Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002230
Parecer: P000102003
Nº do Documento: PPA15052003001000
Descritores: EMPRESA PÚBLICA MUNICIPAL
AUTARQUIA LOCAL
ADMINISTRAÇÃO LOCAL
EMPRESA PÚBLICA
PARTICIPAÇÃO EM EMPRESAS PRIVADAS
FINANÇAS LOCAIS
INTERESSE PÚBLICO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
REQUALIFICAÇÃO URBANA
Livro: 00
Numero Oficio: 912
Data Oficio: 01/27/2003
Pedido: 01/29/2003
Data de Distribuição: 01/30/2003
Relator: MÁRIO SERRANO
Sessões: 01
Data da Votação: 05/15/2003
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MCOTA
Entidades do Departamento 1: MIN DAS CIDADES ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 07/10/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 07-08-2003
Nº do Jornal Oficial: 181
Nº da Página do Jornal Oficial: 12012
Indicação 2: ASSESSOR:SUSANA PIRES
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL/DIR URB
Ref. Pareceres:P000022000Parecer: P000022000
P000442002Parecer: P000442002
Legislação:CONST76 ART61 N1 ART81 E) ART86 N1 N2 ART235 ART237 N1 ART266; L 58/98 ART1 N1 N2 N3 A) B) C) ART3 ART4 N2 ART20 ART23 ART34 N1 C) ART40 DE 18/08; L 79/77 ART48 N1 O) DE 25/10; L 100/84 ART39 N2 G) H) ART51 N3 A) DE 29/03; RECT DE 30/06/1984; L 25/85 DE 12/08; L 18/91 DE 12/06; L 35/91 DE 27/07; DL 86/2003 ART1 ART2 N2; DL 260/76 DE 08/04; DL 353-A/77 DE 29/08; DL 25/79 DE 19/02; DL 29/84 DE 20/01; L 16/90 DE 20/07, DL 558/99 DE 17/12; LFL98 ART16; RECT 13/98 DE 25/08, L 87-B/98 DE 31/12; L 3-B/2000 DE 04/04, L 15/2001 DE 05/07; L 94/2001 DE 20/08; L 109-B/2001 DE 27/12; LO 2/2002 DE 28/08; L 32-B/2002 DE 30/12; L 159/99 ART13 N1 I) O) ART24 ART29 DE 14/09; L 169/99 ART10 ART53 DE 18/09; L 5-A/2002 DE 11/01; RECT 4/2002 DE 06/02; RECT 9/2002 DE 05/03; CCIV66 ART160 N1; CSC86 ART6 N1; L 57/93 DE 06/08; DL 354/93 DE 09/10; DL 87/93 DE 23/03; D 16/93 DE 13/05; DL 88/93 DE 23/03; RCM 26/2000 DE 15/05; L 48/98 ART6 N1 I) DE 11/08
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 12/06/90
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª) A Lei nº 58/98, de 18 de Agosto (Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais) veio permitir a utilização pelos municípios de diferentes formas de organização jurídico-privada, como a criação de empresas municipais ou a participação no capital social de empresas privadas, com a condição de essas empresas terem por objecto social a exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público que se contenham no âmbito das atribuições municipais, nos termos do nº 2 do artigo 1º do diploma (ex vi do artigo 40º, quanto à participação em empresas privadas);

2ª) Esse diploma admite ainda que as empresas municipais possam, por sua vez, participar no capital de sociedades comerciais, ab initio ou já depois da sua constituição, conforme resulta do disposto na alínea f) do artigo 16º e na alínea e) do nº 1 do artigo 34º, ambas da Lei nº 58/98, devendo também nesses casos respeitar-se a limitação legal estabelecida para a participação dos próprios municípios no capital dessas empresas privadas (e referida na conclusão anterior);

3ª) Nesse contexto, é legalmente possível a constituição de uma sociedade comercial com participação de uma empresa pública municipal, designadamente em parceria com uma entidade privada, ao abrigo do artigo 40º da Lei nº 58/98 (interpretado extensivamente), desde que a actividade a desenvolver por essa empresa privada se integre no quadro das atribuições do município e, simultaneamente, no objecto da empresa pública municipal;

4ª) Uma empresa pública municipal, que inclua no seu objecto a realização de actividades de requalificação urbana, pode constituir uma sociedade comercial (designadamente em parceria público-privada) cujo objecto venha a ser a construção e exploração de um empreendimento imobiliário, desde que este tenha a virtualidade de produzir uma notória recuperação de zonas urbanas degradadas da área do respectivo município.

Texto Integral:

Senhor Ministro das Cidades,
Ordenamento do Território e Ambiente,
Excelência:



I


1. Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência ([1]), perante ofício do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a pedido deste, solicitar parecer a este corpo consultivo sobre a matéria nele exposta ([2]), e a que se pretende seja conferida urgência.

Por não se terem enunciado as dúvidas que justificariam a consulta, solicitou Sua Excelência o Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República à entidade consulente «a formulação da questão ou questões jurídicas a que em concreto se pretende dar resposta» ([3]). Na sequência desse pedido, que determinou nova intervenção do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia ([4]), informa-se que se pretende «ver esclarecido se a autarquia, por intermédio da sua empresa municipal “Gaiasocial, E.M., Empresa Municipal de Habitação” poderá constituir parcerias com privados, as quais visem a implementação e desenvolvimento de projectos imobiliários em terrenos próprios ou em compropriedade, sem colidir com a lei das atribuições e competências dos municípios» e esclarece-se que a urgência solicitada se prende com a «necessidade de assegurar o interesse manifestado por investidores estrangeiros, em algumas parcerias já desenhadas, o qual, com o decurso do tempo, perderá oportunidade» ([5]).


2. No referido primeiro ofício do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, começa-se por invocar a «necessidade de gerar novas e justas formas de autofinanciamento» da autarquia e a circunstância de o crescimento da cidade (aliado à deslocalização de empresas do centro da cidade para a periferia) estar a criar «’feridas’ que necessitam de urgente tratamento numa perspectiva de ordenamento urbano» e, mais concretamente, a «urgência de reordenar os espaços de armazém entretanto abandonados».

Com base nesse diagnóstico, declara-se que «decidiu a Câmara Municipal de V. N. de Gaia elaborar propostas, a desenvolver em terrenos detidos por privados, de parcerias mistas, visando a implementação de projectos imobiliários». E explicitando melhor o modelo adoptado, escreve-se o seguinte:

«No concreto, entendeu a Câmara Municipal de V. N. de Gaia dotar a empresa municipal Gaiasocial, E.M., de instrumentos de funcionamento político-legal, fazendo-a intervir e ser parte importante do desígnio de requalificação urbana, pensando na actividade da Gaiasocial, E.M., também como uma actividade empresarial dirigida ao autofinanciamento da Câmara Municipal de V. N. de Gaia. Concretizando um pouco mais, dir-se-á que cada projecto imobiliário constituirá o objecto de sociedades comerciais autónomas a criar, nas quais a Gaiasocial, E.M., deterá necessariamente as condições de domínio, repartindo-se os lucros da sociedade, em cujo património estará integrado o terreno a desenvolver imobiliariamente, no pro rata da participação da empresa municipal e dos privados interessados.

«A primeira parceria que a Câmara Municipal de V. N. de Gaia pretende levar a cabo foi já aprovada pela Câmara, na sua reunião de 25 de Novembro de 2002 e mereceu igualmente a aprovação da Assembleia Municipal no dia 19 de Dezembro de 2002.»

Conclui-se o ofício com a afirmação de que «dado a Câmara desejar dar passos seguros por forma a perenizar este tipo de opções, consideramos importante, dada a lógica inovadora introduzida, solicitar um parecer à Procuradoria-Geral da República».

Em anexo a essa carta do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, apresentou-se documentação relevante, que se passa a descrever.

O primeiro documento é uma “Certidão” relativa à reunião ordinária da Assembleia Municipal do dia 19 de Dezembro de 2002. Aí se certifica que, conforme deliberação constante da respectiva acta, «foi aprovada por maioria a proposta da Câmara Municipal quanto a autorizar a Gaiasocial, E.M., a participar na constituição de uma sociedade comercial, a constituir com parceiros privados, destinada à gestão e desenvolvimento do Projecto Imobiliário da Telheira».

