Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | VEÍCULO AUTOMÓVEL DIREITO DE PROPRIEDADE AUTO DE NOTÍCIA VALOR PROBATÓRIO CÓDIGO DA ESTRADA CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL PELO RISCO DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO/ EXCEPÇÕES - SENTENÇA - RECURSOS DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEIOS DE PROVA/ PROVA DOCUMENTAL - FASES PRELIMINARES/ NOTÍCIA DO CRIME DIREITO ESTRADAL - PROCESSO/ PROCESSAMENTO DIREITO DO REGISTO E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, "Código Processo Civil Anotado", Coimbra Editora, Coimbra 1981, vol. I, págs. 614, 615, vol. V, pág. 71 e em nota ao 661.º . - Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 118.º, pág. 370. - Lebre de Freitas, "Código Processo Civil Anotado", vol. II, págs. 648 e 649. - Lopes Cardoso, “O pedido e a sentença”, in RT, 93, págs. 57 e 58 - Manuel Domingues Andrade, Direito Civil - Teoria Geral da Relação Jurídica, II, págs.21 e 22. - Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, págs. 184 e 185. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 499.º. CÓDIGO DA ESTRADA (CEST): - ARTIGOS 33.º, 170.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 498.º, N.º1, 660.º, N.º 2, N.º 1, ALÍNEA D), 661.º, N.º2, 664.º, 668.º, 722.º, 729.º. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 169.º, 243.º, 244.º, 246.º CÓDIGO REGISTO PREDIAL (CRPRED): - ARTIGOS 1.º, 7.º DEC. - LEI N.º 54/75, DE 12-2: - ARTIGO 29.º LEI N.º 3/99, DE 13-1: - ARTIGO 26.º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 17-01-1995; DE 29-01-98 IN BMJ 473, PÁGS. 445; DE 13-01-2000; DE 24-2-2000; DE 29-2-2000 - 6ª SEC.-, "SUMÁRIOS", Nº. 38, PÁG. 30; DE 18-9-03, PROCESSO N.º2195/03; DE 19-2-2004, EM WWW.DGSI.PT; DE 22-04-2004; DE 27-04-2005; DE 6-7-2005; DE 28-09-2005, PROCESSO N.º 578/05; DE 2-12-2005, PROCESSO N.º 2850/05; DE 02-02-2006, PROCESSO N.º 3225/05;DE 09-02-2006, PROCESSO N.º 4187/05; DE 22-03-2007, PROCESSO N.º 06B4604, EM WWW.DGSI.PT; DE 16-01-2008, EM WWW.DGSI.PT; DE 31-03-2009; DE 02-02-2010; DE 08-07-2010, PROCESSO N.º 1362/08; DE 01-03-2012; DE 15-03-2012, IN WWW.DGSI.PT. ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -DE 20-01-1988; N.ºS 36/04 E 276/04; N.ºS 63/85, 447/87 E 135/92, PUBLICADOS, RESPECTIVAMENTE, EM ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, 5º VOL., PÁG. 503, 10º VOL., PÁG. 547 E 21º VOL. PÁG. 541, E ACÓRDÃO 922/96 (DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/JURISPRUDENCIA.HTM) E NO ACÓRDÃO N° 252/92, PUBLICADO EM ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, 22.º VOL., PÁG. 723. | ||
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Sumário : | I - A prova do direito de propriedade de um veículo automóvel só pode ser feita através de documento emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel. II - A eventual e simples declaração do proprietário, constante de um auto de notícia, desacompanhada de documento idóneo comprovativo de que a titularidade da propriedade do veículo se encontra inscrita em seu nome, não pode ser tida para efeitos de constituir um documento com força probatória atribuída ao registo de propriedade. III - As regras normativas constantes do Código da Estrada, pela sua dimensão regulamentadora e ordenadora dos comportamentos viários, possuem uma compreensão teleológica que projectam naqueles que têm o dever de as observar e cumprir, a adopção de comportamentos conjugados e recíprocos, o que as configura como normas não totalmente imperativas, mas de cumprimento condicionado ou implicado. IV - Tendo o autor formulado um pedido em quantia líquida e tendo alegado e provado o(s) respectivo(s) facto(s) constitutivo(s) de que emerge a obrigação de indemnizar, é possível ao tribunal, se o peticionante não lograr provar o facto que conduz à quantificação exacta da condenação, condenar em quantia ilíquida. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. - Relatório. Dissentindo do decidido na apelação interposta da decisão proferida em primeira instância [[1]] que, na parcial procedência da apelação, decidiu: “a)Relegar para liquidação em execução de sentença, a fixação de indemnização ao A. AA por ITA e ITP e por danos futuros; b)Determinar que os juros de mora devidos aos AA AA e BB, respectivamente sobre as quantias de €939,68 e €54,47, vencem-se desde a data da citação e até integral pagamento”, tendo no mais mantido a decisão de primeira instância, recorrem, de revista, tanto os demandantes, como a demandada seguradora, havendo a considerar para o recurso interposto, os sequentes: I.1. - Antecedentes Processuais. AA e BB, intentaram a presente acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros CC, S.A., pedindo a procedência da acção e a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias: a) Ao Autor AA 129 672,70 € a título de indemnização por danos morais e patrimoniais; b) Ao Autor BB 20 593,17 €, igualmente a título de danos morais e patrimoniais; c) Juros de mora à taxa legal a contar da citação da Ré. Alegaram para o efeito, em síntese, que: - No dia 03 de Abril de 2000, pelas 16,15 horas, os autores circulavam na E.N. 114, no sentido Santarém – Coruche, no veículo de matrícula XM---, propriedade do autor AA. - Circulavam na sua mão de trânsito e a velocidade adequada. - Ao aproximar-se do quilómetro 109, o autor AA verificou que no seu lado direito estava um sinal de perigo indicando estreitamento da via, pelo que reduziu a velocidade. - Mais à frente existia um sinal de prioridade de passagem para si numa passagem estreita – ponte. - Após ter entrado na referida passagem estreita, o veículo XM foi violentamente embatido na frente do lado esquerdo pelo veículo pesado de mercadorias com a matricula -CQ, conduzido por DD, que tinha entrado na referida ponte, em sentido contrário ao XM e em desrespeito da sinalização existente no seu sentido de marcha, ou seja, Coruche – Santarém. - Na berma direita da referida estrada, atento o sentido do CQ estavam três sinais verticais de trânsito, respectivamente, de proibição de circulação a velocidade superior a 50 quilómetros por hora, de indicação de estreitamento da via e de obrigação de cedência de passagem a trânsito que circulasse em sentido contrário, que o seu condutor desrespeitou. - Em consequência do embate, ficaram destruídas mobílias, um relógio e uns óculos do autor AA, bem como o XM. - O autor AA sofreu diversos ferimentos e foi transportado para o Hospital de Santa Maria onde foi operado, no serviço de ortopedia e no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva. - Esteve um período sem trabalhar e foi-lhe fixada uma IPP de 20%. - O autor BB sofreu também ferimentos e foi transportado para o Hospital de Santarém e posteriormente para o Hospital de Santa Maria onde foi operado cerca de duas semanas após o acidente. - Sofreu dores e andou em tratamentos de fisioterapia. A Ré contestou, alegando o seguinte: - Culpa alguma é de imputar ao condutor do CQ na produção do sinistro, pois conduzia com cuidado e atenção. - Transitava a velocidade não superior a 30 quilómetros horários. - Quando o CQ saia da ponte, achando-se o tractor do veiculo já fora dessa mesma ponte, veio a ser embatido na parte lateral esquerda, junto ao depósito de combustível, pelo veiculo XM, que circulava a velocidade superior a 50 quilómetros por hora. -O piso estava molhado pela chuva e o condutor do XM ao tentar Pará-lo foi colidir coma guarda da ponte do lado direito atento o seu sentido de marcha. - Após o que foi projectado para o lado esquerdo, colidindo com a parte lateral esquerda do tractor do CQ, arrancando o rodado traseiro do mesmo tractor e enfaixando-se por debaixo do reboque. - A violência da colisão do XM na guarda da ponte e no tractor e galera do CQ provocou a total destruição daquele, o que evidencia a alta velocidade a que circulava. Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. Da decisão proferida – cfr. nota 1 - apelaram os demandantes, AA e BB, tendo, na apelação pedido: “a) Se deve ser alterada a resposta ao quesito primeiro, tendo em conta o que resulta da “Participação do Acidente” lavrada pela GNR; b) Se a culpa na produção no acidente deve ser imputada ao condutor do veículo CQ, por ter violado o disposto no artigo 29.º do Código da Estrada então em vigor, bem como o artigo n.º 21 B-5 do Regulamento de Sinalização de Trânsito aprovado pelo do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 1 de Outubro; c) Se deve ser relegado para execução de sentença, o apuramento do montante indemnizatório a atribuir ao A. AA, pela incapacidade temporária para o trabalho sofrida; d) Se deve ser atribuída indemnização ao A. AA, pela destruição da mobília; e) Se a indemnização a atribuir ao A. AA, pelos danos futuros resultantes da IPP de 17%, deve ser fixada em €76.800,00; f) Se deve ser atribuída ao A. AA uma indemnização por perda do veículo XM, da carroçaria e do toldo com publicidade; g) Se os juros de mora resultantes da indemnização devida aos AA, devem ser contados desde a data da citação da Ré Seguradora.” É do decidido na apelação que recorrem, tanto os demandantes como a demandada, havendo que fixar o epítome conclusivo a seguir queda transcrito. I.2. - Quadro Conclusivo. “1. A prova da propriedade de um veículo automóvel pode ser feita com recurso ao título de registo de propriedade. 2. Constando do Auto de Notícia elaborado pela GNR, que tomou conta do acidente e que apreendeu os documentos do automóvel, que o mesmo pertence a AA, deve o mesmo Auto de Notícia ser considerado bastante para provar que o automóvel pertence ao AA. 3. Estando o condutor do CQ obrigado pelos sinais de trânsito, a ceder a passagem na ponte ao condutor do XM, violou essas normas estradais se não cedeu a passagem. 4. Ocorrendo o embate, em cima da ponte, que era a passagem estreita assinalada pela sinalização existente na berma da estrada, conclui-se que o condutor do CQ violou as normas estradais que o obrigavam a ceder a passagem. 5. A violação de normas estradais, constitui presunção de culpa na produção do acidente, do condutor que as violou. 6. Não tendo a Ré ilidido a presunção de culpa do condutor seu segurado, deve ser-lhe atribuída a totalidade da culpa na produção do acidente. Para a revista que impulsionou, a demandada seguradora, dessumiu o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. “1. O A. AA não logrou provar que auferisse remuneração mensal pela actividade industrial que desenvolvia – não tinha vencimento estipulado. 2. O art. 661.º, n.º2 do Código de Processo Civil só permite remeter para posterior liquidação quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade, mas sim como a consequência de não se conhecerem, com exactidão, as consequências do facto ilícito – cfr., entre outros, Acórdão do ST J de 17.1.1995, in BMJ 443-404. 3. Efectivamente, o A. AA alegou, e não conseguiu provar, que auferisse um rendimento mensal não inferior a € 2.000,00. 4. Deste modo, falece a possibilidade de se aplicar o dispositivo do n.º 2 do art. 661.º do Código de Processo Civil, como o fez o acórdão recorrido, dado que a impossibilidade de fixar o montante da remuneração mensal do A. AA resulta somente do fracasso da prova e não da falta de elementos. 5. O acórdão recorrido violou o disposto no art. 661.º, 2 do Código de Processo Civil. 6. Consequentemente, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que relega para ulterior liquidação, na proporção da responsabilidade da contribuição para o sinistro, em 40% para o XM-4044 e 60% para o -CQ, a fixação de indemnizações por ITA e ITP e danos patrimoniais futuros a atribuir ao A. AA, (…)” Contra-alegou a demandada seguradora perorando pelo bom julgado da questão que constitui o fundamento do recurso dos demandantes. I.3. - Questões a merecer apreciação nas revistas. Da revista dos demandantes: - Prova do direito de propriedade de um veículo (valor de um auto de noticia); - Presunção de culpa por violação do dever de observância de sinalização obrigatória. Da revista da demandada: - Condenação em quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença. II. - FUNDAMENTAÇÃO. II.A. - DE FACTO. “1. No dia 03 de Abril de 2000, cerca das 16 horas e 15 minutos, na Estrada Nacional 114, ao quilómetro 109 303,400, no concelho de Coruche, ocorreu o embate entre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula XM--- e o veículo pesado de mercadorias de matrícula -CQ (Al. A)). 2. O veículo XM era, no momento do embate a que se alude em A), conduzido pelo autor AA (Al. B)). 3. O veículo referido em B) circulava, aquando do embate, na estrada descrita em A), no sentido Santarém – Coruche (Al. C)). 4. O veículo CQ era conduzido por DD (Al. D)). 5. Este veículo, no momento do embate, seguia na referida estrada, no sentido Coruche – Santarém (Al. E)). 6. A responsabilidade civil por danos causados pela circulação do veículo CQ encontrava-se, à data do embate mencionado em A), transferida para a ré através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... (Al. F)). 7. Após o embate, o veículo XM, que à data valia 600 000$00, ficou destruído, não sendo aconselhável a sua reparação (Al. G)). 8. O condutor do -CQ, DD, transitava na altura do acidente pela E.N. 114 no sentido Coruche – Raposa (Al. H)). 9. No momento do embate mencionado em A), existia ao quilómetro 109,303 uma ponte que tinha 4,20 metros de largura (Al. I)). 10. Na berma direita da estrada referida em A), atento o sentido de marcha do veículo XM, antes da ponte mencionada em I), encontrava-se na altura do embate, como ainda hoje, sinal de proibição de exceder a velocidade de 50 quilómetros por hora (Al. J)). 12. Aquando do embate, o piso da estrada estava molhado pela chuva (Al. L)). 13. Após o embate, os salvados do veículo XM valiam Esc. 50 000$00/249,40 € (Al. M)). 14. Aquando do embate o veículo XM circulava pela faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha (2.º). 15. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), ao quilómetro 109 303,400, encontrava-se, do lado direito, atento o sentido de marcha do XM, um sinal de perigo, indicando um estreitamento da via (3.º). 16. Pelo que o autor AA ao avistá-lo reduziu a sua velocidade, seguindo a sua marcha (4.º). 17. Alguns metros à frente do sinal, descrito em 3.º e também implantado na berma direita da via, atento o sentido de marcha do XM, encontrava-se um sinal de trânsito com a indicação de prioridade de passagem nas passagens estreitas (5.º). 18. O veículo XM, após ter entrado na passagem estreita, que era a ponte a que se alude em I), foi embatido na sua frente pelo lado esquerdo do veículo CQ, que o arrastou contra o muro da ponte, onde embateu com a parte traseira direita, derrubando parte do muro da ponte (6.º e 7.º). 19. A destruição do veículo XM, mencionada em G) ficou a dever-se ao embate no muro da ponte e no veículo CQ (15.º). 20. O autor BB, no momento do embate, era ocupante do veículo XM (16.º). 21. À data do embate o veículo transportava: a) Uma mobília de quarto revista n.º 1, completa, em castanho; b) Um colchão morpheus ortopédico 1,33 x 1,88; c) Uma mesa rectangular extensível, em castanho; d) 8 cadeiras; e) Um jogo de sofás Fátima; f) Uma mesa de T.V. 131 com tampo giratório (17.º). 22. Em consequência do embate ficou destruída, sendo o seu valor facturado de Esc. 1 374 750$00, como ficou destruída a carroçaria, o toldo com publicidade e o corta-vento do veículo (18.º e 19.º). 23. Consequentemente ao embate o autor AA perdeu o relógio de pulso e os óculos cuja substituição importou em 66 390$00 (20.º e 21.º). 24. Com o reboque do veículo do local do embate para Coruche e daqui para a vila da Benedita, gastou o autor AA 57 330$00 (22.º). 25. Em consequência do embate, o autor AA sofreu fractura cominutiva do olecrânio esquerdo de grau III (23.