Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002091
Parecer: P000412002
Nº do Documento: PPA14082002004100
Descritores: CONCURSO PÚBLICO
CONCESSÃO LITORAL CENTRO
AUTO-ESTRADA
CONTRATO DE CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
CONCESSÃO DE OBRAS PÚBLICAS
AGRUPAMENTO DE EMPRESAS
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
CERTIFICADO DE CLASSIFICAÇÃO DE EMPREITEIRO
BRISA
PERDÃO DE DÍVIDAS
EMPRESA PARTICIPADA
INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES DO ESTADO
AUXÍLIOS PÚBLICOS
INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA
EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO
ISENÇÃO FISCAL
BENEFÍCIO FISCAL
MERCADO COMUNITÁRIO
PRINCÍPIO DA INCOMPATIBILIDADE DOS AUXÍLIOS PÚBLICOS
PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA
ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 1849
Data Oficio: 05/06/2002
Pedido: 05/06/2002
Data de Distribuição: 05/09/2002
Relator: FERNANDES CADILHA
Sessões: 01
Data da Votação: 08/14/2002
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MOPTH
Entidades do Departamento 1: SE DAS OBRAS PÚBLICAS
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 08/20/2002
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 28-09-2002
Nº do Jornal Oficial: 225
Nº da Página do Jornal Oficial: 16376
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOÃO CARVALHO
Área Temática:DIR CONST* ORG PODER POL/DIR ADM/DIR COMUN/DIR FISC* CONTENC FISC/DIR COM* SOC COM
Ref. Pareceres:P000442002Parecer: P000442002
P000192002Parecer: P000192002
Legislação:D 467 DE 22/11/1972 BASE I, V, XI DRGU 5 DE 23/01/1981 DL 548 DE 30/10/1985 B X, XI, XII, XIII, XVI DL 315 DE 20/08/1991 B XXVIII N1 ART3 N2 DL 12 DE 04/02/1992 DL 81 DE 21/06/96 DL 330-A DE 16/12/1995 ART7 DL 294 DE 24/10/97 B XII, XIV DL 458 DE 30/10/1995 B XLVII CIRPC88 ART7 N1 A) N2 D) DL 287 DE 28/07/1999 ART 2 DL 130 DE 13/07/2000 ART1 ART 2 DL 49319 DE 25/10/1969 ART5 CONST76 ART9 D) ART81 C) D) ART97 N1 ART99 A) ART100 C) ART296 DL 406 DE 19/11/1983 DL 449 DE 10/12/1988 L 46 DE 08/07/1977 L 88-A DE 25/07/97 L 84 DE 20/07/1988 L 11 DE 05/04/1990 RCM 21 DE 05/03/1996 DL 253 DE 26/09/1997 DL 260 DE 08/04/1976 ART1 N2 ART3 N2 L 71 DE 24/05/1988 RCM 191-A DE 30/10/1997 RCM 198 DE 18/11/1997 RCM 200-A DE 21/11/1997 DL 299-A DE 29/09/1998 DL 138-A DE 23/04/1999 RCM 125 DE 23/10/1998 RCM 131 DE 12/11/1998 RCM 134 DE 17/11/1998 RCM 39 DE 06/05/1999 RCM 45 DE 25/05/1999 RCM 48 DE 04/06/1999 DL 177-A DE 07/06/2001 DL 223 DE 17/07/1998 DL 9 DE 10/01/1997 ART1 ART3 ART4 N1 N2 ART5 ART8 ART9 N4 DL 267 DE 02/10/1997 ART1 N2 ART2 N1 DL 119-B DE 14/04/1999 ART1 ART2 N1 B) N2 ART3 DL 220-A DE 16/06/1999 DESP CONJ 623 DE 31/07/1999 DL 59 DE 02/03/1999 ART2 N2 N4 ART3 N2 ART67 N1 ART69 N1 E) F) I) A ART71 ART248 DL 61 DE 02/03/1999 DESP 213 XIII DE 28/05/1998 DL 371 DE 29/10/1993 ART3 N2 N3 ART11 N1 N3 CPADM91 ART44 A) ART180 A) DL 215 DE 01/07/1989 ART2 N2 ART5 N1 N2 DL330 DE 18/08/1982 DL 163-C DE 25/03/1975 DL 406 DE 26/12/1990 ART1 ART2 ART4 ART5 DL 106 DE 20/05/1995 DL 558 DE 17/12/1999 ART2 N1 ART3 N1 N2 ART6 N1 N2 ART10 A 18 ART23 N1 ART36 N1 N2 L 58 DE 18/08/1998 ART1 N3 A) B) C) ART5 DL 197 DE 08/06/1999 CSC86 ART65 ART66 ART142 N1 A) ART273 N2 ART288 A 296 ART384 N2 B) N3 ART392 N11 ART403 N1 N4
Direito Comunitário:DIR CONS CEE 93/37 DE 14/06 ART1 D) ART2 N2 ART3 N2 ART25
DIR COM CEE 80/723 DE 25/06/1980
TRATADO DE ROMA ART87 ART88 ART89
TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA ART81 N1 E ART82 B CART86 N2 N3 ART87 N1 ART88 N1 N2 N3 E ART92 N1 ART93 ART94 ART169 ART170
TRATADO DE AMESTERDÃO ART87 ART89
DECISÃO DA COMISSÃO DE 24/03/1992
MEMORANDO DA COMISSÃO DE 01/12/1965
REGULAMENTO N17 DO CONSELHO DE 06/02/1962 ART2
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TRIB PRIMEIRA INSTÂNCIA DE 22/02/1997
PROC CONTINENTAL CAN DE 09/12/1971
AC HOFFMAN LA ROCHE - AC TRIB JUSTIÇA DE 13/02/1979
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª Nos termos da 2.ª parte do n.º 13.1, alínea g), do Programa de Concurso relativo à concessão de lanços de auto-estrada designada Concessão Litoral Centro, interpretada em conjugação com o n.º 11.2 do mesmo Programa, a prova de habilitação de empreiteiro por parte de qualquer dos interessados apenas é exigível se na respectiva proposta estiver previsto que a sociedade comercial ou qualquer membro do agrupamento concorrente se encarregará de executar parte ou a totalidade da obra de construção;

2.ª As atribuições financeiras concedidas à Brisa, Auto-estradas de Portugal, S.A. (BRISA) pelo artigo 7º do Decreto-Lei n.º 330-A/95, de 16 de Dezembro, traduzidas no perdão de dívidas e transferência de encargos para o Estado, por virtude da supressão das portagens em alguns dos troços de auto-estradas em exploração, bem como a comparticipação pelo Estado no custo das portagens em determinados períodos do dia e em relação a certas categorias de veículos, prevista nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 130/2000, de 13 de Julho, como medida de salvaguarda do transporte de mercadorias, caracterizam-se como indemnizações compensatórias destinadas a repor o equilíbrio financeiro do contrato de concessão outorgado com aquela entidade, que previa, na sua origem, que a retribuição da concessionária se efectuasse, em todos os lanços de auto-estrada, através do recebimento integral das tarifas de portagem;

3.ª As isenções fiscais contempladas na Base XIII do contrato de concessão e exploração de auto-estradas, aprovado pelo Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro, e nas suas ulteriores alterações, devem entender-se, no quadro do regime jurídico das concessões de serviço público então vigente, como uma componente da retribuição do concessionário;

4.ª Os benefícios fiscais, na modalidade de deduções à matéria colectável e de acréscimos de amortização, previstos na Base XIII do mesmo contrato de concessão, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro - que substituíram as anteriores isenções fiscais -, desde que compreendidas no quadro evolutivo do clausulado contratual e à luz do regime legal resultante do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são ainda de considerar como ajudas atinentes à economia do contrato;

5.º Numa outra perspectiva, os mesmos benefícios fiscais encontram-se a coberto do regime derrogatório do princípio da concorrência previsto no n.º 2 do artigo 86º do Tratado da União Europeia, em razão da actividade de interesse económico geral que é confiada à concessionária;

6.ª Em conformidade, as atribuições financeiras mencionadas nas anteriores conclusões não estão abrangidas pelo princípio de incompatibilidade a que se refere o n.º 1 do artigo 87º do Tratado;

7.ª Face aos elementos coligidos no processo, e considerando o condicionalismo próprio da execução do contrato de concessão de obras públicas, não é legítimo inferir que o conteúdo da proposta formulada pelo Agrupamento BRISAL – Auto-estradas do Litoral Centro, no âmbito do referenciado concurso público, represente, objectivamente, um comportamento abusivo de posição dominante;

8.ª A apresentação a um concurso público de adjudicação de um contrato administrativo de um agrupamento que integra uma empresa participada pelo Estado, com o consequente dever de apreciar e graduar a respectiva proposta, por parte da Administração, não envolve a violação do princípio da imparcialidade.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas,
Excelência:



I

1. Dignou-se Vossa Excelência remeter ao Gabinete do Senhor Procurador-Geral da República a “documentação atinente à designada Concessão Litoral Centro” solicitando sobre a matéria o parecer do Conselho Consultivo ([1]).

A referida documentação é constituída pelas respostas que, no âmbito do respectivo procedimento, e em fase de audiência prévia, foram endereçadas ao Presidente da Comissão de Apreciação das Propostas no Concurso Público Internacional para a Concessão do Litoral Centro, pelos dois concorrentes seleccionados para a fase de negociação, e em relação à proposta de decisão de adjudicação ao Agrupamento Brisal - Auto-estradas do Litoral Centro.

A resposta do concorrente preterido (Agrupamento Auto-estradas da Costa de Prata) é constituído por 5 volumes que incluem as alegações e um requerimento de diligências complementares, além de diversos estudos, relatórios e pareceres jurídicos, apresentados em anexo, e incide sobre as mais variadas e complexas formas de ilegalidade que, no entender do reclamante, afectam a projecto de decisão adjudicatória.

Do expediente consta igualmente um documento epigrafado “Comentários ao Relatório Final de Avaliação”, apresentado pelo Agrupamento Brisal - Auto-estradas do Litoral, graduada em primeiro lugar no referido concurso, e pelo qual se pretende, em resposta ao projecto de decisão de adjudicação, que sejam corrigidas as pontuações atribuídas ao concorrente em diversos critérios e subcritérios de avaliação.

2. Nos termos do artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, compete ao Conselho Consultivo “emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou a solicitação do Presidente da Assembleia da República ou do Governo.”

Não estando especialmente prevista a intervenção do Conselho Consultivo nos procedimentos de concurso público para as concessões de concepção, construção, conservação e exploração de lanços de auto-estrada em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (designadas concessões SCUT) – a que se refere o procedimento em causa -, a consulta apenas poderia enquadrar-se na previsão constante da segunda parte do preceito, intervindo então a solicitação do membro do Governo.

Porém, neste último caso, haveria de encontrar-se identificada a questão de natureza jurídica, que pela especial complexidade de que se revista ou pelas fundadas dúvidas que suscitem, após a pronúncia dos órgãos próprios do departamento ministerial, justifiquem a discussão em conferência na instância consultiva.

De resto, este corpo consultivo, pela sua estrutura, composição e modo de funcionamento, não se encontra vocacionado para intervir como mera entidade informante no âmbito dos procedimentos administrativos que corram perante as autoridades administrativas, competindo-lhe antes pronunciar-se sobre aspectos jurídicos que no quadro da actuação administrativa careçam de melhor dilucidação.

Acresce que, no caso vertente, a matéria das respostas dos interessados, em múltiplos dos seus aspectos, incide sobre os procedimentos específicos de graduação das propostas, incluindo as operações de valoração de factores e subfactores de avaliação que, além de uma aturada indagação de elementos de facto, envolvem a apreciação de aspectos de carácter técnico e de análise económico-financeira que este Conselho não se encontra habilitado a dirimir.

Nestes termos, deve entender-se que o objecto da consulta se restringe às questões de direito que, tendo sido invocadas na resposta do concorrente preterido, emergem de um enquadramento factual imediatamente acessível, e sobre as quais os diversos pareceres jurídicos inclusos se manifestaram em termos discordantes relativamente às posições adoptadas pela Comissão de Apreciação das Propostas.

Tais questões poderão equacionar-se do seguinte modo:

(a) exigência da apresentação do certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas ou da descrição pormenorizada dos aspectos contratuais propostos para o desenvolvimento das actividades de construção associadas à concessão;

(b) ilegalidade, em face do direito comunitário, das ajudas atribuídas pelo Estado à Brisa – Auto-estradas de Portugal, S. A., no âmbito do contrato originário de concessão para a construção, conservação e exploração de auto-estradas, e sua relevância na apreciação dos critérios de adjudicação, considerando que a entidade beneficiária integra o agrupamento que veio a ser graduado em primeiro lugar no concurso (Agrupamento Brisal - Auto-estradas do Litoral);

(c) possibilidade de a proposta apresentada pelo Agrupamento Brisal-Auto-estradas do Litoral consubstanciar abuso de posição dominante, em função da situação entretanto adquirida pela Brisa – Auto-estradas de Portugal, S. A. como concessionária de diversos outros troços de auto-estrada no âmbito do primeiro contrato de concessão;

(d) violação do princípio da imparcialidade pelo facto de o Agrupamento Brisal-Auto-estradas do Litoral ser constituído, entre outras entidades, pelo IPE- Investimentos e Participações Empresariais, S. A., tido como uma sociedade de economia mista em que o Estado detém uma participação no capital social.

Com esta necessária delimitação, cabe emitir o solicitado parecer, considerando ainda o carácter de urgência que lhe foi atribuído já após a sua distribuição.


II

1. Data de 1972 a primeira definição por parte do Estado das bases do contrato de concessão para a construção, conservação e exploração de auto-estradas, outorgado à então BRISA – Auto-–estradas de Portugal, S.A.R.L., bases que foram originariamente aprovadas pelo Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro.
A concessão tem por objecto a construção, conservação e exploração, em regime de portagem, das seguintes auto–estradas:
a) Auto-estrada do Norte, desde Vila Franca de Xira aos Carvalhos, com a extensão de 265,5 Km;
b) Auto-estrada do Sul, desde Fogueteiro até Setúbal, incluindo o acesso ao novo aeroporto de Lisboa, com a extensão de 34 Km;
c) Auto-estrada da Costa do Sol, desde o Estádio Nacional até Cascais, com a extensão de 18,5 Km;
d) Auto-estrada do Porto a Braga e Guimarães, entre o Porto (estrada nacional nº 12) e Famalicão, com a extensão de 28 Km (Base I).

O financiamento necessário para a realização do objecto da concessão era assegurado pela concessionária, tendo a mesma o direito de receber dos utentes das auto-estradas as importâncias das portagens nas mesmas cobradas e os rendimentos da exploração das áreas de serviço (Base V).

Ainda de acordo com a Base XI, o concessionário e os seus empreiteiros beneficiavam de determinadas isenções (taxas de licença; impostos, contribuições e outros encargos fiscais devidos ao Estado e às autarquias locais; direitos de importação para as máquinas a utilizar na construção e na conservação das auto-estradas), as quais se referiam apenas à construção, conservação e exploração das auto-estradas, não abrangendo as outras actividades complementares da concessionária.

2. A primeira revisão do contrato de concessão verificou-se somente em 1981, através do Decreto Regulamentar nº 5/81, de 23 de Janeiro ([2]), seguida de novas alterações introduzidas pelo Decreto–Lei nº 548/85, de 30 de Outubro, e pelo Decreto–Lei nº 315/91, de 20 de Agosto ([3]).

Estas alterações, que se projectam no clausulado do contrato de concessão, tiveram como causa, e ao mesmo tempo como objectivo, a adaptação entendida necessária à nova situação económica e a outras condições financeiras entretanto geradas por meios comunitários postos à disposição do País, de forma a garantir quer o desejado aumento de capacidade da concessionária quer uma melhor modulação das disposições que garantam a economia da concessão, cujo objecto foi sendo sucessivamente alargado, com a consequente ampliação do prazo de concessão.

Importa particularmente considerar o novo regime de financiamento introduzido pelo diploma de 1985, pelo qual o Estado, como accionista indirecto e maioritário da Brisa, se compromete a contribuir para o equilíbrio financeiro da concessão através da comparticipação no custo dos investimentos e da entrega de dotações nos termos previstos nas Bases XII e XIII (cfr. Bases X e XI).

Acresce que o Estado passou a poder avalizar integralmente os financiamentos quer internos quer externos que fossem contraídos pela concessionária em vista à prossecução do objecto da concessão (Base XVI).

Uma outra inovação é introduzida pelo Decreto-Lei n.º 315/91. Nos termos da Base XXVIII do contrato de concessão, publicado em anexo a esse diploma, a realização das obras deverá ser precedida de concurso, da competência da concessionária, podendo apenas ser dispensado, a pedido desta, por decisão do Ministro das Obras Públicas, mediante parecer da Junta Autónoma das Estradas (n.º 1).

3. As mais recentes alterações das Bases do Contrato de Concessão tiveram, por seu turno, diferentes motivações ([4]).

A revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 330-A/95, de 16 de Dezembro, foi determinada pela necessidade de atribuir à empresa concessionária um conjunto de compensações que constituísse uma contrapartida adequada à perda de receitas resultante da reformulação do sistema de pagamento de portagens, e que implicava a supressão das taxas de portagens nos primeiros troços de auto-estradas contíguos aos grandes centros ([5])([6]).

Tais compensações tinham em vista a preservação do valor económico da concessão, e traduziam-se nas seguintes medidas de carácter económico e financeiro enunciadas no artigo 7º desse diploma:

a) A BRISA fica exonerada da obrigação de reembolso ao Estado do empréstimo, e respectivos juros, a que se refere o n.º 2 do artigo 3º do Decreto–Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto;
b) O Estado perdoa à concessionária o pagamento das comissões, em dívida e já vencidas, relativas aos avales por ele prestados ao empréstimo à BRISA, identificados no anexo I ao presente diploma, que dele faz parte integrante, e fixa em 0% a taxa das comissões vincendas referentes aos mesmos empréstimos;
c) Cessam para a BRISA todas as obrigações decorrentes dos contratos de empréstimos celebrados com o Estado, subsidiários do «contrato Estado-BEI», identificados no anexo I;
d) Passa a ser encargo do Estado o serviço da dívida correspondente ao empréstimo do BEI «BRISA VI-B», identificado no anexo I, devendo as formalidades necessárias daí decorrentes ser fixadas pelos Ministérios das Finanças e do Equipamento Social.”

Por seu turno, a revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, mostra-se justificada pela necessidade de promover a adaptação do contrato às novas prioridades em matéria de execução das auto–estradas estabelecidas pelo Governo, mas também pela conveniência de clarificar e estabilizar as relações da concessionária com o Estado, tendo em vista a futura privatização da empresa.

No plano financeiro, as principais alterações introduzidas pelo diploma consubstanciam-se na eliminação das restrições à distribuição de dividendos por parte da concessionária, na eliminação da obrigatoriedade de os accionistas efectuarem anualmente aumentos de capital correspondentes a 10% do montante dos investimentos reversíveis realizados pela concessionária ([7]) e no alargamento do prazo da concessão até ao ano de 2003, como garantia indispensável a uma adequada rendibilidade dos investimentos realizados e a realizar.

