Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/17.2F1PDL-K.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PRESSUPOSTOS
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA PERICIAL
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. - “A paz jurídica só pode ser conseguida quando os princípios contraditórios da segurança e da justiça se encontram numa relação equilibrada. O seu fundamento [da revisão] é que a firmeza deve retroceder quando factos posteriormente descobertos demonstrem que a sentença se apresenta como manifestamente falsa e colide de forma insuportável contra os sentimentos de justiça ou quando a condenação não se fundamenta numa medida mínima de justiça do procedimento” ) Claus Roxin e Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal, Ediciones Didot, pá. 691.) 

I. - A dogmática jurídica divide-se quanto à natureza jurídico-conceptual com que se deve crismar este tipo de impugnação das decisões judiciais, propendendo uns para o qualificar como uma acção, outros como recurso e outros ainda como um misto de acção e recurso. (“Para uns será uma acção; para outros, um recurso; ainda para outros, um misto de recurso e de acção.”) (Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª edição; Almedina, 2005, p. 369.) (Estima alguma doutrina estrangeira que “a revisão de sentença firme é uma acção autónoma de impugnação que persegue a revogação da coisa julgada. Não pode considerar-se, em consequência, como um recurso, pois enquanto estes perseguem uma nova cognição das questões já resolvidas mediante resoluções que, todavia, não são firmes, a revisão vem dirigida, em atenção a motivos taxados, contra resoluções que já ganharam firmeza. O seu fundamento cabe situá-lo na necessidade de ponderar e manter o equilíbrio entre a segurança jurídica, que deriva da coisa julgada, e o anelo de justiça, que é uma aspiração primária e fundamental que não pode sacrificar-se no altar da segurança jurídica naquelas casos de vulnerações flagrantes e insofríveis que as legislações tipificam como causas de revisão de sentença firme.” - (Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 413;

III. - “A novidade tanto pode ser consistir na prova directa (v. g. não foi o arguido quem cometeu os factos) como na prova indirecta da injustiça da condenação (v. g. foi um terceiro quem perpetrou os factos e, por isso, não pode ter sido o arguido a praticá-los).” (…) Os factos ou meios de prova alegados para efeitos de revisão não têm que ser completamente novos. A novidade tanto pode ser total como parcial. No primeiro caso, o juiz desconhece tudo aquilo que é invocado para sustentar a quebra d caso julgado. No segundo caso, que na prática parece ser a mais frequente, o juiz já conhece alguns argumentos utilizados. Como disse a Corte di Cassazione, numa decisão de 15 de Fevereiro de 1947, os elementos de prova, mesmo que em parte já fossem conhecidos pelo juiz que pronunciou a condenação, são idóneos a tornar admissível a revisão quando são capazes de excluir que o condenado tenha cometido o facto sobre o qual se funda a condenação.” (Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 360.;

IV. – Não constitui “prova nova” o pedido de exame toxicológico de produto estupefaciente já analisado no processo por entidade técnico-científica adrede;

V. – Não é susceptível de abalar a prova pericial (prova pré-constituída) o testemunho de alguém que assevera não se tratar de produto estupefaciente a droga que foi analisada e comprovada por exame toxicológico ao mencionado produto. 

Decisão Texto Integral:

§1. – RELATÓRIO.

AA, condenado, por decisão transitada em julgado, impetra, ao amparo do disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Penal, a revisão da decisão condenatória, motivando o respectivo pedido, com as sequentes razões (sic). 

«O presente pedido de revisão, é motivado pelo profundo sentimento de injustiça que o condenado, inconformado, tem sentido ao longo dos 3 anos de prisão que já leva. Esses sentimentos são devidos ao modo como correu o processo, a omissão de provas fundamentais para a defesa do arguido, efectuada pela policia e ministério público, contrariando o consagrado no artº 32º nº 1 da CRP e que o Tribunal não assegurou ao Arguido, distorcendo-se e alterando-se assim a verdade material dos factos. Além de não assegurar o direito de defesa, o Tribunal recusou os vários pedidos do Arguido nesse sentido, optando por condená-lo à convicção numa pesada pena de 7 anos de cadeia, desproporcional ao bem jurídico violado que a medida da pena pretendia acautelar.

No recurso que o arguido solicitou que fosse admitido per saltum para o STJ,  nos termos do nº 1, alínea c) do artº 432º conjugado com o nº 2 do mesmo artº 432º do CPP, ao que o Tribunal de 1ª Instância não acedeu, enviando o mesmo para o Tribunal da Relação, sendo de crer que essa decisão tenha sido intencional, talvez por se prever que o Tribunal da Relação fosse desfavorável ao recorrente, embora não se ponha em dúvida esse Tribunal.

Assim, foi o arguido condenado por um crime p.e.p pelo artº 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro, pela posse de produto estupefaciente, cerca de 8 kg de suposto polén de resina de cannabis, vulgo haxixe, descrito na tabela I-C das substância ilícitas, que afinal era Droga falsa, conforme sempre afirmou e se debateu.

Como tal, o arguido AA solicitou o seguinte:

 - Em requerimento dirigido ao Tribunal, invocou nulidade inserida no artº 120º nº2 al. d) do CPP, por considerar que os meios de prova requeridos eram essenciais e que a sua omissão poderia falsear a descoberta da verdade.

- Essas diligências, eram o teor do exame à qualidade do produto estupefaciente apreendido onde constasse o grau de THC da suposta droga.

- O Arguido tinha a certeza que este exame iria ser negativo, não se tratando de produto estupefaciente, o que desqualificaria a ilicitude de tráfico simples, artº 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro para tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º do mesmo D.L nº 15 ou até mesmo a absolvição. Refere o artigo 25º que nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto, mostra-se consideravelmente diminuída, entre outras razões, pela qualidade ou falta dela, quanto às plantas, substâncias ou preparações.

O tribunal indeferiu os requerimentos e pedidos do arguido, pondo em causa o direito a um processo justo e equitativo violando-se o pacto dos direitos civis e políticos no seu artigo 6º, como também o já referido artigo 32º da CRP.      

O indeferimento das diligências de prova contende grosseiramente e ostensivamente, com o direito de defesa consagrado no artº 31º da CRP.

O indeferimento das diligências, originou ainda o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no Artigo 410º nº 2 al. a) do CPP, que se verifica quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução, porque o Tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição omitindo as diligências requeridas o tribunal de 1ª instância ocorreu no presente vício.

A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorreta de um juízo ultrapassando a conclusão, as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar uma decisão de direito correcta, legal e justa. Insuficiência ainda em termos quantitativos, pois o Tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.

II. NOVOS FACTOS E MEIOS DE PROVA

Teve agora o requerente conhecimento, que havia testemunha que sabia e poderia depor o seguinte; pelo que:

1. Desde já arrola-se BB, com domicilio sito na Rua …, nº …, …, para que seja convocado a depor dizendo o que sabe sobre o produto estupefaciente apreendido ao condenado.

2. Tal testemunha já havia sido indicada em sede de recurso, para vir confirmar que tinha sido ela a indicar e recomendar o subempreiteiro CC, coarguido e dono da suposta droga, ao ora requerente condenado.

3. Soube então agora o requerente que a testemunha indicada sabia que o suposto produto estupefaciente, mais não era do que louro triturado em pó misturado com substância aglutinante e prensado.

4. Assim, compreende-se que a policia e o Ministério Público tenham omitido os testes ao produto, para intencionalmente acusarem o requerente, pois caso os mesmos tivessem sido apresentados, seria muito provável não se conseguir uma condenação.

5. O que não se compreende, é o Tribunal ter credibilizado a “montagem” rebuscada do dignissimo magistrado do ministério público, sem aferir prova fundamental, para um julgamento justo e imparcial, como lhe competia.

6. Diz o Tribunal, questionando as declarações do arguido no ponto 3.4.5 do acórdão: “Faz algum sentido que o arguido CC, assim que confrontado nos moldes expostos, tenha ordenado ao arguido AA que continuasse endossado na tarefa da guarda da droga (como veio a fazê-lo nos meses seguintes, até a sua detenção)? Quando é elementar nestes circuitos, a droga destina-se a ser rápida e eficazmente distribuída (o que se guarda é, ao invés, o dinheiro dos lucros do negócio…)?.

7. Afinal, tratando-se de droga falsa, fazia todo o sentido, 1º porque a mesma não tinha qualquer valor monetário e em 2º porque não tinha clientes, aliás, diga-se, que havia alguns pedaços cortados devolvidos pelos clientes do arguido CC, conforme este confidenciou ao arguido AA.

8 - Recomendou o arguido AA ao CC que deitasse tudo no lixo, ao que o CC respondeu que pretendia misturar com droga verdadeira para realizar algum dinheiro, pois havia sido enganado na sua aquisição.

9 - Para se dissiparem quaisquer dúvidas, solicita-se a realização dos testes às amostras de droga à ordem dos autos.

(…). IV. CONCLUSÃO

Em final, concluindo deverá o presente pedido ser considerado procedente, autorizando-se a revisão e remetendo-se o processo a tribunal de categoria e composição idênticas às do Tribunal que proferiu a decisão a rever. Sendo esse o caso, solicita-se que seja um Tribunal fora da comarca dos Açores, porquanto:

- Sendo a comarca … uma comarca pequena, com cerca de 35 juízes e sabendo-se pela comunicação social que só se encontram em funções 27, é plausível que todos se conheçam entre si.

- Assim, à partida ficam sanadas quaisquer dúvidas sobre a isenção e imparcialidade da decisão, que se quer justa e de acordo com a verdade


§1.(a).ii) RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

I – DO OBJECTO DO RECURSO

Por acórdão proferido a 17/05/2018, transitado em julgado a 24/12/2018, no âmbito dos autos de processo à margem referenciados, foi AA condenado, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.°, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

Inconformado com o respectivo teor, AA interpôs recurso de revisão do mesmo, ao abrigo do preceituado no artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, por considerar, e em súmula útil, que existem novos meios de prova, mormente prova testemunhal, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

II. “O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões ai sumariadas as que o Tribunal de recurso tem de apreciar.

Perscrutando as conclusões do recurso formuladas pelo recorrente, e pese embora a exiguidade das mesmas, constata-se que este considera que existem novos meios de prova, mormente pi ova testemunhai, que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

Alegou o recorrente, em súmula útil, ter, agora, tomado conhecimento de que a testemunha ora por si indicada. BB, tem conhecimento de que o «produto estupefaciente» encontrado na posse do recorrente mais não era que «louro triturado em pó misturado com substância aglutinante e prensado».

Como tal, admitido o presente recurso de revisão, ordenado o reenvio do processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontre mais próximo (cfr. artigo 457º, nº 1, do Código de Processo Penal), e sendo produzido tal meio de prova, jamais o recorrente poderia ser condenado, nos termos em que o foi, pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 (sete) anos de prisão, condenação que considera injusta.

(…) «Os factos ou meios de prova novos podem ser causa de revisão da sentença se, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (...) Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste ("aquelas que não puderam ser apresentadas e aproadas antes, na decisão que transitou em julgado", nos termos do acórdão d/TC nº 376/2000). (...) A revisão depende de se verificarem "graves dúvidas" sobre a justiça da condenação. O grau de convicção exigido pela lei não é o mesmo que imporia a absolvição do arguido no processo criminal se fossem neste conhecidos, ao tempo de deliberação, os fartos novos. O grau requerido para a revisão de sentença é mais exigente: não se trata apenas de uma dúvida "razoável", mas de uma dúvida "grave" sobre a justiça da condenação.

Examinando o caso dos autos, consideramos que não pode merecer acolhimento o argumento invocado pelo recorrente, inexistindo, in casa, fundamentos para a admissibilidade da revisão.

(…) O produto estupefaciente apreendido à ordem do processo da condenação foi, todo ele, sujeito a exame toxicológico.

A prova pericial (prova pré-constituída) foi correcta e adequadamente valorada pelo Tribunal a quo.

A prova pericial tem um valor probatório reforçado, pois que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume, de acordo com o preceituado no artigo 163.° nº 1 do Código de Processo Penal, subtraído à livre convicção do julgador.

Por esta razão, não pode o meio de prova ora indicado pelo recorrente, por si só, ou conjugado com os demais meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, ter a virtualidade de abalar o juízo técnico e científico inerente à prova pericial produzida, nem o resultado do exame toxicológico a que foi sujeito todo o produto estupefaciente apreendido à ordem do processo da condenação

Destarte, deverá ser negada a revisão pedida pelo condenado e, nesta confluência, mantido, nos seus exactos termos, o acórdão recorrido

Não pode merecer acolhimento o argumento invocado pelo recorrente, inexistindo, in casu, fundamentos para a admissibilidade da revisão.