º). 26. E sofreu feridas ao nível da face por traumatismo crânio – facial na região periorbitária esquerda com perda de substância (24.º). 27. Nessa sequência o autor AA foi operado na urgência do Hospital de Santa Maria, no serviço de ortopedia, onde lhe foi efectuada limpeza cirúrgica, desbidramento e reconstrução da extremidade proximal do cúbito com excerto tricortal (25.º). 28. E foi operado de urgência no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva, no serviço de urgência do mesmo hospital, onde foi submetido a reposicionamento de retalhos existentes, com conjuntivo – tarssórrafias e sutura de feridas (26.º). 29. Esteve internado até ao dia 12.04.2000, tendo sido depois orientado para consultas externas de ortopedia e de cirurgia plástica (27.º). 30. Tais lesões foram causa directa e necessária de doença com incapacidade total para o trabalho entre 03 de Abril de 2000 e 01 de Novembro de 2000 e entre 18 de Outubro de 2001 e 30 de Outubro de 2001 (28.º). 31. Tais lesões foram causa directa e necessária de uma incapacidade permanente geral fixável em 17 pontos (29.º). 32. O autor AA foi transportado do local do embate mencionado em A) para o Hospital de Santa Maria, em ambulância dos bombeiros municipais de Coruche, pelo que pagou a quantia de 14 670$00 (73,17 €) (30.º). 33. O autor AA compareceu a pelo menos 11 consultas externas no Hospital de Santa Maria, despendendo em cada deslocação valor não apurado (31.º). 34. Nessas consultas externas e noutras que se revelaram necessárias e em medicamentos, o autor AA gastou cerca de Esc. 50 000$00 (32.º). 35. O autor AA é empresário em nome individual, tributado na categoria B para efeitos de IRS (33.º). 36. Possuindo uma empresa que dedica a actividade à produção e comercialização de mobílias (34.º). 37. Toda a actividade empresarial é por ele gerida e administrada (35.º). 38. Antes do embate o autor AA era saudável, activo e dinâmico (37.º). 39. Em consequência das lesões sofridas pelo embate, o autor AA padeceu dores e sofreu receios e angústias (38.º e 39.º). 40. Em consequência do embate o autor AA sofreu incapacidade temporária profissional total entre 03 de Abril de 2000 e 01 de Novembro de 2000 e entre 18 de Outubro de 2001 e 30 de Outubro de 2001, incapacidade temporária profissional parcial entre 02 de Novembro de 2000 e 17 de Fevereiro de 2001 (41.º). 41. Em consequência do embate o autor BB sofreu traumatismo craniano, fractura dos arcos costais anteriores esquerdos, com derrame, fractura do úmero e escoriações no lábio (42.º). 42. E nessa sequência foi assistido no Hospital de Santarém, na madrugada do dia 04.04.2000, de onde foi transferido para o Hospital de Santa Maria (43.º). 43. Onde esteve internado cerca de uma semana, permanecendo no Serviço de Observação, sendo depois transferido para o Hospital de Caldas da Rainha, onde permaneceu mais uma semana (44.º). 44. O autor BB regressou ao Hospital de Santa Maria, onde foi operado, permanecendo aí cerca de 10 dias (45.º). 45. Com o transporte de ambulância do local do embate para o centro de Saúde de Coruche e daqui para o Hospital de Santarém, o autor BB gastou € 54,47 (48.º). 46. O autor BB, apesar de reformado, desenvolvia actividade agrícola, por conta própria (51.º). 47. Como consequência das lesões sofridas, o autor BB padeceu dores e sofreu receios e angústias (53.º e 54.º). 48. Na berma direita da estrada, atento o sentido de marcha do -CQ, existiam três sinais verticais de trânsito, respectivamente, de proibição de circulação a velocidade superior a 50 quilómetros por hora, de indicação de estreitamento da via e de obrigação de cedência de passagem a trânsito que circulasse em sentido contrário (56.º). Ao abrigo do art.º 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal dá ainda como provados os seguintes factos: 49. O autor AA nasceu no dia … de … de 19… (certidão de assento de nascimento de fls. 140). 50. O autor BB nasceu no dia … de Abril de 19… (certidão de assento de nascimento de fls. 141). 51. O autor AA sofreu um período de incapacidade temporária geral total desde 03 de Abril de 2000 até 17 de Abril de 2000, desde 17 de Outubro de 2000 até 31 de Outubro de 2000 e desde 18 de Outubro de 2001 até 25 de Outubro de 2001, fixável num período de 38 dias (relatório do IML de fls. 362 e seguintes). 52. O autor AA sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial desde 18 de Abril de 2000 até 16 de Outubro de 2000, desde 01 de Novembro de 2000 até 17 de Outubro de 2001 e desde 26 de Outubro de 2001 até 30 de Outubro de 2001, fixável num período de 538 dias (relatório do IML de fls. 362 e seguintes). 53. O autor BB sofreu um período de incapacidade temporária geral total desde 03 de Abril de 2000 até 11 de Maio, fixável num período de 39 dias (relatório do IML de fls. 374 e seguintes). 54. O autor BB sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial desde 12 de Maio de 2000 até 12 de Julho de 2000, fixável num período de 62 dias (relatório do IML de fls. 374 e seguintes).” II.B. – DE DIREITO. II.B.1. – Prova do direito de propriedade de um veículo (valor de um auto de noticia). O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro - pelo que a sua competência em mataria de recurso está confinada ao conhecimento de matéria de direito - cfr. artigo 722.º e 729.º, ambos do Código Processo Civil. Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão confinados aos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 722.º do Código Processo Civil. Balizado, objectivamente, o âmbito de cognoscibilidade do recurso de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, passar-se-á ao conhecimento da questão supra enunciada. Reiteram os demandantes, para este Supremo a tese que já tinha advogado na apelação, qual seja a de que o direito de propriedade “[de] um veículo automóvel pode ser feita com recurso ao título de registo de propriedade” e que “[constando] do Auto de Notícia elaborado pela GNR, que tomou conta do acidente e que apreendeu os documentos do automóvel, que o mesmo pertence a AA, deve o mesmo Auto de Notícia ser considerado bastante para provar que o automóvel pertence ao AA.” Estatui o artigo 29º do Dec. Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro que «são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas de regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e respectivo regulamento.». Constitui doutrina pacífica, e solidamente consolidada pela jurisprudência, que o registo vale para o direito como acto declarativo, pois que através do acto de registo, aquele que procede ao registo do direito apenas confere publicidade a um direito já constituído, ou não, na esfera jurídica do registante, através de um negócio jurídico anterior. [[3]] O registo cria uma presunção de que o direito registado, na amplitude e com o conteúdo em que o foi, existe na titularidade do sujeito que consta do registo. A presunção derivada do registo automóvel, decorrente das disposições conjugadas art. 7.º do Código Registo Predial, ex vi do artigo 29.º do Dec. - Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, constitui-se como uma presunção "juris tantum ", cujo valor do facto inscrito pode ser infirmado e elidido mediante prova em contrário. Tal prova pode resultar da nulidade do próprio registo ou da invalidade do acto substantivo inscrito. [[4]] Parece resultar inequívoco, em face do que fica dito acerca da função e alcance probatório do registo, que inexistindo norma especifica no Dec. Lei 54/75, de 12 de Fevereiro que regula directamente a matéria se terão que se aplicar, ao registo de automóvel, os normativos do Código Registo Predial, maxime os artigos 7.º, ex vi do artigo 1.º do citado diploma legal, por uma questão de integração de uma lacuna que o próprio artigo 29.