Em matéria de benefícios fiscais optou-se por manter a situação vigente, com possibilidade de serem contempladas algumas alterações através de iniciativa legislativa adequada, nos termos previstos na Base XIII, que passou a dispor:

“A concessionária aceita a modificação dos benefícios fiscais a que alude a Base XXIII constante do anexo ao Decreto–Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro, no sentido seguinte:
a) A concessionária mantém a isenção do imposto do selo;
b) Poderá ser deduzida, ao montante apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 71º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado nos termos do presente contrato realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2000 inclusive;
c) A dedução a que se refere a alínea anterior é feita, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 71º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2005;
d) Os acréscimos das amortizações resultantes da reavalização do imobilizado corpóreo efectuada pela concessionária em 1989 são considerados integralmente como custos para efeitos do IRC;
e) São ainda considerados como custos para efeitos do IRC as seguintes amortizações:
1) Amortizações que poderão ser por um período mínimo de oito anos, dos investimentos na camada de desgaste dos pavimentos betuminosos;
2) Amortizações dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de Dezembro de 1996, relativos a «Diferenciais de receitas garantidas» e a «Encargos com empréstimos da cláusula do Acordo de Equilíbrio Financeiro», no valor total de 19 719 073 contos, e que são efectuadas a taxas constantes em função do número de anos de concessão.
f) A concessionária é isenta de derrama;
g) Os benefícios fiscais previstos na presente base são concedidos até 31 de Dezembro de 2005.”

Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 287/99, de 28 de Julho, introduziu também alterações pontuais nas bases técnicas e financeiras do contrato que, conforme se explicita na respectiva nótula preambular, decorrem da “necessidade de adaptação da programação da abertura ao tráfego de alguns sublanços, que sofreram atrasos devidos em parte a razões exógenas à empresa, e que envolvem nomeadamente o alargamento do prazo de concessão até 31 de Dezembro de 2032.”

No plano financeiro, as alterações visam a matéria de benefícios fiscais, que mantém, todavia, os exactos princípios que foram consagrados na revisão efectuada em 1997 ([8]).

No entanto, uma importante novidade, ainda que sem reflexo directo na parte dispositiva do contrato de concessão, resulta do comando contido no artigo 2º desse diploma, que estatui: “A BRISA – Auto-estradas de Portugal, S.A., fica autorizada a concorrer directamente ou por intermédio de sociedade de si dependente a concessões rodoviárias no âmbito das actividades que integram o seu objecto social, ou seja de construção, conservação e exploração, quer de vias, quer de áreas de serviço, bem como a promover o estudo e a realização de infra-estruturas de equipamento social.”

Interessa considerar, por fim, a comparticipação financeira do Estado no custo das portagens especialmente prevista no Decreto-Lei n.º 130/2000, de 13 de Julho.

Como esclarece o respectivo preâmbulo, a comparticipação, incidindo sobre as taxas de portagem vem “na sequência do aumento do preço dos combustíveis” em face da necessidade, reconhecida pelo Governo, de adoptar “medidas extraordinárias de salvaguarda do transporte de mercadorias.”

Assim, o diploma veio estipular, nos seus artigos 1º e 2º, o seguinte:

“Artigo 1º
Objecto
As taxas de portagem dos veículos de passageiros e de mercadorias que integrem as classes 3 e 4 da classificação referida no nº 1 da base XIV anexa ao Decreto–Lei nº 294/97, de 24 de Outubro, devidas à BRISA, S.A., pela utilização das auto-estradas, são pagas pelos utilizadores ou pelos utilizadores e o Estado, nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 2º
Diferenciação horária
1 – As taxas de portagem das classes 3 e 4 devidas à BRISA, S.A., pela utilização das auto-estradas entre as 6 e as 10 e entre as 16 e as 22 horas são pagas exclusivamente pelos utilizadores.
2 – As taxas de portagem das classes 3 e 4 devidas à BRISA, S.A., pela utilização das auto-estradas entre as 0 e as 6 e entre as 22 e as 24 horas são pagas, em partes iguais, pelos utilizadores e pelo Estado.
3 – As taxas das classes 3 e 4 devidas à BRISA, S.A., pela utilização das auto-estradas entre as 10 e as 16 horas são pagas pelos utilizadores e pelo Estado, pagando aqueles 70% do seu preço e o Estado a parte remanescente.
4 – Aos veículos pesados de transporte colectivo regular de passageiros, nos períodos entre as 6 e as 10 e entre as 17 e as 21 horas aplica-se o disposto no número anterior, para o que, no acto de aquisição do respectivo identificador de via verde, devem fazer prova daquela qualidade.”


III

1. A BRISA – Auto-estradas de Portugal, S.A. (doravante designada como BRISA) foi constituída, como sociedade anónima de responsabilidade limitada, com capitais exclusivamente privados, na sequência da adjudicação da concessão para a construção e exploração de auto-estradas, outorgada ao abrigo do disposto no Decreto–Lei nº 49319, de 25 de Outubro de 1969, e no Decreto nº 467/72, de 22 de Novembro.

A nacionalização da banca, ocorrida em Março de 1975, determinou a nacionalização indirecta de participações sociais correspondentes a 27,5% do capital social da BRISA. Contudo, tais participações foram entretanto indirectamente reprivatizadas, com a reprivatização do Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A. – no qual havia sido integrado o Banco Intercontinental Português -, e do Banco Fonsecas & Burnay, S.A.

O reforço da posição do Estado no capital social da empresa ocorreu por meio do comércio jurídico privado, através da subscrição de acções em sucessivos aumentos de capital, desde 1976, tendo atingido cerca de 89,7% do capital da sociedade, a que acresce uma participação de 5% detida pelo IPE – Investimento e Participações Empresariais, S.A., e outra de 5% pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., ambas adquiridas por compra.

2. Entretanto, a integração de Portugal nas Comunidades Europeias e a evolução política interna vieram determinar nos últimos anos da década de 80 um progressivo afastamento do Estado relativamente à actividade empresarial ([9]).

Por essa época, os acontecimentos mais marcantes traduziram-se na revogação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações ([10]) e na supressão das anteriores limitações do acesso da iniciativa privada a certas actividades económicas ([11]), que vieram possibilitar a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, e o subsequente movimento de reprivatizações, e, de outro modo, induziram também o ressurgimento da concessão, como mecanismo regulador do relacionamento do Estado com as empresas em determinados sectores da vida económica ([12]).

Assumiram particular relevo, nesse contexto, a Lei n.º 71/88, de 24 de Março, que estabeleceu o regime de alienação de participações do sector público, a Lei n.º 84/88, de 20 de Julho, que permitiu a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, e a Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, que, revogando a supracitada Lei n.º 84/88, aprovou, por fim, a Lei Quadro das Privatizações.

A intenção de privatizar o capital social da BRISA – em articulação com a definição do plano rodoviário nacional – constava já do programa de privatizações para 1996-1997, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 21/96, de 5 de Março, e foi levado à prática através de um programa legislativo faseado.

O Decreto-Lei n.º 253/97, de 26 de Setembro, autorizou a alienação de acções representativas de uma percentagem não superior a 49% do capital social da Brisa ([13]) ([14]). Os Decretos-Leis n.ºs 299-A/98, de 29 de Setembro, e 138-A/99, de 23 de Abril, deram depois seguimento ao processo de privatização, permitindo a alienação de acções até ao limite de 31% e de 20%, respectivamente ([15]). Finalmente, o Decreto-Lei n.º 177-A/2001, de 7 de Junho, aprovou a 4.ª e última fase de privatização, autorizando a alienação das acções ainda detidas pelo Estado - através da PARPÚBLICA – Participações Públicas (SGPS), S.A. -, correspondentes a 4,764% do capital da sociedade.

Concluído, através deste último diploma, o processo de privatização, mediante a venda da totalidade das acções do Estado, mantiveram-se, no entanto, as participações no capital social da BRISA pertencentes ao IPE – Investimento e Participações Empresariais, S.A., e à Caixa Geral de Depósitos, S.A., de cerca de 5% cada, e que, por terem sido adquiridas por compra a accionista privado, não se consideraram abrangidas pelo regime especial de alienação regulado nos referidos diplomas ([16]).

Importa ainda ter presente que a privatização se efectuou no contexto de uma remodelação do contrato de concessão entre o Estado e a BRISA, que foi levada a cabo através do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, antes mencionado.


IV
1. Um outro plano de enquadramento da temática da consulta prende-se com o novo regime jurídico da concessão da construção, conservação e exploração de lanços de auto-estradas, que pretendeu assegurar a implementação do novo Plano Rodoviário Nacional ([17]).

Com a publicação do Decreto–Lei n.º 9/97, de 10 de Janeiro, o Estado Português abandonou o critério de outorga de concessão à BRISA, em regime de exclusivo, da construção, conservação e exploração de auto-estradas, que, por via da cláusula modificativa inserta na Base XLVII das Bases do Contrato de Concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 458/85, permitia que o objecto da concessão pudesse ser sucessivamente ampliado à construção de novas auto-estradas, mediante uma renegociação das condições do contrato.

Aquele diploma veio estabelecer o regime de realização dos concursos com vista à concessão de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados nas zonas norte e oeste de Portugal (artigo 1º).

Na respectiva exposição preambular, explicita-se a intenção legislativa nos seguintes termos:

“O desenvolvimento da mobilidade da população portuguesa tem-se reflectido num crescimento significativo da taxa de motorização, do número de viagens empreendidas e da extensão dos percursos realizados, gerando uma pressão crescente sobre as estradas nacionais.
A este fenómeno, quando estejam em causa ligações de âmbito nacional ou regional ou a utilização de redes viárias de âmbito metropolitano, há que corresponder com o aumento de oferta de infra-estruturas rodoviárias.
Para o desenvolvimento dessa oferta, tem vindo o Estado a recorrer quer à Junta Autónoma de Estradas quer à BRISA, esta última no âmbito de um contrato de concessão para a construção de auto-estradas sujeitas a portagem.
Contudo, a capacidade de realização das entidades referidas tem limites evidentes, determinados pelos meios técnicos e humanos que podem dedicar ao acompanhamento de estudos e projectos, bem como à gestão e fiscalização das obras.
Sendo intenção política do Governo acelerar o programa de execução do Plano Rodoviário Nacional, por forma a concluir, até ao ano de 2000, a construção da rede fundamental e de grande parte da rede complementar, entendeu-se como solução (parcelar) adequada o apelo à iniciativa privada para a construção e exploração de novas auto-estradas nas zonas do litoral e oeste, mediante concurso público.
Solução que passando pela constituição de duas novas empresas concessionárias, garantirá novas frentes de projecto e de obra e mobilizará novas iniciativas e capitais.
Assim, de acordo com a decisão governamental de 19 de Setembro de 1996, estabelece-se no presente diploma o essencial do regime pelo qual se deverão pautar os concursos para o estabelecimento das concessões.”

Nos seus traços essenciais, o diploma alarga o objecto da concessão relativamente aos troços de auto-estradas em causa ([18]) à concepção, projecto, construção, financiamento e exploração e manutenção, e prevê que as concessões sejam atribuídas mediante concursos públicos internacionais distintos, que decorrerão na dependência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, perante uma comissão de apreciação das propostas, nomeada por despacho conjunto daquele membro do Governo e do Ministro das Finanças (artigo 3º).

Aos concursos podem apresentar-se sociedades comerciais ou agrupamentos de empresas, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação, sendo o contrato relativo a cada uma das concessões celebrado com uma empresa com sede em Portugal, sob forma de sociedade comercial anónima tendo como objecto exclusivo a prossecução da actividade concessionada e a constituir pelas entidades componentes do agrupamento ou pela sociedade à qual for atribuída a respectiva concessão (artigo 4º) ([19]).

Prevê-se ainda que o acto de escolha do concorrente com o qual o Estado celebrará o respectivo contrato de concessão será precedido, no âmbito de cada concurso, de uma fase de negociação com os dois concorrentes que no mesmo apresentem, em conformidade com decisão devidamente fundamentada, as propostas que melhor dêem satisfação ao interesse público, atentos os seguintes critérios:
a) Qualidade da proposta: concepção, projecto e construção;
b) Níveis de qualidade de serviço e segurança;
c) Valor dos apoios requeridos;
d) Datas de entrada em serviço;
e) Solidez de estrutura financeira, empresarial e contratual;
f) Envolvimento privado e grau de compromisso;
g) Prazo para a concessão (artigos 8º e 9º).

2. Entretanto, o Decreto-Lei n.º 267/97, de 2 de Outubro, considerando “a necessidade do aumento da oferta no caso de infra-estruturas rodoviárias cuja utilização, de algumas auto-estradas, não represente um custo directo para o utente,” veio a introduzir no novo sistema “a possibilidade de exploração destas infra-estruturas através do regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT), à semelhança das mais recentes experiências nos países da União Europeia.” ([20])

Constituíam objecto de contratos de concessão a celebrar entre o Estado e as sociedades concessionárias, nos termos desse diploma, as seguintes auto-estradas:
a) Costa de Prata – os lanços identificados no anexo 1, parte 1;
b) Beira Interior – os lanços identificados no anexo 1, parte 2;
c) Algarve – os lanços identificados no anexo 1, parte 3;
d) Grande Porto – os lanços identificados no anexo 1, parte 5 (artigo 2º, n.º 1) ([21]).

No demais, o diploma estabelece um regime similar ao previsto no Decreto-Lei n.º 9/97 há pouco sumariado, nomeadamente no tocante ao modo de selecção da concessionária e aos critérios de adjudicação (cfr. artigos 8º e 9º).

3. Por fim, o Decreto-Lei n.º 119-B/99, de 14 de Abril ([22]), veio tornar extensivo o regime dos diplomas acabados de mencionar aos concursos para atribuição de novos lanços de auto-estrada, que se encontram identificados no seu artigo 2º, mandando aplicar o estabelecido no Decreto-Lei n.º 9/97 ou no Decreto-Lei n.º 267/97, consoante se trate de concessões com ou sem cobrança de portagem aos utentes (cfr. artigo 3º).

Entre as concessões abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 119-B/99 encontra-se a concessão designada por Litoral/Centro, que integra a concepção, construção, financiamento, exploração e manutenção, cobrança de portagem aos utentes dos troços IC1–Marinha Grande (IC9) – Figueira da Foz (IP3); IC1 – Figueira da Foz (IP3) – Mira; e bem assim a concepção, construção, financiamento, sem cobrança de portagem, do lanço IC8 – Louriçal (IC1) – nó de Pombal (IP1) (cfr. artigo 2º, alínea b)).

Ainda nos termos do artigo 2º, n.º 2, desse diploma, a essas concessões poderão concorrer “as concessionárias de auto-estradas, as sociedades ou agrupamentos que apresentaram candidatura a outras concessões, ou nelas tenham obtido adjudicação, sem prejuízo da adequação do respectivo pacto constitutivo, bem como sociedades em agrupamentos já constituídos ou a constituir para o efeito.”

V
1. É na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 119-B/99, de 14 de Abril, e especialmente em consideração do disposto nos seus artigos 1º a 3º, em conjugação com o artigo 5º do Decreto-Lei n.º 9/97, de 10 de Janeiro, que é aprovado, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território ([23]), o programa de concurso e o caderno de encargos relativos ao concurso público internacional para a concessão designada por Litoral Centro, prevista na alínea b) do artigo 2º daquele diploma legal.

Em face de um relatório elaborado pela Comissão de Apreciação de Propostas, homologado por despachos do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, de 21 de Dezembro, e do Ministro das Finanças, de 9 de Janeiro de 2001, os concorrentes seleccionados para a fase de negociações foram o Agrupamento Brisal - Auto-estradas do Litoral (doravante designado BRISAL) e o Agrupamento Auto-estradas Costa de Prata.

Conforme é ainda possível coligir dos elementos patenteados, o Relatório Final da Comissão de Apreciação de Propostas vai no sentido de adjudicar a concessão ao Agrupamento BRISAL, decorrendo neste momento a fase de audiência dos interessados relativamente a tal projecto de decisão.
2. Um das ilegalidades que, segundo a arguição do concorrente preterido, vem apontada ao aludido projecto de decisão final, respeita à circunstância de a proposta do Agrupamento BRISAL não conter a indicação expressa da entidade encarregada da execução da obra pública a concessionar, designadamente por não apresentação atempada do documento que habilite qualquer das entidades que integram o Agrupamento a realizar a empreitada.

Com efeito, o n.º 13.1, alínea g), do Programa de Concurso identifica como documentos que deverão instruir a proposta (e que se destinam a aferir as condições de admissão dos candidatos) as declarações e certidões a elaborar “de acordo com o disposto nos artigos 69º, n.º 1, e 67º, n.º 1, alíneas e), f) e i), do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, incluindo a certificação da qualidade de empreiteiro, quando aplicável, a qual deverá ser feita nos termos dos artigos 67º a 71º do Decreto-Lei n.º 59/99 e do artigo 25º da Directiva n.º 93/37/CEE.” ([24])

O n.º 11.2, para que remete esse preceito – em execução do estabelecido, nessa matéria, pelo artigo 4º do Decreto-Lei n.º 9/97 -, insere-se no elenco de disposições regulamentares que definem a natureza jurídica que deverão revestir as entidades concorrentes e a futura concessionária, bem como alguns dos requisitos de admissibilidade ao concurso.

Nesse contexto, aquele específico dispositivo do Programa do Concurso mais não faz do que reproduzir o comando contido no n.º 2 do artigo 4º do citado diploma legal, pelo qual ”as sociedades e os agrupamentos referidos no número anterior só são admitidos a concurso se se verificar que todas as entidades se encontram regularmente constituídas de acordo com a legislação que lhes é aplicável, não são devedoras ao Estado de quaisquer quantias e exercem actividades compatíveis com o objecto da concessão em curso.” ([25])

As exigências constantes do n.º 13.1, alínea g), respeitam, pois, a certos elementos documentais que permitam demonstrar a idoneidade e a capacidade financeira e económica do concorrente para a realização das actividades que constituem o objecto da concessão.

A dúvida que se suscita, relativamente ao cumprimento ou não por parte da candidatura do Agrupamento BRISAL do requisito enunciado nesse preceito, prende-se com o âmbito compreensivo da ressalva expressa através do inciso quando aplicável: pretende-se dispensar da apresentação do certificado de classificação de empreiteiro apenas as entidades que integram o agrupamento e não possuam essa específica qualidade ou é antes propósito da entidade adjudicante salvaguardar aquelas situações em que a execução de obras (que constitui apenas uma das componentes da concessão) seja contratualizada pelo concessionário com terceiros, e em que, por isso, se tornará desnecessária a apresentação de certificado?

Como se depreende da remissão feita para o artigo 67º, n.º 1, alíneas e), f) e i), do Decreto-Lei n.º 59/99, a primeira parte do preceito obriga apenas à apresentação de documentos comprovativos da situação contributiva dos membros do agrupamento, dispensando outros que se destinem a demonstrar a idoneidade do concorrente para o exercício das actividades que integram a concessão, o que parece compatibilizar-se com o regime do artigo 69º, n.º 1, do mesmo diploma, aplicável aos casos em que o concorrente seja detentor de uma habilitação certificada; no entanto, o segmento final concretiza que deverá igualmente ser efectuada a prova da aptidão para a execução de obras públicas, remetendo nesse ponto para o regime geral dos artigos 67º a 71º do mesmo diploma.

