro de 2001, devido a insultos, agressões físicas e ameaças, a 1.ª Ré foi forçada a abandonar a casa do casal, tendo instaurado nova acção de divórcio.

Está em curso, uma auditoria financeira à sociedade com vista a apurar todo o dinheiro usado indevidamente pelo Autor, na ordem de algumas dezenas de milhar de contos.

A dada altura, a 1ª Ré começou a ser alertada para a necessidade de injectar dinheiro na EE, com vista á realização de obras de ampliação das instalações.

 Não tendo o casal recursos que lhe permitissem fazer suprimentos à sociedade, a 1.ª Ré convenceu os pais a adquirirem as quotas em causa, do que deu conhecimento ao Autor, que aceitou.

 Todavia, como as relações do Autor com os segundos Réus não andavam boas e aquele não queria encontrar-se com estes, aquele disse que outorgaria procuração para ser efectuada a cessão de quotas, tendo tal procuração sido autenticada notarialmente na presença do Autor, em 21 de Março de 2001.

Sabe o Autor que pela 1.ª Ré, ela própria, lhe foi dado conhecimento do teor da escritura de cessão de quotas de 29 de Março de 2001, logo após a sua celebração.

Aliás, durante a viagem realizada pelo casal e dois dos filhos aos EUA, na altura da reconciliação do casal, a cessão de quotas de que eram titulares, suas causas e efeitos, foram objecto de conversas entre o casal e os referidos filhos, sem que o Autor tenha posto a mínima objecção ao que havia sido feito.

O Autor replicou.

 

 Efectuou-se a selecção da matéria de facto.

Realizado o julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.

O Autor apelou para a Relação de Guimarães que anulou o julgamento, ordenando a repetição da prova na parte viciada.

Repetido o julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.

O Autor voltou a apelar, tendo a Relação decidido não conhecer, nos termos do art. 710, n.º 1 do CPC, dos dois agravos interpostos pelos Réus, negar provimento ao agravo interposto pelo Autor e julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

O Autor recorreu de revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões (transcrição):

1- No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, o recorrente impugnou a sentença apelada quanto à matéria de facto e também quanto à matéria de direito.

2- No recurso da matéria de direito o recorrente, por um lado, alega que, quer o tribunal “ad quem” viesse a considerar válida ou inválida a procuração usada na escritura, tal documento (procuração) integraria sempre o tal “começo de prova" escrita exigido pelo tribunal “a quo", a suportar a admissibilidade da prova testemunhal para efeitos da prova da simulação do negócio em causa, e, por outro lado, que é terceiro quanto ao contrato simulado, titulado pela escritura, pelo que é sempre admitida a prova testemunhal,

3- O que tudo foi devidamente invocado na motivação de recurso bem como nas sua conclusões - ver 21, 25, 29, 33 e 34 das conclusões do recurso de apelação.

4- Porém, o certo é que, o tribunal da Relação cinge o recurso do apelante à reapreciação da matéria de facto provada olvidando, por isso, de apreciar o recurso da matéria de direito, mormente, no que tange a apreciação do instituto da simulação, estando, por isso, ferido com a nulidade prevista na 1.a parte da al. d) do n.º1 do art. 668.

5- O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, não pode alterar a matéria de facto, a não ser que ocorra uma das situações previstas no art. 722, n.º 2 do CPC, o que, manifestamente, é o que sucede nos presentes autos, mormente, no que tange ao julgamento que a Relação faz da decisão sobre a matéria de facto dos quesitos 28 e 30 da BI.

6- Assim, relativamente ao quesito 28, entendeu o tribunal "a quo", não obstante a 1.a Ré, em sede de audiência de julgamento, ter confirmado a factualidade constante do quesito 28 da BI, isto é, de nada ter recebido de seus pais/cessionários pela cessão de quotas, tal declaração não pode ser considerada meio de confissão judicial, na medida em que a Ré adiantou uma justificação para o não recebimento da quantia constante da escritura de cessão de quotas, que se prende com uma alegada compensação de créditos;

7- E, tendo o recorrente impugnado as explicitações dadas pela Ré relativamente ao alegado facto "confessado", a declaração de tal facto desfavorável não podia ser considerada como confissão, não constituindo, por essa razão, um meio de prova de força probatória plena (art. 360 do CC).