§1.(a).iii) – INFORMAÇÃO A QUE ALUDE O ARTIGO 454º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

“(…) Por acórdão de 17.05.2018, transitado em julgado em 24.12.2018, proferido nos autos principais, foi o arguido AA condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de sete anos de prisão.

O condenado cumpre a pena desde a data ficcionada de 23.08.2017, descontado que se mostra o período de detenção, seguido de prisão preventiva, sofrido à ordem dos autos (liquidação de pena de 27.06.2019/ref 483…95 e despacho homologatório de 01.08.2019/ref 484…90, ambos dos autos principais).

Veio o condenado, agora, por moto próprio (art. 450º/ 1/ c) do CPP), interpor o recurso de revisão do acórdão condenatório - liminarmente aceite pelo cit. despacho que antecede de 17.08.2020/ ref. 50059646 - com fundamento no disposto no art. 449º/ 1/ d) do CPP, quanto ao segmento normativo da descoberta de novo meio de prova que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação, qual seja um testemunho que abonará aquilo que sempre defendeu nos autos: a (suposta) droga que detinha na sua residência, proveniente do co-arguido CC, era, afinal de contas, falsa (isto é, não era produto estupefaciente), em razão do que não está preenchido o tipo de crime pelo qual foi injustamente condenado.

O pedido vem formulado com a indicação dos meios de prova a produzir (art. 451º/ 2 do CPP), quais sejam: (i) a inquirição da testemunha BB, a qual terá conhecimento de que o suposto estupefaciente “mais não era de que louro triturado em pó misturado com substância aglutinante e prensado”; e (ii) a “realização dos testes às amostras da droga à ordem dos autos”.

O condenado pretende, em suma, colocar em crise a natureza do produto que tinha consigo nas circunstâncias descritas no ponto 15. do acórdão proferido nesta instância (e, com isto, como supomos, abalar a remanescente factualidade que também resultou como provada).

Todavia, o condenado assenta a sua motivação no erróneo pressuposto de que aquela substância não foi objecto de exame toxicológico (porque, na sua óptica, se tivesse sido examinada demonstrar-se-ia que não era produto estupefaciente...), com reporte ao despacho de 02.05.2018/ ref 464…91, transitado em julgado [relembramos que o condenado, então arguido, arguiu a nulidade do despacho, o que veio a ser indeferido por despacho proferido oralmente na sessão da audiência de julgamento de 03.05.2018, despacho este, por seu turno, confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.12.2018 e, a jusante, pela decisão sumária de 14.02.2019 e pelo acórdão de 19.03.2019, ambos do Tribunal Constitucional; ademais, a mesma questão veio a ser recuperada pelo condenado no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência que veio a ser rejeitado por acórdão do de 11.09.2019, confirmado, em conferência, por acórdão de 02.10.2019, ambos do Supremo Tribunal de Justiça (apenso “J”)].

Sucede, porém, que aquele despacho de 02.05.2018 versou sobre outra questão, qual seja o apuramento do grau de pureza da substância, conforme fora requerido pelo condenado, então arguido (ref 25…48), precisamente porque nada se referia a este propósito no exame toxicológico levado e efeito em fase de inquérito, do conhecimento daquele, e conducente à demonstração, incondicional, da natureza das substâncias em causa, conforme o decidido nas instâncias (exame pericial a fls. 1211 e 1213 dos autos principais, desde logo referenciado na fundamentação de facto do acórdão proferido nesta primeira instância).

O condenado confunde agora, pois, a não realização de exame com vista ao apuramento do grau de pureza do produto estupefaciente com a (suposta e errónea) não realização de exame toxicológico.

Por outro lado, a ora requerida inquirição da identificada testemunha foi indeferida, na fase de julgamento, pelo mesmo cit. despacho de 02.05.2018/ ref 46…91, atento o requerido, a montante, pelo condenado, então arguido (ref 25…47), em razão do que não se pode considerar, agora, como sendo um novo meio de prova na acepção normativa do art. 449º/ 1/ d) do CPP.

Ademais, a prova testemunhal não é susceptível de abalar a força probatória resultante da prova pericial (art. 163º/1 do CPP), pelo que o eventual testemunho de que aquela substância era “louro triturado em pó misturado com substância aglutinante e prensado” afigura-se-nos absolutamente inócuo.

E, por último, já foi determinada a destruição da amostra guardada em cofre (art. 62º/ 3 e 6 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), o que, naturalisticamente, inviabiliza a realização de um novo (repetido) exame pericial à substância estupefaciente.

Assim sendo - isto é, em suma: quer por ter sido realizado na fase de inquérito o exame toxicológico relevante para a boa decisão da causa e indeferido na fase de julgamento a realização de exame toxicológico irrelevante para a boa decisão; quer por a pretendida prova testemunhal, consubstanciada na inquirição da identificada testemunha, não se tratar de um novo meio de prova nem ser susceptível de abalar o juízo pericial daquele exame; quer por já existir nos autos um exame pericial toxicológico à substância estupefaciente e não ser possível a realização de novo exame pericial - indeferimos ambas as diligências requeridas pelo condenado nesta sede (art. 453º/ 1 do CPP).”


§1.(a).iv). PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O arguido AA vem interpor recurso de revisão do acórdão proferido em 17.05.2018, nos autos supra referenciados, transitado em julgado em 24.12.2018, pelos fundamentos constantes do recurso, invocando o disposto na al. d) do nº1 do art. 449ºdo CPP.

A tal recurso respondeu, em 18.09.2020, fundadamente a Magistrada do MºPº junto do tribunal de 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência do mesmo.

O Sr. Juiz de 1ª instância prestou a detalhada e rigorosa informação que consta do despacho de 29.09.2020, tendo indeferido a realização das duas diligências requeridas pelo condenado - exame toxicológico e audição de testemunha indicada por este.

Acompanhando os fundamentos aduzidos na citada resposta do MºPº e informação judicial, prestadas em sede de tribunal de 1ª instância, sem necessidade de considerações adicionais, por tautológicas, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência do recurso de revisão em causa, por inexistência de qualquer dos pressupostos previstos no nº1 do art. 449º do CPP.”


§1.(a).v). – QUESTÕES A APRCIAR PARA SOLUÇÃO DO RECURSO.

O arguido/recorrente persiste em defender a insubstancialidade tóxica e entorpecente do produto que guardava e que injungiu a sua cogente condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes que lhe foi irrogado pelas instâncias. Para o desiderato concebido itera a premência de um exame ao produto que lhe fora apreendido – e no momento adequado analisado e examinado – e a audição de uma testemunha que estaria habilitada a atestar a qualidade defectiva e/ou a inautenticidade do produto. Em seu juízo a testemunha que ora indica – cujo depoimento já teria sido objecto de rejeição no momento em que decorria o julgamento – teria o poder e a habilitação (técnico-científico) de destronar e escarchar uma perícia científica realizada por técnicos de um laboratório de policia cientifica.

A prova (“nova”) que reputa ser plausível e apta a derrogar o juízo de censurabilidade e reprovação da conduta que perpetrou, consumado pelas instâncias, reconduz-se a uma testemunha (de calado cognitivo e científico) capaz de esfacelar e escamar a prova científica assente no processo e a realização de um exame ao produto que foi apreendido na sua posse.

Será a análise desta “nova” prova que merecerá a apreciação no recurso, como modo de suprir a pretensão recursiva do arguido.


§2. – FUNDAMENTAÇÃO.

§2.(a). ELEMENTOS A CONSIDERAR PARA A SOLUÇÃO DO RECURSO.

1). – A questão da repetição do exame toxicológico foi objecto de apreciação pelas instâncias e decidido pela forma seguinte (sic):

Comecemos, então, por atentar no recurso interlocutório do arguido AA interposto, a fls. 1522 e seguintes, para esta Relação, da decisão oralmente proferida pelo Mmº Juiz Presidente do Colectivo durante a sessão da audiência de discussão e julgamento de 3 de maio de 2018, de que dá nota a respetiva ata, a fls. 1214 vº, e consta da gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS que se iniciou às 12h05 e terminou às 12h08.

Despacho em que, na sequência de requerimento apresentado oralmente nessa sessão pela defesa do arguido AA, alegando, face ao disposto no art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, a nulidade de despacho judicial lavrado na véspera, que consta de fls. 1507 a 1509, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, na parte em que indeferiu a realização de diligências probatórias (fls. 1507 in fine, 1507 vº e 1508), o Mmº Juiz Presidente do Colectivo indeferiu o requerido.

Tais indeferidas diligências probatórias consistiam na realização de exame laboratorial aos produtos estupefacientes que lhe foram apreendidos, para se apurar do seu grau de pureza (vd. requerimento de fls. 1490/1491), e na inquirição de DD e BB, como testemunhas (vd. requerimento de fls. 1492 a 1494), por considerar serem fundamentais para a descoberta da verdade material.

(…) O art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, comina com nulidade, “A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.

Por outro lado, o artigo 340.º, do CPP, para além de no seu n.º 1 onerar o tribunal com o poder-dever de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que têm coincidência com a previsão do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), estipula no seus nºs 3 e 4, relativamente a requerimentos de prova (o que inclui a prova que seja arrolada em contestação) que estes são indeferidos, se:

- a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis;

- se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;

- se for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;

- se for notório que o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa;

- se for notório que o requerimento tem finalidade meramente dilatória.

E, como devida e doutamente se mostra fundamentado nos despachos que indeferiram a realização destas diligências, o tribunal a quo indeferiu a inquirição das testemunhas por considerar que as provas requeridas já podiam ter sido arroladas com a contestação e por entender que não são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Com efeito, pode ler-se naquele despacho “E, no caso dos autos, arrimando-se a pretensa relevância da inquirição da testemunha BB nas declarações prestadas pelo arguido AA, na primeira sessão da audiência final, reportando-se ao momento em que lhe terá dado o contacto do arguido CC, ou seja, reportando a um momento anterior à data dos autos, é notório (na falta de qualquer outro elemento que houvesse condicionado a sua memória) que já podia ter arrolado aquela testemunha quando da apresentação da contestação ou posteriormente, nos moldes acima explanados.

Por outro lado, não consideramos que a inquirição da testemunha se inscreva na excepcionalidade da previsão da norma, sobretudo quanto à enunciada imprescindibilidade à descoberta da verdade e boa decisão da causa, sem qualquer especial quid atinente àquele requisito”.

E no que respeita ao indeferimento da inquirição da testemunha DD, foi igualmente indeferido quer porque este indivíduo era um dos seus clientes de droga e já estava devidamente identificado na acusação quer por se entender que o seu depoimento também não era são indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Quanto ao indeferimento da realização de exame laboratorial ao estupefaciente apreendido para aferir do grau de pureza, contrariamente ao alegado pelo recorrente, no caso concreto, o grau de pureza em “nada releva para a ilicitude, apurada que se mostra a respetiva quantidade e natureza”, como dá conta o despacho, citando inclusive jurisprudência, nesse sentido, desta Relação.

De factos dos elementos probatórios constantes nos autos, designadamente das declarações prestadas pelo próprio arguido e apreensões efectuadas resultava já fortemente que o ora recorrente, AA, desde pelo menos o início de 2017, actuando em conjunto e em comunhão de esforços com os co-arguidos CC e EE, se vinha dedicando à aquisição e transporte para a ilha de …, …, de produtos estupefacientes, com vista à sua comercialização e que na sua posse foram apreendidos vários quilogramas de haxixe que se destinavam a ser comercializados naquela ilha.

Perante este quadro fáctico é manifesto que o quadro de pureza em nada releva para a qualificação jurídica dos factos e como tal só poderia a realização desta diligência ser indeferida, pois a indicação do grau de pureza da droga apenas se revela essencial para as situações em que está em causa a toxicodependência e a necessidade de apurar se a quantidade de droga excede ou não as doses necessárias para o consumo individual durante o período de 10 dias.

Na realidade a quantidade apreendida – ultrapassando os 9 kg – não poderia estar tão diluída que permitisse desconsiderar a sua qualidade. Com efeito, como viria a ser provado e já então estava fortemente indiciado nas duas encomendas que eram destinadas ao arguido AA foram encontradas quinze placas de canábis, com um peso líquido total de quase um quilograma e meio (1468,668 gramas) e no interior do cofre que detinha na residência da sua companheira foram encontrados e apreendidas vários pedaços “línguas”, sete “bolotas” e setenta e sete placas de canábis, tudo ascendendo a um peso liquido total de 7638,662 gramas

Para todos os efeitos, ainda que toda a canábis tivesse um fraco grau de pureza, representa um elevado valor de mercado não passível de ser desvalorizado com tal exame complementar. E quanto ao enquadramento criminal da sua conduta, não seria uma análise ao grau de pureza que permitiria chegar a diferente conclusão. Na realidade, a quantidade é tanta que não seria uma análise deste cariz que permitiria justificar a posse da mesma ao nível da contra-ordenação ou reduzir a sua responsabilidade penal ao nível do tráfico, passando este a ser de menor gravidade, punido pelo art. 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, como invocava pretender com tal exame.

