Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA TESTEMUNHA | ||
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Data do Acordão: | 07/13/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – FACTOS / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / CAUSAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE E A CULPA – PARTE ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A HONRA / CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA / MEIOS DE PROVA – RECURSO / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO UNITÁRIA. | ||
Doutrina: | -Alejandro Pablo Serrano, Los Delitos contra el Honor en el Derecho Penal Español y en el Derecho Comparado, Tese de Doutoramento, Universidade de Valladolid, 361 a 365, 366, 367, 368, 372, 375, 381, 382; -António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes, O Direito à Honra e Sua Tutela Penal, Coimbra, 1996, Almedina, 62 e 63, nota 94; -Augusto Silva Dias, Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação cit., A.A.F.D.L., 1989, 35 e ss.; -Beleza dos Santos, RLJ 92º, n.º 3152, 165, 166, 167 e 168; -Braum, KritV, Dez, 1995, 391 e ss.; -Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, Tiranto lo Blanch, Valência, 2005, 2.ª Edición, Tomo I, 207, 859 e ss., 865, 869 e 904; -Carmona Salgado, Calumnias, Injurias y Otros atentados al Honor, 2012; -Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, 177 e ss., 232 a 240, 292 e 293; -Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, 603, 606, 612, 27; -Ferrando Mantovani, Diritto Penale, diritto contro la persona, CEDAM, Padova, 2.ª Edição, 186, 189, 191 a 194, 254, 260, 263 e 264; -Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal Português, RLJ, 115, 105, 106, 133 e ss.; -Francisco Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, Tirant lo Blanch, Valência, 2001, 272; -Gianrico Carofiglio, El Arte de la Duda, Marcial Pons, 2010; -Iolanda Rodrigues Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, 242 a 251; -Javier Boix Reig, Derecho Penal, Parte Especial, Volume I, iustel, 2016, Madrid, 569 a 571 e 574; -João Branquinho e Desidério Murcho, Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, 461 e ss.; -Leal. Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2.º Volume, 2.ª Edição, 317; -Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 8.ª Edição, 1995, 657; -Medina de Seiça, Comentário, 467, 22; -Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, 4.ª Edição, 2011, Madrid, 479 e 480 ; La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, 268 e 269 ; Simplemente la Verdad. El Juez y la construción de los hechos, Marcial Pons, Madrid, Madrid, 2010, 232 a 234; -Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, Volume I, Coimbra, 2011, Almedina, 341, 342, 355 e 356; -Paolo Tonini, La Prova Penale, Quarta edizione, CEDAM, 2000, Verona, 29, 30, 35 ; Manuale di Procedura Penale, Giuffrè Editore, 2008, 204, 206, 208, 252 e 255; -Rabindranath V.A. Capelo de Sousa, O Direito Geral De Personalidade, 301 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 13.º, 14.º, 31.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS B), C) E D), 34.º, 180.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B), 181.º E 360.º, N.º 2. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 124.º, N.º 2, 127.º, 128.º, N.º 1, 129.º, 130.º, N.º 2, ALÍNEA A), 132.º, N.º 1, ALÍNEA D) E 410.º, N.º 2, ALÍNEA C. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 26.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - PROCESSO N.º 1748/02; - DE 01-07-1987, IN BMJ N.º 369, 593; - DE 01-10-1997, PROCESSO N.º 8/97; - DE 22-10-1997, PROCESSO N.º 612/97; - DE 27-11-1997, PROCESSO N.º 1127/96; - DE 04-12-1997, PROCESSO N.º 1018/97; - DE 20-01-1998, PROCESSO N.º 690/97; - DE 14-06-1998, PROCESSO N.º 725/98; - DE 28-10-1998, PROCESSO N.º 1098/98; - DE 02-12-1999, PROCESSO N.º 1046/98; - DE 14-03-2002, PROCESSO N.º 3261/01; - DE 18-03-2004, PROCESSO N.º 3566/03; - DE 09-02-2005, IN WWW.STJ.PT; - DE 21-04-2005, PROCESSO N.º 756/05; - DE 28-09-2005, IN CJ, Nº185, ANO XXX, TOMO IV, 2005, 45; - DE 28-06-2006, PROCESSO N.º 2315/06, IN WWW.DGSI.PT; - DE 11-07-2007, IN WWW.DGSI.PT; - DE 30-04-2008, PROCESSO N.º 4817/07-5, IN WWW.DGSI.PT; - DE 18-11-2008, PROCESSO N.º 08B3227, IN WWW.DGSI.PT; - DE 18-11-2008, PROCESSO N.º 08A2680, IN WWW.DGSI.PT; - DE 14-01-2009; - DE 21-10-2009; - DE 27-10-2010; - DE 26-01-2011, PROCESSO N.º 417/09.5YRPT, R.S2; - DE 23-02-2011, IN WWW.DGSI.PT; - DE 07-04-2011; - DE 09-04-2015; - DE 09-04-2015, PROCESSO N.º 5/13.1TRGMR.S1; - DE 18-05-2016. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: - PROCESSO N.º 1467/04-1; - DE 11-10-2004, PROCESSO N.º 1205/04-1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 18-05-1988, IN CJ ANO XIII, TOMO III, 180; - DE 03-10-1990, IN CJ, TOMO IV, 171; - DE 21-09-1994, IN CJ, TOMO IV, 231; - DE 06-02-1996, IN CJ, TOMO I, 156; - DE 06-04-2005, PROCESSO N.º 665/2005-3, IN WWW.DGSI.PT; - DE 23-06-2008, PROCESSO N.º 10422/2005-9; - DE 16-07-2008, PROCESSO N.º 9613/2007-3; - DE 26-03-2009, PROCESSO N.º 7277/2008-9; -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 15-03-1989, IN CJ ANO XIV, TOMO II, 84; - DE 24-09-2003, PROCESSO N.º 698/03; - DE 24-09-2004, IN WWW.DGSI.PT; - DE 22-02-2006, PROCESSO N.º 4235/05; - DE 03-03-2010, PROCESSO N.º 828/07.0TACTB.C1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 24-10-1984, IN CJ, TOMO IV, 251; - DE 11-06-1996, IN BMJ 358.º, 606; - DE 17-05-2000, PROCESSO N.º 0010244; - DE 27-11-2002, PROCESSO N.º 0240256, INWWW.DGSI.PT; - DE 21-03-2007, PROCESSO N.º 0616761; - DE 27-06-2012, PROCESSO N.º 17/08.7GBPRT.P1; - DE 22-04-2015, PROCESSO N.º 9459/12.2TAVNG.P1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: - DE 11-10-1994, IN BMJ 440.º, 569. | ||
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Sumário : | I - Sendo a honra uma projecção, na consciência social, de certos valores pessoais, não ocorrerá um comportamento ofensivo quando se divulgam factos verdadeiros ou notórios, desde que não representem, na sua formulação e concretas circunstâncias um flagrante desrespeito pela intimidade e estreito circulo pessoal que a qualquer individuo é devido e que socialmente lhe deve ser reservado. II - Já a manifestação de juízos sobre acções e comportamentos de outrem, mesmo que assente sobre factos verdadeiros, só será lícita no seu próprio conteúdo quando não briguem com as regras de adequação social e do risco permitido. III - Por outro lado, os actos atentatórios da honra, para além de deverem ser aferidos face a padrões de sensibilidade média de um “bonus pater famílias” só revestirão o cunho de ofensa quando atinjam um mínimo de censura juspenalista. IV - Ao nível do tipo subjectivo do ilícito de difamação, é pacífico na jurisprudência e na doutrina não ser necessário que o agente tenha procedido com “animus injuriandi vel diffamandi” ou dolo específico, bastando o dolo genérico traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são de molde a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada. V - É, pois, suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor, cujo significado ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer, e isto em qualquer das modalidades do dolo previstas no art.º 14.º, do CP, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminadoras respectivas. VI - A arguida ao formular juízos de valor acerca das qualidades e competências pessoais da assistente - que tinha hábitos de vida nocturna; seria adicta ao consumo de bebidas alcoólicas; não seria um exemplo de boa mãe; e era uma pessoa manipuladora - terá mermado e depreciado a consideração que socialmente é devida a uma pessoa que tivesse constituído uma família e mantivesse um relacionamento social estabelecido num concreto circulo societário, sendo os juízos formulados, objectivamente, susceptíveis de integrar a materialidade típica contido no art. 180.º do CP. VII - No plano da intenção, ou da denotação subjectiva, colocada e assumida na imputação valorativa e factual em que a arguida se expressa, afigura-se-nos não poder deixar de se estimar que a mesma não devia desconhecer que, dirigindo-as àquela pessoa em concreto, seria susceptível de a menorizar socialmente e a afectar na sua auto-estima e auto-consideração pessoal. VIII - Para efeitos de causa de exculpação do crime de difamação, não é viável - ou resultaria sempre de extrema dificuldade (argumentativa) - a demonstração da verdade relativa a juízos de valor expressos pela arguida acerca do modo de ser, estar e comportar-se da assistente, não resultando que tais juízos possam ser objecto de refutação ou de demonstração veraz. IX - Não ocorre erro notório na apreciação da prova se o raciocínio que conduziu à decisão se mostra inconcusso e atinado a um razoar lógico dedutivo e condizente com as regras de experiência comum. X - Estas qualificações ou juízos formados pela arguida - certamente por factos e situações que lhe hajam sido referidas por outrem - não cabem dentro de um depoimento (directo ou indirecto) de uma testemunha sobre factos no âmbito de um inquérito. A arguida emitiu e expressou opiniões, qualificativas pessoais, de índole social, ética e moral, que não cabem da realidade factual que haja percebido directamente ou que lhe tenha sido transmitida por outrem. XI - O depoimento da arguida é exorbitante, extravasa e excede o que era exigível a uma testemunha que foi chamada a depor num inquérito onde o arguido era indiciado pelo que havia declarado (de forma supostamente inverídica e desfasada da realidade factual) num outro julgamento, onde estaria em causa explicar as razões por que o arguido no dito inquérito tinha declarado de forma não correspondente com a realidade e não os hábitos e forma de comportamento que a assistente assumia na vida social e/ou familiar e conjugal. XII - Era-lhe exigível e tinha por obrigação, pessoal e processual, depor sobre as razões do proceder de uma pessoa e não sobre as qualidade e modos de ser, agir e comportar de outra pessoa, ainda que esta tivesse sido a participante dos factos sobre que tinha que depor. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. – RELATÓRIO. Desavinda com a decisão instrutória que, tendo considerado existirem elementos, objectivos e subjectivo, da prática, em autoria material de um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal, recorre a arguida, AA, tendo condensado a fundamentação dissidente com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. “I. Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, nº 1 do CP, decisão essa com a qual a ora recorrente não se conforma por inexistirem indícios suficientes da prática do crime; por erro notório na apreciação da prova; por não se atender às circunstâncias da alegada prática do crime, que sempre conduziriam a uma exclusão da ilicitude. II. Entende o tribunal a quo que as afirmações produzidas pela arguida no âmbito de um processo de inquérito, como testemunha arrolada pelo arguido, Dr. BB, nomeadamente, «a “fama da denunciante CC como pessoa desonesta, perigosa, de via nocturna e álcool e extremamente manipuladora»; «a denunciante já não era propriamente um exemplo de mãe, pela sua atitude para com a filha mais velha»; «como pessoa extremamente manipuladora que é», são “perfeitamente desnecessárias, ofensivos da honra e consideração da assistente, foram antes proferidas pela arguida a despropósito, com o objectivo claro de denegrir a imagem e a credibilidade da assistente, com o fim único de, assim, privilegiar o arguido Dr. BB, seu amigo e confidente”. III. O objectivo, na instrução, é apurar se há indícios suficientes que permitam criar uma convicção ao julgador de se terem verificado pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, conforme dispõe o artigo 308º, nº 1 do C.P.P., ou seja, como explica o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16/07/2008, disponível em www.dgsi.pt “nesta fase, o que se impõe apurar é se os elementos probatórios trazidos aos autos, analisados criticamente, permitem formular um juízo de culpabilidade. Trata-se, no fundo, de uma antecipação do juízo a formular em sede de julgamento, donde, se os indícios já nesta fase não revelarem uma probabilidade mais positiva de condenação, o arguido não será pronunciado”. IV. Tal resulta da óptica de protecção da arguida e defesa da sua dignidade, sendo que ao abrigo de uma teoria que diminua o alcance de indícios suficientes, sempre se levará o arguido à continuidade de um processo, sem mais exigências, ou seja, “esta é […] a orientação correcta na apreciação da “indiciação suficiente” na medida em que a sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final conclua pela absolvição, é sempre um incómodo, se não um vexame, não se livrando o arguido do “calvário” do processo perante um tribunal e a comunidade”. V. Foram considerados como meios de prova no âmbito da instrução, além das declarações da assistente, as certidões juntas aos autos a fls. 15 a 17 (depoimento prestado pela arguida na qualidade de testemunha, no âmbito do referido inquérito nº 563/14.3TABRG); a fls. 61 a 70 (participação da ora assistente CC contra o Sr juiz Dr. BB, seu ex-companheiro, por ter prestado falsas declarações quando depôs como testemunha no âmbito do Proc. nº 3606/12.1TBBRG, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga); e fls. 236 a 247 (acusação do Ministério Público o juiz BB, imputando-lhe a prática de “um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360º, nº 1 e nº 3 do Código Penal”, no âmbito daquele inquérito nº 563/14.3TABRG, em 19 de Outubro de 2015). VI. Ora, não é perceptível como é suficiente esta prova para o Mº JIC dar como provada a intenção da arguida, a prática voluntária e a intencionalidade de prejudicar a assistente e ainda favorecer o Dr. BB. VII. O tribunal a quo consegue convencer-se de que a arguida não é instada a pronunciar-se sobre “a reprodução/verbalização desses rumores/confidências sobre o carácter da assistente e o seu comportamento enquanto companheira do Dr. BB”, ao contrário do MP “ a arguida limitou-se, assim, a responder às perguntas formuladas pela Exma. Procuradora, com a única finalidade de servir o bem fundamental da Justiça, cumprindo o seu dever como testemunha”. VIII. Esta convicção passa somente pelas declarações da arguida, enquanto testemunha no inquérito nº 563/14.3TABRG, não se tendo em conta as declarações prestadas pela arguida, no presente processo (inquérito e instrução), sendo que o tribunal a quo não tem sequer em conta o parecer do MP, elemento norteador e fundamental no processo-crime, que cria uma convicção no final do inquérito de falta de indícios da prática do crime de difamação e que “ atento o contexto em que as expressões em causa foram proferidas pela arguida, ou seja, quando foi inquirida como testemunha no âmbito do inquérito nº 563/14.3TABRG, e foi instada a pronunciar-se sobre o que pensava da queixa que dera origem àquele inquérito, apresentada pela ora assistente”. IX. Se assim fosse não deveria haver indícios claros e inequívocos, não deveriam constar dos autos particularidades do discurso da arguida que denunciasse que procurava acrescentar algo ou que pretendia exceder o questionado pela Exma. Procuradora? Nada disso se entende ou subentende do auto de declarações sendo que figuram somente expressões como “tanto quanto sabe” e “instada”. X. Aliás, se assim não fosse o próprio Mmº JIC ao longo dos actos instrutórios, nomeadamente do interrogatório à arguida e da inquirição das testemunhas, não teria inquirido, insistido e perguntado sobre pormenores dos rumores que se ouviam e das relações pessoais entre todos. XI. Refere ainda o Mmº JIC que a prova pessoal produzida pela arguida foi “claramente insuficiente”, sendo que “as testemunhas inquiridas ou nada sabiam de relevante para discussão da causa ou os seus depoimentos não merecem credibilidade porque vagos, imprecisos ou porque claramente tendenciosos”. Contudo, no que respeita às testemunhas da assistente, “referiram-se à inexistência de boatos ou rumores sobre a arguida e refutaram as qualidades desvaliosas que lhe haviam sido atribuídas pela arguida”. XII. Ou seja, qualquer pessoa que testemunhe, que refira as “qualidades desvaliosas” da assistente não merece crédito porque o seu testemunho é claramente tendencioso, mas obviamente o testemunho de qualquer pessoa arrolada pela assistente não o é! XIII. É demasiado sobrevalorizado o facto de a arguida ser magistrada para acrescer a sua responsabilidade e penalizá-la em máxima escala por todas as afirmações produzidas enquanto testemunha, sendo que esta deveria ser a premissa quando se arrasta a arguida neste processo, colocando em causa a sua dignidade como pessoa humana, vendo este processo ser escrutinado pela comunicação social e tendo de ouvir testemunhas da assistente e lendo na acusação da assistente, insinuações caluniosas, sendo pronunciada por um crime que, levando-a a julgamento, certamente lhe trará vergonha e desprestígio. XIV. Atendendo ao elemento objectivo deste tipo de crime, é entendido que a imputação de facto ou por meio de formulação de um juízo, ofensivos da honra e consideração de outrem terão de ser levadas a cabo dirigindo-se a terceiros, questionando-se se a Exma. Procuradora do Ministério Público, entidade perante a qual testemunhou a arguida pode ser considerado um terceiro, sendo que “o mesmo é seguramente um destinatário relativamente ao qual a testemunha tem a obrigação de responder a verdade sob pena de incorrer em responsabilidade criminal”. XV. Para haver lugar a preenchimento do elemento subjectivo de crime é necessário que seja doloso o cometimento, sendo que no crime de difamação basta que o agente tenha conhecimento que o seu comportamento possa lesar a honra de outrem, salvaguardando-se ainda que, só poderão então estar preenchidos os elementos atinentes à prática de um crime de difamação se a conduta do agente, do arguido, for voluntária, espontânea e alicerçada no seu livre arbítrio. XVI. Dispõe o artigo 31º do Código Penal, no nº 1 que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, explicitando na alínea c) do nº 2 que “ não é ilícito o facto praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade”, não se podendo simplesmente afastar esta consideração legal, com base no facto de se tratar de rumores ou reproduções do que nos foi transmitido, sendo que, quando questionada sobre os rumores que sabia, exactamente o que se falava, ou o que o Dr. Vítor lhe confidenciava, não iria certamente a arguida abster-se de responder. XVII. Não