Ora, estas disposições do Regime Jurídico de Empreitadas de Obras Públicas estabelecem diferenciações quanto ao acervo de documentos que deverá ser junto pelos concorrentes consoante estes sejam ou não detentores de certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas ou de inscrição em lista oficial de empreiteiros, estipulando uma presunção de idoneidade, e de capacidade financeira, económica e técnica – que dispensa a apresentação de todos ou parte dos documentos comprovativos identificados no artigo 67º –, caso estes possam exibir algum daqueles certificados.

Por outro lado, a referência ao artigo 25º da Directiva n.º 93/37/CEE ([26]) revela que a entidade adjudicante não prescinde da exigência de um certificado de classificação de empreiteiro quando este seja exigível pela legislação portuguesa para o tipo de obras que estejam em causa ([27]). E, sendo assim, a possibilidade de os concorrentes comprovarem a sua habilitação nos termos previstos no artigo 67º ou 68º - aplicáveis aos casos em que estes não disponham de certificado de classificação de empreiteiro ou de inscrição – encontra-se apenas circunscrita às hipóteses em que o valor das obras a efectuar por sua responsabilidade directa não ultrapasse o limite fixado na lei para a obrigatoriedade do registo ou da autorização para o exercício da actividade de empreiteiro.

3. O objecto do concurso é, como se sabe, a concessão da concepção, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem, de diversos lanços de auto-estrada. Estamos, por conseguinte, perante uma modalidade de concessão de obras públicas, que segundo a definição legal, se caracteriza como um contrato administrativo que, apresentando as características de uma empreitada de obras públicas, tem como contrapartida o direito de exploração da obra, acompanhado ou não do pagamento de um preço ([28]).

Explicitando melhor este conceito, PEDRO GONÇALVES refere ([29]):

“(...) nesta modalidade de concessão reúnem-se dois elementos distintos: a construção de uma obra, que, sem diluir as diferenças, aproxima a concessão, nessa parte, de uma empreitada, e sua sucessiva exploração da obra construída – como veremos melhor, foi a autonomização da segunda fase da concessão de obra pública que acabou de dar origem à concessão de serviços públicos; de resto, a ligação muito íntima entre as duas figuras fez com que, durante o século XIX, a concessão de serviço público fosse inteiramente absorvida pela de obras públicas uma vez que a gestão do serviço era vista como uma mera contrapartida da execução da obra.
Embora, por vezes, a concessão de obra pública seja uma concessão de obra acrescida de uma concessão de serviço público, deve observar-se que essa associação nem sempre se verifica, existindo muitas concessões de obras públicas em que a actividade a explorar na obra implantada não constitui um serviço público (ainda que o regime de exploração seja normalmente um regime de serviço público): é o que acontece com as concessões de construção e exploração de auto-estradas com ou sem pagamento de portagem pelos utentes, ou de construção e exploração de um estaleiro naval.
Como afirmamos já na fase de execução da obra, a concessão de obras públicas aproxima-se de uma empreitada; porém, as duas figuras não devem confundir-se, isto é, a concessão de obras públicas não é exactamente uma espécie de empreitada de obras públicas acrescida de uma concessão da exploração da obra.
Na fase da construção, o concessionário actua como dono da obra, em vez da Administração, de tal modo que nem sequer tem de ser um empreiteiro de obras públicas, exigência que constitui um pressuposto lógico da empreitada.
Assim, além das especialidades relativas à fase da exploração, a concessão de obra pública distingue-se da empreitada logo na fase da construção, pois já aí o privado actua como um auxiliar no cumprimento de tarefas administrativas, enquanto o empreiteiro é um simples conductor operis, que limita a sua actuação à mera execução material de uma prestação.
Há, portanto, na concessão de obras públicas uma verdadeira concessão da construção, em que uma autoridade administrativa atribui a um particular a sua posição de dono da obra, transmitindo-lhe os seus direitos próprios relativos à fase da construção (v.g., concepção da obra, projecto, expropriações, direcção e fiscalização dos trabalhos, etc.).”

4. Como se constata, a concessão representa uma forma indirecta de realização de obras públicas, que abrange não apenas a execução material dos trabalhos mas diversas outras actividades que vão desde a concepção e financiamento do projecto à gestão e exploração do serviço público a que a implantação da obra se destina.

Daí que a injunção constante da parte final do n.º 11.2 do Programa de Concurso se deva entender como visando obter, documentalmente, a comprovação das habilitações do concorrentes para as diferentes actividades que integram o objecto da concessão.

Só assim é possível compatibilizar os comandos ínsitos na primeira e segunda parte da alínea g) do n.º 13.1, do Programa do Concurso: de um lado, exige-se que a prova da habilitação do concorrente seja efectuada nos termos previstos no artigo 69º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/99 - implicando, segundo uma interpretação literal do preceito, a apresentação do certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas (o que tornaria dispensável a exibição de quaisquer outros documentos demonstrativos da capacidade técnica, económica e financeira); por outro, em aparente contradição, admite-se, no tocante à certificação da qualidade de empreiteiro, que esta possa ser efectuada através de qualquer dos mecanismos previstos nos artigos 67º, 68º e 69º do mesmo diploma.

A solução plausível é, pois, a de interpretar em termos hábeis a remissão feita para o citado artigo 69º, n.º 1, lendo este preceito - como inculca o disposto no artigo 2º, n.º 2, do mesmo diploma -, com as adaptações que são impostas pelo facto de o concurso em causa respeitar, não a uma empreitada, mas a uma concessão de obras públicas, que tem, por conseguinte, um objecto muito mais amplo.

Neste contexto se compreende mais facilmente o conteúdo dispositivo da parte final da referenciada alínea g). O diferente grau de exigência relativamente à prova da qualidade de empreiteiro inerente a qualquer dos membros do agrupamento está directamente relacionado com o volume e categoria dos trabalhos que o concorrente se propõe levar a efeito através dos meios próprios. Admitindo-se que essa prova possa ser feita, não apenas através dos certificados previstos no artigos 68º e 69º do Decreto-Lei n.º 59/99, mas também por via dos documentos substitutivos a que se refere o artigo 67º, é suposto que o valor das obras que o concorrente pretende executar sob a sua directa responsabilidade não ultrapasse o limite a partir do qual se torne exigível o registo ou a autorização para o exercício da actividade de construção.

O concorrente poderá incluir, portanto, na sua proposta um volume variável de obras a executar sob a responsabilidade própria, prevendo correspondentemente uma maior ou menor percentagem de trabalhos a executar em regime de subcontratação.

Essa possibilidade é, aliás, reconhecida expressamente pelo artigo 248º do Decreto-Lei n.º 59/99, em cumprimento do que nessa matéria dispõe o artigo 3º, n.º 2, da Directiva n.º 93/37/CEE, sendo, no caso, irrelevante que a entidade adjudicante tenha prescindido de fixar o montante do valor global das obras que deverão ser confiadas a terceiros ([30]).

Por identidade de razão, nada obsta a que a proposta de um certo concorrente contemple que os trabalhos de construção sejam atribuídos a entidades que não integrem o agrupamento, hipótese em que, como nos demais casos de subcontratação, haverá lugar ao competente concurso público de empreitada de obras públicas.

O inciso quando aplicável inserto na referida disposição pretende, pois, significar que a apresentação do certificado de classificação de empreiteiro ou a documentação sucedânea apenas se torna exigível quando, face aos termos em se encontra formulada a proposta, o agrupamento preveja executar, por intermédio de algum ou alguns dos seus membros, parte ou a totalidade das obras que integram o objecto do contrato.

5. A interpretação aqui acolhida não colide e antes se conforma com outros dispositivos do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos.

De harmonia com o n.º 15.1, alínea l), do Programa, cada proposta deverá ser instruída, entre outros, com “os estudos financeiros, estrutura da futura sociedade e relações contratuais, nos termos do n.º 28.”

Este n.º 28, no seu item 1, estatui que “os documentos que instruem as propostas nos aspectos financeiros, empresariais e contratuais deverão descrever detalhadamente: (a) a estrutura jurídica, organização empresarial da concessionária e aspectos contratuais propostos para o desenvolvimento das actividades associadas à concessão”. E o item 2, alínea b), impõe que se mencionem as “relações contratuais a estabelecer pela ou a favor da concessionária em cada uma das fases do empreendimento com indicação das partes que assumirão os riscos e a forma como estes serão transferidos, incluindo os riscos a assumir por entidades seguradoras. Em particular, os documentos deverão explicitar claramente quem assumirá as responsabilidades de projecto e construção, da conservação e exploração e do financiamento (...).”

Acrescenta o item 6 que “os concorrentes deverão ainda apresentar declarações de compromisso das entidades envolvidas em contratos a estabelecer pela concessionária.” ([31])

É das referências constantes destes dispositivos, mormente quanto à assunção de responsabilidades contratuais, que o concorrente preterido, na resposta formulada em audiência de interessado, pretende retirar uma indicação segura no sentido da obrigatoriedade de os concorrentes apresentarem o certificado de classificação de empreiteiro.

Este poderá não ser, porém, o melhor entendimento.

Nos termos do artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 9/97 (reproduzido no n.º 11. 1 do Programa do Concurso), as entidades concorrentes poderão ser constituídas por agrupamentos de empresas entre as quais não exista qualquer modalidade jurídica de associação ([32]). Por outro lado, o contrato relativo à concessão será celebrado com uma empresa sob a forma de sociedade comercial, a constituir pelas entidades componentes do agrupamento a quem tenha sido adjudicada a concessão (artigo 9º, n.º 4).

As sociedades que compõem o agrupamento, não obstante a união de esforços e a distribuição de tarefas em que tenham acordado para efeito de candidatura ao concurso, mantêm a sua autonomia jurídica, não só em relação ao agrupamento, como à futura sociedade concessionária que venha a ser constituída na sequência da adjudicação.

As relações contratuais a que se referem os n.ºs 28.1, alínea a), e 28.1, alínea b), poderão ser, portanto, precisamente aquelas que, nos termos da proposta, devam ser estabelecidas entre a concessionária e alguma ou algumas das entidades que integram o agrupamento, e que incidam, designadamente, sobre a execução de determinados trabalhos de construção.

A norma regulamentar abrange, também, naturalmente, os contratos a celebrar entre a concessionária e terceiras entidades. No entanto, quando tenha por objecto a construção de qualquer obra, o contrato deverá ser precedido, por imposição do artigo 21º do Caderno de Encargos, de concurso público a realizar nos termos da legislação nacional e comunitária aplicável ([33]).

Parece claro, todavia, que a previsão de contratos de empreitada com entidades independentes inviaviliza o cumprimento da obrigação de apresentação de um termo de responsabilidade relativamente à execução dessa obras (visto que o adjudicatário apenas será conhecido no termo do respectivo procedimento concursal), o qual apenas deverá ser exibido quando empreiteiro seja uma das entidades que compõem o agrupamento.

Ora, é justamente em função das condições que se encontrem definidas na proposta quanto ao modo como serão realizadas as obras de construção, que é possível ajuizar em concreto da obrigatoriedade, por parte de um concorrente, da apresentação do certificado de classificação de empreiteiro ou de qualquer dos demais documentos previstos nos artigos 67º e 68º do Decreto-Lei n.º 59/99. Tal apresentação, como se procurou demonstrar, apenas é exigível se o projecto de contrato relativo à construção se destine a ser outorgado com qualquer das entidades que integram o agrupamento; ao contrário, tal obrigação impenderá sobre os candidatos ao concurso público de empreitada, quando, naquela proposta, se encontre prevista a realização de obras por empreiteiros independentes ([34]).

Em qualquer dos casos, interessa reter que, mesmo partindo de uma interpretação estritamente literal da norma do n.º 28. 1, alínea b), do Programa do Concurso – o que por mera hipótese de raciocínio de concede -, a eventual falta da indicação da empresa que assume a responsabilidade directa pela execução da obra nunca poderia determinar a exclusão da proposta do concorrente, sendo quando muito valorizável para efeitos de graduação, por via da aplicação dos critérios de adjudicação ([35]).

VI
1. Uma outra questão suscitada na consulta prende-se com os auxílios concedidos pelo Estado Português à BRISA no âmbito do contrato originário de concessão de construção e exploração de lanços de auto-estrada.

Na perspectiva do concorrente preterido, e considerando que a BRISA integra um dos agrupamentos seleccionados para a fase de negociações no processo de concurso da Concessão Litoral Centro, os auxílios entretanto atribuídos a essa entidade poderão ser tidos como ilegais, por violação das regras de concorrência, e, nesse caso, a sua previsível restituição, nos termos do direito comunitário, deveria ser ponderada na decisão final do concurso, mormente para efeitos da avaliação da proposta apresentada por aquele agrupamento em relação ao critério solidez da estrutura financeira, empresarial e contratual e grau de compromisso.

É este aspecto que cabe de seguida a analisar.

O quadro jurídico da política comunitária relativa aos auxílios estatais está contido nos artigos 87º a 89º do Tratado de Roma, e em regulamentos complementares, o mais importante dos quais é o Regulamento de Processo (Regulamento n.º 659/1999, do Conselho, de 22 de Março de 1999), e ainda em comunicações e orientações da Comissão ([36]).

O princípio fundamental neste domínio é o da incompatibilidade dos auxílios públicos, entendidos estes como vantagens concedidas – independentemente da sua forma – pelos Estados-membros a empresas ou produções existentes no seu território quando daí resultem distorções da concorrência e afectação das trocas intracomunitárias (artigo 87º, n.º 1). Este princípio implica a prévia notificação do auxílio à Comissão. Em função deste princípio, os Estados abdicam, pois, de utilizar internamente, de forma unilateral, como instrumento de política económica, este tipo de incentivos às empresas quando possam falsear a concorrência no mercado comunitário.

Os auxílios concedidos sem observância da notificação (ou sem aguardarem decisão da Comissão) são ilegais; os auxílios que provoquem efeitos nocivos para a concorrência são declarados incompatíveis. De acordo com o Regulamento de Processo, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado-membro em causa deve tomar as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, incluindo juros. Compete assim aos Estados-membros, observando o seu próprio direito, efectivar junto dos beneficiários a obrigação de reembolso dos auxílios ilegais.

A regra da incompatibilidade de certos auxílios com o Tratado radica na ideia de evitar que a intervenção de um factor externo ao funcionamento do mercado comunitário, como é o comportamento dos Estados, possa criar artificialmente vantagens para certas empresas em detrimento de outras, com efeitos proteccionistas, neste caso derivados da constituição de barreiras financeiras, perturbadores da livre concorrência transnacional.

Note-se, contudo, que o Tratado não contém uma proibição geral e indiscriminada dos auxílios de Estado às empresas, inclusive às empresas públicas, mas sim uma interdição circunscrita a hipóteses precisas e condicionadas à tutela de particulares exigências comunitárias.

Assim, para que o princípio da incompatibilidade seja actuado, é necessário que se verifiquem cumulativamente os elementos constitutivos da noção de auxílio de Estado (quanto à vantagem atribuída, à entidade concedente e à entidade beneficiária) e as condições que tornam o auxílio incompatível (afectação da concorrência e do comércio intracomunitário). São eles que, no conjunto, delimitam o campo de aplicação daquele princípio ([37]).

2. Procurando fixar o estádio actual da evolução do conceito de auxílio público, a partir do disposto no artigo 87º, n. 1, do Tratado da União Europeia, enriquecido com os contributos da prática administrativa e jurisprudencial, o relatório final do grupo de trabalho constituído para definir o regime jurídico relativo aos auxílios públicos no direito português ([38]), teceu as seguintes considerações ([39]):

“Aquela disposição avança com cinco critérios que devem ser cumulativamente preenchidos para que se esteja perante um caso de auxílio público nos termos do supra referido artigo 92º, n.º 1.
Em primeiro lugar, trata-se de auxílios “concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais”. Um dos critérios a ter em conta será, pois, o da origem dos recursos.
Nesta sede importa somente verificar se a medida em causa implica um sacrifício financeiro para o Estado, traduzido num custo directo ou indirecto para o orçamento público, seja através do desembolso de recursos públicos, seja mediante a renúncia a receitas.
Em resumo, a noção de auxílio relevante para os efeitos do artigo 92º tem a ver com a transferência de encargos ou custos de produção de uma empresa para o Estado, para serem superados, directa ou indirectamente, através de financiamentos assegurados pelo Estado ou provenientes de recursos públicos.
Outro critério relaciona-se com o efeito pretendido pelas medidas de auxílio. Verifica-se aqui que a forma ou configuração técnica da medida em causa é irrelevante. Interessa, sim, que essas medidas produzam um efeito favorável sobre a situação financeira da empresa, quer se trate de uma prestação positiva (será o caso, entre outros, dos subsídios directos, das injecções de capital e dos empréstimos em condições favoráveis), quer se trate de uma intervenção dos poderes públicos mediante a qual se atenuam ou eliminam determinados ónus ou encargos que recaem sobre as empresas (as isenções de pagamento de impostos (-), redução de encargos sociais, etc.) e que a medida em causa não implique para a empresa beneficiária a prestação de uma contrapartida pela vantagem recebida.
Importa referir que não releva, para os efeitos do artigo 92º, que a empresa ou empresas beneficiárias de ajuda sejam públicas ou privadas. Na verdade, uma ajuda a uma empresa pública, fora do quadro em que o Estado accionista ou investidor está autorizado a agir, é proibida pelo artigo 92º.
A este respeito, e em particular no que se refere à transferência de fundos públicos ou para empresas privadas parcialmente detidas pelo Estado, a Comissão tem utilizado o critério do investidor privado a actuar numa economia de mercado. Este critério consiste em apurar se um investidor privado, actuando em condições normais de mercado, concederia o mesmo financiamento em condições menos favoráveis ou pura e simplesmente não o concederia.
Em terceiro lugar encontramos um critério de especificidade traduzido na expressão “favorecendo certas empresas ou certas produções”.
Este é talvez o critério mais difícil de concretizar, já que passa pela distinção entre as medidas de política económica geral, abrangidas pelo âmbito da harmonização, e as medidas específicas que podem ser abrangidas pelos artigos 92º e 94º do TCE. Só estarão abrangidas as medidas cujo objectivo específico seja a concessão de vantagens particulares a certas empresas.
Recentemente a Comissão considerou que o critério da especificidade está preenchido quando medidas fiscais ou relativas às contribuições sociais introduzem uma diferença de tratamento a favor de um ou vários sectores de actividade, sem que tal diferença se justifique pela natureza ou economia do sistema de cobrança.
Em quarto lugar, verifica-se que só se encontram interditos os auxílios que distorçam (falseiem ou ameacem falsear) a concorrência.
Os auxílios aliviam os encargos que normalmente impendem sobre os orçamentos das empresas, tendo o beneficiário uma vantagem que normalmente não poderia obter. Desse modo, a empresa beneficiada obtém uma vantagem artificial em comparação com os seus concorrentes que têm de suportar os custos através dos seus próprios recursos.
Para que um auxílio seja considerado incompatível com o mercado comum exige-se que a medida em causa afecte ou seja susceptível de afectar a concorrência ou através de uma restrição efectiva ou mediante uma mera ameaça eventual ao equilíbrio concorrencial. Apesar de tudo, não se pretende que tal equilíbrio seja uma realidade imutável. Simplesmente, entende-se que qualquer modificação deve ser atingida pela harmonização das legislações internas, da coordenação das políticas económicas nacionais ou da adopção de medidas internas de carácter geral.
Intimamente relacionada com o critério anterior (ao ponto de se poder falar num único), temos um requisito traduzido pela expressão “na medida em que afectem as trocas entre Estados-membros”. Dele resulta que não é suficiente que uma medida de auxílio afecte ou ameace afectar a concorrência; exige-se que ela produza efeitos sobre o comércio entre os Estados-membros. Nesse sentido, não se encontram sujeitas à interdição do artigo 92º as situações puramente internas.
Naturalmente, num mercado como o comunitário, as restrições de concorrência facilmente resultam numa afectação do comércio intracomunitário. Basta, por exemplo, que a empresa beneficiária do auxílio exerça, mesmo que parcialmente, uma actividade objecto de comércio significativo entre Estados-membros, para que esta condição esteja preenchida.” ([40])

3. Sintetizando, e na ausência de uma definição precisa resultante do Tratado da União Europeia ([41]) “constitui um auxílio público, para efeito da aplicação do artigo 87º, qualquer vantagem específica concedida a certa ou certas empresas, através de uma acto imputável a uma entidade pública, implicando a mobilização de recursos financeiros, da qual resulte – em virtude da situação de privilégio assim criada – uma afectação actual ou potencial da concorrência e uma distorção dos fluxos comercias no interior da Comunidade.” ([42])

Ficam assim abrangidos, independentemente do suporte jurídico que lhes deu vida[43], não apenas os clássicos subsídios ou subvenções caracterizados por atribuição financeira, patrimonial ou material sem contrapartida equivalente, mas também os auxílios que se traduzem para o Estado em diminuição de receitas, isto é num sacrifício financeiro (isenções de impostos ou taxas, bonificações de juros, percepção diferida de encargos sociais, renúncia, por parte do Estado, à remuneração do capital investido em empresas públicas ou participações sociais, etc.).