8- Porém, o recorrente não pode concordar com tal entendimento;

9- Na verdade, é a própria Ré que, no seu articulado de Contestação, mormente, aos artigos 81, 82, 83, 86 e 89, alega que a cessão de quotas visava injectar capital na sociedade para solver problemas financeiros e que, aquando da outorga da procuração e da escritura de cessão de quotas, os RR. ainda esperavam o resultado da auditoria as contas da EE para apurar eventuais responsabilidades de gestão danosa por parte do A. o que, claramente, contraria o teor da declarações prestadas em sede de depoimento de parte em audiência de julgamento;

10- Porquanto, devia o tribunal “a quo" considerar a confissão da 1.a Ré quanto ao quesito 28 da BI, expurgada da explicitação feita por aquela, pois, não só tal explicação não foi alegada nos articulados apresentados pela Ré, como entra mesmo em total contradição com o alegado na contestação e, por outro lado, porque tal explicação é inexacta, na medida em que, nem em sede de audiência de julgamento a Ré soube quantificar a alegada dívida do recorrente perante a sociedade, bem como é totalmente contrariada pelo próprio teor do relatório de contas relativa aos anos de 2000 e 2001 nos quais são tecidos rasgados elogios à gestão do A., sendo, por isso, falsa.

11- Todavia, ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe e concede, há que não olvidar que os recorridos foram notificados pelo tribunal de 1.a instância, ao abrigo do disposto no art. 519 do CPC, para virem juntar aos autos, entre outros elementos, a cópia certificada do documento que titulou o pagamento do preço da cedência das quotas no montante de 45.000.000$00;

12- E, não obstante os RR/recorridos terem interposto recurso de agravo desse despacho, com efeitos meramente devolutivos, e que, afinal, não veio a ser apreciado pelo tribunal “a quo”, por força do disposto no art. 710, n.º 1 do CPC, o certo é que o despacho proferido pela 1.ª instância não foi cumprido por parte dos RR.;

13- Pelo que, não tendo os recorridos colaborado na descoberta da verdade material, mormente, para se apurar a factualidade vertida no quesito 28, o ónus da prova invertia-se, desde logo, e cabia aos prevaricadores art. 519, n.º 2 do CPC e 344, n.º 2 do CC - sendo certo que, sem a sua colaboração (e sem se considerar a confissão judicial feita pela 1ª Ré) o A. jamais lograria fazer prova do alegado no quesito 28 da BI;

14- Pelo exposto, salvo o devido respeito, é manifesto que nao andou bem o tribunal recorrido ao não alterar a resposta dada ao quesito 28 de não provado para provado, violando, assim, o disposto nos arts 344, n.º 2, 352, 356, 357, 358, 360 e 361 do CC, e bem assim, o disposto nos arts. 519, 552, 554, 561 e 562 do CPC;

15- Também, relativamente ao quesito 30, o tribunal “a quo" recusou-se alterar a resposta dada pela 1.a instância por entender que a confissão feita pela 1.ª Ré é insuficiente para alterar tal factualidade, em virtude dos pontos 7 e 8 da factualidade assente, que consubstanciam a escritura pública de constituição e alteração da sociedade, sendo certo que, também aqui não é admissível a prova testemunhal;

16- Porém, mais uma vez, salvo o devido respeito, nao andou bem o tribunal

17- Isto porque, a força probatória do documento tem a ver com um conteúdo externo do documento e não com o próprio teor intrínseco do negócio que ele documenta – art. 371/1 CC;

18- Na verdade, a força probatória plena de um documento oficial só abrange o acto praticado pelo funcionário, ou seja, a escritura só prova plenamente que em determinado dia, compareceram perante o notário as pessoas que fizeram as declarações da mesma constantes e que o notário lavrou a referida escritura;

19- Daí que, ser jurisprudência pacífica que, a força probatória plena não se estende ao conteúdo das declarações dos outorgantes, sendo possível prova testemunhal sobre a matéria que aí se faz constar cfr. a título de exemplo Ac. RC 17. 09. 91, BMJ, 4O9, 885; Ac . RC 6. 10. 92, BMJ 420, 661; Acs. S T J 18. 07. 69, BMJ 189, 246; Ac. ST J 22. 06. 89, AJ, 1, 10 e segs.; e no Ac. STJ 9.04.91, AJ, 18, 13 e segs.;

20- E nem podia ser de outro modo, visto que ficaria sem hipótese de investigação o negócio simulado, quando celebrado por escritura pública.