o fez no inquérito deste processo, como não o fez quando foi ouvida na instrução pelo Mº JIC, sendo que a arguida não presta declarações como magistrada, mas continua a valorizar e dignificar a profissão sem desautorizar os Colegas, respondendo com toda a verdade, sobre a “verdade do que lhe diziam e lhe transmitiam”, criando a convicção de que se a pergunta era feita a resposta seria necessária e mesmo porque recusando-se a fazê-lo incorreria na prática de um outro crime, crime de falso testemunho, conforme prevê o nº 2 do artigo 360º do Código Penal (crime pelo qual não foi pronunciada, sublinhe-se!). XVIII. Assim, a arguida a partir do momento em que presta juramento como testemunha e efectua o seu depoimento está obrigada a dizer a verdade, respondendo ao que lhe é questionado, independentemente de poder com o seu depoimento lesar um bem protegido não pode a testemunha recusar-se a depor ou a responder com verdade ao que lhe é questionado, pois “quem age no âmbito do cumprimento de um dever, estando obrigado a falar com verdade, mostra-se indiferente ao facto de as sus revelações poderem ou não atingir a honra e consideração do visado, pelo que, nestas circunstâncias está afastada a possibilidade do agente, ao imputar factos que em si são difamatórios, querer ferir ou atingir a honra e consideração do visado. Está assim afastado o dolo em qualquer das suas modalidades (artº 14º, do CP) e afastada a ilicitude da sua conduta por agir no cumprimento de um dever legal”. XIX. Conclui-se assim que “depondo a testemunha no cumprimento de um dever legal, mesmo que os factos imputados à pessoa visada sejam em si difamatórios, nunca lhe poderá ser imputado o crime de difamação”. XX. Pela conjugação do disposto nos artigos 31º, nº 2, alínea c) e 180º, nºs 1 e 2 do C.P. e art. 132º, nº 1, alínea d) do C.P.P só se pode retirar que a conduta da arguida não é ilícita, não se encontrando preenchidos os elementos típicos de um crime de difamação. XXI. Pelo exposto, terá que se concluir que não resultam assim suficientemente indiciados factos que permitem pronunciar a arguida pelo crime de difamação p. e p. pelo artº 180º do Código Penal, sendo que a recorrentes, enquanto testemunha, depôs ao abrigo e cumprimento de um dever legal o que consubstancia causa de exclusão de ilicitude ao abrigo do disposto no art. 31º, nº 2, al. c) do C.P., não sendo a sua conduta legalmente punível, devendo em consequência ser revogada a decisão recorrida e ser proferido despacho de não pronúncia.” “1. As expressões de que «conhecia já, também, a "fama" da denunciante CC, como pessoa desonesta, perigosa, de vida nocturna e álcool e extremamente manipuladora», de que «a denunciante já não era propriamente um exemplo de mãe, pela sua atitude para com a filha mais velha» e de que «como pessoa extremamente manipuladora que é» foram proferidas pela arguida quando prestou depoimento, como testemunha, no âmbito do inquérito n.º 563/14.3TABRG, que correu os seus termos nos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Guimarães. 2. Destas expressões apenas a de que a assistente tinha "fama" de "pessoa desonesta" é merecedora de tutela penal. 3. Acresce que o referido inquérito teve origem numa queixa apresentada pela assistente, em que esta acusava o seu ex-companheiro, juiz de direito, de ter prestado falsas declarações, quando foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo n.º 3606/12.1TBBRG da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga. 5. Assim, atento o contexto em que a arguida fez as referidas afirmações, não se mostra preenchida a tipicidade objectiva do crime de difamação do art. 180°, n. ° 1, do Cód. Penal. 6. Mesmo que se considere que as expressões mencionadas no douto despacho de pronúncia preenchem os elementos objectivos do crime de difamação, não contêm os autos indícios suficientes do elemento subjectivo, ou seja, do dolo, em qualquer das suas modalidades, directo, necessário ou eventual. 7. Com efeito, da prova carreada para os autos não resultam indícios suficientes de que a arguida tenha tecido os juízos em causa sobre a assistente para, de forma ilegítima, favorecer o Senhor Juiz denunciado, pessoa de quem era amiga, apesar de estar consciente de que, por esta forma, ofendia a honra e a consideração daquela, 8. Já que que foi por não acreditar, face à opinião que tinha do mesmo, que este era capaz de cometer um crime de falsidade, de testemunho, conforme resulta do auto de inquirição, e porque tal lhe foi perguntado que a arguida fez sobre a assistente as apreciações em causa. 9. E as dúvidas que podiam surgir quanto à intenção com que a arguida actuou sempre teriam de ser resolvidas a seu favor, em obediência ao princípio in dubio pro reo, também aplicável nesta fase do processo. 10. Pelo que não se mostra suficientemente indiciado que a arguida quis ofender a honra e consideração da assistente, ou, sequer, que o tivesse previsto e se tivesse conformado com tal resultado (dolo eventual), não se mostrando preenchido o elemento subjectivo do crime de difamação do art. 180º, n.º 1, do Cód. Penal, por que foi pronunciada. Deve o recurso interposto pela arguida ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-se por outro que não pronuncie a arguida pela prática do crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, n.º 1, do Cód. Penal, que lhe havia sido imputado na acusação particular.” “1. Não assiste qualquer razão à recorrente, pois, atenta a prova constante dos autos, é manifesto que Exmo. Senhor Juiz de Instrução bem andou ao proferir o despacho de pronúncia no que se refere ao crime de difamação. 2. Da leitura do despacho de pronúncia, resulta que o tribunal formou a sua convicção com base em provas produzidas em sede de inquérito e instrução, apreciadas segundo as regras da experiência comum e livre convicção do tribunal, vinculada pelos princípios da legalidade probatória e do princípio do in dubio pro reo. 3. Inexiste qualquer fundamento para a recorrente alegar que há falta de clareza e profundidade na análise feita no âmbito deste processo e dos indícios considerados suficientes para pronunciar a arguida pela prática do crime de difamação. 4. Da leitura da decisão instrutória, resulta que a mesma é consequência de uma convicção pessoal, objetiva e motivada, pois, o Julgador foi claro e enunciou de forma racional, coerente, justa e fundamentada as suas motivações, fazendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formular a sua convicção. 5. O Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, além de ter procedido à análise critica do auto de declarações que deu origem ao presente processo, teve também em consideração as certidões extraídas do processo n.º 563/14.3TABRG, as declarações da assistente e da própria arguida, bem como, as declarações das testemunhas arroladas nos requerimentos de abertura de instrução. 6. É desprovida de qualquer sentido lógico, a alegação da recorrente segundo a qual o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal deveria ter tido em consideração o entendimento do Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público, pois, o juiz, tem plena autonomia e independência do órgão titular do inquérito, pois deve decidir de acordo com a interpretação que faz das provas constantes dos autos e da consequente aplicação do direito aos factos, sendo certo que, tal escrutínio à decisão de arquivamento ou acusação é essencial e nuclear no âmbito de um processo penal de um Estado de Direito democrático. 7. No processo de inquérito n.º 563/14.3TABRG, não há qualquer razão que justifique as expressões ou juízos reproduzidos pela recorrente, pois, os mesmos não tem qualquer ponto de conexão com o objeto daquele inquérito, já que, a qualificação da recorrida como pessoa com fama de desonesta, de vida noturna e álcool, extremamente manipuladora e má mãe, não se revelavam minimamente necessárias para aferir se o Dr. BB mentiu quando prestou depoimento acerca das capacidades mentais do pai da recorrida. 8. O tribunal “a quo” não sobrevalorizou em demasia o facto de a recorrente ser magistrada, pois, do douto despacho de pronúncia resulta apenas que tal circunstância foi tida em conta para analisar com maior minucia a sua atuação e a perceção que a mesma dela tinha, pois, não se pode esquecer que a sua qualidade profissional faz da recorrente uma testemunha particularmente qualificada, com conhecimentos técnicos e plena perceção das consequências que sua atuação poderia acarretar. 9. O artigo 180.º do Código Penal tutela o bem jurídico honra como um bem jurídico complexo, que integra quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação ou consideração exterior, sendo elementos objetivos do crime de difamação a imputação de um facto ofensivo da honra a outra pessoa, a formulação de um juízo ofensivo da honra de outra pessoa ou a reprodução daquela imputação ou deste juízo. 10. O crime de difamação está suficientemente indiciado, uma vez que, independentemente de qualquer que seja o conceito de honra e consideração que se perfilhe, é manifesto que, as afirmações/juízos em causa, no contexto em que foram proferidos, ou seja, fora do objeto daquele inquérito, têm um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, pelo que são objetivamente difamatórias. 11. A tese da recorrente segundo a qual a Exª Procuradora do Ministério Público que procedeu à inquirição da arguida no inquérito n.º 563/14.3TABRG não detém a qualidade de terceira a que se refere o n.º 1 do artigo 180.º do Código Penal, não pode merecer qualquer acolhimento, pois, caso assim fosse, independentemente do que dissesse, nenhuma testemunha ou interveniente processual poderia ser condenado pelo crime de difamação, pois, dirigindo-se ao tribunal, nunca haveria um terceiro, e consequentemente nunca estaria preenchido o tipo objetivo do referido crime. 12. Atento o contexto em que foram proferidas as afirmações da recorrente, pode afirmar-se que esta teve efetiva intenção de ofender a honra e a consideração da recorrida, na medida em que, os juízos por si reportados não tinham qualquer coincidência com o objeto do processo em que prestou depoimento enquanto testemunha, revelando-se indispensáveis ou irrelevantes para aferir da existência ou não de indícios da prática do crime de falsidade de testemunho de que o Dr. BB estava a ser investigado, não se vislumbrando, assim, qualquer razão para a recorrente, de boa-fé, proferir tais afirmações, senão com o único objetivo de ofender a honra e a consideração da recorrida. 13. A atuação da recorrente objetiva e subjetivamente difamatória não poderá ser considerada justificada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 32.º do Código Penal, pois, apesar de efetivamente a recorrente ter proferido tais afirmações no contexto de um depoimento prestado na qualidade de testemunha, estando, por isso, obrigada a responder com verdade às perguntas que lhe fossem feitas, a verdade é que, as referidas afirmações/juízos nada tinham que ver com o objeto da prova daquele processo, e, como é consabido, o dever de declarar só justifica a ofensa à honra e consideração se os factos constituírem objeto da prova, isto é, se forem juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido ou para a determinação da pena ou da medida de segurança. 14. Também não pode merecer qualquer acolhimento o entendimento da recorrente segundo o qual apenas se limitou a responder às perguntas que lhe foram formuladas, pois, sendo certo que, as afirmações e os juízos reportados pela recorrente não tinham qualquer conexão com o objeto da prova daquele processo, parece evidente que a Exma. Senhora Procuradora que procedeu à inquirição da recorrente não iria formular quaisquer 15. A recorrida entende que não assiste razão à recorrente, uma vez que, a douta decisão instrutória colocada em crise pela mesma, mostra-se plenamente acertada no elenco factual, na sua fundamentação e na correta aplicação do Direito aos factos. 16. Atenta a prova constante dos autos e da matéria de facto considerada indiciada - artigo 413.º n.º 4 do Código de Processo Penal - é possível concluir-se que existem indícios suficientes da prática do crime de difamação, pois, da simples leitura do auto de declarações que deu origem ao presente processo, analisado com recurso às regras da experiência e da lógica, sendo, por isso, manifesto que existem indícios suficientes para submeter a recorrente a julgamento. 17. Além das expressões proferidas pela recorrente serem objetiva e subjetivamente difamatórias – pois ofendem o bem jurídico honra e consideração e através delas é manifesto o dolo genérico, pois era de todo impossível não se prever que tais afirmações eram suscetíveis de lesar tal bem jurídico - a verdade é que, tal atuação não se poderá considerar justificada, já que, uma vez que os juízos reproduzidos nada tinham que ver com o objeto daquele processo de inquérito, parece-nos evidente que os mesmos não foram ditos pela recorrente em consequência das perguntas que lhe foram formulados, e, não acrescentando nada de relevante ao mesmo, poderá conclui-se igualmente que a recorrente teve como única intenção ofender a honra e a consideração da recorrida, pelo que se verificam os indícios suficientes para pronunciar a recorrente pelo crime previsto e punido pelo artigo 180.º do Código Penal. (…) deve ser negado provimento ao recurso apresentado pela recorrente, e, consequentemente ser confirmado o despacho de pronúncia (…).” Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Distinto Magistrado do Ministério Público, expende no seu parecer, que (sic): “2.1 – O presente recurso vem interposto, pela arguida AA, juíza de direito, da decisão instrutória proferida, no Tribunal da Relação de Guimarães, a fls. 70 e segs., que decidiu pronunciá-la, como autora material de 1 crime de difamação, da previsão do art. 180.º, n.º 1 do Código Penal, pela prática dos factos que lhe vinham imputados na acusação particular[1] deduzida pela assistente, CC, factos esses melhor descritos na respetiva decisão, sob os pontos 1. a 9. [fls. 93 a 95]. 2.2 – De acordo com a motivação oferecida, constante da peça processual exarada a fls. 97 e segs., e conclusivamente densificada nas 21 conclusões que da mesma extraiu a final, defende a recorrente que a factualidade que lhe vem imputada não preenche a factualidade típica do sobredito crime de difamação, tanto mais que, diz, as imputações que estão em causa foram por si proferidas no âmbito de um depoimento que prestou como testemunha no Inquérito n.º 563/14.3TABRG, razão pela qual pede a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra no sentido da sua não pronúncia. 2.3 – Nas respetivas respostas, a magistrada do Ministério Público junto da Relação de Guimarães, secundando a tese da recorrente, defendeu a procedência do recurso; enquanto a assistente se pronunciou por seu turno no sentido da confirmação do decidido, pugnando pois pela improcedência do mesmo recurso [fls. 117/124 e 126/142]. 3 – Do mérito: 3.1 – Antes de mais, e evidenciando desde já que não podemos, de todo, deixar de nos distanciar da tese da recorrente e, assim, também da posição da magistrada do MP junto da Relação, permitimo-nos antes dizer-se que as questões a dirimir vêm exaustivamente equacionadas e debatidas quer no despacho impugnado, que aqui inteiramente secundamos, quer também na própria resposta da assistente, pelo que qualquer mais desenvolvidas considerações em defesa do decidido redundariam em mera e desnecessária repetição. Sempre nos permitimos não obstante aditar ainda, “ex abundanti”, que, mesmo no quadro e contexto em que foram proferidas (depondo como testemunha em sede de Inquérito), as afirmações que estão em causa mais não traduzem do que meros juízos de valor, não se vislumbrando sequer que verdadeiramente sejam imputados factos à assistente. E como é sabido, e a recorrente, até pela sua qualidade profissional, não pode ignorá-lo e/ou desvalorizá-lo, o objeto do depoimento incide sobre factos. Com efeito, nos termos do art. 128.º, n.º 1 do CPP, «[a] testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituem objeto de prova». E nos termos do art. 130.º, n.º 2 do mesmo código, só pode manifestar as suas meras convicções pessoais ou expressar juízos de valor nos casos taxativamente indicados nas suas alíneas a), b) e c), a saber: a) Quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos; b) Quando tiver lugar em função de qualquer ciência, técnica ou arte; c) Quando ocorrer no estádio da determinação da sanção. Não sendo à partida convocáveis ao caso, aqui sem qualquer dissídio, as situações previstas nas alíneas b) e c), não será necessário qualquer esforço de argumentação para afastar igualmente a da alínea a), e isto pela simples e singela razão de que, de acordo com a disposição contida neste segmento normativo, a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação só é admissível quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos. Ora no caso em apreço, e também aqui sem qualquer dissídio, a testemunha, ora arguida, não depôs sobre factos, uma vez que deles não tinha sequer qualquer conhecimento, tendo-se antes limitado a expressar juízos de valor, também em nosso juízo claramente ofensivos da honra e consideração devida à assistente, o que manifesta e inexoravelmente se situa fora de qualquer quadro, ou contexto, que legalmente o permitisse. Os juízos de valor excedem os limites do depoimento e, por isso, o cumprimento do dever de prestar depoimento não pode justificar apreciações sobre o carácter da assistente que não pertencem, de todo, ao objeto do depoimento (e que, diga-se, uma criteriosa condução da diligência poderia até ter impedido que fossem produzidos). É de concluir portanto, em nosso juízo, que resulta da prova indiciária dos autos que a ora arguida, ao depor no sobredito Inquérito, na qualidade de testemunha, emitiu juízos de valor sobre o caráter da assistente, ofensivos da sua honra e consideração. E ao contrário do que vem também defendido pela arguida, com o apoio da magistrada do Ministério Público na Relação, para além de se mostrar assim preenchido o tipo objetivo de difamação, não pode igualmente deixar de ter-se por preenchido o tipo subjetivo (dolo, ao menos genérico) e da consciência da ilicitude, que indiciariamente se devem inferir dos juízos de valor por ela emitidos, com um conteúdo objetivamente ofensivo da honra e consideração da assistente. 