º do Dec. Lei 45/75, de 12 de Fevereiro resolve quando estabelece que serão aplicadas ao registo de automóveis as normas do registo de propriedade. Ocorre, neste caso, uma aplicação subsidiária ou remissivo/integradora de uma situação jurídica lacunosa, não regulada num diploma específico, que o legislador pretendeu colmatar com recurso a uma remissão para o regime geral. Neste caso, o legislador não terá entendido que o registo automóvel merecia um tratamento em diploma especifico, certamente por estimar que tratando de um móvel sujeito a registo se deveria aplicar o regime geral consagrado no diploma que rege para os demais móveis sujeitos a registo, bem como para os imóveis. Consigna-se, pelo que fica dito, que a prova do direito de propriedade de um automóvel, só pode ser feita através de documento emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel. A questão poderá, no entanto, ser enfocada numa outra perspectiva, qual seja a de que não se destinando o titulo de registo de propriedade a provar a titularidade do direito inscrito para efeitos, por exemplo, de transmissão ou cedência do direito, poderia neste caso o documento de registo ser substituído por qualquer outro meio de prova, nomeadamente, o “auto de noticia” da verificação de um sinistro, em que o receptor das declarações dos intervenientes no acidente declaram que são proprietários do veículo e essa qualidade foi atestada pelo oficial que recebeu as declarações, ou ainda, como foi o caso em que o órgão de policia criminal fez constar da participação, e não do designado “auto de noticia”, como o apodaram os recorrentes – cfr. fls. 105 e 106 – que o livrete tinha sido apreendido por falta de inspecção. Incoa-se por dar esclarecimento da confusão feita nas alegações de recurso entre “auto de noticia” a participação ou denúncia de um facto ilícito. O “auto de noticia” – cfr. artigo 243.º do Código Processo Penal e artigo 170.º do Código da Estrada - constitui um acto de comunicação da existência/verificação de um ilícito qualificado pela lei penal como crime por um agente de autoridade. Uma denúncia ou participação repercute a notícia de um crime por parte de qualquer pessoa ao Ministério público ou a qualquer outra autoridade judiciária ou órgão de policia criminal – cfr. artigos 244.º e 246.º do Código Processo Criminal. O auto de noticia enquanto documento que plasma na sua descrição factual uma ocorrência ou um evento criminal presenciado por uma autoridade judiciária, um órgão de policia criminal ou outra entidade policial assume uma força probatória distinta da que é conferida a uma denúncia na justa medida em que nesta a autoridade judiciária ou o órgão de policia criminal se reduz á condição de receptor dos factos que lhe são transmitidos pelo denunciante, enquanto que no caso do auto de noticia os factos foram directa e presencialmente presenciados pela autoridade judiciária ou pelo órgão de policia criminal. Nos termos do n.º 3 do artigo 170.º do Código da Estrada “[o] auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.” Decorre do citado segmento de norma que existe uma presunção juris tantum estabelecida a favor da notícia do crime ou ilícito contra-ordenacional verificada e feita transcrever em auto pela autoridade competente. [[5]] O auto de notícia, com a função que lhe é conferida no preceito anterior, não tem, a força probatória que no ordenamento jus processual é conferida aos documentos ao artigo 169.º do Código Processo Penal nem por outro lado o artigo 243.º deste livro de leis estabelece qualquer presunção quanto ao valor do auto de noticia, ainda que seja jurisprudência assente que o auto de noticia constitui uma presunção da existência e verificação dos factos narrados pelo órgão investido de autoridade para relatar os factos ilícitos presenciados e proceder á sua comunicação à autoridade judiciária competente. [[6]] Na verdade estabelece o artigo 169.º do Código Processo Penal que se “[consideram-se] provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa” e o artigo 243.º do Código Processo Penal que a autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade que presenciem qualquer crime de denúncia obrigatória “levantam ou mandam levantar auto de noticia” donde constem os elementos indicados nas alíneas a) a c) do n.º 1 do mencionado artigo. Daí que só o documento apresentado á autoridade judiciária, donde constem factos presenciados, relatados, narrados e descritos pela autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade policial, adquira um valor probatório de confiança e verosimilhança com a realidade que permite ao tribunal, na mensuração e ponderação das provas, atribuir-lhe um valor probatório superior ao que atribui a outros documentos em que as mesmas entidades procedem ao relato de ocorrências. Estão nesta última categoria as participações ou denúncias que os particulares delatam às autoridades judiciárias e que dão origem a investigações ou averiguações criminais. Nestes casos a participação não adquire qualquer presunção probatória, destinando-se, tão só, a desencadear uma investigação que irá, ou não, confirmar a ocorrência histórica dos factos denunciados. Nenhum valor acrescido a lei atribui a uma denúncia ou participação de factos com relevância criminal, quando estes não sejam presenciados pelas autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal ou outra entidades policiais. No caso os órgãos de polícia criminal não presenciaram os factos que verteram na participação que, por iniciativa dos intervenientes no acidente de viação, remeteram ao Ministério Público competente. Limitaram-se a escrever e a narrar os factos tal como lhe foram transmitidos pelos intervenientes – quiçá com versões antinómicas e sectoriais – e remeter a denúncia á autoridade judiciária competente. Se atentarmos no documento junto com a contestação – cfr. fls. 105 e 106 - constata-se que o que dele consta é que o participante que tomou conta do sinistro, assinalou numa rubrica destinada para o efeito que ficava apreendido o livrete, tendo numa quadricula a tal destinada, que a causa da apreensão deste documento de identificação do veículo ficava apreendido por falta de inspecção. A participação do sinistro, feita pelo órgão de policia criminal chamado ao local, logo ausente no momento em que o mesmo ocorreu, apenas recolheu as declarações prestadas pelas pessoas que eventualmente tenham presenciado o acidente e com base nelas procedeu á descrição do sinistro e do croqui elucidativo da forma como o mesmo terá ocorrido, itera-se, segundo as declarações dos intervenientes e das pessoas cujo depoimento logrou recolher. O documento junto aos autos quando faz referência à propriedade do veículo fá-lo com base em declarações colhidas junto dos intervenientes e não com base em documentos destinados a provar a qualidade invocada. Não consta do mesmo que foi exibido registo de propriedade e que desse documento emanava uma titularidade coincidente com a do autor. O documento de participação não se constitui como documento autêntico ou autenticado, pois que as declarações recebidas pelo órgão de polícia criminal não colheram comprovação em documentos que lhe tenham sido exibidos, ou pelo menos da participação não consta. A eventual e simples declaração do proprietário desacompanhada de documento idóneo comprovativo de que a titularidade da propriedade ao veículo se encontra inscrito em seu nome não pode ser tido como documento com força probatória atribuída ao registo de propriedade. Diverso e com contornos distintos poderia ser enfocada a questão se do documento constasse que foi exibido titulo de registo de propriedade. Neste caso, o agente de autoridade atestava um facto que tinha sido por ele comprovado e conferido, sendo que com esta feição se poderia dizer que o agente de autoridade atesta um facto que constava de documento idóneo para o comprovar e provar. Se assim, poder-se-ia conceder, com alguma generosidade e não sem algumas