Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002693
Parecer: P000982005
Nº do Documento: PPA02022006009800
Descritores: HOSPITAL DE LOURES
PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
SAÚDE
PROCEDIMENTO CONCURSAL
PROPOSTA
ALTERAÇÃO
CADERNO DE ENCARGOS
VALOR ACTUAL LÍQUIDO
ESCLARECIMENTO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PROJECTO DE DECISÃO
LISTA DE CLASSIFICAÇÃO
NEGOCIAÇÃO
RELATÓRIO FINAL
FUNDAMENTAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
EXTINÇÃO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DO CONCURSO
PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DAS PROPOSTAS
PRINCÍPIO DA COMPARABILIDADE DAS PROPOSTAS
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Livro: 00
Numero Oficio: 8185
Data Oficio: 09/16/2005
Pedido: 09/20/2005
Data de Distribuição: 09/21/2005
Relator: PEREIRA COUTINHO
Sessões: 01
Data da Votação: 02/02/2006
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MS
Entidades do Departamento 1: MIN DA SAÚDE
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 02/09/2006
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 17-03-2006
Nº do Jornal Oficial: 55
Nº da Página do Jornal Oficial: 3919
Indicação 2: ASSESSOR:MARTA PATRÍCIO
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * DIR OBG * CONTRATOS
Ref. Pareceres:P000022001Parecer: P000022001
P001372001Parecer: P001372001
P000372002Parecer: P000372002
P000412002Parecer: P000412002
P000432002Parecer: P000432002
P000702002Parecer: P000702002
P000952002Parecer: P000952002
P001092002Parecer: P001092002
P001522002Parecer: P001522002
P000102003Parecer: P000102003
P000352005Parecer: P000352005
P000362005Parecer: P000362005
P001522005
Legislação:L47/90 DE 1990/08/24 - BXXXVI; DL11/93 DE 1993/01/15 - ART28 ART31; DL 185/2002 DE 2002/08/20 - ART8 N1 N2 ART13 N1 N2 N4 ART14 N1; DL86/2003 DE 2003/04/26 - ART1 ART2 N1 N4 E) N5 ART3 N1 ART4 N2 A) B) D) ART5 ART8 ART11 N2 ART90 ART97 ART99; DRGU N10/2003 DE 2003/04/28 - ART1 N1 ART2 N1 N2 ART3 N1 N2 N4 ART14 N4 N5 ART36 N2 N3 N5 ART38 N2; DRGU N14/2003 DE 2003/06/30 - ART5 N1 ART7 N1 N2 ART14 N1 ART15 N1 ART60 N1 ART66 ART69; CPADM91 - ART56 ART100 N1 ART101 ART104 ART110 ART148 ART182 ART185 N2; DL59/99 DE 1999/03/02 - ART101 N2 ART134; DL197/99 DE 1999/06/08 – ART7 ART8 N1 ART14 N1 ART15 ART 83 A) ART84 D); L15/2002 DE 2002/02/22- ART40 N1 C) ART46 N3 ART73; CCIV66 - ART236 ART239 ART405
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª. - O projecto de decisão final submetido a audiência prévia em procedimentos concursais não tem a virtualidade de limitar e, menos ainda, de vincular o poder de conformação que é inerente à decisão final, nem de pôr termo à instrução, conduzida sob a égide do princípio do inquisitório em conformidade com a indisponibilidade dos interesses públicos, nessa parte titulados pela instância instrutora;
2ª. - Nesta ordem de ideias, nada impede que a uma primeira audiência prévia se siga uma outra, com um projecto de decisão diferente ou de sentido contrário àquele que anteriormente foi apresentado;
3ª. – No concurso para a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação e exploração do Hospital de Loures, a alteração das propostas pela Comissão de Avaliação por via de ajustamentos surge justificada quanto a correcções que visem restabelecer e inserir nas propostas a vontade do concorrente de acordo com os dados que este fez constar na própria proposta, mas não pode ser consentida nos casos que impliquem a substituição do juízo de oportunidade e conveniência formulado pelo concorrente;
4ª. – O suprimento, em sede de “esclarecimentos”, da omissão de dados quantitativos que o Caderno de Encargos referia como constando do Apêndice devidamente identificado de determinado Anexo, necessários para a determinação de um valor cuja apresentação era exigida nas propostas, cabe no valor vinculativo reconhecido aos esclarecimentos de cláusulas concursais, prestados em resposta a solicitações e interrogações dos concorrentes;
5ª. – A falta de comparabilidade das propostas, resultante das desconformidades e inconsistências internas destas com violação do Caderno de Encargos, constitui fundamento de inaceitabilidade das mesmas, quer porque não permite a selecção das que poderão ser admitidas a negociação, quer porque essa comparabilidade é exigência do interesse público em negociações com ponto de partida em aspectos relevantes no plano dos objectivos pretendidos com a constituição de parcerias público-privadas em matéria de saúde, previamente determinados e excluídos dos termos da mesma negociação com os candidatos;
6ª. - A formalização da “proposta” final da Comissão de Avaliação deverá referir a norma, inserida no Programa de Procedimento em que se suporta a afirmação de que a falta de comparabilidade não permite a selecção das propostas para escolha daquelas que poderão ser admitidas à fase da negociação, bem como deverá ainda concretizar a medida em que a falta de comparabilidade das propostas, nesta fase do procedimento, anterior à negociação, é prejudicial à satisfação do interesse público;
7ª - Não tem fundamento legal a sugestão, apresentada pela Comissão de Avaliação das Propostas, de abertura de um novo procedimento restrito, com dispensa de publicação de novos anúncios, e no qual seriam convidados a participar apenas os concorrentes qualificados no procedimento dado por extinto com a declaração de inaceitabilidade das propostas e na sequência deste.

Texto Integral:
Senhor Ministro da Saúde ,
Excelência:


I
Dignou-se Vossa Excelência solicitar[1] a emissão por este Conselho Consultivo de parecer sobre questões de legalidade suscitadas pela proposta apresentada pela Comissão de Avaliação, em conclusão do respectivo Relatório Final, submetido a aprovação ministerial nos termos do artigo 34º do Programa de Procedimento relativo ao Concurso Público Internacional para a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação e exploração do Hospital de Loures, em regime de Parceria Público-Privada. Propõe a Comissão a declaração de inaceitabilidade das propostas de todos os concorrentes e mais sugere que, mantendo-se os pressupostos que determinaram o início do procedimento, se poderá considerar ou o início de um procedimento totalmente novo, ou a abertura, em determinados termos, de um procedimento restrito aos concorrentes que já no presente concurso apresentaram propostas nele oportunamente qualificadas.

A comunicação de Vossa Excelência pormenoriza nos seguintes termos os pontos que se pretende sejam tratados:

«1. É necessário aferir se, de acordo com todos os elementos relevantes para o procedimento de concurso público referido, estão realmente verificados os problemas (inconsistências internas das propostas e desconformidades com o Caderno de Encargos) apontados pela Comissão às propostas dos concorrentes e descritos no Relatório Final;
2. Caso venha a confirmar-se que todos ou alguns dos problemas com as propostas dos concorrentes se verificam, é necessário aferir se, juridicamente, existe fundamento para declarar a exclusão de todas as propostas por inaceitabilidade das mesmas, pela justificação legal apresentada no relatório final;
3. Caso se conclua, na resposta à questão anterior pela existência de fundamento material para a declaração de inaceitabilidade de todas as propostas, é necessário aferir se, juridicamente, o Relatório Final da Comissão de Avaliação das Propostas apresenta uma fundamentação conforme as exigências de clareza, suficiência e congruência impostas por lei, e que seja apta a sustentar a decisão proposta;
4. Caso se entenda que existe(m) fundamento(s) para declarar inaceitáveis todas as propostas apresentadas, e que esse(s) fundamento(s) se encontra(m) expresso(s) de forma clara e suficiente no Relatório Final, é necessário aferir se é conforme aos princípios e regras aplicáveis a sugestão da Comissão no sentido de se proceder à abertura de novo procedimento para o mesmo objecto, mas restrito aos concorrentes que apresentaram proposta no concurso público internacional para o hospital de Loures e cujas propostas foram qualificadas».

Acompanharam a consulta os elementos, que designaremos por volumes e cadernos, e que ordenamos por sequência cronológica como segue:

- Volume I, contendo o Programa de Procedimento do concurso;
- Volumes II e III, contendo-se no primeiro dos dois o Caderno de Encargos e seus Anexos 2 a 8 com os respectivos Apêndices, e, no segundo todos os restantes anexos, do Anexo 9 até ao Anexo 14, com os respectivos apêndices;
- Caderno contendo as respostas aos pedidos de esclarecimento;
- Volumes IV e V, com os relatórios de qualificação e de avaliação de propostas para efeitos de audiência prévia (primeiro relatório), com data de 24 de Janeiro de 2005;
- Volume VI, contendo as pronúncias dos concorrentes em sede de (primeira) audiência prévia;
- Caderno com o relatório de avaliação de propostas (segundo relatório) após a primeira audiência prévia, com data de 14 de Junho de 2005;
- Volume VII, contendo as alegações dos concorrentes em sede da nova audiência prévia (no caso a segunda audiência);
- Volume VIII, com o Relatório Final da comissão de avaliação de propostas (terceiro relatório), com data de 5 de Setembro de 2005, o qual conclui com as propostas submetidas a decisão da entidade competente, que constituem objecto do presente Parecer, contendo ainda em Anexo a “Análise das Alegações dos Concorrentes em Sede de Audiência Prévia II”;
- Caderno contendo as actas das reuniões da Comissão de Avaliação.

Posteriormente foram ainda recebidos e juntos ao processo mais dois pareceres jurídicos.

Cumpre emitir parecer com a urgência requerida, em termos compatíveis com a especificidade das questões colocadas e com a massa de documentação compulsada.



II
1. As questões que vão ser analisadas têm por campo de incidência o procedimento concursal respeitante ao Novo Hospital de Loures, regido pelo complexo normativo das parcerias público-privadas em geral e dessas parcerias em matéria de saúde. Surgem essas questões em uma envolvência fáctica e jurídica cujos contornos convirá descrever sumariamente desde já, sem prejuízo dos adequados desenvolvimentos a inserir no local apropriado à sua apreciação.

No presente concurso, tornado público o respectivo anúncio, apresentaram-se quatro concorrentes, cujas propostas foram admitidas e obtiveram a qualificação necessária para passagem à fase de selecção. O percurso delineado pelos instrumentos normativos aplicáveis compreenderia, na sequência da selecção, a escolha de duas propostas que seriam objecto de negociação entre a entidade pública co-contratante e cada um dos dois proponentes escolhidos, com vista à adjudicação a um deles da respectiva proposta e à celebração do contrato de gestão.

A Comissão de Avaliação das Propostas, porém, em resultado do exame a que procedeu, consubstanciado em relatório que, ao concluir a fase de selecção, deve elaborar e submeter a decisão dos membros do Governo competentes, entendeu que todas as propostas deveriam ser excluídas por as considerar inaceitáveis. A proposta que formula, a ser aprovada, tem assim como consequência a extinção do procedimento no termo da fase de selecção.

O percurso seguido até chegar a este ponto apresenta aspectos que não são frequentes. A Comissão começou por examinar todas as propostas e produziu um relatório que submeteu a audiência prévia. Nele assinalou erros e deficiências das propostas mas sem prejuízo de indicar a pontuação que entendeu atribuir a cada uma delas.

Depois de receber as respostas dos concorrentes, veio a concluir, todavia, que os vícios que anteriormente detectara subsistiam e tinham sido agravados em resultado da audiência, em termos tais que afectavam de forma irremediável a comparabilidade das propostas e a continuação do procedimento, mais admitindo a possibilidade de iniciar novo procedimento. Elaborou então segundo relatório que submeteu a nova audiência, apresentando aos concorrentes um projecto de decisão final de declaração de inaceitabilidade de todas as propostas.

Considerando que as alegações dos concorrentes não infirmavam as conclusões a que tinha chegado, a Comissão submeteu terceiro e último relatório à aprovação do Ministro da Saúde, nos moldes referidos na consulta, propondo a declaração de inaceitabilidade e formulando a sugestão de abertura de novo procedimento.

Os aspectos agora alinhados serão objecto de desenvolvimento nos números seguintes, nos quais se começará por descrever o enquadramento jurídico que lhes cabe e se pormenorizará depois a factualidade relevante.

As questões suscitadas começam por implicar a ponderação de aspectos propriamente procedimentais susceptíveis de inquinarem a decisão, relacionados sobretudo com as vicissitudes da tramitação, designadamente no que toca à sucessão de posições de sentido contrário assumidas pela Comissão, evidenciadas nos dois primeiros relatórios, as quais provocaram fortes objecções por parte dos concorrentes que se consideraram prejudicados.

Em sede de apreciação das questões de natureza material ou de fundo, a Comissão assinalou vícios em todas as propostas, com violação do Caderno de Encargos, e foi com base na subsistência destes que sustentou a incomparabilidade das mesmas propostas e a não satisfação do interesse público na continuação do procedimento com vista à passagem à negociação. Proceder-se-á à análise dos fundamentos invocados limitadamente às questões de direito envolvidas. Ainda nesta sede, no entanto, interferem aspectos em alguma medida de natureza procedimental, respeitantes à não aceitabilidade da introdução de alterações nas propostas por parte da Comissão e ao valor dos esclarecimentos do Caderno de Encargos por ela prestados aos concorrentes.

É de acordo com este conspecto, intencionalmente resumido, que se prosseguirá.


III
2. Propondo-se desenvolver o regime jurídico da Lei de Bases da Saúde (Lei nº. 47/90, de 24 de Agosto) em matéria de gestão dos hospitais e centros de saúde previsto na Base XXXVI daquela Lei, entendeu o legislador, através do Decreto-Lei nº 185/2002, de 20 de Agosto, estabelecer uma disciplina de enquadramento para as parcerias no âmbito da saúde, com recurso a gestão e financiamento privados, do mesmo passo que procedeu à revogação dos artigos 28º a 31º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro.

Conforme se lê no preâmbulo, visou o legislador, com as parcerias, «obter melhores serviços com partilha de riscos e benefícios mútuos entre as entidades públicas que têm a responsabilidade pelos serviços públicos e outras entidades que se lhe associam com carácter duradouro». As parcerias concretizam-se em contratos de gestão, contratos de prestação de serviços e contratos de colaboração, mas a figura privilegiada é claramente o contrato de gestão, que constitui a «matriz dos instrumentos contratuais para o estabelecimento das parcerias, pelo que os restantes meios de as concretizar o têm por modelo». Na medida em que, através dele, o Estado associa privados à prossecução do serviço público de saúde, «o contrato de gestão reveste, assim, a natureza de verdadeiro contrato de concessão de serviço público», do que resulta que o seu regime jurídico estará «ajustado aos traços comuns das concessões de serviço público». Assinala o preâmbulo que «o Estado mantém em maior grau a responsabilidade, designadamente porque é necessário que todos os cidadãos, sem excepção, tenham o acesso a cuidados de saúde através dum Serviço Nacional de Saúde que observe as características de generalidade e universalidade, ainda que com o concurso de outras entidades na sua gestão».

Se é certo que «o contrato de gestão tem por objecto principal assegurar as prestações de saúde promotoras, preventivas ou terapêuticas, correspondentes ao serviço público de saúde através de um estabelecimento de saúde ou parte funcionalmente autónoma, integrado ou a integrar no Serviço Nacional de Saúde» (nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 185/2002), também poderá ainda «ter por objecto a concepção, construção, financiamento, conservação e exploração do estabelecimento, ou de parte funcionalmente autónoma» (nº 2 do mesmo artigo). Por sua vez, a celebração do contrato deverá ser precedida de procedimento concursal específico, o qual poderá «conter uma fase de negociação de acordo com o estabelecido no respectivo programa de procedimento tipo» (nos. 1 e 2 do artigo 13º). Mais se prevê que esse procedimento prévio à contratação «pode ser declarado sem efeito ou não haver adjudicação a qualquer dos concorrentes após a sua abertura, com fundamento em razões de interesse público ou por as propostas serem inaceitáveis» (nº 4 do artigo).

Posteriormente, com o Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, procedeu-se à edição de um regime geral, dito de «cúpula» no preâmbulo do diploma, que «prevalece sobre quaisquer outras normas, relativas a parcerias público-privadas, tal como definidas no artigo 2º» (artigo 3º, nº 1), mas compatível com regimes sectoriais especiais (como resulta do número seguinte do mesmo artigo), para regulação da intervenção do Estado «na definição, concepção, preparação do concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas» (artigo 1º). Nessa conformidade, o Decreto-Lei nº 185/2002 continuou em vigor com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 17º do novo Decreto-Lei.

Neste Decreto-Lei nº 86/2003, a parceria público-privada surge definida como «o contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado» (nº 1 do artigo 2º). «O acréscimo de eficiência na afectação dos recursos públicos e a melhoria qualitativa e quantitativa do serviço, induzida por formas de controlo eficazes que permitam a sua avaliação permanente por parte dos potenciais utentes e do parceiro público» (artigo 4º), são as finalidades essenciais das parcerias público-privadas[2]. Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 86/2003, o parceiro público chama a si preferencialmente «o acompanhamento e o controlo da execução do objecto da parceria, por forma a garantir que são alcançados os fins de interesse público subjacentes», cabendo ao parceiro privado «o financiamento e o exercício e a gestão da actividade contratada».

Na nova disciplina, o contrato de gestão (alínea e) do nº 4 do artigo 2º) ganha autonomia como «instrumento de regulação jurídica das relações de colaboração entre entes públicos e privados» (corpo deste nº 4), a par dos contratos de concessão de obras públicas, de concessão de serviço público, de fornecimento contínuo, de prestação de serviços e do contrato de colaboração[3], com exclusão expressa do âmbito de aplicação do diploma de outros tipos de contrato (nº 5 do artigo 2º).

Estas referências legais permitem caracterizar o contrato de gestão como um contrato administrativo, o que se confirma por cláusulas do Caderno de Encargos que permitem a sua modificação unilateral por parte da Entidade Pública Contratante (artigo 90º), ou prevêem figuras típicas do contrato de concessão, tais como o sequestro (artigo 97º) ou o resgate (artigo 99º)[4]. Não é um contrato de direito privado da Administração.

Por sua vez, determina o artigo 11º, nº 2, que «a qualquer momento do processo de selecção do parceiro privado, pode dar-se por interrompido ou anulado o processo em curso, sem direito a qualquer indemnização, sempre que, de acordo com a apreciação dos objectivos a prosseguir, os resultados das análises e avaliações realizadas até então e os resultados das negociações levadas a cabo com os candidatos não correspondam, em termos satisfatórios, aos fins de interesse público subjacentes à constituição da parceria».


3. Com o Decreto Regulamentar nº 10/2003, de 28 de Abril, com o fim de assegurar que as cláusulas dos contratos de gestão sejam as mesmas, na sua essência, independentemente do objecto do contrato, e de fornecer um modelo comum para esses procedimentos, conforme se diz no preâmbulo, são estabelecidas e aprovadas as condições gerais dos procedimentos prévios à contratação das parcerias em saúde, que constam do anexo ao diploma e dele fazem parte integrante (nº1 do artigo 1º).

