Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
131/17.8JAPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ASSINATURA ELECTRÓNICA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ARMA PROIBIDA
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Doutrina:
- Adriano Teixeira, Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato, Marcial Pons, 2015, p. 87;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, p. 521-522 ; Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p. 317 e ss., 327 ; Direito Penal, Parte Geral. Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2008, p. 62;
- Anabela Rodrigues, Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, p. 177/208 ; Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, p. 147/182 ; A Determinação da Pena Privativa de Liberdade;
- Andreia Marisa Rodrigues, Análise jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014;
- Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Volume I, p. 572-578 ; Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, p. 495, 870-871;
- Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, Lições proferidas no ano lectivo de 1954-1955, p. 248;
- Claus Roxin, Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, p. 65, 143 a 166 ; Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal. Prevención y Determinación de la Pena.”, Reus, Madrid, 1981, p. 96, 98 e 116 ; Estudos de Direito Penal”, Renovar, S. Paulo, 2005, tradução de Luís Greco, p. 138;
- Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualização judicial da Pena, Ediciones Universidade Salamanca, p. 54;
- Enrique Bacigalupo, Justicia Penal y Derechos Fundamentales, Marcial Pons, Madrid, 2002, p. 112-113;
- Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal, (Fragmenta iuris Poenalis), Coimbra Editora, Coimbra, 4ª edição, 2015, p. 8 a 10;
- Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57;
- Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), p. 104/111;
- Günter Strantenwerth, Derecho Penal, Parte General I, El Hecho Punible, Thomson, Civitas, 2005, p. 37;
- Günther Jakobs, Sociedade, Norma e Pessoa, Editora Manole, 2003 ; Dogmática de Derecho Penal y la Configuración Normativa de la Sociedad, Thomson –Civitas, Madrid, 2004, p. 41-42 ; La Pena Estatal: Significado e Finalidad, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, p. 18, 19, 23, 24, 25 e 142;
- Henriques Gaspar, Código de Processo Penal, Comentado, 2014, p. 325;
- Henriques Gaspar; J.A. Santos Cabral; Eduardo Maia Costa; A.J. Oliveira Mendes; A. Pereira Madeira; A.P. Henriques Graça, Código Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, p. 291;
- Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, p. 14, 219-220;
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª edição, p. 369;
- Jesus-Maria Silva Sánchez, La Teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (Dogmático): Un primer Esbozo, InDret, Barcelona, Abril 2007;
- Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, Volume I, p. 505;
- Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade Civil, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, p. 317;
- José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, p. 370;
- José Sousa e Brito, Os fins das Penas no Código Penal, Problemas Fundamentais do Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, p. 157 e ss.;
- Manuel Carneiro Frada, Direito Civil. Responsabilidade Civil. O Método do Caso. Almedina, 2010, (Reimpressão), p. 100;
- Reinhart Maurach e Heinz Zipf, Derecho Penal. Parte General, I, Astrea, Buenos Aires, 1994, p. 104;
- Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, p. 281;
- Santiago Mir Puig, Estado, Pena y Delito, Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 P. 43, 44, 105, 203 e 206;
- Sergi Cardenal Montraveta, Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, RECPC 17-18 (2015), p. 3;
- Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, p. 284 ; n.º 100, p. 127;
- Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, editorial Bosch, Barcelona, 1984, p. 127 e 347.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.º 1, 77.º, N.º 1, 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS B), I) E J) E 152.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 2.
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES, APROVADO PELA LEI N.º 5/2006, DE 23-02: - ARTIGO 86.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 3.
TRAMITAÇÃO ELETRÓNICA DOS PROCESSOS JUDICIAIS, APROVADA PELA PORTARIA N.º 280/2013, DE 26-08, COM A ALTERAÇÃO DA PORTARIA N.º 170/2017, DE 25-05: - ARTIGO 1.º, N.º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.º 2 E 27.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 563.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-02-2007, PROCESSO N.º 28/07;
- DE 20-02-2008, PROCESSO N.º 07P4724, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-04-2008; PROCESSO N.º 08P1011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-09-2011, PROCESSO N.º 2336/04.2TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 95/10.9GGODM.S1;
- DE 09-09-2015, PROCESSO N.º 342/10.7ALRA-A.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-10-2015, PROCESSO N.º 461/14.0PEVR.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-10-2016, PROCESSO N.º 629/16.9T8LRS.S1;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 773/07.0TBALR.E1.S1.
Sumário :

I - Não constitui, uma irregularidade formal da estruturação externa de uma decisão judicial a aposição de uma assinatura electrónica no canto superior esquerdo dessa decisão, à luz da legislação vigente para a tramitação electrónica dos processos penais nas fases indicadas no n.º 2 do art. 1.º da Portaria 280/2013, de 26-08, com a alteração que foi introduzida pela Portaria 170/2017, de 25-05.

II - Face à infrangível censura de que é merecedor a actuação do arguido que não se conformando com o fim do seu casamento de 35 anos com a ofendida, munido de uma arma caçadeira de canos serrados aguardou o regresso a casa da sua mulher nas imediações de um silvado e mato (sito no lado oposto ao da habitação) e que perante a aproximação da mesma a caminhar disparou dois disparos contra a vítima, a uma distância compreendida entre os 3 e os 10 metros atingindo-a na mão esquerda e na região esquerda do crânio, provocando-lhe a morte, e que após se auto-infligiu com um pequeno machado ferimentos no couro cabeludo e numa busca de se desfazer dos meios com que havia perpetrado o crime arremessou a arma para um silvado, não merece censura a pena de 19 anos e 6 meses de prisão aplicada a arguido pela prática como autor material de um crime de homicídio qualificado e agravado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), i) e j), do CP e 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02).

III - Estando em concurso a prática pelo arguido de um crime de homicídio qualificado e agravado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), i) e j) do CP e 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02; um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, de 23-02 e um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e 2, do CP, perante uma moldura penal abstracta de cúmulo entre 12 anos e 25 anos, não merece censura a pena única de 20 anos e 6 meses de prisão aplicada.

IV - A ablação violenta da vida constitui um choque inenarrável na esfera sentimental das pessoas que formam o círculo vivencial e afectivo das pessoas subtraída ao seu convívio familiar e social. Dai que a indemnização pelo direito à vida – já que a lei a predita – deve valer pela sua essencialidade vital e ser valorada de acordo com critérios de afirmação da existência do ser em sociedade, não sendo de alterar o montante de € 60.000,00 fixado a título de indemnização pela morte.

V - O tribunal na fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais, como acontece para as situações em que não é possível proceder a uma mensuração aritmética, por referência a valores concretamente estabelecidos e quantificados, recorre a critérios de equidade.

VI - Considerando que o tribunal equacionou, na forma de fazer equivaler os valores a juízos de equidade, razões que se afiguram dever quadrar com referências de valoração do sentimento de perda que as filhas terão experienciado relativamente à perda da pessoa que lhes deu vida e com quem privavam, ainda que de forma diferenciada – o que levou o tribunal a diferenciar o quantitativo das indemnizações, mantém-se a indemnização a título de danos não patrimoniais às filhas da vítima nos montantes de € 55.000 e € 50.000 fixados pelo tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral:
I. – RELATÓRIO.

Por decisão proferida no dia 18 de Janeiro de 2018, foi o arguido, AA, condenado pela prática, em autoria material de:  

um crime de homicídio qualificado e agravado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 131º, 132º/1 e 2-b) (verificando-se também as als. i) e j)) do C. Penal (de 2007) e 86º/3 da Lei das Armas (Lei 5/2006 de 23/2 e ulteriores redacções), na pena 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º/1-d) da referida Lei das Armas (e ulteriores alterações), na pena de 1 (um)  mês de prisão.

- de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º/1-a) e 2 do Código Penal (2007), na pena de 2 (dois) anos de prisão”, e em cúmulo jurídico na pena única de 20 (vinte) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Na parcial procedência dos pedidos de indemnização cível deduzidos por BB e CC, filhas da decessa, DD, foi o demandado/arguido condenado a pagar-lhes, respectivamente, e a cada uma, a “quantia global de 55.000 € (cinquenta e cinco mil euros) mais juros de mora a 4% desde a fata data da prolação do acórdão”; e “a quantia global de 50.000 € (cinquenta mil euros) mais juros de mora a 4% desde a fata data da prolação do acórdão.” 

Mais foi decretada a indignidade do arguido nos termos e para os efeitos do artigo 69º-A Código Penal e declarado o perdimento a favor do Estado de todos os objectos ainda apreendidos e que estão discriminados supra em 6. a. e 6. b..

Em dissensão com o julgado, impugna o arguido a decisão, tendo alinhado, para a pretensão recursória que impulsa, a síntese conclusiva que queda extractada.    

I.a). – QUADRO CONCLUSIVO.

1ª- O douto acórdão deverá atender na atribuição da pena concreta pela prática do crime de homicídio qualificado aos artigos 370º e 344º do C.P. (quis, certamente escrever-se C.P.P.);

2ª- A pena parcelar imposta ao ora recorrente – no crime de homicídio qualificado - é excessiva e deve ser reduzida para medida que se aproxime dos respectivos limites mínimos.

3ª- A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

4ª- As quantias estabelecidas na responsabilidade civil pelo Tribunal a quo são desmesuradas tendo em conta as condições socias e económicas do arguido pelo que deverão consequentemente serem reduzidas.

5ª- Foram, assim, violados os artigos 71º, 344º, 370º do Código Penal.” (quis, certamente escrever-se C.P.P.)

Na resposta que produziu, argumenta o Ministério Público que (sic):

No presente recurso vem o arguido censurar o douto acórdão que nos autos a condenou, pela prática de um crime de homicídio qualificado e agravado, p. e p., pelos arts. 131º e 132º, nº 1, e nº 2, alíneas b), i) e j), do Código Penal, e artº 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de dezanove anos de prisão, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo artº 86º, nº 11, alínea d), da mesma lei, na pena de um mês de prisão, e de um crime de violência doméstica, p. e p., pelo artº 152º, nº 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena de vinte anos e seis meses de prisão.

Para o efeito, questiona o recorrente a medida concreta da pena, discordando da pena parcelar aplicada quanto ao crime de homicídio qualificado agravado, concluindo que tal pena é excessiva e que deve ser reduzida para o respectivo limite mínimo.

Afigura-se, porém, que o recorrente não tem razão, nada havendo a apontar ao acórdão posto em crise.

(…) A moldura penal abstracta para o crime de homicídio, na forma tentada, oscila entre doze anos e os vinte e cinco anos de prisão.

A conjugação do disposto nos arts. 40º, nº 1, 70º e 71º, nºs. 1 e 2, do Código Penal impõe que, antes de mais, se deve ter em conta as exigências de prevenção geral, ou seja, as necessárias à salvaguarda do bem jurídico em causa, para o efeito apontando uma pena adequada à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

Por outro lado, devem ser consideradas as exigências de prevenção especial, ou seja, as necessárias à reintegração do arguido, sendo que a pena não pode nunca ultrapassar a medida da culpa, sendo esta a ditar o máximo da pena.

Assim, tendo por limite superior a culpa do agente, o limite mínimo deve corresponder às exigências de prevenção geral e daí para cima a regras de prevenção especial determinarão a medida concreta da pena – neste sentido o Prof. Dr. Figueiredo Dias, «Direito Penal Português, Parte Geral», Aequitas Editorial Notícias, pag. 227.

Transposto para o caso em apreço, no que tange ao crime de homicídio, a pena parcelar aplicada mostra-se próxima do meio da moldura penal abstracta, que é dezoito anos e seis meses, ou seja, apenas mais um ano de prisão.

Pena que só se aceita por adequada, por entendermos que reflecte o que de abonatório é referido no acórdão recorrido, como a ausência de antecedentes criminais e os hábitos de trabalho.

Mas mais baixa é que nunca podia ser.

A não ser que se esqueça ou se fala tábua rasa, como o recorrente pretende, do mais que é referido no acórdão, com destaque para as exacerbadas exigências de prevenção geral, o grau intenso da culpa e a ilicitude muito elevada.

Concordamos na íntegra com a valoração dos factores que são erigidos no acórdão recorrido para a fixação da medida pena, designadamente, pela sua oportunidade, quanto à menção que é feita relativamente à frequência do crime em apreço, os homicídios de que são vítimas mulheres em contexto de violência doméstica e que muito nos deve envergonhar a ponto que a resposta só pode a de tolerância zero.

Por aderirmos na íntegra, escusamo-nos de repetir as considerações que são efectuadas em sede de exigências de prevenção e da culpa.

Diga-se, no entanto, que crimes como o em apreço são muitas vezes praticados por pessoas perfeitamente integradas na sociedade, com hábitos de trabalho e sem antecedentes criminais, pelo que que tais factores devem ser relativizados e merecer pouco relevo.

Não resistimos a deixar de referir, também, que o teor do relatório pericial à personalidade do arguido é totalmente arrasadora, esclarecendo e dando a conhecer um carácter ou, melhor, deformação de carácter, que é preocupante, evidenciando uma postura, para além do mais, caracterizada «pela frieza, o distanciamento afectivo… um baixo limiar de tolerância a situações frustrantes…desrespeito pelos direitos dos outros», e «com um risco de prática de idênticos ilícitos penais», merecedora de censura elevada, sem dúvida a levar a culpa para um patamar elevado, para um limite até acima do necessário às exigências de prevenção geral.

Sinal da sua atitude é que não lhe bastava tirar a vida daquela pessoa que lhe devia merecer todo o respeito, nem que o prévio contacto com as autoridades policiais e judiciárias o demovesse de tal propósito, não contente, tinha de ser do modo como o concretizou, fazendo jazer o cadáver da DD, em plena praça pública. 

Baixar a pena dos autos suscitaria na comunidade em que estamos inseridos um forte sentimento de impunidade, criando-se um profundo sentimento de revolta por se fazer letra morta do bem jurídico que se pretende proteger.

Acresce que é essa mesma comunidade que através daqueles que elegeu para a feitura das leis que a devem reger, se revê na moldura prevista para o crime em apreço.

A única forma de evitar tal sentimento de revolta é o caminho que o acórdão recorrido traçou, uma pena acima do meio da moldura penal e dirigida na direcção do seu máximo, mas ainda relativamente próximo do meio.

Assim, afigura-se a pena aplicada a adequada, pois ainda assim, satisfaz as exigências de prevenção geral, assim como de prevenção especial, e cumpre a medida da culpa.”

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Distinta Magistrada do Ministério, alinha proficiente parecer, incoando por chamar atenção para que: “O Acórdão recorrido não se encontra assinado pelo punho dos Juízes que o prolataram.

Nos termos do art. 95.º, n.ºs 1 e 2 e 374.º, n.º 3, al. e), ambos do CPP, as sentenças têm de ser assinadas pelo punho dos respetivos juízes que os subscreveram.

É Jurisprudência deste Venerando Tribunal que “(…) a assinatura electrónica viola claramente o estatuído nas mencionadas disposições legais, privativas do processo penal – (arts. 95.º, nºs 1 e 2, e 374.º, n.º 3, do CPP) (…)” – cf. Ac. do STJ, de 26/10/2016, proc. 629/16.9T8LRS.S1, por todos.

Não obstante a verificação de tais irregularidade, não impedem estas o conhecimento de mérito do recurso, devendo ordenar-se a assinatura do Acórdão recorrido pelos Srs. Juízes, aquando da baixa à 1ª instância.

5 – Questões de mérito

5.1 – Acompanhando a resposta do MºPº que, com a devida vénia, se dá aqui por reproduzida, importa sublinhar que, nos termos do art. 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.

De acordo com o comando expresso no art. 40.º, n.º 1, do CP, a pena tem por finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, porém, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Afirma Figueiredo Dias, in “As consequências do crime”, p. 277 e ss, que “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção social do agente na comunidade – em concreto a pena terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às normas comunitárias e como limite inferior o “quantum” abaixo do qual já não é comunitariamente suportável fixação de pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar”.

Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570) afirma que “A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto (...) alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada (...)”.

Assim que, com o mesmo Autor, Figueiredo Dias, in “Questões fundamentais – A doutrina geral do crime”, Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121 e sgs., “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

O Supremo Tribunal de Justiça vem, em Jurisprudência sedimentada, corroborando a doutrina citada, ao decidir que “(...) A determinação da medida da pena concreta, como se sabe, obedece a parâmetros legais, que têm como elementos nucleares de referência a prevenção e a culpa, tudo nos termos dos números 1 e 2 do art. 71.º do CP.

Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pp 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua integração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob.cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração. (...)”

5.2 - Revertendo ao caso dos autos, dos factos provados resulta a elevadíssima intensidade da ilicitude, o dolo directo com que actuou o arguido, a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado, levado a cabo com frieza, astúcia, surpreendendo a vítima, sua mulher, indefesa pelo inesperado da situação, com uma arma caçadeira de canos justapostos e serrados de tiro a tiro, que disparou contra a vítima, entre os 8 e 10 metros de distância, provocando-lhe consciente, voluntária e necessariamente a morte.

Devido ao comportamento agressivo do arguido, a vítima, DD, decidiu divorciar-se. O arguido, não se conformando com o fim do casamento, formou o propósito de lhe tirar a vida, premeditando a sua actuação vários dias antes do facto.

Actuou com total insensibilidade pelo valor da vida humana e absoluto desprezo pela vida da sua mulher,DD.

Embora tenha confessado parte dos factos, o arguido não se arrependeu.

Tem uma personalidade caracterizada pela frieza, distanciamento afectivo, desconfiança e instabilidade emocional.

O Acórdão recorrido dá ainda como assente que, conforme concluiu a perícia médico-legal, “o arguido tem um risco maior de agir de forma violenta que outros indivíduos em situações de “stress” e conflito pelo que há risco da prática de idênticos ilícitos penais”.

Mostram-se muito exigentes as necessidades de prevenção geral e especial, impõe-se uma enérgica e assertiva reacção punitiva tal o desvalor da acção do agente, os bens jurídicos violados e a necessidade da reafirmação das normas jurídicas postas em causa, tendo em consideração a repulsa da comunidade perante a violação do direito à vida e à dignidade do Ser Humano, no caso, a mulher do arguido, que em nada havia contribuído para tal comportamento criminoso, querendo o divórcio para pôr termo às agressões físicas e psicológicas de que era alvo. Por isso foi morta.

A decisão ora recorrida concretiza, também, um dos objectivos primaciais da aplicação de uma pena, enquanto veículo de prevenção geral da prática de futuros crimes semelhantes, tal a complexidade e tensão das relações matrimoniais que hoje em dia terminam, milhares de vezes, infelizmente, em divórcios.

A decisão recorrida aplicou bem o direito aos factos provados, a pena aplicada pelo crime de homicídio mostra-se justa, adequada, necessária e proporcional, não sofrendo de qualquer excesso.
6 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência total do recurso interposto pelo arguido AA.”

Em resposta, o arguido reponta que (sic): “(…) que mantém em tudo o exposto nas suas alegações, já oferecidas e, que deverá ser dado provimento ao recurso apresentado conforme consta nas conclusões, nomeadamente:

A pena parcelar imposta ao ora recorrente – no crime de homicídio qualificado- é excessiva e deve ser reduzida para medida que se aproxime dos respectivos limites mínimos.

A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

As quantias estabelecidas na responsabilidade civil pelo Tribunal a quo são desmesuradas tendo em conta as condições socias e económicas do arguido pelo que deverão consequentemente serem reduzidas.”


I.b). – QUESTÕES A APRECIAR.

Para além da sanação da irregularidade constante da omissão/falta de assinatura dos magistrados que integraram o colectivo que realizou o julgamento e devia ter subscrito, pelo seu punho, o acórdão sob sindicância convoca, no plano penal, como única questão a apreciar/resolver a dosimetria da pena imposta ao arguido pelo crime de homicídio qualificado e agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, alíneas b); i) e j) do Código Penal e artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e, consequentemente, a medida do cúmulo jurídico operado.

No concernente à condenação efectuada pelo tribunal na decorrência dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelas filhas da vítima, BB e CC, discrepa o recorrente do quantitativo fixado como indemnização não patrimonial, por o considerar “desmesurado” (sic).

II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.a). – DE FACTO.

Está definitivamente adquirida a factualidade que a seguir queda extractada.

A) Factos provados.

Da discussão da causa resultaram provados, com relevo (e só os que o assumiam) os seguintes factos:

1. O arguido AA casou com a DD, por matrimónio católico celebrado em 18 de Agosto de 1982, relação que durou quase 35 anos.

2. Desde aquela data, passaram a residir no concelho de Macedo de Cavaleiros, sendo que ultimamente há pelo menos 2 anos, residiam em......– Macedo de Cavaleiros.

3. Desse casamento resultaram duas filhas, BB e CC, ambas maiores de idade e residentes habitualmente em Espanha e a segunda na zona de Lisboa.

4. Desde o início de 2015, o arguido passou a acusar a ofendida de infidelidade e de ter amantes, dizendo-lhe, por exemplo, que ela atendia os clientes pela porta do cavalo e que dá confiança a mais aos clientes.

5. No dia 27 de Agosto de 2016, cerca das 21.00h, no interior da residência do casal, o arguido entabulou uma discussão com a ofendida, no decurso da qual a apodou de “puta” e dizendo em voz alta a frase “putas à rua”, referindo-se a ela e à filha mais velha do casal,BB.

6. Em acto contínuo, o arguido empurrou a ofendida contra um armário e, após a ter seguido do quarto para a cozinha, deu-lhe um soco no nariz que a fez sangrar.

7. Com a conduta supra descrita, o arguido causou na ofendida, para além de dores nas zonas atingidas, um hematoma de cor amarelada no nariz com 2x2 cm de forma arredondada; um hematoma com 6x3 cm de forma irregular no hemitorax esquerdo, que lhe determinaram 6 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho.

8. Acresce que, o arguido, passados poucos dias, voltou a destratar a esposa, mormente vociferando em voz alta que a mesma “tinha amantes” e que era uma “puta”.

9. Em virtude de tais condutas, vem o arguido molestando psicologicamente a ofendida e causando-lhe um estado de humilhação, ansiedade e receio.

10. O arguido deteve na sua posse, até dia 18.11.2016 os seguintes objectos:

- Um instrumento cortante com 28 cm de lâmina, tipo punhal;

- Um estilete com lâmina de 9,5 cm.

11. Devido ao comportamento do arguido, em 19.10.2016, a DD intentou acção de divórcio no Juízo de Competência Genérica de Macedo de Cavaleiros, determinada a pôr termo ao casamento.

12. O arguido não se conformando com o fim do casamento que se avistava formou o propósito de tirar a vida a DD, vários dias, pelo menos, antes dos factos.

13. Na execução desse propósito tomado pelo menos vários dias, como referido em 12), no dia 13 de Janeiro de 2017, cerca das 19h15, o arguido, muniu-se de uma arma caçadeira de canos justapostos e serrados de tiro a tiro, da marca Gorosabel, com o n.º de série .... e respectivos cartuchos Nobel Sport de calibre 12-bala, de sua propriedade, que não se encontrava registada nem manifestada.

14. Acto seguido, com esta arma, e sempre na execução desse propósito, cerca das 19h30, o arguido saiu da sua residência, sita na Rua de ....n....... ...., ...., em Macedo de Cavaleiros, aguardando o regresso a casa da sua mulher, DD, nas imediações de um silvado e mato ali existentes, situada do lado oposto ao da habitação.

15. Quando aquela se aproximou, estando a caminhar na via pública, do lado onde se encontrava o arguido – oposto ao da residência, sendo que entre esta e o local onde aguardava o arguido vai uma distância entre 30 a 40 metros da mesma – este, inesperada e imprevisivelmente, deparou-se-lhe e efectuou dois disparos contra a vítima, a uma distância compreendida entre os três e os dez metros.

16. Os disparos atingiram a vítima, um na mão esquerda, provocando esfacelo dos 3º e 4º dedos com perda de tecido e exposição óssea e o segundo atingiu a vítima na região esquerda do crânio, fracturando-o, com destruição tecidual e saída de massa encefálica, sendo estas lesões traumáticas cranioencefálicas, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 491 a 493 e que se dá por reproduzido, causa necessária, directa e adequada da sua morte imediata.