Segue-se um documento com o título de “Proposta do Conselho de Administração da Gaiasocial para a Câmara Municipal relativamente ao Projecto Imobiliário da Telheira”. Nele comunica o Conselho de Administração da “Gaiasocial” a essa Câmara Municipal que «aprovou propor, ao abrigo da alínea f) do artigo 16º do Decreto-Lei nº 58/98, de 18 de Agosto, e ainda ao abrigo do artigo 16º, alínea f), dos Estatutos, que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia delibere (…) [a] autorização para a Gaiasocial, Empresa Municipal, participar na constituição de uma sociedade comercial, a constituir com parceiros privados, destinada à gestão e desenvolvimento de um projecto imobiliário a levar a cabo no terreno sito nas denominadas “Quinta da Telheira do Meio” e “Tapada Grande ou Mata de Fora”, Vilar do Paraíso, concelho de Vila Nova de Gaia, (…) devendo obrigatoriamente a Gaiasocial ter nessa sociedade uma posição de domínio, e estabelecendo-se que os lucros e perdas serão afectos aos sócios (…)». Na fundamentação da proposta, dá-se conta de uma alteração dos estatutos da referida empresa municipal, operada por deliberação camarária de 7 de Fevereiro de 2002, com o objectivo de conferir competências que visam a «realização de fins de promoção de desenvolvimento local» e a «prossecução de actividades lucrativas», e diz-se estar previsto pela “Gaiasocial” o «desenvolvimento de parcerias com terceiros privados, visando a implementação de projectos imobiliários em terrenos que venha a deter por si ou em compropriedade com privados». Especificamente, identifica-se o terreno supra mencionado como estando, desde já, em condições de ser objecto de um projecto imobiliário. Refere-se que esse terreno é constituído por imóveis que se encontram «degradados e sem qualquer outra possibilidade de requalificação», os quais «estão prometidos vender ao parceiro da Gaiasocial, que em conjunto com ela está disposto a prosseguir ali um projecto de desenvolvimento imobiliário». Em concreto, pretende-se que «a propriedade desse terreno seja transferida para uma sociedade a constituir, sociedade essa que, assumindo os direitos e deveres associados ao terreno e de acordo com os valores já desembolsados pelo parceiro, terá uma participação social de 85% para a Gaiasocial e 15% para esse parceiro». Sustenta-se ainda que o objecto da sociedade a formar coincide com o objecto da “Gaiasocial”, «na parte em que se prevê a detenção e negociação de bens imóveis, destinados ao desenvolvimento da habitação social ou inseridos no âmbito de projectos de requalificação urbana».

O terceiro documento consiste num projecto elaborado por Advogado sobre os trâmites a seguir pela “Gaiasocial“ na constituição da sociedade a formar. Depois de se informar que «o parceiro já celebrou contrato-promessa relativo ao terreno, tendo desembolsado importâncias a título de sinal», estabelecem-se os seguintes parâmetros daquilo que se designa de “operação”:

«1. Gaiasocial compra o terreno, adquirindo a posição contratual do parceiro (…).
2. Neste caso, o parceiro declara ter recebido o preço (igual ao que já desembolsou a título de sinal), constituindo esse preço a sua quota-parte no negócio imobiliário futuro.
3. Será constituída uma sociedade por quotas – que (…) virá a ser a dona do terreno (…). O parceiro participa na sociedade com uma quota proporcional ao valor percentual que pagou pelo terreno.
4. A sociedade pode e deve celebrar com a Gaiasocial ou terceiro a gestão imobiliária do projecto (…).
5. Haverá um acordo parassocial com o parceiro, definindo os termos do acordo global de intervenção (…).»

O documento seguinte consiste na informação de serviço prestada pela Divisão de Consultadoria Jurídica da Câmara Municipal acerca da anteriormente referida proposta da “Gaiasocial“. Nela afirma a respectiva consultora jurídica que «a criação de uma empresa, por parte da Gaiasocial, com o objectivo de desenvolvimento e gestão de projectos imobiliários, para além da habitação social, suscita-nos algumas dúvidas quanto a não ultrapassar o objecto da delegação efectuada pelo município nesta empresa municipal, que foi a habitação social e o desenvolvimento do parque habitacional da Câmara». Conclui-se com a sugestão de que seja colhida a opinião de um jurisconsulto, o que obteve concordância superior.

O quinto e último documento é, precisamente, o pretendido parecer ([6]), no qual se conclui que «uma empresa municipal pública está legalmente autorizada a constituir ou deter, conjuntamente com outras entidades, públicas ou privadas, uma sociedade comercial», embora se considere necessário, em termos de limites materiais, que qualquer acto a praticar por essa entidade «esteja compreendido na capacidade da empresa municipal» e que «a actividade de tal sociedade prossiga interesses públicos e esteja confinada às atribuições do município» – o que se sustenta ocorrer no caso concreto.

3. Tendo presentes todos estes elementos, cumpre, com as condicionantes inerentes à urgência pretendida, emitir parecer.


II


1. A questão a dirimir coloca-se no domínio da aplicação da Lei nº 58/98, de 18 de Agosto, identificada como Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais – e que doravante se passa a designar, abreviadamente, como Lei das Empresas Municipais ([7]).

Esta Lei veio colmatar uma carência de regulamentação numa matéria que se encontrava há algum tempo em estado de incerteza – a da possibilidade de criação de organismos de natureza empresarial pelos municípios.

Com efeito, já a primeira Lei das Autarquias Locais (LAL), de 1977 ([8]), previa que os municípios pudessem criar empresas públicas locais: nos termos da alínea o) do nº 1 do artigo 48º desse diploma, constituía competência da assembleia municipal «autorizar o município (…) a formar empresas municipais».

Também a subsequente LAL de 1984 ([9]) contemplava, no seu artigo 39º, nº 2, alínea g), a competência da assembleia municipal para «autorizar o município (…) a criar empresas públicas municipais», enquanto o artigo 51º, nº 3, alínea a), atribuía à câmara municipal competência para «elaborar e apresentar à assembleia municipal propostas e pedidos de autorização relativos às matérias constantes do nº 2 do artigo 39º». E a alínea h) do nº 2 do artigo 39º previa ainda a competência da assembleia municipal para «autorizar o município (…) a participar em empresas de âmbito municipal (…) que prossigam fins de reconhecido interesse público local e se contenham dentro das atribuições definidas para o município».

Até à entrada em vigor da citada Lei nº 58/98, persistiu a dúvida sobre se essas previsões das sucessivas Leis das Autarquias Locais seriam imediatamente exequíveis ou se careciam de intermediação regulamentar. Prevaleceu, dominantemente, o entendimento de que seria indispensável a existência de uma tal regulamentação ([10]), pelo que só com a edição da Lei das Empresas Municipais passaram a proliferar essas novas estruturas de natureza empresarial e de criação municipal ([11]).

As autarquias locais são entidades integradas na denominada “administração autónoma”, e não na administração indirecta do Estado ([12]), mas aquelas, por sua vez, podem-se organizar em termos de uma administração local directa, quando as suas atribuições são desenvolvidas por serviços integrados nas próprias autarquias, e de uma administração local indirecta, quando os respectivos fins são prosseguidos por pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia, em concretização de um processo de transferência de actividades antes exercidas pelas autarquias locais (devolução de poderes). É no quadro dessa administração local indirecta que avultam as empresas municipais ([13]).

A significativa adesão das autarquias locais ao modelo legal das empresas municipais pode justificar-se, como explica EDUARDO PAZ FERREIRA, pelo facto de possibilitar «o abandono de formas de gestão dos serviços públicos locais muito burocratizadas e sujeitas a legislação arcaica, permitindo o recurso a modelos mais ágeis para a satisfação das necessidades locais» ([14]).

A criação de empresas municipais insere-se, pois, num movimento de privatização das tarefas públicas municipais, que visa alcançar ganhos de eficiência e de economia, os quais tendem a acentuar-se quando se utilizam esquemas de parceria público-privada ([15]), na medida em que se consigam colher as vantagens da maior flexibilidade das empresas privadas e da sua capacidade financeira ([16]).

Trata-se, afinal, de uma manifestação da chamada “fuga do direito administrativo para o direito privado” ([17]). Porém, há que não olvidar que, como salienta MARIA JOÃO ESTORNINHO, ainda aí existe uma «incontornável vinculação jurídico-pública da actividade de ‘direito privado’» das entidades públicas em causa, que se traduz através do princípio da prossecução do interesse público, consagrado no nº 1 do artigo 266º da Constituição ([18]).

No caso específico do poder local, passou a entender-se, como o exprime LUÍS CABRAL DE MONCADA, que «os entes autárquicos têm plena capacidade para tomar iniciativas de vocação económica, quer subvencionando actividades privadas dessa natureza, quer criando empresas comerciais ou industriais regidas pelo direito privado, quer participando ainda nestas empresas», embora com as limitações decorrentes das suas próprias atribuições ([19]). É nesse quadro que se integra o aparecimento da Lei nº 58/98, com a qual, segundo JOÃO PACHECO DE AMORIM, «o legislador terá tentado conciliar o princípio da eficácia da iniciativa económica municipal (…) com a salvaguarda de um mínimo de ordem e de transparência no sector» ([20]).