Anúncio, acto público, qualificação, selecção das propostas, negociação, adjudicação e formação do contrato, por esta ordem, são as fases do procedimento instituído (artigo 2º, nº. 1).

No nº 2 do artigo 2º, com referência expressa ao Decreto-Lei nº 185/2002, admite-se a adopção, no programa de procedimento, de um modelo alternativo com apresentação de candidaturas seguida da respectiva qualificação, em termos de só os candidatos qualificados serem convidados à apresentação definitiva de propostas (artigo 3º, nos. 1 e 2), para além da possibilidade de adopção de tramitação mais célere em alguns concursos (nº 4 do mesmo artigo). Nenhuma destas modalidades desviantes em relação ao modelo geral foi adoptada na situação de que nos ocupamos.

O artigo 14º, nº 4, do Anexo ao diploma, desde logo, estabelece a regra de que «as propostas não podem envolver a derrogação de qualquer das disposições do caderno de encargos», sendo que, quando contrariarem o mesmo ou o disposto em normas legais imperativas, «as correspondentes cláusulas da proposta consideram-se substituídas em conformidade» (nº 5).

No que respeita à selecção das propostas, deverá ela traduzir-se na sua hierarquização «de acordo com a melhor garantia de satisfação do interesse público» segundo critérios de selecção e factores de ponderação, enumerados a título não taxativo (artigo 36º, nº 2, do Anexo). A comissão pode convidar qualquer concorrente a apresentar elementos cuja falta prejudique a compreensão da proposta «salvo se dessa apresentação puder resultar alteração dos termos essenciais da mesma» (nº 3 do mesmo artigo). Em alternativa à elaboração da lista de selecção e hierarquização a submeter aos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, diz-se no nº 5 deste artigo 36º que «a comissão de avaliação das propostas pode propor, desde logo, a não adjudicação a qualquer dos concorrentes se, após a aplicação dos critérios ou factores referidos no n.º 2, não considerar nenhuma das propostas satisfatória ou se não se verificar o preenchimento dos requisitos exigidos no Decreto-Lei nº 185/2002 [...], e pelo Decreto-Lei nº 86/2003 [...], para o estabelecimento de parcerias público-privadas».

Mais interessará reter que, quanto à fase da negociação, posterior à da selecção, o diploma prescreve que a mesma «visa atingir um aperfeiçoamento e uma melhoria das propostas dos concorrentes admitidos, tendo por objecto os aspectos das propostas mais intrinsecamente relacionados com os critérios de selecção e tendo como resultado final a minuta do contrato de gestão e respectivos anexos» (artigo 38º, n.º 2, do Anexo), isto sem prejuízo de que os melhoramentos e aperfeiçoamentos não poderão «redundar em condições menos vantajosas para a entidade pública contratante do que as que inicialmente foram apresentadas pelo concorrente» nem poderão ainda «violar as disposições imperativas do caderno de encargos, bem como não poderão acolher ou incorporar soluções contidas nas propostas de outros concorrentes» (n.º 2 do mesmo artigo).


4. O regime jurídico das parcerias na área da saúde colhe uma última densificação com o Decreto Regulamentar n.º 14/2003, de 30 de Junho, que aprova o caderno de encargos tipo dos contratos de gestão que tenham por objecto a realização de prestações de saúde através de um hospital a construir, com ou sem substituição de uma unidade hospitalar anterior. Refere o preâmbulo deste Decreto Regulamentar que «o concorrente deve constituir duas sociedades, que serão as entidades gestoras específicas para cada um dos objectos em que se desdobra o contrato de gestão. Uma das entidades gestoras assumirá a responsabilidade pelo edifício hospitalar e a outra pelo estabelecimento hospitalar. Com este modelo, isolam-se os diferentes riscos contratuais e adequa-se o objecto do contrato aos diferentes prazos dos investimentos, sendo que a apresentação de uma proposta conjunta por uma só entidade para o financiamento, construção e operação do novo estabelecimento hospitalar confere a necessária garantia de articulação entre as diferentes actividades em que se desdobra a parceria».

Nesta linha, o artigo 7º, n.os 1 e 2, do caderno de encargos tipo, publicado em Anexo ao Decreto, impõe a constituição, pelo concorrente vencedor ou pelos membros do agrupamento vencedor, de duas sociedades anónimas que serão entidades gestoras específicas e partes contratantes. Por sua vez, a entidade pública contratante acompanhará a actividade das entidades gestoras «com vista a verificar o cumprimento do contrato e a assegurar a regularidade, continuidade e qualidade das prestações de saúde, bem como a comodidade e segurança dos utentes» (artigo 60º, nº 1). Constituirá, para o efeito, uma comissão de acompanhamento permanente (artigo 66º). Existirá ainda uma comissão conjunta formada por elementos das três entidades contratantes (artigo 69º).

No artigo 1º do Anexo encontramos a definição de “Estabelecimento hospitalar” como «o conjunto de meios materiais e humanos e situações jurídicas, organizados para a realização de prestações de saúde». O “Edifício hospitalar” é «o complexo constituído pelo terreno e por todas as obras, máquinas, equipamentos, infra-estruturas técnicas e acessórios funcionalmente aptos para a realização das prestações de saúde, com a delimitação do caderno de encargos». As entidades gestoras, a do estabelecimento hospitalar e a do edifício, são responsáveis pela obtenção dos financiamentos necessários ao desenvolvimento de todas as actividades que integram o objecto do contrato (artigo 5º, n.º 1) e o funcionamento do estabelecimento deve respeitar a continuidade de cuidados e a articulação funcional definida no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e especificada no contrato de gestão (artigo 14º, n.º 1), bem como deverá a entidade gestora do estabelecimento «garantir o acesso às prestações de saúde, nos termos dos demais estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde, a todos os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, designadamente de acordo com princípios de igualdade, universalidade e generalidade» (artigo 15º, n.º 1). A fixação das remunerações a atribuir às duas entidades é remetida em concreto para o caderno de encargos específico.


IV
5. Dentro deste enquadramento geral, descrito na parte que releva para a economia do presente Parecer, foi iniciado o procedimento concursal respeitante ao Hospital de Loures.

Tornado público o respectivo anúncio, começou a correr o prazo para apresentação de propostas, entretanto prorrogado para 12 de Julho de 2004. Nos termos do Programa de Procedimento (que a partir de agora passaremos a designar também apenas por Programa), pediram os interessados esclarecimentos de dúvidas surgidas na interpretação da documentação consultada e ou fornecida, aos quais receberam resposta[5].

Em 1 de Março de 2004 a Comissão de Avaliação de propostas procedeu à definição dos elementos que interfeririam na aplicação dos critérios de selecção e respectivas ponderações e determinou que se desse conhecimento da sua deliberação aos interessados que tinham levantado as peças concursais. Deu assim cumprimento ao nº. 3 do artigo 33º do Programa, que exige que essa definição se processe até ao primeiro terço do prazo fixado para a entrega das propostas, bem como, ao n.º 4, que proporciona aos interessados o conhecimento da deliberação.

Deram entrada em devido tempo quatro propostas, todas elas admitidas pela Comissão de Abertura de Propostas. O correspondente acto público teve lugar em 13 de Julho de 2004.

Os concorrentes admitidos foram os seguintes:

Concorrente 1: CGH – Construção, Gestão de Hospitais;
Concorrente 2: Consis Loures – Consórcio Internacional de Saúde;
Concorrente 3: Hospitais Privados de Portugal / Teixeira Duarte;
Concorrente 4: Escala Loures.

Iniciaram-se em seguida as fases, primeiro de qualificação e, logo depois, de selecção, a cargo da Comissão de Avaliação de Propostas.


6. A Comissão começou assim por proceder à qualificação dos concorrentes, com o fim de, relativamente àqueles que tinham sido admitidos em um primeiro momento, e foram todos eles, aferir da respectiva capacidade técnica, económica e financeira adequada ao objecto do contrato de gestão (artigo 31º, n.º 2, do Programa).

A apreciação da capacidade técnica incidiu sobre as qualificações técnicas específicas necessárias ao exercício das actividades objecto do contrato e a experiência revelada no seu exercício.

A capacidade económica e financeira foi avaliada atendendo à capacidade de gerar ou assegurar o empréstimo dos meios necessários ao desenvolvimento das actividades objecto do contrato, designadamente os fundos necessários ao financiamento das entidades gestoras (artigo 32º do Programa).

Todos os concorrentes foram considerados qualificados, o que implicou que sobre as suas propostas passasse a incidir a operação subsequente, a selecção das propostas (artigo 33º, n.º 1, do Programa), com a hierarquização das mesmas de acordo com a melhor garantia de satisfação do interesse público, segundo critérios de selecção e de ponderação fixados no n.º 2 daquele artigo.


7. Foram cinco os critérios de selecção e ponderação das propostas, previstos e subdivididos, nos termos do artigo 33º do Programa, da forma seguinte:

a) Qualidade técnica da proposta: 45%, subdividido em:
i) Abrangência, coerência e qualidade das propostas de instalação e exploração do Estabelecimento Hospitalar: 25%;
ii) Qualidade técnica do Edifício Hospitalar: 15%;
iii) Abrangência, coerência e qualidade da proposta de exploração do Edifício Hospitalar: 5%;
b) Valor actual líquido esperado dos pagamentos a realizar pelo Estado ao abrigo do Contrato de Gestão: 40%;
c) Solidez da estrutura empresarial, contratual e financeira: 8%;
d) Grau de risco e de compromisso associado à proposta: 5%;
e) Prazos de execução do projecto: 2%.

Olhando ao valor relativo de cada critério, será legítimo inferir que os recursos materiais e humanos mais directamente ligados à instalação e exploração do empreendimento - critérios a) e e), a saber, “Qualidade Técnica da Proposta” e “Prazos de Execução do Projecto -, que obtêm um peso de 47% - pesam menos, ainda que em pequena medida, que os 53% atribuídos aos requisitos relacionados com encargos assumidos pelo Estado e com a viabilidade e sustentabilidade financeira do projecto - a saber, “Valor Actual Líquido”, “Solidez da estrutura empresarial, contratual e financeira” e “Grau de risco e de compromisso associado à proposta” – critérios b), c) e d). Indo mais longe, poderá dizer-se que, nos cálculos a elaborar, estará presente que o Estado não abdica de manter como elemento comparativo e de relevo na decisão que vier a tomar os custos que teria que suportar directamente caso entendesse, ele próprio e por si, instalar o equipamento e proceder à sua exploração.

Já se disse no ponto 5 supra que a Comissão de Avaliação definiu oportunamente os elementos que interfeririam nos critérios de selecção e respectivas ponderações, naturalmente dentro da margem de preenchimento que lhe fora deixada aberta pelo Programa. Tendo fixado que as propostas seriam pontuadas de zero a dez em cada um dos cinco critérios, abriu subcritérios com as respectivas ponderações dentro de cada conjunto.

Porque as questões que se suscitam no pedido de consulta têm por ponto de partida a análise das propostas quanto ao grau de satisfação e cumprimento dos requisitos correspondentes aos critérios b) e subcritérios c.1. e c.2., são para aqui relevantes as adições respeitantes aos critérios b) Valor actual líquido esperado dos pagamentos e realizar pelo Estado, que passaremos a designar abreviadamente por “VAL”, tal como, aliás, se fez nos desenvolvimentos posteriores da documentação facultada, e c) Solidez da estrutura empresarial, contratual e financeira.

A Comissão subdividiu o critério b) em nove subcritérios, sendo deles o mais importante no conjunto definido o subcritério b1, VAL no cenário base, ao qual atribuiu a ponderação de 73% no âmbito dos 40% atribuídos ao critério b), o que significou uma ponderação de 29,20% na ponderação agregada de todos os cinco critérios. Os restantes 8 subcritérios, que são variações do cenário base em função, para mais e para menos, das actividades em internamento e em urgência, ficaram com uma ponderação que variou entre 0,75% e 2,25%, em somatório que perfaz a diferença entre os 29,20% atribuídos ao subcritério b1 e a soma das ponderações de todos os subcritérios que formam o conjunto do critério b), que é equivalente a 40%, como se disse.

O critério c) Solidez da estrutura empresarial, contratual e financeira (artigos 31º e 32º do Programa) que, recorde-se, é valorado em 8% pelo Programa, foi subdividido em três subcritérios, dos quais relevam os dois primeiros. O subcritério c1 Solidez da estrutura empresarial e financeira da proposta respeitante ao Estabelecimento Hospitalar teve uma ponderação de 50% no âmbito do critério c), equivalente a 4% na ponderação agregada de todos os cinco critérios. A ponderação atribuída ao subcritério c2 Solidez da estrutura empresarial e financeira da proposta respeitante ao Edifício Hospitalar foi da ordem de 30%, equivalente a 2,40% da ponderação agregada de todos os cinco critérios[6].


8. A este respeito, convirá ter presente um texto que é a Secção 0, “Contexto e objectivos da parceria”, inserido na Parte II “Documentos que integram a proposta”, do Anexo I, “Modelo da proposta” (pág. 13 de 135), do Programa de Procedimento.

Nele se informam os interessados de que o modelo das parcerias assenta nos princípios do planeamento e financiamento públicos; do investimento e gestão privados; e do controlo e titularidade públicos: «... o financiamento público global da operação será essencialmente assegurado por verbas do Serviço Nacional de Saúde, cabendo ao parceiro privado financiar os investimentos iniciais relativos à construção e apetrechamento do Hospital, bem como os necessários à sua manutenção e extensão» (ponto 1.4.). E sintetizam-‑se os objectivos do Ministério da Saúde para o novo Hospital de Loures, que «são explanados para que o proponente possa desenvolver a sua proposta com o devido enquadramento» (ponto 3.). Reproduzam-se apenas os dois primeiramente enunciados, que são «limitar o crescimento dos gastos do Sector Público através de ganhos em eficiência na prestação ou aquisição de serviços de saúde» (“Incentivo económico”, ponto 3.1.) e «assegurar um modelo equilibrado de partilha de riscos entre o sector público e o sector privado e partilhar de forma razoável a criação de valor resultante” (“Sustentabilidade do modelo”, ponto 3.2.).

Compreende-se sem dificuldade que neste condicionalismo o contratante público procure limitar os gastos que, a título de pagamentos à parte ou partes privadas, terá de suportar durante o período de execução do contrato, enquanto estas defenderão a amortização, em condições de rendibilidade da exploração, do capital investido, de forma a reembolsarem e remunerarem a uma dada taxa os capitais próprios e mutuados.

E logo o Programa estabelece, no n.º 3 do artigo 40º, que o Estado se reserva «o direito de extinguir o Procedimento, ou não adjudicar o contrato, caso o Valor Actualizado Líquido dos pagamentos a efectuar pelo Estado no âmbito da melhor proposta seja superior ao valor do Custo Público Comparável, presentemente avaliado em 799 milhões de euros (setecentos e noventa e nove milhões de euros)»[7].

Igualmente o Programa se acompanha de um modelo de proposta que contém uma minuta para a proposta propriamente dita e as instruções para a elaboração dos documentos que a integrarão, modelo esse a seguir pelos concorrentes, e em cujo conteúdo deverão também conformar-se com o disposto no Caderno de Encargos e respectivos Anexos, sendo que “a não apresentação de alguma componente da proposta determina a exclusão do proposta” (ponto 2.4, página 5 de 135 do Anexo I – Modelo da Proposta, constante do Volume I da listagem a que procedemos).

Deverão assim os concorrentes indicar na respectiva proposta o Valor Actual Líquido[8] da remuneração a pagar pela Entidade Pública Contratante às Entidades Gestoras do Estabelecimento e do Edifício como contrapartida pelas prestações de saúde, pressupondo a verificação dos níveis de actividade descritos no Caderno de Encargos, bem como o mesmo Valor a pagar à Entidade Gestora do Edifício como contrapartida pelos serviços prestados (pontos 2. e 7. da Minuta da Proposta). Isto para além de outros elementos exigidos quanto a cada uma das duas entidades não públicas, como sejam, em sede de remuneração dos capitais, também a taxa de rendibilidade para o accionista (pontos 5. e 11. da Minuta), o valor dos investimentos previstos, incluindo também, quanto à Entidade Gestora do Edifício, o custo de construção do edifício hospitalar e a estrutura de financiamento das Entidades Gestoras.

O Caderno de Encargos prevê no seu artigo 37º que o prazo de exploração do Estabelecimento Hospitalar será de dez anos, sem prejuízo da sua renovação por períodos sucessivos até dez anos de duração cada um (n.º 1), não podendo no total (n.º 3) ultrapassar a duração de 30 anos, contados da data de assinatura do Contrato de Gestão, prazo este de 30 anos que é o prazo de exploração do edifício, estabelecido no artigo 46º do Caderno.

Quanto às remunerações da Entidade Gestora do Estabelecimento, incluirão elas basicamente as duas componentes correspondentes aos serviços clínicos efectivamente prestados e à disponibilidade de serviços hospitalares e uma outra relativa a ajustamentos a efectuar em função da prescrição de medicamentos pelo Hospital e adquiridos nas farmácias comunitárias. Serão objecto de deduções em função dos níveis de desempenho da Entidade Gestora (artigo 38º do Caderno de Encargos). A Entidade Gestora do Edifício será anualmente remunerada em função da disponibilidade do Edifício Hospitalar, com deduções a calcular em função dos níveis de desempenho dessa Entidade (artigo 66º).


8.1. Dos elementos acabados de formular podemos deduzir que, na avaliação dos dados relevantes em sede dos critérios b) e c), a Entidade Pública contratante dispõe de um elemento tendencialmente fixo constituído pelo CPC (Custo Público Comparável), que confrontará com as propostas recebidas, propugnando por que os pagamentos que vier a realizar não se distanciem desse Custo de forma significativa. A melhor proposta nesta área específica será aquela que implique menor VAL esperado dos pagamentos do Estado. No equilíbrio de prestações que é inerente ao contrato, o VAL esperado dos seus pagamentos, e nele, entre outros elementos, também a taxa de rendibilidade esperada pelos concorrentes, permitir-lhe-á uma margem de negociação, tomando por referência o CPC. O VAL, que terá de ser indicado nas propostas, é, por estas razões, elemento cuja importância explicará a ponderação que foi conferida ao critério b) e mediatamente ao critério c).

Na apreciação da solidez da estrutura empresarial e financeira respeitante tanto ao Estabelecimento Hospitalar (subcritério c1) como ao Edifício Hospitalar (subcritério c2), em sede de análise do equilíbrio económico e financeiro de cada proposta, interfere a TIR[9] para análise do nível de rendibilidade dos fundos próprios (TIR accionista real) e do nível de rendibilidade do projecto (TIR real do projecto) (v. págs. 459 e 477 de 637 do Anexo II ao Relatório, volume V).

É chegado o momento de acompanharmos as vicissitudes do procedimento, nos seus momentos mais directamente relevantes para a apreciação das questões a resolver.