17. Após, o arguido arremessou a referida arma para o silvado e colocou-se em fuga, dirigindo-se para uma garagem que possui nas traseiras da sua residência, onde se refugiou trancando-se no seu interior.

Aí, auto-infligiu-se com um pequeno machado ferimentos no couro cabeludo, sem com isso causar qualquer fractura.

18. Ao actuar das formas descritas, o arguido fê-lo sempre deliberada, livre e conscientemente.

19. Agiu da forma descrita em 4) a 9), sabendo que infligia maus-tratos físicos e psicológicos à ofendida, sua mulher, e que o fazia no interior da sua residência comum e que, assim, a molestava moral e psicologicamente, o que fazia com o propósito de a desrespeitar enquanto mulher e sua esposa. 

20. O arguido sabia que não podia ter em seu poder a estilete supra referido, que pela sua natureza eram de detenção e uso proibidos.

21. O arguido tinha na sua posse a referida arma cujas características bem conhecia, bem sabendo que, depois de municiada e com cartuchos calibre 12-bala, como foi, era meio idóneo a matar outra pessoa.

Ao utilizar a referida arma e da forma descrita, fê-lo, sem que a vítima DD se pudesse defender, com o propósito concretizado de tirar a vida aquela sua mulher.

Actuou com total insensibilidade pelo valor da vida humana, bem sabendo que aquela era sua mulher, assim como sabia também que, em virtude da relação de casamento que os unia, estava obrigado a especiais deveres de respeito e protecção para com aquela e, não obstante, o arguido agiu sempre com o propósito de lhe tirar a vida.

22. O arguido sabia, igualmente, que todas as suas descritas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.

23. Por causa da conduta do arguido, a demandante BB viu-se privada, definitivamente e de forma cruel, da companhia da sua querida mãe, com quem mantinha laços de grande afecto e proximidade.

24. A demandante BB, apesar de residir em Espanha, era interessada no dia-a-dia da mãe, a quem ligava frequentemente, quase diariamente, e com quem passava longas temporadas, sobretudo nas férias de verão.

Por isso, sentiu, e sente muito, a morte da mesma e irá debater-se, pela vida fora, com o desgosto e a angústia da sua mãe não ser uma presença na sua vida, agudizada por ter sido o pai quem a privou dessa presença, quando a mãe contava apenas com 52 anos de idade.

25. A demandante CC ficou irremediavelmente privada da presença da sua mãe e do seu afecto.

Viveu com a mãe uma relação de proximidade afectiva.

26. Sente-se perturbada e abalada com a morte da mãe, e a forma como ela morreu causa-lhe sofrimento e alguma vergonha.

27. O arguido é o filho de um casal de agricultores, humilde e de modesta condição socioeconómica e cultural.

Fez a 4ª classe do antigo sistema de ensino português, e, ainda muito jovem, com 11/12 anos de idade, o arguido abandonou os estudos e passa a trabalhar com os pais na agricultura e depois como jornaleiro, actividades mantidas até cumprimento do Serviço Militar Obrigatório (SMO).

Após cumprimento do SMO regressou ao meio de origem e, com o apoio da família conseguiu a habilitação legal de condução como “Motorista Profissional” o que lhe permitiu exercer essa actividade em diferentes entidades de transportes de mercadorias e depois em serviços públicos.

Em 1995, sofreu um acidente de caça (vítima de tiro de chumbo extraviado) que lhe condicionou as capacidades visuais/perda total de visão do olho esquerdo.

Desde então e, por incapacidade, foi obrigado a cessar a actividade de motorista profissional.

Após um período de tempo inactivo, trabalhou durante 8 anos como cantoneiro na Autarquia de Macedo de Cavaleiros e em 2012 frequentou um curso de “pedreiro” no IEFP em Macedo de Cavaleiros, tendo-se seguido outras ocupações intermitentes como e jornaleiro indiferenciado.

28. O arguido confessou parte dos factos, embora esta confissão não tenha assumido especial relevância para a descoberta da verdade dos factos confessados.

29. O arguido não se arrependeu.

Tem uma personalidade caracterizada pela frieza, o distanciamento afectivo, a desconfiança e instabilidade emocional.

Revela um baixo limiar de tolerância a situações frustrantes, dificuldades na relação pessoal e social, desrespeito pelos direitos dos outros e tendência para a autodesculpabilização.

Submetido a perícia médico-legal concluiu-se que “o arguido tem um risco maior de agir de forma violenta que outros indivíduos em situações de “stress” e conflito pelo que há risco de prática de idênticos ilícitos penais”.

30. Não tem antecedentes criminais.

B) Factos não provados.

Não se provaram quaisquer outros factos, com relevo (e apenas esses), e, nomeadamente, que,

a. o relacionamento entre o arguido e a ofendida sempre foi pacífico e nunca ele violentou a mulher, física ou verbalmente;

b. sempre que não trabalhava o arguido preparava as refeições do casal e ia às compras para auxiliar a esposa;

c. aceitou genuinamente a decisão da esposa.

d. desde 2015 que o arguido batia diariamente na mulher;

e. o arguido só disparou uma vez contra a vítima.

f. o outro disparo dirigiu-o contra si, para a sua cabeça, com o intuito de por termo à sua própria vida;

g. o instrumento com 28 cm de lâmina apreendido ao arguido, na casa do casal, em 18-11-2016 não tinha aplicação definida, bem sabendo o arguido que a sua detenção era proibida.

h. a relação de proximidade da demandante CC com a falecida mãe era grande, sendo esta a sua conselheira;

i. a vida da demandante CC tornou-se um vazio de solidão, que a vai acompanhar ao longo da vida;

j. a vítima, sua mãe, era o apoio moral da demandante CC viverá sempre no desespero;

l. (…) e não consegue dormir e repousar normalmente.

C) Convicção do Tribunal.

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e ponderação da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com as regras da experiência e formas de depor.

Designadamente, quanto aos factos provados,

- Nº 1): no assento de nascimento de fls. 99 e 100 e na cópia do assento de casamento de fls. 324 a 326.

- Nº 2: Nos depoimentos de BB, assistente e uma das filhas, que confirmou terem os pais residido em ...., concelho de Macedo (onde exploraram durante algum tempo um café) e de EE, vizinho, que corroborou que só ultimamente se tinham mudado para ali.

.- Nº 3: Nas certidões dos assentos de nascimento de fls. 547 e 548 – as residências surgiram incontroversas (e sempre resultaram desde logo dos elementos identificativos dados pelas filhas em julgamento – cfr. acta de 7-12-2017).

- Nº 4 a 9: nos depoimentos de BB, assistente, que confirmou a agressão de 27-8-2016 e as expressões dadas por provadas, e cuja razão de ciência quanto às expressões empregues é indiscutível, porquanto as presenciou e vivenciou (estava cá de férias – a expressão «putas á rua» dirigiu-se tanto à mãe quanto a ela, explicou a assistente, descrevendo o circunstancialismo) – só não tendo conhecimento directo da agressão porque «posta na rua» antes, mas a quem a mãe telefonou e contou o sucedido (agressão), como de resto lhe ia contando as injúrias («puta»…) podendo tal depoimento indirecto ser (como foi) valorado (óbito; artigo 129º/1 Código de Processo Penal), tanto mais quanto corroborado por FF, médica de família do casal que de forma muito assertiva e absolutamente credível relatou ter consultado a ofendida no dia 30/8 e descreveu o estado em que se encontrava e verteu a sua observação na ficha clínica de fls. 226 (onde estão discriminadas as lesões físicas e psíquicas – injúrias…; nota-se a referência quase obsessiva aos “amantes”, e “desde há cerca de ano e meio” por referência a 30-8-2016) – corroboradas pelo exame médico-legal junto a fls. 167 e ss.

Que a agrediu mais vezes resulta do depoimento de GG, patroa da ofendida, que lhe viu um hematoma nas costas (não se confundindo pois com os infligidos em Agosto) ao qual tirou fotos (juntas, aliás, em Outubro de 2016 a fls. 219-220).

Como é habitual neste tipo de crimes, notou-se alguma relutância em falar dos maus-tratos (por exemplo, EE que, apesar de, supostamente, nunca se ter apercebido de nada de especial, deixou cair que «mais cedo ou mais tarde ia dar barraca» o que é elucidativo).

O depoimento de Valadares não mereceu credibilidade na parte em que relatou que o arguido só dizia bem da mulher («eram só elogios»), não só porque desmentida pela prova já analisada, e porque tal não é congruente com a personalidade do arguido (para além da perícia á personalidade, que abordaremos, veja-se que o HH, quando chamado a caracterizar o arguido, não conseguiu sequer qualificá-lo de «bom rapaz») nem com o que o próprio arguido escreveu na agenda (mas adiante voltaremos á agenda).

- nº 10): baseou-se nos autos de busca domiciliária de fls. 235 a 239, no auto de apreensão de fls. 239 e segs. e sobretudo no exame directo de fls. 241 e segs. (fotos) sendo visível o estilete; já quanto á outra arma branca trata-se, bastando olhar para a fotografia, de um punhal e, portanto, com aplicação definida para a actividade venatória e como estava na residência, não se pode dizer que estava fora das condições de utilização.

. nº 11): baseou-se na certidão de fls. 404 e segs. – sobretudo da petição inicial quanto aos fundamentos alegados (precisamente os maus-tratos que lhe dava o marido) – conjugada com os depoimentos da Dra. FF (a ofendida «já não aguentava mais») e da filha BB (incentivou-a a divorciar-se por causa da violência doméstica).

Nº 12), 1ª parte: Resultou de todo o circunstancialismo das injúrias – com uma clara obsessão o arguido pelos supostos amantes – e é de resto perfeitamente visível na agenda apreendida e com cópias a fls. 84 e segs., (especialmente «quarto onde eu durmo…quarto que a vossa mãe abandonou sem qualquer motivo…», «disseste que me ias por os cornos», «quando já mos tinhas posto»).

Tal mostra bem que o arguido foi motivado pela vontade de ter a ofendida para ele (por isso a referência reiterada aos supostos amantes) e portanto, pelo desiderato de impedir o fim do casamento (sendo a sua anuência á convolação para mútuo acordo, aquando da tentativa de conciliação, meramente formal; veja-se que nenhum acordo chegou a ser junto), e, de resto, tanto não o aceitou que matou a mulher antes de ser decretado, e quando nada de novo havia ocorrido.

Nº 12), 2ª parte e 13), parte inicial («na execução…): a premeditação foi afirmada porque:

(i) Em Agosto e em Novembro, de 2016 – fls. 166, 235 a 246 – foram apreendidas ao arguido todas as armas que este detinha (mormente as de fogo: a arma de caça – fl. 266 – as restantes de fogo, a brancas); pois bem, o arguido tratou de adquirir (adquirir porque, precisamente, foram apreendidas todas as armas que detinha) outra arma de fogo, e note-se, transformada, pois que desde logo com os canos serrados, e tratou de arranjar cartuchos com balas (para «caça grossa»), como munições.

Só que a arma não podia ser para a caça, porque proibida: as armas de fogo modificadas nas suas partes essenciais, como são os canos, são proibidas, integrando a classe A, não podendo ser utilizadas na caça (artigos 2º/1-v) e 3-u), 3º/2-l) e 10 da Lei das Armas).

(ii) Da referida agenda consta um anúncio de morte, bastando ler o que dela consta a fls. 82 e 83 maxime «sois herdeiras» e «beijinhos para todos filhas e netos e que Deus me perdoe» [esta última expressão é particularmente significativa], dando-lhes concelhos sobre a forma como haveriam de dispor das coisas materiais.

(iii) «3 ou 4 dias antes» (vários, portanto, pelo menos dois), o arguido, a pretexto que pretendia emigrar, havia dito ao HH e 1 ou 2 dias antes entregou-lha efectivamente (e desta feita estava nervoso) e havia vendido a carrinha, conforme resulta do depoimento do referido HH.

(iv) No dia anterior, à tarde (dentro do horário de expediente dos CTT: às 16 h), foi á estação dos CTT de Macedo de Cavaleiros, balcão do Banco CTT e aí fez perguntas sobre a alteração do nome do beneficiário da esposa a favor das filhas - conforme depoimento de II, funcionária dos correios, que o atendeu e porque já não se lembrasse bem, foram lidas as suas declarações prestadas em inquérito nos termos legais como da acta respectiva consta, e que depois ela confirmou e correspondem à factualidade provada.

Conjugando tais meios de prova entre si e examinando-os á luz das regras da experiência e da lógica, só se pode concluir que o arguido actuou da forma descrita (adquirindo uma arma com grande poder letal; municiando-a da forma como o fez; tomando, sob falsos pretextos, providências – dando a cadela, informando-se quanto ás beneficiárias de aplicações... - aconselhando as filhas quanto ao que fazer com os bens dos quais são «herdeiras») porque já tinha tomado a resolução de matar a mulher, pelo menos vários dias antes dos factos e que manteve.

- Nsº 13) (restante) a 23): a autoria dos disparos não ofereceu especiais dificuldades pois, para além de admitida pelo próprio arguido («só é verdade que a matei, com a arma, como descrito») – não admitiu mais nada – ela resulta plenamente provada (e daí, diga-se já, a razão de ter ficado provado que a confissão, para além de parcial, nenhum contributo especial teve para a descoberta da verdade) de elementos probatórios indiscutíveis, até porque científicos:

(i) o relatório de exame pericial realizado pelo LPC, de fls. 454 e segs. demonstra que, não só o arguido esteve a manejar armas de fogo, como os vestígios/partículas que apresenta são do mesmo tipo dos vestígios/partículas detectados nos cartuchos deflagrados pela arma;

(ii) O relatório de exame pericial à arma de fogo Gorosabel, a fls. 568 e segs., do qual resulta: tratar-se efectivamente de arma alterada, mormente com os canos cortados e primacialmente que os cartuchos deflagrados contra a vítima foram-no com a referida arma.

Quanto ao posicionamento dos intervenientes, tomou-se em conta o relatório de fls. 60 e segs., confirmado pelos inspectores da PJ, realçando-se as fotos aéreas de fls. 61 e 64, os locais onde foram projectados pedaços da calota craniana e distâncias (fls. 63), o sítio onde a arma foi abandonada pelo arguido, junto no silvado, a posição do cadáver virado quase totalmente para o local onde está o silvado, quando a casa de habitação está do lado oposto (a 30 m do local onde a vítima caiu, por isso, o arguido estava a uma distância compreendida entre os 30 e os 40 metros), o que significa que ali estava o arguido, que se lhe deparou e por isso é que ela está virada para esse sitio; aliás, há um facto que comprova isso mesmo: o arguido perdeu os seus óculos (que são seus resulta da informação de serviço de fls. 3 e ss., com ênfase para fls. 5, em que a PJ consigna que os óculos, após examinados, foram entregues ao arguido atenta a necessidade oftalmológica do arguido) que caíram na confluência da terra e do alcatrão, a 3 metros do local onde estava a vítima; uma vez que os óculos só podem ter caído por facto involuntário (já que o arguido deles necessitava) que só se concebe que seja devido a projecção devido ao «coice» da arma, projecção esta que pode significativa pelo que, com os óculos poderão ter saltado para a frente, deu-se uma margem de “recuo”, fixando-se a distância do arguido entre os 3 (no mínimo) e os 10 metros, porque em todo o caso, o disparo foi sempre a uma curta distância, dada a brutalidade do impacto (que «desfez» a zona da cabeça atingida em cheio, como se verifica das fotos de fls. 67 a 74).

Ainda quanto ao posicionamento do arguido é particularmente impressiva a foto de fls. 67 (primeira) porque vê-se que a vítima estava totalmente alinhada com o local onde caíram os óculos do arguido, o que significa que estava virada para o arguido e que só o viu nesse momento (pois doutra forma ter-se-ia desviado ou teria fugido) o que faz sentido dado o arguido estar nas imediações do silvado e mato – de resto a surpresa da vítima está bem espelhada na sua face (foto 28 a fls. 71).

Isso também é acentuado pelo relato de EE, vizinho, que como se verá de seguida ouviu os disparos e foi á janela e vê o arguido já a atravessar a estrada, mas ainda no início para ir para casa, perto de uma zona onde havia carros que é justamente, a zona de mato ao lado do silvado como resulta das fotos de 63, 67 e 68 e onde precisamente se encontravam os óculos.

Ao contrário do sustentado pelos inspectores da PJ Fonseca e Mesquita e do especialista da PJ JJ, o tribunal ficou convencido de que não ocorreu tentativa de suicídio com a arma de fogo por banda do arguido, e que portanto, o 2º disparo foi efectuado contra a vítima.

Porquê?

Porque, querendo o arguido matar-se, tê-lo-ia feito, dadas as características da arma (canos cortados e logo mais fácil de manobrar) e a sua potência letal, não se descortinando razões para a pretensa frustração.

Tanto mais quanto, segundo a PJ, na foto junta a fls. 87, em que se basearam os elementos da PJ para afirmar a referida tentativa, havia sinais (resíduos) de pólvora de, dizem, «contacto/quase contacto» com a boca do cano da arma de fogo.

Pois bem, se assim fosse, seria absolutamente impossível a frustração do suposto intuito suicidário.

De resto, note-se bem, nem o próprio arguido confirmou tal teoria – que de resto em nada se adequa á personalidade do arguido de que adiante se falará; não que não pudesse ter pensado nisso (na agenda também se despede das filhas o que aponta nesse sentido) mas o certo é que acabou por não o fazer nem tentar (repita-se: se o tivesse feito, teria morrido, dada a arma e munições).

Manifestamente, a explicação é mais simples: a existência de pólvora no lado direito da face do arguido deve-se a ter feito pontaria, com a arma, sendo algumas escoriações presentes e sobretudo a queda dos óculos explicável pelo efeito de «coice» associado, o que é público e notório, ao disparo de arma de fogo, mais significativo ainda em armas modificadas – como as de canos serrados.

E assim se explica o vestígio de sangue do próprio arguido (como resulta de fls. 88, ponto 4-A e do relatório de exame pericial de fls.478 e segs.) nos óculos e por que razão caíram.

Os dois disparos contra a vítima explicam outrossim que haja lesões em dois locais do corpo bem diferentes – na mão esquerda, com dilaceração de dois dedos, e na cabeça – e estão em absoluta congruência com o relato de EE que referiu ter ouvido «dois tiros seguidos» «rápidos» (ela no chão e ele a atravessar a estrada para a garagem).

Quanto às referidas lesões que foram causa necessária da morte o tribunal baseou-se, naturalmente, no relatório de autópsia.

Que o arguido arremessou a arma para o silvado, é evidente pois foi aí encontrada e que se foi fechar na garagem resulta da já referida informação de serviço e foi corroborado pelos elementos da GNR e PJ (para além dos inspectores já mencionados, veja-se o depoimento de KK, guarda principal da GNR).

Que se auto-infligiu-se com um pequeno machado ferimentos no couro cabeludo, sem com isso causar qualquer fractura resulta de nele ter sido encontrado sangue do arguido que deu entrada nas urgências com pequenos cortes no couro cabeludo (fls. 88 e relatório de exame pericial de fls. 478 e segs.) – o que só confirma que não houve tentativa de suicídio (o machado só provocou pequenos ferimentos, quando é meio idóneo como é de todos sabido a «rachar a cabeça»).

Nº 23 a 26: baseou-se em grande parte nas regras da experiência comum, pois a dor da perda de um ente tão querido como é a mãe é um facto público e notório, salvo circunstâncias excepcionais, no caso, tal dor é ainda agravado pelo facto de ter sido o pai quem lhes tirou a mãe.

De notar, apenas, que da audiência de julgamento, sobretudo, das declarações da assistente BB e de LL, das quais resultou um relacionamento muito próximo e contactos telefónicos muito regulares.

Já o mesmo não resultou, pela menos não com a mesma intensidade quanto á irmã, tendo as testemunhas desta demandante (MM, seu companheiro, e NN) referido que a CC continuava a visitar o pai na prisão (ao passo que para a BB tal era insuportável).

Nº 27) e 30): no relatório social e no crc respectivamente.

Já dissemos por que razão a confissão parcial não tinha grande revelo para a esclarecimento da verdade (nº 28)

Nº 29): resultou da postura do arguido, em audiência, referindo que «só é verdade que a matei com a arma», negando o resto e desculpabilizando-se: «se fosse tão mau [disse] ela não teria vivido tanto tempo junto dele»; e resultou da perícia médico-legal á personalidade do arguido, e cujo relatório está junto a fls. 733 e segs.

Quanto aos factos não provados, resultaram a maior parte (a. a g.) da prova do contrário e os restantes, da insuficiência da prova produzida.”

II.b). – DE DIREITO.

II.b). – OMMISSÃO DA ASSINATURA (AUTOGRAFADA) DOS JUÍZES QUE INTERVIERAM NO JULGAMENTO.

Como ponto prévio do diserto parecer que exarou, a distinta magistrada do Ministério Público, convoca a irregularidade extraída do acórdão recorrido e consubstanciada na falta de assinatura – em modo de autógrafo – dos Senhores Juízes que intervieram na elaboração da decisão. Abona-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal (Ac. do STJ, de 26/10/2016, proc. 629/16.9T8LRS.S1, por todos).

A questão, como resulta da jurisprudência indicada no acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Abril de 2016, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, encontra-se dividida, entre o que vem sendo decidido na 5ª secção criminal e o que vem sendo decidido na 3ª secção criminal.

No aresto que acabamos de citar (ac. de 28 de Abril de 2016, proferido no processo nº 37/15.5GAELV.S1, justificou-se a posição adoptada – pela inexistência de irregularidade substanciada na não subscrição de uma decisão judicial pelos intervenientes na sua deliberação – com a argumentação que a seguir queda extractada.

Em causa está, pois, a alegada irregularidade de um acórdão, o mesmo é dizer, a irregularidade de um acto decisório de um tribunal colegial – artº 97º, nºs 1-a) e 2, do CPP.

Os requisitos deste acto decisório vêm especialmente regulados nos arts. 374º e segs., prescrevendo a alínea e) do nº 3 do primeiro que a sentença/acórdão termina pelo dispositivo que contém, além do mais, «a data e as assinaturas dos membros do tribunal».

É este – assinaturas dos membros do tribunal – o segmento que nos interessa.

O artº 374º não contém qualquer especificação ou indicação sobre o tipo de assinatura com que o dispositivo deve encerrar. Por isso que, tratando-se de um acto processual, devamos procurar essa disciplina no âmbito das “Disposições Preliminares e Gerais” do Código, mais concretamente, no Livro II, da sua Parte I – «Dos actos processuais», designadamente no Título II – «Da forma dos actos e da sua documentação».      

Ora, diz-nos o nº 4 do seu artº 97º, já antes referido, que «os actos decisórios … revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso» [[1]].

O acórdão recorrido, proveniente de deliberação unânime dos Senhores Juízes que integraram aquele Tribunal Colectivo, foi redigido, foi “elaborado”, como nele expressamente foi exarado (cfr. fls. 339, parte final), pelo «seu 1º signatário», o Senhor Juiz Presidente (cfr. actas de fls. 295 e 340), em conformidade, aliás, com o disposto no nº 1 do artº 372º do CPP.

Não se trata, portanto, é evidente, de uma decisão oral. Por isso que teria(á) de obedecer aos requisitos formais dos actos escritos.

O preceito legal que, no CPP, regula, em termos gerais, o formalismo dos actos processuais que tenham de praticar-se sob a forma escrita é, cremos, o seu artº 94º, cujo nº 3, alterado que foi pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, admite, de forma expressa, que se possam usar formulários em suporte electrónico, e se possa recorrer a assinatura electrónica certificada.

Não vemos que este preceito haja sido considerado naqueles acórdãos quando rejeitaram a possibilidade de os aí apreciados serem assinados electronicamente.

Invocam, porém, como vimos, o nº 2 do artº 95º, com a epígrafe “Assinatura”.

Aceitamos que a expressão verbal da epígrafe do preceito tenha significado equívoco quanto à espécie dos actos processuais a que se refere.

Entendemos, no entanto, que não é aplicável à assinatura da sentença/acórdão; que o seu campo de aplicação não é o da sentença/acórdão escrito.