aporias, que a titularidade do veículo, para efeitos de indemnização por danos ocorridos em acidente de viação, se encontrava na titularidade do titular do direito à indemnização. Ainda que movendo-nos no âmbito do direito probatório civil, em que um a prova de um determinado facto ou situação jurídica, que só possa ser comprovada por documento autêntico não pode ser substituído por outro meio de prova que não aquele que a lei estipula, poder-se-ia, por uma questão de justiça material, e desde que o sujeito onerado com a prova do facto alegasse, por exemplo, que tinha extraviado o titulo de registo de propriedade, aceitar que a propriedade existia na sua titularidade, se da participação constasse que o documento tinha sido exibido e coonestado pelo oficial munido de autoridade que comprovou o facto e o confrontou com o documento idóneo para a sua prova. Como se demonstrou supra a situação factual atestada na participação não colhe idoneidade para coonestar a propriedade do veículo e nem tal seria admissível em face da necessidade da prova plena, mediante documento, que a lei registral exige. Pelo que se deixa dito, dessume-se que o documento junto com a contestação não possui força probatória exigida pela lei probatória civil para provar a titularidade do direito de propriedade do veículo com a matrícula XM---, como pertencente ao autor AA. Não decidiu em desconformidade com a lei o tribunal recorrido, pelo que se mantém o juízo de confirmação constante do acórdão quanto a este ponto. II.B.2. – Presunção de culpa por violação do dever de observância de sinalização obrigatória. Iteram os recorrentes na revista que impulsaram para este Supremo que: “[estando] o condutor do CQ obrigado pelos sinais de trânsito, a ceder a passagem na ponte ao condutor do XM, violou essas normas estradais se não cedeu a passagem” e tendo ocorrido “[o] embate, em cima da ponte, que era a passagem estreita assinalada pela sinalização existente na berma da estrada, conclui-se que o condutor do CQ violou as normas estradais que o obrigavam a ceder a passagem.” Constituindo “[a] violação de normas estradais, (…) presunção de culpa na produção do acidente, do condutor que as violou” e “[não] tendo a Ré ilidido a presunção de culpa do condutor seu segurado, deve ser-lhe atribuída a totalidade da culpa na produção do acidente.” Para o autor o condutor do veículo com a matrícula -CQ infringiu uma regra estradal que estatui que “[o] condutor sobre que recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem do outro veículo sem alteração da velocidade ou direcção deste.” A perspectiva donde faz decorrer a asserção produzida fundeia-se no facto de, diversamente do que considerou o tribunal recorrido, e já tinha sido afirmado pelo tribunal de 1.ª instância, estimar que o embate ocorreu em cima da ponte e não à saída da mesma, como tinham considerado as instâncias. Vem provado que, na via por onde o autor circulava e atento o seu sentido de marcha, existiam sinais indicadores de estreitamente de via e de que à entrada de uma ponte existia um sinal de trânsito com indicação de passagem nas passagens estreitas. No concernente ao embate/acidente, a que aludem os enunciados fácticos contidos nos números 6.º a 14.º, vem adquirido que o veículo com a matrícula XM, após ter entrado na passagem estreita, que era a ponte a que se alude em I), foi embatido na frente pelo lado esquerdo do veículo CQ (resposta ao enunciado 6.º), tendo-o arrastado contra o muro da ponte, onde embateu com a parte traseira, derrubando o muro da ponte (resposta ao enunciado 7.º) o que se mostra conforme á resposta à resposta ao enunciado 10.º. Da matéria de facto provada não resulta provado o local exacto em que ocorreu o embate, referindo-se apenas que o mesmo “após o XM ter entrado na passagem estreita, que era a ponte a se alude em I). Qual a parte do veículo, uma camioneta de caixa aberta de dimensões não muito avantajadas, como resulta das fotografias juntas aos autos, que já estava em cima da ponte e/ou em que parte do tabuleiro da ponte se verificou o embate é matéria que queda inconclusa. Que terá sido em cima da ponte, como afirmam os recorrentes, parece não sofrer contestação, em face à resposta ao enunciado fáctico contido em 6.º. Se foi no inicio, no meio ou no fim da ponte, atento o sentido de marcha do veículo com a matrícula XM, é algo que está carecida de confirmação em face da matéria de facto dada como provada. E não se tendo provado o sitio ou local exacto do tabuleiro da ponte, ou pelo menos aproximado, em que embate se verificou, sobram dúvidas quanto à aplicação da regra da prioridade que os recorrentes pretendem fazer activar em seu favor. As regras normativas contidas no Código da Estrada, pela sua dimensão regulamentadora e ordenadora dos comportamentos viários possuem uma compreensão teleológica que projectam naqueles que têm o dever de as observar e cumprir, a adopção de comportamentos conjugados e recíprocos o que as configura como normas não totalmente imperativas, mas de cumprimento condicionado ou implicado. Na verdade, em não raras situações, as injunções preceptivas que nele se contêm para além de imporem um comportamento abstencionista permitem um espaço-dever em que a actuação dos sujeitos envolvidos na acção de circulação viária são convocados a adoptar comportamentos de conformação com os condicionalismos e circunstâncias concretas em que deve e têm de agir. Na verdade, as regras estradais, se bem que contendo ordens preceptivas dirigidas aqueles que circulam na via pública e que devem ser observadas, como forma de uma correcta e conveniente circulação pedonal e rodoviária, o facto é que a assunção e cumprimento das regras estradais podem estar dependentes de um conjunto de circunstâncias que, verificadas podem constituir motivo justificativo da inobservância da regra que para o caso impera. Daí que o ordenamento estradal, em determinadas situações faça depender a observância das respectivas regras da verificação de determinadas condicionantes para que a não adopção do comportamento adequado e prescrito seja considerado violador de uma regra de conduta inscrita num normativo estradal. Como exemplo, a regra da adequação da velocidade às circunstâncias de tempo, lugar e modo como a circulação se processa, bem como no caso de prioridade quando hajam de cruzar-se dois veículos. Neste caso, como se atesta pelo estatuído no artigo 33.º do Código da Estrada, as regras de prioridade de cruzamento de veículos depende da verificação de condicionantes que não podem ser obliterados e escamoteados, quais sejam cedência de passagem de determinado tipo ou categoria de veículos perante outros, dependendo da posição relativa em que se encontram, considerando o estreitamento da via por onde o cruzamento deva processar-se, da proporção/compleição dos veículos, das condições da via ou dos obstáculos existentes no momento em que o cruzamento tiver que ser efectivado. Existindo sinalização, em ambos os sentidos, e sendo possível o avistamento correspectivo de um condutor pelo outro, torna-se evidente que, aquele que avistar primeiro o outro e existindo um sinal que determine a cedência de passagem, deve observar a sinalização, sob pena de violar o disposto no artigo 29.º do Código da Estrada. Já não assim, se ainda que existindo sinalização indicadora de cedência de passagem, um veiculo, que itera-se não tenha avistado nenhum outro em sentido contrário e em condições de passar a circular na via estreita, tiver feito a sua entrada na via estreita e estando nela se aproxime outro veículo em sentido contrário. Neste caso, encontrando-se um veículo já a circular na via estreita, aplica-se a regra geral contida no artigo 33.