2. O artigo 1º da Lei das Empresas Municipais delimita assim o seu âmbito:
«Artigo 1º
Âmbito

1 - A presente lei regula as condições em que os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem criar empresas dotadas de capitais próprios.
2 - As entidades referidas no número anterior podem criar, nos termos do presente diploma, empresas de âmbito municipal, intermunicipal ou regional, doravante denominadas empresas, para exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições.
3 - Para efeitos da presente lei, consideram-se:
a) Empresas públicas, aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham a totalidade do capital;
b) Empresas de capitais públicos, aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham participação de capital em associação com outras entidades públicas;
c) Empresas de capitais maioritariamente públicos, aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham a maioria do capital em associação com entidades privadas.»

Numa abordagem preliminar, verifica-se que o diploma prevê a criação de três modalidades de empresas municipais, em função da composição do capital estatutário: empresas públicas, empresas de capitais públicos e empresas de capitais maioritariamente públicos. No primeiro caso, trata-se de entidades de tipo institucional – que têm evidente afinidade, no plano estadual, com as empresas públicas da anterior lei geral das empresas públicas [Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril ([21])], correspondentes às entidades públicas empresariais do actual estatuto das empresas públicas (Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro) ([22]). Nos outros dois casos, estamos perante entidades de tipo corporativo ou associativo – que constituem expressão da designada “destipificação das pessoas colectivas institucionais” ([23]).

Saliente-se que só nas empresas de capitais maioritariamente públicos ocorre a associação entre capitais públicos e privados, segundo um modelo em que a parceria público-privada se consubstancia na formação de uma empresa de economia mista, aqui com o capital detido por privados em posição necessariamente minoritária.

Existe, assim, uma clara diferença de estrutura entre as três modalidades de empresas municipais. E daí decorrem diferenças sensíveis: as empresas municipais públicas e de capitais públicos estão sujeitas a poderes de superintendência (artigo 16º da Lei nº 58/98), embora mitigados em relação às segundas (artigo 23º); essas mesmas empresas de capitais públicos, juntamente com as empresas de capitais maioritariamente públicos, têm, por sua vez, uma configuração societária que atribui poderes às respectivas Assembleias Gerais (artigo 20º); mas as empresas de capitais maioritariamente públicos têm a particularidade de não estarem sujeitas a quaisquer poderes de superintendência e tutela, o que confere uma autonomia plena aos seus órgãos societários – sem prejuízo de o controlo dessas empresas caber ao sócio ou sócios públicos maioritários, ainda que exercidos através da Assembleia Geral, como expressão da designada “função accionista” do ente ou entes públicos que as compõem.

No entanto, apesar dessas diferenças, a Lei das Empresas Municipais, no seu artigo 3º, estabelece um regime único para as três modalidades de empresas municipais, em termos de direito aplicável e segundo graus sucessivos: a própria Lei nº 58/98; o estatuto particular da respectiva empresa; o regime das empresas públicas – menção que, por se considerar originariamente respeitante ao regime do mencionado Decreto-Lei nº 260/76, se considera actualmente reportada ao Capítulo III do Decreto-Lei nº 558/99 ([24]); as demais disposições previstas neste último diploma; e as normas aplicáveis às sociedades comerciais ([25]). Essa unicidade de regimes levou mesmo JOÃO PACHECO DE AMORIM a considerar comum às três espécies de empresas municipais a sua natureza jurídico-organizatória, que permitiria tratá-las a todas como pessoas colectivas públicas. Mas, numa outra perspectiva, não deixa de ser notório que só as empresas públicas municipais estão indiscutivelmente próximas do regime das clássicas empresas públicas (Capítulo III do Decreto-Lei nº 558/99), sendo maior a afinidade das empresas de estrutura societária, pelo menos as de capitais maioritariamente públicos, com as sociedades comerciais – o que permitiria conferir-lhes, afinal, natureza privada ([26]).


3. Contudo, a utilização de formas de organização jurídico-privada pelos municípios não se esgota na possibilidade de criação de empresas municipais, nos termos descritos.

Com efeito, a Lei nº 58/98 prevê, desde logo, no nº 2 do artigo 4º, a «participação em empresas já constituídas», embora seja de sustentar, pelo seu enquadramento sistemático, que essa norma se refira à participação em empresas municipais (e não outro tipo de empresas) previamente constituídas por iniciativa de outro ou outros municípios ([27]).

Mas, para além disso, a Lei das Empresas Municipais, contempla ainda a participação dos municípios em empresas privadas, no seu artigo 40º:
«Artigo 40º
Participação em empresas privadas

Os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem participar nos termos do disposto no nº 2 do artigo 1º, no capital das empresas privadas.»


E note-se que a lei não exige que essa participação dos municípios em sociedades comerciais seja de carácter maioritário ou minoritário – ao legislador é indiferente que os municípios tenham ou não preponderância na gestão dessas entidades privadas. Ou seja, pode tratar-se de uma actuação no plano do direito privado que esteja justificada por meras razões de ordem financeira, como a obtenção de receitas. Aliás, é a própria Lei das Finanças Locais ([28]) que prevê como “receitas dos municípios” a «participação nos lucros das sociedades e nos resultados de outras entidades em que o município tome parte» [artigo 16º, alínea l)] ([29]).

A lei apenas impõe, através da referência ao nº 2 do artigo 1º, que essas “empresas privadas” se dediquem – como se lê no citado preceito – «à exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições». Em todo o caso, sabendo-se que as sociedades têm um escopo lucrativo, é de aceitar que a exploração dessas actividades de interesse público se desenvolva segundo uma lógica de obtenção de lucro, de acordo com os interesses dos sócios privados ([30]).

4. A globalidade desse regime de organização jurídico-privada dos municípios veio, aliás, a ser recebida na Lei nº 159/99, de 14 de Setembro ([31]), e na Lei nº 169/99, de 18 de Setembro (actual LAL) ([32]).

Quanto ao primeiro diploma, reza assim o seu artigo 10º:
«Artigo 10º
Participação em empresas

Os municípios podem criar ou participar, nos termos da lei, em empresas de âmbito municipal e intermunicipal para a prossecução de actividades de interesse público ou de desenvolvimento regional e local cujo objecto se contenha no âmbito das suas atribuições e competências.»


Na actual LAL, o seu artigo 53º define as competências da assembleia municipal, de que se destacam as seguintes ([33]):
«Artigo 53º
Competências

(…)
2 - Compete à assembleia municipal, em matéria regulamentar e de organização e funcionamento, sob proposta da câmara:
(…)
l) Municipalizar serviços, autorizar o município, nos termos da lei, a criar empresas públicas municipais e fundações e a aprovar os respectivos estatutos, assim como a criar e participar em empresas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, fixando as condições gerais da participação;
m) Autorizar o município, nos termos da lei, a integrar-se em associações e federações de municípios, a associar-se com outras entidades públicas, privadas ou cooperativas e a criar ou participar em empresas privadas de âmbito municipal, que prossigam fins de reconhecido interesse público local e se contenham dentro das atribuições cometidas aos municípios, em quaisquer dos casos fixando as condições gerais dessa participação;
(…)»

Apreciando essas previsões de criação ou participação dos municípios em empresas, pode dizer-se que esses dois diplomas (o primeiro de forma mais genérica, o segundo já de forma especificada) contemplam quer a criação ou participação em empresas municipais, quer a criação ou participação em empresas privadas de âmbito municipal ([34]) – embora, quanto a este último ponto, só a Lei nº 169/99 seja inequívoca.

Porém, ao explicitar-se, como resulta do artigo 53º, nº 2, alínea m), da LAL, a possibilidade de criação de empresas privadas, vai-se semanticamente mais longe que a própria Lei das Empresas Municipais, a qual, como vimos, apenas prevê, no seu artigo 40º, a participação dos municípios no capital de empresas privadas – o que, logicamente, impõe que o vocábulo “participação” deve ser interpretado em sentido lato, de modo a incluir não só a participação em empresas já constituídas (como literalmente sugere a expressão), mas também a participação constitutiva de empresas (ou seja, a sua criação). Isto significa que os municípios podem constituir sociedades comerciais ([35]), nas quais os municípios poderão deter a maioria ou a totalidade do capital social ([36]).

Existe, pois, no actual contexto legal, uma grande margem de liberdade dos municípios na escolha das formas jurídico-organizatórias de prossecução das suas atribuições. Podem não só constituir e integrar empresas municipais, como também sociedades comerciais, inclusive de capitais total ou maioritariamente públicos.

Porém, não se pode perder de vista a noção de que as pessoas colectivas públicas não têm uma plena liberdade de iniciativa económica em termos de actividade empresarial, sob pena de se afrontar a liberdade de iniciativa económica privada dos particulares ([37]).