De facto, a aparente contradição insanável entre as duas normas legais – uma, a do nº 3 do artº 94º, a admitir a assinatura electrónica do acto processual que tiver de ser reduzido a escrito (como a sentença/acórdão, entendemos nós); a outra, a do nº 2 do artº 95,º a exigir que a assinatura do escrito a que tiver sido reduzido um acto seja feita pelo punho do(s) seu(s) subscritor(es) – sempre exigiria que o intérprete, em obediência ao princípio do aproveitamento das leis e da presunção de racionalidade da legislação, procurasse um sentido útil para ambas [[2]]. Em nosso entender, porém, a previsão do nº 2 do artº 95º – acto processual que deva continuar-se em momento posterior; assinado por quem a ele presidir e pelas pessoas que nele tiverem participado e pelo funcionário que tiver feito a redacção… – aponta, claramente, não para a sentença/acórdão, como acto processual praticado sob a forma escrita, mas antes para o auto que documenta o acto que foi (que teve de ser) reduzido a escrito [[3]]. E a sentença/acórdão não cabe manifestamente nessa categoria. Constitui um acto praticado sob a forma escrita, é verdade. Mas a sua elaboração/redacção repele a descrição feita no preceito em causa: nele não intervêm outras pessoas para além do(s) juíz(es); é um acto formalmente contínuo, e é (deve ser) elaborado, redigido, apenas pelo juiz seu autor ou pelo presidente do tribunal colectivo, sem intervenção de funcionários de justiça. 

Concluímos, pois, que a sentença/acórdão, proferido em processo penal, pode ser assinado com recurso a assinatura electrónica certificada.

Como vimos, os Acórdãos acima referidos que concluíram pela inadmissibilidade de assinatura electrónica em processo penal, invocaram o regime da Pª 280/2013, de 26 de Agosto, designadamente o disposto no seu artº 2 que, não só não faz qualquer referência a processos desta natureza, como até exclui do seu âmbito de aplicação, de forma expressa, os pedidos de indemnização civil e os processos de execução de natureza civil deduzidos no âmbito de um processo penal.

A estar correcto aquele nosso raciocínio, não é uma portaria, editada ao abrigo de uma disposição do Código de Processo Civil, como é o caso da Pª 280/2013, que pode afastar a aplicação, ao processo penal, de uma norma expressa do respectivo Código (cfr. o artº 4º do CPP). A diferente hierarquia dos diplomas em confronto sempre imporia, de resto, a aplicação, no âmbito do processo penal, do nº 3 do seu artº 94º, em detrimento das disposições da Portaria.

Acresce que a consideração do percurso legislativo verificado nesta matéria também nos leva a concluir que as disposições da referida Portaria não são aplicáveis ao processo penal e, como assim, não colidem com o regime que vimos ter sido fixado por aquele preceito. O facto de a Portaria não contemplar e/ou afastar do seu âmbito os processos de natureza penal não prejudica, pois, em nossa opinião, a conclusão a que acima chegámos.

De facto, depois de a Lei 14/2006, de 26 de Abril, ter aditado ao velho CPC o artº 138º-A, nos termos do qual «a tramitação dos processos é feita electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias», foi publicada, justamente ao abrigo dessa disposição legal, a Pº 593/2007, de 14 de Maio [[4]], que veio esclarecer «qual o tipo de assinaturas electrónicas que permitem aos magistrados e oficiais de justiça praticar actos judiciais sem necessidade de proceder à assinatura de documentos no processo em suporte de papel». Com esse propósito, o nº 1 do seu artº 1º estabeleceu que «os actos processuais dos magistrados podem ser praticados em suporte informático, através do sistema CITIUS, com aposição de assinatura electrónica qualificada ou de assinatura electrónica avançada» [[5]] (negrito e sublinhado nossos, naturalmente).

Estabeleceu-se, então, não a obrigatoriedade da assinatura electrónica, mas a simples possibilidade do seu uso.       

Em 6 de Fevereiro de 2008, foi publicada, também ao abrigo daquele artº 138º-A, a Pº 114/2008 em cujo preâmbulo se lê que «vem…concretizar algumas medidas relevantes para o desenvolvimento do projecto de desmaterialização dos processos judiciais no domínio das acções declarativas e executivas cíveis e providências cautelares» entre as quais a determinação de que «os actos processuais dos magistrados sejam necessariamente praticados por via informática … valendo, para todos os efeitos legais, a versão electrónica do documento assinado digitalmente, dispensando-se, assim a assinatura autógrafa pelo magistrado no suporte de papel dos actos processuais» (negrito e sublinhado também nosso).  

E, de acordo com essa intenção, o artº 2º excluiu do seu «âmbito de aplicação» os pedidos de indemnização civil e dos processos de execução de natureza civil deduzidos no âmbito de um processo penal, e o artº 17º, nº 1 determinou que «os actos processuais dos magistrados judiciais são sempre praticados em suporte informático …, com aposição de assinatura electrónica qualificada ou avançada» (negrito e sublinhado ainda nosso).

Quer dizer, no âmbito das acções previstas no artº 2, os actos processuais dos magistrados, até então facultativamente praticados em suporte informático, com assinatura electrónica, passaram obrigatoriamente a seguir esse modelo. 

Mas, insistimos, no âmbito, e só no âmbito, dessas acções. Por isso é que o artº 27º revogou a Pª 593/2007, mas apenas «no que diz respeito às acções previstas no artigo 2º».

E sendo assim, considerando os termos genéricos da sua estatuição – refere-se, com efeito, a «processos judiciais», a «actos processuais e gestão processual pelos magistrados nos tribunais judiciais», a «processo judicial», a «actos judiciais», sem nunca os restringir aos processos de natureza civil –, somos levados a concluir que esta Portaria, a Pª 593/2007, se mantém em vigor relativamente a outras acções e processos não abrangidos ou excluídos pelo artº 2º da Pº 114/2008, a começar pelos processos de natureza penal a que o artº 138º-A pode ser aplicado por via quer do artº 4º quer do artº 510º, do CPP.

 Repare-se, de resto, que, quando a Pª 114/2008 revogou parcialmente, nos termos referidos, a Pº 593/2007, já o Código de Processo Penal havia sido alterado no sentido de permitir (não impor) o uso de assinatura electrónica nos respectivos actos processuais.   

A Pª 280/2013, de 26 de Agosto, publicada ao abrigo do novo CPC, revogou, é verdade, a Pª 114/2008. Mas não revogou ou interferiu com aquele segmento da Pª 593/2007 que entendemos ter continuado em vigor.  

Consequentemente, a possibilidade de os actos do processo penal, mesmo as sentenças/acórdãos escritos, poderem (passe a redundância) ser assinados electronicamente pelos juízes que os proferem, prevista no nº 3 do artº 94º, em nada é contrariada pela Pª 280/2013 por continuar a ser regulada pela Pº 593/2007, designadamente pelo seu artº 1º. 

Concluímos, assim, como já antes havíamos concluído, que o acórdão recorrido não enferma da irregularidade arguida.

No mesmo sentido decidiu, entretanto, o acórdão de 17.03.2016, Pº nº 32/13.9JACBR.C1.S1, também desta secção.” [[6]]
Doutra parte, o acórdão de 17 de Setembro de 2015, proferido no processo nº 134/10.3TAOHP.S3, argumentou-se, em contra, que (sic): “Ao enunciar os requisitos da sentença, o art. 374º do Código de Processo Penal estabelece no nº 3 que a sentença termina pelo dispositivo que contém, além de outros, a data e as assinaturas dos membros do tribunal [al. e)]. Tal norma deve ser complementada pela do art. 95º nºs 1 e 2 do mesmo Código do teor seguinte:
“1 - O escrito a que houver de reduzir-se um acto processual é no final, e ainda que este deva continuar-se em momento posterior, assinado por quem a ele presidir, por aquelas pessoas que nele tiverem participado e pelo funcionário de justiça que tiver feito a redacção, sendo as folhas que não contiverem assinatura rubricadas pelos que tiverem assinado.
2 - As assinaturas e as rubricas são feitas pelo próprio punho, sendo, para o efeito, proibido o uso de quaisquer meios de reprodução.”
O Código de Processo Penal determina, pois, que os actos processuais, no qual se inclui a sentença, sejam autografados pelo magistrado que a ele preside, devendo no caso de a decisão ter sido proferida por tribunal colectivo, ser assinada no final pelos membros do tribunal, sendo as demais folhas rubricadas
Entretanto foi publicada a Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto que visou regular a tramitação electrónica de processos, a qual estabeleceu, no art. 19º que “os atos processuais dos magistrados judiciais e dos magistrados do Ministério Público são sempre praticados em suporte informático através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com aposição de assinatura eletrónica qualificada ou avançada” e que “a assinatura eletrónica efetuada nos termos dos números anteriores substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais”.  Contudo, como consta do disposto no art. 2º, o diploma apenas é aplicável ao processo civil (açções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas e açções executivas cíveis e respectivos incidentes). Para além dos processos de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo, a própria Portaria, que não se refere ao processo penal, excepciona expressamente da aplicação informática os pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal. Deste modo, em processo penal, continua a ser exigida a assinatura autógrafa do juiz nos actos por ele praticados, não sendo legal substitui-la por assinatura electrónica, da mesma forma que o art. 96º proíbe o uso de quaisquer meios de reprodução da assinatura ou rubrica.
De harmonia o preceito do art. 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal, a falta dos requisitos da sentença provoca nulidade quando se refere aos enunciados no nº 2 e nº 3 al. b) do art. 374º, constituindo quanto ao demais mera irregularidade.
A irregularidade pode ser sanada, devendo para o efeito, após a baixa dos autos à 1ª instância, serem apostas pelos membros do colectivo, no final do acórdão, as respectivas assinaturas autógrafas e rubricadas as restantes folhas.” [[7]]
Também o Conselheiro Henriques Gaspar, no comentário que exara ao preceito (artigo 95º do Código Processo Penal) refere que “no estado actual da regulamentação, não são aplicáveis em processo penal as regras relativas à tramitação electrónica dos processos, e à assinatura digital dos actos, definidos na Portaria nº 280/2014, de 26 de Agosto, em cumprimento do artigo 123º do CPC – é o que resulta do artigo 2º («âmbito de aplica-cão») da Portaria.” [[8]]      
Em nosso juízo, dos sentidos interpretativos planteados, afigura-se-nos ser o que dispensa a assinatura autografada, na tramitação processual indicada no nº 1 do artigo 1º da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, com a alteração que lhe foi introduzida pelo artigo 2º da Portaria nº 170/2017, de 25 de Maio, aquela que melhor conchava com a letra da lei.
Diz-se «sentença» o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” – nº 2 do artigo 152º do Código Processo Civil. A lei define como requisitos externos da sentença a datação e a assinatura (“As decisões são datadas e assinadas pelo juiz ou relator que devem rubricar ainda as folhas não manuscritas e proceder às ressalvas consideradas necessárias; os acórdãos são também assinados pelos outros juízes que hajam intervindo, salvo se não estiverem presentes, do que se faz menção” – artigo 153º, nº 1 do Código Processo Civil). 
Do mesmo passo o artigo 374º, nº 5, alínea e), do Código Processo Penal exorna a estrutura externa da sentença da datação e assinatura dos juízes que a elaboraram e formaram.   
Os dois ordenamentos adjectivos impõem as formalidades externas que devem integrar um acto processual da importância axial e basilar que se contém numa decisão judicial.
A desmaterialização dos processos incutiu e conformou a prática de actos processuais, percutindo essa alteração na prática de actos judiciais praticados pelos magistrados. No que atina com o processo penal, e como se asseverava no acórdão de 17 de Setembro de 2015 e 9.09.2015, o diploma/portaria de 2013 (280/2013), que adaptou a tramitação processual civil a nova realidade jusnormativa prosseguida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, não fazia referência, no amplexo de aplicação definido no artigo 1º, qualquer incidência da tramitação por meios informáticos nos processos de natureza penal – cfr. artigo 1º da Portaria nº 280/2013.
A Portaria nº 170/2017, de 25 de Maio veio, porém, a estender/alargar o âmbito de aplicação da tramitação electrónica “dos processos penais (a partir da fase de julgamento), aos processos de contraordenação (apenas a partir do momento em que os autos são presentes ao juiz) e aos processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo (a partir da receção do requerimento para a abertura da fase jurisdicional.” – Cfr. relatório/introdução do diploma em tela.
O diploma de 2017 veio alterar a realidade legislativa que condicionou o raciocínio argu-mentativo que cevou o dictamen doa arestos que defendiam a posição legal-formal mais estrénua.
Com o diploma de 2017, pensamos, os magistrados podem dispensar a firma autografada nas decisões, singulares ou colectivas, que proferem, substituindo-as pela assinatura electrónica que tenham armazenada e que usem para assinar os autos em que intervêm.
Não constitui, uma irregularidade formal da estruturação externa de uma decisão judicial a aposição de uma assinatura electrónica no canto superior esquerdo dessa decisão, à luz da legislação viger para a tramitação electrónica dos processos penais na fases indicadas no nº 2 do artigo 1º da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, com a alteração que que foi introduzida pela Portaria nº 170/2017, de 25 de Maio.                      
Desestima-se a apontada irregularidade.

II.b).1. – MEDIDA DA PENA PELO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ARTIGOS 131º, 132º, nº 2, alínea b), i) e j) e 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro)

O recorrente dissente unicamente da pena imposta pelo crime de homicídio – que estima dever ser adequada às exigências de prevenção geral e especial – e, correlatamente, se esta vier a ser alterada, por arrastamento e conexão, a medida da pena encontrada para o cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido. 

Por ser assim, incoar-se-á, para uma cabal e completa compreensão do sentido adoptado pelo tribunal recorrido da pena imposta, com a transcrição do tramo da decisão adrede.

1. Vem o arguido acusado, além do mais, da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. p. pelos arts. 131º e 132º/2-b), e), i) e j) do C. Penal, agravado pela utilização de arma de fogo, nos termos do art. 86º/3 da Lei 5/2006 de 23/2 (e ulteriores redacções).

1.1. Tendo por valor tutelado a vida humana dispõe o art. 131º referido que, como é sabido, contém o tipo base do crime de homicídio,

“Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”.

São, pois, elementos constitutivos deste tipo de crime:

- que o agente mate outra pessoa;

- o dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em uma qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.

No caso em apreço, o arguido, com o propósito de tirar a vida á ofendida (portanto, resolvido a matá-lo; há dolo directo, enquanto conhecimento e vontade de realizar o tipo legal; art. 14º/1 C. Penal) disparou contra ela, por duas vezes, com uma arma de fogo, atingindo-a com um disparo na cabeça, causando-lhe de forma directa, necessária e adequada a morte, pelo que dúvidas não há acerca do preenchimento dos elementos típicos do crime de homicídio.

1.2. Vejamos agora se o crime é qualificado.

O art. 132º/1 C. Penal pune com prisão de 12 a 25 anos o homicídio praticado em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.

Tais circunstâncias, como é entendimento dominante, porque se referem à culpa, não são de funcionamento automático (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 27; Acs. STJ, de 13/12/2000, CJSTJ, III, 241 e de 7/12/99, CJSTJ, III, 234, entre muitos outros), nem são taxativos, no sentido de poder haver circunstâncias não elencadas no nº 2 que integrem o tipo de culpa qualificador (cf. o corpo do nº 2: “entre outras”) – desde que subsumíveis ao critério de agravação subjacente á figura do homicídio qualificado (cfr. acórdão Tribunal Constitucional nº 852/2014 de 10-3-, DR nº 48/2015, Série II de 2015-03-10: “julga inconstitucional a norma retirada do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, na relação deste com o n.º 2 do mesmo preceito, quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção da figura do homicídio qualificado, sem que seja possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2, ou ao critério de agravação a ela subjacente”.

Subjacente à especial censurabilidade ou perversidade está um maior grau de culpa, um maior desvalor ético-jurídico que terá sempre de ser demonstrado em concreto.

Por isso, a qualificação do homicídio supõe a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., 27-28; cfr. ainda, entre muitos, Ac. STJ de 18/10/06, P. 06P2679, www.dgsi.pt).-

A primeira circunstância apontada na acusação é a da al. b):

“Praticar o facto contra cônjuge…”.

É evidente que resulta preenchida a referida circunstância como não menos o é que o “efeito indício” daí decorrente longe de infirmado surge reforçado pela motivação do arguido – a instauração do processo de divórcio pela malograda vítima – que dá corpo á especial perversidade pressuposta pelo nº 1 do artigo 132º; vale dizer, a qualidade de cônjuge foi essencial, é ela que, antes de tudo, o qualifica – outras eventuais qualificativas só serão ponderadas na determinação da medida concreta da pena (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-1-2012, Proc.306/10.0JAPRT.P1.S1,dgsi).

(…) Vejamos a acusação:

Alínea e): “motivo torpe ou fútil”.

Conforme escreve o Prof. Figueiredo Dias, motivo torpe ou fútil é aquele que, à luz das concepções éticas e morais ancoradas na sociedade, se deve considerar pesadamente baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como profundo desprezo pelo valor da vida humana (ob. cit., 33).

Outra coisa não vem entendendo a jurisprudência, para quem é motivo fútil aquele que “não é ou nem sequer chega a ser motivo” (v.g., Ac. STJ, de 6/6/90, BMJ, 398º-269).

Na formulação lapidar do Ac. STJ de 6/1/2010 “a circunstância qualificativa prevista na parte final da al. e) do n.º 2 do art. 132.º do CP – motivo fútil – destina-se a tutelar situações em que o agente se determine por mesquinhez, frivolidade ou insignificância, ou seja, por motivo gratuito” (P. 238/08.2JAAVR.C1.S1, www.dgsi.pt) – no mesmo sentido, cfr., ainda, entre muitos outros, Acs. STJ de 15/12/05 e de 18/10/07, P. 2978/05 e 2586/07, da mesma base de dados, para quem “motivo fútil é o motivo frívolo, leviano, irrelevante, a ninharia que leva o agente à prática do crime”.

Face a estas formulações e face à já referida motivação subjacente, não se crê que se preencha a circunstância em causa – não aceitar o divórcio não é motivo fútil.

Alínea i) in fine: utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”.

Seguindo o Prof. Figueiredo Dias (Comentário… Tomo I, 38) temos que por meio insidioso deve entender-se todo o meio que torna praticamente impossível a defesa da vítima, aqui se incluindo, v.g., a utilização de arma de fogo à traição, uma cilada ou emboscada (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/89, AJ, 4º).

Na análise a efectuar há que ter presente, por um lado, a natureza do meio ou instrumento utilizado e por outro, o naturalístico conjunto de circunstâncias em que aquele concreto meio ou instrumento foi utilizado, e, assim, designadamente, a distância a que o agressor se encontrava da vítima (com especial relevância para a curta distância, a zona do corpo atingida, o momento e local (cfr. Ac. STJ de 30/11/2011, P. 238/10.2JACBR.S1, dgsi).

No caso concreto: face ao tipo de arma (alterada, com grande poder letal) tipo de munições, distância (curta), zona do corpo atingida (cabeça) e a sua presença ali ser imprevisível, tem-se por verificada circunstância, indiciadora de especial censurabilidade.

A da al. j): “Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”.

Houve claramente persistência a intenção de matar por mais de 24 horas, sendo que o circunstancialismo da prática do facto só corrobora a indiciação – e os exemplos-padrão desta al. são apenas os entendimentos de uma mesma e única realidade: a da premeditação (autor e ob. cit., pág. 39-40).

1.3. Como referido na acusação, deve aplicar-se a agravação prevista no nº 3 (por referência ao nº 4) do art. 86º da Lei das Armas, pois que o crime de homicídio foi cometido com uma arma de fogo da classe A: cfr. arts. 3º/4-a) e 86º/1-c) da Lei das Armas, na redacção da Lei 12/2011 de 27/4).

2. Vem ainda o arguido acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida – p. p. pelo art. 86º/1-d) da Lei 5/2006 de 23/2 e posteriores alterações – referente ao estilete e á outra arma branca.

Trata-se de um crime de perigo comum – entendido este como crime de perigo “em que o perigo se expande relativamente a um número indiferenciado e indiferenciável de objectos de acção sustentados ou iluminados por um ou por vários bens jurídicos” (Prof. Faria Costa, Comentário…, Tomo II, 867) – e abstracto, que tem por valor tutelado a segurança da comunidade em face do risco que a detenção de armas provoca .

É um crime essencialmente doloso.

Dispõe a referida norma que:

“1. Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…)

d) …estilete...;

é punido com prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.”.

A simples detenção do estilete, com dolo, integra o crime.

E a outra?

É um punhal.

Trata-se de arma branca face ao comprimento da lâmina e ao disposto no art. 2º/1-m).

Por seu turno, o art. 3º/2 refere que integram a classe A:

d) “As armas brancas ou de fogo dissimuladas sob a forma de outro objecto”; e) “as facas de abertura automática, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar e boxers”;

f) “as armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção”.

Por último, o art. 4º/1 estipula que “são proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte de armas, acessórios e munições da classe A”.

Para que a detenção de uma arma branca constitua crime, é, assim, necessário:

- que tenha disfarce; ou,

- que se trate de faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers; ou,

- que se trate de outras armas brancas:

a) sem aplicação definida;

b) que possam ser usados como arma de agressão; e,

c) falta de justificação da sua posse.

O punhal não é susceptível de ser integrada na classe A, na medida em que não possui disfarce (al. d) do nº 2 do art. 3º), não é nenhuma das armas brancas enunciadas na al. e) da mesma norma e, em si mesma, como punhal, tem uma aplicação definida (para efeitos venatórios, designadamente, nas montarias), razão pela qual também não integra a al. f), pelo que e à luz do art. 4º/1, a sua aquisição, detenção e uso não são proibidas.

Tem sido este, aliás, o entendimento generalizado da jurisprudência (cfr. v.g, Acs. RC de 23/6/2010, P. 212/09.1GBNLS.C1: “a detenção de uma faca de cozinha, com lâmina de cerca de 13 cm, utilizada para rasgar um placar eleitoral, não integra o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 2º/1-m) e 86º/1-d) da Lei 5/2006 na redacção que lhe foi dada pela Lei 17/2009”; de 6/4/2011, P. 7/08.0GAGRD.C1: “uma catana não pode ser considerada arma proibida, não apresentando disfarce, nem se tratando de objecto sem aplicação definida”; no mesmo sentido, ainda, Ac. RG, de 6/6/2011, P. 305/09.5GAPTL-G1; todos em www.dgsi.pt; e, para o caso concreto do punhal, cfr. Ac. RP de 13/12/2006, P. 0540404, na mesma base de dados: “um punhal, mesmo com lâmina de 19 cm, não é arma proibida”).

Portanto, o arguido comete o crime mas só por referência ao estilete.

3. A violência doméstica:

(i) Dispõe a al. a) do nº 1 do artigo. 152º Código Penal que:

“Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais;

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;”

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Por sua vez, o n.º 2, do mesmo preceito consagra que:

“No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos”.

Sistematicamente integrado, no Código, no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, especificamente, no capítulo dos crimes contra a integridade física, a teleologia do tipo assenta na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, punindo aquelas condutas que lesam esta dignidade, quer na vertente física como psíquica.

Vale dizer, o bem jurídico tutelado é, no fundo, a saúde, abrangendo o bem-estar físico, psíquico e mental, assim podendo a sua lesão associar-se uma multiplicidade de comportamentos.

Com a alteração operada pela Reforma de 2007 – que autonomizou o crime de violência doméstica do de maus-tratos, estando aquele numa relação de especialidade em face deste; cfr. Prof. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do C. Penal, 406 e 407 – e como referido pela doutrina (v.g., Plácido Conde Fernandes – in Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, Número Especial, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal), deixou de constituir elemento típico o carácter de reiteração.

Pese embora a redacção típica não mencione a intensidade dos maus tratos – ao contrário do anteprojecto, que falava em reiteração ou intensidade – deve entender-se (Plácido Conde Fernandes, loc. cit.) que para que um único acto ofensivo – sem reiteração – possa ser considerado maus-tratos e, assim, preencher o tipo objectivo, continua a reclamar-se uma intensidade do desvalor, da acção e do resultado, que seja apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde física, psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana”.

