Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631945
Nº Convencional: JTRP00039113
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RP200604270631945
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 668 - FLS. 25.
Área Temática: .
Sumário: I- Há que fazer a destrinça entre mandato e procuração: mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem. O segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele.
II- O poder negocial é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato; a procuração apenas representa a exteriorização desses poderes: mais não é que o meio adequado para exercer o mandato.
III- Não obstante a divergência sobre a natureza da responsabilidade civil profissional do advogado-- contratual, extracontratual ou mista--, cremos ser mais conforme ao Direito e às realidades da vida a teoria da concorrência de ambas as responsabilidades. Assim, o mesmo acto ou omissão do advogado pode constituir responsabilidade contratual ou extracontratual: se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana.
IV- Embora se presuma a culpa do devedor (ut artº 799º CC), para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes do incumprimento, ou cumprimento defeituoso, do mandato torna-se necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre o facto (a sua conduta omissiva ou negligente) e os invocados danos (a não obtenção do resultado pretendido).
V- Vícios redibitórios são os vícios ocultos da coisa vendida, que a tornam imprópria para o uso a que se destina ou lhe reduzem de tal modo a aptidão para esse uso que, se o comprador o soubesse, não a teria adquirido ou não daria o mesmo preço.
VI- São três os elementos que caracterizam tais vícios: gravidade, anterioridade e oculticidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

Na ….ª Vara Cível da Comarca de Porto,
B……, LDA., instaurou contra
DRA. C……..
acção declarativa de condenação, com a forma ordinária.

Pede:
A condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 46.210,66 de danos patrimoniais e de € 15.000,00 relativo a danos não patrimoniais, bem como os respectivos juros até total ressarcimento.

Alegou, em síntese:
A A. é uma sociedade comercial que para o exercício da sua actividade comprou em Abril de 98 um veículo, a ser pago em 24 prestações mensais. Esse veículo sofreu várias avarias, razão pela qual a A. entendia poder recusar o pagamento das referidas reparações. Para tanto, socorreu-se dos serviços da R., advogada de profissão, com vista a obter o ressarcimento dos danos decorrentes das referidas avarias, contra a vendedora do camião. A R. informou a A., em Julho de 98, que esta tinha o direito de anular o negócio celebrado com a vendedora e de pedir uma indemnização por todos os danos sofridos (danos emergentes e lucros cessantes), mas que tal acção só poderia ser instaurada após o pagamento integral do preço. A R. apenas veio a instaurar a acção judicial em 07/07/2000, a qual foi julgada improcedente por ter procedido a excepção peremptória da caducidade do direito de propor aquela acção, que a vendedora alegou na respectiva contestação.
Em consequência, entende a A. ter direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes do decaimento na referida acção, o qual só ocorreu por a R. não ter, como deveria, observado o prazo de caducidade de seis meses para instaurar a acção, previsto no artº 917º do C. Civil.
A A. avaliou em € 46.210,66 os danos patrimoniais por si sofridos e em € 15.000,00 a compensação adequada para compensar os danos não patrimoniais que sofreu, formulando o pedido correspondente.

A R. contestou, invocando várias excepções e impugnando parcialmente a factualidade alegada pela A.
A A. replicou, respondendo às excepções deduzidas, concluindo pela improcedência das mesmas.

A A. foi convidada a aperfeiçoar a sua douta petição, concretizando com factos os danos patrimoniais que conclusivamente alegou. Convite esse que a A. acatou, apresentando um articulado suplementar à petição.

Foi realizada audiência preliminar e nesta proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes todas as questões prévias e excepções suscitadas pela R.
A acção prosseguiu os seus termos para a apreciação do mérito da causa, com a elaboração do respectivo despacho de condensação.
Realizou-se o julgamento, tendo a matéria de facto controvertida sido decidida em conformidade com o despacho de fls.334 a 337.

Foi, por fim proferida sentença, julgando-se a acção improcedente, por não provada, com a absolvição da ré do pedido.

Inconformada com o sentenciado, veio a Autora interpor recurso, apresentando alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES:
1. NO CASO EM APREÇO RESUME-SE EM SABER SE EXISTIU RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E SE ESTÃO VERIFICADOS TODOS OS SEUS REQUISITOS. ORA,

2. SABENDO QUE A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL PRESSUPÕE NECESSARIAMENTE A EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO, QUE O AUTOR DO DANO SEJA O CO - CONTRATANTE DA VÍTIMA E QUE O DANO SOFRIDO O HAJA SIDO EM CONSEQUÊNCIA DA INEXECUÇÃO PELO CO- CONTRATANTE DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇOES CONTRATUAIS.