Assim, pelos motivos supra expostos e subscrevendo inteiramente o entendimento do Tribunal a quo, não se nos afigura existir a alegada nulidade, pelo que nega-se provimento o recurso interlocutório do arguido AA, ora em apreço.”

2. – Decisão de Facto (Por se afigurar pertinente para a análise do recurso, nomeadamente para atestar o cuidado de ponderação e ajuizamento colocado na apreciação dos enunciados de facto que foram submetidos a julgamento, transcreve-se a factualidade comprovada pelos tribunais, de 1ª instância e coonestada pelo Tribunal da Relação, e a respectivo exame critico das provas)

"Da enunciação dos factos provados

Discutida a causa, apurou-se a seguinte factualidade com relevância para a decisão da mesma: I. Da acusação pública:

1. O arguido CC enviou para … e para a …as seguintes quantias em dinheiro, via Western Union, perfazendo um total de 13.500,00€:

1.1. Para FF (…): em 11.7.2011 a quantia de 1.000,00; em 23.01.2012 a quantia 2000,00€; em 02.02.2012 a quantia 2000,00€;em 08.02.2012 a quantia 2000,00€; em 08.03.2012 a quantia 2000,00€; e em 13.09.2012 a quantia 2000,00€;

1.2. Para GG (…): em 27.10.2011 a quantia de 600,00€; em 02.12.2011 a quantia de 150€; em 16.01.2012 a quantia 100,00€; em 02.04.2012 a quantia 100,00€; em 24.05.2012 a quantia 300,00€;

1.3. Para HH (…): em 23.11.2011 a quantia de 500,00€;

1.4. Para II (…): em 07.12.2011 a quantia de 200,00 €;

1.5. Para um individuo com o nome JJ (…): em 20.12.2011 a quantia de 150 €; em 08.06.2012 a quantia 200,00€; em 22.06.2012 a quantia 200,00€;

2. Através do seu amigo KK, o arguido transferiu ainda para …, para mesma beneficiária FF, as seguintes quantias, perfazendo o valor total de 37.100,00€: em 31.01.2011 a quantia de 2.000,00€; em 03.02.2011 a quantia 2000,00€; em 23.02.2011 a quantia 2000,00€; em 24.03.2011 a quantia 1000,00€; em 06.07.2011 a quantia 2000,00€; em 06.07.2011 a quantia 2000,00€; em 19.12.2011 a quantia 2100,00€; em 15.02.2012 a quantia 2000,00€; em 01.03.2012 a quantia 2000,00€; em 3.04.2012 a quantia 2000,00€; em 19.04.2012 a quantia 2000,00€; em 10.05.2012 a quantia 2000,00€; em 17.05.2012 a quantia 2000,00€; em 29.05.2012 a quantia 2000,00€; em 31.05.2012 a quantia 2000,00€; em 14.06.2012 a quantia 2000,00€; em 16.08.2012 a quantia 2000,00€; em 26.09.2012 a quantia 2000,00€; em 23.10.2012 a quantia 2000,00.

3. Desde o início do ano de 2017 (entre os meses de Março e Julho), os arguidos CC e EE, sabendo que o arguido AA se dedicava à venda de produto estupefaciente, conceberam um plano, tendente a permitir-lhes introduzir na Ilha de …, por via CTT, elevadas quantidades de produtos estupefacientes dentro de encomendas postais, mormente canábis.

4. No âmbito desse acordo, o arguido AA deslocou-se a … no dia 11.08.2017 a com o objectivo de se encontrar com o arguido EE, onde permaneceu apenas um dia e regressou a … .

5. Na prossecução desta actividade, previamente delineada, competia ao arguido EE proceder à aquisição de canábis no continente português, posteriormente enviava através de encomendas postais, via CTT …, sendo que, após expedição, enviava o código da encomenda postal via mensagem ao arguido AA, a fim de este a seguir via internet.

6. Chegada a encomenda, o arguido AA levantava-a, armazenava o produto estupefaciente e procedia em conjunto com o arguido CC à sua distribuição na Ilha de … .

7. Para aquele efeito, o arguido AA indicou ao arguido EE a morada do seu estabelecimento comercial sito na Rua …, …, e a morada da residência propriedade de LL[1], sita na Rua …, nº …, …, sua companheira, a qual frequentava livremente e da qual tinha a respetiva chave.

8. Foi assim, na execução do plano delineado pelos arguidos, que no dia … de agosto de 2017, chegaram ao Centro de Distribuição Postal duas encomendas postais tendo como remetente M… –“Microcimentos”, Avenida .., 14C - …, endereçadas uma delas para S. Expresso, Ld.ª, Rua …, Loja 2C – … … e a outra para NN, Rua …, … – … .

9. Tais encomendas foram sinalizadas pela equipa de cinotécnica da GNR como suspeita de conterem no seu interior produtos estupefacientes, tendo Inspectores da Policia Judiciária montado um dispositivo policial nas imediações dos CTT durante o prazo de levantamento das referidas encomendas.

10. Acontece que o arguido AA não se deslocou à agência dos CTT para proceder ao seu levantamento, por ter suspeitado que as autoridades teriam detectado o produto estupefaciente

11. Consequentemente no dia 22.08.2017 procedeu-se à apreensão e abertura das referidas encomendas e no seu interior foi encontrado:

- na encomenda remetida para o supra referido estabelecimento comercial, um total de doze placas de canábis, com um peso liquido total de 1174,800 gramas;

- na encomenda remetida para a referida residência, um total de três placas de canábis, com os peso liquido total de 293,868 gramas.

12. No dia 23.08.2017, quando da sua detenção no aeroporto de ..., o arguido AA tinha consigo a quantia monetária em notas do B.C.E., no valor total de 2.200,00€ (dois mil e duzentos euros), que se encontrava agrupado em notas, proveniente da venda de canábis, a fim de ser entregue ao arguido EE.

13. Entretanto, o arguido EE, por estranhar a falta de contacto do arguido AA, no dia 26 de agosto de 2017, enviou duas mensagens a este, enviado para o telemóvel deste com o número 92…20: “boa tarde AA…”, “AA… está tudo bem” (AA …, nome que o arguido EE ao arguido AA).

14. No decurso da busca realizada à residência de MM, na morada acima indicada, onde este residia, foi localizado um cofre, tendo nessa altura a aquela referido que desconhecia o código e que pertencia ao arguido AA.

15. Posteriormente, e com o consentimento expresso prestado por MM e pelo arguido AA, Inspectores da Policia Judiciária realizaram nova busca à referida residência, e, após este arguido ter aberto o referido cofre, foram encontrados e apreendidos no interior do mesmo:

- sete embalagens com película aderente em formato oval vulgo “bolotas” de canábis, com um peso liquido total 170,894 gramas;

- setenta e sete placas de canábis, com um peso liquido total de total de 7465,500 gramas;

- vários  pedaços  “línguas”  de  canábis,  com  um  peso  liquido total de 2,268 gramas.

16. O produto estupefaciente encontrado e apreendido no interior das referidas encomendas destinava-se a ser levantado pelo arguido AA na estação dos correios e a canábis encontrada e apreendida dentro do aludido cofre era pertença dos três arguidos, conforme plano elaborado pelos mesmos, com vista à comercialização.

17. O arguido AA vendeu estupefaciente a DD (o qual foi detido no âmbito do processo com o n.º 77/16.7… e com quem matinha vários contactos telefónicos para esse efeito), sendo que, nos respectivos contactos telefónicos, aquele utilizou o cartão com o nº 96…22 e, nas referidas conversas, utilizavam entre outras expressões codificadas, “peças” e “beber café”, para se referirem aos produtos estupefacientes e marcarem os respectivos encontros para transaccionarem essas substâncias.

18. Durante a busca domiciliária realizada no dia 04.10.2017, foi encontrado na posse do arguido EE um manuscrito onde o arguido registou diversas quantias referentes a um individuo de nome “OO”:7000, 2000, 3800, 2000, 1000, 3000, 8000, 4000, 7000 euros, bem como diversas transferências bancárias de quantias entre 100 e 170 euros referente ao período compreendido de 16-01-2017 a 11-04-2017.

19. Os arguidos conheciam as características e natureza estupefaciente da canábis por si adquirias transportadas e vendidas, actividades levadas a cabo e que sabiam estra-lhes vedada porque proibidas por Lei, e, não obstante, não se abstiveram de agir do modo descrito, querendo vender as ditas substâncias, lucrativamente, a terceiros.

20. Os arguidos actuaram de comum acordo, associando-se, de forma estável e organizada, prosseguindo o plano concebido pelos três, tendo como objectivo a obtenção de vantagens patrimoniais.

II. Mais se provou, das condições pessoais do arguido Luís e a sua situação económica e das condutas anteriores e posteriores aos factos, que:

À data da detenção o arguido AA vivia com MM, …, sendo o relacionamento gratificante. O casal permanecia períodos de tempo, ora em casa do arguido (que dispõe de habitação própria, actualmente em situação de partilha após o segundo divórcio), ora na residência desta, sendo que beneficiavam de boas condições de habitabilidade. Habilitado com o 12º ano de escolaridade, o arguido levou uma vida de trabalho como empresário no ramo de produção e exportação de … (herdou, por morte do progenitor, uma propriedade de …), de prestação de serviços de manutenção de … (teve o franchising “Loja …”) e de obras/remodelações de interiores em habitações particulares, dispondo de uma situação económica desafogada. Ocupava os tempos livres no convívio com a família (tem três filhas, duas do primeiro casamento e uma do segundo) e na prática de desporto. Inexistem hábitos aditivos. Reconhece ilicitude e gravidade aos factos. O presente processo teve um impacto muito negativo dos presentes autos nas várias dimensões da sua vida, nomeadamente familiar (tendo a companheira cortado relações), económica e emocional, enfrentando uma fase ansiogénica e de grande desgaste, que o tem afetado significativamente a nível psicológico, sendo causadora de sofrimento. Tem o projecto de refazer a sua vida e recomeçar os negócios, tendo tido já várias experiências negativas a nível empresarial e nunca tendo desistido de enfrentar as adversidades. Apresenta algumas dificuldades na capacidade de descentração. Afirma ter sido sugestionável, não tendo tido capacidade para antecipar consequências para si próprio e para terceiros. Demonstra consideração pelo sistema de justiça e apresentou disponibilidade para, se for condenado, cumprir pena de execução na comunidade. É bem considerado pelos seus amigos e familiares. Não apresenta problemas de comportamento em meio prisional.

O arguido AA já sofreu as seguintes condenações por sentenças transitadas em julgado: (i) sentença de 10.02.2014, proferida no âmbito do processo abreviado nº 649/13.1…, do Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 11.08.2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa, entretanto declarada extinta pelo cumprimento; (ii) sentença de 23.01.2015, proferida no âmbito do processo sumário nº 46/15.4…, do Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 23.01.2015, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 6 meses de prisão substituída por horas de trabalho, entretanto declarada extinta pelo cumprimento; (iii) sentença de 20.01.2015, proferida no âmbito do processo sumário nº 22/15.7…, do Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 12.01.2015, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, em pena de multa, entretanto declarada extinta pelo cumprimento; (iv) sentença de 11.02.2015, proferida no âmbito do processo comum singular nº 1528/09.2…, do Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 2009, de um crime de falsificação de boletins, atas ou outros documentos, em pena de multa, entretanto declarada extinta pelo cumprimento; (v) sentença de 06.04.2015, proferida no âmbito do processo sumário nº 185/15.1…, do Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 04.04.2015, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com deveres; e (vi) sentença de 20.06.2016, proferida no âmbito do processo sumaríssimo nº 28/14.3…, do Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 12.02.2014, de um crime de falsificação de boletins, atas ou outros documentos, em pena de multa.