21- Com efeito, é a própria Ré quem, em depoimento de parte, confessa que as quotas referidas em no ano de 1999, correspondiam a valores de 176.168.152$00 e 88.804.706$00 tendo tal confissão sida reduzida a escrito na acta da audiência de julgamento realizada em 6/7/2007, a fls. 1041/2 dos autos, sendo certo que, tal confissão, nos termos do disposto no art. 358, n.º 1 do CC, tem força probatória plena;

22- Aliás, a confissão judicial feita pela Ré não só habilitava o tribunal "a quo" a alterar a resposta dada a tal quesito, como ainda constitui um princípio de prova por escrito que o autorizava a recorrer a prova testemunhal e por presunções, a despeito do que consta da escritura.

23- Donde, ao não alterar a resposta dada ao quesito 30 de "não provado" para "provado", violou o tribunal "a quo" o disposto nos arts 354, 358 e 371 do CC.

24- Assim, em virtude da alteração da resposta dada aos quesitos 28 e 30, parece não restar dúvidas que, tendo em consideração a prova testemunhal realizada e, bem assim o recurso às regras da lógica e da experiência comum e as presunções judiciais, estava o tribunal "a quo" em perfeitas condições para alterar, outrossim, a resposta dada aos quesitos 26, 27 e 29 da BI de "não provado" para "provado".

25- Pelo que, não o tendo feito, violou o douto acórdão recorrido o disposto nos arts 653, n.º 2, 655, nl e 664 do CPC e 351 do CC.

26- Quanto a escritura de cessão de quotas objecto do presente litígio, o recorrente escusar-se-á a repetir as considerações de direito já supra tecidas a propósito do alcance do valor provatório de documento autêntico, dando-as, por isso, por reproduzidas nesta sede.

27- Assim, a procuração outorgada a favor da Ré pelo Autor e, bem assim, a confissão judicial feita pela Ré em sede de depoimento de parte, pode e deve ser entendida como "começo de prova", que suportando os depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, conduz a admissibilidade da prova de simulação por testemunhas, para além de também constarem dos autos outros documentos que devem, outrossim, ser considerado começo de prova, designadamente, o documento passado pela Caixa Geral de Depósitos, que atesta que o A. assinou cheques e mormente a conta bancária da sociedade até Outubro de 2001 e o relatório de contas relativo ao ano de 2000 e 2001 onde são feitos elogios à gestão do A.

28- Também, no que tange a outorga da escritura de cessão de quotas, há que referir e ter presente que o A. não outorgou pessoalmente no negócio, pois, quem o fez em seu nome, mas dizendo-se em representação dele, foi a ainda então sua mulher, a 1.ª Ré, e a quem aquele havia conferido procuração com plenos poderes para vender ou ceder as quotas de que ambos eram titulares na EE.

29- Posto isto, e entrando na apreciação concreta da simulação, entende o recorrente que, salvo melhor opinião, estão provados os factos integradores dos requisitos aí exigidos.

30- Assim, no que tange ao primeiro requisito divergência entre a vontade real e a vontade declarada resulta evidente que a vontade manifestada pela 1.º R., procuradora do recorrente, na escritura de cessão de quotas não correspondia à vontade real daquele, atentos desde logo ao teor da procuração outorgada pelo A. à 1.a Ré e os poderes que aí são atribuídos a esta última;

31- Na verdade, a procuração outorgada pelo recorrente confere poderes à 1.ª Ré para vender ou ceder as quotas de ambos na sociedade EE e não para alegadas assunções de dívida, dação em pagamento as quotas do casal ou para doação de quotas.

32- No que tange ao segundo requisito acordo simulatório entende o recorrente que, para além da divergência entre a vontade real e a vontade declarada, está patente o conluio entre os réus, na medida em que os declarantes, 1.º e 2.º RR. (estes últimos pais da 1.ª Ré e sogros do A.), agiram conluiadamente, declarando intencionalmente realizar um negócio cessão de quotas desejado que bem sabiam não corresponder ao objectivamente

33- Quanto ao ultimo requisito - intuito de enganar terceiros ­temos de ter presente que, por um lado, está assente que o valor das quotas da 1.ª Ré e do A era de 176.168.152$00 e 88.804.706$00, respectivamente; e, por outro lado, não está provado que o A devesse quaisquer quantias aos RR e/ou á sociedade, até porque, o único documento que consta dos autos é o relatório de contas relativo aos anos de 2000 e 2001, nos quais são, inclusivamente, tecidos vários elogios à gestão do A/recorrente.