Quanto à conduta em causa, continua a exigir-se que sejam infligidos a outra pessoa maus-tratos físicos ou psíquicos.

Trata-se de um crime de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir, como se disse, nas mais variadas acções ou omissões, com ênfase para os maus-tratos físicos (as ofensas corporais simples) e os maus-tratos psíquicos (ameaças, provocações, molestações, injúrias).

Por isso que nesses casos tem-se entendido que ocorre uma relação de concurso aparente de normas com outros tipos penais, designadamente as ofensas corporais simples (artigo 143.º, nº 1 do Código Penal), as injúrias (artigo 181.º), a difamação (artigo 180.º, nº 1), a coacção (artigo 154.º), o sequestro simples (artigo 158.º, nº 1), a devassa da vida privada [artigo 192.º, nº 1. al. b)], as gravações e fotografias ilícitas [artigo 199.º, nº 2, al b)] – acórdão Tribunal da Relação de Évora de 8-01-2013 (dgsi) – as ameaças simples ou agravadas – Catarina Sá Gomes, “O crime de maus tratos físicos e psíquicos infligido ao cônjuge ou a convivente em condições análogas às do cônjuges, pág. 59, AAFDL, 2002.

No que concerne ao tipo subjectivo, o normativo em apreço prevê um tipo doloso, exigindo-se o dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.

Face aos factos provados em 4) a 9) conjugados com o facto provado 20), é de concluir pelo preenchimento de todos os elementos, objectivos e subjectivo, do tipo legal de crime, inexistindo causas de justificação, de desculpa ou de exculpação, pois o arguido infligiu maus-tratos físicos e psíquicos, através de agressões físicas e de injúrias e como o fez dentro do domicílio comum verifica-se a agravação do nº 2.

4. Fixada a responsabilidade penal do arguido, cumpre agora determinar a espécie e medida concreta da pena, sendo que os factores de escolha entre penas principais e do seu quantum não foram alterados pela Revisão de 2017 ao Código Penal.

Para tanto há que atender à culpa do agente (suporte e limite axiológico de toda a pena), às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra ou a seu favor (art. 71º Código Penal).

Estando prevista, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, deve dar-se preferência à segunda, mas só e quando tal se revelar adequado e suficiente às finalidades da punição (art. 70º Código Penal).

Como é sabido, o nosso Direito Penal tem uma concepção funcional e relativa da pena, que não encontra justificação em si mesma, mas sempre por referência á protecção de bens jurídicos e á reintegração do agente na sociedade, sendo por isso estas as finalidades da punição.

São as exacerbadas exigências de prevenção geral (positiva, de integração), dado que a violência, em geral, exercida sobre as mulheres, as mais das vezes pelos maridos/companheiros assumiu contornos de flagelo social, sendo impressionantes, em especial, o número de homicídios, tentados e consumados resultantes dessa violência.

Assim (estatísticas da APAV) nos últimos 12 anos, 454 mulheres foram assassinadas em Portugal e 526 foram vítimas de tentativa de homicídio, a grande maioria por parte de homens com quem viviam uma relação de intimidade.

No ano de 2016, não obstante ter sido o melhor, ainda assim, em média, 2 mulheres morreram por mês nessas circunstâncias.

Tais exigências demandam firmeza na punição pelo que o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico (abaixo do qual se colocaria em causa a crença da comunidade na efectiva protecção/tutela dos bens jurídicos se situa num nível muito elevado quanto ao crime de homicídio – o que também não deixa de se reflectir nos outros crimes, porque não deixam de se enquadrar no fenómeno de violência, concreta (violência doméstica) e potencial (arma proibida).

A culpa assume um grau muito intenso (dolo directo em relação a todos) e persistente (homicídio e violência doméstica), pelo que o ponto máximo da moldura consentido pela culpa é para eles muito elevado e moderado para a arma proibida.

Dentro dessa moldura, militam contra o arguido:

- com acentuado peso, porque correspondente á necessidade de socialização do arguido, temos a sua personalidade, caracterizada pela frieza, o distanciamento afectivo, a desconfiança e instabilidade emocional – reveladora de um baixo limiar de tolerância a situações frustrantes, de dificuldades na relação pessoal e social, de desrespeito pelos direitos dos outros e tendência para a autodesculpabilização; para esta necessidade de ressocialização chama de resto a atenção em cujo relatório se concluiu que “o arguido tem um risco maior de agir de forma violenta que outros indivíduos em situações de “stress” e conflito pelo que há risco de prática de idênticos ilícitos penais”.

Diga-se, aqui, que da conjugação desta factor – personalidade desviante e violenta do arguido – com a prevenção geral, decorre, quanto ao crime de detenção de arma proibida, a opção pela prisão em detrimento da multa, porque esta não surge nem adequada nem suficiente às finalidades da punição.

 - A ausência de arrependimento.

- O grau de ilicitude muito elevado no homicídio, atento o concurso de circunstâncias qualificativas, não se entrando porem em conta com a relação de casamento, pois esta foi a circunstância eleita para qualificar o homicídio.

A seu favor:

- O grau modesto de ilicitude na arma proibida.

- A ausência de antecedentes criminais – embora não se possa sobrevalorizar este elemento porque não cometer crimes é um dever geral de todos os cidadãos (além da descrita personalidade do arguido retirar grande parte do peso que se poderia atribuir a tal factor).

- Os hábitos de trabalho.

Entende-se que a idade (o arguido não tem uma idade avançada) o grau médio de ilicitude (dentro do pressuposto pelo nº 2 do artigo 152ºquanto á violência doméstica) são factores neutros.

Tudo ponderado, são justas as seguintes penas de prisão parcelares:

- 19 anos e 6 meses para o homicídio qualificado agravado;

- 2 anos para a violência doméstica;

- 1 mês para a arma proibida.

Ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a apontada personalidade do arguido (maxime a sua propensão para a violência, documentado os factos uma personalidade especialmente desvaliosa e dentro da moldura do cúmulo (19 anos e 6 meses a 21 anos e 7 meses) afigura-se justo fixar a pena única em 20 anos e 6 meses de prisão.”

As sanções penais – penas e medidas de segurança – constituem-se como um monopólio do poder do Estado, enquanto ente societário politicamente organizado. [[9]] (“Hoje, como todo o poder estatal procede do povo, já não se pode ver a sua função na realização de fins divinos ou transcendentes d e qualquer tipo. E se cada individuo participa no poder de estatal com igualdade de direitos, tão pouco pode estribar em corrigir moralmente por meio da autoridade pessoas adultas, às que se, embargo se conceba como não ilus-trados intelectualmente e imaturos moralmente. A sua função se imita, em melhor, a criar e assegurar a um grupo reunido em Estado, exterior e interiormente, as condições de uma existência que satisfaça as sua necessidades vitais. (…) Para o Direito penal isso significa que o seu fim só pode derivar do Estado e, portanto, só pode consistir em garantir a vida em comum de todos os cidadãos sem que seja posta em perigo. A justificação para esta tarefa – ainda que não de todo o meio aplicável para a sua consecu-ção – desprende-se directamente do dever que incumbe ao Estado de garantir a segurança dos seus cidadãos.” [[10]]

No Estado liberal a pena foi assumida com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos – “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” [[11]]    

Dessumido desta função preventiva, faz derivar, o autor, uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens , e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta , sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” [[12]]  

Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade).

Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” [[13]]

Winfried Hassemer estima que «la función de la pena (…) es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.”

Terá sido Séneca “quem, segundo Grotius, tomou de Protágoras uma teoria da pena que actualmente se qualifica de «moderna»: “Nenhuma pessoa razoável castiga pelo pecado cometido, mas sim para que não se peque.” [[14]]

Na verdade não custa admitir que a pena se destina, não a retribuir o mal consumado pela acção dolosa do agente com outro mal de igual intensidade ou finalidade, mas sim a castigar o autor de modo a impedir que, no futuro, não volte a realizar o mal concretiza-do e, de forma consectária, a revelar perante os demais membros da sociedade que o Estado age, punindo, aqueles que infringem o modelo estatuído e consagrado nas leis historicamente aprovadas, ainda que, como assinalaremos mais adiante não possa deixar de atender à retribuição reflexa do mal cometido, ed harmonia com a intensidade dolosa que investiu no facto danoso e com a proporcionalidade que esse facto deve reverberar na esfera pessoal (compensatória) do agente.     

De um modo genérico poder-se-ia colher um denominador comum para a definição da pena. A pena consagra e afirma-se como sendo uma “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[15]/[16]/[17]].

 Nas doutrinas prevalentes a pena encontra a sua legitimação na ordem constitucional formada e instituída pelas sociedades organizadas em Estado. As constituições das sociedades democráticas elevando e acendrando a liberdade como valor inderrogável e invadeável do individuo opõe-lhe excepções como seja a prisão preventiva, a prisão e as medidas de segurança – cfr. artigo 27º da Constituição da República Portuguesa.

As penas colhem a sua raiz na anterioridade de uma norma proibitiva e sancionatória cuja infracção foi comprovada por um julgamento tramitado com observância garantística dos direitos de defesa do inculpado (“nullum crimen, nulla poena sine lege” – princípio da legalidade”). []     

A função da pena, enquanto mal infligido pelo Estado a quem se mostre ter ficado incurso, por infracção, na materialidade típica de uma norma incriminante, vem variando desde o Iluminismo, sendo que, como se deixou adiantado supra, as correntes dominantes na reserva do direito continental se perfilam numa tendência propositiva de afirmação preventivista. 

Seja, porém, qual for a acepção em que se enfoque, a pena constitui-se como a inflicção de um mal imposto a alguém como consequência de uma acção ilícita e antijurídica violadora de bens jurídicos que a lei pretendeu salvaguardar numa noma legal. A expectativa contrafáctica no viger de uma norma jurídico-penal (nas suas vertentes de norma de comportamento e norma sanção), enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade jurídico-social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da regra de conduta consagrada no ordenamento. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo e, consequentemente, infirmado e desrespeitado pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)». Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».
A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; e a responsabilidade do autor pela sua motivação do cometer o crime. [[18]]

Numa perspectiva mais assertiva, a pena é concebida com um instrumento para resolver as defraudações e expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira, “se trata de un tratamiento especifico de defraudaciones que consiste en demostrar a costa del defraudante que se mantiene la expectativa de comportamiento. La sanción expresa que no es incorrecta la expectativca de la sociedad, sin la acción o comunicación del sancionado y resuelve comunicativamente el conflicto mediante imputación de costes de resolución del mismo a un sujeto.” [[19]] A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica [[20]], enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente
A pena, nesta perspectiva, constitui-se, assim, como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira e num plano meramente simbólico ou comunicativo e não puramente instrumental de protecção de bens jurídicos. “Se trata de comunicación frente al delito que, como acção culpable, no sería en esencia una lesión o puesta en peligro – naturalística – de bienes jurídicos, sino basicamente desautorazión, quebrantamiento o descrédito de la norma. La pena no debe ser entendida en el plano natural, como un mal que sucede a outro mal, sino comunicativamente com restabecimiento de la validez de la norma. «Un quebrantamiento de la norma … no es un suceso natural entre seres humanos, sino un proceso de comunicación, de expresión de sentido entre personas». «Sólo sobre la base de una comprensión comunicativa del delito entendido como afirmación que contradisse la norma y de la pena entendida como respuesta que confrma la norma puede hallarse una relación ineludible entre ambas, y en ese sentido una relación racional». [[21]] Trata-se, assim, de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera do ordenamento jurídico possibilitando que à sociedade, através de um órgão formal de controle, recriar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente.
A corrente preventivista em que encampam as ordenações jurídico-penais da maioria dos países de direito continental, de que Claus Roxin se pode considerar o epígono, faz recair a necessidade/legitimação pela inflicção de um pena na, ou pela, existência de uma tripla função: “a) função sociopedagógica de aprendizagem; através do funcionamento da justiça penal “pratica-se a fidelidade ao direito” junto à população; b) a função da confiança: os cidadãos podem ver que o direito se impõe; c) função de “satisfação” ou “alívio” (Befriedigung): a consciência jurídica geral tranquiliza-se e o conflito com o infractor é visto como resolvido.” [[22]]  
A questão – verdadeiro punctum pruriens judicii – que tem preocupado os penalistas é a determinação adequada e proporcional da pena cominada numa norma penal (concretamente, na vertente de norma sanção). A pena deve corresponder à gravidade manifestada no desvalor da acção e do resultado não atendendo a outros factores – digamos exógenos à acção ilícita, antijurídica e à culpabilidade do agente – como são as razões de ordem preventiva, por exteriores ao facto punível (ou injusto culpável) praticado e levado a cabo pelo agente.
As teorias, ou correntes, de feição preventiva, – de que se constituem asseclas a maioria das ordens jurídicas da civil law – têm sofrido críticas por colocarem a função das penas num factor externo e incontrolável pelo aplicador da pena no cerne da legitimação e finalidade da pena. Ao passo que as teorias retributivas têm sofrido de criticas por não terem em consideração factores de segurança e afirmação da ordem jurídico-penal.
No panorama interno, e após a revisão de 1995, sobre a epígrafe “Finalidades das penas e medidas de segurança”, estatui-se no nº 1 do artigo 40º do Código Penal que “a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e o nº 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” [[23]]
O artigo 40º do Código Penal consagra inexoravelmente uma opção pela teoria da prevenção positiva, ou de integração, ao asseverar que a aplicação de uma pena colima uma necessidade de protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, na esteira, mimética, que soe submergir e avassalar a consectária doutrina indígena. (Reza o artigo 46º do Código Penal Alemão (StGB), no capítulo segundo estipula quanto aos fundamentos da medição da pena, que “A culpabilidade do autor será o fundamento da medição da pena. Dever-se-ão considerar os efeitos derivados da pena para a vida futura do autor na sociedade.”) [[24]]

Na análise a que procede do § 46 do StGB, Claus Roxin, refere que a pena, e apelando à teoria da margem da liberdade, para “(…) que é para mim a correcta, só podem entender a expressão de que a culpabilidade é «fundamento da determinação da pena», como forma que o marco para a determinação concreta da pena se forme pela culpabilidade e que, dentro desta «margem de liberdade», sejam as considerações preventivas aqueles decidam sobre a magnitude da pena. Mas também os partidários da pena exacta têm que chegar à mesma conclusão, já que, ao ser o grau de culpabilidade só fundamento da determinação da pena, e não o seu inamovível ponto fixo, devem ser possíveis, sobre a base deste fundamento, desvios até acima e até abaixo, que só podem ser motivadas por considerações preventivas; tanto mais quanto o § 46, pargr. 1º, sec. 2.ª StGB, obriga expressamente a ter em conta os «efeitos da pena para a vida futura do delinquente na sociedade». A admissibilidade de um desvio de grau da pena exacta corresponderá, regra geral, no marco da teoria da margem de liberdade, de tal forma que se dá uma absoluta coincidência em que o grau de culpabilidade é o que, «a grandes traços», configura a determinação da pena, enquanto as concreções de matiz e, com elas, a magnitude exacta da pena se regem por considerações preventivas. Ao existir, pois, acordo entre os prevencionistas e os partidários do pensamento retributivo em que as modificações preventivas da pena em nenhum caso podem abandonar o marco ou, no caso concreto, o fundamento da pena pela culpabilidade, a divergência reduz-se à questão de se, e até que ponto, é possível, por necessidades preventivas, impor uma pena inferior à que corresponde ao grau de culpabilidade. Neste ponto creio ter demostrado já que a lei normalmente obriga a ter em conta as necessidades preventivas no marco do âmbito da culpabilidade, mas que o § 46, paragrafo 1º, sec. 2.ª StGB, permite excepcionalmente impor uma pena inferior à correspondente ao grau de culpabilidade, até ao limite do indispensável para a «defesa do ordenamento jurídico», quando a imposição de uma pena correspondente à culpabilidade possa ter um efeito claramente contrário à socialização. Se se parte de que esta ideia pode deduzir-se da lei, poderá conseguir-se uma solução à antinomia dos fins da pena que seja igualmente vinculante para os teóricos da retribuição e para os «prevencionistas», com o que o novo § 46, StGB, não seria tão desafortunado como crê um sector doutrinal. Naturalmente, desta maneira não se responderia à questão jurídico-filosófica e político-criminal da relação dos fins da pena entre si; neste âmbito continua a ser preferível, p. ex., a concepção, em grande parte orientada preventivamente, dos §§ 2 e 59 do Projecto Alternativo. Mas encontra-se, a partir do Direito vigente, uma interpretação na que se podem aunar os partidários das distintas concepções e que pode servir de guia à praxis.” [[25]

Para este autor «la pena adecuada a la cupabiIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxin llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62). [[26]]

Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[27]]

O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. [[28]]

Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[29]]

Para este Professor “o fim do direito criminal-penal (ou, pura e simplesmente, direito penal) é o de protecção dos bens jurídicos-penais. As penas (tal com as medidas de segurança) são os meios indispensáveis à realização desse fim de tutela de bens jurídicos.

Daqui resulta que, quando se fala dos “fins das penas”, em rigor se está a falar de “fins”-meios, e não do verdadeiro fim ou fim-último. Ou seja, o problema, quando se fala dos fins da pena, que são “fins-meios” ou fins imediatos , é o de saber como é que apena há-de ser escolhida (pelo legislador e, depois, dentro do permitido pela lei, pelo juiz) e determinada , em ordem a realizar-se aquela função ou finalidade (última) de protecção, no futuro, dos bens jurídicos lesados, não se esquecendo, obviamente, o imperativo constitucional da máxima restrição possível da pena, consignado no art. 18º-2 da CRP.” [[30]]        

Na escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” [[31]] é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar, “que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Para o Prof. Taipa de Carvalho “à partida e em primeiro lugar, é de recusar a pena ético-retributiva, ou seja, é de rejeitar que a pena deva, sempre e necessariamente, ser determinada pela gravidade da culpa do agente no caso concreto. Tendo a pena uma função-meio de prevenir a prática de crimes, ela há-de atender ao presente com olhos no futuro. Ora, nomeadamente no caso de infractores primários ou ocasionais, podem não se verificar nem a necessidade de prevenção geral, nem a de prevenção especial, e, portanto, não ser legítima a aplicação de qualquer pena. Isto nos leva a acolher a teoria da concepção unilateral da culpa: a chamada implicação unívoca da culpa – toda a pena implica, mas nem sempre a culpa implica a pena.” [[32]]          

Na acepção que confere à determinação concreta da pena Winfried Hassemer, refere que “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”. [[33]]

Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[34]]

A culpa tem, na escolha, determinação e, posterior, imposição de uma pena, um papel meramente limitador da pena concreta a aplicar e com o sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A pena será, portanto, tendo a culpa a aferição da culpa (no caso concreto) determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». [[35]]

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. [[36]/[37]]
A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de cul-pabilidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” [[38]]       
Recenseando a doutrina de dois arestos do Tribunal Constitucional espanhol (STC 65/86 e STC 76/90, refere Enrique Bacigalupo que o “principio de culpabilidade tem uma dupla dimensão: actua determinando os pressupostos da pena, e para além disso (“además”), no marco da individualização da pena, quer dizer, tanto significa que não há pena sem culpabilidade como que a pena não pode superar a gravidade da culpabilidade.
No primeiro dos sentidos, no dos pressupostos da pena, o princípio da culpabilidade impõe que a pena só seja aplicada se, em primeiro lugar, o autor tenha podido conhecer a antijuridicidade do acto, a tenha podido compreender e a tenha tido possibilidade de se comportar de acordo com essa compreensão. Em segundo lugar exige que o autor tenha obrado com dolo e culpa e que o erro, inclusive sobre a antijuridicidade, seja relevante. (…)
No segundo dos sentidos, o referente à individualização da pena, o principio de culpabilida-de determina os limites da legitimidade da pena aplicada ao autor concreto. Trata-se da questão da proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade da reprovação. Dentro do marco legalmente determinado os tribunais devem fixar a pena num ponto que resulta adequado à gravidade da culpabilidade, quer dizer, da reprovabilidade do autor. Dito graficamente: se o tribunal deve aplicar a pena de um homicídio dentro de uma metade inferior ao marco abstracto do art. 138 CP, terá que fazê-lo de uma maneira proporcionada à gravidade da reprovação que corresponda ao autor, quer dizer, vinculado por esta gravidade da reprovação.” [[39]]        
Na escolha e determinação da pena concreta deverá reverberar o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» [[40]]. Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».

Num seminário sobre os fins das penas, [[41]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade, devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou ela forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[42]

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «El princípio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. [[43]]
Tendemos a não concordar inteiramente com a asserção expressa pelo penalista espanhol. Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de considerar que na escolha e determinação concreta da pena o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção devalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar e basar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor.    

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. [[44]]

Na avaliação, para determinação da pena, a que se há-de proceder da conduta do agente haverá que que atender à gravidade do delito, isto é, aferir do desvalor da acção, do desvalor do resultado e à culpabilidade (em sentido estrito) do agente. (“A medida da culpabilidade em sentido estrito, [é] entendida por Hörnle apenas como imputação pessoal ao fato ou como atribuição de capacidade de atuar conforme o direito, seria graduável apenas unilateralmente para baixo, na hipótese da existência de factores redutores da culpabilidade.” [[45]/[46]

Esta teoria tem em Espanha um assecla de peso, concretamente, Jesus-Maria Silva Sánchez que adrede doutrina: “Não pode colocar-se em dúvida de que o juiz faz política criminal; de modo especial na individualização da pena, onde em princípio dispõe de mais liberdade. Mas deveria fugir-se da tentação de pensar que esta há-de ser uma política criminal directa, isto é, na que se consideraram de modo imediato os fins do Direito penal. Precisamente num contexto assim, para evitar o intuicionismo, o puro decisionismo ou, sem mais, a arbitrariedade, é preciso que essa política criminal se canalize por vias dogmáticas. Isto é, que, na medida do possível se traduza em regras e não se quede no plano dos princípios. Portanto, aqui se sustentará que a teoria da determinação da pena deve manifestar-se, antes de todo, como a dimensão quantitativa (ou de grau) de um sistema da teoria do delito que, pela sua parte, deveria deixar de ser entendido em geral como sistema binário. Isso pressupõe assentar as seguintes premissas.

Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como la resposta reconstituída a um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal, culpável e punível, no que se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade daquela pena-marco. Em segundo, lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes materiais graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que consignariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida de pena. O que reitera o já expresso, em forma concisa: a única política criminal que deve realizar o juiz é a que discorre pela via das categorias dogmáticas.

A adopção deste ponto de vista, segundo o qual a determinação da pena é, por encima de outras considerações, determinação do exacto conteúdo delitivo do facto, poderia estimar-se contrária à inclusão, no acto de determinação judicial da pena, de considerações derivadas directamente dos princípios político-criminais do Direito penal. E certamente o critério proposto distancia-se tanto das convencionais teorias da individualização judicial da pena: a do valor posicional (Stellenwerttheorie) e a do espaço de jogo (Spielraumtheorie), assim como a teoria da proibição de desbordamento da culpabilidade (Schuldüberschreitungsverbot).

Com efeito, o facto de que a única política criminal que deva realizar o juiz seja a que discorre pela via das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso, porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruidas «en clave» político-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao Direito penal. A teoria do delito se configurar-se-á, assim, como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim ou não de tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade (político-criminal) de pena.