3.2 – PELO EXPOSTO, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, emite-se parecer no sentido de que, na improcedência do recurso, é de confirmar, integralmente, a decisão impugnada.” I.b). – Questões a merecer apreciação/resolução. No pórtico das conclusões – cfr. item I. – a arguida/recorrente enuncia os temas por que discrepa e diverge do despacho que ditou a sua pronúncia como autora material de um crime de difamação, a saber: a) – Crime de Difamação. Elementos Constitutivos; b) – Inexistência de indícios (suficientes) que permitam imputar a prática do crime; c) – Erro notório na apreciação da prova; d) – Circunstancialismo em que ocorreu exteriorização das expressões proferidas pela arguida/recorrente, conducentes a uma exclusão da ilicitude. II. – FUNDAMENTAÇÃO. II.A. – ELEMENTOS PARA A DECISÃO. “Pronunciar a arguida AA pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º1 do Código Penal, porquanto indiciam suficientemente os autos que: 1. No âmbito do inquérito n.º 563/14.3TABRG, que correu os seus termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães, a ora assistente CC imputou ao Sr juiz Dr. BB, seu ex-companheiro, ter prestado falsas declarações quando depôs como testemunha no âmbito do Proc. n.º 3606/12.1TBBRG, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, relativamente às capacidades mentais do pai daquela (Engenheiro ...), quando outorgou um testamento em que a instituiu como única e universal herdeira da sua quota disponível, e relativamente ao conhecimento que tinha dos termos da escritura de cessão de quinhão hereditário celebrada entre a mesma e o seu irmão, CC, como tudo melhor consta da participação junta por certidão a fls. 61 a 70, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 2. No âmbito daquele inquérito n.º 563/14.3TABRG, em 19 de Outubro de 2015 o Ministério Público deduziu acusação contra o juiz BB, imputando-lhe a prática de “um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360.º, n.º1 e n.º 3 do Código Penal”, conforme certidão junta a fls. 236 a 247, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido 3.No dia 15 de Abril de 2015, a aqui arguida Dr.ª AA, juiz de direito, colocada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, prestou depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido inquérito n.º 563/14.3TABRG, conforme auto de inquirição junto por certidão a fls. 15 a 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 4.Conforme consta daquele auto de inquirição: «Depois de ter prestado juramento e de ter sido advertida que está obrigada a dizer toda a verdade e só a verdade sob pena de não o fazendo incorrer em crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias, à matéria dos autos disse: Trabalhou em Vila Nova de Famalicão como Procuradora-Adjunta, durante oito (8) anos, conhecendo aí o Dr. BB, de quem se tornou amiga e, inclusive, confidente. Por isso, acompanhou a relação dele com a denunciante CC. Em seu entender e conhecimento, o Dr. BB é uma pessoa de princípios e valores, correcta e extremamente inteligente. Sendo originária e residente em ..., a depoente conhecia já, também, "a fama" da denunciante CC, como pessoa desonesta, perigosa, de via nocturna e álcool e extremamente manipuladora. O Dr. BB só aguentou a relação entre eles até considerar que a filha menor, de ambos, tinha idade bastante para ele poder controlar, de fora, a sua evolução e educação e saber se era ou não sujeita a maus tratos. A propósito, a denunciante já não era propriamente um exemplo de mãe, pela sua atitude para com a filha mais velha, fruto de um anterior casamento, que acabou por ir viver com o pai, com quem ainda vive. Portanto, foi uma relação extremamente conflituosa, conturbada a que existiu entre ambos, sendo que o Dr. BB saiu algumas vezes de casa, mas acabava por regressar, sempre por causa da filha. Tanto quanto sabe, o Dr. BB apenas soube do testamento já este tinha sido outorgado. Aliás, este tinha todo o respeito pelo Engenheiro ..., pai da ... Alexandra, de cujo estado ele tinha perfeito conhecimento, por conviver diariamente com ele. Quanto à cessão de quinhão hereditário, a depoente só sabe que, na altura, a denunciante já se tinha aproximado com o irmão, com quem estava num relacionamento óptimo e o Dr. BB sempre pensou que tudo ía correr bem, não tendo ela quaisquer segundas intenções de não cumprir o que constava da respectiva escritura. Aliás, o Dr. BB sempre pensava que ela iria mudar. Foi o Dr. BB quem terminou a relação, estando convicto que ela buscou nele sobretudo posição social. Com a presente queixa, também não tem dúvidas que, como pessoa extremamente manipuladora que é, tem como único objectivo chateá-lo e prejudicá-lo, perseguindo-o. Instada, esclarece que acha que do ponto de vista do Dr. BB, o Engenheiro ... não estava em condições psíquicas de compreender e de entender, na data em que foi feito o testamento em causa nos autos. Era essa a sua convicção, a sua verdade e, do que conhece dele, sabe que ainda que ele estivesse contra ela, era incapaz de ir depor contra a verdade dos factos. Tanto quanto sabe, "houve" dois testamentos, sendo que o primeiro não estaria conforme com o que a CC pretendia, que por isso terá falado com o Dr. BB e alterado o testamento anterior, mas já sem o conhecimento dele. Foi também do conhecimento da depoente, logo na altura, que segundo o Dr. BB, o Engenheiro ... não tinha condições para outorgar aquele testamento. Pelo que sabe, o Dr. BB vive do seu ordenado como magistrado judicial e tem mais duas filhas do casamento anterior. Soube, também, que ele foi arrolado pela CC como sua testemunha, tanto em processos anteriores, como em processos posteriores à sua separação definitiva, contudo não consegue identificar esses processos. Sabe ainda, que o Dr. BB teve, posteriormente a essa separação definitiva, reuniões com a família dela, ou seja, o irmão dela, a namorada e um primo. Isto porque, primeiro tentou convencer a CC a cumprir para com o irmão e nos termos da cessão do quinhão hereditário, mas nada tendo conseguido, achou por bem esclarecer aqueles que não tinha tido intervenção neste resultado e qual era a sua posição pessoal. Esclarece, ainda, que o relacionamento do Dr. BB com o Engenheiro ..., pelo que se apercebeu, era muito bom, confiando este totalmente no Dr. BB. Está convencida que o Engenheiro ... não falou, previamente ao testamento, com o Dr. BB, mas num negócio normal teria falado com ele e pedido o seu conselho, o que em seu entender ocorreu, quanto ao testamento, porque o mesmo, o Engenheiro ... já não estaria em condições para o fazer» (negrito e sublinhados nossos). 5. A assistente e a arguida nunca se relacionaram, nem tão pouco foram apresentadas socialmente uma à outra. 6. Com o seu depoimento, a arguida quis influenciar a decisão, com o intuito de denegrir a imagem e credibilidade da assistente e assim favorecer o Dr. BB. 7. A arguida agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as expressões acima sublinhadas, que proferiu no decurso da sua inquirição referida em 3, eram susceptíveis de ofender a honra e consideração da assistente 8. Quis ofender a honra e consideração da assistente, 9. Sabia que a sua conduta era proibida por lei. II.B. – DE DIREITO. II.B.1. – Crime de Difamação. Elementos Constitutivos. O artigo 180º, nº 1 do Código Penal manda punir com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 120 dias “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ele um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.” Procurando definir o conceito de honra, o penalista italiano Ferrando Mantovani, na obra supra citada, p.254, refere que se trata de um conceito não naturalístico, mas normativo, “fazendo-se a referência não a realidade da natureza, mas a valores sócio-culturais, inferíveis ou dessumíveis do nosso ordenamento jurídico ou extrajudiciário”. Das duas concepções que reputa fundamentais: “1) a concepção assim chamada factual (psicológica ou sócio-psicológica) da honra como sentimento de valor próprio ou de outrem; 2) a concepção, assim chamada normativa da honra como valor do sujeito”, o autor, desemboca num conceito de honra que faz radicar a honra como “bem personalístico constitucionalmente orientado, isto é à luz do princípio personalístico desenhado e impresso na Constituição. Assim, a honra ancora o seu fundamento como direito inviolável do homem; trata-se de um atributo originário da pessoa humana como tal e enquanto tal, constituindo um valor intrínseco com a mesma força da própria dignidade da pessoa humana e, portanto, objectivamente tutelado; pertence inderrogavelmente a cada homem e sendo igual para todos, sem distinção de raça, sexo, religião, língua, de opinião politica, de condição pessoal e social: desde o início ao fim da vida; enquanto valor da pessoa humana é dado a manifestar-se e operar na conformidade com o conjunto dos valores constitucionalmente significativos e dos demais valores jurídicos ou socioculturais; assume-se funcionalmente como salvaguarda da dignidade da pessoa humana, vedando a qualquer sujeito, privado ou público, a expressão de um juízo de indignidade. [[2]] No acórdão por nós relatado, datado de 28 de Setembro de 2005, publicado na CJ; nº185, Ano XXX; Tomo IV/2005, p. 45 a propósito dos conceitos de honra e consideração, tivemos o ensejo de escrever «a honra concerne às qualidades (morais, intelectuais, físicas, psíquicas, etc.) caracterizadoras do valor da pessoa humana”. Cfr. Ferrando Mantovani, Diritto Penale, diritto contro la persona, CEDAM, Padova. Pág. 264. já a consideração de que uma pessoa é portadora se repercute no conceito socialmente adquirido quanto ao estar dessa pessoa num determinado meio sócio-histórico. Apresentando-se como valores ou bens jurídicos de pendor primacialmente personalísticos não deixam, porém, de ser categorias socialmente referenciáveis porquanto atinam com outros valores da pessoa humana como a dignidade, o respeito, o decoro, a autonomia e identidade pessoal, a autorepresentação, etc. Por isso aquele autor, numa superação de conceitos de honra, como sentimento próprio ou normativo como valor do sujeito, propõe um sentido personalístico e classifica-o como “bem personalístico constitucionalmente orientado”. Tendo também entre nós ganho foros de direito fundamental – cfr. art. 26º da Const. da Rep. Port. – o direito ao bom nome, à imagem, à dignidade, à identidade pessoal, à reserva da vida privada e da intimidade, não pode a violação desses direitos deixar de ser censurada e punida jurídico-penalmente». Daí que seja colocada em causa, em algumas correntes doutrinais, a autonomia da honra como bem jurídico constitucionalmente protegido. Isto porque enquanto a constituição protege e eleva à categoria de bem jurídico essencial e ôntico a vida, a dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão, por exemplo, em norma alguma se refere a honra com o mesmo bem especial e constitucionalmente protegido. A sua integração como bem constitucionalmente prevalente e fundamental vem assumido como contraposição e referência negativa com a liberdade de expressão, dado que a honra seria seria sempre o limite para a liberdade de expressão. [[3]] Tratando-se de um bem jurídico «imaterial» ou «ideal» Maurach referia que o bem jurídico «honra» “era o mais subtil, o mais difícil de apreender com as torpes luvas do Direito Penal e, por isso, o bem jurídico que goza da protecção menos eficaz do nosso sistema de direito penal.” [[4]] A determinação do conteúdo e/ou do recorte jurídico-material do bem jurídico teve na Alemanha uma primeira abordagem efectuada pelas denominadas teorias fácticas evoluindo depois para as «teorias normativas centradas no valor da pessoa humana» donde se terão aproximado das teorias do reconhecimento. De forma perfunctória e básica, as teorias fácticas centravam a análise do conteúdo e projecção cognitiva da honra a circunstâncias fácticas, da realidade social, do entorno, ou das circunstâncias psicológicas, do foro interno. (“Noutras palavras, algumas destas teorias põem a enfase no momento objectivo (elementos externos), outras fazem-no no momento objectivo (elementos internos) e, finalmente, há-as que atendem a ambos os momentos; seguindo, a classificação proposta por Schmidt estaríamos falando das teorias fáctico-psicológicas, as fáctico-subjectivas e as teorias fácticas compostas.”) [[5]] A teoria fáctica terá sido inicialmente rebatida por HIRSCH que “construiu o seu conceito normativo de honra a partir da “pretensão respeito” que deve ser observada e que pode ser violentada; e esta realidade pode ser directamente lesionável por declarações de terceiros. O ataque à honra não se dirige, portanto, contra o sentimento de honra ou a fama, mas sim contra o valor real de uma pessoa, seja este moral ou social,” [[6]] Já para Maurach, apoiante das teorias normativas, “(…) a honra estaria socialmente determinada (“sozialbedingt”) se consideramos que a injúria é um ataque contra a pretensão de respeito do valor social merecido, que encontra a sua razão de ser na dignidade da pessoa; seguindo este entendimento, a honra só diminui quando se atribui a outros defeitos ou deficiências mentais (“geistig Unzulänglichkeiten”) que neguem a condição da pessoa como membro plenamente válido (“vollgültiges Mitglied”) da sociedade.” [[7]] As teorias normativas, maioritariamente assumidas pela doutrina [[8]] viriam a ter como seu epígono AMELUNG para quem a chave da definição do bem jurídico honra residiria em: honra e comunicação. “Segundo o seu posicionamento (“planteamiento”), a honra é um requisito ou pressuposto prévio para a comunicação; é a capacidade de uma pessoa para satisfazer as suas expectativas normativas de ser considerado válido interlocutor num ambiente (“entorno”) comunicativo real ou potencial; do mesmo modo e em sentido inverso, a desonra estigmatiza o individuo e anula as suas possibilidades comunicativas com os demais.” Por um lado, no marco desta semântica com a comunicação tipicamente amelungiana, a honra guarda relação com a comunicação da pessoa com o seu foro interno, a comunicação consigo mesmo (“Kommunikation mit sich selbst”), a forma na qual a pessoa se vê a si mesma (“sich selbst in die Augen sehen”) quando cumpre com as exigências que se auto-impõe; quer dizer, a honra interna é a capacidade da pessoa de satisfazer as exigências auto-impostas ou as próprias expectativas (“Fähigkeit zur Erfüllung von eigenen Erwartuntgen”) e cujo cumprimento é um pressuposto paar que possa ser aceite por si mesmo; na medida em que é a capacidade de permanecer fiel às próprias expectativas e normas auto-impostas, a honra interna não pode ser lesionada por outras pessoas. Sobre esta base, qualidade do individuo na perspectiva dos demais para cumprir com as expectativas e normas auto-impostas (“Fähigkeit zur Erfüllung von Erwartuntgen”) constituiria fundamento pessoal da honra externa (“persönliche Grundlagen der äusseren Ehrw”) que definitivamente se adquire quando os demais imputam ou atribuem ao individuo a verdadeira capacidade para cumprir com as expectativas (“Unter stellung der Fahigkeit zur Efüllung von Erwartuntgen”). Quando o individuo não vê satisfeito o reconhecimento da sua legitima expectativa a ser aceite como um interlocutor no seu ambiente comunicativo em atenção à sua capacidade para cumprir com as expectativas, se lesiona a sua honra externa porquanto não se lhe confere, atribui ou reconhece a capacidade que se tem e que lhe corresponde.” [[9]/[10]] “As análises do conceito de honra soem começar com uma obviedade: o carácter relativo do mesmo, pois cada sociedade e em cada momento histórico se valoram de distinto modo os elementos inerentes ao mesmo e, por lógica, que expressões se consideram afrontosas e quais não. Da honra «calderiana» - própria de uma sociedade quase-estamental – a honra democrática, vai um abismo. No entanto, isso leva, justamente, a circunscrever a reflexão sobre o conceito de honra sob os parâmetros do Estado social e democrático de Direito que a Constituição consagra (…). Desbordando das doutrinas normativas – pela nivelação igualitária que conferem ao valor da honra – este Autor considera que há que fazer intervir no conceito de honra factores de ordem social, que conferem ao individuo uma dimensão societária. A não ser assim, refere-se, “o cientista a quem se acusara de «manipulador» não veria lesionada a sua honra porque nem todo o mundo é cientista. O mesmo ocorreria com o “albañil”, a quem se apodasse de «chapuzas» pois só quem pertence ao grémio se veria afectado. Por conseguinte, esse conceito «mínimo» de honra (vinculado à dignidade abstracta de todo o ser) deve enriquecer-se aditando-lhe outra série de notas que não têm que ver com a pessoa «abstracta» mas sim com a forma como se desenvolveu socialmente uma pessoa concreta.” [[11]] Não encontrando a honra guarida constitucional, como acontece com o direito à liberdade de informação e de expressão – direito que pode limitar e restringir o valor da honra, principalmente se o visado for uma pessoa com funções públicas – soe configurar e recortar o bem jurídico em que a honra se plasma e densifica numa dupla vertente. Esta “dupla vertente da honra protege-se juridicamente de distinta maneira, pois o aspecto intrínseco da pessoa (honra interna) tem uma protecção absoluta, enquanto que a honra externa só se protege na medida em que resulta preferente o valor da conformação da opinião pública, o que limita consideravelmente a sua valoração quando o sujeito afectado é uma personagem pública.” [[12]] Intentando identificar o bem jurídico [[13]] tutelado no crime de difamação, escreve Marcelo Psaro, in op. loc. cit., p. 8 e segs. que o bem jurídico protegido é a “dignità sociale”, “entendida esta como a estima difusa no ambiente social de todo e qualquer individuo, se bem que (seppure) em medida diferenciada, goza e que representa, por explicito reconhecimento constitucional, o fundamento do principio da igualdade”(tradução nossa). O conceito de honra para o Tribunal Supremo italiano afirma-se como sendo “a estima que cada homem difunde de si no ambiente em que vive, o conjunto de valores morais de um sujeito é portador na opinião dos outros”. [[14]] Situando as orientações teóricas que têm vindo a assumir relevo na delimitação do conceito de honra, penalista italiano Ferrando Mantovani, tal como o Professor Faria Costa, no comentário ao artigo 180º do Código Penal, começa por dar notícia da evolução que foi sofrendo o conceito até se fixar no conceito normativo-pessoal que hoje enforma quase todos os ordenamentos jurídico-penais. Assente dever ser referenciado como um conceito a relevar de uma dimensão “normativo” e não “naturalístico”, porquanto a referência