V
9. Recebidas as quatro propostas, a Comissão de Avaliação procedeu à sua análise e produziu um exaustivo relatório, datado de 24 de Janeiro de 2005 (vol.s IV e V), que submeteu a audiência prévia por parte dos concorrentes.

Na Introdução (Capítulo 1., pág. 4 de 101, do “Relatório de Avaliação de Propostas para Efeitos de Audiência Prévia”, vol. IV), a Comissão, depois de se referir à qualificação das propostas, explica o caminho que seguiu na operação de selecção:

«...foram as propostas dos concorrentes qualificados objecto de avaliação, que se dividiu em duas fases. Primeiro, a avaliação técnica descritiva de cada proposta, tal como consta do Anexo 2 ao presente Relatório. Depois, e com base na primeira, a avaliação comparativa das propostas, conforme se apresenta a partir do capítulo 4 [do Relatório].»

No Capítulo IV da Introdução – Avaliação - (pág. 15 de 101), a Comissão descreve da forma seguinte o respectivo conteúdo:

«O presente relatório de avaliação contém uma avaliação comparativa das propostas, efectuada por cada um dos critérios e subcritérios de selecção, com a justificação das pontuações obtidas em cada um desses critérios. Esta valoração pressupõe a descrição valorativa das propostas efectuada nos termos do Anexo 2, no qual se procedeu à sua apreciação numa perspectiva de preenchimento dos requisitos e critérios explicitados ao longo do procedimento.
Com efeito, a pontuação atribuída a cada proposta tem por fundamento a verificação e valoração das mesmas efectuadas no referido Anexo 2, constituindo o presente relatório uma comparação das propostas entre si, justificativa da hierarquização dos concorrentes por cada critério e subcritério de selecção. Subjacente à apreciação de cada critério e subcritério está, por isso, sempre o juízo e fundamentação efectuados naquele anexo. Assim sendo, a avaliação das propostas e os juízos de valor numericamente expressos no presente relatório fundam-se no referido Anexo 2, constituindo ambos, para este efeito, um todo incindível».

A consulta do referido Anexo 2 patenteia a análise das quatro propostas a que procedeu, uma por uma, e, quanto aos dois critérios b) (págs. 432 e segs. de 637) e c) (págs. 444 e segs. de 637), de acordo com idêntica estrutura expositiva, que faz preceder as referências a cada um das propostas de um texto de introdução, seguido da descrição e justificação dos ajustamentos introduzidos, finalizando com a indicação das incorrecções.

Quanto ao critério b), começou a Comissão por referir que no âmbito deste critério visou «apurar as propostas que melhor satisfazem o interesse público, em termos do volume de pagamentos e de minimização do esforço financeiro da Entidade Pública Contratante, medido através do Valor Actual Líquido esperado dos Pagamentos a efectuar pela Entidade Pública Contratante, em cada uma das propostas» (pág. 432) e entendeu introduzir ajustamentos no VAL, sem contudo alterar os valores apresentados para a remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento, quanto a incorrecções que incidiam sobre a remuneração pela produção de serviços clínicos (nas modalidades de internamento e cirurgia de ambulatório, hospital de dia cirúrgico, urgência, e dias de internamento prolongado) e sobre a revisão de preços e diferencial de correcção, por razões que explicitou.

Concluiu, nesta parte (pág. 434 de 637), dizendo:

«Assim sendo, só uma nova ponderação por parte de cada um e de todos os concorrentes poderia permitir resolver as inconsistências verificadas. Neste critério, portanto, e relativamente à determinação do VAL para efeitos da sua aplicação, a avaliação, atendendo aos princípios enunciados, bastou-se com a comparação possível» (sublinhados nossos).

Quanto ao critério c), a Comissão assinalou (págs. 444 de 637) «que foi necessário proceder a ajustamentos para efeitos de avaliação», que justifica e mais à frente descreve, relativos a inconsistências com a documentação do concurso, com a informação constante das componentes da proposta e com a legislação fiscal aplicável (ponto 3.2.2.1., a pág. 445 e segs). Nesse contexto refere ainda que também teve em conta «os ajustamentos introduzidos no âmbito do critério b), com excepção apenas do ajustamento respeitante à percentagem de receitas a cargo de terceiros pagadores, que lhe é específico, pelas razões expostas».

Refere ainda que o subcritério c1. «tem como objectivo apreciar, no que respeita à Entidade Gestora do Estabelecimento Hospitalar: (i) o equilíbrio económico-financeiro da proposta base do concorrente; (ii) a robustez dos modelos de projecções apresentados pelos agrupamentos concorrentes face a alterações nas variáveis base do projecto; e (iii) a consistência global das propostas, nomeadamente no que se refere ao grau de aderência entre o modelo de projecção e os documentos da proposta, e ao rigor de cumprimento das regras concursais, contabilísticas e fiscais» (pág. 459 de 637). A Taxa Interna de Rendibilidade (TIR) accionista real prevista e a TIR real do projecto foram elementos tidos em conta nos cálculos respeitantes às primeira e terceira vertentes da análise deste subcritério. No respeitante ao subcritério c2. o discurso prévio explicativo é idêntico, reportado porém à Entidade Gestora do Edifício (cfr. pág. 476 a 478 de 637).

O Relatório termina, no que designa como capítulo 10, simplesmente com uma “Tabela de avaliação resumo” (pág. 100 de 101, do Relatório de Avaliação de Propostas para Efeitos de Audiência Prévia, vol. IV) formada por um quadro de colunas nas quais se exprimem apuramentos quantitativos, do qual é possível extrair a pontuação atribuída aos concorrentes, que foi a seguinte:

Concorrente 1 : .......................6,02 pontos;
Concorrente 2 : .......................5,20 pontos;
Concorrente 3 : .......................3,81 pontos;
Concorrente 4 : .......................5,93 pontos.

No entanto, na parte final do capítulo introdutório (págs. 4 e 5 de 101) a Comissão exprime bem o sentido do seu trabalho:

«O presente Relatório de Avaliação expressa, portanto, o resultado global dessa avaliação, compreendendo especifi-camente a valoração e a pontuação resultantes da comparação entre as propostas em cada critério e subcritério, bem como, naturalmente, a hierarquização que daí resulta».

E logo na sequência esclarece:

«Importa salientar, no entanto, que o Relatório de Avaliação que agora se apresenta constitui, tão só, um mero projecto de Relatório Final de Avaliação. Tendo em conta a fase procedimental em que o presente concurso se encontra, o mesmo apenas serve para apresentar aos concorrentes a avaliação efectuada e respectivos resultados, pelo que a sua natureza preliminar, neste momento, tem por objectivo permitir que os concorrentes sobre ele se pronunciem em audiência de interessados».


10. Recolhidas e analisadas as respostas dos concorrentes, a Comissão elaborou novo documento, desta vez intitulado “Relatório Final de Avaliação de Propostas Após Audiência Prévia”, com data de 14 de Junho de 2005.

A Comissão começa por referir o relatório anterior no Capítulo designado por «Introdução» (págs. 3 e 4 de 21), salientando que o mesmo «apontava para uma hierarquia provisória [assim a classifica expressamente] dos concorrentes» apesar de nele terem sido identificados «problemas relativamente à aplicação do critério b) [...] e dos subcritérios c1 e c2...». E continua: «Com efeito, no anexo 2 ao Relatório, sob a epígrafe ajustamentos, foi evidenciado um conjunto de situações que afectava a aplicação dos critérios b) e c), designadamente «inconsistências internas das propostas que resultam da falta de coerência entre os vários elementos da proposta vertidos nas suas diferentes componentes» e «desconformidades que resultam de aspectos das propostas que são contrários a pressupostos imperativos do Caderno de Encargos». As situações identificadas deram, ou não, origem a ajustamentos no Valor Actual Líquido esperado dos pagamentos a realizar pelo Estado».

E acrescenta logo de seguida: «Considerou-se que, apesar das questões identificadas, dever-se-ia elaborar o relatório preliminar [está a referir-se ao primeiro relatório], com a subsequente audiência prévia, dando oportunidade aos concorrentes de conhecerem e se pronunciarem espontaneamente sobre os erros aí identificados para, posteriormente, se tomar uma decisão correcta sobre a questão».

Debruçando-se então sobre a situação após a audiência prévia, chega à conclusão de que «não houve contributos que permitissem uma reformulação das inconsistências e erros detectados. Ao invés, daí resultou, acrescidamente, um cenário de maior incomparabilidade, ficando a comparabilidade possível que a Comissão sustentara acentuada pela negativa». Enumera, descrevendo-os, os sete problemas que afectam a comparabilidade e, de forma impressiva, termina (pág. 14-15 de 21) o Capítulo 3 do Relatório:

«Isto significa, então, que o procedimento se pode bastar com uma comparabilidade possível para efeitos de realizar uma avaliação, mas também que a comparabilidade pode descer a um ponto em que, diferentemente, pode não ser suficiente para tomar uma decisão, designadamente quando as propostas estejam manifestamente desconformes com o Caderno de Encargos ou contenham inconsistências internas [falta de coerência entre os vários elementos das suas componentes, conforme transcrevemos algumas linhas atrás neste ponto 9.] que afectam a aplicação dos critérios de avaliação, não permitindo, deste modo, obter uma escolha que se conforme com o interesse público que está subjacente ao procedimento concorrencial em causa».

Entende a Comissão (pág. 17) que:

«esta situação não permite escolher, por conseguinte, quais os dois concorrentes que devem passar à fase de negociação, com base na aplicação dos critérios de avaliação. Consequentemente, põe em causa o interesse público subjacente a uma parceria público privada, pois aquele interesse, se pressupõe a obtenção de uma boa proposta para a Administração Pública, pressupõe igualmente que o processo que conduza a essa opção consiga reflectir nos seus termos a melhor escolha.
Em suma, a insustentabilidade da comparabilidade possível, avaliada após a audiência dos interessados, impossibilita um juízo correcto sobre quais as propostas a seleccionar para a fase da negociação».

A proposta de decisão que formula a final é do seguinte teor:

«Assim, a Comissão de Avaliação das Propostas, tendo em conta os fundamentos aduzidos, propõe à consideração dos Senhores Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde a declaração de inaceitabilidade das propostas com fundamento na verificação de desconformidades de todas as propostas com o Caderno de Encargos que afectam irremediavelmente a sua comparabilidade» (pág.18).

No último Capítulo deste Relatório, intitulado “Sequência do Procedimento”, vem a Comissão considerar que, «mantendo-se os pressupostos que determinaram o início do processo de parceria público-privada para o Novo Hospital de Loures deve admitir-se a possibilidade de iniciar novo procedimento. Este novo procedimento deve manter no essencial os pressupostos dos documentos concursais, apenas com pequenas modificações que incorporam a experiência adquirida com os vários procedimentos».

Na sua óptica são possíveis duas soluções: ou «o início de um procedimento totalmente novo», ou «a abertura de um procedimento restrito aos concorrentes que apresentaram proposta em Loures e cujas propostas foram qualificadas».


11. Atendendo a que neste Relatório, o segundo, de 14 de Junho de 2005, se continha «um projecto de decisão final» com «um sentido diferente da anterior[10] e novos elementos e argumentos»[11], a Comissão decidiu submetê-lo a nova audiência prévia.

Os concorrentes apresentaram alegações e o novo, terceiro e último Relatório, foi elaborado, com data de 5 de Setembro de 2005, tendo por destinatários os Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, que se conclui pela Proposta cuja apreciação é objecto do Parecer[12].

Não são de monta as diferenças entre este e o Relatório anterior.

No Capítulo 2, impressivamente intitulado Da comparabilidade possível à falta de comparabilidade suficiente, reproduzindo argumentação já antes apresentada, acrescenta uma síntese dos problemas adicionais trazidos pelos concorrentes em audiência prévia e que versam sobre: «1. O valor de reversão dos activos; 2. Os diferentes prazos de abertura do Edifício e do Estabelecimento Hospitalar; 3. A previsão de receitas do serviço de estacionamento e gestão de trânsito incorrectamente calculadas» (pág. 8 de 22). Igualmente, a pág. 16, aprofunda a fundamentação da sua proposta, que formula em termos próximos daquela que já constava do Relatório anterior, mas com um aditamento relevante, e que é do seguinte teor:

«Assim, a Comissão de Avaliação das Propostas, tendo em conta os fundamentos aduzidos, propõe à consideração dos Senhores Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde a declaração de inaceitabilidade das propostas com fundamento na verificação de desconformidades/inconsistências de todas as propostas com o Caderno de Encargos que afectam irremediavelmente a sua comparabilidade[13] e ainda no interesse público que está subjacente à escolha das duas melhores propostas para efeitos de negociação que se tornou impossível em virtude daquelas desconformidades e inconsistências de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril e o previsto no nº 4 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 185/2002, de 20 de Agosto».

E novamente, com alterações mínimas de redacção, retoma a sugestão de sequência, manifestando-se favorável ao segundo termo da alternativa:

«Portanto, face ao quadro legal a declaração de inaceitabilidade das propostas poderá ser acompanhada de uma iniciativa tendente a iniciar um novo procedimento restrito que salvaguarde os interesses em causa. Tanto o sector público como o sector privado actuaram empenhadamente para o êxito da parceria, sendo necessário revitalizar o processo através de um novo procedimento, a manter, na óptica do Estado, as condições para prosseguir os objectivos da mesma parceria» (pág. 21 de 22).

Mais acrescenta um anexo à proposta «como resposta aos pontos mais importantes das referidas alegações [dos concorrentes] e do referido parecer [reporta-se a um parecer junto por um dos concorrentes] [...] e que dela faz parte integrante e constitui igualmente sua fundamentação». O anexo termina com a seguinte conclusão:

«As alegações dos concorrentes, por todos os motivos acima explicitados, não são aptas a provocar uma alteração da proposta da Comissão relativamente ao Relatório final onde se propõe a exclusão de todas as propostas por inaceitabilidade. De facto, os concorrentes que nesta fase de audiência prévia vieram apresentar alegações no sentido de não existiram, ou de serem desvalorizáveis, os problemas detectados nas respectivas propostas, não lograram fazer tal demonstração.
Nesta conformidade, entende a Comissão que é de manter o projecto de decisão submetido à audiência prévia.»



VI
11. A declaração de inaceitabilidade, se vier a ser aprovada, conclui a instrução do processo ou, se preferirmos, a fase de selecção das propostas dos concorrentes e põe termo ao procedimento antes do fecho para o qual tende através de aquisições sucessivas, que é a decisão sobre a adjudicação seguida da formação do contrato, ou, porventura, se assim for determinado em sede própria, implicará a abertura de um novo procedimento, se vier a ser atendida, em algum dos perfis apresentados, a sugestão de sequência adiantada pela Comissão.

É sobre a proposta da Comissão que teremos de nos pronunciar. As questões a analisar comportam desde logo duas secções: de um lado, aquela que diz respeito à proposta de declaração de inaceitabilidade; de outro a que tem por objecto a sugestão de sequência a dar a essa declaração.

Na primeira secção é possível discriminar três grupos de questões. No primeiro, alinhar-se-ão aspectos que se reportam ao percurso algo singular, reconheça-se, que teve a audiência prévia e à instrução que imediatamente a precedeu. Interessa saber se a proposta da Comissão estará inquinada por vícios anteriores susceptíveis de se terem transmitido à decisão que sobre ela vier a recair. Passar-se-á depois à proposta propriamente dita, com análise dos respectivos pressupostos de facto e de direito, e finalmente da respectiva fundamentação que os expressa.

O artigo 34º do Programa de Procedimento permite que nos situemos no envolvimento jurídico do concurso em que é produzida a proposta e, por essa razão, será conveniente reproduzi-lo, na parte que directamente interessa à economia do parecer:
«Artigo 34º
Tramitação da selecção
1 - A comissão de avaliação das propostas deve elaborar relatório fundamentado no qual proporá:
a) A exclusão dos concorrentes que não foram qualificados;
b) A exclusão das propostas que considere inaceitáveis por não cumprirem as normas imperativas do Caderno de Encargos, sem prejuízo do disposto no nº 10 do artigo 15º;
c) A classificação e hierarquização das propostas, com indicação dos concorrentes seleccionados para a negociação;
d) A não adjudicação se, após a aplicação dos critérios e factores de selecção, a proposta hierarquizada em primeiro lugar não permitir a obtenção de um resultado final que preencha os requisitos exigidos no Decreto-Lei nº 185/2002, de 20 de Agosto, e pelo Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, para o estabelecimento de parcerias público-‑privadas, em termos de economia, eficiência e eficácia, bem como de suportabilidade financeira.
2 - São seleccionados para a negociação dois concorrentes.
3 - O relatório fundamentado referido no nº 1 do presente artigo deverá ser notificado pela comissão de avaliação das propostas aos concorrentes para efeitos de audiência prévia escrita.
4 - Os concorrentes têm 15 dias para apresentarem as suas alegações sobre o relatório a que se refere o número anterior.
5 - O relatório, com ponderação das observações feitas em sede de audiência prévia pelos concorrentes, é enviado aos Ministros das Finanças e da Saúde, para aprovação conjunta.
6 - O relatório, no que se refere à alínea d) do nº 1, deve invocar as razões pelas quais a fase de negociação das propostas não permitiria alcançar os objectivos da parceria.
7 - Os concorrentes são notificados do acto de aprovação do relatório a que se refere o nº 1 do presente artigo e respectivos fundamentos.
8 - .............................................................................................»

Temos em mãos um relatório elaborado no fim das operações de selecção, que não propõe a exclusão de concorrentes por não terem sido qualificados (alínea a) do nº 1) – todos o foram –, mas que propõe a exclusão, não de algum ou alguns dos concorrentes, mas de todos, por inaceitabilidade das suas propostas (alínea b)[14] do nº 1), sem classificação nem hierarquização das propostas (alínea c) do nº 1), o que exclui a aplicação ao caso da alínea d) e do nº 6. Não há lugar à negociação prevista no nº 2 do artigo porque a mesma pressupõe classificação e hierarquização das propostas, o que não se verificou, e os n.os 3 e 4 já foram objecto de aplicação. O relatório está pendente de aprovação (nº 5), após a qual, se tiver lugar, se seguirá a aplicação do disposto no nº 7.


13. Antes de avançarmos nos adequados desenvolvimentos justifica-se, porém, uma observação prévia.

O Conselho Consultivo pronuncia-se restritamente sobre “matéria de legalidade”, nos termos do artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[15]. Quer isto dizer que estão fora do domínio de apreciação juízos sobre matéria sujeita a prova, no caso, designadamente, sobre os cálculos e apreciações fundadas em critérios de ordem técnica que precederam e em que se baseou o exame da Comissão de Avaliação.