34- Destarte, nada justifica que os cessionários não tenham pago qualquer quantia pelas quotas cedidas.

35- Pelo que, não tendo o valor de 176.168.152$00 e 88.804.706$00 entrado na esfera patrimonial do A e da 1.ª ré, mormente, para ser levado em consideração na partilha dos bens comuns que se seguiu ao divórcio, é manifestamente óbvio que o A ficou prejudicado com a alegada cessão de quotas.

36- Por outro lado, o A é considerado terceiro relativamente ao negócio, pois que, o terceiro a que se refere o art. 204 não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio.

37- Na verdade, do art. 259, n.º 1 do C Civil, infere-se que, sendo o negócio feito por intermédio de um representante, a falta de vontade geradora da simulação é, em princípio, a que nele se registar; o representante, e não o representado, é o declarante ou o declaratário a que se refere o art. 240.

            38- Assim, terceiro, no tocante ao negócio simulado e para efeitos de arguição da respectiva nulidade, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem aí participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado (cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2a ed., pago 245 e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3a ed., pago 481).

39- Pelo exposto, estão, pois, demonstrados todos os requisitos para que se dê como verificada a simulação absoluta do contrato de cessão de quotas que nesta acção foi impugnado, tendo, por isso, que reconhecer-se a sua nulidade.

40- Ao não reconhecer a simulação do negocio, violou o acórdão recorrido o disposto nos arts. 240, 242, 286, 352, 363 e 354 do CC.

41- Funda-se o presente recurso no disposto nos arts 721, n.º 2 e 3, 722, n.º 1 e 2 e 668, n.º1, al. d) e 716, todos do CPC.

            Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

           

A Relação deu como provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Fafe a 25 de Março de 1985, exarada a fls. 69 a 70 v. do livro n.º … foi constituída a sociedade comercial por quotas DD - ..., Lda [alínea A) dos factos assentes].

2. A Ré BB, no estado de casada com o Autor, adquiriu uma quota de Esc. 1.500.000$00 daquela sociedade, por escritura lavrada a 8 de Novembro de 1988 no Cartório Notarial de Fafe, exarada a fls. 22 V. a 24 V. do livro n.º .. [alínea B)].

3. E por escritura pública de 23 de Março de 1993, lavrada no mesmo Cartório, exarada a fls. 6 e 7 do livro n.º ..., a mesma Ré adquiriu outra quota de Esc. 1.500.000$00 [alínea C)].

4. Ainda no mesmo Cartório por escritura de 11 de Outubro de 1994, o Autor adquiriu à representada da Ré Dr.a FF uma quota de Esc. 1.500.000$00 daquela sociedade [alínea D)].

5. ( ... ) Passando o capital social de Esc. 6.000.000$00 daquela+ sociedade a ser distribuído em três quotas, sendo uma de Esc. 3.000.000$00 da Ré BB, outra de Esc. 1.500.000$00 do Autor e outra de Esc. 1.500.000$00 do Réu CC [alínea E)].

6. ( ... ) E a gerência ficou a caber aos três sócios, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois deles, sendo uma delas, obrigatoriamente, da Ré BB [alínea F)].

7. Por escritura pública de 22 de Setembro de 1998, lavrada no Cartório Notarial de Fafe e exarada a fls. 59 a 61 do livro n.º ..., no qual intervieram o Autor, a Ré BB e o Réu CC na qualidade de únicos sócios daquela sociedade, esta passou a ser denominada EE - ..., Lda [alínea G)].

8. ( ... ) E o seu capital social, aumentado em Esc. 54.000.000$00, passou a ser de Esc. 60.000.000$00, distribuído em três quotas: uma de Esc. 30.000.000$00 da Ré BB, outra de Esc. 15.000.000$00 do Autor e outra de Esc. 15.000.000$00 do Réu CC [alínea H)].

9. A Ré BB instaurou no Tribunal de Felgueiras uma providência caute1ar de arrolamento que ali correu termos no 2° Juízo sob o n.° 307/00, de que depois veio a desistir [alínea I)].

10. Na matricula da Conservatória do Registo Comercial da sociedade referida, com o n.° ..., cota n.° … está inscrito o averbamento 1, ap. 12/001026 referente à cessação de funções do Autor como gerente, por destituição em 7 de Agosto de 2000 [alínea J)].