(Extirpou-se a parte da matéria de facto provada – de índole e natureza estritamente pessoal e familiar – que atinava com os arguidos, CC e EE, por não apresentarem qualquer interesse e conexão com a matéria decidenda)

Não resultou provado, com relevância para a decisão da mesma, que:

Da acusação pública:

(i) Desde o início de janeiro de 2011 os arguidos, EE e CC, actuando em conjunto e em comunhão de esforços com os outros indivíduos, dedicam-se à aquisição e transporte para a Ilha de … de produtos estupefacientes, com vista à sua comercialização, sem prejuízo da prova dos factos constantes dos pontos 3. a 20.;

(ii) As quantias remetidas pelo arguido CC, nos moldes referidos nos pontos 1. e 2., resultaram da actividade de aquisição e transporte para a Ilha de … de produtos estupefacientes, com vista à sua comercialização;

(iii) O arguido EE também teve lucro dessa actividade e também remeteu as quantias referidas no ponto 2.;

(iv) Na prossecução desta actividade previamente delineada pelos três arguidos, o arguido AA, com vista a não ser surpreendido ou relacionado com esta actividade, nas referidas encomendas com o produto estupefaciente no seu interior nunca era colocada, nem o nome do arguido AA nem o nome das suas empresas, eram sim utilizadas diversas moradas para destino das encomendas;

(v) Os lucros proporcionaram ao arguido AA a aquisição de um veículo automóvel marca Porsche, modelo …, com a matrícula …-OZ-…, e um motociclo com a matrícula …-FQ-…, marca Honda, modelo … ;

Da contestação do arguido AA:

(vi) O arguido CC, após conquistar a confiança do arguido AA, propôs-lhe que guardasse por um curto período de tempo a droga que veio a ser apreendida no cofre, prometendo-lhe que seria somente por alguns dias;

(vii) Apesar dos protestos do arguido AA, o arguido CC convenceu-o a guardar a droga para além dos poucos dias que lhe tinha pedido;

(viii) O arguido AA nada lucrou com a guarda da droga no cofre;

(ix) O arguido AA desconhecia em absoluto o destino da droga guardada no cofre;

(x) O arguido AA desconhecia, na altura, que o arguido CC tinha um irmão (arguido EE);

 (xi) O arguido AA só conheceu o arguido EE mais tarde, numa deslocação a … para tratar de aquisição de material para a sua loja, ocasião em que acedeu a receber as encomendas postais;

(xii) Os € 2.200,00 referidos no ponto 12. provém do trabalho do arguido AA e destinava-se à compra de material eléctrico para a sua loja;

(xiii) O arguido AA está profundamente arrependido.

Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.


Dos motivos de facto que fundamentam a decisão

1. Embora a acusação impute a prática de um único ilícito criminal a todos os arguidos, em comparticipação, reporta-se a dois grupos de factos distintos: actividade de traficância dos arguidos CC e EE desde o início de 2011 (pontos 1. a 3., 21. e 23.) e, a partir de inícios de 2017, conluiadamente com o arguido AA que, por seu turno, já se dedicaria à traficância (pontos 4. a 23.). Comecemos por este segundo grupo de factos (infra 2. A 5.).

2. A prova documental e pericial pré-constituída nos autos adiante elencada traça um quadro objectivo de traficância: a Equipa de Cinotécnica do Destacamento Territorial de … do Comando Territorial … da Guarda Nacional Republicana (que, como é sabido, utiliza canídeos treinados para “marcar” produtos ilícitos nas encomendas postais) detectou duas encomendas postais no Centro de Distribuição dos CTT de … (cfr. fls. 3 e 10 dos autos e fls. 3 e 10 do apenso com o NUIPC 20/17.6…) – que, não tendo sido levantadas ao balcão (cfr. fls. 12-13 dos autos e fls. 11-12 do apenso com o NUIPC 20/17.6…), foram regularmente apreendidas naquele local (cfr. fls. 25 e 31 dos autos e fls. 36 do cit. apenso com o NUIPC 20/17.6…) – contendo, no seu interior, o produto estupefaciente em questão referenciado no ponto 11. dos factos provados [cfr. auto de abertura de correspondência a fls. 33-34, fotogramas a fls. 54-58 e exame pericial (toxicologia) a fls. 1211 e 1213 dos autos e auto de abertura de correspondência a fls.35-36 e fotogramas a fls. 42-46  do cit. apenso com o NUIPC 20/17.6…[2]]. Por seu turno, no interior do cofre sito na residência de MM, nas circunstâncias de tempo da busca domiciliária, estava depositado o produto discriminado no ponto 15. [cfr. auto de busca e apreensão a fls. 110-111, fotogramas a fls. 113-119 e exame  pericial (toxicologia) a fls. 1209].

3.

3.1. O arguido AA, tendo pretendido prestar declarações na audiência de julgamento, confirmou aquilo que, como cremos, evidentemente lhe seria muito difícil negar ou contrariar: (i) a titularidade do cofre (notamos que excluiu qualquer intervenção da sua companheira MM); (ii) a detenção da droga apreendida; (iii) a menção – por sua indicação – das moradas de destino das encomendas postais [uma encomenda em nome de NN com morada de destino da residência da sua companheira e outra encomenda em nome de S. Expresso Lda. como morada de destino no estabelecimento que não a sede social (cfr. certidão permanente a fls. 406-407 da sociedade 1011 Serviços Expresso, Unipessoal, Lda.), sendo assim notória, adiantamos, a intensão de não ser surpreendido ou directamente relacionado com as encomendas, embora, naturalisticamente, não se verifique o circunstancialismo referido no ponto 7. da acusação], que, com o seu consentimento e aval, viriam (como vieram) a ser expedidas e lhe eram destinadas (iv) e a sua desconfiança de que pudessem ter sido detectadas (em razão do que não procedeu ao seu levantamento), defendendo globalmente, todavia, uma versão díspar dos factos daquela que vem apresentada no libelo acusatório: onde aqui se diz que aquele arguido, concertadamente com os demais arguidos, empreendeu na traficância (nos moldes ali melhor descritos), este pugnou em audiência pela ocasionalidade do recebimento do produto estupefaciente (excluindo quaisquer outras remessas), assim cedendo a reiteradas e sérias ameaças de que foi sendo alvo (e que se mantiveram já após a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva), num contexto de forte hegemonia por parte do arguido CC e, mais tarde, também por banda do arguido EE, colocando-se, em suma, na posição de um mero destinatário das encomendas e depositário (quer das encomendas postais, quer da caixa contendo a droga apreendida no cofre).

3.2. Esta relatada versão dos factos, rica em detalhes, procurou nitidamente ajustar-se não só ao já mencionado acervo probatório, mas também a todo o circuito de deslocações ao continente português, sobretudo no mês de agosto de 2017, e, bem assim, às comunicações estabelecidas entre os arguidos nos termos espelhados nos registos dos telemóveis apreendidos (cfr. auto de revista a apreensão a fls. 71-73 e au de busca e apreensão a fls. 212-213), e dos dados de tráfego e de localização celular (cfr. fls. 1049, 1108, 1166-1176 e 1225-1228), revelando-se igualmente alinhada com a “colaboração” prestada à Polícia Judiciária em fase de inquérito, conforme resultou também do depoimento da testemunha PP (Inspetor da Polícia Judiciária encarregue da esmagadora maioria das diligências investigatórias), mormente no que concerne à “implicação” dos arguidos CC e EE.

3.3. Mas sejamos claros: é certo que o arguido AA – após a detenção – pretendeu colaborar na descoberta da verdade material quanto à responsabilidade e responsabilização dos arguidos CC e EE, linha de atuação esta que manteve em sede de julgamento. Mas não é menos verdade que a presença destes dois arguidos “em cena” lhe permitiria, como procurou, colocar-se na veste de um “actor secundário”, alheio à organização, à rede, aos lucros, à distribuição e à venda, jamais com qualquer domínio do facto. Como se nos afigurou, a “colaboração” foi segmentada, escolhida, desirmanada de outros factos relevantes não confessados, não se mostrando, pois, desligada de um interesse processual próprio e exclusivo (quer na fase de inquérito com referência à reiterada sindicância da medida de coacção vigente, quer em sede de julgamento com referência à pena a aplicar – cfr. alegações orais oferecidas pelo mesmo), na defesa de uma tese “em bloco” que, como veremos, não mereceu acolhimento.

3.4. Na verdade, atento o exposto e adiante do que diremos, esta tese defendida pelo arguido AA carecia de cabal comprovação para além das meras conjecturas afloradas quer pelo referido Senhor Inspetor, quer pela generalidade das testemunhas de defesa, arrimadas, em qualquer caso, naquilo que o arguido lhes contou [ex: motivo das viagens relatado pela testemunha QQ (funcionário da sociedade titulada pelo arguido); ameaças na prisão relatadas pela testemunha PP; etc.], ou seja, a circunstância de o arguido ter relatado determinados factos às testemunhas que, de seu turno, os reproduziram em audiência, não os transmuta numa realidade insofismável, tanto mais atendendo às incongruências da versão - globalmente analisada - com regras de experiência comum:

3.4.1. faz algum sentido que o arguido AA, pessoa experiente (em idade e nos negócio – cfr. depoimento de RR e de SS, respectivamente ex mulher e filha do arguido), tenha recebido - de um subempreiteiro que acabara de conhecer (arguido CC), nas circunstâncias relatadas, para guardar no escritório com vista a um futuro trabalho - um caixote (evidenciado no  fotograma a fls. 117) supostamente com ferramentas e outros utensílios (objectos estes que, para além do mais, só não chocalham e fazem barulho no  transporte  se  estiverem  muitíssimo bem acondicionados no caixote…), quando, afinal de contas, continha o produto estupefaciente?

3.4.2. faz algum  sentido que o dono ou possuidor de mais de sete quilogramas e meio de canábis (arguido CC) entregue o produto a um terceiro (arguido AA) que acabara de conhecer? Sem que este nada saiba? Correndo o risco de perder a droga ou de ser denunciado?

3.4.3. faz algum sentido que, nessas circunstâncias, o arguido AA tenha guardado o caixote no escritório por mais de um mês, no desconhecimento do real conteúdo, sem que o arguido CC tenha dito alguma coisa salvo a conversa de finais de Março/princípios de Abril de 2017 onde ficou combinado que marcariam um encontro?

3.4.4. faz algum sentido que, apresentando-se como uma pessoa de bem, o arguido AA, empresário experimentado e sem qualquer ligação ao mundo da droga, tenha decidido questionar/ confrontar o arguido CC após ter aberto o caixote e visto a droga (porque já estava incomodado de ter aquele volume no seu escritório)? Em alternativa a contactar de imediato as autoridades (nomeadamente a Polícia Judiciária, com quem, a jusante, tão prontificadamente se dignou colaborar)?

3.4.5. faz algum sentido que o arguido CC, assim que confrontado nos moldes expostos, tenha ordenado ao arguido AA que continuasse endossado na tarefa de guarda da droga (como veio a fazê-lo nos meses seguintes, até à sua detenção)? Quando, como é elementar nestes circuitos, a droga destina-se a ser rápida e eficazmente distribuída (o que se guarda é, ao invés, o dinheiro proveniente dos lucros do negócio…)?

3.4.6. faz algum sentido que o arguido AA tenha permanecido esses cerca de três meses sujeito a ameaças, acedendo nesse contexto conhecer o arguido EE em finais de Julho/ princípios  de agosto, sem prejuízo de outras deslocações ao continente português, naquele período, desarrimadas deste “problema”?

3.4.7. faz algum sentido que o arguido AA se tenha deslocado propositadamente ao continente português para mostrar ao arguido EE, no seu telemóvel, a página do endereço electrónico dos CTT da internet relativa à não entrega da encomenda (de forma a despistar as suspeitas de que ele mesmo havia ficado com a mercadoria à revelia destes), quando essa informação é disponibilizada online e consultável a partir de qualquer aparelho com ligação à internet? Numa altura em que o arguido CC – conluiado com aqueloutro – está nesta Ilha de … e poderia facilmente visualizar essa informação, ainda que pela “mão” do arguido AA?

3.4.8. faz algum sentido que, na ocasião da sua detenção, o arguido AA tencionava, novamente, exibir o seu telemóvel ao arguido EE, nos moldes que explanou?

3.5. As questões não encontram eco no plano da normalidade dos acontecimentos.

3.6. Ademais, é pouco plausível que o arguido AA tenha levado o cofre para casa da sua companheira sem qualquer motivo aparente (em Dezembro de 2015/ janeiro de 2016, como referiu), tanto mais que ali não guardava mais nada…. A colocação do cofre fora da sua residência/estabelecimento comercial, mas em “território” por ele dominado (casa da companheira), para depósito de droga, faz todo o sentido diante deste quadro, e do adiante referido.