Tal não objectará, no entanto, a que sejam utilizados os resultados e conclusões extraídos desses cálculos, caso não se vislumbrem razões para os questionar. À instrução do procedimento administrativo preside o princípio do inquisitório (artigo 56º do Código do Procedimento Administrativo), mas não é crível que tenham escapado à análise dos interessados, de cujas alegações nas duas audiências prévias dispomos, elementos decisivos ou sequer relevantes, susceptíveis de os infirmar, até porque o concurso é altamente complexo e exaustivo nos seus requisitos, exigindo as propostas uma capacidade organizativa e apoio especializado que não estão ao dispor do empreendedor comum. A audiência prévia permite, é essa uma das suas finalidades primordiais, que os particulares apreciem os resultados da instrução, designadamente considerando provados ou não provados determinados factos relevantes para a decisão final[16].

Quanto mais propriamente aos juízos que venham a recair sobre esses mesmos cálculos, uns continuarão a manter a mesma natureza técnica se se exprimirem em termos quantitativos mas como resultado final de operações próprias do ramo de saber que é a análise financeira. E de algum modo assim será também quanto a juízos de avaliação qualitativa, ainda que expressados em termos numéricos, assim, por exemplo, no caso do presente concurso, quanto à valoração de zero a dez atribuída a cada um dos cinco critérios para pontuação das propostas apresentadas neste concurso. Também neles se exprime um grau de discricionariedade em sentido próprio, isto é, reconhecida e fundamentada na lei, que em princípio será de salvaguardar. Por essa razão, no nosso exame quanto a estes pontos só terão de ser tidos em conta erros objectivos ou manifestos, se vierem a patentear-se.

Por esta ordem de ideias - e sem que a nossa análise possa ser entendida como tendo natureza, e, menos ainda, valor de exame pericial - nos orientaremos a respeito do esclarecimento que nos é pedido quanto a aferir se, «de acordo com todos os elementos relevantes para o procedimento de concurso público referido, estão realmente verificados os problemas (inconsistências internas das propostas e desconformidades com Caderno de Encargos) apontados pela Comissão às propostas dos concorrentes e descritos no relatório final»[17].

Fique, aliás, assinalado que, para a efectivação dos cálculos de análise financeira, a própria Comissão se rodeou de consultores técnicos, conforme refere[18]. Acresce que não nos foram fornecidas as propostas dos concorrentes, o que indicia que não se terá pretendido propriamente a revisão dos trabalhos da Comissão[19].


14. Conforme se deixou descrito, a Comissão elaborou um primeiro relatório contendo «uma comparação das propostas entre si, justificativa da hierarquização dos concorrentes por cada critério e subcritério de selecção» (ponto 9 supra). Submeteu-o a audiência prévia e concluiu, no novo relatório que elaborou e depois submeteu a nova audiência prévia, que deveria propor a inaceitabilidade das propostas. Entendendo que desta audiência não tinham resultado fundamentos para alterar as conclusões obtidas, apresentou para aprovação o Relatório Final de 5 de Setembro de 2005 «com ponderação das observações feitas em audiência prévia pelos concorrentes» como manda o nº 5 do artigo 34º do Programa. Nele identifica nove incorrecções contidas em todas as propostas que correspondem a violações do Caderno de Encargos e reitera a proposta de declaração de inaceitabilidade.

De acordo com a ordenação referida no ponto 12. supra, o exame a que vai proceder-se começará pelas questões procedimentais. Só por si, aquelas que foram suscitadas, a procederem, inquinariam a decisão final. No entanto, as objecções formuladas vão mais longe, no sentido de que, caso não tivesse ocorrido violação de normas e princípios procedimentais, pelo menos teriam sido criadas condições para obviar a que tivessem vindo a registar-se erros nas propostas com violação de normas de fundo contidas no Caderno de Encargos. Nestes dois aspectos se situa boa parte do fulcro da argumentação dos concorrentes.

Debrucemo-nos então em primeiro lugar sobre os aspectos concernentes à audiência prévia[20], relativamente à qual se contesta que as alegações ou pronúncias sejam o meio próprio para, por iniciativa dos interessados, estes corrigirem deficiências ou erros das propostas ou para fornecerem esclarecimentos sobre as mesmas; pelo contrário, na audiência, trata-se de assinalar erros ou deficiências do projecto de decisão. Esclarecimentos sobre deficiências ou erros das propostas teriam tido oportunidade de ser solicitados, e acolhidos se ao caso coubesse, na fase de instrução anterior à elaboração do, ou, no caso concreto, dos dois relatórios que foram objecto de audiência.


14.1. A audiência enxerta na instrução, que, no entanto, não perde por isso a natureza inquisitória que lhe é própria, um elemento de contraditório que contribui para que a decisão seja plenamente informada nos seus pressupostos de facto, e de direito também, com ponderação dos elementos que os interessados trarão ao processo. Em alguma medida[21], compele a Administração a assumir a posição de parte, sobretudo tendo em conta que é diligência obrigatória que não pode ser esquivada e que, no caso, a decisão não cabe à entidade instrutora. Esta terá de preparar a respectiva proposta, «com ponderação das observações feitas em sede de audiência prévia pelos concorrentes» (artigo 34º, nº 5, do Programa): os interessados, aos quais são dados a conhecer «todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito» (artigo 101º do Código do Procedimento Administrativo, doravante referido por CPA) deverão ser «informados sobre o sentido provável da decisão final» (artigo 100º nº 1), isto sem prejuízo de obviamente vir a ser ainda a Administração quem decide.

Neste contexto, «as alegações ou pronúncias dos particulares são declarações de ciência em que estes formulam o seu juízo valorativo dos interesses em presença no procedimento e apreciam os resultados da instrução, designadamente considerando provados ou não provados determinados factos relevantes para a decisão final»[22]. A não consideração desses elementos por irrelevância ou improcedência não invalida a decisão posterior, tal como esta não é inválida se, por exemplo, o interessado se tiver abstido de participar na audiência. Como também não será inválida se o órgão decisor entender adoptar decisão de sentido contrário àquela cujo projecto lhe foi proposto pela entidade instrutora e por ela submetido a audiência prévia[23].

No procedimento administrativo, terminada a instrução, o poder de decisão final, por mais importante e significativa que possa ser a audiência prévia que antecedeu a formulação de uma proposta de decisão, permanece intocado[24].

Mas também o projecto de decisão, ou a simples indicação de possível orientação apresentados na primeira audiência pela entidade instrutora, como ocorreu no presente caso, não têm a virtualidade de vincular o órgão instrutor quanto ao sentido de proposta de decisão final na sequência de nova audiência que tiver entendido levar a cabo. É que a instrução é dominada pelo princípio do inquisitório, própria do procedimento administrativo e justificado pela indisponibilidade dos interesses públicos em jogo, nessa fase também titulados pela entidade instrutora.

Não colhe, assim, argumento contrário que defenda que só seria de admitir a elaboração de um novo Relatório, que no caso foi seguido de nova audiência prévia, se tal fosse exclusivamente motivado por factos novos que não tinham sido objecto de ponderação pela Comissão de Avaliação no primeiro Relatório. Mesmo que não tivessem sido detectados novos elementos de facto – e foram – nada obstaria à elaboração de um novo Relatório com diferente proposta de decisão. E também não colhe argumentar com o nº 2 do artigo 101º do Decreto-Lei nº 59/99 de 2 de Março, Regime Jurídico das Empreitadas Públicas (REOP), nem com o artigo 108º, nº 2, do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho. Refere-se nessas normas que os concorrentes se pronunciarão em audiência sobre o projecto de decisão final, mas antes de esta ser proferida pela entidade competente, nos termos do nº 1 de cada um desses artigos. Ainda que as normas invocadas fossem aplicáveis no presente concurso, os concorrentes puderam pronunciar-se em audiência sobre o projecto de decisão final de que foram notificados com o segundo Relatório.

Por outro lado, ao interessado é atribuída a faculdade de participar na audiência e está na sua disponibilidade assinalar então incorrecções detectadas na instrução. Mas tal faculdade não apaga o ónus inicial que sobre ele – e, no caso, sobre todos e cada um dos concorrentes - impende, de, logo na apresentação da sua pretensão, consubstanciada na proposta num procedimento concursal, formular esta nos termos e com respeito de todas as exigências pré-estabelecidas no Programa de Procedimento e no Caderno de Encargos. Se porventura não tiver corrigido ou suprido erros, omissões ou incongruências na fase de instrução ou ainda em sede de audiência – na medida do que lhe for permitido pelas normas do concurso - os efeitos jurídicos dos vícios existentes não poderão ser imputados, em princípio, a alguma falta da Comissão de Avaliação merecedora de censura.


14.2. No primeiro relatório, conforme se assinalou no ponto 9. supra, a Comissão referiu que nele se continha uma comparação das propostas «justificativa da hierarquização dos concorrentes». Não referiu que submetia a audiência um projecto de decisão, antes e apenas «um mero projecto de Relatório Final de Avaliação», embora apresentasse uma tabela com valoração e pontuação de propostas, em que não se surpreenderia uma opção pela inaceitabilidade.

Nem por isso, porém, os interessados se poderiam entender impedidos, nesse momento, de questionarem os factos e análises em que se baseara a Comissão, impugnando-os ou relevando elementos não considerados que fizessem parte das suas propostas, isto é, sem ultrapassarem os limites impostos pela imodificabilidade das mesmas. É que, além do que fica dito, foi-lhes transmitido que a «natureza preliminar [do Relatório] [...] tem por objectivo permitir que os concorrentes sobre ele se pronunciem em audiência de interessados». E, em concreto, quanto ao critério b), com implicações directas nos dois subcritérios c1 e c2, a Comissão deixou uma chamada de atenção para aspectos relevantes no juízo que formulara ao referir que «assim sendo, só uma nova ponderação por parte de cada um e de todos os concorrentes poderia permitir resolver as inconsistências verificadas» (pág. 434 de 637, do Anexo 2 ao Relatório de 24 de Janeiro de 2005, vol. V).

A Comissão, após novo exame, inverteu o sentido da proposta, mas sobre o seu novo e diferente entendimento teve o cuidado de proceder a segunda audiência prévia, explicitando então que tinha chegado a um «projecto de decisão final» e não já a um «mero projecto de Relatório Final de Avaliação» (sublinhados nossos) como tinha dito no primeiro Relatório de 24 de Janeiro. Como já ficou referido, após as respostas dos concorrentes na nova audiência, mantiveram-se irresolvidos os problemas antigos e acrescentaram-se novos, segundo diz a Comissão.

Concede esta que, relativamente ao primeiro Relatório, «entendia que se não existissem factos novos a decisão não teria este desfecho» (pág. 9 de 45 da “Análise das Alegações”) – ou seja o desfecho vertido na proposta agora em exame. Também refere que não se tratava, quanto à segunda audiência, de «pedir esclarecimentos [...] mas antes e naturalmente, de os concorrentes contestarem os erros que o órgão instrutor apontou às sua propostas» (pág. 36 de 45 do mesmo documento), ou de a própria contradição ao projecto de decisão gerar «um cenário de avaliação posterior em que a proposta esteja de acordo com os conteúdos normativos concursais a que se deve submeter» (pág. 4 de 45).

Ocorreu, com efeito, uma viragem de orientação de 180 graus; no entanto, o certo é que ela não se tornou definitiva sem que os interessados sobre ela se tivessem podido pronunciar.

O que acaba de se dizer, por sua vez, afasta o cabimento de uma eventual violação do princípio da boa fé, imputável à circunstância de os concorrentes mais bem classificados no primeiro Relatório terem sido, por isso mesmo, levados a descurar o esclarecimento das desconformidades e inconsistências das suas propostas, com ocultação das verdadeiras intenções da Comissão[25]. O argumento porém só gozaria de alguma viabilidade se não tivesse ocorrido uma posterior audiência, com apresentação de uma proposta de decisão contrária às intenções primeiramente manifestadas. E, de facto, os concorrentes dispuseram, pelo menos, de duas oportunidades para rebaterem, no seu próprio interesse, os fundamentos dos erros que lhes foram apontados.


14.3. A audiência terá lugar «concluída a instrução», nos termos do nº 1 do artigo 100º do CPA e poderá entender-se, por isso, que no momento da notificação do primeiro Relatório a instrução teria terminado; em consequência, a elaboração de um novo Relatório teria sido, além de supérflua, eventualmente ilegal por violação da lei.

Tal dedução, todavia, ignora a previsão do artigo 104º do Código, segundo o qual «após a audiência, podem ser efectuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes». E efectivamente «é bom que se tenha previsto expressamente a existência de uma fase posterior à audiência dos interessados, pois esta (ou qualquer outra circunstância) pode ter trazido ao procedimento factos, questões e provas que nela não tivessem sido (adequadamente) considerados pelo instrutor»[26], conforme se pode ler em comentário esclarecedor ao artigo 110º.

Um dos sentidos relevantes da norma citada será precisamente o de que o legislador terá tido presente que as observações, dúvidas e impugnações, «os factos, questões e provas» adiantados pelos interessados, poderão valer, não só como esclarecimentos das suas propostas, mas também suscitar a reabertura da instrução, oficiosamente, ou a pedido que nada impede seja formulado nas alegações ou pronúncias dos interessados. Verdadeiramente, a instrução só se poderá considerar fechada quando o procedimento é transferido da instância de instrução para a instância de decisão.

É ainda no decurso da instrução que a Comissão «pode convidar qualquer concorrente para, no prazo de dez dias contados da notificação desse convite, proceder à apresentação de elementos cuja falta prejudique a compreensão da proposta e que não devessem ter sido entregues com as propostas, não podendo, contudo, resultar alteração dos termos da mesma»[27], nos termos do nº 6 do artigo 33º do Programa.

No presente caso, a Comissão não tomou a iniciativa de instar formal e especificamente os concorrentes a vir ao procedimento a fim de tomarem posição sobre as incorrecções e erros detectados nas propostas. Há que aceitar que não tenha agido neste sentido. A Comissão, como se verá no ponto 16., deparou com erros que contendiam com exigências resultantes de normas imperativas do Caderno de Encargos, a cuja correcção entendeu não poder proceder sem violação do princípio da intangibilidade, por envolverem ou pressuporem uma diferente opção que só os concorrentes poderiam tomar com alteração das propostas, mas esta alteração, por sua vez, estava-lhes vedada, por força do disposto na norma transcrita. O convite à apresentação de elementos, nesse contexto, mostrar-se-ia desprovido de utilidade.


15. A previsão, no presente concurso, de uma fase posterior à da selecção, que seria a fase da negociação, foi invocada como meio de, nessa fase, haver ocasião para o suprimento de erros e incorrecções por parte dos concorrentes interessados. Não repugna que o princípio da intangibilidade[28] das propostas sofra quebra em concursos nos quais a escolha do contratante privado siga o modelo da negociação. «Com a entrega das respectivas propostas os concorrentes ficam vinculados a elas e, consequentemente já não as podem retirar ou alterar até que seja proferido o acto de adjudicação ou até que decorra o prazo da respectiva validade. Isto, salvo, naturalmente, o caso dos concursos por negociação», conforme refere Freitas do Amaral[29].

A negociação, em percurso sem sobressaltos, suceder-se-ia à selecção das propostas. A ela seriam admitidos os dois concorrentes mais bem classificados (artigo 34º, nº 1, alínea c), e nº 2). Se no presente caso fosse excepcionado o princípio da intangibilidade, registar-se-ia a não relevância de determinadas deficiências registadas nas propostas e a admissibilidade destas à fase seguinte restrita a dois concorrentes. A hipótese é liminarmente excluída por uma declaração de inaceitabilidade de todas as propostas, que é aquela que se encontra em apreciação.

A situação com que estamos confrontados não corresponderá àquela que vem configurada pelo Autor citado: estamos perante um concurso regido por normas derrogatórias do regime e dos modelos gerais enunciados pelo Código do Procedimento Administrativo. Não é um concurso de negociação[30] de propostas com ou sem publicação prévia de anúncio, consentida pelo artigo 182º do CPA, nem de procedimento alternativo consentido pelo artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 10/2003, de 28 de Abril. Estamos, pelo contrário, perante um concurso cujas regras combinam a livre apresentação de candidaturas, característica do regime do concurso público, com a qualificação (e selecção) operada sobre propostas concretas (o que não corresponde ao perfil dos concursos limitados por prévia qualificação do artigo 3º do Decreto Regulamentar citado) e que só depois da selecção inserem na escolha do co-contratante uma fase de negociação.

Compreende-se que a negociação, nesta configuração legal, não parta do zero. Ela realiza-se com base em tudo aquilo que foi até então adquirido, ou seja, em um Caderno de Encargos prévio à abertura, em propostas apresentadas cuja conformidade com o mesmo Caderno foi verificada e, depois, com base em duas propostas seleccionadas de entre as várias apreciadas, com vista à sua avaliação global, com hierarquização, «para efeitos de iniciar a discussão da minuta de Contrato de Gestão com o concorrente cuja proposta ficou classificada em primeiro lugar» (artigo 39º, nº 1, do Programa).

É por essa razão que os melhoramentos e aperfeiçoamentos das propostas obtidos em negociação «não poderão ainda violar as disposições imperativas do caderno de encargos», «não poderão redundar em condições menos vantajosas para a entidade pública contratante do que as que inicialmente foram apresentadas pelo concorrente» e «não poderão acolher ou incorporar soluções contidas nas propostas de outros concorrentes», segundo o que dispõe o nº 2 do artigo 38º do Anexo ao diploma que aprova as condições gerais dos procedimentos prévios à celebração dos contratos de gestão para o estabelecimento de parcerias em saúde, que é o Decreto Regulamentar nº 10/2003, de 28 de Abril, com correspondência no nº 2 do artigo 36º do Programa.

Na óptica do regime por que se pauta o presente concurso, sem uma base obtida por acrescentamentos sucessivos e irreversíveis, definitiva nesse sentido, sem um acquis configurado nos termos descritos, não é possível transferir para a negociação a consolidação dos elementos que não foi conseguida na selecção. Entender a negociação como oportunidade para sanar incorrecções seria admitir a subversão das regras do presente procedimento e do sentido que a elas preside e não poderá o princípio do favor do concurso[31] obliterar a valência de normas excludentes, fundadas no respeito pelo princípio da concorrência que preside a este procedimento concursal, inclusivamente na fase da negociação; só depois de garantido o valor primeiro e primário da igualdade na concorrência poderá o favor do concurso ser chamado a actuar[32].

VII
16. Passemos agora à análise dos termos da proposta de inaceitabilidade[33] e retomemos o último Relatório, o de 5 de Setembro de 2005, relembrando que, na terminologia adoptada pela Comissão, desconformidades significam desvio ou desrespeito de pressupostos imperativos do Caderno de Encargos e inconsistências significam casos de falta de coerência entre os vários elementos em que se decompõem as propostas e nestas compreendidos.

No já referido[34] Capítulo intitulado «Da comparabilidade possível à falta de comparabilidade suficiente», a Comissão começa por historiar os antecedentes do Relatório, referindo os ajustamentos que entendera ser-lhe consentido introduzir nas propostas, com exclusão de outros, em matéria do critério b) (pág. 5 a 6 de 22).