11. Após o referido em 9) a Ré BB reatou a sua vida conjugal com o Autor e passaram juntos as férias no Algarve [alínea L)].

12. Nos princípios do ano de 2001 a Ré BB saiu da casa de morada de família e instalou-se na Rua 31 …, Edificio ..., n.° …, …, desta cidade de Fafe [alínea M)].

13. ( ... ) E intentou contra o Autor outra providência cautelar de arrolamento com o n.º 155-A/0l que correu termos neste 2° Juízo [alínea N)].

14. Em 8 de Março de 2001 a Ré BB instaurou contra o Réu acção de divórcio que correu termos neste 2° Juízo com o n° 155/00, invocando adultério e agressão física [alínea O)].

15. Em conferência realizada a 23/04/01 Autor e Ré BB convolaram esses autos para divórcio por mútuo consentimento e a 1/06/0 1 lavraram no processo termo de desistência da instância que veio a ser homologado por sentença de 4/06/01 [alínea P)].

16. No dia 21/3/01 o Autor assinou uma procuração a conferir à Ré BB poderes especiais para vender ou ceder as quotas que ambos detinham na sociedade I.E.S.F [alínea R)].

17. Por escritura pública de cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade, celebrada a 29 de Março de 2001, no Cartório Notarial de Fafe, exarada a fls. 27 a 28 V. do livro …, a Ré BB, por si e na qualidade de procuradora de seu marido, declarou ceder as quotas da sociedade EE de que ambos eram titulares e referidas em 8) aos também outorgantes e aqui Réus CC e DD por preço igual aos seus valores nominais que já havia recebido [alínea S)].

18. No dia 20 de Junho de 2001, Autor e Ré BB festejaram o seu 20.º aniversário de casamento [alínea T)].

19. Até ao Verão de 2000, as relações matrimoniais entre Autor e Ré BB foram pautadas por coabitação, cooperação, assistência e trabalho de ambos em prol da família e património comum [resposta ao artigo 1 ° da base instrutória].

20. O Autor continuou a deslocar-se à Escola e a assinar cheques e outros documentos [artigos 7 e 9].

21. Excepção feita aos elementos da direcção e da administração, o Autor continuou a ser tratado na Escola como responsável da mesma [artigo 8].

22. No início de 2001, a Ré BB acusou o Autor de ter uma amante, trocando, então, o Autor e a referida Ré palavras "azedas" (artigo 10).

23. Com o divórcio a correr os seus trâmites os contactos, mesmo íntimos, entre o Autor e a Ré eram assíduos (artigo 12).

24. Autor e Ré efectuaram umas férias em Cabo Verde, em Maio de 2001 [artigo 13 A).

25. O Autor, a Ré BB e os dois filhos mais velhos de ambos gozaram férias em Maio de 2001 nos E.D.A. [artigo 19)

26. Desde 19 de Março de 2001 e até ao acontecimento referido em 17), o Autor e a Ré BB viviam juntos com o agregado familiar e o Autor continuou a deslocar-se à Escola e a assinar cheques e outros documentos [artigo 20].

27. Excepção feita aos elementos da direcção e da administração, o Autor continuava a ser tratado na Escola como responsável da mesma [artigo 21).

28. Em princípios de Setembro de 2001, a Ré BB de novo rompeu as relações matrimoniais e saiu da casa de morada da família e veio viver para o apartamento situado na Rua …, nesta cidade de Fafe [artigo 22].

29. E nem as insistências do Autor para que esta reflectisse e regressasse à casa de morada da família fizeram com que esta reatasse a vida em comum [artigo 23).

30. O que veio a culminar com o absoluto rompimento da vida matrimonial (artigo 24).

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente – sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso do tribunal –, as questões postas são, fundamentalmente, as seguintes:

I - Da nulidade do acórdão recorrido, com fundamento na omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar;

II - Da critica á resposta aos pontos de facto n.º 28, 30, 26, 27 e 29 da base instrutória;

III - Da verificação dos requisitos da simulação absoluta da cessão de quotas (com implicação no subsequente contrato de alteração da sociedade), efectuada por escritura pública de 29 de Março de 2001, a que se referem os autos.

Primeira questão:

No dizer do Recorrente, o acórdão recorrido enferma de nulidade, por não se ter pronunciado sobre a matéria de direito em causa, mormente, sobre a questão da alegada simulação da cessão de quotas.

Vejamos.