deve ser feita “não a uma realidade natural, mas a valores sócio-culturais, dessumíveis do nosso ordenamento jurídico ou extra-juridico, os autores enveredavam, no entanto, por uma perspectiva factual ou normativa: “1) a concepção c.d. (cose detta) factual (psicológica e sócio-psicológica) da honra como sentimento do próprio ou de outros valores; 2) a concepção c.d. normativa do sujeito como valore do sujeito”[15]. “A concepção da honra numa perspectiva “normativa”, entende a honra não como dado factual, mas como valor da pessoa humana, enquanto aspecto dela própria, e que por isso prescinde da opinião favorável do sujeito ou de terceiro a respeito dele” [[16]]. Para uma superação dos inconvenientes das concepções sobreditas um determinante contributo foi dado com a subsunção de honra no sentido personalístico, como “bene personalistico constituzionalmente orientato”, isto é “à luz do princípio personalístico que “impronta” se imprime na nossa Constituição e da totalidade do nosso ordenamento”. Isto é, no sentido: 1) que a honra encontra fundamento, para além (oltre) da lei ordinária, também na Constituição, figurando entre os direitos invioláveis do homem; 2) que a honra é atributo originário da pessoa humana como tal e enquanto tal, constituindo um valor intrínseco dela própria em raiz da própria dignidade da pessoa humana e, portanto, tutelada objectivamente; 3) que a honra é “igual”, como é igual a dignidade, em todos os homens, pertencendo, inderrogávelmente, a cada homem e sendo igual para todos, sem distinção de raça, sexo, religião, língua, opinião politica, condição pessoal e social: do princípio ao fim da vida; 4) que o valor da pessoa humana, constituindo o conteúdo da honra, é dado a exteriorizar-se e a operar na própria conformidade de conjunto, e sobretudo, dos valores constitucionalmente significativos, para além de todos os demais valores jurídicos ou socioculturais, constitucionalmente não incompatíveis; 5) que a função da tutela da honra, é a de concorrer para a salvaguarda da “pari dignità” igualdade da pessoa humana, proibindo a qualquer sujeito, privado ou público, a expressão (directa ou mediante a atribuição de factos) de juízos de indignidade, isto é, contrastantes com os valores, no sentido supra precisados, da pessoa, e independentemente dos possíveis efeitos sobre o sujeito ofendido e sobre os demais associados; que a verdade não legitima, enquanto tal, alguma ofensa à honra, a qual enquanto atributo da personalidade enquanto tal, é tutelável, por principio, objectivamente e independentemente da falsidade ou da verdade do atribuído. Salvo as hipóteses, não incrimináveis, de prevalência, segundo o balanço dos interesses, com respeito aos bens da honra de outros interesses constitucionalmente relevantes (por ex., a liberdade de manifestação do pensamento) e nos rigorosos limites de tal prevalência (por ex.. constitui, com respeito a tal liberdade, para além da verdade dos factos, o interesse público-social dos próprios e da linguagem em si não ofensiva); 7) que a notoriedade dos factos ofensivos não exclui a ofensividade da sua atribuição, como se dessume do artigo 596º/1 (do Código Penal italiano)” – (a tradução é nossa) [[17]]. Na anotação que faz ao artigo 180.º do Código Penal, escreve o Prof. Faria Costa que o critério da ofensa à honra é dado pela alteração empiricamente comprovável de certos elementos de facto, quer de raiz psicológica, quer de índole social ou exterior. “[…] A honra subjectiva ou interior, que consistiria no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma – no fim de contas estaremos, aqui, mergulhados no domínio do “apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral” (BELEZA DOS SANTOS, RLJ 92º 168) ou, se se quiser, “o homem coloca-se perante si mesmo como objecto de percepção e de valoração, por força de um processo autónomo de objectivação, que constitui o instrumento apto à configuração de um quadro da própria personalidade de conteúdo variável, porquanto dependente da quantidade e do tipo da representação singular. Esta representação, que pode referir-se quer às manifestações externas da vida do homem, aos seus hábitos, à sua posição na vida social, quer às suas qualidades espirituais ou físicas, funde-se num quadro único, como consequência da percepção de si mesmo (Selbswahrnelmung) feita pelo sujeito” (Musco, Bene giuridico cit. 11). A honra objectiva ou exterior, equivalente à representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o mesmo é dizer, a consideração, o bom nome, a reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente» [[19]]. “Difamar e injuriar mais não é basicamente [do] que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública” – cfr. Ac. Rel. de Guimarães, Proc. 1467/04-1, que cita o Ac. Rel Lisboa de 6.2.96, CJ, 1, 156, e este, por sua vez, cita o Cód. Penal Anotado de Leal. Henriques e Simas Santos (cfr. 2º Volume, 2ª edição, pág. 317). Porém, há já muito tempo que o Prof. Beleza dos Santos tinha escrito na RLJ, ano 92º, pág. 165 – e é actualmente entendimento unânime da Doutrina e Jurisprudência – que: “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível”. “Há pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem ou pensam os outros, que se consideram ofendidos por palavras ou actos que, para a generalidade das pessoas, não constituiriam ofensa alguma. Neste caso, não deve considerar-se existente qualquer difamação ou injúria.” (ibidem) “Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.” (ibidem) “Neste juízo Individual ou do público, acerca do que pode ser ofensivo da honra e da consideração, é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom-nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país, em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o serem outro lugar ou tempo.” (ibidem) “O direito criminal não pune por motivos unicamente individuais, mas pela projecção social dos crimes” (ibidem, pág. 166)» [[20]]. Para que o tipo de ilícito contido no artigo 180.º do Código Penal possa ser assacado a alguém torna-se necessário que as imputações fácticas e/ou juízos de valor depreciativos e desvaliosos para uma concreta pessoa hajam sido expressos com um sentido ou intenção de causar um efeito geral de menoscabo da pessoa visada. “A tutela penal do direito constitucional “ao bom-nome e reputação” – art. 26.º, n.º 1, da CRP –, é assegurada, em primeira linha, pelos arts. 180.º e 181.º do CP que, na descrição típica, utilizam a expressão “ofensivos da honra e consideração”, não se podendo prescindir de definir o conceito de “honra”; VI - A doutrina dominante adopta uma concepção dual da honra: esta é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. O que o bem jurídico protege é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua reputação no seio da comunidade; VII - Esta é a doutrina compatível com a nossa própria lei, já que o nosso ordenamento jurídico-penal, em consonância com a ordem constitucional, alarga o conceito da honra também à consideração ou reputação exteriores; VIII - A jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico “honra”, que o faça contrastar como o conceito de “consideração” ou com os conceitos jurídico-constitucionais de “bom-nome” e de “reputação”, nunca tendo tido entre nós aceitação a restrição da “honra” ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito puramente fáctico, quer – no outro extremo – estritamente normativo da honra. Por isso se pode concluir seguramente pela total congruência entre a tutela jurídico-penal e a protecção jurídico-constitucional dos valores da honra das pessoas – cf. Figueiredo Dias, RLJ, Ano 115.º, pág. 105; IX - Segundo o entendimento hoje dominante, os juízos de apreciação e valoração vertidos sobre realizações ou prestações, na medida em que não seja ultrapassado o âmbito da crítica objectiva, caem já fora da tipicidade de incriminações como a difamação – cf. Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, págs. 232 a 240; X - E no sentido da atipicidade da crítica objectiva afastam-se, hoje, as exigências de proporcionalidade e da necessidade objectiva, do bem-fundado ou da “verdade”, bem como o pressuposto do meio menos gravoso; XI -Ou seja, a tese da atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas. Por outro lado, o direito de crítica com este sentido não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas; XII - É hoje igualmente pacífico o entendimento que submete a actuação das instâncias públicas ao escrutínio do direito de crítica objectiva; XIII - São ainda de levar à conta da atipicidade os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do autor da obra ou prestação em exame: nesta linha, o crítico que estigmatizar uma acusação como “persecutória” ou “iníqua” pode igualmente assumir que o seu agente teve, naquele processo, uma conduta “persecutória” ou “iníqua” ou que ele foi, em concreto, “persecutório” ou “iníquo”. Aqui, está já presente uma irredutível afronta à exigência de consideração e respeito da pessoa, mas trata-se de sacrifício ainda coberto pela liberdade de crítica objectiva, não devendo ser levado à conta de lesão típica. XIV - Já o mesmo não se poderá sustentar para os juízos que atingem a honra e consideração pessoal perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Abril de 2015, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins. Para caracterização do crime de difamação escreveu-se no acórdão deste Supremo de Justiça, de 21 de Outubro de 2009, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, “Num breve excurso sobre o elemento objectivo do tipo legal previsto no art. 180.º do CP, dir-se-á que o bem jurídico protegido com a incriminação é a honra e a consideração de outra pessoa. Se a honra respeita mais a um juízo de si sobre si, a consideração reporta-se prevalentemente ao juízo dos outros sobre alguém. II - Por seu turno, o elemento subjectivo vem a traduzir-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei. III - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano. IV - O art. 180.º do CP contempla, no seu n.º 2, uma dirimente típica que resulta da conjugação de dois factores, constituindo o primeiro desses factores na circunstância de a imputação ter sido feita para realizar interesses legítimos. O outro requisito da dirimente prende-se com a prova da verdade dos factos. Ora, a al. b) do n.º 2 do art. 180.º do CP dá igual relevância à prova da verdade dos factos como ao fundamento sério para, em boa fé, reputar verdadeira a imputação desses mesmos factos. V - O dever de depor com verdade, em processo público, configura a “prossecução de um interesse legítimo”, do mesmo modo que, no caso destes autos, o dever de o juiz prestar uma informação que lhe foi solicitada, no âmbito de uma inspecção ao juízo do tribunal onde presta funções. VI - A doutrina e jurisprudência têm apontado, a propósito das exigências de necessidade e adequação que devem rodear a prossecução de um interesse legítimo, que o facto que estiver em causa, por um lado, deve ser divulgado do modo menos gravoso possível para o seu autor, e por outro, que não poderão ocasionar-se, com a divulgação, efeitos devastadores para a pessoa atingida, se o interesse a salvaguardar com a divulgação for insignificante ou pouco relevante. (…)” [[21]] Pedindo emprestado, data vénia, à decisão sob impugnação, a caracterização do elemento subjectivo necessário para a imputação ao agente o desvalor do resultado querido, diremos com ela (sic) “este tipo de crime, como crime de resultado e doloso que é, tem como elementos constitutivos, objectivamente, a acção adequada a produzir um resultado consubstanciado na ofensa à honra ou consideração de outrem, e, subjectivamente, o dolo, constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los - cfr. art. 13º e 14º do CP. Ou seja, quanto ao elemento subjectivo deste tipo de crime, cimentou-se agora a orientação de que basta o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas (cfr. art. 14.º do CP), para integrar o elemento subjectivo da infracção, i. é., não se exige especial propósito de ofender (animus injuriandi vel diffamandi), bastando a consciência por parte do agente de que a sua conduta é susceptível de produzir ofensa da honra e considerações alheias. Não é, portanto, exigível qualquer dolo dito específico ou especial. Nesse sentido, larga jurisprudência, maxime os acórdãos da RL de 18-5-88, in CJ, T3, p. 180, de 3-10-90, in CJ, T4, p. 171, e de 21-9-94, in CJ, T4, p. 231, da RE de 11-10-94, in BMJ 440.º/569, e da RP de 11-6-96, in BMJ 358.º/ 606 e de 24 –10-84, in CJ, T4, p. 251. Cfr., tb., Maia Gonçalves, in CP anotado, 8ª Ed. - 1995, p.657; Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal Português, RLJ, 115, p. 106 e 133 e ss., e, com várias referências, Simas Santos e Leal-Henriques, CP Anot., p. 317 e ss.)”. Na lição de Francisco Muñoz Conde para que se verifique o elemento subjectivo do crime “Es necesario que se tenga conciencia del caracter injurioso de la acción o expresión y yoluntad, pese a ello, de realizarla. Esta yoluntad se puede entender como una intención específica de injuriar, el llamado «animus iniuriandi». No basta, pues, com que la expresión sea objetivamente injuriosa y el sujeto lo sepa, sino que se requiere un ánimo especial de injuriar. Esta intención específica es un elemento subjetivo del injusto distinto del dolo y que trasciende a él. Su exigencia se desprende de la propia naturaleza del delito. En el fondo la injuria no es mas que una incitación al rechazo social de una persona, o un desprecio o vejación de la misma, lo que solo puede realizarse intencionalmente.” [[22]] Ajaezados com os ensinamentos que deixamos vertidos supra importa recensear os elementos de facto, ou circunstâncias, em que a situação enjuizada ocorreu. A arguida fora confidente do Senhor Juiz, BB, e na qualidade de testemunha prestou declarações no âmbito do inquérito n.º 563/14.3TABRG. No depoimento que prestou a arguida expressou e deixou consignadas as seguintes afirmações: (i) “sendo originária e residente em ... conhecia já, também, "a fama" da denunciante CC, como pessoa desonesta, perigosa, de via [[23]] nocturna e álcool e extremamente manipuladora”; que (ii) “a denunciante já não era propriamente um exemplo de mãe, pela sua atitude para com a filha mais velha (…)”; e que (…) “(…) não tem dúvidas que, como pessoa extremamente manipuladora que é, tem como único objectivo chateá-lo e prejudicá-lo, perseguindo-o”. – cfr. fls. 11 e 12. As expressões transcritas denotam, ou evidenciam, que: (i) a arguida, afirmou que conhecia a fama da assistente como pessoa de hábitos atinados com uma vivência nocturna; (ii) era desonesta; (iii) perigosa; (iv) que possuía hábitos, e/ou era adicta, à ingestão de bebidas alcoólicas; (v) que era uma pessoa manipuladora; (vi) que não podia ser apresentada como uma mãe donde se pudesse sacar um exemplo de como ser uma boa mãe; (vii) que é uma pessoa que manifesta tendência para manipular as outras pessoas. As imputações transcritas reverberam e patenteiam um juízo valorativo e apreciativo acerca das qualidades pessoais da assistente. Vêm associados à imputação valorativa juízos éticos, “pessoa desonesta”; aptidões pessoais “não ser um exemplo de mãe”; situações depreciativas no plano da vivência pessoal “pessoa de hábitos nocturnos e adicta, ou com hábitos de consumo de bebidas alcoólicas”; e finalmente que era uma pessoa manipuladora. Procurando um sentido de conteúdo socialmente significante e conotativo para cada uma das imputações que são adstritas à conduta e comportamentos, pessoal, social e ético da assistente, encontraríamos uma valoração negativa, no ambiente cultural em que nos inserimos e atinado com o ajuizamento ético-valorativo prevalente e sedimentado em determinados estratos sociais – que pensamos dever ser aquele em que se inerem, tanto a arguida como a assistente – que não é abonatório – e isso mesmo resulta de formulação denotativa com que a arguida expressa o seu juízo – que uma pessoa com responsabilidades familiares – como parece ser o caso da assistente quando vivia com o Juiz, BB – possua hábitos nocturnos. Ter hábitos nocturnos, é comummente entendido como crismando-se ou referenciando-se a pessoa como airada, de preocupações pessoais e/ou laborais distendidas, atreito à diversão, o que equivale a reduzida interiorização de seriedade e rigor nos assuntos correntes da vida e convivente com um mundo de diversão e descontracção pessoal e social. Já a conotação “desonesta” assume um significado socialmente multifacetado e polivalente. A desonestidade assacada a um individuo abarca, coenvolve e coopera com um amplexo de situações vivenciais e socialmente relevantes e que podem atinar com valências de modos de estar como a sexualidade – uma pessoa ligada a outrem por laços de conjugalidade pode, socialmente, ser acoimada de «desonesta» se lhe for imputada uma relação extraconjugal – como a actividade profissional – um individuo «desonesto» na actividade laboral e/ou profissional que desenvolve reconduz-se a uma pessoa não confiável, incapaz de assumir com rigor e seriedade os compromissos que assume nas suas relações com quem com ele estabelece e entabula uma relação profissional. Para além da desonestidade fáctica ou traduzida em realizações materiais pode ocorrer a desonestidade intelectual, que se evidencia quando alguém capciosamente ou de forma subterrânea e perversa não assume e manifesta perante os demais o real sentido do que pensa e como pensa, isto é, dizendo perante uma pessoa um pensamento ou uma ideia e agir de modo diverso e/ou manifestar, sobre o mesmo assunto ou tema, opinião divertida perante outras pessoas, conforme as conveniências e oportunidade de exprimir esta ou aquela opinião para que a sua imagem não fique menoscabada e beliscada perante o interlocutor do momento. Afirmar ou emitir opinião que uma pessoa é adicta a hábitos de consumo – normalmente excessivo – de álcool, significa, comummente, que essa pessoa não assume a vida pessoal e social com firmeza e segurança e que distrai as consequências das suas acções, tendo-se correntemente aceite que um individuo com hábitos de consumo (excessivo) de álcool não é – ou pode não ser totalmente – uma pessoa fiável e com que se «possa contar» nos relacionamentos que estabelece. Do mesmo passo não é, ou não se constitui, enaltecedor e benfazejo para a apreciação do carácter de uma pessoa atribuir-lhe características «manipuladoras». Em entendimento corrente – anotar-se-á que todas as conotações significantes que até aqui vimos atribuindo às expressões