3. EM RELAÇÃO AOS REQUISITOS PROPRIAMENTE DITOS, TEMOS POR ASSENTE DEMONSTRAREM OS AUTOS A EXISTÊNCIA DO ACTO ILICITO, DADO A OMISSÃO DA RÉ EM PROPOR A ACÇÃO EM TEMPO.
A) O REPRESENTANTE LEGAL DA AUTORA PROCUROU A RÉ EM MEADOS DE JULHO DE 1998 PARA ACONSELHAMENTO JURÍDICO,
B) A RÉ SABIA QUE O CONTRATO DE COMPRA E VENDA, POSTO EM CRISE, FOI CELEBRADO EM 06 DE ABRIL DE 1998. (ANALISE-SE ARTIGO 1° DA PETIÇÃO INICIAL SUBSCRITO PELA RÉ JUNTO AOS AUTOS DA CERTIDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES),
C) A RÉ SABIA QUE NO DIA 08 DE MAIO DE 1998, O TRACTOR FORNECIDO AVARIOU EM VIRTUDE DE DEFICIÊNCIA DO MOTOR,
D) A RÉ TOMOU CONHECIMENTO, PORQUE A AUTORA LHE TRANSMITIU, QUE FOI NO ANO DE 1998 QUE OS MÓVEIS SUJEITOS A REGISTO VENDIDOS TINHAM DEFEITOS,
E) A AUTORA ENTREGOU A QUANTIA DE 250,00 EUROS, EM ABRIL DE 1999, PARA PROVISÃO DE DESPESAS PARA O PROCESSO, QUE A RÉ DISSE QUE TINHA INTENTADO,
F) MAS SEMPRE REFERINDO AO REPRESENTANTE LEGAL DA AUTORA QUE A ACÇÃO DE ANULAÇÃO DAQUELE NEGÓCIO E O INDICADO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO APENAS PODERIA OCORRER DEPOIS DO PAGAMENTO INTEGRAL DO PREÇO DE AQUISIÇÃO DO TRACTOR, OU SEJA, DEPOIS DO DIA 06 DE ABRIL DE 2000, E
G) TANTO ASSIM FOI, QUE SOMENTE NO DIA 06 DE JULHO DE 2000 É QUE A RÉ INTENTOU A RESPECTIVA ACÇÃO NO TRIBUNAL JUDICIAL DA MAIA,
H) QUANDO TINHA NA SUA POSSE TODOS OS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA A PROPOSITURA DA ACÇÃO CONTRA D…… LDA. DESDE 1998.
I) FICOU PROVADO O ARTIGO 1° DA BASE INSTRUTÓRIA QUE REFERE QUE: " O RELATO REFERIDO NA ALÍNEA C DA MFA OCORREU EM MEADOS DO MÊS DE JULHO DE 1998".
J) PROVOU-SE O ARTIGO 2° DA BASE INSTRUTÓRIA QUE NOS DIZ QUE: " NESSA ALTURA, A RÉ INFORMOU A AUTORA QUE A APRESENTAÇÃO EM JUÍZO DA REFERIDA ACÇÃO DE ANULAÇÃO DAQUELE NEGÓCIO E O INDICADO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO APENAS PODERIA OCORRER DEPOIS DO PAGAMENTO INTEGRAL DO PREÇO DE AQUISIÇÃO DO TRACTOR OU, OU SEJA, DEPOIS DO DIA 06/ 04/ 2000".
K) PROVANDO-SE AINDA QUE: " A AUTORA, APESAR DE CONTRARIADA, UMA VEZ QUE SE ENCONTRAVA A PAGAR PONTUALMENTE AS PRESTAÇÕES MENSAIS ACORDADAS COM A REFERIDA SOCIEDADE, CONFIOU NO SABER E EXPERIÊNCIA DA RÉ, ACABOU POR ACEDER AO CONSELHO DAQUELA". - ARTIGO 3° DA BASE INSTRUTÓRIA. ORA,
L) O DEVEDOR QUE FALTA CULPOSAMENTE AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇAO, TORNA-SE RESPONSÁVEL PELO PREJUÍZO QUE CAUSA AO CREDOR, NOS TERMOS DO ARTIGO 798° DO CÓDIGO CIVIL, CABENDO AO CREDOR FAZER PROVA DO FACTO ILÍCITO DO NÃO CUMPRIMENTO.
M) E AO DEVEDOR INCUMBE PROVAR QUE A FALTA DE CUMPRIMENTO OU O CUMPRIMENTO DEFEITUOSO NÃO PROCEDEM DE CULPA SUA, ATENTA A PRESUNÇÃO ESTABELECIDA NO ARTIGO 799° NÚMERO 2 DO CÓDIGO CIVIL.
N) ALGO QUE A RÉ PURA E SIMPLESMENTE NÃO O CONSEGUI FAZER, ATENTO A MATÉRIA DADA LOGO COMO ASSENTE E A QUE SE PROVOU NO DECORRER DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO.

4. PARA QUE O DEVEDOR SEJA OBRIGADO A INDEMNIZAR O CREDOR PELOS DANOS RESULTANTES DA FALTA DE CUMPRIMENTO, NÃO BASTA A ILICITUDE DO SEU COMPORTAMENTO, SENDO AINDA NECESSÁRIO QUE TENHA AGIDO COM CULPA.

A) ASSIM, O DEVEDOR NÃO RESPONDERÁ QUANDO NÃO POSSA SER CENSURADO OU REPROVADO PELA FALTA DE CUMPRIMENTO.
B) A CULPA RESULTANTE DA VIOLAÇÃO DO CONTRATO DEVE SER APRECIADA EM ABSTRACTO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 799° N°.2 E 487° N°.2 DO CÓDIGO CIVIL.
C) NA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL A CULPA DO DEVEDOR PRESUME-SE - ARTIGO 487° N°.1 E 799° N°.1 DO CÓDIGO CIVIL - PRESUMINDO-SE AINDA A AUSÊNCIA DE CAUSAS DE EXCUSA. ASSIM,
D) PERANTE A FALTA DE CUMPRIMENTO, PRESUME-SE QUE O DEVEDR NÃO CUMPRIU, VIOLANDO AS NORMAS JURÍDICAS QUE MANDAM CUMPRIR (ILICITUDE) E O DEVEDOR INCORRE NO CORRESPONDENTE JUÍZO JURÍDICO DE CENSURA (CULPA).
E) AO DEVEDOR IMPÕE-SE DEMONSTRAR QUE FOI DILIGENTE, QUE USOU DE TODAS AS CAUTELAS E ZELO QUE, FACE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO, SERIAM EMPREGUES POR UM BOM PAI DE FAMÍLIA, OU PELO MENOS, QUE NÃO FOI NEGLIGENTE E QUE NÃO OMITIU OS ESFORÇOS EXIGIVEIS POR UMA PESSOA NORMALMENTE DILIGENTE.
F) NA SITUAÇÃO EM APREÇO, EM TERMOS DE UM TRABALHADOR NORMAL, IMPUNHA-SE À RÉ QUE TIVESSE REDIGIDO A RESPECTIVA ACÇÃO DE ANULAÇÃO APÓS A TRANSMISSÃO DOS VÍCIOS OU DEFEITOS QUE TINHAM SIDO TRANSMITIDOS PELA AUTORA À RÉ.
G) FICOU PROVADO QUE: " NESSA ALTURA, A RÉ INFORMOU A AUTORA QUE A APRESENTAÇÃO EM JUÍZO DA REFERIDA ACÇÃO DE ANULAÇÃO DAQUELE NEGÓCIO E O INDICADO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO APENAS PODERIA OCORRER DEPOIS DO PAGAMENTO INTEGRAL DO PREÇO DE AQUISIÇÃO DO TRACTOR JU, OU SEJA, DEPOIS DO DIA 06/ 04/ 2000". - ARTIGO 2° DA BASE INSTRUTÓRIA.
H) AQUANDO DO PEDIDO EFECTUADO NA SUA MUI DOUTA PETIÇÃO INICIAL A RÉ REDIGIU DA SEGUINTE FORMA: NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROVADA E PROCEDENTE E POR VIA DELA SER DECLARADA A ANULABILIDADE DO NEGÓCIO.
I) É ÓBVIO QUE TENDO OS FACTOS OCORRIDOS EM 1998, RELATADOS PELA AUTORA À RÉ, E SOMENTE ESTA TER INSTAURADO A ACÇÃO EM 06 DE JULHO DE 2000, ESTÁ DESDE HÁ MUITO ESGOTADA A RAZOABILIDADE DO PRAZO.
J) A SUA CONDUTA É CENSURÁVEL DE FORMA IMPRESSIVA, CLARA E EFECTIVA. ASSIM,
K) TENDO PRESENTE O FUNCIONAMENTO DE PRESUNÇÃO CULPA, HÁ QUE CONCLUIR QUE O ERRO FOI COMETIDO PELA RÉ POR FALTA DE DILIGÊNCIA E ZELO DEVIDOS NO EXERCÍCIO DE TAIS FUNÇÕES.