O referente próximo de quanto aqui se indica é a denominada “teoria da proporciona-lidade com o facto” (Tatproportionalitätlehre) que, exposta inicialmente por VON HIRSCH/ JAREBORG, assim como por SCHÜNEMANN, foi desenvolvida por HÖRNLE. Nesta linha, pretende insistir na necessidade de abordar a sistematização das variáveis  fácticas contidas nos diferentes factos concretos que realizam o tipo, com o fim de possibilitar uma individualização “dogmática” da pena. Naturalmente, uma sistematização levada até aos últimos detalhes resulta de uma enorme complexidade. Em primeiro lugar, depende obviamente do critério rector do conceito material de delito do qual se parta. Em segundo lugar, exige a tradução desse critério rector em critérios valorativos de ordenação. Em terceiro lugar, há-de estabelecer los diversos subníveis ou perspectivas de análise dentro de cada uma das categorias sistemáticas. E, em quarto lugar, deve fazer frente à questão, sumamente complexa, da quantificação absoluta e relativa de cada uma das variáveis fácticas, examinadas desde as diversas perspectivas de análise e à luz dos critérios valorativos de ordenação. De modo que, ainda partindo da hipótese de que fosse uma só a individualização juridicamente correcta, deveria convir-se que é inevitável a admissão de margens de plausibilidade. Isso conduz a um sector da doutrina a assinalar que, em todo caso, a proporcionalidade não poderá estabelecer-se em termos absolutos, mas sim relativos (dando lugar a um sistema comparativo de classes de casos mais e menos graves).

Para além disso, é curioso que FEIJÓO SÁNCHEZ afirme que a individualização da pena não deixa de ser una concreção da teoria dos fins da pena, sustentando ao mesmo tempo que aquela não é mais que uma teoria sobre os factores relacionados com o injusto e a culpabilidade que configuram o significado comunicativo do facto. O um e o outro não significam o mesmo. O primeiro parece apelar a uma teoria da individualização da pena a partir dos princípios de legitimação do Direito penal; o segundo, ao contrário aponta para uma determinação da pena basada em regras dogmáticas. Claro que uma teoria dogmática, se é teleológica, dará conta daqueles princípios, mas concretizá-los-á, desnormativizá-los-á e possibilitará a sua aplicação mais segura e fiável. Daí que o próprio FEIJÓO SÁNCHEZ fale logo de uma orientação para o “sistema del delito”. FEIJÓO SÁNCHEZ estabelece, pois, três referencias da determinação da pena que têm um alcance muito distinto e que em absoluto podem dar-se por equivalentes: a) a teoria dos fies ou da legitimação da pena; b) o conceito material de delito; e c) o sistema do delito.

Sem embargo, isso não deveria obstar ao início de um processo de sistematização dogmática, cuja finalidade de reduzir a margem de arbitrariedade das decisões judiciais de individualização da pena se justifica por si só. Para além disso, convém insistir em que a adopção desta perspectiva não pode confundir-se com uma fundamentação exclusivamente retributiva do Direito penal. Pelo contrário, deve-se à tese de que os postulados político-criminais devem chegar ao juiz na forma de enunciados dogmáticos e estes, na individualização da pena, não podem ser substancialmente distintos dos enunciados da teoria do delito. O que, previamente, a teoria do delito se haja configurado segundo um paradigma retributivo ou preventivo, naturalista ou normativista, com todas as diversas variáveis destas concepções, é uma questiona alheia ao problema metodológico aqui planteado. Ainda que, obviamente, se traduzirá em critérios diversos de valoração e ordenação.

2. O sistema da teoria do delito e a individualização da pena.

Segundo o indicado, a determinação da pena constitui, pois, aa continuação quantitativa da teoria do delito. Como assinala FRISCH, “a busca da pena ajustada à culpabilidade (...) não é senão uma prossecução aa qualificação do facto como delito”. Depende, pois, basicamente, das categorias do injusto objectivo (da acção e “do resultado”), do injusto subjectivo e da culpabilidade. Agora bem, como também se já houve ocasião de assinalar, ocorre que o próprio método de aproximação ao conteúdo aas categorias da teoria do delito é objecto de polémica. Resulta, portanto, inútil pretender liberar dessa pré-compreensão metodológica á determinação da medida em que tais categorias se expressam (“dan”). Expresso de forma breve: o método de quantificação do injusto tem que ver com o conceito de injusto de que se parta; e outro tanto sucede no caso da culpabilidade. Em função do conceito de partida, adquirirá relevância quantificadora, umas circunstâncias ou outras (ou fá-lo-ão em medida diversa).

Contudo, convém sublinhar que também se dá, até certo ponto, o fenómeno inverso: o exame das circunstâncias que incidem na individualização da pena pode conduzir a uma revisão dos conceitos dogmáticos de partida, ao mostrar que estes são demasiado estreitos, por exemplo, para dar razão de determinados incrementos ou diminuições de pena. Isso sucede, em particular, com o conceito de injusto. Mas não só. Com efeito, na teoria do delito é dominante a tese que entende que o juízo de culpabilidade - como culpabilidade pelo facto antijurídico - não pode incrementar o merecimento de pena já alcançado com a realização do facto, antes, no caso, excluí-lo ou diminui-lo. A uma solução distinta só pode chegar-se a partir do acolhimento de teorias da culpabilidade centradas na reprovação do carácter ou da atitude interna. Pois bem, parece que como estas, hoje maioritariamente abandonadas no âmbito da “culpabilidade na fundamentação da pena”, regeriam implicitamente no âmbito da “culpabilidade na determinação da pena”. Por exemplo, quando se aceita o efeito agravatório da concorrência de determinados motivos (“móviles”) na actuação do agente.

Dado que, desde a concepção vigente acerca da culpabilidade como fundamento da pena, esto último careceria de base, na realidade haveria que rechaçar a dita possibilidade. Pelo contrário, haveria que escolher necessariamente uma das seguintes opções alternativas: ou bem que se nega o efeito agravatório dos motivos (“móviles”); ou bem que se reconstrói o injusto dando cabimento nele a considerações tais que permitam integrar nele uma valoração dos motivos (“móviles”) do sujeito activo.

O segundo efeito da sistematização da teoria da determinação da pena sobre a teoria do delito é a necessidade de elaboração categorial neste mais além da culpabilidade. Com efeito, não podem existir factores relevantes para a individualização da pena (comportamentos posteriores ao facto, nível de sensibilidade à pena, transcurso do tempo) que careçam de um suporte categorial na teoria do delito. Sem embargo, parece claro que há múltiplos circunstâncias do facto concreto às quais se consigna relevância quantificadora e que não têm uma referência categorial clara. Naturalmente, aqui costuma apelar-se à obscura categoria (por muitos nem sequer aceite) da punibilidade. Sem embargo, a sua própria natureza de “cajón de sastre” põe em relevo que se torne necessário um desenvolvimento (e eventual diferenciação interna) desta.

Assente todo o anterior, uma aproximação sistemática à individualização judicial da pena deveria partir das seguintes considerações:

a) O fim perseguido é a elaboração (dogmática) de uma escala quantitativa de subtipos (classes de realizações típicas), na qual se contenham ordenadas em função da sua gravidade as diversas formas de realização de um mesmo tipo.

b) A elaboração de subtipos não pode abordar-se directamente. Para isso é necessário estabelecer primeiro um conjunto de critérios de valoração-ordenação. Por exemplo, o critério de valoração dos casos em função do seu injusto objectivo ex ante; em função do seu injusto objectivo ex post; em função do seu injusto subjectivo, etc.

c) Cada critério de valoração-ordenação se constrói sobre duas premissas. Considerado em termos estruturais, cada critério examina os casos a partir da adopção de uma determinada perspectiva ou nível de análise (por exemplo, o injusto subjectivo, ou incluso, algum aspecto parcial deste). Enquanto ao conteúdo, cada critério examina os casos a partir das concepções básicas sobre a teoria do delito da qual parta, aplicadas em concreto à categoria sistemática na qual se perspective (“enmarque”) (por exemplo, uma visão mais naturalista ou mais normativista).

d) A aplicação sistemática dos critérios de valoração permitiria a obtenção de um esquema de análise dos casos. Este, por sua vez, tornaria possível a ordenação dos ditos casos segundo valores (idealmente) numéricos, por exemplo na base 10. Assim, por exemplo, de um caso A caberia afirmar que o seu injusto objectivo é de 5, perante outro caso B cujo injusto seria de 7; em cambio, o mesmo caso A teria um injusto subjectivo de 8, enquanto que ao caso B se lhe consignaria um injusto subjectivo 5. Naturalmente, não há que contar aqui com valores exactos, mas sim singularmente aproximados.

e) Um problema que queda aberto é o de se as valorações derivadas da análise dos casos conforme aos critérios de um determinado nível podem compensar-se com as resultantes do exame do caso a outro nível. Isto é, se cabe a compensação, de modo que um caso A com um injusto objectivo 5 y um injusto subjectivo 7 “pese” o mesmo que um caso B com um injusto objectivo 7 y um injusto subjectivo 5.

f) Em todo caso, a tradução quantitativa das valorações-ordenações anteriores em medidas concretas de pena só poderá levar-se a cabo em termos aproximados.” [[47]]

A determinação e individualização da pena assume, no enquadramento que intentamos condensar, esta dupla função i) preventivista; e ii) retributiva (na proporção do facto cometido e de acordo com o grau de culpabilidade investido na conduta e resultados desvaliosos). [[48]]

A teoria da determinação da pena, na lição do Professor Claus Roxin, estando nos seus começos, deverá ter em consideração o que os diplomas legais já contêm sobre essa matéria, a saber no caso alemão e suíço, “uma declaração geral sobre a relação existente entre a determinação da pena e os fins da pena, as chamadas «causas finais de determinação da pena.” [[49]]   
Adscrições de idêntica natureza e função se inscrevem no artigo 40º do Código Penal português ao estatuir que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, que conjugado com o artigo 71º - ao determinar que a medida da pena se contempla dentro dos limites da lei e “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” – baliza e consigna ao aplicador da lei os limites, os fins e as exigências que o Estado através do Direito penal estabelece para este ramo da superstrutura modeladora e conformadora da sociedade.   
Tendo o arguido sido punido por mais de um crime importará tecer algumas considerações sobre a pena a impor pela plúrima acção – concurso efectivo de crimes – por que foi penado.    

Já no concernente à punição de condutas plúrimas e consectárias, a lei prevê – cfr. artigo 77º, nº 1, do Código Penal – que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” 

A lei estatui que ocorrendo uma pluralidade de resoluções criminosas e de concreção de um resultado previsto num tipo criminalmente tipificado, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tio de crime foi preenchido pela conduta do agente.” – cfr. nº 1 do artigo 3º do Código Penal.    

Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” [[50]] (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” [[51]

Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global.

Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB, ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare”[agravar]”. [[52]]     

No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares - refere o Autor que vimos seguindo que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) ; pois a valoração global de todos os factos puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.”

No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”.

O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. [[53]]  

Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente á pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar”) parece adequada em quantia de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.”         

Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” [[54]]

Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o Autor que vimos seguindo que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.”          

Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” 

O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.”     

A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. [[55]]

No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal.   
A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente e munificente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. [[56]]

Nas circunstâncias concernentes com o desvalor da acção e consequências do crime, ponderar-se-á que, “À luz do nº 1 do art. 77.º do CP, para escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E é isto, apenas isto, que diretamente a lei nos dá como critérios de individualização.

A doutrina tem procurado concretizar um pouco mais os critérios de determinação da pena conjunta e defendido, nas palavras de Figueiredo Dias, que, com tal asserção, se deve ter em conta, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291).

Apesar destas indicações da doutrina mais autorizada, não faltou quem defendesse que o ponto de partida para determinação da pena conjunta deveria ser o meio da sub-moldura disponível para efeito de cúmulo. Ou seja, metade da diferença entre a parcelar mais grave e a soma total das penas que entram no cúmulo. Este modo de proceder persiste, como nos dá a entender P.P. Albuquerque, com a eleição de 1/2 ou 1/3 da diferença apontada, em função da personalidade revelada, é dizer, da maior (1/2) ou menor (1/3) desconformidade ao direito da personalidade do agente (in “Comentário do Código Penal” pág. 244). Tudo com a preocupação de adoção de critérios que se revelassem os menos vagos possíveis, em face da lei que temos.

Ora, para evitar uma aplicação de pena que resultasse de uma operação aritmética simplista, tem-se enveredado nesta 5ª Secção do STJ (pelo menos), por um caminho que também procura ter em conta o seguinte:

A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar um efeito “expansivo” da parcelar mais grave, por ação das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.

Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.

É aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fração menor das outras.

A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40º do C.P., em matéria de fins das penas, e a que já nos referimos atrás. 

 Sem que nenhum destes vetores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e, para a prevenção especial, contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.

Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais que pesaram sobre o agente, tudo numa preocupação prospetiva, da reinserção social que se mostre possível.

E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspetiva do ilícito global, e só na perspetiva de uma personalidade, que se revela, agora, polo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto personalidade manifestada em cada um deles.” [[57]]
Feito este excurso – quiçá extenso – pela teoria das penas e sua inversão jurisprudencial, importa recensear os elementos que poderão determinar a individualização judicial da pena única a aplicar e impor ao condenado.

Preceitua o art. 71º, nº 1 do C.P. que, "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada, afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, uma insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No caso relevam para a individualização da pena i) ter a acção/conduta criminosa como fim a privação/supressão da vida de uma pessoa; ii) ser a pessoa a quem a vida foi privada/suprimida alguém que vivia com o homicida em comunhão de leito, mesa, partilha de problemas pessoais e familiares, desde há cerca de 35 anos; iii) ter essa privação/supressão obturado o convívio da vítima com pessoas que lhe eram próximas, as filhas; iv) ter a acção do homicida sido motivada por razões de desforço intimista e emotivo, derivado da não aceitação da ruptura da vida comum que manteve com a vítima durante cerca de 35 anos; v) ter o homicida procurado criar um cenário que diminuísse a sua culpabilidade, ou até criasse indutores de justificação para o acto perpetrado, com a produção de incisões no próprio corpo (autoinflição de ferimentos com um machado); vi) ter ocorrido, por banda do agente, uma busca de se desfazer dos meios com que havia perpetrado o crime (arremesso da arma para um silvado); vii) ter agido, na forma como esperou e efectuou os disparos em direcção à vítima, com absoluta insensibilidade e predeterminado à consecução de um objectivo, certamente, já pré-concebido.
Constitui um truísmo, instituindo-se como proposição axiomática, conclamar e consignar a ideia de que a vida se constitui um bem impérvio, irredutível e infrangível da pessoa (ser humano) e da existência. A privação/supressão da vida de quem quer, por acção voluntária, assumida e querida de outra pessoa, representa um acto de mutilação/amputação de um pedaço de existência ao convívio onde a vida suprimida se encontrava “ubicada”. Essa amputação/mutilação assume um mais elevado grau de inflicção reprobatória e de censura se operada numa pessoa com quem o agente conviveu durante mais de três décadas, partilhando com ela as agruras do quotidiano, a educação de filhos, a dificuldades, escolhos e percalços que a qualquer existência vivencial comporta.
O agente homicida, independentemente das razões, ou motivos que intersubjectivamente possam ter sido gerados e caldeados ao longo de uma convivência de mais de três décadas – tendo-se, incontroverso e razoável, que num período temporal dessa magnitude os reproches e agravos não penderão só num prato da balança – não podia, desde logo por um estrénuo respeito que deveria nutrir por quem com ele partilhou um pedaço largo de vida, ter reagido à ruptura conjugal como o fez e, irredutivelmente, não podia ter, de forma absolutamente cobarde, incruenta e infrene tirado a vida da sua companheira.   
A factualidade narrada foi correctamente subsumida ao disposto nos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, alíneas b) (ter sido praticado contra ex-cônjuge); i) (ter utilizado um meio insidioso); e j) (ter agido com frieza de ânimo) do Código Penal, com agravação estatuída no nº 3 do artigo 86º/3 da Lei 5/2006, de 23/2, com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis nº 59/2007, de 4 de Setembro; 17/2009, de 6 de Maio; 26/2010, de 3º de Agosto; 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho.
A determinação legal estatuída para o crime praticado pelo agente homicida é de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos de prisão.
O agente agiu indiferente a qualquer réstia de respeito para com a pessoa da sua companheira de três décadas, sem revelar qualquer sentimento de cumplicidade intersubjectiva e comunicacional entre duas pessoas que durante um largo período de tempo conviveram e terão tido momentos de entreajuda emocional e sustentação afectiva, que geraram e mantiveram um espaço comum de convívio com duas filhas a quem educaram com valores de vida e respeito e sem injunções de privação da vida de quem quer e que se relacionaram, mediante a criação de um elo comum que emergiu da sua relação sentimental e afectiva, procurando superar obstáculos e tropeços da vida. A resolução do agente homicida merece, pela ambiência comunicacional que manteve com a vítima, pelo desprezo evidenciado na forma como executou essa resolução e pelo resultado que perseguiu, uma elevada censura, pelo que não custa a aceitar que a determinação concreta da pena se deva situar para além dos 18 (dezoito) anos de prisão. 
A motivação que determinou a acção típica e ilícita inscreve-se num quadro de vingança e revanche derivada de uma decisão da vítima de romper com um vínculo conjugal que para ela se constituía como um estado vivencial intolerável, desafortunado e infeliz. A manutenção do casamento com o agente ter-se-á tornado, para a vítima, num estado de vivência infortuno e humilhante e ter decidido pôr-lhe termo terá gerado um estado de hostilidade e animosidade doentia e patológica por banda do agente.
Na sua adscrição societária, a pena, como deixamos expresso supra, propõe-se e constitui-se um factor de advertência dos elementos que constituem a comunidade e propulsor reactivo de contenção relativamente à perpetração de novos ilícitos.
O Direito penal não pode deixar de reflectir o momento histórico-social em que encontra a sua aplicação prática. Ao Direito penal, como refere Claus Roxin, está consignado um papel que significa “que em cada situação histórica e social de um grupo humano os pressupostos imprescindíveis para uma existência em comum se concretizam numa seria de condições valiosas, das que, por exemplo, a vida a integridade corporal, a liberdade de actuação ou a propriedade, todas as pessoas as têm presentes; numa palavra: os chamados bens jurídicos; e que o Direito penal tem que assegurar esses bens jurídicos penando a sua lesão em determinadas condições. No Estado moderno, a par com essa protecção de bens jurídicos previamente dados, aparece a necessidade de assegurar, se necessário com os meios do Direito penal, o cumprimento das prestações públicas de que depende o individuo no marco da assistência social por parte do Estado. Mediante esta dupla função, o Direito penal realiza uma das mais importantes das numerosas tarefas do Estado; já que só a protecção dos bens jurídicos constitutivos da sociedade e a garantia das prestações sociais públicas necessárias para a existência permitem ao cidadão o livre desenvolvimento da sua personalidade, que a nossa Constituição considera como pressuposto de uma existência humana digna.” [[58]]  
Discorrendo sobre a prevenção geral, ensina Claus Roxin que esta ideia – inscrita segundo ele no § 46 do StGB “não é mais, neste caso, que a plasmação da prevenção geral compensadora que toda a pena adequada à culpabilidade tem, quer dizer, simples «manutenção da ordem jurídica» e «afirmação da fé no Direit» que anteriormente se costumava designar como a «força configuradora dos costumes do Direito penal. Deste tipo de prevenção geral deve distinguir-se a prevenção intimidatória que, com o fim de manter a a confiança no Direito, permite ir mais além do necessário desde o ponto de vista do tratamento igualitário, reprimindo com o medo (por exemplo com a ameaça de uma pena de prisão perpétua) os delinquentes potenciais, o impulso de cometer um delito.” [[59]]    
Sendo o Direito penal um instrumento e um meio que historicamente se afirma pela forma como é capaz de cumprir a sua função conformadora da sociedade e dos fenómenos que nela emergem, temos de convir que o momento actual exige que o Direito aposte em procurar prevenir situações como aquele que esteva na origem da acção homicida perpetrada pelo agente. Socialmente as situações de violência doméstica tem sido alvo de inúmeras iniciativas legislativas e a sociedade tem despertado para um flagelo que até há pouco tempo era obtemperado e descuidado das preocupações socio-pessoais. Inscritas como factor perturbador do relacionamento interpessoal e conjugal, as situações de violência doméstica foram alçapremadas a preocupação social e factor de preocupação da politica legislativa do Estado, evidenciado numa superlativa incursão na sua das variantes em que o fenómeno se expressa. A politica criminal adoptada tem procurado alertar a consciência social dos malefícios dessa forma de estar e agir, sendo escassas as vantagens pessoais que têm sobrevindo.
Os tribunais não podem deixar de, como executores e agentes da politica criminal do Estado, inscrever na sua acção punitiva as preocupações que reverberam da politica inscrita na agenda histórico-social actual. E devendo tornar-se ajustados interpretes dessa política criminal, os tribunais devem exprimir, com ponderação e respeito pelos demais valores da pessoa humana e da sua dignidade, externa e interna, nas decisões que ditam o sentido para que essa política tende e em que se precipita.
Neste eito de pensamento temos para nós que a medida da pena ajustada ao caso se deverá situar um pouco além da média entre o mínimo (de 12 anos) e o máximo (de 25 anos).  E devendo situar-se para além do que achamos dever ser o meio da pena legalmente fixada, ou seja 18 (dezoito) anos e 8 (seis), em face da infrangível censura de que o acto é merecedor, igualmente não deve deixar de se ter em conta, ainda que de forma proporcional, a necessidade de prevenir que situações similares ocorram numa comunidade que se exige dever ser mais equânime e despejada de preconceitos e pré-juízos relacionais, a pena adequada se deverá situar em 19 (dezanove) anos e seis (6) meses.
Tendo-se por ajustada a pena parcelar pelo crime de homicídio imposta pela decisão recorrida, da mesma sorte nos parece, não merecer censura a pena única que foi imposta ao arguido.
Subsiste, quanto a este tramo impugnatório, a decisão recorrida.

II.B.2. – MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO A ATRIBUIR PELA ACÇÃO ILICITA E ANTIJURIDICA DO ARGUIDO/DEMANDADO.

II.B.2.a) – FUNDAMENTOS (DA DECISÃO RECORRIDA) PARA A INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA.
O tribunal recorrido justificou a procedência dos pedidos de indemnização requestados pelas filas da vítima, DD, com a argumentação que a seguir queda extractada.

“À responsabilidade criminal do arguido acresce a sua responsabilidade civil, nos termos dos arts. 129º Código Penal e 483º e ss. e 562º e ss. do Código Civil.

Com efeito, em relação ao arguido mostram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, pelo que tornou o mesmo sujeito passivo da obrigação de indemnizar.

A obrigação de indemnizar abrange todos os danos (não patrimoniais e patrimoniais: art. 564º C. Civil) que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão e deve reintegrar o lesado na situação que existiria se tais danos não tivessem ocorrido – 563º e 562º C. Civil – devendo a indemnização ser fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor e, neste caso, a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (que é a do encerramento da discussão) e a que teria nessa data se não fossem os danos (teoria da diferença), de harmonia com o disposto no art. 566º/ 1 e 2 C. Civil.

Comecemos pelos danos não patrimoniais.

À perda do direito à vida, o primeiro dos direitos fundamentais, corresponde uma indemnização que caberia (transmitir-se-ia), em conjunto e em primeira linha, em conjunto e em primeira linha, ao cônjuge e aos filhos da vítima (art. 496º/2 Código Civil).

No caso, porém, não ocorre transmissão a favor do arguido o, quer por força da indignidade (artigo 2037º/1 Código Civil quanto aos efeitos) quer porque, de todo modo sempre seria “incompatível” (ver Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 19/3/12, P. 265/10.0TVPRT.P1 dgsi) a qualidade simultânea de lesante e lesado.

Para a sua fixação há que recorrer a critérios de equidade, tendo-se em atenção as circunstâncias do caso concreto e sempre em consideração que o montante a atribuir não visa substituir o bem vida, já que este, em si mesmo, tem um valor absoluto, e por isso, não quantificável, mas antes proporcionar ao titular do direito uma satisfação indirecta, porventura de ordem espiritual que compense, até certo modo, os males sofridos (Prof. Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 377, 6ª ed.).

Conforme se escreve no Ac. STJ de 8/9/2011 (P. 2336/04.2TVLSB.L1.S1, dgsi): “tem que se considerar que atentar contra o respeito à vida produz um dano - a morte - superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica, sem olvidar que a reparação desse dano assume uma natureza mista, visando não só reparar o prejuízo, como também punir a conduta do autor dessa lesão máxima da personalidade, que é a sua própria extinção”.