Diz depois (pág. 7 a 9 de 22) que «em sede de audiência prévia não surgiram, por parte dos concorrentes, reais contributos para resolver os problemas identificados, designadamente quanto aos erros que atingiam a comparabilidade das propostas». E acrescenta que, «em primeiro lugar, os concorrentes concordaram com a maioria dos ajustamentos efectuados ao VAL para efeitos da aplicação dos critérios b) e dos subcritérios c1) e c2), de acordo com os princípios enunciados pela Comissão. Por outro lado, alguns concorrentes consideraram que dentro do critério identificado era possível proceder a mais ajustamentos. Outros concorrentes acentuaram as inconsistências e desconformidades existentes, agravando o grau de sustentação da avaliação preliminar. Finalmente houve concorrentes que procuraram dar um sentido à respectiva proposta para a tornar consistente com o Caderno de Encargos».

Mais, porém: «...em segundo lugar, foi possível isolar a circunstância de entre as várias questões levantadas, ter sido avolumado o conjunto de erros que afecta o cálculo da remuneração efectuado pelos concorrentes» Estes identificaram «novos problemas ou, de outra forma, novas consequências de erros já detectados. [...] Portanto, não só não se afastou nenhum dos anteriores problemas identificados, como ainda foram acrescentados pelos concorrentes três novos tipos de desconformidades/inconsistências que afectam a comparabilidade [...] das propostas para efeitos de aplicação dos critérios b) e dos subcritérios c1) e c2). A audiência de interessados, em vez de ter trazido melhorias em termos de comparação das propostas, veio agravar a situação, salientando outros problemas e sem que os anteriores identificados pela Comissão tivessem sido superados».


16.1. Sumariza depois as desconformidades (em número de 7) e inconsistências (em número de 2) registadas a final. A saber, alinhando em primeiro lugar as desconformidades:

1. Índice de Complexidade do Internamento e Cirurgia de Ambulatório. Os valores considerados pelos quatro concorrentes para efeitos de cálculo da remuneração correspondente são errados e o erro não pôde ser corrigido pela Comissão por poder «conduzir a alterações da Remuneração da Entidade Gestora, violando, desta forma, o critério definido para a realização de ajustamentos»;
2. Remuneração específica para Hospital de Dia Cirúrgico. O erro é apontado ao concorrente 1, que considerou uma remuneração para internamento e cirurgia de ambulatório e ainda uma outra adicional para hospital de dia cirúrgico, quando, segundo o anexo 7. do Caderno de Encargos, não é admissível uma remuneração para o hospital de dia cirúrgico, dado que o internamento e cirurgia de ambulatório devem ser vistos exclusivamente na mesma área de produção (de internamento e cirurgia de ambulatório);
3. Doentes Equivalentes com cirurgia de ambulatório. O erro é apontado ao concorrente 2, que utilizou para efeitos de cálculo a soma do número de episódios de internamento com 60% das cirurgias de ambulatório. Deveria ter utilizado o número de doentes equivalentes com cirurgia de ambulatório, que consta do apêndice 1 ao anexo 2 do Caderno de Encargos. A Comissão não corrigiu o erro «por poder conduzir a alterações da Remuneração da Entidade Gestora, violando desta forma o critério definido para a realização de ajustamentos».
4. Dias de Internamento Prolongado. Erro apontado aos concorrentes 2 e 4 que, para este efeito, consideraram valores distintos dos fornecidos em sede de esclarecimentos aos concorrentes. Não corrigido pelas razões indicadas na anterior desconformidade.
5. Número de Atendimentos em Urgência. Erro apontado ao concorrente 3 que considerou para este efeito valores distintos dos fornecidos no apêndice 1 ao anexo 2 do Caderno de Encargos. Não corrigido pelas mesmas razões.
6. Fórmula de revisão dos preços. Erro apontado ao concorrente 4 que adoptou uma fórmula distinta da constante do anexo 7 ao Caderno de Encargos para efeito de revisão dos preços aplicáveis para cálculo das remunerações relativas à produção de serviços clínicos. Não corrigido pelas razões já referidas.
9. Serviço de Estacionamento e de gestão de trânsito. Erro apontado ao concorrente 2 que considerou que esse serviço seria da responsabilidade da Entidade Gestora do Edifício quando, segundo o artigo 11º do Caderno de Encargos e o anexo 4 ao mesmo, o serviço será da responsabilidade da Entidade Gestora do Estabelecimento. Tal erro afecta a remuneração global do concorrente porque incorpora receitas durante um período de trinta anos e não de dez anos. Foi aditado na sequência da primeira audiência.

São duas as inconsistências detectadas pela Comissão, às quais são atribuídos os números 7 e 8 na listagem constante do Relatório, que se transcreve nesta parte:

7. Valor de reversão dos activos: «...o concorrente 1 considerou, no modelo de projecções económico-financeiras da Entidade Gestora do Estabelecimento, o recebimento de um valor positivo de reversão dos activos no final do Contrato de Gestão para efeitos de apuramento da TIR accionista e de projecto. Trata-se de uma inconsistência interna da proposta do concorrente 1, uma vez que o referido pagamento não foi considerado [como deveria ter sido, subentende-se] para efeitos de apuramento do Valor Actual Líquido esperado dos Pagamentos a realizar pela Entidade Pública Contratante à Entidade Gestora do Estabelecimento ao abrigo do Contrato de Gestão (VAL). Por outro lado, o concorrente 2 considerou, nos modelos de projecções económico-financeiras das Entidades Gestoras, o recebimento de valores positivos de reversão dos activos no final dos Contratos de Gestão para efeitos de apuramento da TIR accionista e de projecto, o que constituiu, igualmente, uma inconsistência interna da proposta do concorrente 2, uma vez que os referidos pagamentos não foram considerados para efeitos de apuramento do Valor Actual Líquido esperado dos Pagamentos a realizar pela Entidade Pública Contratante ao abrigo do Contrato de Gestão». Foi aditada na sequência da primeira audiência[35].
8. Prazo de abertura do Edifício e do Estabelecimento Hospitalar: «O concorrente 2 considerou, para efeitos de construção dos modelos de projecções económico-financeiras das Entidades Gestoras, e de apuramento do Valor Actual Líquido esperado dos Pagamentos a realizar pela Entidade Pública Contratante ao abrigo do Contrato de Gestão (VAL), que a abertura do Edifício e do Estabelecimento Hospitalar ocorreria em Janeiro de 2008, muito embora refira na sua proposta que a data de abertura efectivamente prevista seria 30 de Junho de 2008. Esta situação gera uma inconsistência interna da proposta, porquanto os valores de referência para cálculo do Valor Actual Líquido esperado dos Pagamentos a realizar pela Entidade Pública Contratante ao abrigo do Contrato de Gestão (VAL) não se encontram de acordo com a proposta do concorrente em termos do prazo de execução do Contrato de Gestão». Foi aditada na sequência da primeira audiência.


16.2. O relatório (pág. 11-12 de 22) enquadra as incorrecções apontadas nas normas aplicáveis do Caderno de Encargos, primeiro quanto às desconformidades e depois quanto às inconsistências:

«1. Os erros detectados nas propostas dos concorrentes no cálculo da remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento Hospitalar resultam da violação do disposto no 1.4 do anexo 2 ao Caderno de Encargos, que prescrevia que, para efeitos de elaboração da proposta, deveria ser considerada a produção prevista constante do apêndice 1 ao anexo 2. Esta regra tinha por objectivo que os concorrentes dimensionassem o Hospital para uma determinada produção prevista e constituía o limite das suas obrigações contratuais, mas visava assegurar, igualmente, que as propostas apresentadas se conformavam com um cenário base de produção e que portanto seriam comparáveis entre si;
2. Existem outros erros que resultam da não conformação dos concorrentes com o mecanismo de pagamentos imperativamente estabelecido no anexo 7 ao Caderno de Encargos, que visava estabelecer uma forma de remuneração que não era deixada ao critério dos concorrentes, igualmente para garantir a comparabilidade das propostas dos concorrentes;
3. A consideração da existência de um contrato relativo ao serviço de Estacionamento e gestão de trânsito com responsabilidade primária da Entidade Gestora do Edifício e não da Entidade Gestora do Estabelecimento viola o disposto no artigo 11º do Caderno de Encargos e o anexo 4 ao mesmo.

No que diz respeito à desconformidade das propostas com o número de dias de internamento prolongado correspondente à produção prevista indicada no Apêndice 1 do Anexo 2 ao Caderno de Encargos e que influenciam o cálculo do valor actualizado líquido dos pagamentos do Estado, importa salientar que o número de dias de internamento prolongado a ter em conta para a formulação das propostas dos concorrentes não constava dos documentos concursais, por lapso, mas foi indicado em sede de esclarecimentos. Tratava-‑se de um elemento que estava pressuposto, quer na produção prevista quer no mecanismo de pagamento sem o qual não seria possível formular correctamente as propostas pelos concorrentes. Assim sendo, os esclarecimentos prestados vieram integrar as peças concursais não correspondendo a uma nova exigência, mas apenas à explicitação de um elemento necessário para a total compreensão e aplicação do disposto no Apêndice 1 ao anexo 2 do Caderno de Encargos e do mecanismo do pagamento.»


17. Os vícios detectados nas propostas têm todos incidência no ponto crítico do presente concurso, ou seja nas matérias do critério b., com eventuais implicações na matéria dos subcritérios c1) e c2).

O exame de cada um deles não terá de distinguir entre vícios já detectados por ocasião do primeiro Relatório e vícios acrescentados posteriormente: todos eles têm a mesma valia, no sentido de terem sido apurados em instrução e sido objecto de audiência, preparatória de decisão final. Todavia, afigura-se necessário iniciar esse exame por considerações de âmbito comum a todos eles que dizem respeito à improcedência de ajustamentos que se pretenderia susceptíveis de ser introduzidos pela Comissão.

Ficou referido no ponto 9. supra que, no primeiro Relatório, de 24 de Janeiro de 2005, dá a Comissão notícia de ter introduzido, quanto ao critério b., determinados ajustamentos no cálculo do VAL e de ter verificado a existência de outras incorrecções nas propostas nesta matéria, que entendeu deixar intocadas. O mesmo ocorreu em sede de exame dos elementos respeitantes ao critério c. Realizada a audiência prévia, entendeu que não lhe tinham sido fornecidos elementos para proceder a novos ajustamentos, conforme se lê no relatório de 14 de Junho de 2005 e se descreve no ponto 10. deste Parecer, e considerou que as incorrecções que continuavam a subsistir justificavam a inaceitabilidade das propostas. As alterações no cálculo do VAL foram aceites na sua maioria pelos concorrentes, mas alguns «consideraram que dentro do critério identificado era possível proceder a mais ajustamentos». A questão que se põe agora é a de apurar se estes teriam tido razão.

A introdução de alterações nas propostas dos concorrentes, a que a Comissão efectivamente procedeu segundo refere, importa, prima facie, tem de se reconhecer, um desvio ao princípio da intangibilidade das propostas. Refere Freitas do Amaral, conforme vimos no ponto 15. a propósito da amplitude admissível da negociação, que «com a entrega das respectivas propostas os concorrentes ficam vinculados a elas e, consequentemente já não as podem retirar ou alterar até que seja proferido o acto de adjudicação ou até que decorra o prazo da respectiva validade....». Direccionado aos concorrentes, o princípio não pode deixar de se aplicar também à Administração, que nas matérias deixadas por lei à determinação por obra da vontade das partes (artigo 405º do Código Civil), não pode sobrepor a sua vontade à dos particulares em relações contratuais, quer sejam de direito privado, quer de direito administrativo, tal como não poderá, em nome do princípio da estabilidade, alterar o disposto no Caderno de Encargos, pelo menos depois de corrido o prazo para apresentação de candidaturas[36].

Mas aquele princípio poderá ser temperado na sua rigidez em nome, entre outros, do princípio da colaboração com os particulares e do próprio princípio do favor do concurso, sem que a uma sua eventual relativização ou modulação possa ser conferida a natureza de um dever cujo cumprimento impenda oficiosamente sobre a parte pública. A introdução de ajustamentos surge assim justificada nas situações em que a intervenção correctiva intente restabelecer e inserir na proposta a vontade real do concorrente de acordo com as indicações por ele formuladas, passando por cima de obstáculos estritamente formalistas, o que aliás é conforme às regras da boa fé[37]. Ponto é que, em pluralidade de concorrentes, a Administração proceda por igual em relação a todos e sobretudo que a sua actuação não seja questionável em termos de prática de manipulações contrárias ao princípio da imparcialidade.

Assim será legítima a incidência dos ajustamentos, operados através de cálculos matemáticos, sobre dados quantitativos inseridos nas propostas, demonstráveis de forma objectiva e imunes por essa razão a suspeitas de manipulação. Como assim será, também, quanto a correcções com semelhantes características resultantes de regras imperativas, prescritas pelas normas legais e concursais, designadamente pelo Caderno de Encargos, ou dos esclarecimentos prestados pela Comissão, ou dos índices de ponderação e das fórmulas fixados na “Acta para Definição e Aprovação dos Elementos que interferem na aplicação dos Critérios de Selecção das Propostas”, referida no ponto 5. supra. Trata-se aqui de exigências conhecidas de todos os concorrentes antes da formulação das propostas, além de que, nestes casos, os ajustamentos estão expressamente contemplados e são permitidos pelo artigo 15º, nº 9, do Programa, que reproduz sem alterações o disposto no artigo 14º, nº 5, do Anexo ao Decreto Regulamentar nº 10/2003, de 28 de Abril: «Nos casos em que a proposta contrarie o disposto no Caderno de Encargos ou em normas legais imperativas, as correspondentes cláusulas da proposta consideram-se substituídas em conformidade».

Não foi mais longe do que isto a Comissão e procedeu bem. Lê-se no seu Relatório (pág. 6 de 22 do último Relatório, nesta parte transcrevendo págs. 433-434 de 637 do Anexo 2, vol. V na enumeração aqui adoptada, do primeiro Relatório) que não efectuou alterações «que pressuporiam, por parte da entidade avaliadora, a substituição do juízo de oportunidade e conveniência efectuado pelo concorrente na respectiva proposta». Dar esse passo significaria, com violação de lei, postergar a vontade dos concorrentes, fazendo substituir pelas suas, temerariamente e de forma nunca imune a impugnação legítima, as opções que aqueles tinham apresentado a partir dos estudos prévios de natureza económica e financeira em que tinham baseado as propostas.


17.1 Para melhor se compreender a posição da Comissão e também as implicações das opções por ela tomadas, transcrevem-se os passos seguintes do seu último Relatório[38] (pág. 14-15 de 22), que nesta parte reproduzem o conteúdo do segundo Relatório:

«....a questão que se coloca [...] é a dos limites a tal operação. Em primeiro lugar, só é admissível alterar os pressupostos dos concorrentes para os substituir por elementos imperativos do caderno de encargos ou de normas legais imperativas de conteúdo preceptivo claro, quando a alteração do conteúdo seja possível pela simples substituição. Normas imperativas do Caderno de Encargos que contêm meras proibições, sem qualquer sentido negocial que se substitua ao conteúdo proposto pelo concorrente, não podem, portanto dar origem à alteração automática e, como tal, à sanação da desconformidade verificada. Por exemplo, a Entidade Gestora do Estabelecimento não poderá transferir a responsabilidade pelos resultados da prestação de serviços de apoio para a Entidade Gestora do Edifício, em contrariedade com o nº 6 do artigo 11º do Caderno de Encargos. Por outro lado, não é possível modificar os resultados enunciados pelos concorrentes através da alteração de pressupostos que não tenham um suporte mínimo na sua proposta. É que, de outro modo, a Comissão de Avaliação das Propostas formularia uma proposta pelo concorrente e, mais grave do que isso, fá-lo-ia com conhecimento das propostas de outros concorrentes. Por isso, quando a disposição imperativa do Caderno de Encargos é um elemento não variável a considerar pelos concorrentes como pressuposto para a formulação das suas propostas não é possível, igualmente, operar a substituição. Isto acontece, por exemplo, nos casos de apuramento do VAL e dos preços unitários, quando as quantidades indicadas pelos concorrentes não correspondem aos valores indicados no Caderno de Encargos».

Noutro passo (pág. 12 a 13 de 22), especificando, refere o seguinte:

«Todas as desconformidades com o Caderno de Encargos não admitem ajustamento oficioso, porque pressupõem a decisão sobre se o ajustamento se fará no factor ou no produto da operação matemática, ou seja, se o ajustamento se fará no preço unitário ou no valor global da remuneração em resultado da substituição do conteúdo da proposta pelo factor certo e imperativamente fixado no caderno de encargos. Dito de outro modo, a substituição de elementos errados das propostas não é automática, porque colide com mais de um elemento variável formulado pelo concorrente, pressupondo, por isso, uma nova escolha, por parte da entidade avaliadora.
As inconsistências das propostas são erros internos que igualmente afectam a remuneração e que resultam da falta de coerência nas contas efectuadas pelos concorrentes com os seus próprios pressupostos. Mas também aqui a resolução deste problema implica uma opção entre duas formas possíveis de resolver a inconsistência, o que significaria uma opção da entidade avaliadora sobre o sentido a dar às propostas dos concorrentes.
Neste contexto, a realização de qualquer ajustamento por parte da Comissão de Avaliação das Propostas será sempre criticável, porque pressupõe uma opção para a qual não existe critério seguro.
E, assim, estas desconformidades e inconsistências que subsistem, inclusive acentuadas após a audiência prévia, impedem que se alcance uma solução que torne comparáveis as propostas, com a segurança que o interesse público presente impõe: a audiência prévia não permitiu atingir qualquer melhoria no grau de comparabilidade possível das propostas que se sustentou existir preliminarmente, agravando-o pela negativa».

Estão patentes nesta segunda parte da transcrição, as razões porque a comparação possível não pôde ser considerada suficiente. A comparação possível admitiria a correcção do VAL, sem alterações na remuneração calculada pelos concorrentes. No entanto o VAL é «o produto» de uma operação matemática, para cujo resultado entra como «factor» a remuneração calculada pelos concorrentes[39]. O erro dos concorrentes, que incidia sobre a remuneração por eles calculada, permanecia, em consequência, na expressão do resultado do VAL a que estes tinham chegado. Os ajustamentos a introduzir nessa perspectiva mais alargada da comparação possível implicariam, na expressão de transcrição a que atrás se procedeu «alterações que pressuporiam, por parte da entidade avaliadora, a substituição do juízo de oportunidade e conveniência efectuado pelo concorrente na respectiva proposta».

Não se encontra neste raciocínio vício merecedor de censura jurídica. Resta saber se são correctos os fundamentos que a Comissão indica com base nas incorrecções e erros que enumera e já transcrevemos, ou seja, se essas incorrecções e erros envolvem desrespeito do Caderno de Encargos.


18. A Comissão, como decorre do que se transcreveu no ponto 16.2, distingue erros respeitantes ao cálculo da remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento, que são determinantes em sede de determinação do VAL, de erros de outra origem. Em relação a todos eles é de ter em conta, como se disse no ponto 13. deste Parecer, que a apreciação do Conselho Consultivo incide sobre questões de legalidade em sentido estrito. Nesse campo se permanecerá.