A nossa Constituição protege a iniciativa privada (artigo 61º, nº 1) e põe a cargo do Estado as incumbências de «garantir a equilibrada concorrência entre as empresas» [artigo 81º, alínea e)] e de incentivar a actividade empresarial dos privados (artigo 86º, nº 1), admitindo a intervenção do Estado na gestão de empresas privadas apenas em condições excepcionais (artigo 86º, nº 2). Estas disposições parametrizam a iniciativa empresarial dos entes públicos, constituindo necessário limite à sua “autonomia privada” a existência de um interesse público justificativo da intervenção pública na economia privada ([38]).

5. Procurando fazer já uma primeira aproximação ao caso sub iudicio, dir-se-ia inexistir impedimento à formação de uma sociedade comercial, estruturada a partir de uma parceria público-privada, em que o município detivesse 85% do capital e o parceiro privado detivesse os restantes 15%, desde que essa empresa privada se destinasse à realização de atribuições autárquicas.

No entanto, no presente caso, não é o município que se pretende que participe na sociedade comercial a constituir, mas antes uma empresa pública municipal – ou seja, uma empresa integralmente detida pelo respectivo município.

A questão está em saber se o regime legal que vimos aplicar-se à participação de municípios em empresas privadas se pode extrapolar para formas de participação indirecta dos municípios – por via de uma empresa municipal – no capital de sociedades comerciais.

6. A Lei das Empresas Municipais contém essencialmente o regime de constituição das empresas municipais pelos municípios e da intervenção destes na gestão daquelas, não regulando de forma expressa e minuciosa a participação de empresas públicas municipais no capital de sociedades comerciais. Contudo, existem no diploma duas disposições em que aflora essa possibilidade de participação: a alínea f) do artigo 16º e a alínea e) do nº 1 do artigo 34º.

Reza assim o primeiro desses preceitos:
«Artigo 16º
Poderes de superintendência

As câmaras municipais, os conselhos de administração das associações de municípios e as juntas regionais, consoante o caso, exercem, em relação às empresas, os seguintes poderes:

(…)
f) Autorizar a aquisição de participações no capital de sociedades;
(…)»


A segunda norma refere-se aos instrumentos de prestação de contas das empresas municipais nos seguintes termos:
«Artigo 34º
Documentos de prestação de contas

1 - Os instrumentos de prestação de contas das empresas, a elaborar anualmente com referência a 31 de Dezembro, são os seguintes, sem prejuízo de outros previstos nos seus estatutos ou em outras disposições legais:
(…)
e) Relação das participações no capital de sociedades e dos financiamentos concedidos a médio e longo prazos;
(…)»

Embora sem desenvolvimentos, as disposições transcritas ilustram claramente que o legislador admite a participação das próprias empresas municipais em sociedades comerciais, não se vislumbrando razão para distinguir entre situações em que a empresa municipal participa ab initio na empresa privada e aquelas em que a empresa municipal vem a participar na sociedade já depois da constituição desta. O legislador não estabelece essa distinção e não caberá ao intérprete fazê-la, na falta de justificação plausível. E a significativa liberdade de iniciativa económica dos entes públicos, a que aludimos supra, aponta para a desnecessidade de tal diferenciação.

Apenas se afigura evidente que a participação de empresas municipais no capital social de sociedades comerciais (constituídas ou a constituir) deve ainda respeitar a limitação expressamente estabelecida na lei para a participação dos próprios municípios: a de que essas empresas privadas, nos termos do nº 2 do artigo 1º, ex vi do artigo 40º, da Lei nº 58/98, «prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições» ([39]). Trata-se, afinal, de operar uma interpretação extensiva do artigo 40º (o legislador minus dixit quam voluit), de forma a incluir ainda nele a participação indirecta dos municípios no capital social de empresas privadas. A não ser imposta aquela limitação, a participação de empresas municipais em empresas privadas daria aos municípios a possibilidade de contornarem as condicionantes desse artigo 40º, na medida em que permitiria uma actividade empresarial livre dos municípios (por interposta entidade) com prejuízo da iniciativa privada constitucionalmente protegida ([40]).


7. Assente, em tese, a possibilidade legal de constituição de uma sociedade comercial com participação de uma empresa pública municipal em parceria com uma entidade privada, coloca-se então a questão de saber se a actividade a desenvolver por essa empresa privada se integra no quadro das atribuições do município ([41]). É o que passaremos a aferir, tomando por referência o caso concreto.


III


1. Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «a função das autarquias locais é a prossecução dos interesses próprios das populações respectivas» ([42]). E acrescentam: «Relativamente à individualização dos interesses próprios, o princípio fundamental é o da universalidade ou da generalidade: a autarquia local prossegue, em princípio, nos termos da lei, todos os interesses próprios das populações – são pessoas colectivas de fins múltiplos –, cabendo porém à lei delimitar as atribuições de cada categoria de autarquias de acordo com o princípio da descentralização» ([43]).

Quanto à delimitação das respectivas atribuições, esclarecem os mesmos autores que «a Constituição é totalmente omissa quanto à definição concreta das matérias de competência autárquica, excluída a indicação do art. 65º-4», sobre habitação e urbanismo ([44]). O artigo 237º, nº 1, limita-se a afirmar que «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa».

Há, portanto, uma devolução da regulamentação das atribuições autárquicas para a lei ordinária. Aí releva, desde logo, como parâmetro o princípio da especialidade, segundo o qual as pessoas colectivas apenas têm capacidade para a prática dos actos «necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins» ([45]). Mas como as autarquias devem prosseguir, com carácter de universalidade, todos os interesses dos residentes, o referido princípio é manifestamente compatível com uma dimensão ampla do quadro de atribuições autárquicas, como aquele que resulta do disposto nas Leis nos 159/99 e 169/99 ([46]).


2. Estando o caso sub iudicio relacionado com as matérias de habitação e urbanismo, importa ter presente o que estabelece a Lei nº 159/99 em matéria de atribuições dos municípios, e que abrangem os domínios da “habitação” [artigo 13º, nº 1, alínea i)] e do “ordenamento do território e urbanismo” [artigo 13º, nº 1, alínea o)].

Quanto à habitação, rege especificamente o artigo 24º:
«Artigo 24º
Habitação

Compete aos órgãos municipais:
a) Disponibilizar terrenos para a construção de habitação social;
b) Promover programas de habitação a custos controlados e de renovação urbana;
c) Garantir a conservação e manutenção do parque habitacional privado e cooperativo, designadamente através da concessão de incentivos e da realização de obras coercivas de recuperação dos edifícios;
d) Fomentar e gerir o parque habitacional de arrendamento social;
e) Propor e participar na viabilização de programas de recuperação ou substituição de habitações degradadas, habitadas pelos proprietários ou por arrendatários.»

No que tange ao tema do ordenamento do território e urbanismo, dispõe assim o artigo 29º:
«Artigo 29º
Ordenamento do território e urbanismo

Compete aos órgãos municipais, em matéria de ordenamento do território e urbanismo:
a) Elaborar e aprovar os planos municipais de ordenamento do território;
b) Delimitar as áreas de desenvolvimento urbano e construção prioritárias com respeito pelos planos nacionais e regionais e pelas políticas sectoriais;
c) Delimitar as zonas de defesa e controlo urbano, de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, dos planos de renovação de áreas degradadas e de recuperação de centros históricos;
d) Aprovar operações de loteamento;
e) Participar na elaboração e aprovação do respectivo plano regional de ordenamento do território;
f) Propor a integração e a exclusão de áreas na Reserva Ecológica Nacional e na Reserva Agrícola Nacional;
g) Declarar a utilidade pública, para efeitos de posse administrativa, de terrenos necessários à execução dos planos de urbanização e dos planos de pormenor plenamente eficazes;
h) Licenciar, mediante parecer vinculativo da administração central, construções nas áreas dos portos e praias.»


3. É à luz destas atribuições que cabe analisar o objecto social da empresa municipal criada pelo Município de Vila Nova de Gaia em matéria habitacional, sob a denominação de “Gaiasocial – Empresa Municipal de Habitação, EM” (abreviadamente, “Gaiasocial, EM”).

A empresa foi constituída, por escritura pública, em 20 de Março de 2000, com base em deliberações da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal, ficando definido o seu objecto, no artigo 3º dos respectivos Estatutos ([47]), nos seguintes termos:

«1 - A “Gaiasocial, EM” tem como objecto, por delegação da Câmara Municipal, a gestão e a exploração do parque habitacional da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.
2 - Acessoriamente, a empresa poderá exercer outras actividades relacionadas com o seu objecto.»