5. NA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL EMBORA SE PRESUMA A CULPA, INCUMBE À AUTORA A PROVA DO NEXO CAUSAL ENTRE O FACTO ILÍCITO E O DANO NOS TERMOS DO ARTIGO 483° N°.1 DO CÓDIGO CIVIL.
A) A CAUSALIDADE É INTEGRADA NUM COMPORTAMENTO HUMANO E NESSE SENTIDO É SUJEITA A UM JUÍZO DE ILICITUDE, TENDO QUE SER PREENCHIDA POR UMA VALORAÇÃO.
B) UM FACTO É CAUSAL SE FAZ ACRESCER DE MANEIRA CONSIDERÁVEL, A POSSIBILIDADE OBJECTIVA DE REALIZAÇÃO DO RESULTADO OCORRIDO, PARA SE CONSIDERAR ASSIM DETERMINADO FACTO DA VIDA MATERIAL, É NECESSÁRIO LEVAR EM CONTA AS MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA DA RAZOABILIDADE
C) A DOUTRINA PORTUGUESA E A LEI ACOLHERAM A DOUTRINA DA CAUSALIDADE ADEQUADA, QUE TRADUZ A CAUSALIDADE EM TERMOS DE PROBABILIDADE FUNDADA NOS CONHECIMENTOS MÉDIOS SE, SEGUNDO OS ENSINAMENTOS DA EXPERIÊNCIA COMUM, É LICITO DIZER QUE, POSTO O ANTECEDENTE X SE VERIFICARÁ PROVAVELMENTE O CONSEQUENTE Y, ENTÃO VERIFICA-SE CAUSALIDADE ENTRE O ANTECEDENTE E O CONSEQUENTE.
D) A CAUSALIDADE ADEQUADA NÃO SE REFERE AO FACTO E AO DANO ISOLADAMENTE CONSIDERADOS, MAS AO PROCESSO FACTUAL QUE, EM CONCRETO CONDUZIU AO DANO.
E) ESTÁ A PROPÓSITO PROVADO POR DOCUMENTO JUNTO AOS AUTOS QUE A AUTORA PARTICIPOU À RÉ AS SUCESSIVAS AVARIAS E DEFEITOS, A FIM DE QUE ESTA ASSUMISSE A OBRIGAÇÃO DE INTENTAR A RESPECTIVA ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE FORMA A RESSARCIR OS PREJUÍZOS VERIFICADOS JUNTO DA SOCIEDADE D….. LDA.
F) A RÉ NÃO INSTAUROU A ACÇÃO QUANDO DEVIDA EM TEMPO OPORTUNO.
G) A RÉ AQUANDO DA APRESENTAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL EM TRIBUNAL REFERIU QUE OS BENS EM QUESTÃO TINHAM UM DESGASTE NORMAL E COMO BEM USADO, PODE TER UM DEFEITO OCULTO. (ANALISE-SE ARTIGO 15° DA MUI DOUTA PETIÇÃO INICIAL).
H) A RÉ AQUANDO DA INSTAURAÇÃO DA REFERIDA ACÇÃO JUNTOU TODOS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA A PROCEDÊNCIA DA MESMA.
I) DISSE QUE OS BENS ENTREGUES NÃO SE ENCONTRAM APTOS A SATISFAZER OS FINS A QUE SE DESTINAM E A PRODUZIR OS EFEITOS QUE SE LHE ATRIBUEM DE MODO ADEQUADO ÀS LEGITIMAS EXPECTATIVAS DA AUTORA. (ARTICULADO 17° DA MUI DOUTA PETIÇÃO INICIAL APRESENTADA PELA RÉ).
J) REFERIU AINDA A RÉ QUE OS ALUDIDOS BENS NÃO TINHAM GARANTIA, POIS A SOCIEDADE D…… LDA. OS TINHA EXCLUÍDO.
K) SENDO QUE A SOCIEDADE D……. LDA. TINHA CONSCIÊNCIA QUE OS OBJECTOS VENDIDOS NÃO DETINHAM TODAS AS QUALIDADES ESSENCIAIS PARA O SEU BOM FUNCIONAMENTO. (ARTIGO 19° DA MUI DOUTA PETIÇÃO INICIAL APRESENTADA PELA RÉ).
L) REFERINDO AINDA QUE A AUTORA TERIA DIREITO À DECLARAÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO DEVENDO SER RESTITUÍDO TUDO O QUE TIVER SIDO PRESTADO, DEVENDO SER A AUTORA RESTITUÍDA À SITUAÇÃO EM QUE SE ENCONTRAVA ANTES DO NEGÓCIO. (ARTICULADO 26° DA MUI DOUTA PETIÇÃO INICIAL APRESENTADA PELA RÉ).
M) TERMINANDO NO PEDIDO POR REFERIR QUE DEVIA SER DECLARADA A ANULABILIDADE DO NEGÓCIO E CONSEQUENTEMENTE SER RESTITUÍDO TUDO O QUE FOI PRESTADO.
N) NA SENTENÇA DO 2° JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE PAREDES, REFERE EXPRESSAMENTE QUE A SOCIEDADE D….. LDA. INVOCOU A EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE PROPOR A ACÇÃO.
O) QUE A AUTORA NADA VEIO DIZER.
P) REFERE AINDA QUE A AUTORA DEIXOU EXPIRAR O PRAZO DE CADUCIDADE UMA VEZ QUE TENDO TOMADO CONHECIMENTO DAS DEFICIÊNCIAS EM 1998 E DENUNCIADO AS MESMAS EM TAL ANO.
Q) E QUE SÓ VEIO PROPOR A ACÇÃO EM 03/ 07/ 2000, OU SEJA, MUITO APÓS O ANO SUBSEQUENTE AO CONHECIMENTO DO VÍCIO.
R) DESTA FORMA JULGA-SE PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE INVOCADA, E EM CONSEQUÊNCIA, IMPROCEDENTE A ACÇÃO, ABSOLVENDO-SE A RÉ, A SOCIEDADE D….. LDA. DO PEDIDO. ASSIM,
S) É LICITO SUPOR QUE O LESADO NÃO TERIA SOFIDO OS DANOS REFERIDOS SE NÃO FOSSE O FACTO ILÍCITO, SENDO RESPONSÁVEL POR TODOS OS FACTOS ULTERIORES QUE ERAM DE ESPERAR, SEGUNDO O CURSO NORMAL DAS COISAS.
T) O REPRESENTANTE LEGAL DA AUTORA FORNECEU À RÉ TODOS OS ELEMENTOS PEDIDOS E NECESSÁRIOS PARA INSTRUIR A RESPECTIVA ACÇÃO. ORA,
U) FOI DO ACTO DA NÃO PROPOSITURA DA RESPECTIVA ACÇÃO DE ANULAÇÃO, EM TEMPO ÚTIL, QUE DECORREU A LESÃO DE DIREITOS ALHEIOS E OS PREJUÍZOS DE QUE OS AUTOS DÃO CONTA.
V) IMPUNHA-SE À RÉ EM RAZÃO DA SUA PROFISSÃO E DA NORMAL EXECUÇÃO DO CONTRATO DE MANDATO INSTAURAR, NA POSSE DE TODOS OS ELEMENTOS NECESSÁRIOS, A RESPECTIVA ACÇÃO. POIS,
W) EM 08 DE MAIO DE 1998, APÓS A AQUISIÇÃO E COLOCAÇÃO EM CIRCULAÇÃO DAQUELA VIATURA AO SERVIÇO DA AUTORA, A MESMA VEIO A AVARIAR, TENDO A MESMA SIDO REPARADA NO LOCAL ONDE HAVIA AVARIADO (VIDE FLS. 8 DO DOCUMENTO NÚMERO 1), TENDO AQUELA REPARAÇÃO IMPORTADO EM ESC.11.402$00 = 56,87 EUROS, CUSTO ESSE PAGO AQUI PELA AUTORA. - ALÍNEA C5 DA MATÉRIA FACTO ASSENTE.
X) TAL AVARIA, RESPECTIVO CUSTO E A ORIGEM DA AVARAIA - PROBLEMAS AO NÍVEL DO MOTOR, FORAM PRONTAMENTE DENUNCIADOS AOS LEGAIS REPRESENTANTES DA SOCIEDADE VENDEDORA D…… LDA. - ALÍNEA C6.
Y) SÓ QUE AO CONTRÁRIO DO QUE SERIA DE ESPERAR, AQUELE TRACTOR VEIO A APRESENTAR VÁRIOS, ENORME E GRAVES PROBLEMAS, QUE SE INDICAM EXEMPLIFICAMENTE, AO NÍVEL DO MOTOR, DISTRIBUIDOR, CAIXA DE VELOCIDADES, EMBRAIAGEM, ESCAPE, TURBOS, INJECTORES, COLAÇAS, CRUZETAS DE TRANSMISSÃO, TERMÓSTATO, FUGAS DE ÓLEO, ETC. - ALÍNEA C7.
Z) INICIALMENTE E ATÉ INÍCIOS DE JULHO DE 1998, A SOCIEDADE VENDEDORA D…… LDA. ACEITOU PROCEDER AO PAGAMENTO DAS REPARAÇÕES DOS PROBLEMAS QUE IAM SURGINDO NAQUELA TRACTOR JU. - ALÍNEA C8. ASSIM,
AA) A RE CONSTITUI-SE NA OBRIGAÇAO DE INDEMNIZAR A AUTORA À LUZ NO DISPOSTO NO ARTIGO 483° N°.1 DO CÓDIGO CIVIL. E,
BB) FACE À CULPA GRAVE DO AGENTE, QUE OS FACTOS REVELAM, NÃO HAVERÁ LUGAR A QUALQUER LIMITAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO POR VIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 494° DO CÓDIGO CIVIL, ATENDENDO A QUE CULPA LATA DOLO AEQUIPARATUR.