utilizadas decorrem do que comummente é passível de ser apreendido do entendimento aceite e acolhido nas valorações sociais dominantes, ou seja aquilo que é inferível e se colhe do ajuizamento e discurso corrente das pessoas quando discorrem sobre e acerca das situações pessoais condensadas e plasmadas expressas sob análise – uma pessoa «manipuladora» é um pessoa insidiosa, capciosa, ardilosa, solerte, engenhosa, envolvente, suspicaz e interesseira. Na manipulação está ínsita uma qualidade pessoal consignada a alguém que, por meio da persuasão, logra produzir um efeito de convencimento em outrem previamente orientado e dirigido aos objectivos que são do seu egoístico e privativo interesse. A manipulação envolve modos e meios, tanto de razoamento e exposição de ideias como de acções pessoais, conducentes a obter o efeito almejado e a pessoa conotada com esse aleijão de carácter é, mais uma vez, de ordinário, e no conspecto valorativo social, como uma pessoa interesseira, egoísta, focada nas suas próprias aspirações e objectivos e com propensão para envolver os demais a apoiá-la nos seus propósitos e objectivos. A capacidade e aptidão para esta propensão caracterológica é denotativa de uma pessoa que desvalora e menoscaba os demais para os moldar e depois os orientar para a consecução dos seus fins. Obter adesões e captar as pessoas para os seus fins – quiçá não os mais recomendáveis, a nível social, profissional ou pessoal – utilizando, e forma capciosa e ardilosa meios, desconformados com atitudes de lisura, lealdade e lhaneza ética não estará, pensamos, no rol de acções que – mais uma vez socialmente e comummente – possa enaltecer e empavesar o carácter de quem quer. A arguida formulou todos os juízos valorativos que ficaram expressos durante um interrogatório que foi realizado por um magistrado e um funcionário e que, pela sua qualidade de magistrada, sabia que iria ser acedido por outras pessoas, não só na fase de inquérito, como posteriormente, caso viesse a ter seguimento na fase de julgamento. Como parece dever inferir do que se deixou escrito supra, o bem pessoal-social da honra, como valor inerido e imanente à personalidade reside na projecção pessoal e social que uma pessoa é capaz de encerrar em si e projectar no meio social em que inter-relaciona e comunica. Não atinando com o sentimento individual de honra própria e/ou a concepção que cada um possa ter formado deste valor na sua consciência interna, isto é, com o auto-reconhecimento e auto-avaliação que cada um formula sobre si próprio, a honra deve ser aferida e avaliada, no plano jurídico e na hora de confrontar e cotejar imputações concretas formulados relativamente a uma pessoa concreta com materialidade típica inerida no preceito incriminador, como um bem de feição pessoal-social que pode ser lesionado se alguém formula ou imputa factos que se reputem socialmente depreciativos e minimizantes da consideração em que essa concreta pessoa projecta no meio social em que se insere. A honra, em sentido amplo inclui o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da individualidade de cada indivíduo, aqui abrangidos as competências e valorações pessoais adquiridos, como, por exemplo, nos planos familiar ou profissional. Assim, sendo a honra uma projecção, na consciência social, de certos valores pessoais, não ocorrerá um comportamento ofensivo quando se divulgam factos verdadeiros ou notórios, desde que não representem, na sua formulação e concretas circunstâncias um flagrante desrespeito pela intimidade e estreito circulo pessoal que a qualquer individuo é devido e que socialmente lhe deve ser reservado. Já a manifestação de juízos sobre acções e comportamentos de outrem, mesmo que assente sobre factos verdadeiros, só será lícita no seu próprio conteúdo quando não briguem com as regras de adequação social e do risco permitido. Por outro lado, os actos atentatórios da honra, para além de deverem ser aferidos face a padrões de sensibilidade média de um bonus pater familias só revestirão o cunho de ofensa quando atinjam um mínimo de censura juspenalista, vide neste sentido Rabindranath V.A. Capelo de Sousa, O Direito Geral De Personalidade, pág. 301 e ss. Quando postos em causa os concretos atributos e qualidades pessoais que cada um possui, certo é que a dignidade pessoal pode ser afectada e, nessa medida, é maioritariamente reconhecido que a honra carece de protecção jurídico-penal. Ao nível do tipo subjectivo do ilícito de difamação, é pacífico na jurisprudência e na doutrina não ser necessário que o agente tenha procedido com animus injuriandi vel diffamandi ou dolo específico, bastando o dolo genérico traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são de molde a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada, neste sentido na jurisprudência vide Ac. R.L. 18-05-88, CJ Ano XIII, t. 3, pág. 180, R.C. 15-03-89, CJ Ano XIV, t. 2, pág. 84, STJ 01-07-87, BMJ n.º 369, pág. 593; na doutrina Augusto Silva Dias, Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação cit., A.A.F.D.L., 1989, pág. 35 e ss. É, pois, suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor, cujo significado ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer, e isto em qualquer das modalidades do dolo previstas no art.º 14.º, do CP, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminadoras respectivas. A arguida ao formular juízos de valor acerca das qualidades e competências pessoais da assistente – que tinha hábitos de vida nocturna; seria adicta ao consumo de bebidas alcoólicas; não seria um exemplo de boa mãe; e era uma pessoa manipuladora – terá mermado e depreciado a consideração que socialmente é devido a uma pessoa que tivesse constituído uma família e mantivesse um relacionamento social estabelecido num concreto circulo societário. Para já fiquemo-nos com a convicção de que, se tivermos em conta o ambiente social em que a assistente desenvolve a sua vivência pessoal e as valorações prevalentes que dominam e estão sedimentadas no meio social em que interage, os juízos formulados acerca das deficientes qualidades que exornam a personalidade e o seu carácter são, objectivamente, susceptíveis de integrar a materialidade típica contido no artigo 180º do Código Penal. No plano da intenção, ou da denotação subjectiva, colocada e assumida na imputação valorativa e factual em que a arguida se expressa, afigura-se-nos não poder deixar de se estimar que a mesma não devia desconhecer que, dirigindo-as aquela pessoa em concreto, seria susceptível de a menorizar socialmente e a afectar na sua auto-estima e auto-consideração pessoal. II.B.2. – Existência de Indícios suficientes que permita a assumpção (provável) da prática do ilícito de difamação. Para a recorrente (sic): “O tribunal a quo consegue convencer-se de que a arguida não é instada a pronunciar-se sobre “a reprodução/verbalização desses rumores/confidências sobre o carácter da assistente e o seu comportamento enquanto companheira do Dr. BB”, ao contrário do MP “a arguida limitou-se, assim, a responder às perguntas formuladas pela Exma. Procuradora, com a única finalidade de servir o bem fundamental da Justiça, cumprindo o seu dever como testemunha”. VIII. Esta convicção passa somente pelas declarações da arguida, enquanto testemunha no inquérito nº 563/14.3TABRG, não se tendo em conta as declarações prestadas pela arguida, no presente processo (inquérito e instrução), sendo que o tribunal a quo não tem sequer em conta o parecer do MP, elemento norteador e fundamental no processo-crime, que cria uma convicção no final do inquérito de falta de indícios da prática do crime de difamação e que “ atento o contexto em que as expressões em causa foram proferidas pela arguida, ou seja, quando foi inquirida como testemunha no âmbito do inquérito nº 563/14.3TABRG, e foi instada a pronunciar-se sobre o que pensava da queixa que dera origem àquele inquérito, apresentada pela ora assistente”. IX. Se assim fosse não deveria haver indícios claros e inequívocos, não deveriam constar dos autos particularidades do discurso da arguida que denunciasse que procurava acrescentar algo ou que pretendia exceder o questionado pela Exma. Procuradora? Nada disso se entende ou subentende do auto de declarações sendo que figuram somente expressões como “tanto quanto sabe” e “instada”. X. Aliás, se assim não fosse o próprio Mmº JIC ao longo dos actos instrutórios, nomeadamente do interrogatório à arguida e da inquirição das testemunhas, não teria inquirido, insistido e perguntado sobre pormenores dos rumores que se ouviam e das relações pessoais entre todos. XI. Refere ainda o Mmº JIC que a prova pessoal produzida pela arguida foi “claramente insuficiente”, sendo que “as testemunhas inquiridas ou nada sabiam de relevante para discussão da causa ou os seus depoimentos não merecem credibilidade porque vagos, imprecisos ou porque claramente tendenciosos”. Contudo, no que respeita às testemunhas da assistente, “referiram-se à inexistência de boatos ou rumores sobre a arguida e refutaram as qualidades desvaliosas que lhe haviam sido atribuídas pela arguida”. XII. Ou seja, qualquer pessoa que testemunhe, que refira as “qualidades desvaliosas” da assistente não merece crédito porque o seu testemunho é claramente tendencioso, mas obviamente o testemunho de qualquer pessoa arrolada pela assistente não o é!” A existência de prova mostra-se, em nosso juízo, confirmada pelas razões que apontaremos a seguir. O termo prova pode assumir, pelo menos quatro significados: “fonte di prova”; “mezzo di prova”; “elemento di prova”; e “risultato probatorio”. [[24]] Cingindo-nos especificamente à prova indiciária, importará conferir a noção/conceito de indício. “Con il termine “indizio” (definito anche prova critica) si fa riferimento a quel ragionamento che da un fatto provato (c.d. (quer dizer) circostanza indiziante ) ricava (deduz ou extrai) l`esistenza di un ulteriore fatto da provare (ad esempio, il fatto addebitato all`imputato). Il collegamento tra la circostanze indiziante ed il fatto da provare è costituito da una inferenza basata su di una massima de esperienza o su di legge scientifica. L`oggetto da provare può essere sai il fatto storico che è addebitato all`imputato (e che è denminato nella prassi fatto principale); sai un`altra circostanza indiziante, che viene denminata fatto seocndario e dalla quale com una ulteriore inferenza, su può ricavare l`esistenza del fatto principale.” [[25]] Na doutrina espanhola “ha quedado (quedou) claro o conceito de indicio, que é equivalente a um facto, suficientemente provado por qualquer meio probatório, a partir do qual é possível realizar uma indução ou inferência para determinar a existência de outro facto conectado com aquele através de uma máxima de experiência. Soe ser nota característica dos indícios que de ordinário não hajam sido pré-constituídos intencionalmente com fins probatórios, ainda que não haveria nenhum inconveniente para o admitir se assim o tivessem sido.” [[26]] “O termo indicio utiliza-se, pelo menos em três acepções principais. Numa primeira acepção, típica da doutrina menos recente, «indício» é sinónimo de presunção (e de conjectura), na medida em que indica o razoamento ou o argumento mediante o qual se vinculam dois factos, extraindo de um de eles consequências para o outro: Numa segunda acepção, também muito difundida, «indício» distingue-se de «presunção» na medida em que faria referência aqueles elementos de prova que, apesar de não carecerem de eficácia probatória, não apresentam os requisitos exigidos pela lei para a utilização das presunções simples. Tratar-se-ia, portanto, de algo parecido às presunções simples, mas «mias débil», incapaz de dar lugar a uma verdadeira presunção em sentido estrito. (…) Existe, finalmente, uma terceira acepção, mais rigorosa e mais clara, segundo a qual «indício» faz referência a um «facto conhecido» ou à fonte que constitui a premissa de inferência presuntiva: assim, pois, é indício qualquer coisa, circunstância ou comportamento que o juiz considere significativo na medida em que dele poem derivar-se conclusões relativas ao facto a provar. Entre presunção e indicio existe, pois, a mesma diferença que se dá entre razoamento e a premissa de fcato que serve de ponto de partida. Intentando superar a ambiguidade que resulta das acepções expostas, o autor acaba por dessumir um conceito mais geral e generalizante para o termo «indício» e para os elementos de conhecimento indirecto que não caibam dentro do conceito de presunções. Assim, para este Autor, poder-se-ia “falar, genericamente, de elementos de prova para fazer inferências a todos os dados que sejam de algum mdo significativos para o conhecimento do facto a provar e não estejam incluídos em nenhuma outra categoria; queda claro, por outro lado, que o seu valor probatório terá que ser necessariamente inferior ao das presunções simples, tal como foi definido anteriormente em termos de grau de confirmação da hipótese sobre o facto a provar.” [[27]] Os autores coincidem, portanto, que num processo de razoamento lógico-indutivo com base em indícios os referentes atendíveis são (i) a existência de um facto conhecido; (ii) a adução de elementos circunstanciais co-envolventes conectadas com o facto (principal) que se pretende provar; (iii) a intervenção de elementos adquiridos e consolidados pela experiência e que acendram um resultado probatório plausível, lógico-formalmente convincente, correspondente e confirmatório. “A máxima de experiência é uma regra de comportamento que exprime aquilo que acontece na maior parte dos casos (id quod plerumque accidit); mais precisamente, essa é uma regra que é dedutível de casos similares ao facto anotado. A experiência pode permitir formular um juízo de relação entre factos; ocorre essa relação quando se deduz que uma categoria de factos se acompanha de outra determinada categoria de factos. Raciocina-se com base neste princípio: “em casos similares, ocorre um idêntico comportamento”. Este razoamento permite conferir/verificar a existência de um facto histórico obviamente não com certeza, mas com uma probabilidade mais ou menos ampla. A máxima de experiência é uma regra, e por isso não pertence ao mundo dos factos; daí, por isso, um juízo de probabilidade e não de certeza. Todavia não existe outra possibilidade de verificação/apuramento, quando não seja disponível uma válida prova representativa. Importa sublinhar que a prova representativa e o indício diferem não pelo objecto a provar, mas sim pela estrutura do procedimento lógico. O objecto a provar pode ser um facto principal (fatto di reato), ou facto secundário (uma outra circunstância indiciante). Esta última, de facto, pode ser provada seja mediante uma prova representativa, seja uma prova critica.” [[28]] 1) “Provare” quer dizer, substancialmente, induzir no juiz o convencimento que o facto aconteceu de um determinado modo. Tal facto deve ser “representado” ao juiz mediante outros factos. A prova é, por isso, aquele procedimento lógico com base no qual de um facto se deduz a existência do facto histórico a provar e o modo como se verificou». 2) A segunda característica é consequência da primeira. A imputação, para que seja ”objectiva”, não deve fundar-se no conhecimento privado do juiz, mas sim em elementos externos, isto é, a prova. O grau máximo da objectividade adquire-se quando o juiz se encontra numa situação de plena “terzietà” (de terceiro), para além do tipo psíquico, com respeito à prova. Isto só acontece quando são as partes a procurar a prova, a pedir a sua admissão, e assumindo-a colocando as perguntas ás testemunhas e aos outro sujeitos processuais que prestam declarações […]. Se fosse atribuído ao juiz o poder de colocar as provas e dispor as perguntas, ele de forma inconsciente tenderia a escolher a tese da acusação ou da defesa. 