De fora do conceito ficam apenas os financiamentos que tenham por fonte recursos exclusivamente privados geridos por privados, ou recursos de origem comunitária (os chamados «fundos estruturais»), neste último caso mesmo se canalizados por organismos públicos, e bem assim, aqueles financiamentos que envolvam contrapartida equivalente por parte das empresas (prestação de serviços, compensações de certos encargos de índole pública assumidos por estas, etc.) ([44]).

Explicitando um pouco mais o campo de aplicação do princípio de incompatibilidade dos auxílios do Estado, ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et alii referem ([45]):

“Se a noção de auxílio é entendida de forma muito ampla o mesmo sucede com o conceito de Estado que abrange, para este efeito, todo e qualquer poder público interno (Administração central, local e regional, institutos públicos; organismos de utilidade pública, e mesmo empresas públicas e participadas).
Não basta, porém, que exista uma vantagem atribuída por poderes ou recursos públicos a empresas para que estejamos perante um auxílio de Estado. É ainda necessário que essas medidas sejam na linguagem da Comissão, selectivas, isto é, que favoreçam especificamente certas empresas ou produções (sectores produtivos).
Significa isto que se devem distinguir os auxílios das chamadas «medidas gerais», isto é, das intervenções dos poderes públicos com vocação geral que beneficiam de modo uniforme a economia de um país no seu conjunto, como são, em regra, os casos dos normativos fiscais gerais, das leis da segurança social ou das medidas de política monetária.
O elemento distintivo dos auxílios estatais é dado, pois, pelo seu carácter derrogatório, e, as mais das vezes, discriminatório ou mesmo discricionário.”

4. O reconhecimento da incompatibilidade da concessão de um auxílio público determina nos termos previstos no artigo 88º do Tratado, a supressão ou a modificação desse auxílio da parte do Estado visado, implicando consequentemente a sua restituição ao erário público por parte das empresas beneficiárias da ajuda ([46]).

A finalidade da restituição é a de promover o restabelecimento da situação anterior à do incumprimento por um Estado-membro das obrigações que lhe competiam por força do Tratado, e terá lugar mesmo que essa restituição tenha simplesmente o efeito de restabelecer o stato quo ante sobre a entidade que beneficiou da ajuda e não já a reposição do stato quo ante económico sobre o mercado afectado ([47]).

A jurisprudência comunitária tem igualmente acentuado que em face de uma decisão da Comissão que ordena a recuperação do auxílio ilegalmente concedido, não pode o Estado concedente alegar a violação dos princípios da confiança das empresas beneficiadas e da segurança jurídica para se subtrair à obrigação de tomar as medidas necessárias para esse efeito ([48]).

Por outro lado, e no intuito de assegurar o cumprimento da disposições do Tratado nesta matéria, o artigo 88º, n.º 1, prevê que a Comissão proceda, juntamente com os Estados-membros, ao exame permanente dos regimes de ajudas existentes.

Segundo se entende, a expressão ajuda existente compreende tanto as ajudas já existentes à data da entrada em vigor do Tratado ou dos actos de adesão (destinando-se o exame, neste caso, a verificar o respectivo modo de execução), como as ajudas criadas posteriormente, que tenham sido regularmente notificadas e autorizadas pela Comissão ([49]).

Simultaneamente, o Tribunal de Justiça desenvolveu um princípio de ilegitimidade ex tunc das ajudas que não tenham sido objecto do procedimento comunitário prévio regulamentado no n.º 2 do mesmo artigo, postulando a possibilidade de um Estado-membro ser demandado, nos termos dos artigos 169º e 170º do Tratado, quando venha a executar um projecto de auxílio antes de a Comissão ter adoptado uma decisão definitiva sobre a matéria.

5. A proibição de auxílios estatais que se tornem susceptíveis de afectar as regras da concorrência não é, porém, absoluta.

Desde logo, o Tratado da União Europeia considera compatíveis com o mercado comum as categorias de auxílios expressamente enunciadas no artigo 88º, n.º 2 ([50]); e, por outro lado, distingue diversas outras espécies de ajudas que poderão ser consideradas admissíveis mediante prévia decisão da Comissão, verificadas certas circunstâncias ([51]).

Nesta última hipótese, em que a derrogação do princípio da interdição depende de uma apreciação casuística, a Comissão tem mantido um abordagem rigorosa tem mantido uma abordagem rigorosa no seu exame da compatibilidade dos auxílios estatais com o mercado comum, procurando assegurar o equilíbrio entre, por um lado, o respeito de um regime de concorrência não falseada e, por outro, a contribuição de certos auxílios para os objectivos das outras políticas comunitárias.

Importa considerar, por outro lado, o regime especial decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 86º, pelo qual “as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza do monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada”, considerando-se, porém, que “o desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.”

Trata-se de uma cláusula de excepção às regras da concorrência, que é de aplicação automática, e, por isso, poderá funcionar independentemente de uma autorização prévia de uma instância comunitária ([52]), mas que, como se depreende do disposto nº 3 do mesmo artigo, não poderá ser aplicada à margem de um controlo administrativo ou de tutela jurisdicional ([53]).

Como escreve MARIA LUISA DUARTE ([54]), “o primeiro dos critérios que há-de reger a interpretação do nº 2 do artigo 86º é o da sua necessária articulação com o nº 1 do mesmo artigo, segundo uma relação típica entre regra e excepção. Deste modo, e como justamente sublinha o Juiz comunitário, o nº 2 permite aos Estados-membros o tratamento das empresas incumbidas da gestão de serviços de interesse económico geral de uma forma que pode “prejudicar a aplicação das normas do Tratado, relativas à concorrência, na medida em que as restrições à concorrência, ou até a exclusão de qualquer concorrência, por parte de outros operadores económicos, sejam necessárias ao desempenho da missão especial atribuída (...)”.

Para que ocorra aplicação do referido regime torna-se necessário que “a empresa em causa tenha sido efectivamente “encarregada” da gestão de um serviço de interesse económico geral por acto de autoridade pública. Não se exige, contudo, que a missão de interesse geral confiada à empresa se estenda a toda a sua actividade ou constitua a parte principal da respectiva actividade. Em suma: para beneficiar da derrogação, é suficiente que tenha sido incumbida de uma missão, uma qualquer missão, de serviço económico geral.” ([55])

Por outro lado, na ausência de uma noção comunitária de serviço de interesse económico geral ou até de serviço público, fica reservada ás autoridades nacionais uma ampla margem de apreciação quanto à tipificação os serviços desse tipo e ao seu modo de funcionamento, incluindo no tocante ao respectivo financiamento ([56]).

6. No plano do direito interno, importa ainda ter presente o Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro, que estabelece o regime geral da defesa e promoção da concorrência e cujo princípio essencial, na parte que aqui releva, se encontra enunciado no n.º 1 do artigo 11º (“Os auxílios a empresas concedidos por um Estado ou qualquer outro ente público não poderão restringir ou afectar de forma significativa a concorrência no todo ou em parte do mercado”).

É pertinente, por outro lado, considerar a exclusão constante do n.º 3 do mesmo artigo, que surge assim formulada:

“a) As indemnizações compensatórias, qualquer que seja a forma que revistam, concedidas pelo Estado como contrapartida da prestação de um serviço público;
b) Os benefícios concedidos ao abrigo de programas de incentivos ou de quaisquer outros regimes específicos aprovados pelo Governo ou pela Assembleia da República.”

Anote-se, num outro prisma e ainda à luz da legislação portuguesa, que a análise do efeito potencialmente lesivo da concorrência que é proporcionado pelos auxílios públicos não poderá deixar de ser perspectivada em função de outros imperativos constitucionais que constituem igualmente incumbência prioritária do Estado (artigo 9º, alínea d), da Lei Fundamental), com destaque para o âmbito económico social: “assegurar a plena utilização das forças produtivas” (artigo 81º, alínea c); “orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões” (artigo 81º, alínea d); “eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo” (artigo 81º, alínea d); apoiar na política agrícola preferencialmente os pequenos e médios agricultores (artigo 97º, nº 1).

Também no que respeita à política comercial e industrial compete ao Estado desenvolver uma política destinada a estimular “a concorrência salutar dos agentes mercantis” (artigo 99º, alínea a), e a aumentar a competitividade e produtividade das empresas industriais (artigo 100º, alínea c).

Do confronto destas normas constitucionais resulta a necessidade de compatibilização do princípio de defesa da concorrência com as restantes tarefas fundamentais do Estado no âmbito económico-social, que por seu turno podem constituir fundamento material bastante para justificar discriminações e, nessa óptica, derrogar o princípio da concorrência, porventura entendida numa óptica de uma concorrência perfeita ([57]).

VII
Um aspecto que interessa retomar, no quadro de desenvolvimento analítico que nos propusemos seguir, é, em atenção às circunstâncias concretas da consulta, o que respeita à caracterização das compensações indemnizatórias como auxílios públicos, para os efeitos previstos no artigo 87º, n.º 1, do Tratado.

A ideia que está subjacente à noção de compensação indemnizatória quando enquadrada num programa de auxílios estatais é a de que constitui, não uma liberalidade, mas uma atribuição monetária efectuada a um operador económico privado que tem como contrapartida na prestação de um serviço ou na assunção de um encargo de índole pública ([58]).

O fundamento da medida de apoio financeiro é representado, nesse caso, pela sujeição de uma pessoa privada a fins especiais de carácter económico ou social, que impõe que esta “adopte um comportamento conforme ao interesse público subjacente à subvenção, em vez de ter um comportamento dominado pela lógica do mercado.” ([59])

Analisando a mesma problemática no quadro genérico das subvenções que tenham como contrapartida a realização de um dado interesse público, o Relatório há pouco mencionado formula o seguinte entendimento ([60]):

“A ideia de que o acto de subvenção associa os particulares à realização do interesse público é essencial para entender a fundamentação da existência do auxílio e o rigor que deve ser colocado no seu controlo e fiscalização. É esta circunstância que justifica a existência do auxílio face ao princípio da igualdade e da defesa da concorrência; mas é também ela que exige um redobrado esforço em sede de controlo e fiscalização do destino dado aos auxílios públicos, e do cumprimento rigoroso das normas em que se baseou a concessão. É por isso que se fala de uma concertação e do resultado a atingir; ou seja, a relação jurídico-pública não se extingue com a concessão do auxílio; ela permanece até à consecução do fim a que o auxílio se destina. Fica assim ainda (mais) legitimada a tarefa de controlo e fiscalização; fica assim também melhor justificada a necessidade de um apertado controlo e conhecimento sobre todos os auxílios financeiros concedidos.
A atribuição de uma subvenção cria uma relação jurídica especial entre a administração e o destinatário da subvenção” por intermédio da qual os respectivos sujeitos ficam reciprocamente vinculados.
Fica assim justificada e explicada a necessidade de o beneficiário realizar a tarefa a que o auxílio se destinava, ou a obrigação de devolução da prestação atribuída no caso de não cumprimento dos requisitos exigidos, ou o dever de prestação de contas à administração e o poder dever de esta fiscalizar e controlar a utilização da vantagem concedida.”

São estes mesmos parâmetros que poderão justificar a abertura de um espaço de derrogação de um princípio da concorrência à luz do artigo 86º, n.º 2, do Tratado da União Europeia.

É a necessidade de acautelar e garantir o cumprimento de uma missão de serviço público que determina a atenuação das regras estritas de concorrência, consentindo excepcionalmente a eventual ocorrência de certos efeitos nocivos sobre o funcionamento do mercado ([61]).

Do que se trata é de permitir, por via de uma compensação económica, que o operador do serviço público possa desenvolver a sua actividade em condições de equilíbrio económico.

Ponto é que a concessão dos auxílios públicos corresponda a um princípio de adequação dos meios aos fins propostos, a que a jurisprudência comunitária tem dado também a devida ênfase. Um juízo de proporcionalidade – afirma-se numa decisão do Tribunal de Primeira Instância – “visa demonstrar a legalidade da medida nacional de financiamento com base na ideia da compensação proporcional. As medidas financeiras de auxílio representam o pagamento dos custos inerentes à manutenção de um serviço público (...), nos moldes concebidos e desejados por cada Estado-membro ([62]).


VIII
1. Os elementos legislativos e doutrinários acabados de coligir constituem já suficiente base de análise para se formular uma resposta à questão concreta que vem suscitada.

Convirá ainda, no entanto, recordar os dados essenciais do problema no plano factual.

A BRISA veio a beneficiar de isenções fiscais nos termos das bases do contrato de concessão aprovadas pelo Decreto n.º 467/72 (Base XI), em conformidade com o que dispunha o Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969, que, tendo autorizado a abertura de concurso público para a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, atribuía às entidades concessionárias, pelo período da concessão, uma isenção do pagamento de impostos, contribuições e outros encargos fiscais (artigo 5º).

Essa situação foi renegociada no âmbito da revisão do contrato de concessão operada pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, na perspectiva já da futura privatização da empresa concessionária, tendo-se optado então pela atribuição individual de determinados benefícios fiscais – consistentes em deduções à matéria colectável e acréscimos de amortizações –, em substituição da isenção fiscal de carácter geral até então vigente (Base XIII) ([63]).

Por outro lado, também o Decreto-Lei n.º 330-A/95, de 16 de Dezembro, estabeleceu a favor da BRISA um conjunto de medidas económicas e financeiras (perdão de dívida, exoneração do reembolso de um empréstimo e transferência para o Estado de encargos relativos a outros contratos de empréstimo - artigo 7º), que - como se explicita na respectiva exposição preambular -, tiveram em vista assegurar a adequada compensação pela perda de receitas que resultavam para a empresa concessionária da supressão de portagens em determinados troços de auto-estrada em exploração, que havia sido igualmente implementada por esse diploma.

Por fim, o Decreto-Lei n.º 130/2000, de 13 de Julho, estipulou, em termos provisórios, que o Estado comparticipasse o custo das portagens, em determinados períodos do dia, e em relação a certas classes de veículos que utilizem a Via Verde, medida que é justificada pelo legislador pela necessidade de salvaguardar o transporte de mercadorias na sequência do aumento do preço dos combustíveis.

2. A atribuição à concessionária dos mencionados auxílios estatais, nos termos do específico regime contratual da concessão outorgado pelo diploma de 1972, apenas se tornou susceptível de afectar o comércio intracomunitário a partir do momento em que, tendo sido liberalizado o mercado de concessão da construção e exploração de novas auto-estradas – com o consequente abandono do recurso ao mecanismo da ampliação da concessão preexistente, que até então vigorava –, se consentiu, paralelamente, que a BRISA pudesse também candidatar-se, em competição com quaisquer outros operadores privados, às novas concessões rodoviárias.

A potencial distorção da concorrência - que poderia originar a declaração de incompatibilidade dos referidos auxílios – poderia ser assim imputada à eventualidade de tais ajudas favorecerem a posição de um dos concorrentes, no ponto em que viessem a permitir que este apresentasse uma proposta mais vantajosa para os interesses do concedente – e, portanto, com maior probabilidade de êxito -, e que não pudesse ser justificada à luz das leis do mercado, mas apenas através dos efeitos benéficos que aquelas medidas tivessem produzido na situação financeira da empresa.

A questão que se coloca é a de saber se tais atribuições económicas, com a finalidade e nas circunstâncias com que foram concedidas, preenchem efectivamente o conceito de auxílio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 87º, n.º 1, do Tratado da União Europeia.

Como facilmente se constata, as ajudas económicas concedidas pelo Decreto-lei n.º 330-A/95 visavam a reposição do equilíbrio económico do contrato, compensando a empresa concessionária da previsível diminuição de receitas que adviria da eliminação das portagens nalguns dos troços concessionados. Trata-se, por isso, manifestamente, de uma compensação indemnizatória, não lhe retirando essa característica o facto de os auxílios assumirem a modalidade de um perdão de dívidas ou de uma transferência de encargos.

Há, em qualquer dos casos, uma vantagem financeira atribuída à concessionária e que representa para a entidade pública um determinado custo traduzido ou numa diminuição de receita ou num aumento de despesa. O aspecto fulcral, para efeito da caracterização da ajuda, é, porém, o objectivo que se pretende alcançar através da sua atribuição: traduzindo-se num ressarcimento correspondente à remuneração que o concessionário deixou de auferir por efeito da modificação contratual ditada pelo concedente, ela não representa um efectivo benefício para o co-contratante, mas uma simples contrapartida económica que igualmente poderia ter sido satisfeita, directamente, através de uma atribuição monetária que envolvesse um idêntico montante ([64]).

Não é lícito, por isso, que se distinga, para efeito da caracterização do auxílio, entre uma doação monetária e uma outra modalidade de ajuda economicamente equivalente – que poderia ter sido escolhida apenas por razões de operacionalidade financeira -, quando em qualquer dos casos se tem em vista assegurar o equilíbrio económico do contrato.