6. POR FIM, EXISTEM DANOS SOFRIDOS PELA AUTORA.
A) O DANO PATRIMINONIAL É REPRESENTADO PELA DIFERENÇA ENTRE A SITUAÇÃO REAL ACTUAL DA VITIMA E A SITUAÇÃO HIPOTÉTICA EM QUE SE ENCONTRARIA, CASO NÃO HOUVESSE SOFRIDO O DANO, NOS TERMOS DO ARTIGO 566° N°.2 DO CÓDIGO CIVIL.
B) FICOU PROVADO QUE: " O CUSTO DA REPARAÇÃO DAS AVARIAS ENUNCIADAS A TITULO MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO NAS ALINEAS C4 A C7 DA MFA ASCENDEU À QUANTIA DE ESC.3.504.406$00 = €17.749,90 Euros ". E QUE,
C) A VIATURA EM APREÇO FICOU IMOBILIZADA CERCA DE 120 DIAS A FIM DE SER OBJECTO DAS VÁRIAS REPARAÇÕES E QUE IMPOSSIBILITOU A AUTORA DE REALIZAR, PELO MENOS, TRÊS CARGAS DE AREIA QUE EFECTUAVA DIARIAMENTE NUMA MÉDIA DE ESC.16.000$00 = €79,81 EUROS CADA CARGA", NO MONTANTE DE 28.730,76 EUROS. ASSIM,
D) NO MONTANTE GLOBAL DE 46.210,66 EUROS QUE A AUTORA DEIXOU DE AUFERIR, SENDO ESTE O MONTANTE QUE A RÉ DEVERÁ PAGAR.

7. A SENTENÇA PROFERIDA OFENDEU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 798°, 799° N°.2, 487° N°.1 E N°.2, 799° N°.1, 483° N°.1, 563°, 494° E 566° N°.2 TODOS DO CÓDIGO CIVIL.

TERMOS EM QUE, DECLARANDO-SE NULA E DE NENHUM EFEITO A SENTENÇA PROFERIDA OU, SE ASSIM SE NÃO ENTENDER, DECIDIR-SE PELA PROCEDÊNCIA DA ACÇÃO DADO QUE ESTÃO PREENCHIDOS TODOS OS REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL”

Foram apresentadas contra-alegações pela apelada, sustentando-se aí a improcedência da apelação.

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a resolver consiste - como sintetiza a apelante (fls. 372 verso) - em saber “se existiu responsabilidade contratual” da ré -- se estão verificados os seus requisitos -- de forma a responder pelos peticionados danos, sofridos pela autora.