º do Código da Estrada, e o veículo que ainda não fez a sua entrada na via estreita, deve parar e ceder a passagem aquele que já está a circular nessa via, devendo inclusive recuar para permitir uma circulação desembaraçada e liberta de constrangimentos ao veículo que já tinha assumido a passagem pela via estreita. No caso concreto, ainda que não se sabendo qual o ponto exacto em que o embate ocorreu, deve o julgador socorrer-se dos elementos constantes no processo, nomeadamente elementos de índole fotográfica, para complementar e ajudar a compreender a dinâmica do acidente. Terá sido o que aconteceu no caso em apreço para se dessumir do conjunto de fotografias juntas ao processo que o embates se verificou à entrada do tabuleiro da ponte, atento o sentido de marcha do veículo com a matrícula XM---, conduzido pelo autor AA. (Essa conclusão pode ser extraída da fotografia de fls. onde se confirma que o muro da ponte está derruído no inicio da construção, atento o sentido de marcha do veículo com a matrícula XM- --). Estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão da matéria de facto, apenas lhe sendo licito intervir nesta matéria nas situações indicadas no n.º 2 do artigo 722.º do Código Processo Civil, o facto é que a dessunção factual a que as instâncias chegaram – que o embate aconteceu à entrada do tabuleiro da ponte, considerando o sentido Santarém-Coruche – colhe sustentação nos elementos fotográficos que se encontram juntos ao processo. Daí que, embora a conclusão não devesse ser afirmada, com a peremptoriedade com que é feita nas instâncias, o facto é que, das imagens se colhe a ideia asserida na fundamentação das decisões das instâncias. Seja, porém, como for deve ter-se adquirido para a decisão que após a entrada do veículo conduzido pelo autor, no tabuleiro da ponte, foi embatido pelo veículo com a matrícula -CQ. Adquirido está ainda que este veículo é um pesado de mercadorias e que o veículo conduzido pelo autor AA era um ligeiro de mercadorias (carrinha de caixa aberta). Se assim é, torna-se legítima e pérvia a conclusão de que o veículo pesado já estava com quase todo o corpo em cima da ponte quando se verificou o embate. Ainda que não se tendo apurado em que parte do veículo pesado ocorreu o embate, torna-se possível pelas fotografias verificar que o veículo conduzido pelo autor foi, significativamente, embatido com a parte dianteira e lateral – cfr. fotografias juntas a fls. Tendo por segura a conclusão extraída no parágrafo antecedente, como o foi para as instâncias, certamente, temos que o veículo pesado já estaria a terminar a travessia da ponte quando se verificou o embate. E a ser assim, como acentuaram as instâncias, tendo o veículo pesado já iniciado a travessia da ponte – via estreita para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do Código Da Estrada – a regra de prioridade de passagem a aplicar é a do preceito citado e que compatibilizada com a inerida no artigo 29.º do mesmo diploma legal impõe que “[o] condutor sobre que recaia o dever de ceder passagem deve abrandar, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste.” Conclui-se que, atentas as circunstâncias em que se verificou o embate, o veículo pesado não tinha o dever de ceder passagem ao veículo conduzido pelo autor, ainda que à entrada da vis estreita estivesse colocado um sinal que lhe concedia prioridade na passagem. Tal como foi afirmado nas instâncias, “a prioridade de passagem na ponte, que era concedida aos veículos que circulavam no sentido que o fazia o XM, pressupõe a simultaneidade de chegada à zona da ponte por parte dos veículos que abordam a ponte em sentidos contrários, simultaneidade essa que, no caso em apreço, não se provou.” Ao não ter-se por demonstrada e verificada esta presunção de culpa, como o demandante pretendia, não merecerá censura a decisão das instâncias quanto á dessunção que operaram dos comportamentos dos condutores e à respectiva isenção de culpas, com correcta opção pela existência de uma responsabilidade objectiva - 499.º do Código Civil. Da revista da demandada: II.B.3. – Condenação em quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença. Insurge-se a recorrente seguradora contra o facto de a decisão recorrida a ter condenado, em contramão com o decidido na 1.ª instância, pelos danos patrimoniais sofridos pelo autor AA pela perda de proventos decorrentes da provada incapacidade permanente para o trabalho – cfr. ponto 31 da decisão de facto - que terá resultado das lesões sofridas por virtude do acidente em que interveio. Para a recorrente o tribunal infringiu o disposto no n.º 2 do artigo 661.º do Código Processo Civil dado que: “[o] art. 661.º, n.º2 do Código de Processo Civil só permite remeter para posterior liquidação quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade, mas sim como a consequência de não se conhecerem, com exactidão, as consequências do facto ilícito – cfr., entre outros, Acórdão do ST J de 17.1.1995, in BMJ 443-404.” Estatui o n.º 2 do artigo 661.º, que o juiz só poderá condenar em quantia ilíquida se do processo não constar elementos suficientes que permitam operar uma condenação em quantia certa e liquida, devendo ainda assim, condenar em quantia certa e liquida, na parte em que ela puder ser apurada e se encontrar adquirida parra o processo. A regra, como resulta, irrefragavelmente, da letra do preceito, deverá ser a condenação em quantia certa e a excepção a condenação em quantia incerta e ilíquida. A questão da condenação em quantia ilíquida, como se adianta no acórdão revidendo, [[7]] tem tido tratamento diferenciado ou não concordante, quanto às situações jusprocessuais que podem ocasionar ou devam constituir-se como referentes determinantes da aplicação do preceito na sua dimensão excepcional. Enquanto que para uma corrente, a designada mais restritiva, consagrada nos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 1995, de 13 de Janeiro de 2000, de 24 de Fevereiro de 2000, de 6 de Julho de 2005, “só permite remeter para liquidação em execução de sentença, quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos, não como fracasso da prova na acção declarativa sobre esse objecto ou quantidade, mas antes como consequência de ainda não se conhecerem com exactidão todas as consequências do facto no momento da propositura da acção declarativa”, [[8]] para a corrente mais expansiva ou de aplicação mais ampla estima que a condenação em quantia ou quantidade ilíquida é possível desde que tendo-se provado o núcleo de factos essenciais que constituem o objecto da acção e do pedido (liquido) não se lograram provar os pontos de facto concretos que permitem quantificar e determinar com um mínimo de estabilidade quantitativa a liquidez em que se deveria traduzir a condenação. A jurisprudência deste Supremo tem vindo a fincar-se numa corrente que se exprime na sequente asserção: “Que só é possível deixar para liquidação, em execução de sentença, a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove – em acção declarativa – a sua existência, não haja elementos indispensáveis, nem sequer recorrendo à equidade, para fixar o seu quantitativo […]” [[9]] A doutrina dominante neste Supremo Tribunal de Justiça, para além dos arestos citados na nota infra tem vindo a fixar-se na ideia nuclear que mesmo tendo o autor formulado um pedido em quantia liquida e tendo alegado e provado o facto constitutivo donde decorre o pedido (liquido) que formulou, desde que logre provar a essencialidade dos factos donde emerge a obrigação de indemnizar é possível o tribunal, se o peticionante não lograr provar o facto donde se deva fazer derivar a quantificação exacta da condenação, deve, apurado o facto referente ou a fonte donde emerge o direito à indemnização, não deixar de operar a condenação da indemnização, ainda que não possuindo elementos para determinar com exactidão a quantia liquida a fixar. A condenação operada nestes termos, não poderá deixar de ser em quantia ilíquida, por carência de elementos concretos que permitam ao tribunal fixar uma quantitativo certo, mas, porque