Nos termos do art. 668, n.º 1, al. d), ex vi do art. 716, n.º 1, do CPC (na redacção anterior, como a das demais disposições processuais a seguir mencionadas), é nulo o acórdão “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.

Não há dúvida de que o acórdão recorrido devia apreciar a matéria jurídica em discussão, em especial, no que respeita à invocada simulação absoluta da cessão de quotas.

Mas, se virmos bem, a Relação não deixou de o fazer.

É o que resulta a parte final da fundamentação do acórdão:

“Mantendo-se inalterada a matéria de facto improcedem, na totalidade, os fundamentos da apelação do recorrente, não tendo o Autor logrado provar, como lhe competia, nos termos gerais da repartição do ónus da prova consignados nos arts. 342 e segs. do Código Civil, que, como alega nos autos, a procuração descrita nos artigos 52 a 54 da petição inicial foi por si assinada sobre logro, sugestão e artifícios da primeira Ré nos termos descritos nos artigos 42 a 51 e que é simulado o contrato de cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade descrito sob os artigos 70, 91 a 98 e realizado com o intuito de enganar o Autor como terceiro, não se mostrando verificada a previsibilidade dos arts. 286 e 240 do Código Civil.

E, decorrendo a divergência do Autor face ao decidido, exclusivamente, da pretendida alteração dos factos, para os precisos termos da sentença recorrida se remete ao abrigo do disposto no art. 713, n.º 5 do Código de Processo Civil”.

Assim, ao remeter para os fundamentos jurídicos explanados na decisão da 1.ª instância, nos termos permitidos pelo art. 713, n.º 5 do CPC, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a matéria de direito em causa, não se verificando a sua nulidade.

Segunda questão:

O Recorrente critica a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Sobre os termos em que julga o tribunal de revista, estabelece o art. 729 do CPC (na redacção anterior à reforma dos recursos em processo civil concretizada pelo DL n.º 303/07, de 24 de Agosto) que:

“1-Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

 2-A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.

            3- (…)”.

Prevendo o n.º 2, do art. 722, que:

            “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

            Por sua vez, o art. 712 - que tipifica as situações em que a Relação pode alterar a decisão de 1.ª instância sobre matéria de facto -, contém uma norma (a do n.º 6) em que veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação previstas nos números anteriores.

            Em face destes preceitos, tem-se entendido, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que não podendo o Supremo censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712, pode, no entanto, verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer. [1]

           

            No caso dos autos, estamos perante a situação prevista no art. 712, n.º 1, al. a), segunda parte, porquanto tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, foi impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida.

            Incumbindo à Relação, conforme dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

            E dando cumprimento ao disposto no art. 690-A, n.º 5, proceder “á audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, (…).

           

            Essa reapreciação das provas - como também tem sido afirmado neste Supremo Tribunal -, não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, “sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto”. [2]

            Impondo-se, antes, que a Relação “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser devidamente fundamentada”. [3]

            A simulação consiste, como é sabido, na divergência entre a vontade e a declaração, estabelecida por acordo entre as partes, com o intuito de enganar terceiros. [4]

            O art. 240, n.º 1 do CC estabelece que são três os requisitos para que haja simulação:

            _ um acordo entre o declarante e o declaratário;

            _ no sentido duma divergência entre a declaração e a vontade das partes;

            _ com o intuito de enganar terceiros.

            Com a intenção de enganar terceiros pode ou não cumular-se a de prejudicar outrem.

            Quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta.

            Se existe só a intenção de enganar, a simulação diz-se inocente.

            O negócio simulado é nulo – art. 240, n.º 2 do CC.

            Destaque-se do regime legal da simulação, a proibição da prova testemunhal (e com isso, simultaneamente, da prova por presunção judicial – arts. 349 e 351 do CC), relativamente ao acordo simulatório, quando invocado pelos simuladores – art. 394, n.º 2, do CC.

            Tal proibição não é, no entanto, aplicável a terceiros – art. 394, n.º 3, do CC. [5]

As instâncias consideraram não provados os requisitos da simulação.

O Recorrente critica a resposta que foi dada aos pontos de facto n.º 28, 30, 26, 27 e 29 da base instrutória, relevantes para essa prova.

Perguntava-se:

N.º 28: A 1.ª Ré não recebeu o preço de 45.000.000$00 nem os demais réus o pagaram?