3) A verificação (ou comprovação) deve ser “lógico”, isto é, baseado em princípios de razoabilidade que regulam o conhecimento. A assumpção das provas deve permitir ao juiz avaliar a credibilidade daqueles que prestam declarações a atendibilidade dos elementos que oferece. O resultado da prova deve ser posto em confronto cm os resultados de outras provas. Se aí existe uma contradição, esta deve ser resolvida. Finalmente. O juiz deve reportar na motivação o percurso lógico que seguiu na reconstrução do facto histórico. Somente através da motivação será possível controlar o operado». [[29]] Na operação de razoamento lógico em que flui a aquisição do convencimento do juiz de que um facto, ou complexo de factos, histórico que lhe é submetido a apreciação se passou ou ocorreu de uma determinada maneira, deve o juiz socorrer-se de todo o séquito de material probatório que lhe é apresentado pelos sujeitos processuais, desbravando e joeirando as aportações testemunhais ou trazidas por outros elementos de prova por forma a obter um núcleo infrangível donde possa dessumir a existência ou não do proceder ilícito em que se substanciou a acusação. Não deixa o juiz de trazer ao espectro representativo e significante da realidade factual que lhe está submetida a julgamento todo o feixe de experiências modais e vivenciais em que se desenvolve o proceder humano em situações similares, desbordando, naturalmente, de qualquer especulação ou elucubração sacada do seu conhecimento privado ou do seu intimo conhecer e conceber a realidade histórica e social em que lhe é dado viver. Nesta reconstrução lógico-histórica da realidade factual, o juiz haverá de socorrer-se de todo o tipo de operações que enformam o raciocínio dedutivo, aqui incluídas presunções naturais. […] «As presunções são imprescindíveis para realizar a maior parte dos raciocínios e, desde logo, para valorar a maior parte das provas praticadas em qualquer juízo e extrair delas as consequências probatórias que devam proceder. Pode-se definir presunção «dizendo que é a prova de um facto de índole probatória dificultosa por inexistência de prova ou por não ser convincente, mediante a prova de outro ou de outros factos conectados logicamente com aquele, segundo critérios de experiência, e não contraditados por outras provas, de maneira que a prova deste ou de outros factos implica a prova de aquele outro facto» [[30]]. Michele Taruffo aporta uma cópia de questões à validade da prova com recurso às máximas de experiência, questionando “que a experiência comum seja apta a construir indutivamente generalizações datadas de uma forma lógica e de um conteúdo cognoscitivo praticamente equiparável, ao menos, ao das leis científicas ou quase gerais.” Refere este autor que a resolução adequada das dúvidas que se possam suscitar acerca das máximas de experiência devem tomar em consideração que as máximas de experiência não são mais do que a tradução de leis científicas de carácter geral nos termos do sentido comum e da cultura média. “Nestes casos, com a condição e que a vulgarização da lei científica não haja traído o seu significado originário, pode-se equiparar a máxima de experiência comum à lei cientifica e utilizá-la como lei de cobertura da inferência causal. Noutros casos, a máxima de experiência comum expressa em linguagem comum frequências estatísticas de um grau muito elevado: assim, a máxima corresponde com generalizações empíricas de um alto grau de probabilidade.” [[31]] Para este autor, o juiz encontra-se numa situação diferente das partes e a “narração que o juiz constrói pode entender-se como um conjunto ordenado de enunciados, donde um factor importante de ordem o constitui na distribuição destes anunciados em quatro níveis distintos: - Num primeiro estão os enunciados que descrevem os factos principais. Trata-se dos enunciados que se referem a cada uma das circunstâncias (quer dizer dos particulares) cuja combinação constitui a narração do facto principal. - Num segundo nível estão os enunciados que descrevem factos secundários. Este aspecto da narração do juiz é só eventual: não existe, com efeito, quando não há factos secundários dos que podem extrair inferências relativas à verdade ou falsidade de enunciados sobre factos principais; - Num terceiro nível da narração do juiz compreende os enunciados que resultam de provas praticadas em juízo: trata-se, por exemplo das declarações prestadas pelas testemunhas, ou das afirmações contidas num documento ou num laudo pericial; - Num quarto nível, cuja presença é em princípio eventual, ainda que de facto frequente, compreende as circunstâncias das que se podem extrair inferências relativas à credibilidade ou à fiabilidade dos enunciados que estão no terceiro nível.” [[32]] Paradigmático, na jurisprudência, do modo que deve presidir à actividade probatória baseada em indícios é o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, onde se escreveu (sic): “a avaliação dos indícios pelo Juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas. Os factos que visam o enfraquecimento da responsabilidade do arguido, sustentada na prova indiciária, são de duas ordens- uns impedem absolutamente, ou pelo menos dificilmente permitem que se atribua ao acusado o crime (estes factos recebem muitas vezes o nome de indícios da inocência ou contra presunções); os outros debilitam os indícios probatórios, e consubstanciam a possibilidade de afirmação, a favor do acusado, de uma explicação inteiramente favorável sobre os factos que pareciam correlativos do delito, e davam importância a uma convicção de responsabilidade criminal. Denominam-se de contra indícios e emergem em função da necessidade de contrapor aos indícios culpabilizantes outros factos indicio que aniquilem a sua força á face das regras de experiência. Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra indícios é imperioso o recurso ás regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto-contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indicio. Dito por outras palavras o funcionamento do contra indicio, ou do indicio de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo. Como afirmamos em anteriores decisões deste Supremo Tribunal de Justiça a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como afirma Tonini, como uma possibilidade mais ou menos ampla. A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos consequentemente origina um juízo de probabilidade e não de certeza. As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura media ou leis científicas aceites como válidas sem restrição. Em matérias que impliquem especiais competências técnicas cientificas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, é evidente que a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa á certeza da afirmação científica. Como refere Dellepiane só quando a premissa maior é uma lei, que não admite excepções, a inferência que consubstancia a prova indiciária revestirá a natureza de uma dedução rigorosa. A inferência só é certa, por excepção, quando se apoia numa lei geral e constante, ou seja, quando deixa de ser uma inferência analógica para passar a ser uma dedução rigorosa. Noutras circunstâncias estaremos sempre perante uma probabilidade, ou seja, como afirma Lopez Moreno a teoria dos indícios reduz-se á teoria das probabilidades e a prova indiciária resulta do concurso de vários factos que demonstram a existência de um terceiro que é precisamente aquele que se pretende averiguar. Note-se que a concorrência de vários indícios numa mesma direcção, partindo de pontos diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras constituindo uma verdadeira resultante No mesmo sentido se pronuncia Clement Duran quando refere que o princípio da normalidade se torna o fundamento de toda a presunção abstracta. Tal normalidade deriva da circunstância de a dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das actividades humanas existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos. O referido principio está intimamente ligado com a causalidade: as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam de maneira uniforme o desenvolvimento do universo. O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa. Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. Só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária-quando é este tipo de prova que está em causa-, pode alicerçar a convicção do julgador. Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova. A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai. Retomando ao caso concreto, a decisão recorrida arranca do postulado de que existe uma presunção natural de que o arguido destinava tais armas, componentes e munições à venda ou, por qualquer outro título, à cedência a terceiros. Isto com base na constatação óbvia de que, em condições normais e de acordo com as regras da experiência de vida e das coisas, ninguém dispõe de um semelhante arsenal de armas e munições, em condições de funcionamento, sem ter uma finalidade exterior ou sequencial que lhe dê um mínimo sentido, como seja a circulação através de alguma forma de comércio ou cedência de alguma ou algumas dessas armas e respectivas munições. Na verdade, enquanto produto dessas regras da experiência do homem médio, tal presunção natural permite inferir que esse destino é a consequência normal, típica e credível da detenção em semelhante quantidade e diversidade de armas e munições. O funcionamento dessa presunção é possível porquanto entre o facto adquirido e os factos conhecidos são estabelecidas relações graves, precisas e concordantes, em termos de aquele primeiro facto (desconhecido) se afirmar, com uma probabilidade próxima da certeza, como uma consequência natural dos factos demonstrados. A partir daqui, da afirmação convicta de uma presunção a força desta só poderia ser abalada ou debilitada pelo peso de contra indícios que á luz das regras da normalidade pudessem formata uma convicção de sinal contrário. E o certo é que a decisão recorrida, depois de afirmar a existência de indícios a fazer presumir o tráfico de armas, afirma que os argumentos expendidos em sentido contrário, e que nascem das declarações do arguido, constituem uma justificação que nos pareceu minimamente plausível para a detenção das armas e munições, desde logo porque suportada por determinados elementos objectivos Só que em nosso entender os contra indícios produzidos não contêm qualquer pontencialidade para colocar em causa a conclusão previamente extraída. Na verdade, e como se referiu, não são factos atirados a esmo que podem constituir uma base sólida para infirma a força da prova indiciária, mas somente aqueles contra indicio cuja força se imponha em função de regras de experiência. Significa o exposto que a decisão recorrida atribuiu aos contra indícios uma força que estes, efectivamente, não têm. E atribui essa força ao arrepio de regras de experiência normal de vida. Não se trata de uma questão de aplicação do principio in dubio pro reo pois que não estamos perante uma dúvida relativa a um facto relevante, mas sim dum facto que se tem por adquirido à luz dos princípios e de contra indícios aos quais se atribuiu uma força que, á face das regras da experiência, estes manifestamente não comportam. Aliás, importa que se refira que a matéria constante nos presentes autos constitui um paradigma do que deve constituir o funcionamento da prova indiciária em processo penal. E sendo certo que a limitação do recurso impede que se analise a decisão recorrida no que concerne ao crime de homicídio, o que aliás já sucedia no recurso anteriormente interposto para este Tribunal, tal não impede que em abstracto se considere a contraposição da forma como foi equacionado o funcionamento da prova indiciária nas duas hipóteses consideradas nomeadamente na concessão de força probatória aos indícios do crime face ás mesmas regras de experiência. Na verdade, sublinhemos mais uma vez aquilo que se referiu noutras decisões deste Tribunal em relação á prova indiciária. O funcionamento, e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste ás objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indicio quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou, como refere Tonini corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não está sustentado em bases sólidas Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista estas áridas matéria na enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando. Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos:- a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. Assim, Em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios. Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena os autores exigem, uniformemente, como se irá explanar a concordância de todos os indícios, pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstancias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma a que cada indicio está obrigado a combinar-se com os outros ou seja a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito. Em ultima análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido O terceiro momento reside no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. Como refere Duran a essência da prova indiciária reside na conexão entre o indício base e o facto presumido, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência é a essência de toda a presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção - em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade. Em face de tais elemento temos por adquirido a conclusão de se que tais requisitos se podem equacionar nos presentes autos em dois momentos distintos, ou seja, em relação ao crime de homicídio, cujo conhecimento está fora do objecto do presente recurso, e em relação ao crime de tráfico de armas. Perante a matéria dos autos tal como entendemos não que não tem qualquer razoabilidade a consideração de que os contra indícios apresentados têm força suficiente para abalar a presunção feita pelo tribunal de que as armas se destinavam ao tráfico, também é certo que a consideração de que os indícios existentes em relação á pluralidade de infracções imputadas imputada são graves, precisos e concordantes.” [[33]/[34]] A comprovação das afirmações em que se consubstancia e queda expressa a imputação dos factos e juízos de valor que foram taxados de ofensivos para a honra e consideração da assistente, encontra-se plasmada no auto interrogatório extraído do inquérito nº 563/14.3TABRG, que contém as declarações da arguida. Quiçá a recorrente tenha tentado introduzir, com o tema da existência ou não de prova indiciária, um outro tema relativo à exculpação ou exautoração do crime de difamação. Ao afirmar que o Senhor Juiz de instrução não atendeu ou conferiu relevo e a mesma valia ao que as testemunhas por si indicadas disseram acerca da reputação e modo de vida da vida da assistente, optando por assinalar o que havia sido afirmado pelas testemunhas indicadas pela assistente, a recorrente estará a intentar demonstrar que as afirmações por si produzidas. no local processual em que o foram, não são inverídicas e correspondem a uma apreciação real e fiel da forma de ser e estar da assistente. Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Maio de 2016, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, (sic) “nos termos aludidos no nº 2 do artº 180º, do CP, a conduta não é punível quando: “a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.” A característica funcional do direito penal, que, no dizer de Welzel, (ZStW,1939, p. 514) não pode representar os bens jurídicos como “peças de museu, zelosamente guardadas em vitrinas, fora do alcance de influências lesivas, e só acessíveis ao olhar dos espectadores“, explicita uma fragmentariedade de tutela típica, que sempre norteada pelos princípios de dignidade e carência de tutela penal, proporcionalidade e subsidiariedade, remete os bens jurídicos pessoais da honra, privacidade e intimidade, palavra e imagem, para a categoria de bens jurídicos socialmente vinculados quer quanto à estrutura axiológico-material, quer quanto ao enquadramento normativo. (v. Costa Andrade, in Liberdade de Imprensa e inviolabilidade pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora, p. 177 e segs., que seguimos de perto,) Os tipos legais dos crimes contra a honra, “perspectivados pelo efeito recíproco, terão de ser interpretados a partir do âmbito da área de tutela (da liberdade de expressão) e dos limites (…). A liberdade de expressão terá, por isso, de ser considerada já ao nível do tipo e não apenas em sede de justificação” (Braum, KritV, Dez, 1995, pp 391 e segs , referido por Costa Andrade, ibidem) Como diz Roxin, Strafrecht, p. 165, (citado por Costa Andrade, ibidem), é a ilicitude que “do ponto de vista do proibido ou do permitido (neste caso como exclusão do ilícito) contém uma valoração dos conflitos de interesses que emergem de interacção social.” A doutrina tende abstractamente a distinguir entre a justificação dos atentados contra a honra e perpetrados, respectivamente, sob a forma de juízo de valor ou de imputação de factos. “Os juízes de valor ofensivos da honra podem buscar a justificação na derimente geral do Exercício de um direito, concretização dogmático-normativa da ponderação de interesses como princípio comum de justificação. Diferentemente, as imputações de factos terão preferencialmente de encontrar a justificação numa dirimente específica e típica – a Prossecução de interesses legítimos – em que, a par da ponderação de interesses, avulta também o princípio do risco permitido.” (idem, ibidem, p. 274) Sendo certo que, com frequência os juízos de factos aparecem entremeados (associados ou misturados) com juízos de valor. Releva então a questão de saber de que forma o exercício do direito, ao traduzir a liberdade de expressão, pode ou não dirimir a ilicitude penal de um juízo de valor ofensivo da honra. Surge o binómio de confronto dialéctico da honra e da liberdade de expressão, ambos de dignidade constitucional. Tudo terá de decidir-se “no contexto de uma ponderação de interesses mediatizada pelo círculo hermenêutico centrado sobre as singularidades do caso concreto.” Os limites de justificação do exercício de um direito estarão na barreira instransponível da pura crítica caluniosa, que a juridicidade alemã apelida de Scmähkritik. Como refere Costa Andrade, (ibidem, p. 292 e 293),: “A garantia da liberdade de expressão e de imprensa permite, de acordo com as circunstâncias, também uma crítica contundente, impiedosa, mesmo ‘chocante’, desde que tenha ainda uma referência objectiva (sachs bezogen). Mas já não cobre nenhuma Scmähkritik, isto é, uma crítica que passa a ser um (mero) ataque doloso à honra.” Por outro lado, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, “É de considerar como Shmähung a expressão de uma opinião que, para além da crítica polémica e exagerada, consiste na degradação da pessoa.”(…) O facto de poder ter efeitos degradantes para terceiros não faz da expressão de uma opinião, só por si, uma Scmähung. Uma expressão degradante só assume o carácter de Schmähung quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento da pessoa.” Resumidamente: segundo a jurisprudência desse Tribunal Constitucional só poderá falar-se de Shmähung quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa, atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social.”