Quanto ao cálculo da remuneração, constata-se efectivamente que são exactas as referências feitas pela Comissão ao Anexo 2., ponto 1.4, ao Caderno de Encargos, cujas exigências não terão sido respeitadas pelas propostas, daí resultando vícios insanáveis, conforma indica no ponto 1. da transcrição a que se procedeu em 16.2. supra. Os vícios abrangidos por esse ponto 1. abrangem as desconformidades que ficaram descritas em 16.1 supra sob as epígrafes 1. Índice de Complexidade do Internamento e Cirurgia de Ambulatório; 2. Remuneração específica para Hospital de Dia Cirúrgico; 3. Doentes Equivalentes com cirurgia de ambulatório; 4. Dias de Internamento Prolongado; 5. Número de Atendimentos em Urgência; 6. Fórmula de Revisão de Preços; e 9. Serviço de Estacionamento e de gestão de trânsito.

Nas propostas deverá ser «considerada Produção Prevista a que consta da projecção de utilização hospitalar que é patenteada no âmbito do concurso e que se resume no Apêndice 1 a este Anexo» (pág. 1 de 9 do Anexo 2, vol. II) [40]. Do Apêndice 7, Remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento, retira-se que uma das parcelas da remuneração será respeitante à Produção de Serviços Clínicos efectivamente verificada no ano t, subdividida em várias outras parcelas: Internamento e Cirurgia de Ambulatório, calculada nos termos do número 5; Doentes em Internamento de Evolução Prolongada, calculada nos termos do número 6; Urgência, calculada nos termos do número 7; Consulta Externa, calculada nos termos do número 8; Hospital de Dia, calculada nos termos do número 9; e Casos e Actos Específicos, calculada nos termos do número 10 (pág.1 e segs. de 33).

No entanto, não está o Conselho Consultivo habilitado a pronunciar-se sobre as justificações dadas pela Comissão já desde o primeiro Relatório (pág. 436 a 458 de 637 e segs., vol. V) e sobre as objecções formuladas pelos concorrentes nas suas pronúncias em segunda audiência, e não acolhidas quanto a estas desconformidades, designadamente sobre as desconformidades 1. Índice de Complexidade do Internamento e Cirurgia de Ambulatório, com objecções suscitadas pelos concorrentes 1 e 4; 2. Remuneração específica para Hospital de Dia Cirúrgico, com objecção suscitada pelo concorrente 4.; e 6. Fórmula de revisão dos preços, com objecção suscitada pelo concorrente 4.

A ponderação das questões apresentadas envolve aspectos técnicos determinantes e requer conhecimentos de ordem matemática, científica e técnica que extravasam do domínio estritamente jurídico da apreciação da legalidade, além de que não se conhecem as propostas.

Já quanto à desconformidade 4. Dias de Internamento Prolongado, existe uma base jurídica de apreciação.

Também pelas mesmas razões e nos mesmos termos, não poderá o Conselho pronunciar-se sobre as duas inconsistências apontadas, a saber, 7. Valor de reversão dos activos; e 8. Prazo de abertura do Edifício e do Estabelecimento Hospitalar, que contendem com os critérios b. e c.

Note-se que as inconsistências envolvem e implicam violação do Caderno de Encargos. De facto a remuneração correspondente ao pagamento dos activos revertidos (após o termo do contrato) não foi tida em conta no VAL esperado dos pagamentos a efectuar pelo co-‑contratante público (primeira inconsistência respeitante a “Valor de reversão dos activos”). E o mesmo se verificou quanto à previsão de abertura e seus reflexos no cálculo dos pagamentos (segunda inconsistência respeitante a “Prazo de abertura do Edifício e do Estabelecimento). Quer isto dizer que o VAL não foi correctamente determinado nestes casos. Desnecessário será referir que a exigência do Caderno de Encargos só é satisfeita pela apresentação de um VAL correctamente calculado.


19. Vejamos então as questões respeitantes aos dias de internamento prolongado, desconformidade 4., relativamente à qual foram suscitadas observações e objecções quanto ao esclarecimento prestado pela Comissão.

Justifica-se uma reflexão prévia, pois poderá pôr-se em dúvida a pertinência, validade e eficácia dos esclarecimentos prestados em resposta a interrogações apresentadas pelos concorrentes.

Sobretudo num concurso dotado de um caderno de encargos tão extenso, especializado e complexo como este, para mais correspondendo a uma primeira iniciativa governamental em matéria de parcerias público-privadas na saúde com este objecto, dúvidas e eventuais lacunas serão inevitáveis. Compreende-se assim que o Programa de Procedimento consagre aos esclarecimentos prestados aos concorrentes uma regulamentação extensa, no respectivo artigo 6º.

Deverão eles ser solicitados antes da apresentação das propostas «no primeiro terço do prazo fixado para a entrega das propostas» (nº 1 do artigo) e prestados até ao fim do segundo terço do mesmo prazo (nº 2). A não observância deste último prazo poderá inclusivamente levar ao adiamento da data limite para a entrega das propostas, desde que requerido por qualquer interessado (nº 3).

Prestando tributo ao princípio da transparência[41], segundo o nº 6, «simultaneamente com a comunicação dos esclarecimentos ao interessado que os solicitar, juntar-se-á cópia dos mesmos às cópias patenteadas no Procedimento e publicar-se-á imediatamente aviso publicitado na forma prevista para o anúncio advertindo os interessados da sua existência e dessa junção». Acresce que «As cópias das comunicações serão enviadas a quem tiver levantado cópia do presente Programa de Procedimento e do Caderno de Encargos», conforme prescrito no nº 7. Já referimos que essas cópias constituem um dos cadernos da documentação que nos foi fornecida.

Do que acaba de se dizer uma primeira observação ressalta, que é a de que não pode exigir-se da Comissão de Avaliação que os preste por sua própria iniciativa. A intervenção desta é posterior à entrega das propostas, e esclarecimentos posteriores a esse momento estão excluídos, o que se compreende: o escalonamento do procedimento concursal em fases, que implica a aquisição progressiva e cumulativa de elementos relevantes para a decisão, reclama o pré-‑estabelecimento de prazos peremptórios e não deverá ser postergado, sob pena de a instrução não ter fim à vista.

Uma vez publicitados e colocados à disposição dos interessados nos termos prescritos, correspondem os esclarecimentos à definição dos critérios que serão seguidos na interpretação e aplicação das cláusulas das peças concursais. Nessa medida, é exigência dos princípios da igualdade de tratamento dos concorrentes, da imparcialidade, do respeito pela concorrência[42], que a orientação neles definida seja a todos os concorrentes aplicada por igual e sem discriminação.

Sendo assim, embora por via indirecta ou mediatamente, também se volvem em auto-vinculação da Administração no caso concreto, e para os restritos efeitos do concurso, em termos de a sua inobservância valer como vício de violação da lei.

Não têm por isso semelhança com os esclarecimentos os elementos que a Comissão eventualmente vier a colher dos interessados. Nessa situação, pretendem-se esclarecimentos, não sobre as peças concursais propriamente ditas, Caderno de Encargos e Programa, mas sim sobre as propostas apresentadas, esclarecimentos hoc sensu que contribuam para dissipar incongruências, que a Comissão no caso denominou de “inconsistências”, ou erros meramente materiais ou outros de fundo, não essenciais, que tenha detectado.

Também os elementos colhidos por aplicação do disposto no artigo 104º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que admite que «após a audiência, podem ser efectuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes», não são esclarecimentos de peças concursais mas sim e também das propostas e poderão ser aproveitados para reponderação dos dados destas constantes, antes da decisão. Mas as reponderações não poderão envolver interpretações ou entendimentos diferentes dos que já tinham sido consignados em esclarecimentos em sentido próprio. Só poderiam ter tido por objecto as propostas apresentadas a concurso, repete-se.


19.1. No ponto 18. supra ficou referido que uma das parcelas da Produção Prevista, relevante para cálculo da Remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento, deveria corresponder aos Dias de Internamento Prolongado conforme estabelecido no Anexo 2 do Caderno de Encargos.

Nos termos do ponto 1.2. deste Anexo «a Produção Prevista é discriminada por Episódios de Internamento, Intervenções em Cirurgia do Ambulatório, Atendimentos em Urgência, Consultas Externas, Sessões em Hospital de Dia, Casos e Actos Específicos...», sendo que, nos termos do ponto 1.4. «para efeitos de elaboração das propostas, bem como de determinação das obrigações da Entidade Gestora do Estabelecimento Hospitalar, deverá ser considerada Produção Prevista a que consta da projecção de utilização hospitalar que é patenteada no âmbito do concurso e que se resume no Apêndice 1 a este Anexo».

Na “Análise das Alegações dos Concorrentes em Sede de Audiência Prévia II” (pág. 34 de 45, vol. VIII), diz a Comissão que no Apêndice 1 ao Anexo 2. não vinham indicadas as quantidades de doentes de internamento prolongado no cenário base por lapso do Caderno de Encargos.

A omissão não passou despercebida, pelo menos aos concorrentes 2 e 3, que solicitaram em devido tempo informação sobre o número de dias de internamento prolongado para os anos projectados de 2008 a 2017.

O concorrente 3, (ponto 76º, pág. 42 de 46 do Caderno de respostas), formulou o pedido nos termos que se transcrevem: «No caderno de encargos não está definido o número de dias de internamento prolongado para os anos projectados de 2008 a 2017. Esta informação é necessária para calcular a componente da remuneração relativa à produção de serviços clínicos. Nestes termos solicita-se a informação em falta». O concorrente 2. colocou várias interrogações sobre a “actividade Projectada Global”, uma delas sobre «quantos dias de Internamento Prolongado estão considerados nos pressupostos de actividade» (concorrente 2, ponto 2.33, pág. 20 de 30 do Caderno de Respostas).

A resposta foi fornecida a cada um deles em termos idênticos: «Nos pressupostos de actividade do Hospital de Loures consideraram-‑se os seguintes Dias de Internamento Prolongado», seguida de uma listagem numérica sem mais comentários.

Poderá impressionar o tom informativo adoptado na resposta, sem afirmação expressa «de qualquer obrigatoriedade de adopção destas estimativas, mantendo-se desta forma intacta a margem de liberdade dos concorrentes neste domínio», como escreve o concorrente nº 4 a pág. 23 de 39 da sua pronúncia (vol. VII), o que contrastará com o valor vinculativo dos esclarecimentos.

Só aparentemente é assim. O ponto 1.4. do Anexo 2 do Caderno de Encargos, já acima transcrito, mais do que inculca porque estabelece um imperativo: «...deverá ser considerada Produção Prevista a que consta da projecção de utilização hospitalar...», o que se compreende no contexto de requisitos direccionados para a determinação da remuneração a suportar pelo Estado, essencial para a determinação do VAL, e que foi bem compreendido por outros concorrentes. A resposta dada, sucinta como todas foram, parece assumir como indo de si que mais não lhe cumprirá do que suprir a omissão manifesta, desta forma fornecendo a informação e reparando um erro de escrita. Não impõe uma obrigação nova aos concorrentes, porque a mesma já resultava do Caderno de Encargos. Nessa medida não restringe a liberdade de conformação deles.

Por isso não há que apelar a figuras como a interpretação extensiva ou a integração de lacunas de previsão ou de provisão. E mais do que um paralelo com a figura da rectificação dos textos normativos, e sem embargo de não se poder negar um alto grau de paralelismo com a figura da rectificação dos actos administrativos, prevista no artigo 148º do CPA[43], parece mais adequado colocar a questão em termos de interpretação e integração da declaração negocial, que é aqui a proposta emitida pelo declarante Estado, consubstanciada no Programa de Procedimento e no Caderno de Encargos a qual, no caso, só se torna irrevogável (e daí inalterável) a partir do momento em que os esclarecimentos chegam ao conhecimento dos interessados concorrentes e em todo o caso susceptível de integração nos termos do artigo 239º do Código Civil[44] (cfr. artigos 236º a 239º do Código Civil), por referência ao artigo 185º, nº 2, do CPA.

Do que precede se conclui que também nesta parte a proposta em exame não incorre em censura, sem prejuízo de se observar que, a existir vício neste caso, nem por isso a proposta do concorrente nº 4, por nela terem sido verificados outros erros, deixaria de ser objecto de exclusão.


20. A análise a que temos vindo a proceder seguiu o caminho de apreciar os fundamentos apresentados e controvertidos, um por um, sem pôr em causa os cálculos de natureza técnica que são pressupostos de facto da proposta por não haver meio ou justificação para os questionar, e enquadrando-os juridicamente. De fora ficou até ao momento, o exame da «enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo»[45], ou seja, o exame da fundamentação da proposta[46].

No Capítulo 4. do Relatório, a Comissão começa por destacar os problemas de comparabilidade entre as propostas resultantes das desconformidades e inconsistências nelas registadas, refere e invoca a alínea b) do nº 1 do artigo 34º do Programa de Procedimento e os artigos 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 86/2003, e 13º, nº 4, do Decreto-Lei nº 185/2002, como pressuposto de direito e fundamento da inaceitabilidade das mesmas, tece novas considerações sobre os vícios das propostas que sedia na falta de comparabilidade minimamente satisfatória entre elas, relevando que «esta situação não permite escolher, por conseguinte quais os dois concorrentes que devem passar à fase de negociação» e «põe em causa o interesse público subjacente a uma parceria público-privada, pois aquele interesse, se pressupõe a obtenção de uma boa proposta para a Administração Pública, pressupõe igualmente que o processo que conduza a essa opção consiga reflectir nos seus termos a melhor escolha», e termina formalizando propriamente a sua proposta em um parágrafo conciso, intitulado “Proposta”.

No Relatório de Junho de 2005 a redacção deste parágrafo era a seguinte:«Assim, a Comissão de Avaliação das Propostas, tendo em conta os fundamentos aduzidos, propõe à consideração dos Senhores Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde a declaração de inaceitabilidade das propostas com fundamento na verificação de desconformidades de todas as propostas com o Caderno de Encargos que afectam irremediavelmente a sua comparabilidade».

Adita-lhe, porém, no Relatório Final: «....e ainda no interesse público que está subjacente à escolha das duas melhores propostas para efeitos de negociação que se tornou impossível em virtude daquelas desconformidades e inconsistências de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril e o previsto no nº 4 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 185/2002, de 20 de Agosto.».

Constituindo a “Proposta” um resumo com condensação dos fundamentos respectivos e ponto final da argumentação desenvolvida, que, por sua vez, sanearia a relativa prolixidade da exposição que o antecede, afigura-se que deveria acolher na sua formulação referência à alínea b) do nº 1 do artigo 34º do Programa de Procedimento, por paralelismo com a segunda parte do respectivo texto.

Por outro lado, e acrescendo a este aspecto, mas com relevância bem maior, é de assinalar a insuficiência da fundamentação da inaceitabilidade nas razões de interesse público que foram acima transcritas.


20.1. Quanto ao primeiro aspecto, é de dizer que a comparabilidade das propostas como requisito de aceitabilidade das mesmas para efeitos de escolha do contratante privado pode ser vista em duas vertentes: ou como mera derivação de outros princípios, ou como requisito autónomo e valendo por si.

Na primeira vertente[47], a comparabilidade é um efeito, ou, se quisermos, uma manifestação ou refracção dos princípios da concorrência e da igualdade, como sustentam Mário Esteves de Oliveira / Rodrigo Esteves de Oliveira. «Sem possibilidade de confronto entre as candidaturas ou entre as propostas (entre si e com o processo patenteado), isto é, sem possibilidade de fazer funcionar a concorrência nos termos em que esta foi suscitada fica prejudicada a própria finalidade ou função do concurso»[48].

É esta a comparabilidade a que vai referida a alínea b) do nº 1 do artigo 34º do Programa. Ou seja, a abertura do concurso é um apelo à concorrência entre os operadores do mercado, não a qualquer concorrência, mas àquela que aceite respeitar os parâmetros com base nos quais o declarante proponente, até para vantagem sua, para ela e só para ela, apelou. Por consequência, a declaração de inaceitabilidade só ganhará em consistência com uma referência expressa na fórmula conclusiva da “Proposta” à norma citada, constante do Programa.


20.2. A segunda vertente da invocação possível do princípio da comparabilidade tem que ver com a assunção, por parte do órgão avaliador, de poderes discricionários de apreciação das propostas, susceptíveis, no caso, de justificar a conclusão de que os vícios detectados são causa de não adequada satisfação do interesse público, expressamente referida nas normas constantes dos textos legislativos já referidos. Nesta sede, a exigência de comparabilidade emerge como factor autónomo de apreciação, na medida em que a Administração, definirá, «indisputavelmente, mesmo em tribunal (salvo erro absurdo, grosseiro ou manifesto), quais são os critérios e os elementos ou aspectos que lhe permitem a comparação pretendida»[49].

Quanto à invocação do interesse público[50], afigura-se insuficiente limitar-se o Relatório a dizer que a situação delineada pela falta de comparabilidade «põe em causa o interesse público subjacente a uma parceria público privada, pois aquele interesse, se pressupõe a obtenção de uma boa proposta para a Administração Pública, pressupõe igualmente que o processo que conduza a essa opção consiga reflectir nos seus termos a melhor escolha» (pág. 19 de 22). A afirmação afigura-se carecida de concretização mais apurada.

Como se disse no ponto 7., da ponderação ou peso relativo atribuído a cada um dos critérios de selecção das propostas seria possível retirar que os requisitos relativos aos encargos assumidos pelo Estado (traduzidos na remuneração pelos serviços prestados a assumir por ele) e à viabilidade e sustentação financeira do projecto assumiam relevância determinante, sendo que o Estado não abdicava de manter, como elemento comparativo, os custos que teria de suportar se fosse ele a, por sua conta, instalar todo o equipamento e a proceder à exploração deste. Em termos de avaliação de propostas e de escolha da melhor, ou das duas melhores para negociação subsequente, o interesse público implicará uma base de custos quase inarredável – o Custo Público Comparável a que se refere o nº 3 do artigo 40º do Programa (conforme se escreveu no ponto 8.) – que, comparada com a remuneração esperada do pagamento dos serviços prestados, se equilibrará com um grau adequadamente satisfatório de meios de acolhimento e tratamento dos utentes.

Ora, sobretudo porque as propostas claudicam em matéria de definição dos encargos a assumir pelo Estado e de sustentabilidade financeira do Projecto – critérios b. e subcritérios c.1) e c.2.). – o interesse público a defender em hipotéticas negociações estaria prejudicado porque, perante a Entidade Pública Contratante, nas negociações, se apresentariam candidatos a co-contratantes não vinculados a uma previsão de custos a suportar pelo Estado, já quantificada e em princípio inalterável, correspondente às receitas que para eles reverteriam na correspondência do valor dos serviços por eles prestados.