3.7. Por outro lado, naquela ocasião da detenção, quando se preparava para embarcar no voo da companhia … com destino a …, o arguido AA trazia consigo várias películas de folha de alumínio, comumente utilizada para acondicionar estupefaciente (cfr. auto de revista e apreensão a fls.71-73, em particular fls.76), e € 2.200,00 em dinheiro (€ 100,00x 1; € 50,00 x 3; € 20,00 x 74; €1 0,00 x 47), cuja pugnada proveniência dos negócios da exploração de ananás ou da sociedade, inclusivamente do caixa, é implausível (mesmo a testemunha QQ aludiu a movimentos médios diários em valor bastante inferior), sendo certo que não juntou qualquer documentação atinente aos rendimento daquela exploração e/ ou à faturação dessa sociedade em ordem a aferirmos do volume de negócios e da justificação para as alegadas viagens com a frequência de cerca 15 em 15 dias (contactos com fornecedores, feiras nacionais e no estrangeiro, etc…. notamos que a sociedade tinha apenas um funcionário e dedicava-se a “multisserviços” de pequenas reparações de … – cfr. certidão permanente a fls. 406-407).

3.8. Por seu turno, o arguido AA tinha registado no seu telemóvel o contacto do arguido CC como “TT” e do arguido EE como “UU” (fls. 235-236), pouco compatível com alguém que nada tem a esconder naquele descrito cenário das ameaças à sua pessoa… (qual a necessidade do disfarce nos nomes associados aos contactos telefónicos?).

3.9. Acresce a relação com DD (indivíduo que veio a ser detido no âmbito do cit. processo nº 77/6.7…, cuja cópia da acusação consta a fls. 212 e ss. do cit. apenso com o NUIPC 120/16.0…): o arguido declarou que o conhece por ser pintor de peças de automóvel e por lhe ter prestado alguns serviços neste domínio, sendo que o respectivo contacto telefónico está registado no seu aparelho (uma vez mais sem qualquer explicitação) como “A/RG”(possivelmente DD … – cfr. auto de leitura de telemóvel a fls. 995), havendo registo de várias chamadas entre 04.05.2017 e 09.07.2017 (numa altura, portanto, em que, reconhecidamente, o arguido AA já havia conhecido o arguido CC e estava em poder da droga no cofre), conforme atestam as sessões nºs  7877, 7896  e 8178 das intercepções telefónicas levadas a efeito no cit. apenso com o NUIPC 120/16.0… e auto de leitura de trêfego de telemóvel a fls. 1166.  Ora, aqui chegados, consideramos que a relevância destes contactos é revelada pelo teor das escutas telefónicas interceptadas no período compreendido entre 27.07.2016 e 28.08.2016 (período prévio à detenção daquele), nos precisos termos constantes da cit. certidão a fls.16 e ss. do apenso  com o NUIPC 120/16.0… (meio probatório este que, como vimos, o arguido pretendeu “aniquilar” através do requerimento de proibição de prova), em particular de fls. 32 a 41 e 44-49, de onde resulta, a nosso ver inequívoco da respetiva codificação, as encomendas de DD àqueloutro e respectivos  encontros  para  as   entregas, como, por exemplo: 27.07.2016 – “se vires a minha mensagem do dia 23 diz que são 8 (3+5) e não 9. Tem é 8, ok”; 28.07.2016 – “Fica 4+3 que são 7”; 04.08.2016 – “seis  sete  ou  oito  peças  para pintar”; 05.08.2016 – “kero 5 pecas” (…) “Queres cinco peças não é isso?”; 10.08.2016 – “kero 7 pecas para logo”; 12.08.2016 – “ele manda vir do continente, eu é que fico com o material,  eu  despacho  o  material,  dou-lhe  dinheiro, ganho a minha parte e ele manda vir outra vez e assim e assim sucessivamente, sim”; 20.08.2016 – “Boas 4 pecas kando poder ok”; 23.08 – “Boas logo kero 6 pecas para pintar ok”; 25.08.2016 – “Boas vamos tomar café ao meio dia e k 2 pecas ok”…. Resulta das conversações que - em cerca de um mês – os dois intervenientes marcaram variadíssimos encontros para DD receber “peças” do arguido AA, segundo este, em audiência, para pintura (afinal de contas, de cerca de 40 peças!).

3.10. Soma-se, com relevância, o conhecimento (com sentido crítico) do arguido AA acerca deste tipo de produto estupefaciente, desde logo revelado ao Senhor Inspetor da Polícia Judiciária PP, quando da abertura do cofre (conforme este relatou na veste de testemunha), ao referir-se ao respectivo odor como inculcando uma fraca qualidade da droga…[3].

3.11. Todo este cenário bem contraria a pugnada intervenção mínima nos factos descritos na acusação e importa a falta de prova da matéria que alegou a este respeito na contestação (incluindo o pretenso arrependimento, desarrimado de qualquer confissão séria e desinteressada dos factos), sem prejuízo, naturalmente, dos eventuais contornos e extensão da rede em questão (notamos que nas declarações que prestou em sede de inquérito espelhadas a fls. 761-762, lidas em audiência, referiu-se a uma tal de VV que, por seu turno, interviria numa outra rede que fora desmantelada a que se reposta o acórdão proferido no processo nº 36/16.0…, cuja cópia consta a fls. 782 e ss. dos autos).

3.12. O arguido certamente saberá a sua motivação. Mas não se diga que a ausência de avultados rendimentos, compaginada com uma desnecessidade de enveredar por este tipo de negócio [efectivamente, não foram descritas quaisquer carências económicas; pelo contrário, levava uma vida relativamente folgada e activa, do que é exemplo a detenção do veículo de marca Porsche em regime de leasing (cfr. fls. 398-399) ou a prática da actividade de parapente – cfr. declarações do arguido e das testemunhas RR e SS], constituem factores que excluem, racionalmente, a prática dos factos…

4.

4.1. Neste enquadramento, tendo como pano de fundo o supra exposto, a ligação entre os três arguidos resulta evidente do confronto dos dados registados nos telemóveis (autos de leitura de telemóvel a fls. 232 e 233-234, consentimentos expressos a fls. 83, 86, 217-219 e CDs a fls. 85, 88, 217-219), dos dados de tráfego e localização celular (cfr. fls. 1049, 1108, 1166-1176 e 1225-1228), sendo possível reconstituir as movimentações espácio-temporais dos mesmos, encadeadas no negócio da traficância:

- 31.07: data da deslocação do arguido CC de … a …;

- 04.08: data da deslocação do arguido AA de … a …, ocasião em que contacta telefonicamente o arguido CC e, por seu turno, é também por este contactado;

- 05.08: remessa das encomendas em causa a partir da estação dos …, em … (cfr. face principal dos cit. invólucros), único dia, salientamos, numa estadia no continente de oito dias, em que o arguido CC se deslocou de …a …. (excepto os itinerários do aeroporto), tendo estado concretamente abrangido pela célula de …, na baixa pombalina, próximo daquela estação dos correios. Também houve vários contactos telefónicos entre o arguido AA e o arguido CC e entre este e o arguido EE;

- 07.08: data do regresso do arguido AA a …;

- 08.08: data do regresso do arguido CC a …;

- 09.08: data da chegada das encomendas postais;

- 10.08: data em que o arguido AA telefonou ao arguido EE;

- 11.08: data da deslocação do arguido AA de … a … . Contactou o arguido EE e deslocou-se à célula da BTS da residência deste (…);

- 12.08: data do regresso do arguido AA a …;

- 19.08: data em que o arguido EE contactou telefonicamente o arguido AA;

- 20.08: data em que o arguido EE contactou novamente telefonicamente o arguido AA;

- 22.08: data em que o arguido AA trocou sms com o arguido EE;

- 23.08: data da detenção do arguido AA, coincidente com a data em que o arguido EE tentou contactar telefonicamente aquele (que, por aquele motivo, já não atendeu) e mandou-lhe os dois sms com o teor referido no ponto 13. dos factos provados;

- 26.08: data em que o arguido EE tentou novamente contactar telefonicamente o arguido AA.

4.2. Por outro lado, os dados de tráfego e de localização celular também demonstram que no período antecedente e compreendido entre 09.05.2017 e 14.05.2017, os arguidos AA e CC encontravam-se, ambos, em … (e regressaram os dois a … naquele último dia). E no mês de julho antecedente, nos dias 11 e 28, o arguido AA esteve na zona da BTS da residência do arguido EE (fls. 1166 e ss.).

4.3. Por seu turno, e à semelhança do que referimos quanto ao arguido AA, também o arguido CC tem registado nos seus telemóveis os nomes dos demais como “AA…” e “UU” (cfr. auto de leitura de telemóvel a fls. 232).

4.4. Acresce, coadjuvadamente, que o arguido CC paga a sua renda mensal no valor de € 230,00 em dinheiro (cfr. depoimento do senhorio XX), terá frequentado um ginásio (cfr. depoimento da cit. testemunha PP), viajou com alguma regularidade ao continente português, fazia uso de três telemóveis (cfr. fls. auto de busca e apreensão a fls. 212-213) e efectuou transferências via WesternUnion entre janeiro de 2016 e Setembro de 2017 (cfr. fls. 632 e 639), o que, globalmente considerado, requer disponibilidade económica para além dos apurados rendimentos de apoios sociais (nem o mesmo fez qualquer prova das alegadas remessas dinheiro pelas suas irmãs, que vivem em …, via CTT, nem tão pouco foram detectados quaisquer invólucros/ cartas a este respeito, quando da busca domiciliária).

4.5. Por outro lado, quando da busca domiciliária de 04.10.2017, o arguido EE tinha na sua posse o documento referido no ponto 18 da acusação (auto de busca e apreensão a fls. 612-613 referente ao interior do seu veículo automóvel e documento a fls. 614), a par dos vários comprovativos de depósitos em numerário entre janeiro e Setembro desse ano na sua conta bancária (auto de busca e apreensão a fls. 596-597 e documentos a fls. 598-604, 608, 609 e 617-620) (Foram apreendidos uns documentos manuscritos com números de telefone e nomes – cfr. fls. 610, 614 2ª parte, 615 e 616, assim como um pequeno caderno (também junto aos autos nesta data – cfr. nota de rodapé nº 6) – mas não terão sido efetuadas quaisquer diligências no sentido de se apurar a relação entre os mesmos e os factos então indiciados) e das transferências via WesternUnion entre agosto de 2016 e agosto de 2017 (cfr. fls. 632 e 636), não tendo sido produzida outra prova relativa a rendimentos pelo trabalho por parte deste para além da documentação que o mesmo juntou a fls. 1463-1467 (originais de fls. 1375-1383v.), insuficiente, na nossa óptica, para atestar a proveniência daqueles montantes.

5.

5.1. Nesta arquitectura, não mereceram acolhimento as declarações prestadas pelos arguidos CC e EE, que se colocaram totalmente à margem dos factos (cuja imputação, segundo o primeiro, prende-se com razões de ordem racial).

5.2. O primeiro (arguido CC) pretendeu convencer que somente conhecera o arguido AA em 26.07.2017, no …, …, por motivo de trabalho, tendo ficado acordado encontrarem-se no continente português (mas por que motivo já que ambos residem em … e o trabalho seria supostamente realizado nesta ilha?), como veio a suceder no dia 04.08.2017, num café em …, ocasião em que, logo por coincidência, o seu irmão EE também ali compareceu (!), o que é de todo inverosímil quando compaginado com o explanado acervo probatório.

5.3. O segundo (arguido EE) procurou fazer crer que naquele encontro ficou amigo do arguido AA (pessoas com extremado historial e estilo de vida), razão pela qual, logo uns dias depois (presumivelmente no dia 11), encontraram-se propositadamente apenas para tomar um café e confraternizar (!), o que também não se afigura consentâneo com a remanescente prova produzida e com regras de experiência comum.

6. Relativamente ao ponto 22. da acusação, cremos que o Ministério Público terá incorrido num lapso material, pois, por um lado, o veículo da marca Porsche estará em poder do arguido desde 2014 (inexistindo elementos probatórios que permitam alocar a actividade de traficância a esta data), sendo proprietária a sociedade Banco BPI (cfr. fls. 398-399); por outro lado, o motociclo também está registado em nome da filha do arguido desde 2015, sendo plausível a explicação apresentada de que consistiu num esquema de retirar o bem da esfera patrimonial, primeiramente da sociedade de gestão de condomínios e seguidamente do arguido, conforme este explicou, corroboradamente pela sua filha, alinhado com o teor de fls. 400-402. Assim sendo, não estabelecemos qualquer relação entre os factos provados e estas duas viaturas.

7.

7.1. Conforme supra referimos no ponto 1., o libelo acusatório reporta- se ainda a um primeiro grupo de factos atinentes à actividade de traficância dos arguidos CC e EE desde o início de 2011 (pontos 1. a 3., 21. e 23.).