(idem, ibidem, p. 293 e 294) Admite-se ainda a justificação nos termos e segundo as exigências do Direito de necessidade, conforme artº 34ºdo CP: A falta de comprovação cuidadosa dos pressupostos do direito de necessidade integra o erro se, no ensinamento de Figueiredo Dias, - O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal - constituir “uma falta do conhecimento indispensável à correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor jurídico da conduta e é, portanto, um erro que exclui o dolo.” [[35]] Justificando a licitude da conduta, nos casos em que se imputa a alguém, numa denúncia determinados factos que podem ser lesivos da honra e consideração do visado (na denúncia) escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de outubro de 2010, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, “A lei substantiva penal prevê expressamente, aliás, situações em que a lesão de um determinado bem ou interesse penalmente tutelado é considerada, em concreto, lítica. São os casos previstos pelas normas que regulam as causas de justificação. A saber: o exercício de um direito, o cumprimento de um dever, a execução, pelo subordinado hierárquico, duma ordem legítima ou ilegítima do seu superior, a legítima defesa, o uso legítimo de arma, o estado de necessidade, o consentimento do ofendido. Significa isto que, quando alguém tem de agir numa das situações tipicizadas, não comete crime, por não ser considerada ilícita a lesão do bem ou interesse em causa dado que o legislador, apreciando a situação de conflito, indicou um interesse como prevalente, cuja tutela quer ver salvaguardada. Só assim se pode encontrar uma solução para as hipóteses de conflito e simultaneamente dar realização a uma exigência de justiça. Há uma ideia, a ideia de proporção entre os interesses em conflito, que paira e domina soberanamente as normas que disciplinam as causas de justificação. O legislador entende que os interesses em conflito devem ser ponderados entre si, já que a desproporção ou as soluções por ela ditadas repugnam à própria essência do direito, que é proportio hominis ad hominem e, portanto, justiça nas relações inter-subjectivas. Daqui que as causas de justificação expressamente previstas possam e devam estender-se, por aplicação analógica ou apelando para um princípio geral de direito. É que estas normas penais não estão sob a alçada do princípio da proibição da aplicação por analogia legis ou por analogia juris, na medida em que não são normas restritivas da liberdade como as normas incriminatórias nem são normas excepcionais. Elas gravitam em torno da ideia de que, em caso de conflito de interesses, um deles deve sempre prevalecer, pois seria absurdo consentir no sacrifício de ambos - Trata-se evidentemente do princípio da ponderação de interesses, o qual subjacente se acha sempre a todas as situações de conflito, constituindo o fundamento último da justificação do facto. Ora, como este Supremo Tribunal vem decidindo: - o direito de denúncia prevalece sobre o direito à honra, visto que como garantia de estabilidade, da segurança e da paz social no Estado de direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos - “Quase irrestrita”, como se refere numa daquelas decisões, por a limitação maior consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (com consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos, os quais devem limitar-se à narração dos factos, sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado. Como se refere na outra das mencionadas decisões, se emitidos juízos de valor ou epítetos integrantes de uma ofensa à honra, então a denúncia pode, mas só por essa razão, ser ilícita cedendo o respectivo direito perante a honra (desnecessária e gratuitamente lesada) do denunciado. No caso dos autos já vimos inexistir prova indiciária de que o arguido AA agiu com consciência da falsidade das imputações constantes da participação que apresentou contra a assistente BB e das declarações que prestou no âmbito do respectivo inquérito criminal. Por outro lado, como se consignou na decisão sumária reclamada, certo é que o texto da participação e o conteúdo das declarações prestadas não contêm asserções nem juízos de valor desnecessários ou desproporcionados. Nesta conformidade impõe-se concluir que, quer a denúncia apresentada quer as declarações prestadas pelo arguido AA, conquanto objectivamente lesivas da honra e consideração da assistente, se devem ter por justificadas nos termos do artigo 31º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.” [[36]] As afirmações expressas pela arguida foram produzidas num contexto formal - prestação de declarações em processo penal – e traduzem-se em juízos de valor – que encerram ou hão-de estar preenchidos, idealmente ou potencialmente, por referências ou situações fácticas – e a desconstrução dessas afirmações é de difícil desempenho. Demonstrar que é verdade que a assistente é, ou revela ser, uma pessoa que tem uma propensão «manipuladora» é de difícil desmontagem, pela análise psicológica que haverá que efectuar à personalidade da assistente, ao seu modo de ser, estar e proceder. “Por outro lado, entende que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da «verdade» das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem-fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas., isto é, não se exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso. No entanto, defende que a atipicidade já não poderá sustentar-se para os juízos que atingem a honra pessoal e a consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva, nem para os juízos de facto feitos no contexto duma valoração crítica objectiva, a menos que pressuposta a prova da verdade (ibidem, 238/239), o que significa que só se deverão ter por atípicos os juízos de facto ofensivos em que a verdade do facto ou factos em que os mesmos assentam é evidente ou notória ou se mostra já demonstrada. Aliás, se assim não fosse, ir-se-ia permitir o completo e total esmagamento do direito à honra, o qual ficaria irremediavelmente desprotegido. Seria a subversão total, com a descriminalização por via doutrinal/jurisprudencial dos crimes de abuso de liberdade de imprensa. Por outro lado, a causa de justificação especial regulada no n.º 2, do art.180º, do Código Penal, perderia todo o sentido. Como se consignou no trabalho já referido da autoria do relator a propósito da liberdade de expressão e de informação e do exercício do direito de criação, discussão e crítica, certo é que a justificação dos comportamentos ofensivos da honra assumidos através da formulação de juízos de valor, por via do recurso às regras gerais, passa no caso de inclusão de juízos de facto, pela verificação por parte do julgador da veracidade dos factos (63/64). Daqui resulta que perante a inclusão ou formulação de juízos de facto ofensivos em escrito de opinião (crítica objectiva), o respectivo facto ou factos ter-se-ão de considerar como integrantes do elemento material ou objectivo do crime de difamação, a menos que pressuposta a verdade dos mesmos, caso em que se deverão ter por atípicos.” [[37]] Na verdade, provar a verdade de um juízo de valor, constitui-se um exercício intelectual mais de argumentação e retórica de que de demonstração de uma realidade acontecida. Um juízo de valor encerra um processo de concatenação e conjugação de realidades observadas e idealmente representadas e que, quando obtido o resultado (juízo), deixam de ter autonomia para se constituírem como uma realidade cognitiva com identidade própria. Formar um juízo de valor acerca de qualquer pessoa importa apreender, percepcionar, representar intelectualmente, razoar e optar por um sentido de realidade, que tendo como base uma factualidade observada ou apreendida pela comunicação narrativa efectuada por outrem, ganha ou adquire foros de realidade cognitiva. Demonstrar a verdade de um juízo, comporta um exercício de desconstrução ou segmentação e fraccionamento de todas as componentes, factuais, cognitivas, de razoamento que intervieram na formação do juízo e que, neste processo (de desconstrução e explicitação) surgiriam como argumentos, razões, motivações e/ou pretensões que estiveram na base da composição cognitiva e intelectual do juízo de valor. Já assim não acontece quando se pretenda demonstrar a verdade da ocorrência factual. Um facto (natural), enquanto exteriorização activa – por comissão, ou, eventualmente, por omissão – de um estar, agir e proceder de alguém sobre a realidade em que essa acção se produz conleva uma percepção imediata e directa e uma apreensão intelectual despejada de factores de razoamento. A execução de um facto provoca uma mutação na realidade que é directamente apreensível e perceptível pelo actividade cognitiva do individuo fixando-se, tal como foi observada, na memória do individuo. Essa realidade sucedida surge, se estimulada a memória do observador, tal como aconteceu, ou pelo menos, com uma definição que pode ser mais ou menos difusa, mas que por estimulação da memória poderão surgir cm mais clareza e precisão. [[38]] A verdade de um facto pela configuração intelectual que ele encerra surge como possível e viável pela “sencillez” com que se pode representar e apresentar, diversamente do que acontece com a demonstração da verdade sobre um juízo de valor. Do que se deixa dito, não é viável – ou resultaria sempre de extrema dificuldade (argumentativa) – a demonstração da verdade relativa a juízos de valor. Seja qual fosse a intenção da arguida /recorrente com a alegação quanto à inverificação indiciária da prática dos factos que lhe são imputados, ou a hipótese avançada em derradeiro lugar – prova da verdade dos factos –, a verdade é que (i) existem elementos probatórios que permitem imputar à recorrente os factos que consubstanciam a materialidade ilícita que conduziu à sua pronúncia; (ii) não resulta que os juízos de valor expressos pela arguida acerca do modo de ser, estar e comportar-se da assistente possam ser objecto de refutação ou de demonstração veraz. II.B.3. – Erro Notório na apreciação da prova. Sem preocupação de concretização ou identificação, em concreto, dos troços ou passagens do texto decisório onde se manifestasse o apontado erro notório na apreciação da prova produzida, a recorrente, acoima a decisão sob sindicância de conter um erro no seu razoamento que conduziria à sua invalidade formal-material. 1) “Provare” quer dizer, substancialmente, induzir no juiz o convencimento que o facto aconteceu de um determinado modo. Tal facto deve ser “representado” ao juiz mediante outros factos. A prova é, por isso, aquele procedimento lógico com base no qual de um facto se deduz a existência do facto histórico a provar e o modo como se verificou». 2) A segunda característica é consequência da primeira. A imputação, para que seja ”objectiva”, não deve fundar-se no conhecimento privado do juiz, mas sim em elementos externos, isto é, a prova. O grau máximo da objectividade adquire-se quando o juiz se encontra numa situação de plena “terzietà” (de terceiro), para além do tipo psíquico, com respeito à prova. Isto só acontece quando são as partes a procurar a prova, a pedir a sua admissão, e assumindo-a colocando as perguntas ás testemunhas e aos outro sujeitos processuais que prestam declarações […]. Se fosse atribuído ao juiz o poder de colocar as provas e dispor as perguntas, ele de forma inconsciente tenderia a escolher a tese da acusação ou da defesa. 3) A verificação (ou comprovação) deve ser “lógico”, isto é, baseado em princípios de razoabilidade que regulam o conhecimento. A assumpção das provas deve permitir ao juiz avaliar a credibilidade daqueles que prestam declarações a atendibilidade dos elementos que oferece. O resultado da prova deve ser posto em confronto cm os resultados de outras provas. Se aí existe uma contradição, esta deve ser resolvida. Finalmente. O juiz deve reportar na motivação o percurso lógico que seguiu na reconstrução do facto histórico. Somente através da motivação será possível controlar o operado». [[41]] Na operação de razoamento lógico em que flui a aquisição do convencimento do juiz de que um facto, ou complexo de factos, histórico que lhe é submetido a apreciação se passou ou ocorreu de uma determinada maneira, deve o juiz socorrer-se de todo o séquito de material probatório que lhe é apresentado pelos sujeitos processuais, desbravando e joeirando as aportações testemunhais ou trazidas por outros elementos de prova por forma a obter um núcleo infrangível donde possa dessumir a existência ou não do proceder ilícito em que se substanciou a acusação. Não deixa o juiz de trazer ao espectro representativo e significante da realidade factual que lhe está submetida a julgamento todo o feixe de experiências modais e vivenciais em que se desenvolve o proceder humano em situações similares, desbordando, naturalmente, de qualquer especulação ou elucubração sacada do seu conhecimento privado ou do seu intimo conhecer e conceber a realidade histórica e social em que lhe é dado viver. O erro notório de apreciação da prova, só pode ser conhecido pelo tribunal de recurso, se, ou desde que, “o vício resulte do texto da decisão recorrida”. Vale por dizer que a ilogicidade e a desconformidade das asserções que sustentam a decisão nos seus pressupostos factuais e de direito e o seu desconchavo com a realidade vivencial comum tem de reverberar do conteúdo literal da decisão sob impugnação. Não se podem esgrimir argumentos opinativos quanto ao julgamento de facto a que o tribunal chegou e que verteu no texto da decisão, nem criticar o processo formativo cognitivo - racional que arrimou uma tal ou qual apreciação factual ou valoração probatória, a menos que eles sejam cruciantes para o senso comum, et pour cause, o tornem inane para validação do acto de julgamento efectuado. O erro notório constitui-se como evidência ilógica ou como uma aporia insustentável na realidade fáctica donde o facto patenteado é inferido. Aplicando os ensinamentos contidos no item “ logicismo” da “Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos”, de João Branquinho e Desidério Murcho, pag. 461 e segs. poder-se-ia sintetizar a ideia de ilogicidade na impossibilidade de constatação da inferência das premissas que contêm as proposições invariáveis e para demonstração explicativa da realidade que se pretende apresentar como existente. A verificação ou constatação de uma inescapável antinomia entre os pressupostos de um esquema proposicional irrefutável ou tido como vivencialmente adquirido e a inferência que se ostenta constitui um erro de construção lógico-racional que invalida a aceitação do concluído como verdadeiro e socialmente aceitável. “Os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP titulam a presença do ilógico numa peça processual onde deve predominar a harmonia e a coerência, e põem a descoberto, relevando pela negativa, o absurdo que representaria esse ilogismo na sentença, que se há-de detectar sem esforço de análise, pelo texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos estranhos a ela, sendo tais vícios de conhecimento e declaração oficiosos. IX – O erro notório na apreciação da prova leva a uma conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum, desconhecedor dos meandros jurídicos, notado sem qualquer esforço.” [[42]] Não ocorre o apregoado erro notório, antes, e como se procurou demonstrar, o raciocínio que conduziu à decisão se mostra inconcusso e atinado a um razoar lógico dedutivo e condizente com as regras de experiência comum. II.B.4. – Circunstancialismo em que ocorreu exteriorização das expressões proferidas pela arguida/recorrente, conducentes a uma exclusão da ilicitude. Para a recorrente, no despacho (de pronúncia) que confirmou a acusação particular, (i) “é demasiado sobrevalorizado o facto de a arguida ser magistrada para acrescer a sua responsabilidade e penalizá-la em máxima escala por todas as afirmações produzidas enquanto testemunha, sendo que esta deveria ser a premissa quando se arrasta a arguida neste processo, colocando em causa a sua dignidade como pessoa humana, vendo este processo ser escrutinado pela comunicação social e tendo de ouvir testemunhas da assistente e lendo na acusação da assistente, insinuações caluniosas, sendo pronunciada por um crime que, levando-a a julgamento, certamente lhe trará vergonha e desprestígio; (ii) “atendendo ao elemento objectivo deste tipo de crime, é entendido que a imputação de facto ou por meio de formulação de um juízo, ofensivos da honra e consideração de outrem terão de ser levadas a cabo dirigindo-se a terceiros, questionando-se se a Exma. Procuradora do Ministério Público, entidade perante a qual testemunhou a arguida pode ser considerado um terceiro, sendo que “o mesmo é seguramente um destinatário relativamente ao qual a testemunha tem a obrigação de responder a verdade sob pena de incorrer em responsabilidade criminal”; (iii) “para haver lugar a preenchimento do elemento subjectivo de crime é necessário que seja doloso o cometimento, sendo que no crime de difamação basta que o agente tenha conhecimento que o seu comportamento possa lesar a honra de outrem, salvaguardando-se ainda que, só poderão então estar preenchidos os elementos atinentes à prática de um crime de difamação se a conduta do agente, do arguido, for voluntária, espontânea e alicerçada no seu livre arbítrio; (iv) “dispõe o artigo 31º do Código Penal, no nº 1 que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, explicitando na alínea c) do nº 2 que “ não é ilícito o facto praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade”, não se podendo simplesmente afastar esta consideração legal, com base no facto de se tratar de rumores ou reproduções do que nos foi transmitido, sendo que, quando questionada sobre os rumores que sabia, exactamente o que se falava, ou o que o Dr. BB lhe confidenciava, não iria certamente a arguida abster-se de responder: (v) “não o fez no inquérito deste processo, como não o fez quando foi ouvida na instrução pelo Mº JIC, sendo que a arguida não presta declarações como magistrada, mas continua a valorizar e dignificar a profissão sem desautorizar os Colegas, respondendo com toda a verdade, sobre a “verdade do que lhe diziam e lhe transmitiam”, criando a convicção de que se a pergunta era feita a resposta seria necessária e mesmo porque recusando-se a fazê-lo incorreria na prática de um outro crime, crime de falso testemunho, conforme prevê o nº 2 do artigo 360º do Código Penal (crime pelo qual não foi pronunciada, sublinhe-se!); (vi) “assim, a arguida a partir do momento em que presta juramento como testemunha e efectua o seu depoimento está obrigada a dizer a verdade, respondendo ao que lhe é questionado, independentemente de poder com o seu depoimento lesar um bem protegido não pode a testemunha recusar-se a depor ou a responder com verdade ao que lhe é questionado, pois “quem age no âmbito do cumprimento de um dever, estando obrigado a falar com verdade, mostra-se indiferente ao facto de as sus revelações poderem ou não atingir a honra e consideração do visado, pelo que, nestas circunstâncias está afastada a possibilidade do agente, ao imputar factos que em si são difamatórios, querer ferir ou atingir a honra e consideração do visado. Está assim afastado o dolo em qualquer das suas modalidades (artº 14º, do CP) e afastada a ilicitude da sua conduta por agir no cumprimento de um dever legal”; (vii) “conclui-se assim que “depondo a testemunha no cumprimento de um dever legal, mesmo que os factos imputados à pessoa visada sejam em si difamatórios, nunca lhe poderá ser imputado o crime de difamação”; (viii) pela conjugação do disposto nos artigos 31º, nº 2, alínea c) e 180º, nºs 1 e 2 do C.P. e art. 132º, nº 1, alínea d) do C.P.P só se pode retirar que a conduta da arguida não é ilícita, não se encontrando preenchidos os elementos típicos de um crime de difamação”; (ix) “pelo exposto, terá que se concluir que não resultam assim suficientemente indiciados factos que permitem pronunciar a arguida pelo crime de difamação p. e p. pelo artº 180º do Código Penal, sendo que a recorrentes, enquanto testemunha, depôs ao abrigo e cumprimento de um dever legal o que consubstancia causa de exclusão de ilicitude ao abrigo do disposto no art. 31º, nº 2, al. c) do C.P., não sendo a sua conduta legalmente punível, devendo em consequência ser revogada a decisão recorrida e ser proferido despacho de não pronúncia.” Na justificação antecedente ao despacho de pronúncia, o Senhor Juiz Desembargador Instrutor, desenvolveu a sequente arg8umentação (sic): “ “Na verdade, de acordo com a incriminação constante do artigo 180.