II. 2. FACTOS PROVADOS:

No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos:
a) A Autora é uma Sociedade Comercial por Quotas, que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Maia sob o número 09767, cujo objecto é o comércio por grosso de materiais de construção e equipamento sanitário.
b) A Ré exerce a profissão liberal de Advogada, estando inscrita no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, sendo portadora da Cédula Profissional nº 5556 P.
c) Atendendo a que a Autora necessitava de aconselhamento jurídico, socorreu-se da experiência da Ré, tendo-lhe apresentado a seguinte situação:
d) A Autora em 06 de Abril de 1998 havia comprado à Sociedade D…… Lda. (D…., Lda.), um tractor de mercadorias, Marca MAN, Modelo FO2T10FB2, com a Matrícula ..-..-JU (tractor JU), pelo preço de 4.095.000$00 = 20.425,77 Euros (vide factura nº 034, de fls. 6, da certidão que se junta e se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais sob o documento número 1), e o pagamento do preço supra, foi efectuado mediante a entrega de 24 letras na quantia de 170.625$00 = 851,07 Euros, à Soc. D….., Lda, com início de vencimento em 06/05/98 e termo em 06/04/2000 (vide fls. 66 e 67 do doc. nº 1).
e) Atenta a forma de pagamento, a venda daquele tractor foi efectuada pela dita sociedade mediante a reserva de propriedade a seu favor até efectivo e integral pagamento (vide fls.66 e 67 do doc. nº 1).
f) Naquele mesmo dia 06 de Abril de 1998 a Autora também comprou àquela sociedade uma galera de Marca Fruehauf – Benne, com a Matrícula P – 72963, pelo valor de Esc.585.000$00 = 2.917,00 Euros (vide fls.7 do doc. nº 1).
g) Logo após a celebração do aludido contrato de compra e venda, o tractor JU supra referido foi imediatamente utilizado no exercício do objecto social da Autora.
h) Em 08 de Maio de 1998, após a aquisição e colocação em circulação daquela viatura ao serviço da Autora, a mesma veio a avariar, tendo a mesma sido reparada no local onde havia avariado (vide fls. 8 do doc. nº 1), tendo aquela reparação importado em 11.402$00 = 56,87 Euros, custo esse pago pela aqui Autora.
i) Tal avaria, respectivo custo e a origem da avaria – problemas ao nível do motor, foram prontamente denunciadas aos legais representantes da sociedade vendedora D…… Lda.
j) Só que, ao contrário do que seria de esperar, aquele tractor veio a apresentar vários, enormes e graves problemas, que se indicam exemplificativamente, ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, escape, turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo, etc.
l) Inicialmente e até inícios de Julho de 1998, a sociedade vendedora D….., Lda aceitou proceder ao pagamento das reparações dos problemas que iam surgindo naquele tractor JU.
m) Foi este cenário que o representante legal da AUTORA apresentou à RÉ. Ao que esta respondeu que assistiria à AUTORA o direito de anular o negócio celebrado entre aquela e a sociedade vendedora D……, Lda. (vide contrato de compra e venda de fls. 66 e 67 do documento número 1) e, ainda o de pedir uma indemnização por todos os danos, mormente pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes.
n) Por sua vez, a Ré, para instruir o processo a apresentar em tribunal, solicitou à Autora o fornecimento de vários documentos que julgou necessários para a instrução do referido processo, tendo em vista o ressarcimento dos direitos da Autora, nomeadamente facturas, recibos comprovativos das reparações e do custo das mesmas, referentes ao tractor JU.
o) De imediato a Autora se prontificou a entregar os referidos documentos e tudo quanto mais a Ré solicitou.
p) O legal representante da Autora, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, enviada no dia 03/04/2000 e recepcionada no dia 04/04/2000, comunicou-lhe que exigia o agendamento de uma reunião para o dia 07/04/2000 pelas 16h30m, a fim desta lhe exibir as duas acções judiciais que teria proposto em tribunal e esclarecendo-o do andamento as mesmas e entregando-lhe fotocópia das mesmas.
q) Mais lhe comunicou que, se a Ré não pudesse estar presente na indicada hora, teria que apresentar hora alternativa, mas sempre naquele dia, a combinar através dos números de telefone que aquele indicou.
r) Sucede que a Ré voltou a faltar à reunião supra, ao não ter comparecido no escritório daquela no dia e hora fixado.
s) Muito mais tarde, a Autora veio a saber que aquele processo havia sido transferido para o tribunal de Paredes, por ordem do Tribunal Judicial da Comarca da Maia e, por fim, tomou conhecimento do teor da sentença (de fls. 91 a 98 do documento número 1) que aqui se dá por reproduzida, na qual foi julgada procedente a alegada excepção da caducidade do direito de propor aquela acção (a sociedade vendedora do tractor JU, alegou em sede de contestação a dita excepção e a aqui Ré nada disse em relação à aludida caducidade).
t) O relato referido na alínea C) da MFA ocorreu em meados do mês de Julho de 1998.
u) Nessa altura, a Ré informou a Autora que a apresentação em juízo da referida acção de anulação daquele negócio e o indicado pedido de indemnização apenas poderia ocorrer depois do pagamento integral do preço de aquisição do tractor JU, ou seja, depois do dia 06/04/2000.
v) A Autora, apesar de contrariada, uma vez que se encontrava a pagar pontualmente as prestações mensais acordadas com a referida sociedade, confiou no saber e experiência da Ré, acabou por aceder ao conselho daquela.
x) O custo da reparação das avarias enunciadas a título meramente exemplificativo nas alíneas C4 a C7 da MFA ascendeu à quantia de 3.504.406$00 (17.749,90 euros).
z) A viatura em apreço ficou imobilizada cerca de 120 dias a fim de ser objecto das várias reparações e que impossibilitou a Autora de realizar, pelo menos, três cargas de areia que efectuava diariamente, numa média de 16.000$00 = 79,81 euros cada carga.
aa) No dia 7 de Abril de 2000, a Ré telefonou ao subscritor da carta referida na alínea G) da MFA e marcou reunião para o dia 13 de Abril de 2000.
ab) No dia 19 de Abril de 2000, a Ré ligou para o telemóvel do representante da Autora.
ac) Num sábado de manhã, no dia 20 de Maio de 2000, o representante da Autora acompanhado do seu pai, levou os documentos em falta para a instrução do processo, e nessa altura, outorgou procuração, rasurando o ano (de 2001 para 2000).

III. O DIREITO:

A apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não alveja razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

Apreciemos, então, a questão - ou, melhor, conjunto de questões -- suscitada nas conclusões [Diz-se “conclusões”, mas o certo é que se trata quase de transcrição integral das alegações, em clara violação do estatuído no nº 1 do artº 690º do CPC.
Não se perde tempo a convidar a apelante a formular verdadeiras “conclusões” por mera razão de economia processual, pois os interesses das partes e a prontidão da justiça não se compadecem com tais (quiçá de utilidade praticamente nula) diligências.] das alegações da apelante, qual seja, saber “se existiu responsabilidade contratual” da ré-- se estão verificados os seus requisitos-- de forma a responder pelos peticionados danos, sofridos pela autora.