Por sua vez, no caso da comparticipação no custo das portagens relativamente a certa categoria de utentes, prevista no diploma de 2000, não estamos em rigor perante uma ajuda financeira à concessionária, mas antes uma simples consequência de uma medida económica geral que o Governo quis adoptar – diminuição do encargo a suportar pelos utilizadores como forma de reposição do poder de compra em resultado do aumento de combustíveis. A concessionária não deixou de embolsar o valor das tarifas que está contratualmente fixado e que lhe é devido. Unicamente o respectivo pagamento, por opção da concedente, e em razão de determinado interesse público, passou a ser debitado, em parte, ao Estado, e em parte ao utente.

Numa outra perspectiva, porém, a comparticipação poderá ainda ser qualificada como uma compensação indemnizatória, na medida em que se destina a realizar o pagamento integral da tarifa, que, de outro modo, ficaria reduzido à parcela, que, por imposição legislativa, passou a ser da responsabilidade do utilizador.

3. Resta considerar as isenções fiscais.

Na data em que foi outorgada a concessão, era frequente, no âmbito das concessões de serviço público, que a lei concedesse ao concessionário a isenção de impostos, contribuições ou taxas, que, nos termos das leis gerais, pudessem onerar a exploração, substituindo-se por vezes esse regime comum incerto por um regime fiscal especial a observar durante a vigência da concessão, e que consistia no pagamento pelo concessionário de uma determinada percentagem da receita bruta da exploração ([65]).

Este sistema tinha em vista impedir que o concedente, através do seu poder tributário, pudesse lançar impostos sobre as receitas da exploração, e, desse modo, diminuir de facto, por via unilateral, os preços cobrados pelo concessionário e contratualmente garantidos, visto que este não poderia fazer repercutir sobre os utentes os encargos tributários, como faria uma outra empresa privada ([66]).

A isenção fiscal inseria-se, portanto, na equação financeira que constituía o objecto do contrato, integrando de algum modo a retribuição que competia ao concessionário como contrapartida das prestações de serviço público de que se encontrava incumbido.

E nenhuma razão há para entender diferentemente em relação à previsão da Base XI do contrato aprovado pelo Decreto n.º 467/72, mantida nas suas sucessivas revisões.

É o Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, que altera a situação tributária da empresa concessionária - já na perspectiva da sua ulterior privatização -, passando a enquadrar o benefício fiscal na modalidade de dedução à matéria colectável (cfr. artigo 2º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho).

Sem dúvida que essa alteração agravou a posição económica da concessionária e deve ter sido ponderada pelas partes na renegociação de outros aspectos contratuais da concessão.

Em todo o caso, não há razão para pensar que os benefícios fiscais atribuídos, tal com o previsto na Base XIII do contrato, na redacção do Decreto-Lei n.º 294/97, tenham infringido o quadro legal em que se processa a sua concessão.

Nos termos do artigo 5º, n.º 1, do mencionado Estatuto, “a definição dos pressupostos objectivos e subjectivos dos benefícios fiscais deverá ser feita em termos genéricos e tendo em vista a tutela dos interesses públicos relevantes, só se admitindo benefícios de natureza individual por razões excepcionais devidamente justificadas no diploma que os instituir.” Concretizando o disposto na primeira parte desse preceito, o n.º 2 acrescenta que “a formulação genérica dos benefícios fiscais deve obedecer ao princípio da igualdade de modo a não falsear ou ameaçar falsear a concorrência.”

Haverá de reconhecer-se que os benefícios em causa cumprem os parâmetros definidos naquele n.º 1: por um lado, resultam de uma previsão genérica quanto aos pressupostos objectivos, inserta, como tal, em diploma com força de lei; por outro, a sua atribuição a título individual é, no caso, justificada pelo relevante interesse público que se encontra subjacente ao objecto do contrato.

E prevendo a norma do n.º 2 a obrigatoriedade de se respeitar o princípio da concorrência – como limite material a qualquer desagravamento fiscal -, nada permite concluir que o legislador, ao fixar as novas bases contratuais da concessão, não tenha tomado em consideração esse pressuposto.

Numa interpretação consentânea com a unidade do sistema jurídico é, por isso, de aceitar que a entidade pública concedente tenha encarado os referidos auxílios como uma componente da retribuição contratual na lógica do regime contratual originário.

De outro modo, seria ainda razoável considerar que a atribuição dos benefícios fiscais – perfeitamente compreensíveis no quadro de uma relação jurídica administrativa especial - se enquadra no regime derrogatório do artigo 86º, n.º 2, do Tratado da União Europeia, em atenção à específica missão de interesse económico geral que está confiada à concessionária.


IX

1. Uma outra questão que se coloca reporta-se à possibilidade de a proposta apresentada pelo Agrupamento BRISAL consubstanciar abuso de posição dominante, como tal proibido pelo artigo 82º do Tratado da União Europeia.

A referida disposição declara «incompatível com o mercado comum e proibido na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.» ([67])

Trata-se de uma proibição geral e absoluta, uma vez que, contrariamente ao que sucede com as proibições constantes do artigo 87º há pouco analisado, não admite isenções individuais.

O Tratado não define o que entende por «posição dominante», tendo sido a prática administrativa da Comissão e a jurisprudência comunitária a delimitarem o conceito, por apelo, não apenas ao sentido literal da norma, mas aos elementos teleológicos e sistemáticos de interpretação ([68]).

A doutrina da Comissão foi fixada primeiramente num Memorando de 1 de Dezembro de 1965, em que se definia posição dominante como o poder de determinar o comportamento de outras empresas. A posição dominante é, assim, tida como «um poder económico», isto é, como «a faculdade de exercer sobre o funcionamento do mercado uma influência notável e, em princípio, previsível por parte da empresa dominante».

Esta definição, formulada em termos de comportamento de mercado, foi mais tarde precisada numa decisão proferida no processo Continental Can ([69]), no sentido de se esclarecer que «estão em posição dominante aquelas empresas que têm a possibilidade de assumir comportamentos independentes, que as habilitam a actuar sem ter em conta os concorrentes, os compradores ou os fornecedores».

Em termos similares, o Tribunal de Justiça qualifica como posição dominante “uma posição de força económica de que goza uma empresa, que lhe permite impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado relevante, ao permitir-lhe comportar-se, em medida considerável, de forma independente em relação aos seus concorrentes, clientes e consumidores finais. Tal posição não exclui a existência de alguma concorrência (...), mas permite à empresa que dela desfruta, se não determinar, pelo menos ter uma influência considerável nas condições em que se desenvolve a concorrência, e, de qualquer modo, agir em grande medida em seu desrespeito, quando o seu comportamento não opera em seu detrimento”. (Acordão Hoffmann-La Roche).

Entre os factores a que as autoridades comunitárias têm recorrido para determinar a existência ou não de uma posição dominante, contam-se critérios estruturais (dão conta das condições de organização do mercado, como a dimensão das empresas, recursos tecnológicos e financeiros, quota de mercado detida pela empresa, condições de acesso ao mercado), critérios de comportamento (têm a ver com a política de mercado levada a cabo pelas empresas - fixação de preços, elaboração dos produtos, o seu lançamento, as relações com os distribuidores, prazos de entrega, distribuição directa ou por concessionário, quotas atribuídas aos distribuidores ou concessionários), e critérios de resultado (que indicam as consequências das acções levadas a efeito pelas empresas, designadamente em termos de rentabilidade, prejuízos e lucros) ([70]).

Os critérios de resultado são considerados os menos esclarecedores e de mais difícil interpretação, mas tem-se também entendido que a posição dominante poderá ser detectada através de um juízo de presunção em que se faça intervir a conjugação dos diversos factores ([71]). Um dos indícios da existência de posição dominante poderá ser, neste contexto, a ausência de concorrência efectiva ou mesmo a detenção de quotas de mercado de grande amplitude (70 a 80%) ([72]).

2. Quanto a este específico aspecto é elucidativa a posição adoptada pelo legislador português.

Após proibir a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste, tendo por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência, o n.º 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 371/93 define posição dominante nos seguintes termos:

“Entende-se que dispõem de posição dominante relativamente ao mercado de determinado bem ou serviço:
a) A empresa que actua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume preponderância relativamente aos seus concorrentes;
b) Duas ou mais empresas que actuam concertadamente num mercado, no qual não sofrem concorrência significativa ou assumem preponderância relativamente a terceiros”.

Seguidamente, no n.º 3 do mesmo artigo, perfilhando critério quantitativo para determinar a existência de uma posição dominante no mercado, acrescenta-se que

“Sem prejuízo da ponderação, em cada caso concreto, de outros factores relativos às empresas e ao mercado, presume-se que:
a) Se encontra na situação prevista na alínea a) do número anterior uma empresa que detenha no mercado nacional de determinado bem ou serviço uma participação igual ou superior a 30%.
b) Se encontram na situação prevista na alínea b) do número anterior as empresas que detenham no conjunto do mercado nacional de determinado bem ou serviço;
i) Uma participação igual ou superior a 50%, tratando-se de três ou menos empresas;
ii) Uma participação igual ou superior a 65%, tratando-se de cinco ou menos empresas”.

Mas, como vimos, no apuramento da existência de uma posição dominante não se pode tomar em conta apenas a dimensão absoluta ou relativa da empresa; importa também ter em conta o seu comportamento, ou seja, a forma como se conduz no respectivo mercado, no tocante quer à fixação de preços, quer às condições da distribuição dos produtos, quer ao seu relacionamento com outros agentes económicos. Só o exame desse comportamento nos permitirá concluir se a empresa se conduz de forma independente em face dos operadores económicos do sector e se consegue ou não impedir uma concorrência efectiva no mercado ([73]).

3. O disposto no artigo 82º reporta-se a uma posição dominante no Mercado Comum ou numa parte substancial deste.

A determinação do mercado relevante para os efeitos previstos nesta disposição obriga a fazer apelo a dois critérios distintos: o critério geográfico e o critério económico ou do produto que está em causa (também caracterizado como um limite material) ([74]).

Num primeiro momento, a posição dominante não tem de ser aferida necessariamente em relação a todo o território da Comunidade, podendo sê-lo apenas a uma sua parte substancial. Esta parte substancial é, no entanto, entendida não apenas em função da extensão territorial, mas também da importância económica do mercado, dependendo de diversos factores de individualização (densidade populacional, hábitos e poder de compra, volume e estrutura da produção, condições de concorrência).

O conceito de mercado geográfico é, assim, simultaneamente quantitativo e qualitativo.

A delimitação do mercado no plano material é efectuada, por sua vez, através da identificação do produto (ou categoria de produtos) ou serviço (ou classe de serviços) relativamente aos quais uma empresa é susceptível de deter independência de comportamento que possa caracterizar-se como posição dominante.

Nesta outra perspectiva, “um produto só poderá ser considerado como objecto de um mercado suficientemente distinto se puder ser individualizado por qualidades específicas capazes de o diferenciar de outro ou outros produtos, a tal ponto que estes lhe não possam fazer uma concorrência sensível.” ([75])

A definição do mercado relevante resulta assim de uma apreciação casuística em que se analisa separadamente através da actividade comercial e o espaço territorial comunitário em que ela se exerce ([76]).

Apurado que se trata de um mercado relevante, é seguidamente função da Comissão verificar se o exercício de uma posição dominante, por parte de uma empresa, poderá produzir efeitos indesejáveis sobre comércio interestadual.

4. Cabe esclarecer, porém, que o artigo 82º não proíbe a existência ou mesmo a aquisição de uma posição dominante ([77]), mas tão somente os comportamentos nocivos à concorrência e trocas intracomunitárias que impliquem uma exploração abusiva de uma situação de privilégio resultante da detenção de posição dominante.

O Tratado não contém, no entanto, qualquer definição de exploração abusiva, limitando-se a enumerar, de forma não taxativa, alguns exemplos indicativos, baseados em hipóteses clássicas.

É, deste modo, proibida a imposição de preços não equitativos, quer sejam preços excessivos, quer sejam predatórios ou agressivos, como também as condições de transacção não equitativas, como, por exemplo, os descontos injustificados, as limitações de produção, de distribuição ou de progresso técnico em desfavor dos consumidores (recusas de fornecimentos, de informações técnicas), as práticas discriminatórias e as cláusulas de subordinação ([78]).

Concretizando um pouco mais as formas de exploração abusiva da posição dominante, segundo a enumeração exemplificativa do artigo 82º do Tratado, MOTA CAMPOS, escreve ([79]):

“1.º Imposição de preços ou de outras condições de transacção não equitativas.
Um preço pode ser considerado não equitativo para os consumidores – isto é, excessivo – se não apresentar uma “relação razoável com o valor económico” do produto transaccionado ou do serviço fornecido – isto é, uma justa relação qualidade/preço.
O critério assim enunciado do valor económico é, porém, vago e de difícil utilização. É sem dúvida mais seguro julgar da falta de equidade do preço através da comparação do custo real de produção com o preço de venda do produto ou serviço em causa (portanto através da margem do benefício obtida) e bem assim mediante a comparação desse preço com o preço de produtos ou serviços concorrentes.

2.º Limitação da produção, da distribuição ou do desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores.
O abuso previsto na alínea b) do artigo 82º - que se exprime numa limitação do desenvolvimento técnico ou comercial (comportamento malthusiano) – pode manifestar-se por diversas formas:
Ocorre, por exemplo, quando o detentor de uma posição dominante no mercado de determinadas matérias-primas, tendo em vista reservá-las para o seu próprio fabrico de produtos derivados, recusa o fornecimento de tais matérias-primas a um cliente fabricante desses produtos, cuja concorrência poderá, desta forma, ser completamente eliminada.
Ocorre igualmente esta modalidade de abuso de posição dominante quando uma empresa recusa abastecer os negociantes que se não conformam com a sua política comercial.
Enquadra-se também na alínea b) do artigo 82º o comportamento de uma empresa em posição dominante que obriga os seus clientes a fornecer-se exclusivamente junto dela ainda que, como contrapartida desta obrigação, esses clientes beneficiem de certos descontos, bónus ou prémios de fidelidade.

3.º Imposição de condições discriminatórias.
O artigo 82º, alínea c), considera como abuso de posição dominante “aplicar, relativamente a parceiros comerciais condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência”.
A discriminação abusiva entre os parceiros comerciais – que pode consistir na recusa de venda ou na recusa de celebração de um contrato – pode ser praticada em razão da nacionalidade ou do domicílio destes ou de outras circunstâncias.
A jurisprudência comunitária não impede no entanto uma empresa em posição dominante de conceder um tratamento diferenciado aos seus clientes, tendo em conta os laços particulares existentes com cada um deles. O cliente ocasional não tem, com efeito, o direito de exigir tratamento idêntico ao do cliente regular.
Mas qualquer discriminação neste domínio tem que ser satisfatoriamente justificada, como é o caso quando se trata da concessão de descontos apenas a certos clientes.

4.º Contratos copuIados.
Igualmente o artigo 82º, alínea c), define como abusivo e sanciona o comportamento da empresa dominante que consiste em “subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos”.
Tal sucede quando uma empresa usa da posição dominante que detém no mercado de um certo produto para impor a compra de outro ou outros bens ou a aquisição de determinados serviços (por ex. do serviço de assistência ao bem comprado) causando assim aos seus clientes um prejuízo na medida em que os impede de livremente adquirir estes bens ou serviços num mercado de concorrência. Note-se que esta prática abusiva está também vedada pelo artigo 81º, n.º 1, alínea e), aos participantes num cartel.” ([80])

5. Para além das situações que poderão configurar-se por apelo directo às referências da legislação comunitária, a noção de exploração abusiva tem vindo ainda a ser progressivamente recortada pela prática da Comissão e do Tribunal de Justiça, mediante a consagração de alguns critérios gerais tendentes a defini-la.

O aspecto mais significativo da óptica comunitária é que ela assenta numa concepção objectiva. O que significa que se abstrai dos fins subjectivamente prosseguidos pela empresa para atender apenas ao comportamento objectivamente considerado ([81]).

Nesta linha de orientação, o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979 (caso Hoffman La Roche) definiu o abuso como “um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa dominante susceptíveis de influenciar as estruturas de mercado, no qual precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência é afectado e que têm como efeito, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal entre produtos e serviços com base nas prestações dos operadores económicos, criar obstáculos à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência.”

6. Uma referência final é ainda devida ao tipo de sanção aplicável ao abuso de posição dominante.

Nos termos do artigo 2º do Regulamento n.º 17, do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, e do artigo 2º, alínea b), do Regulamento n.º 27, qualquer empresa que possa ser considerada em posição dominante poderá solicitar à Comissão que se pronuncie sobre a conformidade do seu comportamento ao artigo 82º do Tratado, permitindo que esta entidade, se assim o entender, tendo em conta a situação tal qual lhe é exposta, emita um certificado negativo.

A Comissão pode agir, porém, independentemente de solicitação da empresa, por sua própria iniciativa ou mediante queixa de qualquer interessado, ao qual cumpre fornecer-lhe as provas de que disponha sobre o comportamento abusivo da empresa ou empresas por ele denunciadas.

Se, por decisão fundamentada, a Comissão considerar como verificada a infracção ao artigo 82º, aplicará à empresa ou empresas responsáveis a sanção pecuniária que considerar adequada (multa e adstrição), e impor-lhe-á a adopção das medidas que julgar necessárias para obviar aos efeitos anticoncorrenciais do abuso cometido ([82]) ([83]).

X
Os argumentos aduzidos pelo Agrupamento preterido, em sede de audiência de interessado, no presente procedimento adjudicatório, partem da ideia base de que o concorrente sobre que recaiu a escolha da Comissão de Apreciação de Propostas detém uma posição dominante no mercado, em relação à actividade que constitui o objecto do concurso, por via de uma significativa participação da BRISA no respectivo Agrupamento, quando essa entidade se mantém como titular do primeiro contrato de concessão e exploração de lanços de auto-estrada, conservando assim uma situação de quase monopólio ([84]).

A caracterização da situação de abuso de posição dominante é, por sua vez, alicerçada em duas ordens de considerações:

(a) de um lado, o Agrupamento BRISAL oferece uma taxa interna de rentabilidade inferior às normalmente praticadas, quer pela própria BRISA, quer pelas empresas congéneres, o que faz supor que fará accionar, na vigência da concessão, um mecanismo de “financiamento cruzado”, mediante a utilização na construção da auto-estrada Litoral Centro de receitas provenientes das outras concessões já outorgadas à BRISA;

(b) de outro, considerando que o lanço a que se refere o actual concurso constitui uma alternativa à A1, podendo gerar decréscimo de receitas por efeito da consequente redução do tráfego rodoviário nesta via, o Agrupamento BRISAL poderia ser tentado a atrasar a abertura da nova auto-estrada de modo a atenuar as consequências negativas em termos de rentabilidade da anterior concessão, actuando assim, na prática, em monopólio de facto.