º do Código Penal são três as modalidades de acção típica: imputação de facto, ainda que sob a forma de suspeita; formulação de juízo de desvalor; e reprodução de um facto ou juízo Como bem assinala o Desembargador Miguez Garcia (O Direito Penal Passo a Passo, vol I, Coimbra, 2011, Almedina, págs. 341-342): “O comportamento descrito na incriminação envolve, como se disse, a imputação de factos e a formulação de juízos de valor. Neste caso, imputar um facto atribuindo-o a alguém, ou formular um juízo de valor significa apresenta-los como produto da sua própria convicção, mas a afirmação alheia (ouvida em outro lugar, por ex., um ‘boato’) que alguém reproduz – isto é, repete, tornando-se eco do que foi dito ou insinuado - não é , enquanto tal, objecto da própria convicção. A indicação da fonte (nominatio autoris) não desonera, porém, o agente da sua responsabilidade. Diz, expressamente, Magalhães Noronha que o agente não se escusa por citar a fonte, nem por empregar ressalvas ou ponderação, adrede preparadas e que mal ocultam o dolo com que age. Vale o mesmo para quem, ao (re)lançar o ‘boato’, acrescenta que não acredita naquilo que lhe transmitiram e que, todavia, repete». Também o Prof. Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 1, pág. 612, §27), depois de salientar que “ Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz da maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo, são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja....”, salienta: “Daí que tenhamos por absolutamente irrelevante – para este aspecto das coisas, frise-se- fazer preceder a imputação do facto ou a formulação do juízo de um ‘diz-se’, ‘ouvimos de vários lados’, ‘tanto quanto julgamos saber’. Por isso que a reprodução do que ‘ouvira dizer’ por parte do Dr. BB e de pretensos rumores que ouvia na cidade de Braga, não torna a arguida imune ao preenchimento do tipo. Afigura-se-nos igualmente inequívoco, por tal ser imposto pelo teor objectivo das declarações da arguida conjugado com e as regras da experiência, que a arguida não podia deixar de ter consciência dos efeitos atentatórios, para aqueles valores pessoais, que as suas considerações provocaram. A este respeito, importa não esquecer que a arguida era uma testemunha particularmente qualificada. Parafraseando o douto Ac. do STJ 26 de Janeiro de 2011, proc. n.º 417/09.5YRPT, R.S2, rel. Cons.º Armindo Monteiro, a arguida, juiz de direito, não ignora – não pode ignorar – porque julga o seu semelhante e, mais ainda, possui um sentido axiológico ou normativo das palavras, arredio, por vezes, do cidadão comum, que ao referir-se à assistente como o fez, ofendia a honra e consideração da ofendida. Por outro lado, como se referiu no douto Ac. do STJ de 9-4-2015, proc.º n.º 5/13.1TRGMR.S1, rel. Cons.ª Isabel Pais Martins: «O bem jurídico tutelado pelo crime de difamação pertence ao direito penal nuclear e tem forte coloração ética e ressonância social, pelo que o conhecimento da própria proibição não era razoavelmente indispensável para que a arguida tomasse conhecimento da ilicitude do facto. E também não é concebível transformar um motivo (a prestação de um depoimento em audiência) num erro que se vai reflectir na valoração jurídica global da conduta. Não é aceitável que o depoimento da arguida em audiência possa ser valorado como tradução de qualquer convencimento íntimo de que o motivo da sua actuação tornava a sua conduta permitida pelo direito. Tanto mais quanto a arguida é uma juíza de direito com anos de experiência. (…) a prova do dolo, ou da falta dele, ou a prova da consciência da ilicitude, ou da falta dela, não poderia ser directamente obtida pelo tribunal por via das declarações da arguida. Mas já se pode inferir dessas declarações porque do conteúdo objectivamente ofensivo da honra e consideração do assistente dos juízos de valor que, sobre ele, a arguida emitiu extrai-se, com suficiente segurança o conhecimento e vontade da arguida de ofender a honra e consideração do assistente, tendo, ademais, perfeita consciência de que a formulação de tais juízos, ainda que no contexto de um depoimento, era proibida. A afirmação do dolo e da consciência da ilicitude é autorizada, pelas regras da vida e da experiência, face ao teor objectivo das declarações da arguida». A questão a seguir relevante é a de se apurar se o facto não estará justificado. Como é sabido, conforme constitui doutrina e jurisprudência praticamente uniformes, a causa de exclusão da ilicitude referida no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal não se aplica a juízos de valor, por não ser possível verificar-se a condição tipificada na alínea b) desse número (cfr. v.g., Oliveira Mendes, O Direito à Honra e Sua Tutela Penal, Coimbra, 1996, Almedina, pág. 62, o Ac. do STJ de 9-4-2015, proc.º n.º 5/13.1TRGMR.S1, rel. Cons.ª Isabel Pais Martins e os Acs da Relação do Porto de 17-05-2000, proc. nº 0010244, rel. Manuel Braz; de 27-11-2002, proc.º n.º 0240256, rel. Isabel Pais Martins e de 21-3-2007, proc.º n.º 0616761 rel. por Guerra Banha; da Rel. de Coimbra de 24-9-2003, proc.º n.º 698/03 rel. Oliveira Mendes e de 22-2-2006,proc.º n.º 4235/05 rel. por Brízida Martins, da Rel. de Guimarães de 11-10-2004, proc.º n.º 1205/04-1 rel. Tomé Branco e da Rel. de Lisboa 6-4-2005, proc.º n.º 665/2005-3 rel. Carlos Almeida) todos disponíveis em www.dgsi.pt. Mas, o tipo justificador previsto no n.º 2 do art.180.º do Código Penal, não inviabiliza a necessidade do Tribunal ponderar se a imputação de factos ou de juízos valorativos, que atentam contra a honra e consideração de outra pessoa, se encontram justificados no âmbito da aplicação do art.31.º, n.º 2 do Código Penal, nomeadamente da sua alínea c). Ora, importa não esquecer que a arguida disse o que disse no contexto da prestação de um depoimento prestado em inquérito, na qualidade de testemunha. A arguida, na qualidade de testemunha, estava obrigada a responder às perguntas que lhe foram feitas com verdade (artigos 132º, nº1, al. d) do CPP e 360º do CP). Depondo a testemunha no cumprimento de um dever legal e com a obrigação de dizer a verdade, deve narrar os factos de que tem conhecimento, mesmo que sejam ofensivos para a honra e consideração de outrem e não possua meios para provar que a sua narração corresponde ao que viu e ouviu, como é o caso de os factos terem decorrido sem a presença de outras pessoas além do pretenso ofendido com as revelações, ou a pessoa de quem o ouviu ter já falecido. Por isso a jurisprudência vem salientando que provando-se que a testemunha mentiu conscientemente no âmbito do seu depoimento, agindo com conhecimento e vontade de faltar à verdade e de ofender a honra e consideração do visado deverá a mesma, agora com a qualidade de arguido, ser condenado pelos crimes de difamação e de falso testemunho. Não se tendo provado que a mesma testemunha, no quadro da função social de prestação de depoimento como testemunha, faltou à verdade, deve ela, agora com a qualidade de arguido, ser absolvido da acusação dos crimes de difamação e de falso testemunho- cfr. v.g. o Ac. do STJ de 21-4-2005, proc.º n.º 756/05, rel. Cons.º Simas Santos e os Acs da Rel. do Porto de 22-4-2015, proc.º n.º 9459/12.2TAVNG.P1, rel. Lígia Figueiredo, de 27-6-2012, proc.º n.º 17/08.7GBPRT.P1, rel. José Carreto, da Rel. de Lisboa de 26-3-2009, proc.º n.º 7277/2008-9, rel. João Abrunhosa, de 16-7-2008, proc.º n.º 9613/2007-3, rel. Conceição Gonçalves, de 23-6-2008, proc.º n.º 10422/2005-9, rel. Fernando Estrela e da Rel. de Coimbra de 3-3-2010, proc.º n.º 828/07.0TACTB.C1, rel. Orlando Gonçalves, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Na síntese do citado Ac. da Rel. do Porto de 22-4-2015, citado pela arguida no seu RAI, “ a testemunha tem o dever de responder e se o faz respondendo ao que lhe é perguntado de acordo com a convicção que tem dos factos não comete o crime de difamação a não ser que estivesse consciente da falsidade das suas afirmações”. Mas, o caso dos autos é substancialmente distinto. Como é evidente, quando a testemunha narra ao tribunal que viu o arguido matar, bater, furtar, roubar alguém ou o ouviu injuriar ou difamar outrem, esses factos são claramente ofensivos da honra e consideração do arguido. Mas, não se provando que são falsos e porque a testemunha tem o dever de narrar os factos de que tem conhecimento, a sua conduta encontra-se justificada. Não pode, porém, olvidar-se que o objecto do depoimento incide sobre factos. Nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do CPP «A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituem objecto de prova». Por isso, nos termos do artigo 130.º, n.º 2, alínea a), do CPP, a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação só é admissível quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos. Mas o dever de declarar só justifica a ofensa à honra e consideração se os factos constituírem “objecto de prova” (como sucedeu nos casos a que se refere a jurisprudência acima mencionada). Em processo penal, “constituem objecto da prova todos os todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis” (artigo 124.º do CPP), bem como, caso haja lugar a pedido de indemnização civil, “os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil” (n.º2 do mencionado artigo 124.º). Fora do “objecto de prova” ninguém tem o dever de declarar (cfr. v.g. Medina de Seiça, Comentário, op. cit., pág. 467§22, Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, vol. I, cit., pág. 355-356, e Ac. do STJ de 9-4-2015, proc.º n.º 5/13.1TRGMR.S1, rel. Cons.ª Isabel Pais Martins) Sobre esta matéria, a arguida, conforme se apurou, não tinha conhecimento directo porquanto tudo o que sabe lhe fora relatado pelo Dr. BB. Os juízos formulados pela arguida não têm, assim, qualquer ponto de conexão com o objecto daquele inquérito. Estando em causa a falsidade das declarações prestadas pelo Dr. BB, na qualidade de testemunha, no âmbito do Proc. n.º 3606/12.1TBBRG, da Vara de competência mista do Tribunal, qual era a relevância ou utilidade de qualificar a assistente como pessoa que tinha fama em Braga de ser “ pessoa desonesta, perigosa, de vida nocturna e álcool e extremamente manipuladora”? Em que medida é que a vida nocturna ou o consumo de álcool por parte da assistente, ou o seu relacionamento com a filha mais velha interfere com a veracidade ou falsidade daquelas declarações? Qual a utilidade de referir que o Dr BB só aguentou a relação entre eles para poder obviar a que a filha fosse sujeita a maus tratos, deixando subentendido que assistente poderia maltratar a filha já que assim lho confidenciara o Dr. BB? Nenhuma daquelas afirmações estava relacionada com o objecto do processo, por não assumir qualquer relevância jurídica para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena aplicável. Aquelas afirmações, perfeitamente desnecessárias, ofensivos da honra e consideração da assistente, foram antes proferidas pela arguida a despropósito, com o objectivo claro de denegrir a imagem e a credibilidade da assistente, com o fim último de, assim, privilegiar o arguido Dr. BB, seu amigo e confidente. Ora, como doutamente se observou no Ac. do STJ de 9-4-2015, proc.º n.º 5/13.1TRGMR.S1, rel. Cons.ª Isabel Pais Martins, [[43]] perante um caso análogo, também oriundo de um processo desta Relação de Guimarães: “Os juízos de valor excedem os limites do depoimento e, por isso, o cumprimento do dever de prestar depoimento não pode justificar apreciações sobre o carácter do assistente que não pertencem ao objecto do depoimento”. Por isso que se imponha a pronúncia da arguida pela prática do referido crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º1, do Código Penal. “ Na lição de Paolo Tonini “a qualidade de testemunha pode ser assumida pela pessoa que tenha conhecimento dos factos objecto de prova mas que ao mesmo tempo (“stesso tempo”) não revista uma das qualificativas à quais o código reconhece a incompatibilidade de testemunhar.” [[44]] Discorrendo sobre o testemunho indirecto, refere o citado Autor que o conhecimento dos factos pode ser directo ou indirecto (“detta anche ded relato o de auditu”) e que a testemunha adquire este conhecimento “quando tenha apreendido o facto através de uma representação que outro haja referido por voz, por escrito ou com outro meio (por exemplo com imagens ou gestos). Portanto ocorre um testemunho indirecto quando o facto a provar não haja sido percebido pessoalmente pelo sujeito que o está narrando, mas a esta pessoa (“a costui”) tenha sido representado por uma outra fonte.” [[45]] Seja em que circunstância for – o direito processual português admite o depoimento indirecto nos parâmetros, com as condicionantes, cautelas e preocupações de asseguramento da comprovação da veracidade dos factos ditos por outrem referidas no artigo 129º do Código Processual Penal – o depoimento de uma testemunha há-de sempre recair sobre a ocorrência de um facto, que teve oportunidade de observar directamente ou por narração de outrem, e não sobre uma realidade apreendida, maturada e representada (cognitivamente e idealmente) sobre uma conjunto de factos que resultaram na formulação de um juízo acerca do modo de ser, estar e comportar-se de uma pessoa. Os juízos de valor comportam e expressam realidades formadas, compositamente, de factos reais, motivações e representações culturais, morais e éticas – de que cada um, enquanto membro de um concreto meio social, adquiriu e se torna portador intimo – e que se destinam a qualificar, de forma impressiva e modelar, estados naturais ou pessoais. Quem expressa um juízo de valor fá-lo pela necessidade de com ele abranger, qualificando, um estado ou situação que contêm um conjunto de variantes que devem, ou podem, ser globalmente consideradas. Foi o que a arguida fez ao qualificar a assistente com «fama» de pessoa atreita a vida nocturna, com hábitos de consumo de álcool de não ser boa mãe e ser manipuladora. Estas qualificações ou juízos formados – certamente por factos e situações que lhe hajam sido referidas por outrem – não cabem dentro de um depoimento (directo ou indirecto) sobre factos. A arguida emitiu e expressou opiniões, qualificativas pessoais, de índole social, ética e moral, que não cabem da realidade factual que haja percebido directamente ou que lhe tenha sido transmitida por outrem. Acrescerá que para o fim do depoimento que lhe era proposto, não se descortina – se o depoimento fosse cingido e atinado ao que estava em causa e constituía o objecto do inquérito onde o Senhor Juiz era indiciado pelo que havia declarado (de forma supostamente inverídica e desfasada da realidade factual) num outro julgamento – qual a razão pela qual a arguida formula juízos de valor sobre a assistente. Estaria em causa explicar as razões por que o arguido no dito inquérito tinha declarado de forma não correspondente com a realidade e não os hábitos e forma de comportamento que a assistente assumia na vida social e/ou familiar e conjugal. O depoimento é exorbitante, extravasa e excede o que era exigível a uma testemunha que fosse chamada a depor num inquérito como aquele que se evidencia ter sido aquele em que depôs. Era-lhe exigível e tinha por obrigação, pessoal e processual, depor sobre as razões do proceder de uma pessoa e não sobre as qualidade e modos de ser, agir e comportar de outra pessoa, ainda que esta tivesse sido a participante dos factos sobre que tinha que depor. O que ficou exposto permite criar a convicção de que o despacho sob impugnação não merece, ou deve, ser alterado
III. – DECISÃO. Na defluência do que de ser exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, em: - Negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar o despacho impugnado; - Condenar a recorrente nas custas.
Lisboa. 13 de Julho de 2017 Gabriel Catarino (relator) ---------------- [34] Veja.se ainda para o tema, indícios e máximas da experiência, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de Ac. STJ de 11 de Julho de 2007, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de cujo sumário respigamos os seguintes pontos: “IV – A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é baseada em indícios. V – Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra. VI – A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. VII – O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.” Ainda pelo interesse que comporta não resistimos a transcrever parte do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2011, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, e disponível em www.dgsi.pt. “Para Jaime Torres, Presuncion de incencia y prueba en el processo penal, pág 65, importa distinguir dois tipos diferentes de regra de experiência: as regras de experiência de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte. XIII - Usando tais regras de experiência entendemos que o juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova. XIV - As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu. XV - A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais. XVI - As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária. XVII - O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa. XVIII - Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova. XIX - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai. XX - Como tal a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento á dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência. XXI - Na prova indiciária devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; à combinação ou síntese dos indícios; à indiciária combinação das inferências indiciárias; e à conclusão das mesmas. XXII - Assim: - 1 ) Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas ou seja insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena. - 2) Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e avaliação o que permitirá a sua interpretação como graves, média ou ligeiras. - 3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto. - 4) Quando não se fundamentem em leis naturais que não admitem excepção os indícios devem ser vários. - 5) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, devem conjugar-se entre si, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias. - 6) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas. - 7)- Por igual forma deve estar afastada a existência de contra indícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária.” [42] Cfr. Ac. STJ de 11 de Julho de 2007, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro. |