Sem dúvida que entre autora e ré foi celebrado um contrato de mandato.
Com efeito, a autora, porque “necessitava de aconselhamento jurídico, socorreu-se da experiência da Ré, tendo-lhe apresentado a (…) situação”, ou “cenário” descrito nas alíneas d) a l) da relação dos factos provados vertida na sentença recorrida e pretendendo a anulação do contrato e compra e venda do automóvel, ali descrito, bem assim a indemnização dos prejuízos havidos.
Após apresentação deste cenário pela autora à ré, esta - aceitando, por isso, o contrato --, já na execução do mandato que daí emergia, disse à autora que lhe assistia o direito de anular o negócio celebrado com a vendedora do camião (D….., Lda.), bem assim direito a pedir uma indemnização por todos os danos, mormente pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes.
Nessa altura, a ré solicitou à autora o fornecimento dos documentos que entendeu necessários para a instrução do processo, ao que logo a autora se prontifiou a entregar-lhos, bem assim a entregar-lhe “tudo quanto mais a ré solicitou” (al. o) dos factos provados).
Acontece, porém, que logo aquando da apresentação pela autora à ré da “situação” ou “cenário” referidos supra -- o que ocorreu, anote-se bem, ainda “ em meados do mês de Julho de 1998” (cfr. al. t) dos factos provados) - “a Ré informou a Autora que a apresentação em juízo da referida acção de anulação daquele negócio e o indicado pedido de indemnização apenas poderia ocorrer depois do pagamento integral do preço de aquisição do tractor JU, ou seja, depois do dia 06/04/2000”- al. u).
Assim, “A Autora, apesar de contrariada, uma vez que se encontrava a pagar pontualmente as prestações mensais acordadas com a referida sociedade, confiou no saber e experiência da Ré, acabou por aceder ao conselho daquela” - al. v).
Por isso -- e só por isso, como parece emergir dos autos, ou seja, devido à informação da ré acabada de referir e em que a autora confiou - é que só “no dia 20 de Maio de 2000, o representante da Autora acompanhado do seu pai, levou os documentos em falta para a instrução do processo, e nessa altura, outorgou procuração”-- al. ac).

Ou seja, temos, portanto, que - independentemente da entrega efectiva da procuração (documento)--, logo em Julho de 1998 teve lugar a celebração de um contrato de mandato entre autora e Ré.
Efectivamente, logo aí teve lugar um acordo entre ambas por virtude do qual uma delas, o mandatário, se obrigou para com a outra, o mandante, a realizar no seu interesse um ou mais actos (Galvão Telles, Manual dos Contratos em geral, 312) - ou seja, por incumbência da autora, a ré obrigou-se a praticar um ou mais actos jurídicos por conta daquela, mandante (independentemente de representação).
O mandato é, como ensina Galvão Telles, ob. e loc. cits., o negócio jurídico unilateral que é a origem do poder de representação voluntária.

A questão da destrinça entre o mandato e a procuração é aqui de especial importância.
Com efeito, a apelada, nas suas doutas contra-alegações (cfr. fls. 433), “agarra-se”-- para com isso sustentar a fatalidade da improcedência da presente acção - ao facto de a apelante não ter provado que em 1998 entregou a procuração (o documento) forense à autora, que diz ser “condição essencial para que pudesse ser intentada a respectiva acção que a apelante insiste em dizer que foi proposta fora de tempo”.
“Esquece”, porém, a apelada que, sem embargo de apenas a ela ser imputável a não entrega da procuração logo em 1998 - pois, como vimos, logo nessa altura a autora se prontificou a entregar-lhe “tudo quanto mais a ré solicitou” ( al. o) dos factos prova dos), ao que a ré lhe fez saber que, afinal, não era necessário, pois só as partir de 6.4.2000 podia ser instaurada a acção, motivo porque só em 20.05.2000 a autora outorgou a aludida procuração--, logo em 1998 ficou firmado o contrato de mandato entre ambas.

De facto, não é essencial à existência do mandato a outorga da procuração.
Há que atender à distinção entre mandato com representação ou mandato representativo - que se verifica quando ao lado do mandato, que impõe ao mandatário a obrigação de celebrar um acto por conta do mandante, existe a procuração, que uma vez aceita, obriga o mandatário procurador, em princípio, a celebrar o acto em nome daquele (P. Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, 1ª ed., 2º, 503) - e mandato sem representação - aquele em que o mandatário age em seu próprio nome; aqui o mandante confia ao mandatário a realização em nome deste, mas no interesse daquele, a realização de uma acto jurídico relativo a interesses pertencentes ao primeiro, assumindo o segundo a obrigação de praticar esse acto (P. Lima e A. Varela., ob. cit. a pág. 505 ; P. Jorge, O Mandato sem representação, pág. 411; Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, pág. 274 e Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3º-399).

Já no artº 1318º do CC de 1867 se confundia, ou, pelo menos, não se destrinçava, o mandato da procuração, ao dar ao contrato o nome de mandato ou procuração.
Ora, tal como o mandato se não identifica com a representação, também a procuração se não confunde com nenhuma dessas figuras jurídicas. A representação não pressupõe necessariamente a procuração, visto poder resultar doutros negócios jurídicos (prestação de serviço, sociedade, etc.), ou da lei (representação legal). Por sua vez, o mandato, como contrato celebrado entre mandante e mandatário, também se distingue da procuração, visto não ser essencial nele a atribuição de poderes representativos (ver, ainda, P. Lima e A. Varela, ob. cit., em anotação ao artº 1157º).
O mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem. O segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele (Pessoa Jorge, ob. cit., nº 3; Ferrer Correia, A procuração na teoria da representação voluntária, no Bol. da fac. de Direito de Coimbra, CCIV, pág. 253 e RLJ, ano 109º-125 e 112º-219 ss).
O que, efectivamente, origina os poderes existentes no mandatário não é a procuração; a procuração, no sistema do CC actual, mais não é que o meio adequado para exercer o mandato.
A procuração, na terminologia do artº 262º do CC é “o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”. O poder negocial é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato; a procuração apenas representa a exteriorização desses poderes (STJ, Ac. de 16.04.1996, Col. Jur./ Acs. STJ, Ano IV, T. II, pág. 22).

Portanto, com a aproximação inter partes por via do mandato conferido por autora à Ré logo em Julho de 1998, ficou a ré obrigada a “praticar um ou mais actos jurídicos por conta” da autora (artº 1157º CC). Mais precisamente, obrigou-se a desenvolver todas as diligências ao seu alcance para que vingasse a pretensão da autora em ver anulado o contrato de compra e venda do camião e ressarcimento dos danos entretanto sofridos.
É certo que a ré não se obrigara - nem o podia - a obter o vencimento da acção judicial por banda da autora. Mas obrigou-se a desenvolver a necessária actividade intelectual e a praticar todos os actos materiais inerentes, com o objectivo de lograr obter o objectivo pretendido pela mandante (autora).
Assim, é patente que, como bem se refere na sentença, o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou defeituoso da prestação da R. (mandatária) não se analisa pelo improcedência da pretensão da A. (a não procedência da acção instaurada), mas, sim, pela omissão dos actos tendentes (de acordo com as regras profissionais da respectiva actividade) a produzir tal resultado, ou na prática de actos inadequados à obtenção do desiderato pretendido.
Assim, também, porque se trata de uma obrigação de meios e não de resultados, a não obtenção do resultado pretendido pelo mandante não só não constitui critério para a aferição da pontualidade do cumprimento da obrigação pelo mandatário, como também pode não consubstanciar um dano imputável a este, caso tenha cumprido pontualmente a sua obrigação.