7.2. Subjaz a este entendimento a circunstância da (até então indiciada) actividade de traficância posterior a inícios de 2017, compaginada com a falta de explicação da origem das quantias em causa nos moldes resultantes da investigação leva a efeito a montante, no âmbito do processo nº 242/12.6… (de onde foi extraída a certidão junta aos autos a fls. 509-561), cujo inquérito veio a ser arquivado (conforme explicação em audiência da testemunha PP). Ou seja, aqueles factos foram agora “repescados” tão só e apenas por força da investigação desenvolvida nos presentes autos.

7.3. Ora, conforme resulta em uníssono da documentação constantes daquela certidão, das declarações do arguido CC e do depoimento da testemunha KK, inexistem quaisquer dúvidas da realização daqueles movimentos a crédito por parte daquele (e não também por banda do arguido EE, relativamente ao qual nenhuma prova foi produzida a este respeito), sendo certo que a explicação oferecida – quer para as transferências efetuadas directamente pelo mesmo, quer para as transferências realizadas por intermédio da testemunha KK – não colhe minimamente (ex: dinheiros provindos de …, das suas irmãs e falta de qualquer justificação plausível para intervenção deste último). Contudo, não se nos afigura certo – ou melhor, para além da dúvida razoável – que a proveniência do dinheiro esteja relacionada com o tráfico de droga, posto que estamos perante factos dos anos de 2011 e 2012, inexistindo qualquer relação, próxima ou contemporânea aos mesmos, com a traficância (aliás, terá sido este um dos fundamentos do arquivamento do dito processo de inquérito). Dito de outra forma: não é legítimo presumir com segurança, sem mais, partindo exclusivamente da prova de factos de 2017 (e sem prejuízo à cit. prova documental atinente aos depósitos em conta e transferências via WesternUnion de 2016), que os atos de traficância já vinham sendo praticados desde 2011. A dúvida, naturalmente, beneficia os arguidos em obediência ao princípio in dubio pro reo.

8. Por último, relativamente às condições pessoais dos arguidos e a sua situação económica, bem como as condutas anteriores e posteriores aos factos, atendemos ao teor dos relatórios sociais elaborados pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a fls. 1450-1451v., 1452-1453v. e 1454-1456 (e, quanto ao arguido AA, também no teor do documento a fls. 1407-1408, concernente aos descontos para o regime de Segurança Social de 1989 a 2017, e, bem assim, nos depoimentos abonatórios das cit. testemunhas RR, SS, QQ e ZZ, amiga de há longa data) e dos certificados do registo criminal actualizados juntos aos autos 1416-1421, 1459 e 1504-1505." (fim de transcrição).


§2.(b). – APRESENTAÇÃO E DISCUSÃO DOS TEMAS JURÍDICOS.

Como se anunciou supra – vide apartado para enunciação das questões a resolver para a decisão da pretensão recursiva – o recorrente, com base na novidade de provas que sobrevieram à sua condenação – outiva de uma testemunha e realização de exame (cientifico) ao produto estupefaciente que guardava – pretende infirma o juízo condenatório irrogado pelas instâncias.

Para a pretensão que adianta convoca o plasmado no artigo 449º, nº1, alínea d) do Código de Processo Penal, na orientada dimensão de superveniência (ao conhecimento do condenado/requente da revisão) de elementos de prova que (i) ou lhe eram desconhecidos na data em que se operou o juízo de condenação; ou (ii) ou eram do seu conhecimento mas não teve oportunidade de os apresentar. A subsistência e força probatória dos novos elementos apresentados, há-de valer por si só ou da sua combinação e conexão com demais elementos que hajam sido exibidos e apesentados no acto de “enjuiciamiento” em que o referido juízo (de condenação) se haja operado.

Para que um pedido com este fundamento possa triunfar e ganhar foros de substituição do juízo firme que se formou e constitui anteriormente torna-se necessário a reunião de requisitos que se tentarão expor no apartado sequente.    


§2.(b).1. - REQUISITOS JURÍDICO-LEGAIS PARA REVISÃO DE SENTENÇA.

A lei fundamental consagra, no Título II, Capítulo I, referente aos direitos liberdades e garantias pessoais, e na parte concernente à aplicação da lei penal, “o direito a não sofrer uma condenação sem culpa (nullum crimen sine culpa), o direito a não sofrer uma pena não prevista na lei (nullum crimen sine lege) “o direito a um processo justo (nullum crimen sine processu)” (Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 182.), o direito à revisão da sentença penal condenatória – cfr. artigo 29º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa. (Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2017, prolatado no processo nº 133/12.0JDLSB.S1 - 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa. O recurso extraordinário de revisão, p. e p. pelo art. 449.º, do CPP, tem assento constitucional, no art. 29.º, n.º 6, da CRP, que concede o direito à revisão da sentença aos “cidadãos injustamente condenados”. II - Este recurso constitui, pois, uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2.º, da CRP). Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado. III - A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica. Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias. IV - O recurso de revisão constitui pois um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar. V - O art. 449.º, do CPP permite a revisão de decisões transitadas nos casos indicados no seu nº 1, lista que se deve considerar taxativa pelas razões indicadas. VI - A al. d) admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. VII - Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica” ou ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 2012, Proc. nº 614/09.3TDLSB-A-S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, em que se escreveu: “O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como também pelo Código de Processo Civil, como forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Porém, não se pode levar longe de mais a homenagem tributada a tal princípio, de reconhecida utilidade pela estabilidade e certeza que proporciona do ponto de vista das necessidades práticas da vida, do ponto de vista do próprio direito, que, de contrário, perderia credibilidade com a possibilidade de julgados contraditórios, reflectindo-se na estruturação da própria organização social, e do ponto de vista da paz jurídica, que é um objectivo a que almejam os cidadãos.

Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.

E se tanto no processo civil como no processo penal a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-de convir-se que no processo penal esta se impõe com muito mais pujança, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art. 29.º n.º 6 estabeleça: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos, conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode, por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP.” –

A realização de fins processuais como a descoberta da verdade e realização da justiça, obtenção da segurança e da paz jurídica e protecção dos direitos individuais, são comumente aceites nas ordens jurídicas de pendor democrático e cotejando e ombreando com o valor, igualmente prevalente, da segurança jurídica em que se plasma e acrisola o instituto do caso julgado. “Conforme escreveu Eduardo Correia, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”. (Em registo semelhante ver, do mesmo Autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).”

“Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”. - Citação extractada do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Novembro de 2017, prolatada no Proc. nº 630/11, 5GASXL-C.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges. (Inédito e onde o aqui relator interveio como Adjunto) 

 (“A sua origem reparte-se entre uma versão da “restituo in integrum” do direito romano e a nulidade dos juízos regulada dispersamente no Livro II do Liber iudiciorum, procedendo esta última por falso testemunho, falso documento ou ocorrência de delito. (…) Definitivamente, do que se trata é de anular completamente um procedimento quando tenha sucedido um facto de tal gravidade que seria absurdo tanto a manutenção da aparência de legalidade desse processo como a vigência dessa sentença.”) (Cfr. Jordi Nieva Fenoll, Derecho Procesal II. Proceso Civil, Marcial Pons, pág. 345.)  

A procura, e necessidade, de que a cada caso que seja submetido a julgamento corresponda uma efectiva e material-substantiva decisão justa encontra amparo na ideia de realização da justiça inerente ao adequado funcionamento das organizações jurisdicionais em que se manifesta o poder de Estado. Nesta perspectiva, admitindo a possibilidade de não materialização efectiva, em todos os casos, de uma efectiva correspondência de julgamento justo de um caso, abarcando todos os elementos, pessoais e materiais, que permitam a total percepção e compreensão do caso submetido a avaliação, a lei, na concretização do princípio de nullum crime sine culpa, admite que, depois de passado em julgado uma sentença, se possa reabrir o caso/processo e operar a revisão do caso. (Cfr. a propósito do equilíbrio que se pretende entre a segurança jurídica e a necessidade de realização de justiça material o que foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2016, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, “O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042.

O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. 

Com efeito, se se erigisse a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal, “ele entraria, então, constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p. 44..

“Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 1043.

Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. 

Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada” Neste sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 12. ao artigo 449º.”

Na acepção de Claus Roxin e Bernd Schünemann, “A paz jurídica só pode ser conseguida quando os princípios contraditórios da segurança e da justiça se encontram numa relação equilibrada. O seu fundamento [da revisão] é que a firmeza deve retroceder quando factos posteriormente descobertos demonstrem que a sentença se apresenta como manifestamente falsa e colide de forma insuportável contra os sentimentos de justiça ou quando a condenação não se fundamenta numa medida mínima de justiça do procedimento” ) Claus Roxin e Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal, Ediciones Didot, pá. 691.) 

A dogmática jurídica divide-se quanto à natureza jurídico-conceptual com que se deve crismar este tipo de impugnação das decisões judiciais, propendendo uns para o qualificar como uma acção, outros como recurso e outros ainda como um misto de acção e recurso. (“Para uns será uma acção; para outros, um recurso; ainda para outros, um misto de recurso e de acção.”) (Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª edição; Almedina, 2005, p. 369.) (Estima alguma doutrina estrangeira que “a revisão de sentença firme é uma acção autónoma de impugnação que persegue a revogação da coisa julgada. Não pode considerar-se, em consequência, como um recurso, pois enquanto estes perseguem uma nova cognição das questões já resolvidas mediante resoluções que todavia não são firmes, a revisão vem dirigida, em atenção a motivos taxados, contra resoluções que já ganharam firmeza. O seu fundamento cabe situá-lo na necessidade de ponderar e manter o equilíbrio entre a segurança jurídica, que deriva da coisa julgada, e o anelo de justiça, que é uma aspiração primária e fundamental que não pode sacrificar-se no altar da segurança jurídica naquelas casos de vulnerações flagrantes e insofríveis que as legislações tipificam como causas de revisão de sentença firme.” - (Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 413. A autora citada, refere que a embora a lei circunscreva os motivos que devem confinar a possibilidade de revisão de uma sentença penal, adianta que “sem embargo, se tivermos presente que a revisão de sentença firme persegue salvaguardar, em casos flagrantes, a justiça por cima da segurança jurídica; nada deve impedir, em nosso juízo, que a sua aplicação seja extensiva também aquelas sentenças condenatórias firmes que tenham sido ditadas no âmbito de aplicação dos juízos de faltas.” – op. loc. cit. pág. 414. “A revisão não é um recurso ordinário nem extraordinário, mas sim uma autónoma acção impugnativa, essencialmente porque se promove quando um processo já se encontra finalizado e não durante a pendência do mesmo, quer dizer, um “juízo de revisão”. Não nos encontramos ante um recurso em sentido estrito, mas sim ante um meio extraordinário de impugnação, que do mesmo modo que o recurso de cassação se substancia ante a Sala Segunda do Tribunal Supremo. As diferenças entre a cassação e a revisão são desde logo enormes, e não fazem senão corroborar ainda mais facto de que esta última não pode entender-se como recurso.”

No mesmo sítio referem-se as diferenças entre o recurso de revisão civil e penal, nos seguintes termos. “Existem também diferenças entre o recurso de revisão civil e o penal. Na revisão civil os motivos que a podem fundamentar são fornecidos essencialmente por situações externas ao processo, fraude, violência, mas nunca em referência a factos ou actos que não foram aportados ao processo e que o Julgador não pudesse ter tido em conta, assim pois, a sentença é válida mas injusta, em razão de actuações das partes ou do juiz, as quais se não se tivessem produzido, teriam dado como resultado uma sentença válida e justa, de modo que a revisão só pode plantear-se “ex capite falsi”. Pelo contrário, a revisão penal pode-se referir a factos ou actos que não foram aportados para o processo e que viriam, se tal tivesse acontecido, a modificar o critério da sentença ditada pelo julgador, do que se admite tanto em razão da “falsidade”, como da “novidade”. Outra grande diferença entre as duas revisões e a que se refere às resoluções contra as que se pode interpor o recurso, pois enquanto a revisão civil se pode interpor contra sentenças absolutórias da demanda, pois se encontra legitimado para interpô-la tanto o demandante como o demandado, ao invés a revisão penal só se poderá interpor ante sentenças condenatórias.” – in Recurso de Revisión penal,  https//guiasjurídicos. Wolters.klumer//es.)