21. Sendo sempre de relevar que os cálculos com base nos quais a Comissão formulou juízos negativos sobre as propostas não foram questionados, da análise a que se procedeu retira-se que, fora os casos que acabaram de ser apontados de relativa obscuridade e insuficiência da fundamentação, a proposta submetida a decisão governamental não enferma de vícios quanto aos respectivos fundamentos e quanto à fundamentação nela expressa. Por outro lado, as objecções formuladas pelos concorrentes no plano jurídico não mostraram razões justificativas da sua eventual procedência.

A inaceitabilidade de todas as propostas tem suporte adequado em face das desconformidades e das inconsistências assinaladas nas propostas assinaladas. Estas existem e tanto umas como as outras redundam em violações do Caderno de Encargos: as desconformidades a título de violações directas, as inconsistências a título de violações mediatas.

As desconformidades, colocaram a Comissão não perante simples erros quantitativos e de cálculo, mas perante opções de fundo dos concorrentes, tomadas com base em projecções desrespeitadoras de exigências do Caderno de Encargos, a partir das quais tinham sido construídas as propostas apresentadas. As inconsistências colocaram a Comissão perante uma situação de desconhecimento da vontade real dos autores das propostas, os quais indicaram mais do que um dado ou elemento destinado a satisfazer exigências do Caderno de Encargos, dos quais a Comissão só arbitrariamente poderia escolher um deles.

A Comissão deparou assim com a impossibilidade de proceder a ajustamentos oficiosos. Introduzi-los nestas situações equivaleria a substituir-se ilegitimamente a cada um dos concorrentes - que já não poderiam alterar as propostas que tinham apresentado - na formação da vontade negocial destes, ferindo o princípio da intangibilidade na sua substância, que não na sua simples forma.

Tomando cada proposta na sua globalidade, a comparação com as restantes não se afigurou possível, dado que todas partiam de bases diferentes, ao contrário do que, em regra, se pretende na escolha do contratante em procedimentos concursais, que é uma comparação a partir de uma base comum por igual respeitada por todas.

Neste contexto, porém, a este desrespeito do princípio da concorrência, acresce mais um aspecto relevante: a falta de comparabilidade pôs em causa a obtenção de um outro objectivo, que exprime exigências de interesse público.

Pretende a Administração nas parcerias público-privadas na área da saúde que se introduza no procedimento uma fase de negociação, posterior à selecção das propostas. Não basta a mera hierarquização destas com a escolha da mais bem classificada. A negociação não tem, portanto, sentido meramente formal. É de aceitar que através dela se procure uma solução que possa diferir das propostas negociadas em aspectos não substanciais e que corresponda ao melhor equilíbrio entre os aspectos financeiros envolvidos e a qualidade dos serviços a prestar. E nessa ordem de ideias, compreende-se que a negociação só possa partir de uma base mínima, inequívoca e firme, por isso mesmo vinculativa dos concorrentes a ela admitidos. Essa base não estará configurada no caso presente e a sua falta é contrária ao interesse público.


VIII
22. A inaceitabilidade das propostas acarreta consequências gravosas das quais a Comissão está ciente. A sugestão que vem apresentar, no pressuposto de que se mantenha o interesse público na prossecução dos objectivos da parceria relativamente ao Hospital de Loures, procura atalhar aos atrasos que não deixarão de ocorrer, favorecendo a opção não por um procedimento totalmente novo, sempre legítima e possível, mas por um procedimento, também ele novo, que «terá de manter no essencial os pressupostos dos documentos concursais, apenas com pequenas modificações que incorporam a experiência adquirida com os vários procedimentos» (pág. 20 de 22 do Relatório).

É pedido que se apurem os termos desta solução e se afira da sua viabilidade jurídica[51].

O procedimento restrito referido pela Comissão, que é um procedimento por negociação, busca inspiração próxima no regime estabelecido pelos artigos 83º e 84º do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, que se aplica à contratação pública em matéria de locação e aquisição de bens móveis e serviços, e também no artigo 134º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, aplicável às empreitadas de obras públicas e às concessões de obras públicas.

Nos termos da sugestão apresentada, não haveria que proceder à publicação de novos anúncios e apenas os concorrentes qualificados no procedimento dado por extinto com a declaração de inaceitabilidade seriam admitidos a apresentar propostas, para o que seriam convidados. Segundo a Comissão, tornar-se-ia necessário «actualizar os pressupostos da parceria e, em concreto, aprovar pelos Ministros das Finanças e da Saúde os novos cadernos de encargos e programa de procedimento, com alterações não substanciais e circunscritas ao estritamente necessário». Refere, por outro lado, que, «antes de iniciado o procedimento relativo à construção do Novo Hospital de Loures», já fora realizada a tramitação prévia exigida pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, com comunicação pelo Ministério proponente ao Ministro das Finanças ou à entidade por este designada para o efeito, da intenção de iniciar um processo tendente ao estabelecimento de uma parceria público-privada (nº 1 do artigo) e que fora já constituída a comissão de acompanhamento em obediência ao disposto no nº 3 desse artigo. Pressupõe, portanto, que, quanto ao futuro procedimento restrito, se tornariam dispensáveis estes passos, aproveitados que seriam os actos já praticados.

No âmbito do Decreto-Lei nº 197/99, o concurso público é de regra quanto a contratos acima de determinado valor. No entanto, permite esse diploma a adopção de procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio e independentemente do valor em determinadas circunstâncias. Assim, nos termos do artigo 84º, quando, «na sequência do concurso todas as propostas tenham sido consideradas inaceitáveis», nos termos da remissão que na alínea d) é feita para a alínea a) do artigo 83º. Nestas situações, as condições iniciais do caderno de encargos não poderão ser substancialmente alteradas (ainda a alínea a) citada) e terão de ser incluídos no procedimento de negociação todos os concorrentes cujas propostas tiverem sido apresentadas em conformidade com os requisitos formais do processo de concurso (alínea d) do artigo 84º). No artigo 134º do Decreto-Lei nº 59/99 (alínea a) do nº 1 e alínea a) do nº 2) são apresentadas soluções muito próximas.

Compreende-se que o regime descrito conviria particularmente bem à situação criada com a inaceitabilidade das propostas e percebe-‑se o quanto se ganharia em celeridade.


22.1. O modelo idealizado oferece-se ainda em contornos que apenas facultam um juízo genérico e que não dispensam o estudo das soluções que em concreto poderão ser desenhadas, mas é possível proceder a uma primeira apreciação quanto à viabilidade da sua adopção.

Como já se observou, a consequência que resultará da declaração de inaceitabilidade das propostas não poderá deixar de ser a da extinção do concurso. Se for entendido nas instâncias próprias que se mantêm os pressupostos que determinaram a abertura do procedimento extinto, e se não ocorrer alteração do quadro normativo existente neste momento, outra solução não se antevê, pelo menos a uma primeira vista, que não seja a da abertura de novo procedimento, seguindo os mesmos trâmites e praticando actos com o mesmo formalismo, sentido e alcance daqueles que oportunamente foram praticados, designadamente, os actos de preparação e estudo da parceria previstos no artigo 8º do Decreto-Lei nº 86/2003, entre os quais se incluem a designação da comissão de acompanhamento, despacho conjunto dos membros do Governo de aprovação das condições de lançamento da parceria, incluindo a aprovação do programa do concurso e do caderno de encargos, e publicação de anúncios.

A questão que se põe é, portanto, a da viabilidade da alteração dos procedimentos seguidos no concurso extinto, mantendo o quadro normativo anterior. E neste contexto a hipótese subentendida na sugestão da Comissão parece ser a do aproveitamento do regime já descrito consagrado nos Decretos-Leis nos. 59/99 e 197/99, eventualmente invocáveis como de aplicação subsidiária, isto é aplicáveis «na falta ou impossibilidade de aplicação de outra regra» que se designará como principal no âmbito da relação que se estabelece entre os dois regimes[52].

A concessão de serviços públicos, a concessão de obras públicas, o contrato de prestação de serviços, são figuras com as quais tem afinidades a parceria respeitante ao Novo Hospital de Loures a ponto de, nos termos das alíneas a), b) e d) do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 86/2003, poderem originar a constituição de uma parceria público-privada. Todavia, o presente concurso tem como lei geral o regime das parcerias previsto neste Decreto-Lei, e, como lei especial, o regime das parcerias em matéria de saúde regulado no Decreto-Lei nº 185/2002[53]. E foi com base no edifício normativo formado por estes dois últimos diplomas, em obediência às disposições neles contidas e à regulamentação geral que as desenvolveu, que o procedimento concursal foi aberto e seguiu os trâmites que acompanhámos.

Assim, o Decreto Regulamentar nº 10/2003, de 28 de Abril, publicado já depois do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, mas ambos promulgados e referendados nas mesmas datas, invoca como seu fundamento de legalidade o nº 1 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 185/2002, segundo o qual «as condições gerais dos procedimentos prévios à contratação bem como o caderno de encargos tipo do contrato de gestão são aprovados por decreto regulamentar». O Decreto Regulamentar nº 10/2003, por ser um decreto regulamentar, prevalece sobre quaisquer outros actos normativos de hierarquia inferior, designadamente portarias e despachos, e aprova, como já foi referido na parte inicial, as condições gerais dos procedimentos prévios à celebração dos contratos de gestão nas matérias de que se ocupa o presente Parecer. Para esse efeito, em Anexo com o mesmo valor formal, estabelece um Programa de Procedimento tipo. O Programa de Procedimento específico do presente concurso obedeceu ao modelo tipo, sem acolher sequer o procedimento alternativo de qualificação prévia regulado nos artigos 34º e 35º do Anexo, e consentido pelo artigos 2º e 3º do Decreto Regulamentar. Deu assim origem a uma disciplina completa e sem lacunas no domínio agora em análise[54] e também não incluiu remissões para soluções de outro tipo, aliás também elas não previstas na parte propriamente dispositiva do Decreto Regulamentar.

Neste contexto, a adopção do procedimento sugerido pela Comissão depara com o obstáculo intransponível da exclusão da aplicabilidade, a título de direito subsidiário, do regime de algum dos dois Decretos-Leis nº 197/99 e nº 59/99.


22.2. Soluções próximas das consagradas pelos Decretos-Leis nos. 197/99 e 59/99, que cabem ainda no conceito de negociação admitida pelo artigo 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 185/2002, a que se fez referência no ponto 2. supra, poderiam ter sido objecto de previsão na redacção originária do Decreto Regulamentar nº 10/2003, em momento anterior, portanto, ao da abertura do presente procedimento.

Poderá agora examinar-se, no campo das hipóteses, a viabilidade da publicação de decreto regulamentar que introduzisse alterações no Decreto Regulamentar nº 10/2003, no sentido de admitir soluções próximas das consagradas pelos Decretos-Leis nos. 197/99 e 59/99, de forma a poder resultar dos termos gerais a prever no mesmo a sua aplicabilidade à sequência a dar ao concurso dado agora por extinto.

A este respeito cumpre observar que o Decreto-Lei nº 197/99 consagra, com valor formal de lei, um conjunto de «princípios gerais da contratação pública, assim traduzindo uma novidade no panorama legislativo português», conforme vem referido no seu preâmbulo[55] e se dispõe nos seus artigos 7º a 15º. Um desses princípios, na parte que aqui releva consagrado no nº 1 do artigo 14º, é o princípio da estabilidade[56], segundo o qual «os programas de concurso, cadernos de encargos e outros documentos que servem de base ao procedimento devem manter-se inalterados durante a pendência dos respectivos procedimentos» - aqui na modalidade de estabilidade objectiva. Outro princípio para aqui relevante será o da transparência[57], segundo o qual «o critério da adjudicação e as condições essenciais do contrato que se pretende celebrar devem estar definidos previamente à abertura do procedimento e ser dados a conhecer a todos os interessados a partir da data daquela abertura», nos termos do artigo 8º, nº 1.

O decreto regulamentar hipotisado violaria, assim, os dois princípios acabados de referir dado que a inflexão para um procedimento negocial restrito na sequência de procedimento anterior não se encontra prevista nem nas normas gerais nem no Programa de Procedimento respeitantes ao concurso para adjudicação do contrato de gestão de que nos ocupamos.

Por outro lado, a própria previsão dos artigos 84º do Decreto-‑Lei nº 197/99 e 134º do Decreto-Lei nº 55/99 não cobre situação semelhante àquela que ocorreu neste concurso. Na verdade, nos procedimentos a que se aplicam as normas referidas, é a própria lei que, em termos abstractos que são desde logo do conhecimento prévio dos possíveis interessados na apresentação de candidatura, autoriza a inflexão do procedimento até então tramitado em determinados termos para um procedimento de negociação restrita. Acresce que a compreensão em termos de sistema desses diplomas leva a concluir que a irregularidade ou inaceitabilidade das propostas pode não ter por consequência a extinção do procedimento, que seguirá, nas situações aí previstas, uma tramitação específica, sem novos anúncios. Não é esse o caso objecto deste Parecer.

Contra-argumentar-se-á que, extinto o procedimento presente com a declaração de inaceitabilidade das propostas, se tratará de iniciar um procedimento novo, distinto do anterior.

Contudo, a ligação genética e causal, neste sentido incindível, entre os dois concursos, demonstrada pelo aproveitamento de actos praticados no concurso extinto e de situações nele ocorridas – o anúncio público, a designação de uma Comissão de Acompanhamento e a limitação do universo dos concorrentes àqueles que apresentaram proposta no concurso anterior – não faculta o entendimento de que se trataria de dois concursos, separados e diferentes.


22.3. Assim sendo, o modelo de procedimento sugerido pela Comissão, não previsto na regulação por que se pautou a parceria em apreciação, mostra-se desprovido do necessário fundamento legal.

Do que resulta que a solução nos termos propostos pela Comissão confere legitimidade para interposição de acções relativas a contratos a terceiros que se considerem prejudicados pelo facto de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido (alínea c) do nº 1 do artigo 40º do CPTA - Código de Processo nos Tribunais Administrativos) ou que tenham impugnado um acto administrativo relativo à formação do contrato (alínea d) do mesmo número), nesta parte com referência ao nº 3 do artigo 46º do mesmo Código, que igualmente admite a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação de contratos.

Também a ilegalidade de decreto regulamentar que se tivesse proposto introduzir alterações no Decreto Regulamentar nº 10/2003 nos termos descritos seria fundamento para a sua impugnação, nos termos dos artigos 73º e seguintes do Código referido.


IX
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. - O projecto de decisão final submetido a audiência prévia em procedimentos concursais não tem a virtualidade de limitar e, menos ainda, de vincular o poder de conformação que é inerente à decisão final, nem de pôr termo à instrução, conduzida sob a égide do princípio do inquisitório em conformidade com a indisponibilidade dos interesses públicos, nessa parte titulados pela instância instrutora;

2ª. - Nesta ordem de ideias, nada impede que a uma primeira audiência prévia se siga uma outra, com um projecto de decisão diferente ou de sentido contrário àquele que anteriormente foi apresentado;

3ª. – No concurso para a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação e exploração do Hospital de Loures, a alteração das propostas pela Comissão de Avaliação por via de ajustamentos surge justificada quanto a correcções que visem restabelecer e inserir nas propostas a vontade do concorrente de acordo com os dados que este fez constar na própria proposta, mas não pode ser consentida nos casos que impliquem a substituição do juízo de oportunidade e conveniência formulado pelo concorrente;

4ª. – O suprimento, em sede de “esclarecimentos”, da omissão de dados quantitativos que o Caderno de Encargos referia como constando do Apêndice devidamente identificado de determinado Anexo, necessários para a determinação de um valor cuja apresentação era exigida nas propostas, cabe no valor vinculativo reconhecido aos esclarecimentos de cláusulas concursais, prestados em resposta a solicitações e interrogações dos concorrentes;

5ª. – A falta de comparabilidade das propostas, resultante das desconformidades e inconsistências internas destas com violação do Caderno de Encargos, constitui fundamento de inaceitabilidade das mesmas, quer porque não permite a selecção das que poderão ser admitidas a negociação, quer porque essa comparabilidade é exigência do interesse público em negociações com ponto de partida em aspectos relevantes no plano dos objectivos pretendidos com a constituição de parcerias público-privadas em matéria de saúde, previamente determinados e excluídos dos termos da mesma negociação com os candidatos;

6ª. - A formalização da “proposta” final da Comissão de Avaliação deverá referir a norma, inserida no Programa de Procedimento em que se suporta a afirmação de que a falta de comparabilidade não permite a selecção das propostas para escolha daquelas que poderão ser admitidas à fase da negociação, bem como deverá ainda concretizar a medida em que a falta de comparabilidade das propostas, nesta fase do procedimento, anterior à negociação, é prejudicial à satisfação do interesse público;

7ª - Não tem fundamento legal a sugestão, apresentada pela Comissão de Avaliação das Propostas, de abertura de um novo procedimento restrito, com dispensa de publicação de novos anúncios, e no qual seriam convidados a participar apenas os concorrentes qualificados no procedimento dado por extinto com a declaração de inaceitabilidade das propostas e na sequência deste.