o autor logrou comprovar a factualidade-causa donde faz derivar o direito à indemnização peticionado, não pode o tribunal deixar de condenar, ainda que relegando para ulterior momento a liquidação em que essa condenação se concretizará ou se determinará. [[10]] A solução que se afigura mais consentânea com os princípios e com a doutrina expressa pelo Professor Alberto dos Reis [[11]] funda-se em princípios de economia processual e de congruência e coerência interna da acção. Na verdade, formulando o autor um pedido liquido, para o que alegou a existência de um dano, tendo logrado comprovar a existência do dano, mas não tendo logrado provar que, para quantificação desse dano, o rendimento que deixou perceber ou deverá deixar de vir a obter, no futuro, foi no exacto montante em que foi alegado, não deverá o tribunal, à mingua deste elemento concretizador e de preenchimento do dano comprovado, deixar de operar a condenação do obrigado à indemnização, ainda que defira a determinação da liquidez ou a quantificação exacta para momento ulterior. A causa de pedir constitui ou emerge como função individualizadora do objecto do processo, conformando-o, pelo que o tribunal está vedado, ao apreciar o pedido, induzir factos que não foram alegados na causa de pedir (substanciada) pelo autor, sob pena a sentença infringe as regras de coerência e congruência e expondo-se a vir a ser taxada de nulidade – artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Daí que, a sentença que venha a ser proferida, se não obedecer aos limites impostos nos preceitos atrás citados não vincule, no âmbito objectivo, os sujeitos processuais involucrados – artigo 498.º, n.º 1, do Código Processual Civil. Esta congruência, nos termos já assinalados supra, colhem, como já tivemos oportunidade de escrever noutro sitio, configura-se como regra matricial do agir jurisdicional civilista, por observância do principio do dispositivo e da estreita necessidade de o tribunal julgar tendo unicamente como elementos balizadores da sua actividade a alegação factual das partes – cfr. artigo 664.º do Código Processo Civil: “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º.” Espelha-se esta doutrina no ocorrido no presente processo. Na verdade o autor logrou comprovar que por virtude das lesões ficou a sofrer de uma incapacidade permanente de 17 pontos e teve uma incapacidade temporária profissional – cfr. pontos 31 e 51- durante os períodos indicados nos mencionados pontos da decisão de facto. Ficou igualmente comprovado que o autor; AA é empresário em nome individual e se encontra tributado na categoria B para efeitos de IRS, possui uma empresa que se dedica à comercialização de mobílias e era ele que geria toda a actividade empresarial - cfr. respostas positivas ineridas nos pontos 35 a 37, a que correspondiam os enunciados fácticos indicados sob os números 33.º a 35.º. À luz desta factualidade, isto é, tendo-se comprovado que o autor sofreu de incapacidades temporárias e sofre de uma incapacidade permanente e que exercia uma actividade donde percebia os rendimentos para a sua subsistência, não sobram dúvidas que logrou provar o facto donde fez emergir o pedido de indemnização por danos patrimoniais, não tendo logrado demonstrar – resposta negativa ao enunciado fáctico numerado sob o n.º 36 (“De onde aufere um rendimento mensal não inferior a € 2000,00?) – qual o montante dos respectivos réditos. Não tendo demonstrado este facto, mas ficando demonstrado que existe o núcleo essencial de factos donde deriva a obrigação de indemnizar, torna-se possível a condenação dos obrigados à satisfação do direito em quantia que se vier a definir e liquidar em execução de sentença. Falece, pois, a fundamentação da recorrente. III. -DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Negar as revistas; - Condenar os recorrentes nas custas dos respectivos recursos.
Lisboa, 10 de Julho de 2012
Gabriel Catarino (Relator)
António Piçarra
Sebastião Póvoas _____________________ [1] Queda transcrito o dispositivo da decisão proferida na primeira instância. “(…) a) Condenar a ré COMPANHIA de SEGUROS CC, SA, a pagar ao autor AA 60% da quantia global de € 30 939,68 (trinta mil novecentos e trinta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até integral e efectivo cumprimento; b) Condenar a ré COMPANHIA de SEGUROS CC, SA, a pagar ao autor AA a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativa ao valor do relógio, das deslocações a Lisboa e da mobília destruída (valor de custo), na proporção de 60%, acrescida de juros de mora, à taxa legal; c) Condenar a ré COMPANHIA de SEGUROS CC, SA a pagar ao autor BB 60% da quantia global de € 10 054,47 (dez mil e cinquenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até integral e efectivo cumprimento.” [2] Quanto aos poderes de sindicância do Supremo Tribunal de Justiça da reapreciação efectuada pelo Tribunal veja-se o acórdão desta secção de 31-03-2009, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se sumariou:”1. Nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a Relação só pode tocar na matéria de facto apurada na 1.ª instância alterando-a; determinando a renovação dos meios de prova; anulando o julgado; determinando a sua fundamentação.2) Do uso de qualquer destes poderes não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este Supremo Tribunal pode sobre eles exercer censura directa ou indirecta. 3) A censura directa consiste em apurar se a Relação excedeu os limites do artigo 712.º do Código de Processo Civil. Exerce censura indirecta – ou tácita – quando verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. 4) A faculdade da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º, do Código de Processo Civil pressupõe que a matéria de facto tenha sido impugnada nos termos do artigo 690-A (hoje 685-B) ou que do processo constem todos os elementos de prova que fundamentaram o julgado em 1.ª instância.5) A faculdade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 712.º pressupõe que os elementos constantes dos autos apontem inequivocamente – e sem possibilidade de ser contrariado por quaisquer outras provas – para uma decisão diversa.6) Embora a Relação possa fazer uso de presunções judiciais (simples, de experiência ou de primeira aparência) não pode utilizá-las para alterar um facto dado por provado pela 1.ª instância, e alcançar outro diferente, mas tão-somente, dele se servir como fundamento base do raciocínio lógico-discursivo que conduziu à conclusão presumida.7) E o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar se foram respeitadas as normas jurídicas que regulam o uso (e a base de que partiu) a presunção judicial.” Ou ainda do mesmo Relator o acórdão de 02-02-2010 em que se escreveu: “1) O Supremo Tribunal de Justiça está limitado nos seus poderes sobre a matéria de facto, âmbito em que, de harmonia com o disposto nos artigos 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - e 722.º, n.º 2 e 729.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, só lhe é lícito intervir em questão de prova vinculada ou perante desrespeito de norma reguladora do valor legal das provas. 2) Tratam-se de questões de direito, já que, em tais hipóteses, não há que apreciar as provas segundo a convicção de quem julga (artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) mas apenas determinar se para a prova de certo facto a lei exige, ou não, determinado meio de prova insubstituível, ou de decidir se determinado meio de prova tem, ou não, face à lei, força probatória plena. 