A revisão de sentença – que o ordenamento qualifica como recurso extraordinário – constitui-se como um acção de impugnação de uma decisão condenatória ou absolutória  que, depois de passada em julgado, se veio a verificar haver sido proferido com ocorrência de qualquer das entorses que constituem os pressupostos alinhados no artigo 449º do Código Processo Penal. O acto de revisão não se destina, ou tem por objectivo, postergar ou cisar uma decisão ditada pelos fundamentos jurídicos ou sequer pela errónea interpretação de uma norma adjectiva, antes se prefigura como um meio de derrogar a sentença (firme) por superveniência de novos meios de prova que não estiveram ao alcance do julgador ou porque o julgador tenha cometido um acto ilícito ao tempo em que teve a seu cargo a resolução do caso sob revisão e cujo acto ilícito haja ficado demonstrado em outro procedimento ou os “factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” (Henriques Gaspar; Santos Cabral; Maia Costa; Oliveira Mendes; Pereia Madeira e Pires da Graça, in Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2016, 2ª edição, p. 1507.

A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre a questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um novo julgado novo sobre novos elementos de facto.

Por tal motivo não parece admissível o recurso com objecto apenas de alteração da qualificação jurídica dos factos.” – ibidem, p.1507. Cfr. ainda o supra citado acórdão de 28-06-2017, prolatado no processo nº 133/12.0JDLSB.S1 - 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa.)

Justificando a necessidade de o sistema de justiça encontrar uma congruência entre a segurança, a paz jurídica e a justiça real e material que se espera no desenvolvimento da actividade judiciária estimou-se em acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, (sic): “Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: - por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social.

Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá notícia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como o “in dubio pro reo”, indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, seguramente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais.

Mais adianta o mesmo Mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto comprovado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins. Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais?

Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.

Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada”  

Como refere o acórdão 376/2000 do Tribunal Constitucional trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito, consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior, e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado, e servido, as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é, os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º).

Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva ao ponto de banalizar e, consequentemente, desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endoprocessual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação.” (Na doutrina e quantos aos fins da revisão, veja-se, por todos, Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 381 a 387.)

Na materialização desse propósito, a lei processual penal inculca, no artigo 449º, a possibilidade de revisão de uma sentença penal, quando, entre outras situações que para o caso não relevam, “os factos que servirem à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – alínea c) do artigo referenciado – ou “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – cfr. alínea d) do citado preceito. (A propósito dos fundamentos do recurso de revisão cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2003, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, em que se escreveu: “Dispõe o artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da decisão».

O recurso de revisão constitui um meio excepcional de reapreciação de decisões transitadas em julgado, que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar graves injustiças, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, ainda que com sacrifício da caso julgado. Um dos fundamentos da revisão é a existência de factos novos ou novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, por serem desconhecidos do tribunal na data do julgamento, sejam susceptíveis de suscitar dúvidas sobre a justiça da decisão.”; ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2008, relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “I - O recurso de revisão, previsto no art. 449.º do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça material. O legislador criou o recurso de revisão como mecanismo que, pretendendo operar a concordância possível entre esses interesses contraditórios, admite, em casos muito específicos e limitados, a modificação de sentença transitada. II - Trata-se, pois, de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta que essa própria paz jurídica ficaria posta em crise.”

O requisito axial que a lei exige e/ou faculta ao peticionante de uma acção revisora da coisa julgada e, correlatamente, para que uma sentença firme possa ser quebrada na sua inteireza institucional-legal, ou, o mesmo é dizer, para que ocorra o chamado efeito preclusivo do caso julgado, é que, como se deixou dito supra, os meios de prova, que a hão-de abalar e/ou pôr em causa, se apresentem como uma novidade na realidade histórico-processual em que o caso foi apreciado, debatido, julgado e obtido o juízo condenatório. (Cfr. Acórdão de 14-03-2013, processo n.º 640/08.0SILSB-A.S1 - 5.ª Secção. “O recurso extraordinário de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça.

Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso de revisão se não transforme em uma apelação disfarçada, sendo, ademais, taxativas as causas de revisão elencadas no nº 1 do art. 449.º do CPP.”)

Reportando-nos à situação contida na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código Processo Penal, por ser a que aqui interessa, a lei concita para a procedência de um propósito processualmente manifestado de revisão de uma caso, (i) que a decisão a rever haja transitado em julgado (requisito geral); (ii) que depois do trânsito em julgado surjam factos novos (“O núcleo de factos elegíveis deverá ser considerado em função, quer da matéria, quer dos fins pretendidos: só são incluídos os factos compreendidos no âmbito do objecto que determina a condenação judicial e os factos susceptíveis de determinar a absolvição do condenado, a aplicação de uma moldura penal abstracta mais favorável e, em consequência, uma pena mais leve, a imposição de outra medida de segurança ou, por último, o próprio arquivamento definitivo do processo. É o caso de todos os elementos relativos à questão da culpa, como, por exemplo, as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Isto é: todos os factos que forma directa ou indirecta (meros indícios) fundamentam ou excluem a punibilidade de determinada conduta” (…) “O conceito de facto tanto abrange os elementos constitutivos, ou negativos do tipo legal de crime (factos principais), como qualquer outra circunstância susceptível de comprovar a veracidade ou a falsidade daqueles. O rigor científico de uma peritagem (descoberta de novos métodos, descrédito do perito, insuficiência das suas habilitações) a credibilidade de uma testemunha (o seu carácter, a sua propensão para a mentira por reiteradas condenações neste ou noutros processos, a sua boa ou má reputação ou a amplitude da sua memória) podem afectar o juízo efectuado e destruir a convicção judicial sobre a existência ou inexistência de um determinado principal.” - Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 294. Mais adiante – cfr. pág. 565 – este autor assela que “factos para efeitos de revisão são todos aqueles que ,demonstrando a injustiça da condenação, possam justificar a quebra do caso julgado”; (iii) que surjam novos meios de prova; (“Segundo uma longa tradição italiana, que logrou mesmo consagração expressa, as expressões «factos novos» e novos elementos de prova» são equivalentes. Uma vez que a lei apenas admite os factos novos, enquanto eles têm eficácia probatória, também eles devem, necessariamente, ser elementos de prova” – Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 290.) Quanto à relevância, probidade e idoneidade dos novos factos ou dos novos meios de prova escreveu-se no acórdão deste Supremo tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que “Consequentemente não será uma indiferenciada "nova prova", ou um inconsequente "novo facto", que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Tais novos factos e/ou provas, têm assumir qualificativo correlativo da "gravidade" da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa.

Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda

Se a condenação assenta num juízo valorativo da prova produzida no qual está afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal o juízo de revisão, nesta hipótese concreta, fundamenta-se exactamente em prova de sentido contrário.

Significa o exposto que os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu á condenação. A estrutura lógica subsuntiva em que assenta a decisão condenatória deve, assim, ser afectada, ser corroída, nos seus fundamentos probatórios por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade.

Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2002 dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para subir a vertente da "gravidade" que baste.

E, se é assim, logo se vê, que não será uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada.

Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.”)

Concernente ao conceito de facto, e numa perspectiva tradicional, como refere Conde Correia, abarca-se “qualquer circunstância, evento ou acontecimento, que possa ser objecto de prova e que, de forma directa ou indirecta, total ou parcial, sirva as finalidades da revisão.” (Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 566. Na jurisprudência e quanto à compreensão e entendimento do que se há-de ter em consideração para efeitos de revisão de facto novo respiga-se o que adrede foi escrito num dos acórdãos supra citados, de que “ A noção de "factos novos" está, assim, tipicamente referida às circunstâncias do tempo processual da decisão; a justiça da decisão seria posta em causa se o facto relevante pudesse ter sido conhecido do tribunal do julgamento no momento da decisão. Todavia, a plasticidade da noção não afasta a consideração da novidade subsequente, quando os valores e exigências que estejam em causa assumam igual índice de validade, como muito impressivamente o presente caso revela.

(…) Todavia, se é certo que não pode ser invocada a «injustiça» contemporânea da condenação, « os factos agora invocados e considerados como novos são-no, de modo vivencial e essencial, na medida em que assumem o significado jurídico da sua consideração ou qualificação como tal, pois é legítimo afirmar-se que se tivessem sido objecto de análise e inclusão na decisão, não se colocaria agora a questão da pena acessória de expulsão, para efeitos de revisão de sentença, por ocorrência da previsão do artigo 33°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal, de 11 de Fevereiro de 1999, no BMJ, 484-280).

«E se é defensável e lógico afirmar-se que a sentença não se esgota no momento do seu trânsito em julgado» mas «tão-só quando cessam todos os seus efeitos, então pode e deve concluir-se ser de atribuir relevância a "factos novos", que tornem a decisão verdadeiramente eivada de injustiça, no tocante aos efeitos que possa produzir enquanto não se mostra inteiramente executada».” – Henriques Gaspar.  

Quanto ao momento em que o peticionário tomou conhecimento dos factos novos veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 27.01.2010, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que se sumariou: ”I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente. II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação. III - Existe fundamento para a revisão, se o recorrente se encontrava afectado de patologia mental no momento da prática do crime, devendo ser valoradas num sentido que lhe é mais favorável a dúvida sobre a capacidade de agir em sua defesa no processo penal respectivo ou de estar afectada a capacidade de avaliar os seus actos e de se reger de acordo com tal avaliação, quer em termos de imputabilidade, quer de exercício do seu direito de defesa.”   

(Por facto novo há-de entender-se “aquele sucesso ou acontecimento que não foi possível ser conhecido pelo juiz sentenciador na instância, e sobre o qual não se se podia ter tomado conhecimento durante duramente o inquérito, nem se tenha praticado prova para a sus devida demonstração na fase da audiência (v.g. a invalidação de um testemunho, ao constatar-se que faltou à verdade na sua declaração e cujo testemunho constituiu prova acusatória («prueba de cargo») na sentença que se pretenda rever.” ((Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 249.)

Quanto ao que deve entender-se por novos meios de prova importaria recortar/delimitar o que se deve entender por meio de prova.

O termo prova pode assumir, pelo menos quatro significados: “fonte di prova”; “mezzo di prova”; “elemento di prova”; e “risultato probatorio”. (Cfr. Paolo Tonini, “Manuale di Procedura Penale”, Giuffrè Editore, Milano, 2008, pág. 204. (“Con l´espressione «mezzo di prova» si vuole indicare quello strumento processual che permette di acquisire un elemento di prova”. (Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 91. “Com a expressão meio de prova quer-se indicar aquele instrumento processual que permite adquirir um elemento de prova.”)

Exemplo de um meio de prova é a prova por meio de testemunhas. Por seu turno “elemento di prova è il dato grezzo («gréggio» che si ricava dalla fonte di prova, quando ancora non è stato valutato dal giudice. Questi valuta al credibilità della fonte e l´attendibilità dell´elemento ottenuto, ricavandone un risultato prbatorio.” (Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 32. “elemento de prova é o dado em bruto que se extrai da fonte de prova, quando ainda não está valorado pelo juiz. Este valora a credibilidade da fonte a atendibilidade do elemento obtido, extraindo dele (ou daí) um resultado probatório.” (Tradução nossa)]

Do passo que por novos elementos de prova se hão-de entender “aquelas ferramentas através das quais se prova um facto e que se traduz num meio de prova dentro do qual processo …”. “Não só brindam a oportunidade de aportar provas cujo conhecimento se tivesse apreciado depois da finalização do processo e a imposição da correspondente sentença condenatória, mas também compreendem aquelas provas cuja existência já era conhecida durante o processo e tenham sido nele objecto de valoração ainda que errónea, incompleta ou impossível de praticar como se pretende demonstrar. Mas se a prova em questão já foi devidamente praticada no juízo oral e não concorre nenhum factor que justifique novamente a sua prática (v.g. o descobrimento de uma técnica científica que possa destruir («dar al traste») a interpretação que no momento próprio foi outorgado a essa prova ou que permita a sua prática, quando no momento do processo tivesse sido possível)não serão considerados novos elementos de prova.” (Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 254).     

Punctum saliens do processo revidendo consigna-se com a necessidade que advém de escandir ou glosar uma adequada interpretação quanto ao entendimento e compreensão do conceito de novidade e qual o alcance lógico-racional do termo, quando referenciado a uma actividade jurisdicional já decorrida num procedimento judicial.

A novidade tanto pode ser consistir na prova directa (v. g. não foi o arguido quem cometeu os factos) como na prova indirecta da injustiça da condenação (v. g. foi um terceiro quem perpetrou os factos e, por isso, não pode ter sido o arguido a praticá-los).” (…) Os factos ou meios de prova alegados para efeitos de revisão não têm que ser completamente novos. A novidade tanto pode ser total como parcial. No primeiro caso, o juiz desconhece tudo aquilo que é invocado para sustentar a quebra d caso julgado. No segundo caso, que na prática parece ser a mais frequente, o juiz já conhece alguns argumentos utilizados. Como disse a Corte di Cassazione, numa decisão de 15 de Fevereiro de 1947, os elementos de prova, mesmo que em parte já fossem conhecidos pelo juiz que pronunciou a condenação, são idóneos a tornar admissível a revisão quando são capazes de excluir que o condenado tenha cometido o facto sobre o qual se funda a condenação.” (Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 360. Sobre a questão de saber, no plano metodológico, quem deve decidir sobre a questão da aptidão dos novos factos ou meios de prova: “o ponto de vista do juiz que decidiu (perspectiva passada); o ponto de vista do juiz que decide a admissibilidade do pedido de revisão (perspectiva contemporânea); ou o ponto de vista do juiz que, pressuposta a concessão daquela, irá, de novo, decidir o processo (perspectiva futura)”, veja-se Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 363 a 368.)