A primeira observação que cabe efectuar é que a apresentação de uma proposta de candidatura a uma nova concessão, por parte de uma entidade que é já detentora de uma substancial quota do mercado no âmbito da mesma actividade comercial, independentemente dos termos em que tal proposta se encontra formulada, não é em si sancionável em face do disposto no artigo 82º do Tratado.

Mesmo o legislador, quando através do Decreto-Lei n.º 287/99, de 28 de Junho, legitimou a BRISA a concorrer, directamente ou mediante sociedade de si dependente, a concessões rodoviárias no âmbito da construção e exploração de auto-estradas, não podia ignorar que essa entidade tinha exercido até então essa actividade em regime de exclusivo.

Por outro lado, a apresentação da BRISA a um concurso público destinado a adjudicar a concessão, juntamente com outros interessados que preencham os requisitos de admissibilidade previstos na lei e nos respectivos regulamentos, implica já a sujeição a um procedimento que, em primeira linha, tem em vista assegurar a aplicação, entre outros, de um princípio de concorrência. Princípio esse que se reflecte não só na relação externa, visando evitar situações discriminatórias que possam afastar potenciais interessados – e por isso se exige também uma adequada divulgação das actuações administrativas, mormente no momento da abertura do concurso -, como na relação interna de modo a permitir um tratamento igualitário de todos os candidatos desde a admissão à adjudicação ([85]).

Certo é que, no caso vertente, o Programa de Concurso impõe aos candidatos que tenham em consideração, na elaboração dos documentos do concurso, as normas da União Europeia que vinculam o Estado Português [86]. Mas essa é apenas uma declaração de princípio que se destina a incutir um desejável espírito de boa fé e leal colaboração com a Administração no desenvolvimento das operações de concurso, porquanto é sem dúvida à Comissão de Apreciação de Propostas e, em última instância, à entidade adjudicante que cabe velar pela observância rigorosa das regras, quer substantivas, quer processuais, que regulam o procedimento.

Neste plano cabe ainda à Comissão de Apreciação valorar e graduar as propostas segundo os critérios de adjudicação enunciados no Programa de Concurso, tendo em atenção o peso relativo das diversas especificações técnicas, económicas financeiras e organizativas que cada um dos candidatos menciona. E a Comissão, no âmbito desse processo classificativo, poderá desvalorizar as condições que sejam ilícitas ou inaceitáveis segundo a lógica de mercado.

É possível que a proposta formulada por um candidato que se apresente à partida numa posição dominante na área de actividade a que o concurso se refere, contenha certas condições, que, sendo embora eventualmente mais favoráveis do ponto de vista do interesse do entidade adjudicante, indiciem a adopção, por parte da empresa, de uma política de mercado que é proibida à luz do disposto no artigo 82º do Tratado (v. g., a oferta de preços anormalmente baixos).

No entanto, nesse caso, de acordo com os critérios que se deixaram antes explanados, seria necessário demonstrar a conexão entre a essa proposta e o poderio económico que a proponente tenha adquirido em razão da sua posição dominante: ou seja, é necessário comprovar que a empresa se prevaleceu da sua especial situação para se sobrepor aos demais candidatos apresentando condições que para estes seriam inacessíveis.

Ora no caso vertente, é dificilmente sustentável que a quota de exploração de auto-estradas que a BRISA detém, por efeito do primeiro contrato de concessão outorgado pelo Estado, possa conferir-lhe uma situação privilegiada em termos de poder facilitar a oferta de condições que falseiem a concorrência.

Sabendo-se que os auxílios concedidos no âmbito da concessão originária devem ser tidos como meras compensações financeiras, destinadas a repor o equilíbrio financeiro do contrato, não se vê aí motivo bastante para que a referida entidade possa ostentar em relação aos demais concorrentes uma situação económica mais favorável. Por outro lado, todos os direitos e deveres do concessionário encontram-se contratualmente fixados, mormente nos seus aspectos retributivos, sendo ainda certo que o objecto da concessão integra uma actividade de interesse económico geral, que, por natureza, propicia a sujeição ao poder de modificação unilateral da Administração.

Não actuando a concessionária no exercício dessa sua actividade de modo livre, segundo as estritas regras do comércio jurídico, e estando antes permanentemente subordinada à realização do interesse público, a sua posição no mercado não é inteiramente equivalente à de qualquer outro operador privado.

E assim se compreende que em relação a tais empresas o Tratado da União Europeia admita a aplicação de um regime derrogatório das regras comunitárias da concorrência (artigo 86º, n.º 2).

É, por isso, inconsequente afirmar que a BRISA, enquanto primeira concessionária de construção e exploração de auto-estradas mantenha uma capacidade de empresa dominante para exercer uma influência determinante sobre os comportamentos de outras empresas do sector que com ela estejam em concorrência.

E deverá ter-se em consideração, ainda, que também o contrato de concessão que será outorgado na sequência do procedimento de concurso agora em causa, estará submetido a estritas regras de execução, mormente quanto aos mecanismos de financiamento e prazos de conclusão das obras e entrada em funcionamento dos troços concessionados, pelo não será legítimo arguir que a futura concessionária, caso seja uma sociedade dependente da BRISA, poderá utilizar práticas monopolistas, alargando ou comprimindo a oferta ou procura em relação aos troços concessionados, actuações que, em todo o caso, sendo contrárias ao interesse público, seriam necessariamente sancionadas pela Administração.

No quadro analítico acabado de expor, compreende-se que tenha um muito reduzido valor indiciário a alegada oferta, por parte do Agrupamento BRISAL, de uma taxa de rentabilidade interna inferior à aplicada por outras empresas do mesmo sector de actividade. Ela pode justificar-se por diversos factores conjunturais que nada tenham a ver com o exercício de uma posição dominante, não sendo lícito inferir, apenas por isso, que a empresa passará a adoptar procedimentos contabilísticos irregulares.

Tratar-se-á, pois, de um elemento que, como muitos outros, carece de ser ponderado no quadro da apreciação global da proposta do concorrente e que, por si só, não é revelador de um comportamento proibido à luz das regras comunitárias.
XI
1. Cabe ainda dilucidar um aspecto que se prende com a eventualidade de o projecto de decisão final do concurso se encontrar inquinado de ilegalidade por violação do princípio da imparcialidade, atendendo à circunstância de o Agrupamento BRISAL, graduado em primeiro lugar, integrar, entre outras entidades, o IPE – Investimentos e Participações Empresariais, S.A., em que o próprio Estado detém uma participação social.

A argumentação aduzida em sentido afirmativo assenta na ideia de uma certa promiscuidade de interesses ([87]), considerando que, de um lado, o concurso foi aberto por despacho conjunto do Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, e, por outro, a participação social no IPE é gerida pela Direcção-Geral de Tesouro, entidade que, por sua vez depende do Ministério das Finanças.

A situação versada poderia, de resto, configurar, segundo se afirma, uma analogia jurídica substantiva com a causa de impedimento prevista no artigo 44º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo ([88]).

2. A abordagem desta questão impõe uma indagação prévia quanto à natureza jurídica do organismo que é referenciado como fazendo parte integrante do Agrupamento.

A sociedade IPE- Investimentos e Participações do Estado, S:A. foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 330/82, de 18 de Agosto, e resultou da transformação do Instituto de Participações do Estado, E.P., que havia sido criado pelo Decreto-Lei n.º 163-C/75, de 25 de Março, com o estatuto de empresa pública.

Na origem da constituição de tal instituto encontra-se o movimento de nacionalizações verificado em 1974 e 1975, que determinou um substancial acréscimo da participação pública em sociedades comerciais, por via da nacionalização indirecta do capital detido nessas sociedades por empresas nacionalizadas.

O IPE surge assim com o objectivo de assegurar a gestão e o reordenamento desse vasto conjunto de participações sociais indirectamente nacionalizadas.

A primeira reformulação dos objectivos do IPE ocorreu em 1979, quando a sua carteira de participações sociais foi drasticamente reduzida, passando então a atribuir-se-lhe, com a transformação em sociedade anónima de capitais públicos, em 1982, não só a gestão de participações, mas também funções de fomento no investimento produtivo.

Na sequência da revisão constitucional de 1989 e da publicação da Lei Quadro das Privatizações – que determinaria a breve prazo a privatização de vários entes públicos que participavam no capital da sociedade -, o IPE foi objecto de uma nova requalificação institucional, que previa a sua progressiva abertura a capitais privados.

Assim, nos termos do Decreto-Lei n.º 406/90, de 26 de Dezembro ([89]), a denominação social do IPE é alterada para IPE – Investimentos e Participações Empresariais, S.A. (artigo 1º), cujas acções representativas do capital social poderão ser objecto de titularidade de entidades públicas e privadas (artigo 2º).

O IPE passou assim a caracterizar-se como uma sociedade de economia mista, estipulando a lei que “caso o Estado e outras entidades públicas conjuntamente possuírem entre 10% e 50% das acções representativas do capital social com direito de voto, poderá o Governo nomear um administrador, o qual gozará dos poderes previstos na lei geral” (artigo 4º).

O diploma esclarece ainda, na disposição seguinte, que “sem prejuízo das situações criadas ao abrigo da legislação anterior, a sociedade deixa de ser, para todos os efeitos, equiparada ao Estado.”

3. O novo quadro jurídico-constitucional desencadeado pela revogação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações ditou também profundas alterações na composição e nas regras de funcionamento da actividade empresarial pública, que foram corporizadas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, ao fixar o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas ([90]).

A primeira novidade trazida pelo diploma ([91]) consiste na redefinição do conceito de empresa pública, que, conforme se esclarece no preâmbulo, tem em vista aproximá-lo “daquele que é fornecido pelo direito comunitário.” ([92]) ([93])

Nos termos do artigo 3º, n.º 1, empresas públicas são agora “as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.” ([94])

São também empresas públicas, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III. Empresas públicas deste tipo são, conforme dispõe o artigo 23º, as pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado (n.º 1) e, ainda, as empresas públicas a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, existentes à data da entrada em vigor do presente diploma (n.º 2).

Como se vê, o novo diploma adopta um conceito de empresa pública muito mais amplo, passando a incluir no respectivo âmbito, não só as empresas de base institucional (que passam a designar-se como entidades públicas empresariais), como as empresas do tipo societário, que o Decreto-Lei n.º 260/76 remetera para o regime comum do direito comercial, o que se traduziu – como é reconhecido no preâmbulo do diploma - num significativo aumento do universo das empresas abrangidas, mas também numa maior variedade de figuras jurídicas que o integram.

Existem aparentemente duas formas jurídico-organizatórias de empresas públicas ([95]): a privada, representada pelas sociedades comerciais em que a posição directa ou indirecta do Estado ou de outras entidades públicas estaduais seja dominante; e a pública, correspondente ao protótipo de empresa pública moldado pelo Decreto-Lei n.º 260/76, enquanto pessoa colectiva de direito público ([96]).

4. Por seu lado, as disposições gerais relativas ao regime de funcionamento das empresas públicas constituídas sob a forma societária, consignadas na secção III do capítulo I (artigo 10º a 18º), congregam algumas particularidades que se traduzem num conjunto de regras derrogatórias do direito comercial comum.

As disposições mais relevantes, neste domínio, são as dos artigos 10º a 13º que representam de algum modo uma solução de compromisso entre o antigo regime de tutela consagrado no Decreto-Lei n.º 260/76 e um estrito funcionamento subordinado às regras das sociedades comerciais ([97]).

Consoante prevê o artigo 10º, os direitos do Estado como accionista são exercidos através da Direcção-Geral do Tesouro (n.º 1) ou, indirectamente, através de sociedades gestoras de participações sociais, cujas acções sejam detidas pelo Estado e ou por entidades de direito público ou de capitais exclusivamente públicos (n.º 3). Os direitos das outras entidades públicas estaduais competem aos respectivos órgãos de direcção, sem embargo das orientações decorrentes da superintendência e tutela que o Estado sobre elas exerça (n.º 2).

O Estado e as demais entidades públicas submetem-se, pois, às normas do CSC que regem o estatuto dos accionistas ([98]). No entanto, o exercício da função accionista está sujeito às orientações estratégicas definidas pelo Conselho de Ministros, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 11º, competindo ao Ministro das Finanças (e ao ministro do sector ou às sociedades gestoras de participações sociais, quando disponham de poderes delegados) verificar se essas orientações são cumpridas e emitir recomendações no sentido da sua aplicação (n.º 3).

Esta intervenção estatal externa, realizada através do exercício de um poder orientador, é complementada, nos termos do artigo 12º, pelo controlo financeiro a que as empresas públicas se encontram sujeitas no tocante à verificação da conformidade legal e económica da gestão, o qual é exercido pela Inspecção-Geral das Finanças, sem prejuízo das competências que, nos termos gerais, competem ao Tribunal de Contas.

Uma outra norma que reflecte um desvio ao regime geral é a do artigo 13º, que consagra um conjunto de deveres especiais de informação a cargo das empresas públicas.

De harmonia com este preceito, as empresas públicas, para além do dever de informação aos accionistas – que, em geral, está regulamentado para as sociedades comerciais nos artigos 288º a 293º do CSC -, devem facultar ao Ministério das Finanças e ao ministro do sector, directamente ou por intermédio das sociedades gestoras de participações, determinados elementos de informação que se destinam a permitir que as referidas autoridades governamentais exerçam sua função de acompanhamento e controlo da gestão ([99]).

Em contrapartida, as empresas públicas poderão exercer certos poderes e prerrogativas de autoridade, os quais serão atribuídos - apenas na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público -, mediante diploma legal, ou, no caso das empresas encarregadas de gestão de serviços de interesse económico geral, por via do respectivo contrato de concessão (artigo 14º do Decreto-Lei n.º 558/99).

Trata-se, designadamente, de poderes relativos à expropriação por utilidade pública, utilização, protecção e gestão de infra-estruturas de serviço público e licenciamento e concessão em áreas de domínio público que lhes estejam afectas, e que correspondem às prerrogativas que já anteriormente poderiam ser concedidas às denominadas empresas públicas de interesse político, previstas no artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 260/76 ([100])([101]).

5. Segundo a informação veiculada no processo, o Estado detém, através da Direcção-Geral do Tesouro, 44,88% do capital do IPE - Investimentos e Participações Empresariais, S.A., pelo que se não encontra preenchido o requisito definido na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 558/99, para efeito da integração dessa entidade no conceito de empresa pública, sendo certo que não vem referida qualquer outra circunstância que, nos termos do mesmo preceito, lhe confira esse qualificativo.

Assim, o IPE não é mais do que uma empresa participada, tal como resulta da definição constante do artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 558/99 (“as organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas empresariais, de carácter administrativo ou empresarial, por forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das participações públicas não origine qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 3º.”([102]) ([103]))

Na medida em que a participação não atribui à entidade pública a possibilidade de controlar a decisão da empresa, mas apenas a de participar com as restantes entidades privadas na formulação das decisões dos seus órgãos sociais, poderá falar-se de uma participação simples ([104]). Estas empresas, simplesmente participadas, integram ainda do sector empresarial do Estado, mas, conforme prevê o artigo 36º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 558/99, ficam subordinadas ao regime especial mais ténue, no tocante ao exercício da função accionista e do direito à informação, do que o previsto para as empresas públicas.

O carácter de excepcionalidade deste regime tem sido, porém, desvalorizado, considerando-se que ele tem correspondência, de alguma forma, nas disposições gerais do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que exigem a elaboração de documentos de prestação de contas, por parte dos membros da administração (como é o caso dos elementos previstos nos artigos 65º e 66º), e aos quais qualquer accionista com mais de 1% do capital social pode ter acesso, nos termos do n.º 1 do artigo 288º daquele diploma ([105]).

Escassas são, também, as disposições específicas do CSC que se aplicam às sociedades de capitais públicos e de economia mista. Há a referir o artigo 142º, n.º 1, alínea a), que excepciona do regime de dissolução judicial, por redução do número de sócios abaixo do mínimo legal, as sociedades em que um dos sócios seja o Estado ou entidade equiparada; o artigo 273º, n.º 2, que permite que sociedades anónimas de capital maioritariamente público possam constituir-se apenas com dois sócios (derrogando o número mínimo de cinco, previsto no n.º 1 do mesmo preceito para as sociedades comerciais em geral); e ainda o artigo 384º, n.º 3, que exclui, em relação ao Estado e às entidades equiparadas, a limitação de número votos por cada accionista que é permitida pela alínea b) do n.º 2 desse preceito.

No tocante aos administradores nomeados por parte do Estado, o CSC apenas prevê regras específicas quanto à sua nomeação e destituição: o artigo 392º, n.º 11, do CSC estabelece que os administradores por parte o Estado “são nomeados nos termos da respectiva legislação”; o n.º 4 do artigo 403º proíbe que os membros do conselho de administração nomeados pelo Estado possam ser destituídos pela assembleia geral, que apenas pode manifestar a sua desconfiança, comunicando a respectiva deliberação ao ministro competente (artigo 403º, n.ºs 1 e 4).

6. Uma nota que, num primeiro momento, cabe registar, aproximando-nos agora da resolução da questão concreta suscitada, é que o IPE é uma pessoa jurídica independente, revestindo a natureza de uma sociedade de economia mista.

A existência de uma participação pública no capital social apenas significa que o Estado poderá influenciar o destino e as opções estratégicas da empresa nos mesmos termos de qualquer accionista privado minoritário.

Os deveres de informação especialmente previstos no artigo 36º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 558/99 – que correspondem aos geralmente contemplados na lei comercial comum – e as demais especialidades consignadas no Código das Sociedades Comerciais para esse tipo de sociedades, são justificados unicamente pela especificidade de a detentora de uma parte do capital social ser um ente público, o que – reconhecer-se-á – constitui fundamento material bastante para um tratamento diferenciado.

Como observam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ([106]), “o princípio da imparcialidade respeita essencialmente às relações entre a Administração pública e os particulares, podendo circunscrever-se a dois aspectos fundamentais: (a) o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no nº 1, consiste em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionadamente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); (b) o segundo refere-se à acusação da Administração em face dos vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público. O princípio da imparcialidade, que se relaciona, embora não se confunda, com o princípio da igualdade, mede, por outro lado, distinguir-se do princípio da neutralidade, pois a Administração não pode conceber-se com neutral em relação à prossecução do interesse público.”

“A garantia da imparcialidade da Administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares de órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal, directo ou indirecto.”

Tais impedimentos estão justamente consignados na lei ordinária, no artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo, determinando, designadamente, que nenhum titular de órgão ou agente da Administração pode intervir em procedimento administrativo, ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, “quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa” (alínea a).

Esta regra consagra uma garantia de imparcialidade, “implicando a proibição de os órgãos ou agentes da Administração tomarem decisões sobre assuntos em que estejam pessoalmente interessados, de forma directa ou indirecta, bem como de celebrarem ou tomarem parte em contratos celebrados com a Administração.” ([107])

Parece claro, porém, que não é possível fazer uma extrapolação desse princípio de modo a abranger a situação considerada na consulta.

O impedimento não origina um non liquet ou uma impossibilidade jurídica de proferir uma decisão administrativa sobre a situação jurídica que está em causa. Antes implica que intervenha o substituto do titular do órgão na formação da vontade administrativa.