N.º 30: As quotas referidas em S. no ano de 1999 correspondiam a valores de 176.168.152$00 e 88.804.706$00?

N.º 26: Com a realização da escritura referida em S. a ré BB não quis ceder as quotas aos demais réus?

N.º 27: Nem estes as quiseram adquirir?

N.º 29: Tendo essa escritura sido celebrada apenas para prejudicar o autor?

A todos, se respondeu “ não provado”.

Alegando verificar-se a situação excepcional prevista no art. 722, n.º 2 do CPC, pretende o Recorrente que aos pontos n.º 28 e n.º 30 se responda “provado”, alteração da qual decorreria que, igualmente, se respondesse “provado” aos pontos n.º 26, 27 e 29.

Funda-se, em primeiro lugar, na alegada força probatória plena da confissão judicial da 1.ª Ré, feita em depoimento de parte (confissão judicial provocada).

Conforme resulta dos autos, a fls. 1041 e v., a 1.ª Ré prestou depoimento de parte, em audiência de discussão e julgamento, que foi gravado, respondendo aos pontos de facto n.º 1 a 31, após o que se fizeram constar da acta as suas declarações confessórias aos n.º 22, 23, 24 e 30.

Ao quesito n.º 30: “As quotas referidas em S no ano de 1999 correspondiam a valores de 176.152$00 e 88.804.706$00”.

A confissão da 1.ª Ré, no que respeita ao ponto de facto n.º 28, a que se faz referência no acórdão recorrido, não foi reduzida a escrito.

Mas, este fundamento é de afastar desde já.

            Com efeito.

            O regime legal da confissão consta do art. 35 2 e ss. do CC.

            Segundo dispõe o art. 353, n.º 2 do CC, “a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário”.

            Ora, em nosso modo de ver, na presente acção, de declaração de nulidade de uma cessão de quotas, por simulação, estamos perante um caso de litisconsórcio necessário passivo: litisconsórcio natural previsto no art. 28, n.º 2 do CPC. A acção foi proposta e bem contra todos os que celebraram o negócio pois, doutro modo, a decisão judicial a obter não produziria o seu efeito útil normal, atenta a natureza da relação jurídica em discussão. [6]

            Assim, á confissão da 1.ª Ré, por isolada, não poderia atribuir-se força probatória plena, estando a mesma sujeita à livre apreciação do tribunal, nos termos do art. 361 do CC.

            À confissão do ponto de facto n.º 28, também, por força do disposto no art. 358, n.º 1 do CC, não poderia ser atribuída força probatória plena, uma vez que não foi reduzida a escrito. Sendo apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

           

            Funda-se, em segundo lugar, na prova testemunhal produzida, cuja admissibilidade sustenta, por o Autor dever ser considerado como terceiro, para efeitos do art. 394, n.º 3 do CC, por ser alheio ao acordo simulatório.

            Ao sustentar a admissibilidade, neste tocante, da prova por testemunhas, ao contrário das instâncias, o Recorrente tem razão.

            Com efeito.

            Como se entendeu, entre outros, no Ac do STJ, de 29-05-2007, de que foi Relator o Ex. m.º Juiz Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, publicado em www.dgsi.pt:

            “ (…);

            III-Não é admissível prova testemunhal, nem por presunções judiciais, relativamente ao acordo simulatório, quando invocado pelos simuladores.

            IV-Mas tal proibição não é aplicável a terceiros.

            V-Terceiro, para efeito do art. 240 e 394, n.º 3 do CC, não é necessariamente alguém que seja alheio ao negócio, pois basta que seja estranho ou alheio ao conluio.

            VI-No tocante ao negócio simulado e para efeitos do art. 394, n.º 3, do CC, é terceiro todo aquele que não interveio no acordo simulatório, nem represente por sucessão quem nele participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado.

            VII-Tendo presente o regime do art. 259 do CC, o representado é terceiro em relação ao negócio celebrado pelo seu representante, em conluio com a contraparte” (pontos III a VII do respectivo Sumário).

            Por outro lado, a prova de que o representado tinha conhecimento ou participação no conluio, na medida em que tal facto seria impeditivo do direito invocado, compete à parte contrária (art. 342, n.º 2, do CC). [7]

Ora, no caso dos autos, o Autor/representado apresenta-se como terceiro em relação ao conluio, sendo certo que a parte contrária, conforme resulta da contestação, nega a existência da simulação invocada.