[1] Através do ofício n.º 8185, de 16 de Setembro de 2005, com registo de entrada na Procuradoria-Geral da República em 19 de Setembro seguinte.
[2] Explicitamente, afirmou-se no Despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde nº 133/2004, de 2 de Dezembro de 2003, publicado no Diário da República, II Série, n.º 59, de 10 de Março de 2004, e que aprovou as condições de lançamento da parceria relativa à construção e gestão do Hospital de Loures, incluindo o programa de concurso e o caderno de encargos, que desta forma se mobilizam «as capacidades de gestão e de financiamento dos sectores privado e social no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, assegurando como desiderato final a aferição e o cumprimento do princípio da obtenção de ganhos de valor para o erário público». O modelo de gestão e financiamento «tem o duplo objectivo de assegurar ganhos em matéria de saúde para a sociedade e ganhos de valor para o erário público, sendo baseado na transferência de riscos para os operadores privados e na melhoria da eficiência do serviço público de saúde».
[3] O contrato de colaboração é uma das figuras já previstas no Decreto-Lei nº 185/2002, nos artigos 5º, n.º 1, al. c), e 36º.
[4] O tema das parcerias público-privadas foi já abordado em pareceres deste órgão consultivo, designadamente nos Pareceres nº 10/2003, de 15 de Maio de 2003 (publicado em Diário da República, II Série, n.º 181, de 7 de Agosto de 2003) e n.º 36/2005, de 28 de Abril de 2005 ( in Diário da República, II Série, nº 101, de 25 de Maio de 2005), nos quais se poderão encontrar referências bibliográficas. No Parecer nº 137/2001, de 25 de Outubro de 2001 (Diário da República, II Série, nº 4, de 5 de Janeiro de 2002), abordou-se a figura do contrato de gestão, no contexto normativo anterior ao Decreto-Lei nº 185/2002, ou seja, ainda no domínio de aplicação do revogado artigo 29º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde.
[5] As cópias dos esclarecimentos prestados foram juntas à documentação, formando um dos cadernos que listámos no início, e enviadas às entidades que tinham procedido ao levantamento do Programa de Procedimento e do Caderno de Encargos (em execução do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 6º do Programa)
[6] O mapa com os critérios, subcritérios e ponderações determinados pelo Programa no artigo 33º, completados pelos correlativos subcritérios e ponderações introduzidos pala Comissão, consta da “Acta para Definição e Aprovação dos Elementos que interferam na aplicação dos Critérios de Selecção das Propostas”, inserida no Caderno das Actas, e está reproduzido no “Relatório de Avaliação de Propostas para Efeitos de Audiência Prévia” (vol. IV), pág. 8 de 101.
[7] «O Custo Público Comparável foi determinado com referência a Janeiro de 2004, tendo sido utilizada uma taxa de desconto de 6,08%.
O Custo Público Comparável representa o custo que o projecto teria para o Estado se fosse desenvolvido directamente pelo Sector Público. Este valor inclui IVA sobre os investimentos, consumos e fornecimentos e não inclui retenções na fonte para efeitos de IRC», mas inclui «descontos para a segurança social à taxa de 23,75% sobre as remunerações», conforme se pode ler na resposta ao pedido de esclarecimento nº 19 do Documento C, incluído no Caderno das Respostas aos Pedidos de Esclarecimento.
[8] O investidor pretende obter da aplicação dos seus capitais um valor que, feitas as contas no fim da vida útil do empreendimento, o compense do risco que suportou e seja portanto superior ao valor daquilo que entretanto dispendeu.
Sem preocupações de estrito rigor técnico, poderemos dizer que o VAL é o valor que se obtém somando os cash flows previstos para cada exercício até ao fim da vida útil do investimento que se pretende levar a efeito, afectando-os depois por uma taxa de actualização em que se inclui (i) a taxa de inflação quando a previsão dos cash flows anuais for efectuada a preços correntes e (ii) a taxa de rendibilidade esperada ou pretendida pelo investidor. Na formulação de António cebola, Elaboração e Análise de Projectos de Investimento, 2ª edição, Lisboa, Edições Sílabo, 2005, pág. 115, «o VAL representa o excedente líquido gerado pelos projectos após ter sido descontado, através do processo de actualização, o rendimento que a empresa poderia obter pela aplicação do mesmo capital na melhor alternativa disponível e com igual nível de risco, a qual está traduzida na taxa de actualização utilizada».
O VAL é utilizado sobretudo em análise de investimentos: se, terminados os cálculos, se verificar que o VAL é superior a zero, «o projecto tem interesse pois proporcionará «a integral recuperação e uma adequada remuneração dos capitais próprios a investir; a cobertura dos riscos económico e financeiro inerentes à realização dos investimentos e, ainda, a criação de excedentes monetários». Se for igual a zero «o projecto continua a ser interessante, pois permitirá a completa remuneração e a obtenção da remuneração desejada para os capitais próprios e a cobertura dos riscos que o caracterizam» (cfr . H. Caldeira Menezes, Princípios de Gestão Financeira, 9ª edição, Lisboa, Ed. Presença, 2003, pág. 290).
O VAL cuja apresentação se pretende, neste caso, porém, é aquele em que as entradas a contabilizar são constituídas pelos pagamentos provenientes da Entidade Pública Contratante. Entrará no cálculo do VAL e servirá portanto para efeito de apreciação das propostas, mas proporcionará informação relevante também para efeitos de comparação de valores com o Custo Público Comparável (CPC). A taxa de actualização, na parte respeitante à taxa de rendibilidade esperada, tem aqui importância decisiva, na medida em que quanto mais elevada for menor será o VAL. Ou seja, um grau elevado de rendibilidade pretendido, poderá significar que se terá procurado extrair do investimento resultados proporcionalmente mais favoráveis do que aqueles que dele se obteriam em condições normais.
Cash flow ou fluxo de liquidez, sobre o qual vai incidir a taxa de actualização, designa a corrente de entradas e saídas, incluindo amortizações e provisões, de meios financeiros na empresa e a partir dela, durante um determinado exercício. O cash flow líquido, em cada ano e no somatório correspondente aos anos de vida do projecto resulta da diferença entre o cash flow de investimento e o cash flow de exploração; neste último se inserem, no caso, os pagamentos feitos pelo Estado pelos serviços prestados.
Para estas noções utilizámos além das obras mencionadas acima também as noções disponibilizadas em www.iapmei.pt/acessível/ (“Finanças Empresariais – Avaliação de Projectos de Investimento”).
[9] A TIR – Taxa Interna de rendibilidade – é um factor, expresso em uma percentagem, obtida por interpolação linear, que, uma vez conhecido o VAL , actua sobre o respectivo valor até o reduzir a zero. Apurada a percentagem da TIR, poderão fazer-se comparações «com o custo dos capitais globalmente utilizados pela empresa ou com o custo das fontes concretas de financiamento a utilizar no próprio projecto» - cfr. H. Caldeira Menezes, ob. cit., pág. 296.
[10] Reporta-se aqui ao Relatório de 24 de Janeiro de 2005. Diga-se, porém, em abono da verdade, que neste não era propriamente formalizada uma decisão, conforme resulta das transcrições a que procedemos no ponto 9. que antecede.
[11] Conforme é referido a pág 4 de 22 do novo e terceiro Relatório.
[12] Pondo ele termo à fase procedimental da audiência prévia, não foi, naturalmente, submetido a mais uma audiência prévia.
[13] Até este ponto a proposta é de teor igual ao do projecto de decisão constante do segundo Relatório submetido a audiência prévia. O texto que se segue constitui um aditamento. Mais à frente esta circunstância será objecto de apreciação.
[14] O nº 10 do artigo 15º, para o qual remete esta alínea b), prescreve que não serão admitidas propostas alternativas. Como nenhuma foi apresentada nestes termos, a parte final da alínea não tem de ser aplicada como fundamento de exclusão de alguma proposta.
[15] Neste sentido, v. os Pareceres nº 41/2002, de 28 de Setembro de 2002 (publicado em Diário da República, II Série, nº 225, de 28 de Setembro de 2002), nº 43/2002, de 14 de Agosto de 2002 (publicado em Diário da República, II Série, nº 251, de 30 de Outubro de 2002) e, inéditos, os Pareceres nos. 70/2002, de 14 de Julho de 2004, e 109/2002, de 20 de Novembro de 2003.
[16] Neste sentido, Diogo Freitas do amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, Almedina, 2001 (com reimpressões posteriores), pág. 319.
[17] É transcrição parcial do primeiro quesito da consulta.
[18] No ponto 4.2., a pág. 15 de 101, do Relatório de Avaliação de Propostas para Efeitos de Audiência Prévia (vol. IV)
[19] Para além de o Conselho Consultivo não ter de dispor dos meios técnicos necessários para o efeito, o exame das propostas implicaria atrasos incomportáveis e incompatíveis com a urgência solicitada.
[20] V. sobre a matéria, entre outros, os Pareceres nºs 142/2001, de 14 de Fevereiro de 2002, publicado em Diário da República, II Série, nº 184, de 10 de Agosto de 2002, e nº 37/2002, de 23 de Outubro de 2003, inédito.
Na doutrina o tratamento monográfico do instituto poderá ser visto, entre outros, em Pedro Machete, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1995, e David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Coimbra, Almedina, 1996.
[21] Em alguma medida porque «a Administração não é “parte” no procedimento administrativo». «A Administração é “senhora” do procedimento administrativo e, por isso, detém o respectivo poder de direcção. [...]A Administração também não se encontra em pé de igualdade com os demais intervenientes ainda que, nos casos de formalização, tenha de respeitar os seus direitos. Só que direitos procedimentais não implicam igualdade procedimental, tal como os direitos processuais das partes não implicam igualdade com o juiz», conforme se exprime Pedro Machete, ob. cit., pág. 78-79.
[22] Nestes termos Diogo Freitas do Amaral, ob. cit. , pág. 319.
[23] O Autor acabado de citar coloca a hipótese a págs. 321-322 da obra referida, sublinhando que «a decisão preliminar do instrutor não pode obrigar o órgão competente para a decisão a decidir num sentido favorável ao particular [nos casos em que a audiência não tiver de se realizar nos termos do artigo 103º, nº 2, alínea b), do CPA] nem pode privar o interessado do seu direito à audiência prévia». Mas «se o órgão instrutor ouviu o interessado, é óbvio que o órgão competente para a decisão pode, sem mais problemas, optar livremente entre uma decisão favorável e uma decisão desfavorável ao interessado».
[24] «Um projecto de decisão não é ainda a própria decisão. Pode ser acolhido totalmente na decisão, como alterado para mais, para menos, ou até completamente abandonado. E nisso alguma responsabilidade terá o interessado.
[...] Portanto, ainda que o sentido não se altere, e mesmo que o seu conteúdo permaneça inalterado na decisão final, o projecto de decisão, enquanto tal, não deixa de ter essa marca de provisoriedade e de precariedade», conforme se lê no Acórdão nº 01049/04, de 16 de Novembro de 2004, da 2ª Subsecção do STA, acessível através da base de dados da DGSI, Acórdãos do STA.

[25] Segundo um dos concorrentes, «dever de fundamentação tinha ainda a Comissão, caso persista em olhar para o primeiro relatório como meramente experimental ou simulado. Porque, se assim for, será forçoso concluir que a Comissão de Avaliação terá optado, em sede de Relatório de Avaliação, por ocultar dos concorrentes aquela que era a sua verdadeira intenção, gerando nos concorrentes [...] a convicção de que a comparação das propostas era possível» (cfr. pronúncia do concorrente CGH, fls. 21, vol. VII).
[26] Cfr. mário esteves de oliveira, pedro costa gonçaves e joão pacheco de amorim, Código do Procedimento Administrativo. Comentado, 2ª ed. (5ª reimp. da ed. de 1997), Coimbra, Almedina, 2005, pág. 467.
[27] Corresponde ao nº 3 do artigo 36º do modelo de programa de procedimento anexo ao Decreto Regulamentar nº 10/2003, de 28 de Abril, embora com a diferença de nesta última norma se referir a não admissibilidade de alteração dos termos essenciais da mesma proposta.
[28] Sobre o princípio da intangibilidade das propostas v. os Pareceres nºs 152/2002, de 16 de Janeiro de 2003 e 36/2005, de 28 de Abril de 2005, publicados no Diário da República, II Série, nº 38, de 14 de Fevereiro de 2003, e nº 101, de 25 de Maio de 2005, respectivamente.
[29] Ob. cit., pág. 583, em que A. cita Mário esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos da Adjudicação Administrativa..., pág. 119.
[30] A temática da negociação em concursos públicos foi também abordada no Parecer nº 35/2005, de 30 de Junho de 2005, publicado no Diário da República, II Série, nº 1185, de 26 de Setembro de 2005.
[31] V. as considerações formuladas sobre este princípio no Parecer nº 95/2002, de 24 de Outubro de 2002, publicado no Diário da República, nº 292, de 18 de Dezembro de 2002 (aí editado com o nº 95/2000, depois corrigido no Diário da República, II Série de 3 de Fevereiro de 2003).
[32] A Comissão tece algumas considerações a propósito da negociação que mais à frente, a propósito da falta de comparabilidade como fundamento de inaceitabilidade das propostas, serão vistos noutra perspectiva:
«No caso de procedimentos em que existe a possibilidade de estabelecer novas condições em virtude da existência de uma fase de negociação – como no caso do procedimento em apreço – pretende-se com a comparação permitir escolher as duas melhores propostas para efeitos de se iniciar a referida fase procedimental. Este facto deve ser relevado para determinar qual o grau de comparabilidade exigida neste processo. Com efeito, a partir do momento em que é possível aos concorrentes modificar a sua proposta na fase da negociação – postergando nesse momento o princípio da intangibilidade das propostas – a comparabilidade deve ser vista ainda como mais instrumental em relação aos objectivos traçados: obter a melhor proposta para o interesse público e garantir a concorrência efectiva entre os concorrentes.
Isto significa, então, que o procedimento se pode bastar com uma comparabilidade possível para efeitos de uma avaliação, mas também que a comparabilidade pode descer a um ponto em que, diferentemente, pode não ser suficiente para tomar uma decisão, designadamente quando as propostas estejam manifestamente desconformes com o Caderno de Encargos ou contenham inconsistências internas que afectam a aplicação dos critérios de avaliação, não permitindo, deste modo, obter uma escolha que se conforme com o interesse público que está subjacente ao procedimento concorrencial em causa» (pág. 15-16 de 22 do terceiro e último Relatório).
[33] Em satisfação do segundo quesito da consulta: «caso venha a confirmar-se que todos ou alguns dos problemas com as propostas dos concorrentes se verificam, é necessário aferir se, juridicamente, existe fundamento para declarar a exclusão de todas as propostas por inaceitabilidade das mesmas, pela justificação legal apresentada no relatório final».
[34] No ponto 11.
[35] A TIR foi um dos parâmetros utilizados pela Comissão em sede de apreciação dos subcritérios c.1) e c.2), ou seja, para análise da “solidez da estrutura empresarial e financeira” das propostas respeitantes tanto ao Estabelecimento Hospitalar [subcritério c.1), como ao Edifício [subcritério c.2.)], com vista a apurar o nível de rendibilidade dos fundos próprios – TIR accionista real prevista – e o equilíbrio financeiro da entidade gestora, com vista a apurar o nível de rendibilidade do projecto – TIR real do projecto, em sede de “equilíbrio económico e financeiro”, de “robustez” em face de variação de cenários, e “suficiências de linhas de financiamento previstas” da proposta, segundo se pode ver a págs. 459-461 e 477-478 de 637 do primeiro Relatório, Anexo II, vol. V.
[36] V. o Acórdão nº 11543/02, de 6 de Fevereiro de 2003, da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, acessível através da base de dados da DGSI, sobre alteração do Caderno de Encargos aceite pelo júri de um concurso, assim violando o princípio da estabilidade.
[37] V. Freitas do Amaral, ob. cit., pág. 138.
[38] Pouco antes (a pág. 6-7 de 22), a Comissão reproduzira a seguinte passagem do segundo Relatório:
«E importa também referir que a norma constante do nº 9 do artigo 15º do Programa de Procedimento, que permite a substituição de desconformidades com o Caderno de Encargos pelas disposições imperativas do mesmo, não se poderia aplicar automaticamente a todas as situações de erro ou similares, pois essa norma não abrange os casos em que, por se tratar de aspectos das propostas configurados autonomamente e com opções efectuadas pelos concorrentes, é o próprio princípio da intangibilidade daquelas que veda essa substituição, em rigor, irrealizável oficiosamente por via administrativa.
Assim, e de acordo com os critérios enunciados, a Comissão de Avaliação das Propostas realizou todos os ajustamentos que decorriam das regras concursais e de normas imperativas legais ou cujos pressupostos foram enunciados pelos concorrentes de forma inequívoca, mas sem nunca alterar a remuneração proposta pelos mesmos. Procedeu-se a ajustamentos no VAL nos termos especificados no anexo 2 ao Relatório, apenas nas operações que incidiam sobre a remuneração calculada pelos concorrentes.
Logicamente o cálculo do VAL para efeitos de aplicação dos critérios b) e c) é igualmente influenciado pela remuneração calculada pelos concorrentes. Se existem erros no cálculo da remuneração, naturalmente que o VAL utilizado como objecto de avaliação também está viciado. Acontece, porém, que os erros dos concorrentes relativamente ao cálculo da remuneração lhes são integralmente imputáveis».
[39] V. o que ficou dito supra na nota 8 e a transcrição contida na nota 38.
[40] V. também os pontos 2. e 7. da Minuta da Proposta, já referidos no ponto 8. deste Parecer.
[41] V. sobre este princípio o Parecer nº 36/2005, já citado na nota 28.
[42] V. referência e aplicação destes princípios no Parecer nº 95/2002, já citado na nota 31, e também o Parecer nº 36/2005, referido na nota anterior.
[43] O referido artigo 148º, sob a epígrafe Rectificação dos actos administrativos dispõe como segue:
«1. Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto.
2. A rectificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, tem efeitos retroactivos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do acto rectificado».
[44] Que dispõe o seguinte:
«Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de acordo com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.»
[45] Transcreveu-se a definição de fundamentação dada por Freitas do Amaral, ob. cit., pág. 348
[46] Solicitado no terceiro quesito da consulta: «Caso se conclua, na resposta à pergunta anterior pela existência de fundamento material para a declaração de inaceitabilidade [...], é necessário aferir se, juridicamente, o Relatório [...] apresenta uma fundamentação conforme as exigências de clareza, suficiência e congruência impostas por lei, e que seja apta a sustentar a decisão proposta».
[47] V. o Acórdão nº 01204/03, de 16 de Junho de 2005, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, acessível através da base de dados da DGSI, que censura a decisão impugnada por ter violado o princípio da comparabilidade das propostas.
[48] Cfr. destes Autores, Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa. Das Fontes às Garantias, 2ª reimpressão da edição de 1998, págs. 100 a 104. O texto transcrito encontra-se a pág. 103, reproduzido com a parte em negrito no original.
[49] Cfr. os autores citados e a obra citada na nota anterior, a pág. 104, em nota, embora tendo em vista, segundo se deduz, a ocorrência de propostas condicionadas.
[50] Sobre este princípio, v. o Parecer nº 2/2001, de 18 de Abril de 2001, publicado em Diário da República, II Série, nº 245, de 22 de Outubro de 2001.
[51] Em resposta ao quarto quesito da consulta: «... é necessário aferir se é conforme aos princípios e regras aplicáveis a sugestão da Comissão no sentido de se proceder à abertura de novo procedimento para o mesmo objecto, mas restrito aos concorrentes que apresentaram proposta no concurso público internacional para o hospital de Loures e cujas propostas foram qualificadas».
[52] V. Nuno Sá Gomes, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, Jus, 2001, pág. 157, de onde foi extraída a transcrição, e segs.
[53] O Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, embora prevaleça expressamente (artigo 3º, n.º 1) sobre quaisquer outras normas relativas a parcerias público-privadas, admite regimes sectoriais especiais que não colidam com o que nele se dispõe. Esses regimes especiais poderão compreender normas procedimentais específicas segundo se prevê na alínea b) do nº 3 do seu artigo 3º.
[54] A única referência à aplicação subsidiária de normas na matéria deste Parecer encontra-‑se no Anexo ao Decreto Regulamentar nº 14/2003, de 30 de Junho, que aprova o caderno de encargos tipo destes procedimentos, mas em sede de suprimento de omissões do contrato de gestão (artigo 4º, nº 3), sem qualquer referência aliás a algum dos dois Decretos-Leis n.os.197/99 ou 59/99.
[55] Continua o preâmbulo referindo que «o objectivo foi o de explicitar, ainda que sinteticamente, o sentido dos princípios que mais frequentemente têm vocação para se aplicar no domínio da contratação pública, que é uma área em que, muitas vezes, as regras são insuficientes e dificilmente aplicáveis sem o recurso aos referidos princípios».
[56] V. quanto a este princípio os Pareceres nºs 152/2002 e 36/2005, já citados na nota 28, com indicação de bibliografia.
[57] Já abordado também em Pareceres do Conselho Consultivo, designadamente n.os 43/2002, citado na nota 15, e 36/2005, citado na nota 3.