Por outro lado, não se poderia impedir, sob pena de violação do princípio da igualdade, que a um determinado concurso público se apresentasse uma sociedade comercial, que, sendo embora uma entidade jurídica privada, tem uma participação de capital público. Do mesmo modo, admitindo-a ao concurso, não se poderá discriminá-la, preterindo-a por razões que nada têm a ver com mérito das suas propostas.

Sem dúvida que o princípio da imparcialidade tem aplicação nos concursos de adjudicação de contratos públicos. Ele é aliás um elemento fulcral em todo o procedimento administrativo e particularmente nos procedimentos concursais.

Neste domínio “a imparcialidade tem a sua primeira razão de ser no afastamento da politização e do partidarismo e na negação do tratamento de favor de interesses organizados.” ([108])

A este propósito um autor refere:

“A imparcialidade tem a sua primeira razão de ser no afastamento da politização e do partidarismo e na negação de tratamento de favor a interesses organizados, quaisquer que eles sejam – já o dissemos.
Como nota SÉRVULO CORREIA, principiando por uma proibição de favoritismo, a regra veio a adquirir outra configuração, incidindo sobretudo no exercício do impropriamente chamado poder discricionário (x).
São hoje pacíficas as vertentes negativas e positiva da imparcialidade.
No plano da vertente negativa, proíbe-se à Administração Pública que actue de acordo com objectivos que não correspondem à prossecução dos interesses postos por lei a seu cargo. Assim, o princípio serve de desenvolvimento ao princípio da legalidade, permitindo ao juiz mais uma base normativa para anular actos desconformes ao interesse público.
No plano da vertente positiva, devem-se considerar parciais os actos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação de interesses juridicamente protegidos (x1).
A obrigação de ponderar todos os interesses previstos ou acolhidos legislativamente e presentes na situação concreta, pressupõe a exacta determinação dos factos que configuram essa situação. Uma errada determinação ou uma intencional alteração contrasta com o princípio da imparcialidade. Do mesmo modo, fere o princípio uma valoração que se demonstre errónea porque afastada de uma série de outras valorações sobre o mesmo objecto (x2).
A obrigação de ponderação comparativa implica um apreciável limite à discricionaridade administrativa, não só pela exclusão que comporta de qualquer valoração de interesses estranhos à previsão normativa, mas principalmente porque o real poder de escolha da autoridade pública só subsiste onde a protecção legislativa dos vários interesses seja de igual natureza e medida (x3).
Nesta vertente positiva da imparcialidade encontrará o juiz administrativo a via para anular os actos que se demonstre terem sido praticados sem a ponderação de interesses nos termos mencionados.
Pensemos novamente na adjudicação ou numa selecção de concorrentes que a determina.
Não está forçosamente em causa a eleição de um motivo vedado e gerador do desvio do poder, mas a violação da lei por ausência de adequada ponderação dos interesses tutelados (x4) (x5).
Como nota ainda – e bem – SÉRVULO CORREIA, as mais das vezes, a falta de adequada ponderação de interesses será detectada pela insuficiência de fundamentação.” (x6)


Como é de concluir, a violação do princípio da imparcialidade, no caso vertente, apenas poderia ser reconhecida através da efectiva demonstração da existência de práticas discriminatórias na apreciação e valoração das propostas.

E não poderia ser de outro modo.

Pretender que a entidade adjudicante não poderá apreciar e graduar a proposta do Agrupamento que integra o IPE, implicaria, por identidade de razão, que o Estado não poderia nunca tomar qualquer decisão administrava que eventualmente afectasse os interesses das autarquias locais – relativamente às quais dispõe de um poder tutela inspectiva – ou dos institutos públicos – sobre quem exerce um poder de orientação – ou, enfim, de quaisquer entidades que se encontrem numa qualquer relação de dependência estadual, assim se inviabilizando a ocorrência de qualquer tipo de relações jurídicas interadministrativas.


XII
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª Nos termos da 2.ª parte do n.º 13.1, alínea g), do Programa de Concurso relativo à concessão de lanços de auto-estrada designada Concessão Litoral Centro, interpretada em conjugação com o n.º 11.2 do mesmo Programa, a prova de habilitação de empreiteiro por parte de qualquer dos interessados apenas é exigível se na respectiva proposta estiver previsto que a sociedade comercial ou qualquer membro do agrupamento concorrente se encarregará de executar parte ou a totalidade da obra de construção;

2.ª As atribuições financeiras concedidas à Brisa, Auto-estradas de Portugal, S.A. (BRISA) pelo artigo 7º do Decreto-Lei n.º 330-A/95, de 16 de Dezembro, traduzidas no perdão de dívidas e transferência de encargos para o Estado, por virtude da supressão das portagens em alguns dos troços de auto-estradas em exploração, bem como a comparticipação pelo Estado no custo das portagens em determinados períodos do dia e em relação a certas categorias de veículos, prevista nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 130/2000, de 13 de Julho, como medida de salvaguarda do transporte de mercadorias, caracterizam-se como indemnizações compensatórias destinadas a repor o equilíbrio financeiro do contrato de concessão outorgado com aquela entidade, que previa, na sua origem, que a retribuição da concessionária se efectuasse, em todos os lanços de auto-estrada, através do recebimento integral das tarifas de portagem;

3.ª As isenções fiscais contempladas na Base XIII do contrato de concessão e exploração de auto-estradas, aprovado pelo Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro, e nas suas ulteriores alterações, devem entender-se, no quadro do regime jurídico das concessões de serviço público então vigente, como uma componente da retribuição do concessionário;

4.ª Os benefícios fiscais, na modalidade de deduções à matéria colectável e de acréscimos de amortização, previstos na Base XIII do mesmo contrato de concessão, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro - que substituíram as anteriores isenções fiscais -, desde que compreendidas no quadro evolutivo do clausulado contratual e à luz do regime legal resultante do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são ainda de considerar como ajudas atinentes à economia do contrato;

5.º Numa outra perspectiva, os mesmos benefícios fiscais encontram-se a coberto do regime derrogatório do princípio da concorrência previsto no n.º 2 do artigo 86º do Tratado da União Europeia, em razão da actividade de interesse económico geral que é confiada à concessionária;

6.ª Em conformidade, as atribuições financeiras mencionadas nas anteriores conclusões não estão abrangidas pelo princípio de incompatibilidade a que se refere o n.º 1 do artigo 87º do Tratado;

7.ª Face aos elementos coligidos no processo, e considerando o condicionalismo próprio da execução do contrato de concessão de obras públicas, não é legítimo inferir que o conteúdo da proposta formulada pelo Agrupamento BRISAL – Auto-estradas do Litoral Centro, no âmbito do referenciado concurso público, represente, objectivamente, um comportamento abusivo de posição dominante;

8.ª A apresentação a um concurso público de adjudicação de um contrato administrativo de um agrupamento que integra uma empresa participada pelo Estado, com o consequente dever de apreciar e graduar a respectiva proposta, por parte da Administração, não envolve a violação do princípio da imparcialidade.



[1]) Ofício n.º 1849, de 6 de Maio de 2002, entrado na Procuradoria-Geral da República na mesma data.
[2]) Rectificado por Declaração publicada no Diário da República, I Série, de 21 de Maio de 1981.
[3]) Rectificado por Declaração publicada no Diário da República, I Série-A, 4º Suplemento, de 30 de Novembro de 1991, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 12/92, de 4 de Fevereiro.
[4]) Não se toma aqui em consideração a alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 81/96, de 21 de Junho, que se limitou a ampliar a concessão outorgada à Brisa, mediante a integração no seu objecto dos sublanços Évora Este- Estremoz, da A6, auto-estrada Marateca–Elvas, e do sublanço nó de Setúbal (A2)-Montijo, da A12, auto-estada Setúbal-Montijo, aplicando-lhes o regime constante das bases anexas ao Decreto-Lei n.º 315/91.
[5]) Sublanços Porto-Ermesinde da A4 (auto-estrada Porto-Amarante) e Porto-Maia da A3 (auto-estrada Porto-Valença) e todo o traçado da A9 – CREL (Estádio Nacional –Alverca).
[6]) Cfr. preâmbulo do diploma.
[7]) Prevendo-se, contudo, um mecanismo de salvaguarda tendo em vista a manutenção de uma estrutura financeira minimamente equilibrada por parte da empresa concessionária.
[8]) As alterações incidem sobre as alíneas b), c), e e) da Base XIII, que passaram a dispor:
“b) Poderá ser deduzida, ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas, reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado nos termos do presente contrato, realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2002, inclusive, sendo apenas considerados nos anos de 2001 e 2002 os investimentos que foram objecto de alteração no programa de abertura ao tráfego que consta da base VII deste diploma relativamente àquele que fora aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro;
c) A dedução a que se refere a alínea anterior é feita, nos termos da alínea d) do n.º 2 artigo 71º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2007, sendo apenas considerada nos anos de 2006 e 2007 aquela que respeita a investimentos que foram objecto de alteração do programa de abertura ao tráfego que consta da base VII deste diploma;
e) São ainda consideradas como custos para efeitos do IRC as seguintes amortizações:
(...)
2) amortizações dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de Dezembro de 1995, relativos a “Diferenciais de receitas garantidas” e a “Encargos com empréstimos da cláusula do Acordo de Equilíbrio Financeiro”, no valor total de 20 399 041 contos, e que são efectuadas a taxas constantes em função do número de anos de concessão.”
[9]) Seguir-se-á, por momentos, a exposição que a este propósito consta do parecer do Conselho Consultivo n.º 44/2002, de 27 de Junho de 2002.
[10]) Operada pela Revisão Constitucional de 1989, através da nova redacção dada ao artigo 85º, que passou a admitir “a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados”, em substituição do anterior princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 (quanto ao alcance desta inovação, que na Revisão de 1997, transitou para o artigo 296º, ver GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, págs. 415 e segs.) .
[11]) Esta determinada pelas alterações que foram introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 406/83, de 19 de Novembro, e 449/88, de 10 de Dezembro, no regime de delimitação de sectores (Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, entretanto revogada pela Lei n.º 88-A/97, de 25 de Julho).
[12]) Sobre estes aspectos, ANTÓNIO GERVÁSIO LÉRIAS, Evolução do Sector Empresarial do Estado, in “Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado”; Coimbra, 2000, págs. 31-32.
[13]) Poderia admitir-se que o quadro jurídico básico de alienação da participação detida pelo Estado na BRISA – que não poderia caracterizar-se como uma empresa pública à luz do conceito estabelecido no Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, definindo-se antes como uma sociedade de economia mista -, se reconduzisse ao regime da Lei nº 71/88, de 24 de Maio. No entanto, o Decreto-Lei n.º 253/97 e os diplomas que completaram o processo de privatização optaram por um modelo mais próximo da Lei nº 11/90, de 5 de Abril, aplicável às privatizações.
[14]) Regulamentado pela Resoluções do Conselho de Ministros nº 191-A/97, de 30 de Outubro, 198/97, de 18 e Novembro, e 200-A/97, de 21 de Novembro.
[15]) As condições finais e concretas das operações foram estabelecidas, respectivamente, pelas Resoluções do Conselho de Ministros nºs 125/98, de 23 de Outubro, 131/98, de 12 de Novembro, e 134/98, de 17 de Novembro, e nºs 39/99, de 6 de Maio, 45/99, de 25 de Maio, e 48/99, de 4 de Junho.
[16]) Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 177-A/2001, de 7 de Junho.
[17]) Veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 223/98, de 17 de Julho.
[18]) Trata-se dos lanços identificados em anexo ao diploma, nos seguintes termos:
“Anexo I
Parte 1
A 7-IC 5 – Póvoa de Varzim-Famalicão.
A 7-IC 5 – Guimarães-Fafe.
A 7-IC 5 – Fafe-IP 3.
A 11-IC 14 - Esposende-Barcelos-Braga.
A 11-IP 9 – Braga-Guimarães.
A 11-IP 9 – Guimarães – IP 4.
Parte 2
A 8-IC 1 – Caldas da Rainha-Marinha Grande.
A 8-IC 9 – Marinha Grande-Leiria
A 13-IP 6 – Caldas da Raínha-Rio Maior
A 13-IP 6 – Rio Maior-Santarém.”

Anexo II
Parte 1
A 7-IC 5 – Famalicão-Guimarães.
Parte 2
A 8-IC 1 – CRIL-Loures.
A 8-IC 1 – Loures-Malveira
A 8-IC 1 – Malveira-Torres Vedras (sul).
A 8-IC 1 – variante de Torres Vedras.
A 8-IC 1 – Torres Vedras (norte) – Bombarrar.
A 8-IC 1 – variante do Bombarral.
A 8-IC 1 – Bombarral-Óbidos.
A 8-IC 1 – variante de Óbidos e Caldas da Raínha.
[19]) No mesmo preceito consigna-se que “ As sociedades e os agrupamentos referidos no número anterior só são admitidos a concurso se se verificar que, quer as primeiras, quer todas as entidades componentes destes últimos, se encontram regularmente constituídas, têm situações contributivas regularizadas e exercem actividades compatíveis com o objecto da concessão em concurso, sem prejuízo dos demais requisitos de verificação obrigatória nos termos do programa do concurso.” (n.º 2)
[20]) Entende-se por concessões SCUT “a concepção, construção, conservação e exploração de lanços de auto-estrada em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores”(artigo 1º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 267/97).
[21]) Esses contratos poderiam vir a ser ampliados, nas condições a definir nos mesmos, para efeitos de conclusão de construção do aumento do número de vias, conservação e exploração, nos seguintes termos:
a) Costa de Prata – os lanços identificados no anexo II, parte 1;
b) Beira Interior – os lanços identificados no anexo II, parte 2;
c) Algarve – os lanços identificados no anexo II, parte 3;
d) Grande Porto – os lanços identificados no anexo II, parte 4;
e) Interior Norte – os lanços identificados no anexo II, parte 5;
f) Beira Litoral/Beira Alta – os lanços identificados no anexo II, parte 6 (artigo 2º, n.º 2).
[22]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 220-A/99, de 16 de Junho, em aspectos pontuais relativos à definição dos lanços de auto-estrada que deverão constituir objecto das concessões, mas sem reflexo no procedimento de concurso que está em causa na consulta.
[23]) Despacho Conjunto n.º 623/99, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Julho de 1999, pág. 11284.
[24]) O Decreto-Lei n.º 59/99 estabelece o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, transpondo para o direito interno a Directiva n.º 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho, e é “aplicável, com as necessárias adaptações, às concessões de obras públicas”, conforme dispõe o seu artigo 2º, n.º 2.

[25]) Sublinhado nosso.
[26]) Este preceito confere à entidade adjudicante a faculdade de solicitar a “qualquer empreiteiro que pretenda participar num processo de adjudicação de uma empreitada de obras públicas prova da sua inscrição no registo profissional, nas condições previstas na legislação do Estado-membro onde se encontra estabelecido.”
[27]) Cfr. o Decreto-Lei n.º 61/99, de 2 de Março, que define o acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas.
[28]) Cfr. artigo 2º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e ainda o artigo 1º, alínea d), da Directiva n.º 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, que aquele diploma pretendeu transpor para o direito interno.
[29]) A Concessão de Serviços Públicos, Coimbra, 1999, págs. 91-92
[30]) O n.º 2 do artigo 3º da Directiva n.º 93/37/CEE, especificamente aplicável às concessões de obras públicas, admite que a entidade adjudicante possa impor ao concessionário de obras públicas “que confie a terceiros a execução de contratos que representem uma percentagem mínima de 30% do valor global das obras que são objecto da concessão”, do mesmo modo, convidar os próprios candidatos “a indicar nas suas propostas a eventual percentagem do valor global das obras (..) que tencionem confiara a terceiros”. No entanto, no caso vertente, o Programa do Concurso não contém qualquer indicação a esse propósito.
[31]) O § 1º do item 2 impõe mesmo que os projectos de contrato, no concernente a este último aspecto, devam indicar as entidades que assumem a responsabilidade pela execução dos trabalhos.
[32]) No acordo de constituição do Agrupamento BRISAL, consubstanciado num documento junto ao processo, declara-se expressamente que o agrupamento não dispõe de personalidade jurídica (cláusula 1.1), e que por esse instrumento se não pretende criar qualquer espécie de sociedade, associação, agrupamento complementar de empresas ou outra entidade com ou sem personalidade jurídica (cláusula 2.2). Sobre natureza dos agrupamentos poderá, ainda ver-se, o parecer do Conselho Consultivo n.º 19/2002, de 17 de Abril.
[33]) Trata-se de uma disposição que pretende dar cumprimento ao disposto no já citado artigo 3º, n.º 2, da Directiva n.º 93/37/CEE, a que corresponde, no direito interno, o artigo 248º do Decreto-Lei n.º 59/99, e, desse modo, assegurar a aplicação de um princípio de concorrência relativamente a obras que sejam objecto de subcontratação.
O referido dispositivo estabelece:
“Artigo 21º
Execução das obras
1 – Compete à concessionária elaborar e submeter a aprovação da entidade com funções de fiscalização os cadernos de encargos ou as normas de construção e os programas de trabalhos, não podendo as obras ser iniciadas antes de estes documentos terem sido aprovados.
2 – Todas as obras serão realizadas com emprego de materiais de boa qualidade e a devida perfeição, segundo as regras da arte, em harmonia com as disposições legais ou regulamentares em vigor, nomeadamente com o caderno de encargos tipo da JAE, e as características habituais em obras do tipo das que constituem o objecto da concessão.
3 – Na falta ou insuficiência de disposições legais ou regulamentares aplicáveis, observar-se-ão, mediante acordo da JAE, as recomendações similares de outros países da União Europeia.
4 – A construção de qualquer obra por empreiteiros independentes à concessionária deverá ser precedida de concurso nos termos da legislação nacional ou comunitária aplicável.”
[34]) No contexto da norma do n.º 4 do artigo 21º do Caderno de Encargos, a expressão a empreiteiros independentes parece reportar-se a entidades tidas como terceiras relativamente à sociedade ou agrupamento concorrente.
Cabe ainda sublinhar que a realização de obras por intermédio de terceiros mediante a prévia adjudicação em concurso constitui o regime previsto para o contrato de concessão outorgado à BRISA (cfr. Base XXVIII das bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto, mantida, no essencial, nas alterações subsequentes).
[35]) Deve observar-se, com efeito, que as estatuições do Programa de Concurso agora analisadas se referem, não já aos requisitos de admissibilidade dos concorrentes, mas às diversas especificações técnicas, financeiras e organizativas que se destinam a revelar o conteúdo da proposta de cada interessado, e pelas quais será possível ponderar o seu valor relativo, segundo os critérios definidos para a atribuição da concessão.
[36]) Seguir-se-á aqui, quase textualmente, a explanação de ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS/MARIA EDUARDA GONÇALVES/MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, Direito Económico, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra, págs. 337-339. No mesmo sentido, MOTA CAMPOS, Manual de Direito Comunitário, Lisboa, 2000, págs. 613 e segs.; FERREIRA ALVES, Direito da Concorrência nas Comunidades Europeias, Coimbra, 2.ª edição, págs. 315 e segs.