            O Recorrente tem, também, razão, no que concerne, em particular, á prova do ponto n.º 30 da base instrutória, ao sustentar a admissibilidade da prova por testemunhas para impugnação da veracidade das declarações da 1.ª Ré, constantes da escritura pública de cessão de quotas, acerca do preço das quotas cedidas.

            Sendo certo que, mesmo em documentos autênticos, com força probatória plena, é admissível prova testemunhal para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial (art. 393, n.º 3, do CC). [8]

Mas, o Recorrente já não tem razão ao pretender que ora se tenham como provados os pontos de facto em causa, com base na prova testemunhal produzida.

            É que, como referimos já, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não tem competência funcional para sindicar o juízo de prova de livre apreciação pela Relação dos factos materiais relevantes para a decisão da causa.

            Assim, não resultando do acórdão recorrido, em relação aos pontos de facto em causa (n.º 28, 30, 26, 27 e 29), que se tenha procedido a uma adequada reapreciação das provas produzidas – daquele, não constando, designadamente, a análise critica da prova testemunhal indicada em fundamento da impugnação –, não se vê outro remédio que não seja a repetição do julgamento, na parte indicada.

            Diga-se, por fim, que, anulado o julgamento, fica, naturalmente prejudicada a apreciação da questão aludida nas conclusões n.º 11 a 13 da alegação de recurso, objecto de agravo, de que o acórdão recorrido não chegou a conhecer, em conformidade com o disposto na segunda parte, do n.º 1 do art. 710 do CPC.

            Evidentemente, prejudicada a apreciação da terceira questão posta na revista.

           

Decisão:

            Anula-se o acórdão recorrido, na parte viciada, ordenando-se a remessa dos autos á 2.ª instância para aí se proceder a novo julgamento sobre os pontos de facto n.º 28, 30, 26, 27 e 29 da base instrutória, com admissão da prova testemunhal indicada, conhecendo-se subsequentemente de direito, em conformidade com as respostas que forem fixadas.

            Custas a fixar a final.

Lisboa, 27 de Novembro de 2012

Marques Pereira (Relator)

Azevedo Ramos

Silva Salazar          

___________________      
[1] Neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ, de 19 de Outubro de 2004, CJSTJ, tomo III, p. 72.
[2] Ac. do STJ, de 20 de Setembro de 2007, CJSTJ, tomo III, p. 58.
[3] Cfr. Ac. do STJ, de 03-11-2009, de que foi Relator o Ex. m.º Juiz Conselheiro Dr. Moreira Alves, publicado em www.dgsi.pt.

[4] Cfr. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, p. 165.
[5] Sobre a simulação em geral, v., ainda, entre outros, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., p. 839 e ss.; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª ed., p. 682 e ss.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., p. 457 e ss.; Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª ed., p. 280 e ss.; José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, p. 239 e ss.; Parecer do Prof. Doutor Mota Pinto, Arguição da Simulação pelos Simuladores, Prova Testemunhal, CJ Ano X, 1985, Tomo III, p. 9 e ss.; Heinrich Ewald Horster, Simulação. Simulação Relativa. Formalismo Legal., Cadernos de Direito Privado, 19, p. 3 e ss.
[6] O entendimento da expressão “efeito útil normal” da decisão tem, como se sabe, suscitado dificuldades.
Para J. P. Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., p. 393, “… o efeito útil normal de uma decisão judicial consiste na composição definitiva do litigio entre as partes relativamente ao pedido formulado, de modo que o caso julgado material possa abranger todos os interessados, evitando tornar-se incompatível (por que contraditória, total ou parcialmente) com a decisão eventualmente obtida numa outra acção. Parece claro que, embora a decisão não vincule alguns dos interessados, obtém-se a regulação definitiva da situação concreta das partes – e só delas – quando estas admitem expressamente a não vinculação dos restantes”.
Sobre a figura do litisconsórcio natural, v., ainda, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, p. 69 e ss.; José lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil,  2.ª ed., p. 178 e ss.; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume I, p. 432 e ss.
[7] Neste sentido, v. o Ac do STJ, de 12-07-2011, de que foi Relator o Ex.m.º Juiz Conselheiro Dr. Moreira Alves, publicado em www.dgsi.pt.

[8] Neste sentido, v. por todos, o Ac. do STJ, de 22-05-2012, de que foi Relator o Ex. m.º Juiz Conselheiro Dr. Fonseca Ramos, publicado em www.dgsi.pt.