Complementarmente, o artigo 11º, nº 1, dos Estatutos enuncia um conjunto vasto de competências do Conselho de Administração, de que se destacam as relativas à construção imobiliária:

«1 - Compete ao Conselho de Administração praticar todos os actos necessários à gestão da empresa, nomeadamente:
(…)
b) Promover a execução do Programa Especial de Realojamento, construindo ou adquirindo habitações de custos controlados, respectivas infra-estruturas urbanísticas e equipamentos de apoio;
(…)
k) Assegurar a execução dos diversos programas habitacionais concretizados por acordos celebrados entre a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a Administração Central, nomeadamente os Programas RECRIA, RECRIPH, REABITA, IORU ou outros que venham a ser criados;
l) Apoiar a construção, construir ou adquirir habitações a custos controlados, no âmbito dos Programas HABITAÇÃO JOVEM e PER-FAMÍLIAS;
m) Adquirir ou construir habitações ou equipamentos em terrenos para o efeito;
(…)»

Os mencionados Estatutos vieram a ser alterados por escritura pública de 3 de Outubro de 2002. As indicadas alíneas do artigo 11º não sofreram qualquer mudança [apenas as alíneas l) e m) passaram a ser as alíneas m) e n)], mas foi significativamente ampliado o objecto social da “Gaiasocial, EM”. Essa modificação teve lugar já com o objectivo – conforme supra assinalado – de dotar a empresa de condições para a pretendida «implementação de projectos imobiliários», de que constitui primeiro exemplo o identificado “Projecto Imobiliário da Telheira”. Com essa alteração passou a redacção do citado artigo 3º a ser a seguinte:

«1 - A “Gaiasocial, EM” tem por objecto o desenvolvimento da habitação social no concelho de Vila Nova de Gaia e a gestão e exploração do parque habitacional da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.
2 - A “Gaiasocial, EM” poderá proceder à aquisição de bens imóveis necessários ao desenvolvimento do seu objecto, bem como à aquisição e alienação de imóveis no âmbito de projectos de requalificação urbana, aprovados pela Câmara Municipal, e ainda à realização de quaisquer obras de requalificação urbana.
3 - Acessoriamente, a “Gaiasocial, EM” poderá exercer outras actividades relacionadas com o seu objecto.»

Do confronto das duas redacções sucessivas dos Estatutos da empresa municipal em causa decorre que a “Gaiasocial, EM” começou por se ocupar da gestão e exploração do parque habitacional municipal, a que depois se aditaram, na delimitação do seu objecto social, as atribuições de desenvolvimento da habitação social e de intervenção em projectos de requalificação urbana (seja por via da realização de obras, seja por via da transacção de imóveis).

Quanto ao desenvolvimento da habitação social, pode dizer-se que já antes da alteração dos Estatutos estes previam a construção de habitação de componente social, como se evidencia das transcritas alíneas do artigo 11º e da sua referência a vários programas habitacionais, designadamente de custos controlados – pelo que a recente introdução de uma expressa menção à habitação social apenas significará o reforço de uma vertente, desde sempre existente, da actividade da “Gaiasocial, EM”. Já a intervenção em projectos de requalificação urbana constitui um segmento claramente inovador dessa actividade.

Mas se compararmos as atribuições estatutárias da “Gaiasocial, EM” com as atribuições legais dos municípios, verificaremos que aquelas se contêm plenamente no elenco de competências dos órgãos municipais em matéria de habitação e urbanismo. Vimos já como os artigos 24º e 29º da Lei nº 159/99 se referem à «construção de habitação social» [artigo 24º, alínea a)], à promoção de «programas de habitação a custos controlados» ou de programas de «renovação urbana» [artigo 24º, alínea b)], à gestão do «parque habitacional de arrendamento social» [artigo 24º, alínea d)], à «recuperação e reconversão urbanística» [artigo 29º, alínea b)] e à «renovação de áreas degradadas» [artigo 29º, alínea c)] – expressões que têm paralelo nos diferentes componentes do objecto social da empresa municipal em causa.

Afigura-se, pois, seguro que o objecto social da empresa municipal “Gaiasocial, EM”, em qualquer das suas versões, tem correspondência na fórmula utilizada pelo nº 2 do artigo 1º da Lei nº 58/98: «exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições».


4. Como se descreveu no início, pretende-se com a presente consulta saber se a “Gaiasocial, EM” pode «constituir parcerias com privados, as quais visem a implementação e desenvolvimento de projectos imobiliários», invocando-se a sua adequação no quadro da requalificação urbana do município.

Olhando ao objecto social da “Gaiasocial, EM”, constata-se que a questão se coloca, não no domínio da habitação social ou da gestão do parque habitacional, mas apenas, e tão-só, no da requalificação urbana.

Ora, está já assente que a “Gaiasocial, EM”, enquanto empresa municipal, pode, por si própria, desenvolver actividades de requalificação urbana, por se tratar de matéria incluída nas atribuições municipais e, simultaneamente, no seu próprio objecto.

Por outro lado, vimos também que uma empresa municipal pode participar no capital social de sociedades comerciais ([48]), desde que estas desenvolvam actividade enquadrável nas atribuições municipais, bem como (e enquanto decorrência do princípio da especialidade) nas atribuições principais da respectiva empresa municipal ([49]).

Daqui se deduz que a “Gaiasocial, EM” pode constituir uma sociedade comercial que se dedique a actividade caracterizável como de requalificação urbana ([50]).

Resta então apurar, no caso em apreço, se a actividade a ser desenvolvida pela empresa privada que se pretende constituir integra o conceito de requalificação urbana – do que dependerá a licitude da constituição dessa sociedade. Para tanto importa aprofundar aquele conceito e confrontá-lo com o concreto projecto imobiliário a realizar por essa empresa privada.


IV


1. O conceito de requalificação urbana encontra-se associado à matéria do urbanismo e é frequentemente utilizado na legislação relativa ao planeamento urbanístico. Porém, não se vislumbra, no ordenamento jurídico português, uma definição legal clarificadora. Trata-se, seguramente, de um conceito indeterminado, fluido, cuja densificação, se deve ser ensaiada a partir do estudo dos seus diferentes afloramentos na legislação, nunca se pode assumir como definitiva.

Como momentos paradigmáticos da utilização do conceito de requalificação urbana apresentam-se, por um lado, o «projecto de reconversão urbanística da zona de intervenção da EXPO 98» ([51]), e, por outro, o «Programa Polis – Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Cidades» ([52]).

Na primeira situação, estavam em causa, para utilizar expressões respigadas dos pertinentes diplomas (e a título meramente exemplificativo), aspectos como: «oportunidade irrepetível para promover um adequado reordenamento urbano, (...) pela renovação de um tecido urbano onde se observam preocupantes índices de degradação, designadamente ambiental» (do Decreto-Lei nº 87/93); «devolver à vida urbana um espaço privilegiado, até agora subaproveitado e degradado» (do Decreto nº 16/93); «recuperação e reconversão urbanística da zona, por forma a ser possível proporcionar, não só a sua plena e correcta utilização urbana, disponibilizando infra-estruturas urbanísticas, de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes, mas também a correcção das deficientes condições de segurança e salubridade existentes» (idem); «localizar a EXPO 98 numa área urbana degradada, pelo evidente benefício resultante da intervenção programada em termos da sua recuperação e reconversão» (do Decreto-Lei nº 354/93).

Na segunda situação, tratava-se, designadamente, de: «criar espaços de qualidade onde só tem havido abandono e degradação»; «melhorar a qualidade de vida nas cidades, através de intervenções nas vertentes urbanística e ambiental»; «desenvolver acções que contribuam para a requalificação e revitalização de centros urbanos», face a um «processo acelerado de degradação de património edificado, em vastas zonas do “casco” urbano, nas periferias mais antigas e nos bairros sociais associado à inexistência de estímulos de mercado à reabilitação urbana»; «apoiar (…) acções de requalificação que permitam melhorar a qualidade do ambiente urbano e valorizar a presença de elementos ambientais estruturantes»; «apoiar iniciativas que visem aumentar as zonas verdes, promover áreas pedonais e condicionar o trânsito automóvel em centros urbanos».

A partir destes extractos sintomáticos é possível estabelecer uma noção de requalificação urbana cujo traço essencial se exprime na recuperação de áreas urbanas degradadas ([53]).

Será que o empreendimento projectado pela “Gaiasocial, EM”, juntamente com o seu parceiro privado, para a zona da Telheira, se inscreve nessa difusa noção de requalificação urbana?


2. Pretende-se constituir uma empresa privada que se propõe construir e explorar um empreendimento imobiliário. Trata-se, pois, de uma actividade relacionada com os domínios da habitação e urbanismo – que, como vimos, constituem, genericamente, matérias nobres da função autárquica. Não estamos, portanto, perante actividades manifestamente fora do âmbito das atribuições municipais ([54]).

Afirma-se, em relação ao projecto já em vias de concretização, na zona da Telheira, que estão em causa imóveis que se encontram «degradados e sem qualquer outra possibilidade de requalificação» e que o objecto da sociedade a formar coincide com o objecto da “Gaiasocial, EM”, «na parte em que se prevê a detenção e negociação de bens imóveis, destinados ao desenvolvimento da habitação social ou inseridos no âmbito de projectos de requalificação urbana».