[37]) O regime sumariamente exposto é o que resulta, nos seus traços essenciais, do citado artigo 87º do Tratado, que estatui:
“Artigo 87º
1 – Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
2 – São compatíveis com o mercado comum.
a) auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a condição de serem concedidos sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos;
b) Os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários;
c) Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afectadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão.
3 – Podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:
a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida anormalmente baixo ou em que exista grave situações de subemprego;
b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-membro;
c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;
d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na Comunidade num sentido contrário ao interesse comum.”
[38]) Constituído por despacho do Ministro das Finanças n.º 213/98-XIII, de 28 de Maio (Cfr. Regime Jurídico Relativo aos Auxílios Públicos, Lisboa, 1998, edição do Ministério das Finanças, págs. 36-40).
[39]) As referências do texto aos artigos 92º a 94º do Tratado da União Europeia devem entender-se como feitas para os artigos 87º a 89º, em resultado da renumeração entretanto efectuada pelo Tratado de Amesterdão
[40]) A explicitação dos critérios relevantes, na acepção do artigo 87º do Tratado, também em PATRÍCIA SILVEIRA DA CUNHA, Auxílios de Estado Fiscais e Princípio da não Discriminação Fiscal, Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao professor João Lumbrales”, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2000, págs. 896 e segs.
[41]) Entende-se geralmente que o Tratado não contém, em rigor, uma noção de auxílio público, por ter sido objectivo do legislador comunitário evitar restringir a sua extensão e alcance, deixando antes a clarificação do conceito ao esforço conjunto da Comissão, do Tribunal de Justiça e da doutrina (quanto a este ponto, o Relatório citado, pág. 36, nota 70, e ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., pág. 339).
[42]) CARLOS BOTELHO MONIZ, O Regime Jurídico dos Auxílios Públicos às Empresa na Comunidade Europeia. Reflexos na Caracterização do Sistema Económico Português, “Revista da Ordem dos Advogados, ano 47, 1987, pág. 41.
[43]) Admite-se que a concessão de ajudas possa ser feita através de instrumentos jurídicos de direito privado ou de direito público, e, neste caso, por intermédio de lei, regulamento, acto ou contrato administrativo (cfr. NOGUEIRA DE ALMEIDA, A Restituição das Ajudas de Estado concedidas em Violação do Direito Comunitário, Coimbra, 1997, págs. 75-76).
[44]) ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS/MARIA EDUARDA GONÇALVES/MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, ob. cit., pág. 339. No mesmo sentido, EDUARDO PAZ FERREIRA, Lições de Direito de Economia, Lisboa, 2001, edição da Associação Académica da Faculdade de Lisboa, pág. 531; NOGUEIRA DE ALMEIDA, ob. cit., págs. 27-28; PATRÍCIA SILVEIRA DA CUNHA, ob. cit., pág. 895.
[45]) Ob. cit., pág. 340.
[46]) Embora esta consequência se não encontre expressamente prevista no citado dispositivo, o Tribunal de Justiça tem entendido que a obrigação de exigir o reembolso das ajudas atribuídas em violação do Tratado constitui a forma de conferir um efeito útil à medida de supressão ou modificação ditada pela Comissão. Neste sentido também se pronunciou a Comissão através da decisão de 24 de Março de 1992 (cfr. NOGUEIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pág. 110).
[47]) Idem, pág. 114.
[48]) Cfr. Relatório citado, pág. 52. No mesmo sentido NOGUEIRA DE ALMEIDA, que analisa a questão, também, na perspectiva do princípio da proporcionalidade (ob. cit., págs. 143 e segs.).
[49]) Idem, págs. 69-69. Subsiste, no entanto, divisão na doutrina quanto ao âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 88º do Tratado: uma tese sustenta que o controlo sucessivo abrange apenas as ajudas já existentes à data da entrada em vigor do Tratado ou dos actos de adesão, ao passo, numa acepção mais ampla, defende-se por vezes que o exame poderá incidir sobre todas as ajudas existentes, incluindo as criadas posteriormente, quer tenham sido ou não regularmente notificadas (sobre este ponto, o local citado).
[50]) Trata-se, na parte que mais interessa considerar, de (a) auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a condição de serem concedidos sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos e de (b) auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários.
[51]) Podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:
a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida anormalmente baixo ou em que existam graves situações de subemprego;
b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-membro;
c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;
d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na Comunidade num sentido contrário ao interesse comum.
A estes acrescem outros que poderão ser autorizados por deliberação qualificada da Comissão, em circunstâncias excepcionais, a que se refere a alínea e) do n.º 3 do artigo 88º.

[52]) Assim, MARIA LUISA DUARTE, Estudos de Direito da União e das Comunidades Europeias, Coimbra, 2000, págs. 201-202.
[53]) Neste sentido se deve interpretar a norma do n.º 3 do artigo 86º, ao estipular que “a Comissão velará pela aplicação do disposto no presente artigo e dirigirá aos Estados-membros, quando necessário, as directivas ou decisões adequadas.” Do mesmo modo deve considerar-se que o regime do artigo 86º, n.º 2, do Tratado não legitima a inobservância do procedimento de notificação, que terá lugar por aplicação analógica do artigo 88º, n.º 2 (quanto a este ponto, também, MARIA LUISA DUARTE, ob. cit., pág. 206).
[54]) Idem, pág. 202.
[55]) Idem, pág. 203. Sobre esta temática, também, LUIS MORAIS ( O Mercado Comum e os Auxílios Públicos – Novas Perspectivas, Coimbra, 1993, págs. 143 e segs., e especialmente págs.149-150, onde se indicam alguns casos paradigmáticos de actividades económicas que não podem ser desenvolvidas, de forma adequada ou eficiente, nnum quadro de cumprimento pleno das normas e concorrência).
[56]) Idem, pág. 205.
[57]) Transcreve-se aqui um passo do citado Relatório sobre o Regime Jurídico relativo aos Auxílios Públicos (pág. 32).
[58]) O mesmo critério está presente noutras modalidades de subvenções que imponham, por parte do beneficiário, a prossecução de um interesse tutelado constitucionalmente (cfr. Relatório citado, pág. 134).
[59]) Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra,1996, pág. 472.
[60]) Relatório sobre o Regime Jurídico relativo aos Auxílios Públicos, pág. 34. Em coerência com essa perspectiva o texto do projecto de diploma legislativo estipula como princípio geral, em matéria de concessão de auxílios públicos, a exigência de um “motivo público constitucionalmente tutelado” e o “respeito pelos princípios da igualdade, da publicidade, da transparência e pelas regras da concorrência, nacionais e comunitárias” (artigo 2º) e impõe obrigações aos beneficiário não só de informação mas de justificação da aplicação dos auxílios e do cumprimento dos objectivos (artigo 8º).
[61]) MARIA LUISA DUARTE, ob. cit., pág. 208.
[62]) Considerando do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 22 de Fevereiro de 1997, citado por MARIA LUISA DUARTE, ob. e loc cit.
[63]) Entretanto alterada, em aspectos pontuais, como se deu notícia, pelo Decreto-Lei n.º 287/99, de 28 de Julho.
[64]) O princípio da reposição do equilíbrio financeiro e da indemnização constitui uma salvaguarda do contraente particular perante o exercício do poder unilateral de modificação por parte da Administração (cfr. artigo 180º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo). Se a modificação (ou até a rescisão) do contrato é explicável por imperativos de interesse público, que obrigam a autoridade pública a adaptar as condições contratuais a novas exigências de interesse geral, a correspectiva situação de sujeição jurídica por parte do co-contratante tem como natural consequência o direito de ressarcimento dos prejuízos (cfr. PEDRO GONÇALVES, Contrato Administrativo (policopiado), Coimbra, 1998, págs. 91-92).
[65]) Cr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição, Coimbra, págs. 1114-1115.
[66]) Ibidem.
[67]) Na sua integralidade o preceito dispõe:
“Artigo 82º
É incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.
Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:
a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.”
[68]) Cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., pág. 322, cuja explanação de seguirá de perto. Sobre o mesmo tema, ver MOTA CAMPOS, ob. cit., págs. 593 e segs.; FERREIRA ALVES, Direito da Concorrência nas Comunidades Europeias, Coimbra, 2.ª edição actualizada e ampliada, págs. 131 e segs.)
[69]) Decisão de 9 de Dezembro de 1971.
[70]) ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., pág. 323. Estes aspectos desenvolvidos em FERREIRA ALVES, ob. cit., págs. 135 e segs.
[71]) FERREIRA ALVES, ob. cit., pág. 137.
[72]) ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., pág. 323.
[73]) Cfr. MOTA CAMPOS, num passo em que justamente analisa as disposições legais de direito interno acabadas de transcrever (ob. cit., pág. 597).
[74]) Sobre estes aspectos, MOTA CAMPOS, ob. cit., págs. 597-598; ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., págs. 320-321; FERREIRA ALVES, ob. it., págs. 138 e segs..

[75]) MOTA CAMPOS, ob. cit., pág. 598, que concretizando melhor a sua ideia acrescenta que a autonomia que caracteriza a posição dominante “só existirá verdadeiramente se essa empresa não estiver sujeita à concorrência efectiva de produtos idênticos ou similares ou de produtos que, embora diferentes, possam, em razão das suas propriedades específicas e das suas condições de uso, servir para os mesmos fins (e portanto substituir-se àqueles) e cujo preço não prejudique a sua utilização em condições concorrenciais.”.
[76]) O mercado relevante é, assim, definido pela Comissão como “o sector da actividade comercial em que se deve avaliar o poder económico de uma empresa face aos seus concorrentes e clientes” (cfr. FERREIRA ALVES, ob. cit., pág.138).
[77]) Recorde-se que a UE é globalmente favorável à constituição de empresas ou grupos que possam operar à escala comunitária e, consequentemente, não se opõe, em princípio, ao crescimento interno ou externo das empresas (cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., pág. 325).
[78]) Ibidem.
[79]) Ob. cit., págs. 600-602.
[80]) Sobre estes aspectos, também, FERREIRA ALVES, ob. cit., págs. 151 e segs.
[81]) Neste sentido, ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS et allii, ob. cit., pág. 326; uma descrição das diferentes teorias sobre caracterização do abuso da posição dominante, em FERREIRA ALVES, ob. cit., págs. 146 e segs..

[82]) Dessa decisão da Comissão cabe recurso de plena jurisdição para o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias; e, deste, recurso para o Tribunal de Justiça, limitado embora a questões de direito.
[83]) Quanto a este ponto, MOTA CAMPOS, que aqui se seguiu de perto (ob. cit., pág. 603).
[84]) Segundo se afirma, a quota de exploração de auto-estradas em Portugal por parte da BRISA poderá ascender a 73% (808 em 1100 Km) ou a 60% (901 em 1500 Km) – cfr. pareceres jurídicos dos Profs. Freitas do Amaral (pág. 4) e Sérvulo Correia (pág. 97), anexos.
[85]) Cfr. MARCELO REBELIO DE SOUSA, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, Lisboa, 1994, pág. 67.
[86]) Cfr. n.º 13.7 do Programa de Concurso.
[87]) Expressão usada no parecer jurídico elaborado pelo Prof. Paulo Otero (pág. 35).
[88]) Assim, o parecer jurídico do Prof. Fausto Quadros (pág. 33).
[89]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 106/95, de 20 de Maio.
[90]) O sector empresarial do Estado integra não só as empresas públicas como as empresas participadas, entendendo-se como tais as organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas estaduais, quando tal participação não propicie uma influência dominante nos termos previstos do artigo 3º, n.º 1. Fora do âmbito do regime empresarial do Estado encontram-se as empresas públicas regionais e locais, cuja lei-quadro foi aprovada pela Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, e relativamente à qual o regime do Decreto-Lei n.º 558/99 tem natureza meramente supletiva (cfr. artigo 5º). Estas empresas juntamente com as empresa públicas e de participação estatal compõem o sector empresarial público, que apresenta assim um âmbito mais vasto que o estabelecido para o sector empresarial do Estado (quanto a estes aspectos, CARLOS COSTA PINA, A Reforma do Regime das Empresas Públicas, o Direito Comunitário e o Direito da Concorrência, in “Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado”, págs. 152-153).
O Decreto-Lei n.º 558/99 efectua também o enquadramento das empresas participadas, estipulando o critério que permite integrar uma empresa participada por diversas entidades públicas num ou noutro sector empresarial (releva, para esse efeito, a titularidade da maior participação relativa, no conjunto das participações do sector público - artigo 6º, n.º 1). O n.º 2 do mesmo artigo providencia ainda quanto ao âmbito de aplicação do diploma no tocante às empresas participadas do sector empresarial do Estado, precisando que o regime jurídico nele definido opera apenas em relação à respectiva participação pública e aos representantes da entidade participante.
[91]) Seguem-se aqui, de perto, as considerações formuladas no parecer do Conselho Consultivo n.º 44/2002, de 27 de Julho de 2002.
[92]) Esta definição, em termos similares, no artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (regime jurídico das empreitadas de obras públicas), e no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho (regime da contratação pública).
[93]) O conceito comunitário de empresa pública encontra-se definido na Directiva n.º 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, a que adiante se fará mais desenvolvida referência. Na doutrina, cfr. MOTA CAMPOS, Direito Comunitário, III vol., 2.ª edição, Lisboa, págs. 576 e segs.; ALBERTO ALONSO UREBA, La Empresa Publica – Aspectos Jurídico-Constituicionales y de Derecho Económico, Madrid, 1991, págs. 301-302.
[94]) Diversa é a definição de empresa pública acolhida pela Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, para o estrito âmbito do sector empresarial municipal ou regional. Esta lei distingue entre empresas públicas, empresas de capitais públicos e empresas de capitais maioritariamente públicos, reservando a qualificação de empresa pública para aquelas organizações empresariais em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham a totalidade do capital (cfr. artigo 1º, n.º 3, alínea a)). Empresas de capitais públicos são aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham participação de capital em associação com outras entidades públicas, ao passo que a noção de empresas de capitais maioritariamente públicos pressupõe que as mesmas entidades detenham a maioria do capital em associação com entidades privadas (artigo 1º, n.º 3, alíneas b) e c)).
[95]) Neste sentido, JOÃO PACHECO AMORIM, As Empresas Públicas no Direito Português, em especial as Empresas Municipais, Coimbra, 2000, pág. 16, nota 11.
[96]) Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 558/99.
[97]) Cfr. EDUARDO PAZ FERREIRA, Aspectos Gerais do Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, in “Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado”, pág. 21.
[98]) Cfr. ANTÓNIO PINTO DUARTE, Notas sobre o Conceito e o Regime Jurídico das Empresas Públicas Estaduais, in “Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado”, citado, pág. 80.
[99]) Tais informações serão prestadas nas condições que vierem a ser estabelecidas, conforme os casos, por despacho do Ministro das Finanças ou por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro responsável pelo sector, e respeitam aos seguintes elementos: a) projectos dos planos de actividades anuais e plurianuais; b) projectos dos orçamentos anuais, incluindo estimativa das operações financeiras com o Estado; c) documentos de prestação anual de contas; d) relatórios trimestrais de execução orçamental; e) quaisquer outras informações e documentos solicitados para o acompanhamento da situação da empresa e da sua actividade, com vista, designadamente, a assegurar a boa gestão dos fundos públicos e a evolução da sua situação económico-financeira.
[100]) Como se constata, as prerrogativas de autoridade, que eram apanágio das antigas empresas públicas de direito público e constavam dos respectivos estatutos – conforme dispunha o artigo 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 260/76 -, beneficiarão agora, por regra, as empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, sejam entidades públicas empresariais ou simples empresas societárias. É patente, porém, que os mesmos poderes poderão ser conferidos a empresas privadas concessionárias, quando uma actividade desse tipo constitua o objecto da concessão.
[101]) A secção III do Capítulo I do Decreto-Lei n.º 558/99 contempla ainda outras disposições, de menor relevo para a problemática da consulta, que respeitam à designação dos administradores por parte do Estado, ao estatuto do pessoal das empresas públicas, e à competência contenciosa para o julgamento de litígios (artigos 15º a 18º).
[102]) Consideram-se participações permanentes, segundo o n.º 3 do mesmo dispositivo, “as que tenham objectivos exclusivamente financeiros, sem qualquer intenção de influenciar a orientação e a gestão da empresa por parte das entidades participantes, desde que a respectiva titularidade não atinja uma duração, contínua ou interpolada, superior a um ano.”
[103]) Quanto ao conceito de participação do Estado e as diversas formas de participação pública, cfr. SOUSA FRANCO, Finanças Púbicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª edição, 6.ª reimpressão, Coimbra, pág. 189, nota 1.
[104]) Idem, págs. 189-190).
[105]) Cfr. ANTÓNIO PINTO DUARTE, ob. cit., págs. 84-85.
[106]) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, pág. 925.
[107]) FREITAS DO AMARAL et allii, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, 2.ª edição, pág. 85.
[108]) MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., pág. 59
x) V. Os Princípios Constitucionais da Administração Pública, in “Estudos sobre a Constituição”, III, Lisboa, 1979, págs. 679 e 680.
x1) V. neste sentido, ALDO SANDULLI, Manuale di Diritto Amministrativo, reedição da 12ª edição, Napoli, 1980, págs. 397-398, e MASSIMO SEVERO GIANNINI, Diritto Amministrativo, I, Milano, 1970, págs. 465 segs..
x2) A validade do acto a apreciar pelo tribunal é sintetizada da seguinte forma por VIEIRA DE ANDRADE: “Nesta medida, para que o acto seja válido, não basta que se apure que não foram um ou alguns interesses (ou até, eventualmente, interesses indignos de protecção jurídica) que determinaram principalmente o acto administrativo. Nem mesmo bastava que se provasse que os motivos decisivos estavam efectivamente ligados ao interesse público prefixado na lei.
Torna-se indispensável, nesta diferente visão das coisas, que a totalidade – e não apenas uma parte – dos interesses juridicamente protegidos presentes no caso (e só desses) tenha sido considerado segundo o seu peso certo, no processo de decisão, de tal maneira que a escolha entre várias soluções admissíveis tenha sido orientada, sem discriminação, pelos fins estabelecidos nas normas jurídicas disciplinadoras da actividade administrativa em questão, devidamente interpretadas no quadro do sistema jurídico global” (A Imparcialidade da Administração Pública como Princípio Constitucional citada, pág. 221).
x3) V. AUGUSTO CERRI, Imparzialità ed Indirizzo Politico nella Pubblica Amministrazione, Padova, 1973, pág. 126.
x4) V. PIETRO VIRGA, La Limitazione della Discrezionalità per l’ Attuazione della Imparzialità Amministrativa, in “Studi in Onore di Gioacchino Scaduto”, Padova, 1970, págs. 163 e segs.
x5) No sentido de que a violação deste princípio constitucional se enquadra na violação de lei, v. LIVO PALADIN, Considerazioni sul Principio Costituzionale d’ Eguaglianza, in “Revista Trimestrale di Diritto Publico”, 1962, pág. 906; ALDO SANDULLI, Manuale citado, pág. 489; SÉRVULO CORREIA, Legalidade citada, págs. 173 e segs.
x6) Noções de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, pág. 255.