Concretizando os factores a ponderar na fixação do quantum compensatório pelo bem supremo que é o direito à vida, referiu-se o Supremo, para além, evidentemente, da própria vida em si, e, no que respeita à vítima, à sua idade (Acórdão de 23/2/2011, P. 395/03.4GTSTB.L1.S1 dgsi) – no caso, 52 anos de idade.

Aplicando tais factores à factualidade apurada – designadamente, a idade, ser mãe de duas filhas… – tudo ponderado, e tendo em conta os montantes que vêm sendo atribuídos pelo Supremo (v.g., Ac. STJ de 12/9/2013, no P. 1/12.6TBTMR, dgsi.pt), cremos justo fixar a compensação em 60.000 €.

Passemos aos danos dos demandantes, eles próprios.

Para seu cômputo, deve, fundamentalmente, averiguar-se se o relacionamento era fraco ou forte, o sentimento que unia a vítima e a autora, se a dor com a sua perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não (cfr., v.g., Ac. RP, de 3/3/05, P. 0530278, www.dgsi.pt).

Tudo isto ponderado e conjugado com os factos provados, em especial, os constantes sob os factos provados nsº 23) e 24) quanto á BB e 25) e 26) quanto á CC, cremos dever distinguir, por ser maior o dano da BB, e assim fixamos em 25.000 € a compensação a BB e em 20.000 € a devida a CC.

Assim, ascende a indemnização às seguintes quantias (sendo que os 60.000 € são a repartir em partes iguais: “em conjunto”):

BB: 55.000 €.

CC: 50.000 €.

Atento o disposto no art. 805º/2-b) e 3 do C. Civil, a mora corre a partir da citação uma vez que o crédito era ilíquido.

Nas quantias pecuniárias, a indemnização pela mora corresponde aos juros legais (arts. 804º/1 e 806º/1 ambos do C. Civil).

Sucede que o Supremo Tribunal de Justiça tirou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.°4/02, de 9/5/2002 que fixou doutrina no sentido de que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.°2 do artigo 566.° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.°3 (interpretado restritivamente) e 806.°, n.°1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

A compensação arbitrada foi calculada de forma actualizada, pelo que será a partir da data da presente sentença que começarão a correr os juros de mora (4%).

Relativamente aos juros compulsórios, de 5%, referidos no art. 829º-A/4 C. Civil, os mesmos são automaticamente devidos desde a data em que a sentença transitar em julgado.

Por isso, tem-se entendido que nem o credor tem que formular qualquer pedido nesse sentido, nem o Juiz tem de prever tal consequência na sentença condenatória.

É que, por um lado, a obrigação de pagamento de juros compulsórios só se constitui a partir do trânsito em julgado da sentença e, por outro, no momento em que a acção é proposta ou em que é proferida a decisão condenatória, ainda não é possível prever o incumprimento da obrigação de pagamento do capital (assim, Tribunal da Relação do Porto de 9/5/91, CJ, 3, 228).

Por isso, não se mencionará a consequência do art. 829º-A/4 C. Civil no dispositivo.

Prejudicada se mostra a questão da admissibilidade do pedido de declaração da indignidade no pedido de indemnização civil enxertado – face ao supra decidido.

II.B.2.b). – PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR.

A obrigação de indemnizar constitui-se como um modo de reparação de prejuízos ou danos que uma acção externa à esfera individual de um sujeito provoca no ambiente existente no momento em que a acção foi desencadeada.

Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa [[60]] está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil).
A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil.

A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge [[61]], não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela [[62]], de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. [[63]]
Em visualização expandida e explicitada poder-se-ia dizer que os pressupostos da responsabilidade aquiliana, se reconduzem nos sequentes elementos lógico-materiais e de verificação ou produção natural e físico-psicológicos: i) – o facto voluntário, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva de um agente traduzido, naturalisticamente, numa alteração ou modificação da realidade existente ante; ii) – a ilicitude, traduzida na violação de normas legais ou de direitos (absolutos) consolidados na esfera individual ou colectiva e infractores dessas normas ou direitos; iii) – a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico, de feição e natureza censurável ou reprovável, à luz dos valores eticamente prevalentes numa sociedade historicamente situada; iv) – o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; v) – e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.

Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [[64]]

O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [[65]], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. 

O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil.

A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [[66]]

A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual.    

O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passiveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [[67]]

À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem poderosamente na valoração da conduta”). [[68]]   

Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [[69]]

Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano.
O nexo de causalidade é um pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do Código Civil).
De acordo com o preceituado no art. 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, com que se consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção.
À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal.
Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo.
Preceitua o art. 563.º do Código Civil que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
A formulação normativa prefigura algum grau de equivocidade, na medida em que parece fazer ressaltar, uma assumpção da teoria da equivalência das condições, ou teoria da conditio sine qua non, segundo a qual seriam indemnizáveis todos os prejuízos que não se teriam verificado se não fosse o acto ilícito – a indemnização existiria em relação a todos os danos causalmente provocados pelo facto gerador da obrigação de indemnizar –, ainda que inculcando a ideia, ou impressivamente se conduza no sentido, de que só serão indemnizáveis aqueles danos que, numa relação de probabilidade entre o facto ilícito e o resultado danoso, não teriam ocorrido se o facto lesivo não tivesse ocorrido. A interpretação histórica, v. g. os trabalhos preparatórios do Código Civil, inculcam, ou asseveram a convicção lógico-racional, de o legislador quis e adoptou a teoria da causalidade adequada. [[70]]
Neste eito interpretativo e teleológico, tanto a doutrina, como a jurisprudência, tem vindo entender que este art. 563.º pretendeu consagrar a teoria da causalidade adequada. [[71]]
Com este perfil teleológico e lógico-dedutivo, um condicionalismo abstracto, desarreigado e despegado da realidade e substrato material actuante, não poderá tornar-se ou devir causa de um resultado danoso, quando, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». [[72]]
À luz desta assumpção da teoria do facto ou acção causante, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode assumir uma feição indirecta, isto é, tornar possível a subsistência de um nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos. [[73]]

A verificação da existência de nexo de causalidade é matéria que escapa à sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça, [[74]/[75]] se perspectivada na sua feição naturalística. [[76]/[77]] Na verdade, se abordada no plano meramente naturalístico, o nexo de causalidade inclui matéria de direito probatório cuja sindicância escapa a este Supremo Tribunal, na afirmação do que vem disposto nos artigos 774.º e 682.º, n.º 2, ambos do Código Processo Civil. A ausência de prova quanto a este pressuposto e não a indagação de se “(…) o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano”, como se  escreveu no douto acórdão de 01-07-2003, não cabe dentro dos poderes de reapreciação deste Supremo Tribunal, pelo ao repristiná-lo neste sede importa o seu desmerecimento.   

Numa inovadora e aliciante perspectiva da categoria jurídica do nexo de causalidade – crismado de nexo de imputação ou nexo de ilicitude – Ana Mafalda Castanheira Neves, refere que o lesado tem de provar “a existência de uma tessitura que, uma vez desenhada, justifique a assimilação do seu âmbito de relevância pelo âmbito de relevância do sistema. Isto é, tem de provar a edificação de uma esfera de risco e a existência de um evento lesivo. O juízo acerca da pertença deste aquela esfera traduzir-se-á numa dimensão normativa da realização judicativo-decisória do direito que convocará o sentido último da pessoalidade e um ideia de risco lido à luz daquela. Pelo que, em última instância, ficamos libertos das dificuldades que tradicionalmente agrilhoam o decidente e o levam a procurar soluções que vão desde as presunções de causalidade, o alívio do ónus da prova dos caos de dolo e situações especialmente perigosas, as presunções prima facie, a regra id quo plerumque accidit, a regra res ipsa loquitur, o alívio das exigências em termos de probabilidades, o recurso a categorias como a perda de chance.” [[78]]           

Seja numa perspectiva de assimilação/assumpção do nexo de causalidade como imputação objectiva [[79]], defendida pela autora citada, seja numa perspectiva de nexo de causalidade assumida como dimensão normativa-positival, de causalidade adequada, [[80]/[81]] o estabelecimento do nexo de causalidade fundamentadora da responsabilidade, por banda do responsável de uma conduta que, por ser ético-axiologicamente censurável e reprovável, radica na imputação, objectiva e subjectiva, da acção viária do sujeito obrigado ao pagamento de uma indemnização. Vale dizer, que, neste caso, o nexo que tem de ser averiguado, determinado e estabelecido é entre uma conduta que está legalmente vedada ao sujeito que assume a responsabilidade de conduzir um veículo na via pública e a concreta produção de um evento lesivo, que não fora a desatenção e o sentido violador das normas de cuidado, prudência e sentido de diligência, não teria acaecido. [[82]]

Numa perspectiva jurídico-processual, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, “(…) tem sido entendido pela jurisprudência que o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano consubstancia matéria de facto da competência das instâncias e, portanto, insindicável pelo STJ. Como se decidiu em recente acórdão deste Tribunal, “o nexo de causalidade apenas pode ser apreciado pelo Supremo na sua vertente jurídica – a questão da adequação, ou normalidade, desse nexo –”, logo se acrescentando que “o nexo material de causalidade, como questão respeitante aos factos que ainda é, escapa à sindicância do STJ. Por isso, afirmando as instâncias a falta de prova do nexo material, nada poderá este STJ fazer para modificar tal asserção” - Ac. de 15.11.2007, desta 2.ª Secção, no Proc. 07B2998, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. ainda os Acs. de 23.01.2007, no Proc. 06A4417, também disponível em www.dgsi.pt, e de 20.06.2000, na revista n.º 1703/00, da 6ª Secção.

(…) Na verdade, não estando provado, numa perspectiva naturalística ou fáctica, o nexo de causalidade, não há sequer suporte factual para avançar para a apreciação no plano jurídico, isto é, para a apreciação da adequação causal (entre o facto e o dano). Dizendo de outro modo: não estando provada, no plano fáctico, a existência do nexo de causalidade, não pode obviamente afirmar-se, no plano jurídico, que o facto é causa adequada do dano.
“Em sentido amplo, é a causalidade que justifica a responsabilidade de outrem por um dano ocorrido na esfera jurídica de alguém.” [[83]]    
Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano.

Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado.

A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva) [[84]/[85]] de uma conduta a um agente. [[86]]

Para os casos em que a causa de um evento danoso se apresente como único, “o problema causal consistirá, fundamentalmente, em dilucidar se a conduta ou actividade do sujeito, eventualmente, responsável teve a suficiente entidade (idoneidade) para que o resultado danoso tivesse sido provocado, assim como decidir se todos os danos que foram consequência desse facto poderiam ser-lhe imputados. (…) Quer dizer, se de um determinado facto causal se seguem consequências lesivas, que por circunstâncias extraordinárias alcançam uma intensidade desproporcionada em relação com as que normalmente derivariam de factos idênticos ou análogos.” [[87]

Por fim o dano representa qualquer detrimento, prejuízo, menoscabo, dor ou moléstia. O dano indemnizável (“actionable or recoverable damage”) é um conceito normativo “que refere aquelas lesões causadas por condutas que reúnem os requisitos dos dois sistemas básicos da responsabilidade civil, por culpa e objectiva”. [[88]

II.B.2.c). – INDEMNIZAÇÃO PELO DANO DE MORTE.

A lei consagra um direito de indemnização, autónomo, pela supressão (biológica) do bem jurídico constitucionalmente reconhecido que é vida de uma pessoa, mais concretamente, quando essa ablação (da vida) surge, não por razões da própria natureza humana, da ordem natural da vida, mas por uma acção, natural ou humana, que ocorre de forma inopinada no curso normal da vida de um individuo. [[89]]

O assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 1971, [[90]] resolveu de forma definitiva a questão que se debatia até aí sobre que tipo de dano a atribuir em caso de morte. (“I. A perda do direito à vida, por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação pela acção ou omissão e que a morte é consequência. II. – O direito a essa reparação integra-se no património da vítima e, coma morte desta, mantêm-se e transmite-se.” – BMJ nº 205, pág. 150. [[91]]

Após essa definição jurisprudencial, mostra-se unanimemente aceite que o dano de morte se constitui como um dano autonomamente indemnizável. [[92]]

Ainda que não seja objecto de dissidio argumentativo no recurso em apreciação, por razões didácticas abordar-se-á a questão do direito ao dano de morte enquanto dano que surge na esfera pessoal do decesso, transmitindo-se aos herdeiros, ou se é atribuído iure proprio aos herdeiros.

Esta questão foi, de há muito, e nem sempre do forma unânime, objecto de muito e aprofundado tratamento por parte da doutrina e da jurisprudência (v. Antunes Varela “Das Obrigações em Geral – 10ª edição – páginas 608 a 616) sendo interessante, dentro deste processo de tomada de decisão, referir que o reconhecimento da perda da vida como direito não patrimonial autónomo – indemnização pela supressão do bem vida - foi pela primeira vez efectuado na jurisprudência deste STJ pelo acórdão de 17/3/1971 (tomado em Plenário de Secções, nos termos do artigo 728º nº 3 CPC, na redacção então vigente, uma vez que por anterior acórdão – de 12/2/1969 – se perfilhou a tese de que a supressão do bem da vida não constitui dano cuja reparação se transmita aos herdeiros da vitima), defendendo-se ali que a perda do direito à vida é, em si mesma passível do indemnização e que o direito à reparação pecuniária se integra no património da vitima transmitindo-se mortis causa aos seus sucessores.

A doutrina subjacente ao acórdão reconhece o direito à vida como um direito inato que respeita ao indivíduo pelo simples facto de ter personalidade e centrando o momento da violação do direito no inicio da acção vitimante (à semelhança do que ocorre no domínio do direito penal) faz incorporar o direito à indemnização pelo dano na esfera jurídica da própria vitima.

Numa ligeira análise, que aqui afloramos por meras razões de curiosidade intelectual, a tese do acórdão parece, no quadro específico de protecção, pelo direito privado, do direito à vida aproximar-se das teses relativas à determinação dogmática da função de imperativo de tutela e da proibição da insuficiência do direito privado na tutela dos direitos fundamentais.

Na tese dos recorrentes a garantia de protecção do Fundo abrangerá (também) a indemnização pelo dano morte da vítima, seu filho, uma vez que para efeitos indemnizatórios esse dano se traduz ou tem a natureza de um direito próprio (que radica na sua esfera jurídica por força do disposto no artigo 496º nº 2 CC) e não a natureza de um direito que lhes tenha advindo por serem herdeiros da vítima segundo a lei sucessória.

A posição defendida pelos recorrentes encontra, numa primeira leitura e análise e conforme a apresentam, sustentação nos acórdãos deste STJ de 7/10/2003 (relator Conselheiro Afonso Correia – www.dgsi.pt) e de 10/2/1998 (CJ/STJ, 1998, 1º - 65) e de 18/9/2012 (relator Conselheiro Azevedo Ramos – www.dgsi.pt), nos quais se refere, acompanhando-se, entre outras, a posição defendida pelo Professor Antunes Varela, que a reparação do dano morte (ou supressão da vida) é tratada na nossa lei civil como um caso especial de indemnização atribuindo, nesta situação, os artigos 495º e 496º nº 2 CC um direito próprio à indemnização, abstraindo-se, assim (acrescenta) do recurso às regras sucessórias.

Com todo o respeito por todas as opiniões em contrário, entendemos que as teses que na doutrina e na jurisprudência lêem o disposto no artigo 496º nº 2 no sentido de se consagrar, às pessoas ali indicadas, o direito à indemnização por supressão do direito à vida como um direito próprio e originário dessas mesmas pessoas se baseiam (reforçamos que no que exclusivamente respeita à indemnização por supressão do direito à vida e fundamentalmente na parte em que qualificam esse direito à indemnização como um direito originário das pessoas indicadas nessa disposição legal) numa interpretação demasiado restritiva do que ali se estatui com um fundamento que admitimos esteja suportado numa injustificada sobrevalorização do argumento literal, esquecendo possivelmente que ao tempo da entrada em vigor do Código ainda se não colocava (pelo menos na nossa jurisprudência) a questão da indemnização pela supressão do bem vida como dano não patrimonial autónomo, sendo desta realidade eloquente exemplo as posições contraditórias reflectidas nos acórdãos deste STJ, de 12 de Fevereiro de 1969 e de 17 de Março de 1971, e a discussão doutrinária gerada a partir das anotações do Professor Vaz Serra a esses dois acórdãos, publicadas nas RLJ nºs 103 e 105º.

Não havendo hoje dúvidas que a violação por acto ilícito do direito à vida, entendida como privação desse direito gera um dano não patrimonial autónomo indemnizável, entendemos porém que tal direito nasce na esfera jurídica da própria vitima no preciso momento em que é praticado o acto ou verificada a omissão que tem como resultado a morte, venha esta a ocorrer imediatamente ou em momento cronologicamente posterior, não nos merecendo, neste preciso aspecto acordo a posição que já acima referimos, manifestada no voto de vencido do Conselheiro Arala Chaves (a cuja memória prestamos homenagem) ao acórdão deste STJ, de Março de 1971; com efeito ocorrendo a morte sempre e necessariamente num momento temporal distinto e posterior ao acto ou omissão causal (tal como ocorre no domínio do direito penal a sanção civil (indemnização por facto ilícito) castiga o acto causal servindo o resultado/consequência como elemento decisivo para a fixação do quantum indemnizatório) existe sempre um momento temporal – por ínfimo que seja – em que o direito à indemnização por violação do (seu) direito à vida incorporou a sua esfera jurídica.

Sendo o direito à vida um direito inato na medida em que respeita ao individuo pelo simples facto de ele ter personalidade tal direito permanece sempre na esfera do próprio, razão esta que reforça a nossa posição no sentido que a violação desse direito fundamental, a supressão do direito à vida, ocorre na esfera jurídica do lesado transmitindo-se mortis causa o direito à indemnização. Como refere Galvão Telles, Direito das Sucessões, Lisboa, 1973, páginas 86/87, se um direito surge no momento da morte, no primeiro momento da inexistência de personalidade também nasce no ultimo momento de existência dessa personalidade, podendo portanto ser adquirido por quem falece.

Acrescenta aquele ilustre Professor que para alguém adquirir um direito inter vivos não é necessário que sobreviva ao facto determinante da aquisição, bastando que exista quando este se dá.

Diferente da tese de Galvão Telles, que acompanhamos na linha do que fica acima referido, mas conduzindo ao mesmo resultado prático, é a tese defendida por Diogo Leite de Campos (A Indemnização do Dano Morte – Coimbra, 1980) que, parecendo em nossa opinião ignorar a existência de momentos temporais distintos, defende a construção de uma teoria de aquisição do direito post mortem como ainda uma manifestação da personalidade jurídica do de cujus.

Conduz tudo o que deixamos referido a que concluamos, na linha aliás da jurisprudência que fez vencimento no acórdão deste STJ de 17 de Março de 1971, que produzindo-se o dano na esfera jurídica da vitima (na esfera inata e intransmissível do seu direito à vida), o direito à indemnização pela supressão do direito à vida enquanto dano não patrimonial autónomo radica originariamente na esfera jurídica dessa mesma vitima.

Colocado, assim, este primeiro aspecto da questão e concluindo em conformidade que o dano resultante ou consequente da supressão do direito à vitima e o consequente direito à indemnização (artigo 483º CC) integram originariamente a esfera jurídica do lesado, perguntar-se-á como se compatibiliza esta mesma conclusão com o disposto no artigo 496º nº 2.

Com todo o respeito, reforçamos, pelas posições que vêm sendo assumidas em contrário na doutrina e na jurisprudência, entendemos que não existe qualquer espécie de incompatibilidade entre a posição subjacente à conclusão a que chegamos e o conteúdo daquele mencionado normativo.

Sem entrarmos na questão controversa de saber se a transmissão (mortis causa) do direito ali prevista se opera por via sucessória ou por aquisição directa e originária das pessoas indicadas naquele nº 2 (esta questão e a sua solução não cabe no âmbito do recurso) consideramos claro que a razão de ser a justificação do ponto de vista teleológico do disposto naquela norma se limita ao estabelecimento de um regime de transmissão do direito à compensação por danos não patrimoniais e respectivo exercício, não encontrando qualquer suporte uma interpretação no sentido de que às pessoas ali mencionadas é ali conferido um direito passível de ser considerado originário (no sentido de ter nascido originariamente na sua esfera jurídica), sendo mesmo e em contrário de se sublinhar que se situa ali o momento da aquisição do direito (morte da vitima) e se refere que tal direito cabe em conjunto ás pessoas ali mencionadas e na falta destas às pessoas que ali seguidamente se mencionam, mostrando clara esta formulação que não há nessas pessoas um direito originário mas sim um direito adquirido por morte da vitima, ou seja mortis causa.

Tendo por certo, na linha do que deixamos referido, que os AA enquanto pais da vitima, que era simultaneamente proprietário da viatura interveniente no acidente e incumpridor da obrigação legal de segurar, apenas poderiam obter a condenação do Fundo no pagamento da indemnização correspondente aos danos, no caso não patrimoniais, pessoalmente sofridos com a morte do filho (só relativamente a estes danos têm real e efectiva qualidade de terceiros) e assim necessariamente terá que ser afastada a possibilidade de reclamarem indemnização pelos danos sofridos na esfera jurídica da vitima como é o caso da indemnização pelo dano não patrimonial autónomo supressão da vida.

No caso presente estamos perante uma situação em que apenas é possível o que no direito francês se designa por action personnele des victimes par ricochet na qual as vitimas, que o são em razão de uma proximidade familiar com o de cujus, exigem os seus prejuízos pessoais resultantes da morte (préjudices personneles induits par le décès).” [[93]/[94]]

O dano de morte constitui-se, pois, como um direito autónomo que se transmite por via sucessória aos herdeiros da vítima. Ainda que se nos afigurem com pertinência algumas das objecções que se mostram levantadas numa tese de mestrado [[95]] a propósito da tese de que o dano de morte não pode ser configurado como um dano autónomo e não seja descartável e desprezível a argumentação aí adiantada para conferir o dano de morte de iure proprio aos familiares da vítima, o facto é que, por razões que não caberão numa decisão judicial, mantemos a posição de que o dano de morte se constitui como um dano indemnizável autonomamente e que se radica na esfera do de cujus transmitindo-se por via sucessória aos herdeiros referidos no nº 2 do artigo 496º do Código Civil. [[96]]   

Na aferição do quantum a atribuir pelo dano de morte deve atender-se, na esteira do sumariado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, que (sic): “II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC). III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. IV - Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. V - A Portaria 377/2008, de 26-05, contém «critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal» (cf. o respectivo preâmbulo). Tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, e, por outro lado, pela sua natureza, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo CC. VI - Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 - 1.ª. VII - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. VIII - Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» – cf. Ac. do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 - 5.ª. X - À míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica. XI - A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, que cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496.º, n.º 2, do CC –, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito, familiares da vítima, decorrentes do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 604 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do STJ de 17-03-1971, BMJ 205.º/150; Leite de Campos, A Indemnização do Dano da Morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247; e Galvão Telles, Direito das Sucessões, pág. 88 e ss.).” [[97]]

II.B.2.d). – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
O dano não patrimonial reporta-se à depreciação e abatimento das condições psicológicas e subjectivas da pessoa humana, por virtude de factores externos susceptíveis de afectar um estado subjectivo liberto de constrangimentos, preocupações e alterações das condições de vida que normalmente o afectado conduz. Representa, assim, uma ofensa objectiva de bens que repercutem uma mazela no conspecto subjectivo da pessoa afectada, traduzindo-se em estados de sofrimentos, de natureza espiritual e/ou física. Esta incidência negativa e malsã na vivência e estabilidade psíquica e/ou física do ser humano, não sendo mensurável no plano patrimonial, deve, na medida em que afecta a personalidade do individuo, na sua dimensão espiritual e/ou física, ser passível de indemnização pecuniária. Não para reparar uma dano quantificável, mas compensar ou satisfazer em bens materiais males infligidos pela acção imputável ao lesante. Esta satisfação, não possui, pois, a dimensão de uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, ou seja, um montante que deva ser quantificado, por equivalente aquele que haja sido o prejuízo (quantificado) pelo lesado. Vale por dizer, pelo equivalente a um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão. Pretende-se, outrossim, como já se deixou dito supra, atribuir ao lesado uma compensação pelas alterações da estabilidade emocional, psicológica e espiritual do lesado.

Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa [[98]] que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões morais ou espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual.        
(“Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc..
A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º” (ac. STJ, 11/5/98, Proc. 98A1262 ITIJ).
Assim sendo, o passo seguinte consistirá em proceder á valoração dos factos provados, como consequências da conduta do lesante, servindo como linha de fronteira a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.
Depois, como se tem entendido, dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV-3-892.” [[99]]
Na atribuição da indemnização, deverá atender-se à gravidade dos efeitos da acção desvalorativa do lesante, pois só a afectação grave e desproporcionada do estado emocional, psicológico e /ou físico do lesado é passível de obter um grau de valoração ético-jurídica reconhecida pela ordem jurídica e por ela tutelada e protegida. No montante a atribuir, o tribunal deverá usar de critérios de equidade [[100]], como factores de ponderação e de equação socialmente relevantes, fazendo intervir os elementos ético-socialmente censuráveis e reprováveis inerentes ao desvalor da acção lesiva. Haverá, assim, que atender, na atribuição do quantitativo pecuniário compensatório ao grau de culpabilidade do lesante, ao modo como a acção lesiva foi consumada e/ou reiterada, aos efeitos e consequências que essa acção provocou no lesado e nas perturbações/alterações que provocaram na vivência e nos estados psicológicos, emotivos e/ou físico do lesado.             

Os danos morais ou não patrimoniais, insusceptíveis de avaliação pecuniária, visam proporcionar ao lesado uma compensação que lhe proporcione algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária [[101]]. A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496.º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e o critério da sua fixação é a equidade (nº 3, do mesmo artigo [[102]], devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [[103]].

Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente.

É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [[104]].

Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais.

 Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.

Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste Supremo Tribunal que a intervenção deste alto Tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. Como se afirma no Acórdão deste Supremo de 7/10/10, Proc. nº 457/07.9TCGMR.G1.S1, disponível no IGFEJ, “Assentando o cálculo da indemnização destinada a compensar o lesado por danos não patrimoniais essencialmente num juízo de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor a arbitrar, já que a aplicação da equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se move o referido juízo equitativo a formular pelas instâncias face à individualidade do caso concreto «sub juditio” [[105]].

Ainda, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/04/12, Proc. nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1, desta Secção, disponível no IGFEJ, “(...) não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas.

É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade“.

II.B.2.e). – A INDEMNIZAÇÃO (POR MORTE E NÃO PATRIMONIAIS) PARA O CASO.

II.B.2.e).i) – INDEMNIZAÇÃO PELA MORTE.

O tribunal recorrido fixou o montante pela morte da vítima em € 60.000,00 (sessenta mil euros)

A morte que sobreveio à acção ilícita e antijurídica perpetrada pelo arguido torna-se passível de ocasionar um direito a indemnização a crédito daqueles que demonstraram ter sido afectadas, na sua esfera jurídica, pela supressão da vida da vítima. 

A indemnização fixada pelo tribunal recorrido não se afasta da pauta indemnizatória que este Supremo Tribunal tem vindo a fixar no caso de morte. Como vem sendo jurisprudência mais ou menos constante a indemnização pela perda da vida, ou dano pela morte, não se pode afastar de padrões condignos de uma sociedade em que o valor da vida sobrepuja e avulta sobre todos os demais bens imanentes à pessoa humana. Temos vindo a advogar que a ablação violenta da vida constitui um choque inenarrável na esfera sentimental das pessoas que formam o círculo vivencial e afectivo das pessoas subtraída ao seu convívio familiar e social. Daí que defendamos que a indemnização pelo direito à vida – já que a lei a predita – deve valer pela sua essencialidade vital e ser valorada de acordo com critérios de afirmação da existência do ser em sociedade.

Os valores atribuídos na decisão sob recurso situam-se abaixo dos valores que em outras sedes fixamos e que se situavam entre € 60.000,00 e €80.000,00.

O valor da vida não deve, ao contrário do que temos visto defender, ser aferido por critérios atinentes com a idade ou outros factores inerentes á pessoa do decesso. A vida vale enquanto valor intrínseco e imensurável e a sua supressão exsurge da afirmação vital em que a vida se expressa e reverbera.

Assim, estimamos não ser de alterar o montante fixado, que, consequentemente, se mantém.

II.B.2.e).ii) – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS.

No concernente aos danos não patrimoniais reverberados nas filhas da vítima, entendeu o tribunal recorrido (sic) “Para seu cômputo, deve, fundamentalmente, averiguar-se se o relacionamento era fraco ou forte, o sentimento que unia a vítima e a autora, se a dor com a sua perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não (cfr., v.g., Ac. RP, de 3/3/05, P. 0530278, www.dgsi.pt).

Tudo isto ponderado e conjugado com os factos provados, em especial, os constantes sob os factos provados nsº 23) e 24) quanto á BB e 25) e 26) quanto á CC, cremos dever distinguir, por ser maior o dano da BB, e assim fixamos em 25.000 € a compensação a BB e em 20.000 € a devida a CC.

Assim, ascende a indemnização às seguintes quantias (sendo que os 60.000 € são a repartir em partes iguais: “em conjunto”): BB: 55.000 €; CC: 50.000 €.”

O tribunal, como acontece para as situações em que não é possível proceder a uma mensuração aritmética, por referência a valores concretamente estabelecidos e quantificados, recorre a critérios de equidade.

Os critérios de equidade, constituem-se e reconduzem-se, como deixamos inscrito supra, a valorações (por suposto redutíveis, por avaliação mediada por juízos (ponderados) concernentes a referências de valores ético-sociais, a uma quantificação monetária) que não podem ser escrutinadas pelo tribunal, a menos que violem de forma, crassa e flagrante, princípios directores da aferição criteriosa dos valores em equação.

O tribunal equacionou, na forma de fazer equivaler os valores a juízos de equidade, razões que se nos afiguram dever quadrar com referências de valoração do sentimento de perda que as filhas terão experienciado relativamente à perda da pessoa que lhes deu vida e com quem privavam, ainda que de forma diferenciada – o que levou o tribunal a diferenciar o quantitativo das indemnizações.

A ponderação efectuada não viola qualquer princípio que possa intervir nos juízos de equidade que estiveram na base da atribuição/fixação do montante indemnizatório, pelo que não se torna sindicável a indemnização estabelecida.       

Mantém-se a indemnização a título de danos não patrimoniais nos montantes fixados pelo tribunal recorrido.

III. – DECISÃO.

Na defluência do argumentado, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Julgar o recurso, tanto no concernente ao segmento penal, como ao segmento cível, totalmente improcedente, mantendo, em consequência, a decisão recorrida;

- Custas pelo arguido.

Lisboa, 27 de Junho de 2018

Gabriel Catarino ( Relator)

                                                                                                        Manuel Augusto de Matos            

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[1] Ensinava Cavaleiro de Ferreira – “Curso de Processo Penal”, I (Lições proferidas no ano lectivo de 1954-1955), 248 – que, em conformidade com a teoria geral dos actos jurídicos, se podem distinguir os requisitos ou pressupostos dos actos processuais, dos elementos constitutivos desses actos. Como elementos constitutivos apontava, para além da vontade, da causa ou fim, a forma.

[2] Cfr. José de Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 370.
[3] Cfr. Henriques Gaspar, no “Código de Processo Penal, Comentado”, 2014, pág. 325.
[4] Na sequência da alteração da redacção do artº 150º do velho CPC pelo DL 324/2003, de 7 de Dezembro, que passou a consagrar a possibilidade de os actos processuais das partes serem enviados por correio electrónico, foi publicada a Pª 337-A/2004, de 31 de Março que estabeleceu as «normas técnicas a que deve obedecer a entrega das peças processuais e notificações por correio electrónico» e que veio a ser revogada e substituída pela Pª 642/2004, de 16.06.2004.

[5] O regime jurídico da assinatura electrónica consta do DL 290-D/99, de 2 de Agosto, alterado pelos DL’s. 62/2003, de 3 de Abril, 165/2004, de 6 de Julho, 116-A/2006, de 16 de Junho e 88/2009, de 9 de Abril, que o republicou, e regulamentado pelo Dec. Reg. 25/2004, de 15 de Julho.
[6] Acessível em www.dgsi.pt
Acórdão de 17 de Março de 2016, “II - O art. 374.º, do CPP não contém qualquer especificação ou indicação sobre o tipo de assinatura com que o dispositivo deve encerrar, havendo que recorrer, pois, ao disposto nos arts. 94.º, n.º 3 e 97.º, n.º 4, do CPP, sendo que tais preceitos legais permitem de forma expressa que se possam usar formulários em suporte electrónico, e se possa recorrer a assinatura electrónica certificada. III - A aparente contradição insanável entre o art. 94.º, n.º 3, do CPP e o art. 95.º, n.º 2, do CPP exige do intérprete, em obediência ao princípio do aproveitamento das leis e da presunção de racionalidade da legislação, que se procure um sentido útil para ambas. A previsão do art. 95.º, n.º 2, do CPP aponta claramente, não para a sentença/acórdão, como acto processual praticado sob a forma escrita, mas antes para o auto que documenta o acto que foi (teve de ser) reduzido a escrito, sendo que a sentença/acórdão não cabe manifestamente nessa categoria. IV - Pelo que a sentença/acórdão, proferido em processo penal, pode ser assinado com recurso a assinatura electrónica certificada, inexistindo a invocada irregularidade. A tanto não obsta a Portaria 280/2013, uma vez que a diferente hierarquia dos diplomas em confronto sempre imporia a aplicação, no âmbito do processo penal, do art. 94.º, n.º 3, do CPP, em detrimento das disposições da Portaria. Para além disso, a possibilidade de os actos do processo penal, mesmo as sentenças/acórdãos escritos, poderem ser assinados electronicamente pelos juízes que os proferem, prevista no n.º 3 do art. 94.º, do CPP, em nada é contrariada pela Portaria 280/2013, por tal matéria continuar a ser regulada pela Portaria 593/2007, designadamente pelo seu art. 1.º.
[7] Acessível em www.dgsi.pt. Este aresto seguiu, e teve sequência, respectivamente, os acórdãos 09.09.2015, Pº nº 342/10.7ALRA-A.C1.S[1]  e de 29.10.2015, Pº nº 461/14.0PEVR.E1.S1, tendo-se no segundo dos ora indicados arestos, sumariado que: “A assinatura electrónica de acórdão em processo penal viola frontalmente as disposições legais contidas nos arts. 95.º, n.ºs 1 e 2 e 374.º, n.º 3, al. e), ambos do CPP, sendo que a Portaria 280/2013, de 26-08 tem o seu âmbito de aplicação restrito à tramitação electrónica de processos de natureza cível e dos processos tramitados de acordo com o CEPMPL. Nenhuma referência é feita à tramitação processual penal, pelo que o art. 19.º da referida Portaria não se aplica aos processos penais, constituindo a assinatura electrónica dos actos proferidos em tais processos uma irregularidade, que não afecta a existência do acórdão recorrido, devendo, contudo, ser suprida, aquando da posterior baixa do processo à 1.ª instância.”
[8] Código Processo Penal Comentado, A.S. Henriques Gaspar; J.A. Santos Cabral; Eduardo Maia Costa; A.J. Oliveira Mendes; A. Pereira Madeira; A.P. Henriques Graça, Almedina, 2016, p. 291.
[9]En la actualidad, la soberania penal está radicada exclusivamente en manos del Estado, por ello las sanciones penales (penas e medidas) se refieren siempre a la relación del Estado para com el ciudadano. De ese modo, el procedimiento sancionatório tiene una faz estatal y una personal. Para el Estado se trata de la justificación de sanciones y de los fines perseguidos con ellas; para el ciudadano, de su obligación de tolerancia e de sus limites.” Reinhart Maurach e Heinz Zipf, “Derecho Penal. Parte General. I”, Astrea, Buenos Aires, 1994, p. 104.      
[10] Claus Roxin, “Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal”, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, pág. 65.
[11] Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.
[12] Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.
[13] Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.
[14] Cfr. Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Bosch, Barcelona, 1984, p. 347.
Para refutar a posição de von Lizt quando refere que as teorias retributivas são absolutas, escreve José Sousa de Brito, em “Os Fins das Penas no Código Penal, que se lê em “(…)Platão como representando o pensamento de Protágoras: "ninguém pune o delinquente só pela simples razão de que cometeu uma injustiça, a não ser aquele que, como um animal irracional, se procura vingar; mas aquele que pretende punir de modo racional, não castiga por causa do acto ilícito já cometido - pois não pode fazer que o que está feito não esteja feito - mas em vista do futuro, para que daí em diante o delinquente não volte a cometer injustiça e também não os outros que vêm como ele é punido" (Protágoras, 324 ab).
[15] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54

[16] “A prestação que realiza o Direito Penal consiste em contradizer por sua vez a contradição das normas determinantes da identidade da sociedade” (…) nesta concepção a pena não é tão-somente um meio para manter a identidade social, mas já constitui essa própria manutenção” - Günther Jakobs, “Sociedade, Norma e Pessoa”, Editora Manole, 2003. ““La pena ha de entenderse más bien como marginalización del hecho en su significado lesivo para la norma y, con ello, como constatación de que la estabilidad normativa de la sociedad permanece inalterada; la pena es confirmación de la identidad de la sociedad, esto es, de la estabildad normativa, y con la pena se alcanza este – si se quiere – fin de la pena siempre.

Ahora bien, la función manifiesta de la pena de confirmar la identidad de la sociedad no excluye el aceptar como función latente una dirección de la motivación: la repetida marginalización del hecho y confirmación de la estabilidad social excluye formas de comportamiento delictivas del repertório de las sugeridas por doquier, quando no incluso recomendadas, en otras palabras, en la planificación cotidiana normal no se reflexiona en primer lugar cerca de la posibilidad de un proceder delictivo. Esta la denominada prevención general positiva como función latente de la pena. A ella también se le puede añadir un efecto intimidatório, es decir, una prevención negativa, y otros más.
La separación del efecto confirmante y de los efectos preventivos de la pena, esto es, la división entre funciones manifiestas y funciones latentes, es de gran importancia, pues la pena se dirige en cada finción a destinatários distintos. El efecto confirmatório va destinado a personas, es decir, a particípes de la comunicación que son presentados como dispuestos juridicamente, y, ciertamente, a todos ellos. El daño de la pena dirigido al autor e infligido a través de privación de médios de desarollo (libetad, dinero) no persigue provocar miedo o compassión u otros estados psíquicos, sino que es unicamente portador de l significado: no hay que adherise al hecho. Ya el mero juicio de culpabilidad tiene dicho significado, pero al igual que el hecho es más que un afirmación, es decir, tanbién es su objetivación, el juicio de culpabilidad ha de hacer-se igualmente duradero, objetivarse, lo que significa que la pena deve ser executada. La función abierta se obtiene, por lo tanto, en la comunicación personal; se trata sólo de poder cerciorarse de qué es Derecho e qué es injusto.” – cfr. Günther Jakobs, “Dogmática de Derecho Penal y la Configuración Normativa de la Sociedad”, Thomson –Civitas, Madrid, 2004, ps. 41-42.
[17] Para Faria Costa, “Noções Fundamentais de Direito Penal” (Fragmenta iuris Poenalis), Coimbra Editora, Coimbra, 4ª edição, 2015, “a pena é a principal consequência da prática do crime (comportamento proibido pela norma incriminadora). Todavia, a pena criminal é, também, uma manifestação do viver comunitário.” (pág. 8) “Com efeito, a pena representa a reacção de uma comunidade de homens àqueles comportamentos penalmente proibidos por essa comunidade. O que bem demonstram, em nosso ver, que a pena é o reflexo dos valores dessa comunidade em um certo tempo e em um certo espaço. A pena é, sobretudo, a refracção do entendimento do homem sobre si próprio. Precisamente por isso, a pena repõe o sentido primevo da relação de cuidade-de-perigo” (p.9-10)
[18]Naturalmente, uno de los cometidos que deben cumplir la amenaza de pena y la pena también es el de evitar delitos que un autor determinado o terceros indeterminados posiblemente habrian cometido de no haberlas. Pero la imposición de la vigência de normas elementales, en caso necesario, mediante la coacción, parece ser un factor francamente esencial del derecho, y el hacerlo en absoluto es un asunto exclusivo del Derecho penal”. “Esta função da pena, todavia (“empero”), e ao contrário da concepção habitual, de nenhum modo se refere somente à prevenção, quer dizer à evitação de delitos futuros, mas, de modo muito mais geral, à ampla descarga que para cada um significa o asseguramento da ordem jurídica” Vide Günter Strantenwerth, in “Derecho Penal, Parte General I, El Hecho Punible”, Thomson, Civitas, 2005, p. 37.-
[19] Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 23-24.
[20]Las normas entendidas como expectativas normativas, contrafáctica, configuran la estructura del orden social. La configuración de dichas expectativas s función de la política, debiendo describir y sistematizar la ciência del Derecho penal dichas estruturas normativas. El delito es essencialmente defraudación de expectativas –no lesión de bienes – y la pena tiene el significad de mantener dichas expectativas, es decir, en términos jurídicos, la vigência de la norma. La imposición de la pena es – sempre segundo el autor de este libro – la forma que tiene el sistema social de processar las defraudaciones a costa del infractor. Junto a esta función de estabilización, el mal que se impone con la pena deriva de su fin preventivo-general: asegurar la probalidad de seguimento de la norma. Dicho tiene como limite el tratar al delicuente como persona e no como objecto, ya que la pena, precisamente sólo recciona frnete al sujeto responsable, la persona. Sin embargo, esta garantia sólo es posible en la medida en la que el delicuente pueda garantizar su fidelidad en el futuro; de lo contrario, ya n puede ser tratado como persona, sino que deberá serlo como inimigo.” - Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 18-19.                
[21] Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 25.
[22] Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015, pág. 87.
[23] Para uma crítica à alteração operada ao artigo 70º do Código Penal de 1982, veja-se José Sousa e Brito, “Os fins das Penas no Código Penal”, in Problemas Fundamentais do Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, págs. 157 e segs.

Com efeito, a fórmula dos nºs 1 e 2 do artigo 40º é idêntica à do nº 1 e primeira parte do nº 2 do § 2º do Alternativ-Entwurf, e exprime segundo Roxin adequadamente a sua teoria dos fins das penas segundo a qual a pena visa a prevenção especial e geral. Não pode ultrapassar a medida da culpa, que é concebida como "resultado de um processo valorativo sócio-psicológico, um juízo da comunidade jurídica, que relativamente à altura da pena não é determinado pontualmente à partida, mas só possui realidade empírica no espectro de certo espaço de manobra". É a exigência de prevenção geral que dita a limitação da pena pelo juízo social da culpa, o qual, dada a sua incerteza, não permite mais do que determinar um certo espaço de manobra ou margem de liberdade como medida da culpa entre um máximo e um mínimo ainda correspondentes à culpa. Além do limite da culpa assim entendida a intimidação é ineficaz ou contraproducente e deixa de fortalecer os sentimentos éticos da comunidade e pode provocar a revolta ou o embotamento moral. Aquém desse limite subsistem impulsos para a imitação ou para a vingança. A pena é fixada dentro da medida de culpa e abaixo dela pela prevenção especial, com os limites da prevenção geral mínima, geralmente satisfeita, embora nem sempre, com o limite inferior da medida legal. Deste modo, Roxin pode valorar positivamente o § 46 I do Código Penal alemão que corresponde no essencial ao nosso nº 1 do artigo 72º na versão originária: "A culpa do agente é o fundamento da pena. Ter-se-ão em conta os efeitos da pena na vida futura do agente na sociedade". E está de armas e bagagens do lado dos restantes autores do Alternativ-Entwurf e nomeadamente de Hans Schulz quando dentro da medida máxima da culpa fazem determinar a pena "sobretudo segundo o que se revela necessário para evitar renovada criminalidade do agente", e quando procuram evitar que "considerações de prevenção geral conduzam no caso concreto a um aumento de pena"[[23]]. Temos, pois, dentro do limite da culpa, clara prevalência da prevenção especial sobre a prevenção geral. Assim se compreende que Anabela Rodrigues na esteira de Luzon Peña, critique a teoria de Roxin, como uma "versão disfarçada da retribuição", incompatível com a sua própria teoria, que é, no essencial, a de Figueiredo Dias.

Em sentido oposto, Figueiredo Dias, só precisa de acrescentar duas locuções adverbiais à formula resultante do artigo 40º por si proposto para ter a perfeita formulação da sua teoria da prevenção geral ou de integração: "as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa". Por consequência, "primordialmente, a medida da pena há-se ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto". Haverá em cada caso concreto,  uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias" medida "que não pode ser excedida" e que "não tem de coincidir sempre com a medida de culpa". "Abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente", até se alcançar um limiar mínimo", que é "o quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da "moldura de prevenção" que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por consideração, seja de culpa, seja de prevenção especial". Dentro da "moldura de prevenção" devem ser "valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial da socialização, seja qualquer das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização". A culpa "constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas" e nada mais. Temos, portanto, que para Figueiredo Dias o aplicador do direito é chamado, em primeiro lugar, a fazer um juízo das necessidades de tutela e das expectativas comunitárias no caso concreto, o que certamente vai contra as intenções de Schulz e Roxin.
[24] Código Penal Alemán (StGB) e Código Procesal Penal Alemán (StPO), Emilio Eiranova Encinas, Marcial Pons, 2000.

[25] Claus Roxin, “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal. Prevención y Determinación de la Pena.”, Reus, Madrid, 1981, p. 116. O Professor de Munique, procede a um cotejo entre a teoria da margem da liberdade e a teoria do valor de emprego, “(…) fundada por Heinrich Henkel, que entretanto foi reelaborada dogmaticamente por Horn e fundamentada criminologicamente por Schöch no por ele chamado «modelo gradual». Esta teoria apresenta uma solução da antinomia dos fins da pena, desconcertante pela sua facilidade, ao pretender ter em conta tanto o ponto de vista da retribuição da culpabilidade como o da prevenção, mas atribuindo a cada pessoa um valor de emprego na lei completamente diferente: a «determinação judicial da pena», quer dizer, a determinação da magnitude da pena conforme ao § 46, StGB, deve levar-se a cabo com abstracção de todo critério preventivo, unicamente conforme ao grau de culpabilidade, enquanto que a determinação da pena em sentido amplo, quer dizer, a decisão, segundo os §§ 47 e segs., StGB, sobre a pena privativa de liberdade ou a multa, sobre a suspensão condicional da pena e a liberdade condicional, sobre a admoestação com reserva de pena e a dispensa de pena, deve ser fixada igualmente de um modo exclusivo, só por considerações preventivas. Retribuição da culpabilidade e prevenção aparecem aqui, portanto, como «graus» sucessivos e independentes da determinação da pena.