No entanto, faltam no processo elementos que permitam contrariar essas afirmações. Temos, por isso, de as tomar como correspondentes à realidade dos factos.

Assim, se, efectivamente, esse empreendimento imobiliário tiver a virtualidade de produzir, de forma indiscutível, a revalorização (funcional, estética e ambiental) de uma zona urbana degradada da área do município, então não oferecerá dúvidas de que o objecto da sociedade a formar para exploração desse empreendimento se enquadra no âmbito das atribuições municipais – com o que se cumpre a exigência decorrente do artigo 40º da Lei nº 58/98 para a participação indirecta de um município (através de empresa municipal) numa empresa privada.

Serve tal juízo concreto sobre esse empreendimento como critério geral de aferição para outros de idêntica natureza que se lhe possam seguir (e já antecipados pela “Gaiasocial, EM”): os empreendimentos imobiliários a desenvolver por sociedades comerciais constituídas com base em parcerias público-privadas (isto é, com o capital social repartido entre a empresa pública municipal e sócio ou sócios privados, designadamente com o primeiro em posição maioritária) devem ter, para além do seu necessário escopo lucrativo, uma notória componente de recuperação de zonas urbanas degradadas da área do respectivo município – como condição para a realização do desiderato da requalificação urbana que, enquanto atribuição municipal (e integrante do objecto dessa empresa municipal), legitima a participação daquela empresa nas respectivas empresas privadas.


V


Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª) A Lei nº 58/98, de 18 de Agosto (Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais) veio permitir a utilização pelos municípios de diferentes formas de organização jurídico-privada, como a criação de empresas municipais ou a participação no capital social de empresas privadas, com a condição de essas empresas terem por objecto social a exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público que se contenham no âmbito das atribuições municipais, nos termos do nº 2 do artigo 1º do diploma (ex vi do artigo 40º, quanto à participação em empresas privadas);

2ª) Esse diploma admite ainda que as empresas municipais possam, por sua vez, participar no capital de sociedades comerciais, ab initio ou já depois da sua constituição, conforme resulta do disposto na alínea f) do artigo 16º e na alínea e) do nº 1 do artigo 34º, ambas da Lei nº 58/98, devendo também nesses casos respeitar-se a limitação legal estabelecida para a participação dos próprios municípios no capital dessas empresas privadas (e referida na conclusão anterior);

3ª) Nesse contexto, é legalmente possível a constituição de uma sociedade comercial com participação de uma empresa pública municipal, designadamente em parceria com uma entidade privada, ao abrigo do artigo 40º da Lei nº 58/98 (interpretado extensivamente), desde que a actividade a desenvolver por essa empresa privada se integre no quadro das atribuições do município e, simultaneamente, no objecto da empresa pública municipal;

4ª) Uma empresa pública municipal, que inclua no seu objecto a realização de actividades de requalificação urbana, pode constituir uma sociedade comercial (designadamente em parceria público-privada) cujo objecto venha a ser a construção e exploração de um empreendimento imobiliário, desde que este tenha a virtualidade de produzir uma notória recuperação de zonas urbanas degradadas da área do respectivo município.