3) Fora do âmbito da prova vinculada, cuja apreciação é pura matéria de direito, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos da causa, isto é, a decisão da matéria de facto, é de livre apreciação do julgador nas instâncias no seu papel de apuramento da factualidade relevante, cabendo à Relação a última palavra. E mesmo a Relação só pode censurar o respondido à base instrutória através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil. 4) E só se, na fase de julgamento do mérito, o Supremo Tribunal de Justiça deparar com insuficiência de matéria de facto para decidir de direito, ou se o acervo factual contiver contradições inviabilizadoras dessa decisão, é que deve devolver o processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, desde que nos limites da matéria alegada (artigo 729.º, n.º 3, ainda do Código de Processo Civil).” [5] Cfr. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional de 20-01-1988 – “A fé atribuída em juízo aos autos de notícia não acarreta qualquer presunção de culpabilidade – contraria a presunção de inocência do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição – traduzindo-se apenas num especial valor probatório, alias, não definitivo, quanto a certas comprovações materiais feitas presencialmente pela autoridade pública. II – Por outro lado, essa fé em juízo não envolve uma manipulação ilegítima e arbitraria do principio "in dubio pro reo", pois que o valor probatório dos autos de noticia é sempre interino, não dispensando o juiz de promover oficiosamente as diligencias probatórias complementares que julgue adequadas. III – O que importa fundamentalmente e que não seja afectado o "núcleo essencial" das garantias formais de defesa, ao nível do processo judicial compensatório. E tal "núcleo essencial" não e posto em crise pelo artigo 169.º do Código de Processo Penal, uma vez que é sempre possível ao réu fazer a contra-prova do facto de que é acusado o mesmo sucedendo por iniciativa do Ministério Publico ou do juiz. E qualquer meio de prova pode destruir a força probatória do auto de notícia.” E ainda os acórdãos deste mesmo órgão de justiça constitucional n.ºs 36/04 e 276/04, sendo que este último se pronunciou acerca do registo de propriedade que estava inscrito no registo de propriedade, tendo-se afirmado que “[como] a norma em causa não comporta a interpretação feita pela decisão recorrida, no sentido de que está consagrada a responsabilidade contra-ordenacional de quem, não sendo nem proprietário nem possuidor do veículo, ainda conste no registo como tal, quando resulte provado nos autos que foi um terceiro, devidamente identificado, o responsável pela contra-ordenação em causa, mas admite a interpretação de que o que está em causa é uma mera presunção, sempre ilidível, de responsabilidade do efectivo proprietário ou possuidor, e este sentido é conforme à Constituição, já o n.º 1 do artigo 152º do Código da Estrada, não viola o princípio da culpa.Com efeito, como o Tribunal Constitucional tem decidido, nomeadamente na numerosa jurisprudência sobre a responsabilidade criminal de director de periódico (cfr., Acórdãos n.ºs 63/85, 447/87 e 135/92, publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., pág. 503, 10º vol., pág. 547 e 21º vol. pág. 541, e Acórdão 922/96, disponível na página Internet do Tribunal em http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) e no Acórdão n° 252/92, (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22.º vol., pág. 723), a existência de presunções, mesmo em direito penal, não é constitucionalmente inadmissível, desde que ilidíveis [6] “I – O auto de notícia faz fé em juízo da respectiva diligência de prova, mas não tem a força probatória reforçada instituída pelo art. 169.º, n.º 1, do CPP. II – A força probatória dos documentos autênticos e autenticados é diferente no processo penal, relativamente ao que se passa no processo civil: no processo penal, tais documentos têm uma força probatória reforçada que pode ser inquinada por um juízo fundado de suspeita da sua validade ou exactidão, ao passo que no processo civil os mesmos documentos têm uma força probatória plena que só pode ser elidida com base na sua falsidade.” [7] Queda transcrito o troço do acórdão adrede. “A tese mais restritiva, defendida por Manuel Gonçalves Salvador no artigo denominado Pedidos Genéricos publicado na RT, 88, págs. 5 a 62 e por alguns Arestos do STJ (por todos os Acs. de 17.01.95 publicado no BMJ 443, a págs. 395 e de 24.02.2000 publicado in Sumário 38º-45), interpreta esta disposição no sentido de ser apenas aplicável quando, "ainda que se tenha deduzido pedido líquido, ainda não seja possível, no momento da sentença, conhecer todos os factos necessários (por não se terem verificado ou "estarem em evolução"), mas não quando eles já tiverem ocorrido e, muito menos, quando, como ocorria no caso concreto, tiverem sido alegados, mas não provados" (citado Ac. de 95). Com um sentido interpretativo mais amplo, defendem Alberto dos Reis (CPC anotado vol. I, págs. 615, e vol. V págs. 71), Lopes Cardoso, (O pedido e a sentença in RT, 93, págs. 57 e 58 ), Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, vol. III, págs. 184 e 185), Lebre de Freitas (CPC Anotado , vol. 2º págs. 648 e 649) e ainda grande parte da jurisprudência (ver por todos Ac. STJ de 29.01.98 in BMJ 473, págs. 445), que a condenação em quantia a liquidar em execução de sentença, tanto pode acontecer nos casos em que é deduzido um pedido genérico, como naqueles que o pedido é líquido, mas os factos constitutivos da obrigação não são provados. Neste sentido passamos a citar Abertos dos Reis "Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, a sentença condenará no que se liquidar. ... A regra legal tem como destinatário o juiz; dirige-se ao julgador, e não às partes. Dá-se ao magistrado este comando; se não puder condenar em objecto ou quantidade líquido, condene em objecto ou quantidade ilíquido. Eis o conteúdo e o sentido da referida norma, a qual tanto se aplica ao caso de ser formulado pedido genérico, como ao de se ter formulado pedido específico, mas não se ter conseguido fazer a prova da especificação. Ao proferir condenação genérica o juiz não tem que atender ao formulado no § único do art.º 275º, tem unicamente de obedecer ao disposto no art.º 661º" (vol. I págs. 614 e 615) e em nota ao 661º no vol. V, diz que "o tribunal encontra-se perante esta situação: verificou que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face destes factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem tolerável que o condenasse à toa, naquilo que o juiz lhe apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença." [10] cfr. neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2006 (revista n.º 3225/05; 28-09-205 (Processo n.º 578/05); 2-12-2005 Processo n.º 2850/05. E ainda do acórdão de 22-04-2004 (Ferreira Almeida), onde, lapidarmente se escreveu: “Daí que, o que está verdadeiramente em causa, não é a determinação do quantum indemnizatório, mas a existência do próprio dano (que as instâncias deram como não provada). E não existindo dano, não se verificam os pressupostos do artigo 661º, nº. 2, do CPC, pelo que não é de relegar para execução de sentença a determinação do montante indemnizatório, pois que esse preceito postula que tal relegação só tenha lugar quando «não houver elementos para fixar ... a quantidade». A jurisprudência deste Supremo Tribunal é, aliás, uniforme no sentido de que, soçobrando a prova dos danos - prova essa a fazer na acção declarativa que não na executiva - não há que relegar a respectiva liquidação para execução de sentença - conf. v.g, entre muitos outros os Acs. de 29-2-2000 - 6ª Sec, in "Sumários", nº. 38, pág 30, e de 18-9-03, in Proc. 2195/03 - 2ª Sec.” Ou ainda no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2008 in www.dgsi.pt (Senhores Conselheiros Vasques Dinis, Bravo Serra e Mário Pereira), onde se pode ler: ‘A jurisprudência, amplamente dominante, vai no sentido das transcritas considerações, ou seja, no sentido de que, mesmo quando o autor formulou pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exacto montante do seu demonstrado direito não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença.” |