Assente a existência do contrato de mandato entre autora e ré, independentemente da outorga da procuração - esta, repete-se, que foi entregue à ré quando esta o exigiu da autora, pois esta logo em Julho de 1998 se prontificou a entregar-lhe tudo o que fosse necessário para a instauração da acção - [ Aliás, sempre a ré podia intervir a título de gestão de negócios, com a posterior ratificação do processado pela autora (ver artº 268º CC).], há que ver, agora, qual a natureza da responsabilidade do advogado, para, de seguida, averiguar se no caso sub judice deve ser assacada responsabilidade à ré (advogada) pelo ressarcimento dos danos sofridos pela autora, cuja indemnização aqui vem peticionar.

DA RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO NO INCUMPRIMNETO DO MANDATO / DA NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL DO ADVOGADO:

Apesar desta questão ser tão antiga como a advocacia, e das próprias Ordenações estabelecerem que, se os advogados fossem negligentes, «de sorte que recebam as partes, em seus feitos, alguma perda, lhes será esta satisfeita por seus bens», nem o Estatuto Judiciário, nem o actual fazem qualquer alusão à responsabilidade civil dos advogados.
É discutível se a responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual, extracontratual ou mista.
A natureza contratual ou extracontratual da obrigação de indemnizar não é uma discussão teórica pois são diferentes os dois regimes em questões tão importantes como, por exemplo, quanto ao ónus da prova (artigos 799º e 487º do Código Civil ) e da prescrição (artigos 309º e 498º, ambos do mesmo Código).
Os que defendem a primeira tese argumentam que ela resulta de um contrato «sui generis», atípico ou inominado porque a culpa atribuível ao advogado consiste na falta de uma obrigação de conselho, de informação, de prudência ou de diligência, sem relação com qualquer contrato definido no Código Civil. A responsabilidade civil do advogado seria sempre a contratual em relação aos seus clientes, sendo extracontratual em relação a terceiros ( cfr. Yves Avril, La responsabilité de l’avocat, pág. 4, apud L.P.Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, Coimbra, 1985, págs. 10 e 11).
Os que perfilham a segunda doutrina, como é o caso, entre nós, do Dr. António Arnaut (Iniciação à Advocacia, 3ªed., Coimbra, 1996, págs. 114-119) baseiam-se no carácter público da actividade forense e na violação dos deveres que, legalmente, lhe são exigíveis.
A este respeito e justificando a sua adesão à segunda daquelas posições escreve o Dr. António Arnaut: “Por mim, (...), entendo que a responsabilidade do advogado não pode radicar no contrato de mandato, por várias razões. A primeira, emerge, desde logo, do facto do art. 1161º do Código Civil (que estabelece as obrigações do mandatário), não se aplicar, manifestamente, ao mandatário forense. Já o Código Civil de 1867 continha uma regra específica quanto aos procuradores e advogados, responsabilizando-os por «perdas e danos» no caso de abandono do mandato sem tomarem as providências ali prescritas (art. 1362º). A segunda razão, resulta de que a fonte das obrigações contraídas pelo advogado para com o cliente, não é o instrumento notarial ou particular que o habilita a representá-lo, mas a violação dos deveres deontológicas previstos no art. 83º do E.O.A., designadamente, nas alíneas c), d), e), g), h), i) e j) do n.º1. É dessa violação que promana a sua responsabilidade de indemnizar os danos que, culposamente, causa ao constituinte. Tanto isto é exacto que o cliente, ao passar a procuração, ou incumbir o advogado de qualquer assunto, sabe em regra, que ao fazê-lo, o advogado está sujeito aos deveres ético-profissionais decorrentes da sua função, não lhe impondo um dever concreto de agir deste ou daquele modo, como sucede com o vulgar procurador. O advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a «leges artis». Finalmente, sendo a advocacia uma actividade de eminente interesse público, a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos, justamente, em nome daquele interesse. E é, por isso, que a responsabilidade civil do advogado acompanha sempre a sua responsabilidade disciplinar, pois esta é o pressuposto e o fundamento daquela.”(op. cit. pag. 116).
Finalmente, os que adoptam a teoria da concorrência de ambas as responsabilidades, que é a maioria dos autores, fundamentam-se em que o mesmo acto ou omissão do advogado pode constituir responsabilidade contratual ou extracontratual, havendo que fixar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar (cfr., neste sentido, L.P. Moitinho de Almeida, A Responsabilidade, cit., pág.13, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, ed. de 1937, tomo XII, pág. 762 ).
Como se salienta no Ac. da Rel. de Lisboa de 25-9-2001, (rel. Des.º Jorge Santos, proc.º n.º 0066897, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl):“Na responsabilidade civil do advogado pelo exercício da sua actividade pode coexistir a responsabilidade civil contratual e a extra-contratual” .
Cremos que esta última teoria é a mais conforme ao Direito e às realidade da vida.
“O contrato existente entre o advogado e o cliente- escreve o Dr. L.P. Moitinho de Almeida- é o de mandato com representação, quer haja quer não haja, procuração constante de instrumento, o qual só é indispensável nos termos do artigo 262º, n.º2, do Código Civil, quando tenha de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador tenha de realizar (Cód. Civil, arts. 1157º, 1178º, 258º e 262º).”(op. cit., pág. 10).
Se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana.
Nas mesmas águas parece navegar a seguinte jurisprudência dos nossos tribunais superiores :
- Ac. do S.T.J. de 24-11-1987, B.M.J. n.º, 371, pág. 444: “É de natureza contratual, e não extracontratual, a responsabilidade do advogado que, mandatado para propor uma acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deixou decorrer o prazo prescricional sem que o fizesse”;
- Ac. da Rel. do Porto de 4-2-1992, Col. de Jur., Ano XVII, tomo 1, págs. 232 : “Há lugar a indemnização por danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil contratual, designadamente por negligência de advogado no cumprimento das suas obrigações como mandatário judicial.”;
- Ac. do S.T.J. de 30-5-1995, Col. de Jur.-Acs. do S.T.J., Ano III, tomo 2, págs. 119-122: “I-O advogado ao não evitar que os seus clientes sejam condenados a despejar o local arrendado com fundamento na falta de pagamento de rendas por os não ter informado e aconselhado a proceder ao depósito das mesmas, revela não ter estudado e tratado com zelo a questão que aquelas lhe confiaram. II- Ao violar, assim, os seus deveres profissionais originou responsabilidade contratual e constitui-se na obrigação de indemnizar os clientes pelos prejuízos que lhes causou” [no mesmo sentido podem, ainda citar-se, v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 4-2-1992 (B.M.J. n.º 414, pág. 637)- advogado que, negligentemente, no exercício de mandato judicial, deixa de contestar uma acção; o Ac. da Rel. do Porto de 10-7-1997, (Des.º Soares de Almeida, proc.º n.º 9520437)- advogado que, por negligência deixa o cliente perder o direito de recorrer de uma decisão desfavorável em matéria penal; o Ac. da Rel. de Coimbra de 12-10-1999 (rel. Des.º Eduardo Antunes proc.º n.º 1646/99)- falta de instauração de procedimento cautelar de arresto; o Ac. da Rel. do Porto de 19-10-1999 (rel. Des.º Armindo Costa, proc.º n.º 9920902)- depósito de rendas inferiores às devidas; Ac. da Rel. do Porto de 7-12-1999 (rel. Des.º Emídio Costa, proc.º n.º 9921245)- advogado que tendo recebido do seu cliente diversos títulos executivos não instaura as pertinentes execuções; Ac. do S.T.J. de 6-4-2000 (rel. Consº Duarte Soares, proc.º n.º 00B160, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/)- mandatário forense que numa acção de despejo por si patrocinada em representação do locatário não providencia para que o depósito legal liberatório das rendas seja efectuado pelos valores reclamados pelo locador acrescidos da indemnização prevista na lei].