([1]) Através do ofício nº 912, de 27 de Janeiro de 2003, com registo de entrada na Procuradoria-Geral da República datado do dia 29 subsequente.
([2]) Trata-se do ofício nº 44, de 14 de Janeiro de 2003, de que se juntou cópia ao ofício referido na nota antecedente.
([3]) Pelo ofício nº 6276, de 6 de Fevereiro de 2003.
([4]) Mediante carta dirigida ao Ex.mo Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, datada de 18 de Março de 2003.
([5]) Conforme fax recebido no processo em 8 de Abril de 2003.
([6]) Da autoria de CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, com a colaboração de JORGE SIMÕES CORTEZ. Para melhor percepção dos termos da respectiva consulta, refira-se que a questão formulada apresentava o seguinte teor: «Uma empresa municipal pública pode constituir, em conjunto com um ente privado, uma sociedade comercial, de capitais maioritariamente públicos (leia-se municipais), para prosseguir actividades compreendidas nas respectivas atribuições?».
([7]) Note-se que as empresas intermunicipais, cuja designação se deve ao facto de a sua criação caber a dois ou mais municípios (i.e., associações de municípios, formais ou não), ainda são, em rigor, “empresas municipais”, ditas de segundo grau (assim, JOÃO PACHECO DE AMORIM, As Empresas Públicas no Direito Português. Em especial, as Empresas Municipais, Almedina, Coimbra, 2000, p. 44). Por sua vez, as empresas regionais (reportadas às regiões administrativas, e não às regiões autónomas da Madeira e dos Açores) não têm existência real, em face do resultado negativo do referendo de 1998 sobre regionalização. Nesta conformidade, a designação abreviada de Lei das Empresas Municipais atribuída à Lei nº 58/98 mantém o rigor técnico – enquanto reportada a um conceito lato de empresas municipais (a que alude JOÃO PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 49) – e é adequada à actual realidade jurídica.
([8]) Lei nº 79/77, de 25 de Outubro.
([9]) Lei nº 100/84, de 29 de Março, rectificada pela Declaração publicada no Diário da República, I Série, de 30 de Junho de 1984, e alterada pelas Leis nos 25/85, de 12 de Agosto, 18/91, de 12 de Junho, e 35/91, de 27 de Julho.
([10]) Na doutrina atribui-se à Direcção-Geral da Administração Autárquica esse entendimento jurídico, o qual teria feito curso junto dos municípios, não sem que se assinalem duas situações excepcionais de criação de empresas municipais, anteriormente à Lei nº 58/98 – uma no município de Ribeira de Pena e outra no de Loures, sendo criada no primeiro uma empresa para produção local de energia eléctrica e no segundo uma empresa para exploração de parques municipais de estacionamento (neste sentido, JOÃO PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pp. 34-38). É ainda salientado na doutrina o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Junho de 1990 (in Boletim do Ministério da Justiça, nº 398, pp. 370-374), que, segundo as palavras de EDUARDO PAZ FERREIRA, «aceitou a legalidade da criação de uma empresa municipal, apesar desse vazio legislativo» (Lições de Direito da Economia, AAFDL, Lisboa, 2001, p. 285).
([11]) MARCELO REBELO DE SOUSA comenta nestes termos o fenómeno: «A ironia do destino é, porém, a de as ‘empresas públicas’ – passadas de moda como forma de devolução de poderes por parte do Estado-Administração – estarem a conhecer um sucesso apreciável como modalidade de devolução de poderes por parte das autarquias locais» (Lições de Direito Administrativo, Volume I, Lex, Lisboa, 1999, p. 293).
([12]) Assim GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 881, e DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1994, p. 419. Este autor define nestes termos a administração autónoma: «é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou à superintendência do Governo».
([13]) Sobre este ponto, v. parecer de SÉRVULO CORREIA e MAFALDA CARMONA sobre constituição de uma empresa municipal de capitais maioritariamente públicos, não publicado, a que tivemos acesso.
([14]) Ob. cit., p. 290.
([15]) O recente Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, veio estabelecer «normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, concepção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das parcerias público- -privadas» (do artigo 1º) e contém uma definição de parceria público-privada para efeitos do diploma: «o contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado» (artigo 2º, nº 1). O diploma, no entanto, parece ter apenas incidência no plano estadual, e não no autárquico.
([16]) Sobre este tópico, v. parecer de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e MARIA FERNANDA MAÇÃS sobre questões relativas à Lei das Empresas Municipais, não publicado, a que pudemos aceder.
([17]) Acerca deste fenómeno, cfr. MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado: Contributo para o estudo da actividade de direito privado na Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1996. A aludida fuga pode justificar-se, singelamente, como o faz JOÃO PACHECO DE AMORIM, nestes termos: «cada vez mais o Estado e as restantes pessoas colectivas públicas de população e território se tentam libertar do espartilho do direito público e das apertadas regras da contabilidade pública, recorrendo a instrumentos e formas de direito privado para mais eficazmente prosseguirem as respectivas atribuições (ob. cit., p. 41).
([18]) Ob. cit., p. 173.
([19]) Direito Económico, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 194. Diz ainda o autor: «Contudo, a actividade empresarial deve ter uma relação directa e imediata com as atribuições autárquicas, sendo admissível na sequência e por causa delas. Não basta uma mera relação indirecta e mediata, muito embora vocacionada para estes fins. A actividade empresarial deve existir por causa e para desempenho necessário da prossecução das atribuições autárquicas, de modo que o seu objecto seja como que um prolongamento natural da actividade autárquica» (ob. cit., p. 191).
([20]) Ob. cit., p. 42.
([21]) Alterado pelos Decretos-Leis nºs 353-A/77, de 29 de Agosto, 25/79, de 19 de Fevereiro, 29/84, de 20 de Janeiro, e pela Lei nº 16/90, de 20 de Julho.
([22]) O diploma foi já objecto de atenção deste Conselho Consultivo, designadamente nos pareceres nºs 2/2000, de 6 de Abril de 2000, e 44/2002, de 27 de Junho de 2002, pelo que se justifica, brevitatis causa, recuperar aqui algumas das afirmações aí produzidas sobre a caracterização do novo regime legal. Sintetiza o parecer nº 44/2002: «O novo regime jurídico do sector empresarial do Estado, instituído pelo Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, adoptou, por adaptação do direito comunitário, uma concepção ampla de empresa pública, nela incluindo, além de entidades de base institucional, tidas como pessoas colectivas de direito público, outras organizações empresariais de estrutura societária dotadas de personalidade jurídica de direito privado.» Desse alargamento do conceito resulta, como já se notara no parecer nº 2/2000, que «empresas públicas são, em primeira linha, aquelas em que o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer uma influência dominante, isto é, as do nº 1 do artigo 3º» e que «em segunda linha, se continuam a configurar como empresas públicas aquelas que até agora eram o paradigma, e que passam a designar-se por “entidades públicas empresariais”». E concluiu-se: «(...) as entidades públicas empresariais do novo regime das empresas públicas são as sucessoras das empresas públicas do Decreto-Lei nº 260/76». Refira-se ainda que o artigo 5º do Decreto-Lei nº 558/99 alude à existência de um sector empresarial municipal.
([23]) Assim JOÃO PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 46.
([24]) É o seguinte o teor da referida norma: «As remissões constantes de quaisquer diplomas, legais ou regulamentares, para o regime do Decreto-Lei n.º 260/76 entendem-se feitas para as disposições do capítulo III, sem prejuízo da aplicação, quando for o caso, das demais disposições previstas no presente diploma.»
([25]) Reza assim o citado preceito, sob a epígrafe «Direito aplicável»: «As empresas regem-se pela presente lei, pelos respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime das empresas públicas e, no que neste não for especialmente regulado, pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais.» Sobre este ponto, v. JOÃO PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pp. 61-65.
([26]) Neste sentido, o aludido parecer de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e MARIA FERNANDA MAÇÃS, em que se considera ser o Capítulo III do Decreto-Lei nº 558/99 apenas aplicável subsidiariamente às empresas públicas municipais, sob pena de incongruência, e no qual se conclui que «as empresas de capitais maioritariamente públicos são entidades empresariais especiais, mas que consubstanciam formas organizatórias tipicamente societárias reguladas pelo direito privado» (pp. 23 e 30- -31).
([27]) A entrada a posteriori de um município no capital de uma empresa municipal implica que essa empresa, na sua nova configuração, deva ser classificada como empresa de capitais públicos (se anteriormente formada por um ou mais municípios, coligados ou não com outra ou outras entidades públicas) ou como empresa de capitais maioritariamente públicos (se lhe acresce a associação com outra ou outras entidades privadas). Note-se, a este propósito, que também JOÃO PACHECO DE AMORIM classifica como empresa de capitais públicos, e não como empresa pública, a empresa (inter)municipal criada por dois ou mais municípios não formalmente associados: «Na verdade, nada impede, em princípio, dois ou mais municípios que não constituam formalmente uma associação (ainda que sem ser em coligação com outra ou outras entidades públicas) de criarem também uma empresa (de âmbito) intermunicipal com quotas paritárias: mas tal empresa terá então que ser qualificada como ‘de capitais públicos’. Com efeito, o procedimento de criação das empresas ‘públicas’, bem como o posterior exercício dos poderes de tutela e superintendência, parecem pressupor necessariamente a deliberação de uma assembleia única e o exercício dos referidos poderes também por um órgão executivo único que represente todos os consociados.» (ob. cit., pp. 43-44, nota 58).
([28]) Lei nº 42/98, de 6 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação nº 13/98, de 25 de Agosto, e alterada pelas Leis nos 87-B/98, de 31 de Dezembro, 3-B/2000, de 4 de Abril, 15/2001, de 5 de Julho, 94/2001, de 20 de Agosto, e 109-B/2001, de 27 de Dezembro, Lei Orgânica nº 2/2002, de 28 de Agosto, e Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro – alterações essas que, no entanto, não interferiram na redacção do preceito indicado.
([29]) Quanto a este preceito, refira-se que JOÃO PACHECO DE AMORIM considera que «não se pode […] dele extrair uma autorização genérica para os municípios recorrerem à actividade empresarial com o único ou principal fito de arrecadar receitas, ou seja, como modo regular e sistemático de autofinanciamento» (ob. cit., p. 52).
([30]) Importa, neste ponto, recordar as palavras de JOÃO PACHECO DE AMORIM sobre esse tópico, ainda que proferidas a propósito do enquadramento do interesse privado nas empresas municipais de capitais maioritariamente públicos: «(…) a prossecução do lucro não significa necessariamente e sempre a sua maximização, pelo que pode o interesse público que presida à actividade desenvolvida pela empresa ser realizado sem o sacrifício do interesse societário dos privados» (ob. cit., p. 65).
([31]) O diploma é assim epigrafado: «Estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais».
([32]) Alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro, por sua vez rectificada pela Declaração de Rectificação nº 4/2002, de 6 de Fevereiro, e pela Declaração de Rectificação nº 9/2002, de 5 de Março. O diploma tem a seguinte epígrafe: «Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias».
([33]) Vão sublinhadas as competências que relevam na economia do presente parecer.
([34]) Neste sentido, JOÃO PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pp. 65-66 e 83-84.
([35]) E não meramente participar nessas empresas privadas, o que literalmente poderia entender-se significar apenas a participação em empresas já constituídas.
([36]) Assim JOÃO PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pp. 65-66 e 83-84.