Até à data está por clarificar o alcance desta nova teoria, como demostram precisamente as diversas posições que a este respeito foi adoptado Hans-Jürgen Bruns, o grande impulsor e mestre da determinação da pena. Ao princípio – antes da evolução da teoria do valor de emprego – Bruns havia qualificado a simples pena correspondente à culpabilidade como a melhor possibilidade de «acabar com a antinomia dos fins da pena». Depois da entrada em vigor do § 46, StGB (§ 13 a partir de 1969), abandonou, sem embargo, esta concepção, reprovando a teoria do valor de emprego, cuja argumentação se baseava precisamente nesta concepção, que «estava em contradição com a regulação legal» e que, «em qualquer caso, era insustentável nos seus resultados». A este veredicto seguiu, no seu mais recente trabalho sobre o tema, uma posição diferenciadora. Bruns opina agora que há «uma serie completa de razões que falam em favor do concerto da teoria do valor de emprego» e que «não seria de lamentar» se esta teoria «se impusesse na doutrina ou na praxis». Mas, por outra parte, não desconhece ou peso dos argumentos que se esgrimem contra ela, e termina dizendo: «De todos modos, o modelo gradual contém... uma parte substancial tão digna de atenção e tão interessantes sugestões, que a doutrina e a jurisprudência deveriam pensá-lo varias vezes antes de rechaça-lo precipitadamente.
Parece-me razoável seguir esta sugestão num livro-homenagem dedicado a Bruns, continuando assim a discussão sobre questões fundamentais de prevenção e determinação da pena, com a meta de nos aproximarmos, quiçá de este modo, um pouco mais a uma concepção geralmente reconhecida das «causas finais de determinação da pena.”  
[26] Claus Roxin, in “Estudos de Direito Penal”, Renovar, S. Paulo, 2005, tradução de Luís Greco, pág. 138, define culpabilidade em direito penal como “a realização do injusto apesar da idoneidade para ser destinatário da norma e da capacidade de autodeterminação que daí deve decorrer.”
Desta concepção faz o autor derivar uma consequência fundamental: ”a teoria dos fins das penas e, assim, o mais importante ponto de orientação politico-criminal de nosso direito penal é tornada fecunda para a teoria geral do delito. Segundo a teoria dos fins da pena por fim defendida, só se pode justificar a pena pela concorrência da culpabilidade e da necessidade preventiva da pena. Para a medição da pena isto significa por um lado, que toda a pena pressupõe a culpabilidade, não poendo jamais ultrapassar-lhe a medida, mas que a pena também sempre tem de ser preventivamente indispensável. A pena pode, portanto, ficar aquém da medida da culpabilidade, se as exigências de prevenção fizerem desnecessária ou mesmo desaconselhável a pena no limite máximo da culpabilidade. (…) estar-se-á defendendo uma posição liberal-garantística, que impõe ao poder punitivo estatal limites tão estreitos quanto socialmente sustentáveis. Ainda que a necessidade de prevenção geral ou especial através da sanção seja intensa, tão pouco neste caso se poderá punir se o autor agir sem culpabilidade. Mas mesmo que exista uma culpabilidade reduzida tem-se de renunciar à pena, se as necessidades preventivas – a serem determinadas, é claro, não segundo a opinião pessoal do juiz, mas sim segundo a lei ou as decisões valorativas gerias – permitirem.” – cfr. citado Estudo, págs. 155-156.             
[27] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[28] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[29] Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[30] Américo Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral. Questões Fundamentais . Teoria Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2008, pág. 62. 

[31]A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)
[32] Taipa de Carvalho, ibidem, pág. 63.
[33] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[34] Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.
[35] Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.
[36] Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.)
[37] Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt que na parte interessante se deixam transcritos. “I - A medida da prevenção (protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção – e reforço – da validade da norma violada), que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. II - Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. III - Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenha provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. II - Na determinação da medida concreta da pena pela prática de um crime, é a partir da moldura penal abstracta que se procurará encontrar uma «submoldura» para o caso concreto. Esta terá, como limite superior, a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229). III- Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. IV -Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. V- O n.º 2 do art. 71.º do CP manda atender, na determinação concreta da pena, «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele». Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. VI- Este o contexto em que se deve situar a ponderação da pena conjunta a aplicar, tendo em conta o comando do art. 77.º do CP, que manda considerar, na medida dessa pena única, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, «a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (cf. ob. cit., pág. 291).
[38] Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.
[39] Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, Madrid, 2002, págs. 112-113.
[40] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[41] Cfr. Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166.
[42] À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.
[43] Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206,

[44]O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).
[45] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 67.

[46] “O princípio da culpabilidade responde pela dosimetria da pena e estabelece a relação entre a gravidade do delito e a culpabilidade do autor (“Principio da culpabilidade e determinação das consequências jurídicas [legalidade] situam-se numa relação de tensão que deve ser equalizada constitucionalmente de modo sustentável”) - Sentença do Tribunal Constitucional alemão, citado por Adriano Teixeira, ibidem, pág. 106.
[47] Jesus-Maria Silva Sánchez, “La Teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (Dogmático): Un primer Esbozo, InDret, Barcelona, Abril 2007.
Para um desenvolvimento crítico da teoria da aplicação da pena proporcional ao facto veja-se igualmente Bernardo Feijoo Sanchez, “Individualización de la Pena y Teoria de la Pena Proporcional al Hecho”, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007. “Esta teoria sobre a determinação da pena pretende desenvolver critérios de proporção com o facto no marco de uma teoria da prevenção geral intimidatória, desligando a justificação social da pena dos critérios que servem para distribuir as penas em concreto. Como já se assinalou, ainda que a teoria tenha uma origem anglo-saxónica e escandinava, se trata nestes momentos de um dos modelos teóricos de maior impulso (“ empuje”) na doutrina alemã, especialmente pelas interessantíssimas aportações de HÖRNLE nesta matéria.
Nos encontramos ante um modelo de determinação da pena orientado retrospectivamente e não prospectivamente, que representa um dos intentos mais sérios de desenvolver uma teoria da determinação da pena relacionada com a ideia de uma prevenção geral limitada pela culpabilidade e a proporcionalidade com o facto delitivo. A ideia essencial é que se trata de buscar qual é a pena justa que o autor deve suportar pelo seu facto mais que centrar-se em buscar com a pena influências no próprio autor ou em terceiros. Enquanto a cominação penal abstracta estaria dirigida aos potenciais delinquentes, esta é uma orientação que, segundo os neoproporcionalistas, não pode ter cabida no momento de imposição judicial da pena, donde passariam a primar as valorações desde a perspectiva da vítima (do desvalor do resultado ou afectação ao bem jurídico).”
(…) A objecção essencial a teorias como a de v. HIRSCH, HÖRNLE o SCHÜNEMANN é que partem de uma perspectiva excessivamente individualista que toma em consideração para a determinação da pena somente a perspectiva da vítima, descuidando a dimensão do facto para a ordem social. A teoria da proporcionalidade pelo facto parte de uma concepção extremadamente individualista da lesividade que fundamenta a responsabilidade penal, não tendo suficientemente em conta a dimensão intersubjectiva ou social do facto ou a lesividade do comum. Não é estranho, por isso, que estes autores que adoptam uma concepção do facto tão fáctica desenvolvam uma teoria da determinação da pena excessivamente orientada para os interesses da vítima. Acaba sendo relevante para efeitos de determinação da pena exclusivamente a afectação de interesses individuais. Esta não é meramente uma questão teórica, antes tem uma induvidável relevância prática. A teoria da proporcionalidade pelo facto. ao concede um peso excessivo à afectação de interesses individuais, não pode explicar muitos factores de determinação da pena existentes no nosso ordenamento nem factores que resultam decisivos na praxis judicial e aos quais parece que não se deve renunciar.
2. Por outro lado, à teoria da proporcionalidade pelo facto falta o sustento de uma teoria sobre a função social de la pena. Não é possível determinar a medida da pena se esta não se encentra referida a um fim. A determinação ou a individualização judicial da pena não deixa de ser uma concreção da teoria dos fins ou dos critérios gerais de legitimação d pena”. (p. 7-8)
[48] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos, de que se respiga o sequente trecho.
“De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). 
Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1): «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). 
Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. 
Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). 
Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). 
Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»
Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».
Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP), então a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens».
A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida».
 Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social, lê-se na decisão recorrida, acrescentando-se:
«Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo da repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar no caso concreto.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se orientado quase unanimemente no sentido que acaba de se referir, assumindo que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa.
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime.»
[49] Claus Roxin, “Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal”, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, pág. 143.
O artigo 63º do Código Penal suíço preceitua que “O juiz determinará a pena segundo a culpabilidade do reu; terá em conta os motivos, a vida anterior à comissão do delito e as circunstâncias pessoais do culpado” 
[50] Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.     
[51] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.
[52] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.
[53] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.
[54] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991.
[55] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro.

[56] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral; de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; Ou, por mais recente, o acórdão de 9 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos.

[57] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2014, proferido no Processo nº 95/10.9GGODM.S1, relatado pelo Conselheiro Souto Moura.
[58] Claus Roxin, “Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal”, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, pág. 65.
[59] Claus Roxin, “Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal”, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, pág. 152.
Para o Autor, “O que se menciona no StGB da República Federal da Alemanha é o conceito de «defesa do ordenamento jurídico» (§ 47, 1º, 56, 3ª), que é um terceiro ponto de vista preventivo geral que serve somente para impedir que se possam impor penas inferiores á que possa corresponder á culpabilidade, mas que não pode servir justificar um efeito intimidatório isolado.”   
[60] “La sanción jurídica de la conduta lesiva responde a una elemental exigência ética y constituye una verdadera constante histórica: el autor del daño responde de él, esto es, se halla sujeto a responsabilidad. Este vocábulo sugiere, incluso antes de cualquier reflexión jurídica, la idea de que la persona está sometida a la necesidad de soportar las consequências de sus actos. Y la expressión más cabal de esa «necesidad» es la obligación de indemnizar o reparar los perjuicios causados a la vitima.” – Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 14.      
[61] Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. 
[62] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495.
[63] “Estos pressupuestos son: em primer lugar, una conduta, bien sea positiva (acción), bien sea de inactividad (omisso). En segundo término, esa conduta, según el criterio de imputación de responsabilidad del Código Civil (distinto es el de alguno de los «regímenes especiales», debe ser subjetivamente atribuible o reprochabale al agente, esto es, ha de ser una actuación caracterizada por la culpabilidad. En tercer lugar, el comportamiento en cuestión tiene que revestir caracteres de antijuridicidad o ilicitud o, dicho de otro modo, injusticia. Además ha de existir un resultado lesivo, esto es, un daño debe mediar una relación de causalidad bastante para que ese daño pueda ser atribuible al autor de la conduta sobre cuya responsabilidad se trata.” - Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 219-220.        
[64] Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.      
[65] Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”       
[66] Para um esclarecedor e detalhado desenvolvimento sobre os aspectos jurídico-ontológicos que a culpa pode assumir no conspecto da responsabilidade civil: – colpa civile e colpa penale; la colpa per violazione di norme giuridiche; la colpa per violazione di norme di comune prudenza; la diligenza come parametro di determinazione della condotta dovuta e come criterio di responsabiltà.I contenuti della diligenza; la prevedibilità; la colpa comissiva e colpa omissiva; la colpa lieve e la colpa grave – veja-se Laura Mancini, “Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile”, Giuffrè Editore, 2015, ps. 25 a 55.  
[67] “Para determinar se a acção ou omissão não dolosa, mas realizada com infracção de um dever objectivo de cuidado, que possa ser reprovado ao sujeito, a título de culpa ou negligência, como exige o artigo 1.902, o decisivo não é a previsão objectiva do juiz, mas sim, unicamente, o juízo prévio de que o agente, no uso das suas faculdades, se tivesse podido formar à vista das circunstâncias que configuravam concretamente o caso, de ter observado o cuidado pessoalmente possível para ele …” – Cfr. Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2008, Barcelona, p. 222.        
[68] Cfr. Ignacio de la Cuesta, op. loc. cit., p. 223. 
[69] “(…) de manera que el canon de diligencia debe venir representado por la que guarda el hombre médio, sin deber ser exgible una diligencia extraordinária. En el âmbito de la actividad empresarial o profissional esto se traduciria en la aplicación de un principio de rpoporcionalidad, según el qual el deber de diligencia tiene su limite allí doonde exista uuna desproporción apreciable entre el coste de adopción de determinadas medidas de prevención y probabilidad de que se produzca un daño de alcance relevante. Sin embargo, lo cierto es que en este âmbito, la jurisprudencia  sólo reconoce el canon clásico de la «diligencia exactíssima». - cfr. Reglero Campos, Fernando, “Tratado de Responsabilidad Civil, Aranzadi, Thomson, 2002,
[70] Cfr. Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 284, e n.º 100, página 127.
[71] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 870-871; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 369; Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 281; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, páginas 521-522; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 505.
[72] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 861, nota 2.
[73] cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de28-11-94, proferido no recurso n.º 87187, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, página 74, e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 450, página 403.
A doutrina nacional também se tem pronunciado neste sentido, como pode ver-se em – Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 41; – Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, páginas 352, 353 e 357; – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 503; – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 868; – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 520; – Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 286; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 507.

[74] cfr. a este propósito o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2011, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se escreveu: “O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 10) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil. 11) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 12) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
[75] Cf. a este propósito o aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 2016, relatado ela Conselheira Maria da Graça Trigo, em que se escreveu: “O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade (cfr., a respeito da responsabilidade por actos médicos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2013, proc. 6297/06.5TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt; em geral, ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2010, proc. nº 2164/06.OTVPRT.P1, de 6 de Maio de 2010, proc. nº 11/2002.P1.S1, e de 15 de Novembro de 2007, proc. nº 07B2998, todos em www.dgsi.pt).
(…) Reafirme-se que o juízo positivo de relação causal no plano fáctico não pode ser reapreciado pelo Supremo. Dá-se como assente que, durante a cirurgia, foi causada a lesão na medula da A., ainda que não esteja dado como provado qual foi a conduta concreta que a causou e, portanto, quem foi o autor da mesma lesão. Mas, por definição, sabe-se que foi um ou mais dos agentes que intervieram na cirurgia.
No plano do juízo normativo de causalidade, que compete a este Supremo Tribunal, há que ter em conta que os RR. alegam não ter sido feita prova do nexo causal entre a cirurgia e os danos sofridos pela A., designadamente por não bastar, para o efeito, utilizar o critério da causalidade adequada na sua formulação negativa.
Recorrendo-se à teoria da causalidade adequada, aceite pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., por exemplo, os acórdãos de 25 de Novembro de 2010, proc. nº 896/06.2TBPVR.P1.S1, de 15 de Novembro de 2007, cit., e de 1 de Julho de 2010, cit., todos em www.dgsi.pt) na interpretação do art. 563º do CC, “É necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (Almeida Costa. Direito das Obrigações. 2009, pág. 763).
[76] Cfr. a este propósito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos. “(…)“Nexo de causalidade: A teoria da causalidade adequada, recebida no art. 563.º do C.C., comporta dois momentos. Num primeiro momento, um nexo naturalístico, consistente na existência de um facto condicionante de um dano, para que haja reparação desse dano sofrido. Ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, impõe-se um segundo momento, um nexo de adequação, isto é, que o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano. Enquanto o nexo naturalístico constitui matéria de facto, cujo apuramento incumbe às instâncias, já o nexo de adequação envolve matéria de direito, de que é lícito ao Supremo conhecer.”
[77] No mesmo sentido da jurisprudência portuguesa segue a jurisprudência do mais alto Tribunal espanhol, como o atesta a sentença do Tribunal Supremo, de 24 de Maio de 2004, citada por Fernando Reglero Campos, pág 727-728, onde se faz a destrinça entre o aspecto puramente fáctico e a dimensão jurídica que engolfa a questão do nexo de causalidade. Refere esta sentença que: “o juízo de causalidade “jurídica” se visualiza em duas sequências, a primeira das quais faz referência à causalidade material ou física, que se apresenta no processo como um problema eminentemente fáctico, e, por ende, como thema probandi, alheia aos preceitos substantivos como os artigos 1902 y 1903 do CC que servem de fundamento de cassação “casacional” motivado, pelo que somente mediante denúncia de erro na valoração probatória na forma adequada cabe uma verificação deste recurso. A segunda sequência – esta sim controlável em sede de cassação – faz referência ao juízo sobre a adequação ou eficiência da causa física ou material para gerar o nexo com o resultado danoso, cuja indemnização se pretende na demanda.” Para mais desenvolvimentos sobre as diversas teorias que informam esta problemática veja-se o Autor citado, na obra que vimos citando, a páginas           
[78] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 196.
[79] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in op. loc. cit., pgs. 33 e sgs.
[80] Constitui jurisprudência e doutrina assente que a lei – cfr. artigo 563.º do Código Civil – consagrou a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, “para que um dano possa ser imputado, causalmente ao agente, o único que se exige é que o nexo causal não haja sido interrompido pela interferência de outra serie causal alheia à anterior.” – cfr. Fernando Reglero Campos, in op. loc. cit. pág. 733. 
[81] Na formulação de Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Bosch, Barcelona, 2008, pag. 415, “(…) nem todos os acontecimentos que precedem um dano (sendo, por assim dizer, as causas da sua produção) têm a mesma relevância. O dano tem de se associar aquele antecedente que, segundo o curso normal dos acontecimentos, tenha sido a sua causa directa e imediata. Todos os demais são periféricos e, portanto, irrelevantes para efeitos de atribuição da responsabilidade. Por isso, uma pessoa responde pelo dano produzido só no caso de que a sua conduta culposa tenha tido esse carácter de causa adequada ou causa normalmente geradora do resultado.” Segundo este tratadista ocorre uma tendência doutrinal de matizar esta doutrina, privilegiando uma imputação subjectiva ou uma imputação objectiva. De acordo com esta última doutrina, constituem-se critérios excludentes da imputação objectiva: 1.º - o risco geral da vida; 2.º - a proibição de regresso (segundo o qual não deve imputar-se objectivamente a quem pôs em marcha um curso normal que conduz a um resultado danoso, quando neste intervém, supervenientemente, a conduta dolosa ou gravemente imprudente de um terceiro; 3.º - o critério da provocação; 4.º - o fim da protecção da norma (não podem ser objectivamente imputados à conduta do autor aqueles resultados danosos que caiam fora do âmbito da finalidade da protecção da norma sobre a qual pretenda fundamentar-se a responsabilidade do demandado; 5.º - o critério denominado do incremento do risco ou da conduta alternativa (não pode imputar-se uma determinada conduta um concreto evento danoso, se, suprimida idealmente aquela conduta, o evento danoso na sua configuração totalmente concreta se tivesse produzido também, com segurança ou probabilidade razoável em certeza, e se a conduta não incrementou o risco de que se haja produzido o evento danoso); 6.º - as supostas competências da vitima (se na configuração concreta de um contacto social, o controle da situação corresponde à vitima, é a ela a quem devam imputar-se as consequências lesivas e não ao comportamento do autor imediato).          
[82] “Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que este Supremo pode conhecer, por ser questão de direito. (Ac. S.T.J. de 11-5-2000, Bol. 497-350; Ac. S.T.J. de 30-11-2000, Col. Ac. S.T.J., VIII, 3º, 150; Ac. S.T.J. de 21-6-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 2º, 127; Ac. S.T.J. de 15-1-2002, Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 36)” – Cfr. Ac. do STJ de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos.
Escreveu-se, a propósito da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15-03-2012, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, consagrada pelo artigo 563º, do CC, segundo a qual um facto é causal de um dano quando é um de entre as várias condições sem as quais aquele se não teria produzido.
É que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 429 e 641.
Para que possa reclamar-se o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o acto seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável – cfr. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 409 -, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária – cfr. Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ nº 84, nº 5, 29.     
[83] Cfr. Manuel Carneiro Frada, Direito Civil. Responsabilidade Civil. O Método do Caso. Almedina, 2010, (Reimpressão), p. 100.
[84] cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 23 a 26.    
[85] Quanto à necessidade de distinção entre imputação objectiva e relação causal (numa perspectiva jurídico-penal), veja-se Fernando Reglero Campos, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Parte General, Thomson-Arandazi, 2008, Cizur Menor (Navarra), pags. 730 e 731.
[86] Numa perspectiva mais actualista, Fernando Reglero Santos, in op. loc. cit. pags. 721 a 780, refere que para que uma conduta se possa imputar, ou ser causal de um evento danoso, “é suficiente que o prejuízo se haja produzido dentro de um determinado âmbito, o da aplicação da norma especial, para que seja imputável ao sujeito por ela designado, ou ainda que o tenha sido no seio de uma determinada actividade para que a imputação possa ser dirigida contra quem resulte ser o seu titular.” “A determinação de se uma conduta ou actividade se integra na etiologia do facto danoso não constitui tanto um fenómeno que possa ser ubicado dentro de certos critérios axiomáticos ou jurídico-dogmáticos, enquanto uma questão de direito que deva ser resolvida pelo juiz atendendo mais do que a elementos empíricos a critérios puramente subjectivos dirigidos, no caso concreto, à consecução de um resultado justo e equitativo.” (tradução nossa).     
[87] cfr. Fernando Reglero Santos, op. loc. cit. pág. 726.
[88] “El remédio indemnizatório en el derecho español de daños”, Pablo Salvador Coderch; Carlos Gómez Ligüerre; Sonia Ramos Gonzalez; Antoni Rubi Puig; e Alvaro Luna Yerga.
[89]O dano da morte é não patrimonial (…). Segundo a formulação negativa (…) estão incluídas nesta categoria todos aqueles que não atingem bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua natureza patrimonial. De entre os danos não patrimoniais são de destacar os resultantes de ofensas aos direitos de personalidade, das quais resultam normalmente sofrimentos físicos e morais (dor, emoção, vergonha, perturbação psíquica, etc.)” – Diogo Leite Campos, A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, 251 
[90] A partir do mencionado assento ficou estabelecido que os danos (não patrimoniais) indemnizáveis eram: o dano da perda de vida; o dano sofrido pelos familiares da vítima; e o dano sofrido pelo lesado antes de morrer.   
[91] O acórdão dá nota de que ocorria uma oposição entre o decidido no assento citado e o acórdão de 12 de Fevereiro de 1969, que havia merecido anotação desfavorável do Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 172,  
[92] Cfr. Diogo Leite Campos, A indemnização do Dano da Morte, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 24; A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, maxime págs. 261 a 297. “A defesa da personalidade jurídica exige uma apertada tutela do direito à vida. Esta tutela acarreta a obrigação de indemnizar pela sua lesão. O respectivo direito deverá ser, na ordem natural das coisas, adquirido pelo próprio lesado. E porque não mesmo depois da morte? É mais um caso em que a protecção a um direito de personalidade se prolonga para depois da morte, sem o que aquela perderia parte da sua consistência prática.
Ficamos, pois, com dois instrumentos técnico-jurídicos de compreensão do fenómeno de aquisição pelo «de cujus» do direito à indemnização pela própria morte e respectiva transmissão «mortis causa».” – cfr. págs. 296-297.      
[93] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Setembro de 2013, relatado pelo Conselheiro Mário Mendes e disponível em www.dgsi.pt.
[94] Cfr. ainda Acórdão do STJ nº 585/05. 0TASTR.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges.
[95] Cfr. Andreia Marisa Rodrigues, Análise jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014 (Sob a orientação da ora Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo).

[96] Cfr. no sentido de que se trata de um direito iure proprio, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão de 16-06-2005, proferido no Processo nº 1612/05, relatado pelo Conselheiro Neves Ribeiro “o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em consequência de acidente de viação, cabe, em conjunto, e pela precedência indicada no art. 496,2 do CC, às pessoas que, também nesta disposição, se mencionam. Mas não se trata de um direito sucessório relativo a danos provocados por lesão da personalidade do falecido, não revestindo um chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo o art. 2024º do CC, não havendo assim, por conseguinte, lugar à repartição da indemnização, como se uma herança se tratasse”; e o acórdão deste mesmo Tribunal de 24-05-2007, Processo nº 1359/07, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho, em que se doutrina que: “a indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no n.º 2 do art. 496º do CC, por direito próprio. Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art. 496º; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Do teor literal do n.º 2 do art. 496º do CC, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido ().”
[97] Disponível em www.dgsi.pt.
[98] Cfr. por todos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Vol. I, ps. 572-578. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (p. 576)   
[99] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no Processo nº 07ª1187. Vejam-se ainda a título meramente exemplificativo os acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2004, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida e de 9-10-2004, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, no Processo 2897/2004. 
[100] Cfr, o que adrede (utilização dos critérios de equidade) se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.03.2018, proferido no processo nº 773/07.0TBALR.E1.S1, relatado pela Conselheira Graça Trigo.
“(…) acompanhando-se, essencialmente, os termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão):
- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;
 (…) - “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»;
- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
[101] Segundo Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, 9ª ed., Vol. I, pág. 630, tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
[102] Na redacção vigente à data dos factos, lembrando que foi recentemente alterado com o art. 3º da Lei nº 23/10 de 30/08.
[103] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 501.
[104] Na RLJ, Ano 113º, pág. 104.
[105] Cfr. no mesmo sentido, os Acs. de 5/11/09, Proc. nº nº 381-2002-S1, 16/12/10, Proc. nº 270/06.0TBLSD.P1.S, e de 20/10/11, Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, no IGFEJ.