A propósito da novidade (absoluta e total) do facto novo e do momento em que o peticionante teve conhecimento do facto que invoca como novo para efeitos da revisão da sentença condenatória, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 17.02.2011, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que (sic): “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão.

E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros).

Se esta é a problemática que mais frequentemente aflora em matéria de revisão da sentença, o presente recurso apresenta-nos um circunstancialismo diferente, porque o facto novo invocado teve lugar depois da sentença condenatória que se quer ver revista.

Ora, assim sendo, parece claro que a revisão será de recusar.

Desde logo porque a al d) do nº 1 do art. 449º do C P P utiliza a expressão “Se descobrirem novos factos ou meios de prova”. A literalidade do preceito aponta para uma descoberta, e de uma realidade que embora existente era desconhecida. Não para uma realidade nova, moldada por factos entretanto acontecidos.

Depois, a justiça da condenação, posta em causa com o que se descobriu, é a justiça da condenação a rever. O recurso em questão propõe-se reparar uma falsa visão da realidade que a sentença a rever teve. Só interessa assim ter em conta a factualidade ocorrida até à data da decisão.

E então, será ir longe demais atender, em nome da justiça, não apenas ao desconhecimento de factos que poderiam ter sido conhecidos à data da prolação da decisão, como também a uma situação sobrevinda depois da decisão, que obviamente o juiz não tinha que prever. Não fora assim, e estaria aberta a porta à invocação de um sem número de factos supervenientes, responsáveis pala criação de uma situação que veio a revelar injusta. Tudo isso constituiria motivo de revisão, e abalaria de modo insuportável o efeito de caso julgado, ou seja, a segurança das decisões. 

A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente. 

A essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta.” (Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão de 17-12-2009, relatado pelo mesmo Juiz Conselheiro. Veja-se ainda o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2012, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, em cujo sumário se lavrou a sequente doutrina. “I - Ao instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico. II - Como refere Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, notas ao art. 449.º, o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer, e não quer, a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos. III - Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (art. 449.º, n.º 1, do CPP), a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (art. 460.º). Tais situações são: a) Falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Inconciliabilidade de decisões; d) Descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; e) Descoberta de que à condenação serviram de fundamento provas proibidas; f) Declaração, pelo TC, de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou suscitadora de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (…) V - O fundamento de revisão de sentença da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, novos factos ou meios de prova, implica o aparecimento de novos factos ou meios de prova, ou seja, como expressamente consta do texto legal, a descoberta de factos ou meios de prova, o que significa que os meios de prova relevantes para o pedido de revisão terão de ser processualmente novos, isto é, meios de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento. Nestes termos, apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença. (…)”

Na doutrina do país vizinho entende-se que relativamente à novidade de factos ou meios de prova “(…) que apareçam ou sobrevenham com posteridade à primitiva condena, há que ressaltar: 1) Qualquer meio de prova é admissível para promover a revisão, independentemente da efectividade e transcendência posterior para provocar a alteração da condenação primitiva, ao acreditar a inocência do reu, não bastando que possam fundar simplesmente a aplicação de uma norma penal com pena menos grave do que a imposta; 2) que não é necessário que o condenado as ignorasse durante o processo; 3) é suficiente que ante o tribunal que o condenou não tivessem sido alegadas nem tivessem sido descobertas pela investigacional de oficio; 4) se ocorre novidade nomeio de prova de valor, pela livre apreciação do tribunal; 5) se o facto que se considera novo for de tal natureza que devesse dar lugar, pelo seu descobrimento, à incoação de um processo, não pode basear-se neste motivo de revisão até que se dite sentencia firme no processo correspondente.” Aragoneses Alonso, P., “Instituciones de Derecho Procesal Penal.” Madrid, 1981, p. 534, citado por Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 215. No mesmo sentido a STS (Sala Penal) de 25 de febrero de 1985, em que se doutrinou “que o citado quarto motivo da revisão, é procedente quando, posteriormente à firmeza da sentença condenatória, sobrevenha o conhecimento de novos factos ou de novos meios de prova, devendo-se entender como novos, todos os factos ou meios probatórios que sobrevenham ou se revelem com posteridade à sentença condenatória, sem que seja preciso que o condenado os desconhecera durante o transcurso da causa, bastando com que não hajam sido alegados ou produzidos ante o tribunal sentenciador nem descobertos pela investigação judicial praticada de oficio, sem que por conseguinte, se repute novo ao facto o meio de prova que tendo-se posto de manifesto durante o processo, o tribunal no uso da sua faculdade de soberana apreciação, não lhe concedeu valor algum, figurando entre os ditos factos ou meios probatórios novos, citando-os à guisa de exemplo, a retractação das testemunhas, a invalidação dos seus testemunhos, a confissão de outra pessoa distinta da do condenado ou condenados, e outras provas periciais diferentes das praticadas na causa ou a invalidação dos resultados ou conclusões obtidas por aqueles como consequência de novas técnicas ou descobertas cientificas.”)

Uma derradeira menção ao requisito das sérias, fundadas e sofridas dúvidas sobre a justiça da condenação.

Concretamente quanto a este requisito escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Junho de 2017, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, em que interviemos na qualidade de Adjunto, (sic): “No que tange a este segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, dizia-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2003, processo n.º 4407/02-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 231, que os novos factos ou meios de prova têm que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, no sentido apontado, é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. (“Já anteriormente, o acórdão deste Supremo de 11 de Maio de 2000, proferido no processo n.º 20/2000 - 5.ª Secção, se pronunciara no sentido de que “exactamente porque, tratando-se de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado, na base de inequívocos dados, presentemente surgidos”. (Citando este, os acórdãos de 17-04-2008, processo n.º 1307/08 - 5.ª Secção e de 07-09-2011, processo n.º 29/01.TACBC-A.S1-3.ª Secção).

(…) Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - cfr. neste sentido, os acórdãos de 12-05-2005, processo n.º 1260/05 – 5.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3147/06 – 5.ª; de 20-06-2007, processo n.º 1575/07 – 3.ª; de 26-03-2008, processo n.º 683/08 - 3.ª, e citando o aludido acórdão de 1-07-2004, o acórdão de 20-10-2011, processo n.º 665/08.5JAPRT-E.S1 - 3.ª Secção. (Cfr. ainda os arestos citados no acórdão transcrito, a sabe os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-04-2008, proferido no processo n.º 675/08-3.ª “os novos factos ou meios de prova deverão provocar graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento “; de 17-04-2008, processo n.º 1307/08-5.ª – “O recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou”. “É preciso que passe a haver uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, que se atribua à nova prova apresentada; ou seja, importa ver nesta nova prova elementos decisivos para poder ser sustentada a tese da inocência.”; e de 08-10-2015, processo n.º 173/14.5PAAMD.S1 - 3.ª Secção (Nos termos do art. 449.º, do CPP, novas provas ou novos factos serão aqueles que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportarem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.”)


§II.ii).b). – A SOLUÇÃO DO CASO.

À luz do que fica adiantado, doutrinária e jurisprudencialmente, emerge, com singela linearidade, o manifesto e definitivo juízo de improcedência da pretensão requestada.

Na verdade, nem a testemunha é “nova” – o seu depoimento já obteve juízo de inadmissibilidade pelas instâncias – nem a recopilação de material pra exame se encontra disponível - como é asserido no despacho do Senhor Juiz – nem esse exame deveria ter lugar – ainda que o produto estivesse disponível – dado que o tribunal já teve oportunidade de apreciar a perícia que foi efectuada no momento apropriado pelas instâncias competentes. A menos que seja intenção do recorrente – ainda que convenhamos seria um processo ideativo um pouco arrojado, rebuscado e imaginativo …talvez em demasia – que, sabendo que o produto não pode ser examinado, deveria concluir-se que à falta de um dado de prova (material e física), o tribunal deveria afastar a sua existência (porque fora da realidade tangível e física), como elemento de prova apta a servir para apreciação do comportamento ilícito e antijurídico do condenado, e, em desinência, por falta de – usando uma terminologia significante – “corpo de delito”, ditar a sua absolvição. Concedemos não dever esta a ideia que move e norteia o requerente.

No entanto, a não ser assim, e admitimos, por respeito pelos tribunais e pelas instituições formais de controlo, não se entende, com todo o respeito, a razão deste “novo” intento processual de repristinar meios de prova que já mereceram apreciação pelos tribunais.

Na verdade, e como ficou exposto na transcrição supra efectuada, o arguido, em audiência de discussão e julgamento intentou demonstrar a inautenticidade do produto encontrado na sua esfera de posse e do mesmo passo apresentar a testemunha, que ora indica, com sendo aquela que seria apta (queremos crer com mais e experimentado calado cientifico e técnico, ou então com novos e inovadores processos de análise e peritagem técnica do aqueles que foram postos à disposição dos peritos de toxicologia que realizaram o exame que suportou tanto o libelo acusatório, como posteriormente o juízo de condenação, e que tiveram ensejo de manejar e utilizar no exame efectuado) para desdizer e desfeitear o juízo técnico-científico a que se alcandoraram os peritos do laboratório de policia científica.

Mais se poderia dizer acerca da nova incursão do arguido para procurar demonstrar uma realidade atestada por prova científica e cujo escrutínio escapa à livre apreciação do julgador – cfr. artigo 163º do Código de Processo Penal – mas, em nosso juízo, o esmerilo diacrónico das etapas processuais por que a sua tentativa já passou, dispensa-nos de mais aturadas e incisivas tensões argumentativas. Na verdade, tudo o que se pudesse adiantar, perante o que foi exposto supra, seria ocioso e redundaria em desconsideração por quem teve o cuidado de proceder à análise e reanálise dos argumentos esgrimidos pelo recorrente em outros planos e escalas de ajuizamento.

Decidida e definitivamente, a pretensão do requerente não configura, nem alça qualquer novidade, para uma ulterior conferência da formação/constituição do juízo de condenação que foi perado pelas instâncias, o que conduz à sua irremível rejeição.  

Como se alcança do argumentado o pedido formulado pelo recorrente desatina da regra mínima exigível para um pedido formulado ao amparo dos pressupostos que o ordenamento jurídico-processual desfila para este tipo de recurso. A ausência de um mínimo de requisito torna o pedido manifestamente infundado o que autoriza a condenação do requerente na “sobrecarga” tributária contemplada no artigo 456º do Código de Processo Civil. 


§3. – DECISÃO.

Na defluência do que ficou exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar o pedido de revisão,

- Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s (Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais); 

- Condenar o recorrente, pela manifesta improcedência do pedido, ao amparo do predito artigo 456º do Código de Processo Civil, no pagamento da quantia de 6 Uc´s .


Lisboa, 11 de Novembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos

António Pires da Graça (Presidente de secção) 


(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)

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[1][1] Tratou-se também aqui de manifesto lapsus calami, pois ressalta inequivocamente do contexto que foi aqui cometido um mero erro material de escrita, pois o que seguramente se pretendia ter consignado era MM e não LL
[2] Os invólucros apreendidos, que até á presente data estavam agrafados à contracapa do cit. apenso com o NUIPC 20/17.6… e à contracapa do Vol. 1 destes autos, foram juntos ao processo conforme despacho proferido nesta data (cfr. correspondente ata de leitura do acórdão).
[3] Notamos que não estamos no domínio das denominadas “conversas informais” destinadas a suprir o silêncio do arguido por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

Consideramos que uma testemunha – órgão de polícia criminal – que em audiência de julgamento depõe relatando o que foi espontaneamente dito pelo arguido, no contexto de busca domiciliária consentida, não profere um depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da boca do arguido, de viva voz, sem que houvesse sido transmitido enquanto resposta a perguntas sobre os factos que poderiam, e deveriam, ser documentadas em auto de declarações - vide, meramente a título de exemplo, o Ac. TRC de 11-09-2013, processo nº  71/11.4GCALD.C1, relatado por JOSÉ  EDUARDO MARTINS, integralmente disponível em www.dgsi.pt).