([37]) A este propósito afirma JOÃO PACHECO DE AMORIM que «o Estado e os demais entes territoriais não são titulares de um verdadeiro direito fundamental de livre iniciativa económica» (ob. cit., p. 99). E, invocando ROLF STOBER, acrescenta: «se assim não fosse, existiria o perigo de o poder público acabar por “ocupar um espaço de liberdade reservado ao cidadão”» (idem, ibidem). Mais adiante indica como limite ao intervencionismo público o princípio da proporcionalidade, louvando-se em citações de PAULO OTERO («a intervenção empresarial do Estado deve obedecer ao princípio da proporcionalidade») e de ROMERO HERNANDEZ [«o fim (o interesse público) só justifica os meios (a criação de empresas desta natureza) quando a estes presida o princípio da proporcionalidade»] (idem, p. 102).
([38]) Acerca do conceito de ‘autonomia privada’ da Administração Pública, disserta MARIA JOÃO ESTORNINHO nestes termos: «(…) duvido que haja vantagem em utilizar essa terminologia e parece-me mais correcto assumir que se trata de uma margem de liberdade atribuída pelo ordenamento jurídico-administrativo quando define as competências dos órgãos das entidades públicas, margem de liberdade através da qual a Administração Pública pode exercer capacidade jurídica de direito privado, ficando no entanto sujeita a determinadas vinculações jurídico-públicas» (ob. cit., pp. 212-213). E conclui assim: « (…) a Administração que actua sob formas jurídico- -privadas está vinculada pelo princípio da legalidade, pelas regras de competência, a propósito das quais vale o princípio da especialidade, e à prossecução do interesse público, traduzida nomeadamente numa vinculação a um vínculo de fim» (idem, p. 221).
([39]) Pronuncia-se sobre este ponto o citado parecer de SÉRVULO CORREIA e MAFALDA CARMONA, no qual se pode ler o seguinte: «Embora o artigo 40º apenas refira a participação directa no capital de sociedades comerciais, a participação indirecta – através de uma empresa municipal – deverá respeitar a mesma limitação. E, simultaneamente a empresa municipal que participe no capital não pode ela própria ter como objecto a gestão de participações sociais, pois o nº 2 do artigo 1º exige que o objecto das mesmas seja a exploração directa de determinadas actividades.» (p. 51).
([40]) Note-se que a situação de pessoas colectivas de direito público criarem ou participarem na criação de entidades privadas, como a que vimos de assinalar, não constitui uma originalidade específica das autarquias locais. Como informa VITAL MOREIRA, «alguns institutos públicos podem, conforme o previsto nos seus estatutos, criar ou participar na criação de pessoas colectivas de direito privado, nomeadamente sociedades, associações e fundações», apenas sendo de exigir credencial legislativa ou estatutária [«Estrutura e organização dos institutos públicos», in Relatório e Proposta de Lei-Quadro sobre os Institutos Públicos, do Grupo de Trabalho para os Institutos Públicos (Coordenação: Prof. Vital Moreira), ed. Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Lisboa, Setembro de 2001, p. 97].
([41]) Uma outra questão que se poderia, em abstracto, colocar seria a de saber se a escolha do parceiro privado pelo município (ou pela interposta empresa municipal) estaria sujeita a concurso público. Se estivesse em causa a criação de uma empresa municipal de capitais maioritariamente públicos, a dúvida seria pertinente, existindo divergências doutrinárias sobre este ponto: SÉRVULO CORREIA e MAFALDA CARMONA, no parecer citado, sustentam que o contrato de constituição de uma tal empresa é um contrato administrativo, pelo que seria «incontornável a exigência de concurso público» (pp. 16-17); já JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e MARIA FERNANDA MAÇÃS, no seu referido parecer, consideram que o respectivo contrato de sociedade não é, em princípio (salvo cláusulas exorbitantes, que confiram prerrogativas de autoridade a uma das partes), um contrato administrativo, pelo que concluem pela «não obrigatoriedade da prévia realização de concurso público para a escolha do sócio privado» (pp. 42-47). Porém, a questão que colocamos refere-se à participação do município (ou da interposta empresa municipal) em sociedade comercial, nos termos do artigo 40º da Lei nº 58/98, sendo nesse caso evidente que a aquisição de participações sociais numa sociedade comercial não integra um contrato administrativo, pelo que não há, seguramente, lugar a concurso público (sobre este ponto, e no mesmo sentido, também o parecer de SÉRVULO CORREIA e MAFALDA CARMONA, p. 18).
([42]) Ob. cit., pp. 882-883, em comentário ao artigo 237º da Constituição – actual artigo 235º, desde a 4ª revisão (Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro). Esses interesses próprios são, segundo os autores, os que «radicam nas comunidades locais enquanto tais, isto é, que são comuns aos residentes, e que se diferenciam dos interesses da colectividade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades locais» (ob. cit., p. 882).
([43]) Idem, ibidem.
([44]) Idem, p. 887. A disposição constitucional em apreço reza assim: «O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.»
([45]) Consagrado, com fórmulas semelhantes, no artigo 160º, nº 1, do Código Civil e no artigo 6º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
([46]) Neste sentido, LUÍS CABRAL DE MONCADA, que, na sequência da análise do nosso regime constitucional e legal sobre as autarquias locais, conclui assim: «Neste enquadramento fica excluída qualquer interpretação restritiva do princípio da especialidade face à nossa ordem jurídica, ou seja, a consagração deste princípio não tem o alcance, antes pelo contrário, de contrariar a expansão da actividade de direito privado das autarquias locais.» E adita: «A lei actual (Lei nº 169/99) não impede a solução exposta, antes pelo contrário a favorece, pois a competência das autarquias locais e que elas se vão arrogar deve ser mera consequência das suas atribuições, onde cabe sem dúvida uma actividade económica destinada a proporcionar à autarquia local os meios materiais necessários à prossecução das suas finalidades.» (ob. cit., pp. 189-191).
([47]) Esses Estatutos (nas suas duas versões), que se encontram juntos ao processo, foram obtidos já na pendência deste pelos serviços de apoio deste Conselho Consultivo, por determinação do relator.
([48]) Note-se que, em concreto, também os Estatutos da “Gaiasocial, EM” prevêem, desde o início, que, no quadro dos poderes de superintendência da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, esta entidade possa, em relação à “Gaiasocial, EM”, «autorizar a aquisição de participações no capital de sociedades» [artigo 16º, alínea f)].
([49]) Parece de admitir que uma empresa municipal, desde logo pela sua vocação para a obtenção de lucro, possa desenvolver outras actividades, designadamente de cunho privado, para além das que correspondem às atribuições do município e ao interesse público – desde que tenham carácter acessório. Neste sentido se pronuncia o citado parecer de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e MARIA FERNANDA MAÇÃS, que assim sintetizam o seu entendimento: «(…) desde que o objecto societário corresponda a título principal a atribuições do município (…), cremos que em princípio nada impede que as empresas municipais possam desempenhar outras actividades, desde que o seu exercício seja meramente instrumental, ou secundário, da actividade prosseguida a título principal» (p. 42).
([50]) Sobre o enquadramento dado a um caso afim, no âmbito do ordenamento jurídico espanhol, v. FEDERICO CASTILLO BLANCO, «La actividad de edificación, rehabilitación urbana y equipamiento comunitário como competencia de las sociedades urbanísticas locales», Revista de Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, Año XXXIII, Núm. 169, pp. 49-92. Nesse artigo o autor comenta uma sentença do Tribunal Supremo, de 17 de Junho de 1998, revogatória de uma decisão do tribunal de instância que julgou verificada a ilegalidade da alteração dos estatutos de uma denominada «Sociedad Municipal de Actuaciones Urbanas» consubstanciada na introdução da expressão “edificação e reabilitação urbana” como finalidade integrante do objecto social. Em apoio desse aresto do Tribunal Supremo, extrai-se da Constituição espanhola o princípio de que os entes públicos podem participar no exercício de actividades económicas e defende-se que o reconhecimento constitucional do direito à habitação postula um activismo administrativo nesse domínio, sem prejuízo da iniciativa empresarial do sector privado. Depois de fundar na lei a competência dos municípios para a promoção e gestão da habitação, que considera poder ser desenvolvida através de sociedades municipais urbanísticas, esse autor sustenta não haver justificação para que tal actividade se deva restringir apenas à habitação social (dita de “protección oficial”) ou de custos reduzidos – e cita, em seu auxílio, a própria argumentação do aresto sob comentário, numa passagem em que neste se afirma que a lei «ofrece a esta clase de sociedades um amplio campo para renovación y remodelación urbana sin limitaciones cuantitativas de ningún tipo. En este último sentido, pretender que las normas estatutarias de las sociedades urbanísticas han de circunscribir el objeto de su actividad al campo de las viviendas de protección oficial, o de cualquier otro tipo de vivienda de coste reducido, carece de toda justificación.» (ob. cit., p. 82).
([51]) O regime de reordenamento urbano para a zona de intervenção da EXPO 98 condensa-se numa lei de autorização, a Lei nº 57/93, de 6 de Agosto, e no decreto-lei autorizado, o Decreto-Lei nº 354/93, de 9 de Outubro. A delimitação da “localização da EXPO 98” e da “área crítica de recuperação e reconversão urbanística” teve lugar, respectivamente, através do Decreto-Lei nº 87/93, de 23 de Março, e do Decreto nº 16/93, de 13 de Maio. Para efeitos de «concepção, execução, construção, exploração e desmantelamento» da EXPO 98 e de «intervenção na reordenação urbana da zona de intervenção» foi criada a sociedade “Parque EXPO 98, S.A.”, regida pelo Decreto- -Lei nº 88/93, de 23 de Março, e pelos Estatutos anexos, com poderes para «administrar um programa financeiro e imobiliário» respeitante à área de intervenção da EXPO 98 [artigo 4º, nº 2, alínea a), dos Estatutos].
([52]) As orientações gerais do Programa Polis foram estabelecidas na Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, de 15 de Maio.
([53]) Em abono desta concepção pode-se invocar o artigo 6º, nº 1, alínea i), da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto (lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo), que refere como um dos «objectivos específicos do ordenamento do território e do urbanismo», precisamente o da «recuperação ou reconversão de áreas degradadas».
([54]) Como exemplos de empresas privadas que não poderiam ser participadas pelos municípios, no quadro do artigo 40º da Lei nº 58/98, por extravasarem o elenco das atribuições municipais, referem SÉRVULO CORREIA e MAFALDA CARMONA, no parecer supra aludido, «uma sociedade corretora da Bolsa ou que tivesse por objecto a exploração de um cabaret» (p. 51). Já estaria claramente dentro do âmbito das atribuições municipais, v.g., a exploração de um parque de estacionamento (assim o sugerem JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e MARIA FERNANDA MAÇÃS, no parecer supra mencionado, p. 50). Mais duvidosa seria a hipótese, suscitada por LUÍS CABRAL DE MONCADA, de uma empresa industrial de produção de lanifícios, com participação municipal para mera obtenção de receitas, que o autor descarta, por considerar contrária ao princípio da especialidade (ob. cit., p. 190). Também JOÃO PACHECO DE AMORIM equaciona uma série de hipóteses de actividades empresariais, em termos da sua integração nas atribuições autárquicas, embora na perspectiva de servirem de objecto de empresas municipais: refere, v.g., a exploração turística de uma embarcação de recreio, a comercialização de águas minerais do concelho ou a exportação de vinho regional – e parece propender para a sua admissibilidade, com o argumento de que «é inegável o interesse público local na criação de (ou participação em) empresas com aquele objecto, redundando num particular benefício para os munícipes» (ob. cit., pp. 98-99, nota 157).