Pelo explanado se conclui, salvo melhor opinião, que a haver responsabilidade civil da ré derivada da não instauração tempestiva da acção de anulação do contrato de compra e venda do camião e indemnização dos danos sofridos pela autora, tal responsabilidade é, manifestamente, contratual.

DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA RÉ PERANTE OS FACTOS PROVADOS:

Vejamos, então, se os factos provados permitem assacar responsabilidade contratual à ré , por incumprimento do contrato de mandato que outorgou com a autora e quais os danos que a esta devem ser ressarcidos.

Como vimos, entende a autora dever ser ressarcida dos prejuízos resultantes do decaimento na acção de anulação que a ré a aconselhou a instaurar contra a vendedora do camião - informou-lhe a ré que tinha, não apenas direito a instaurar tal acção anulatória, como também a pedir uma indemnização por todos os danos sofridos (danos emergentes e lucros cessantes).
Mais entende a autora que o decaimento na acção só ocorreu por a ré não ter, como deveria, interposto a acção dentro do prazo (de caducidade) de seis meses para a sua instauração, previsto no artº 917º do CC.

Está provada a seguinte matéria de facto com relevância para a apreciação da responsabilidade 8 contratual) da ré:
- A Autora, porque necessitava de aconselhamento jurídico, socorreu-se da experiência da Ré, tendo-lhe apresentado a situação descrita nas alíneas d) a l) dos factos provados descritos na sentença ( al. c) dos factos provados);
- Apresentado este cenário à ré pelo representante legal da AUTORA, a ré respondeu que assistiria à AUTORA o direito de anular o negócio celebrado entre aquela e a sociedade vendedora D….., Lda. (vide contrato de compra e venda de fls. 66 e 67 do documento número 1) e, ainda, o de pedir uma indemnização por todos os danos, mormente pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes (al. m);
- Para tal-- ou seja, porque aceitou o contrato de mandato que lhe foi proposto ou oferecido pela Autora --, a Ré, a fim de instruir o processo a apresentar em tribunal, solicitou à Autora o fornecimento de documentos que julgou necessários para a instrução do mesmo processo, tendo em vista lograr o ressarcimento dos direitos da Autora (al. n);
- De imediato a Autora se prontificou a entregar os referidos documentos e tudo quanto mais a Ré solicitou ( al. o);
- O que correu em Julho de 1998 - pois, como vem provado, o relato referido que a autora fez à ré dos factos relativos ao (incumprimento, ou cumprimento defeituoso) contrato de compra e venda do camião, supra referido, ocorreu em meados do mês de Julho de 1998 (al. t).
- Porém, logo nessa altura, a Ré informou a Autora que a apresentação em juízo da referida acção de anulação daquele negócio e o indicado pedido de indemnização apenas poderia ocorrer depois do pagamento integral do preço de aquisição do tractor JU, ou seja, depois do dia 06/04/2000 ( al.s t) e u);
- Assim, a Autora, apesar de contrariada, uma vez que se encontrava a pagar pontualmente as prestações mensais acordadas com a referida sociedade, confiou no saber e experiência da Ré, acabou por aceder ao conselho daquela (al. v) - isto é, de que a acção de anulação e indemnizatória apenas deveria ser instaurada “depois do dia 06.04.2000”.
- No entanto, o legal representante da Autora, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, enviada no dia 03/04/2000 e recepcionada no dia 04/04/2000, comunicou-lhe que exigia o agendamento de uma reunião para o dia 07/04/2000 pelas 16h30m, a fim desta lhe exibir as duas acções judiciais que teria proposto em tribunal e esclarecendo-o do andamento as mesmas e entregando-lhe fotocópia das mesmas - al. p);
- Mais lhe comunicou que, se a Ré não pudesse estar presente na indicada hora, teria que apresentar hora alternativa, mas sempre naquele dia, a combinar através dos números de telefone que aquele indicou ( al. q));
- Sucede que a Ré voltou a faltar à reunião supra, ao não ter comparecido no escritório daquela no dia e hora fixado - al. r);
- Muito mais tarde, a Autora veio a saber que aquele processo havia sido transferido para o tribunal de Paredes, por ordem do Tribunal Judicial da Comarca da Maia e, por fim, tomou conhecimento do teor da sentença (de fls. 91 a 98 do documento número 1) que aqui se dá por reproduzida, na qual foi julgada procedente a alegada excepção da caducidade do direito de propor aquela acção (a sociedade vendedora do tractor JU, alegou em sede de contestação a dita excepção e a aqui Ré nada disse em relação à aludida caducidade)- al. s);
aa) Apenas no dia 7 de Abril de 2000, a Ré telefonou ao subscritor da carta referida na alínea p) e marcou reunião para o dia 13 de Abril de 2000, tendo no dia 20 de Maio de 2000, o representante da Autora acompanhado do seu pai, levado os documentos em falta para a instrução do processo, e nessa altura, outorgado a procuração (als. aa) e ac)) - não o fez antes, concluimos nós, obviamente, porque tal não era necessário, atenta a informação que a ré deu à Autora logo em Julho de … 1998 de que a acção só poderia entrar em juízo a partir de Abril de … 2000!

Repete-se: foi a ré a aconselhar a autora a aguardar a instauração da acção para depois do pagamento integral da viatura - o que se não compreende, pois tratava-se de anulação de um contrato de compra e venda por.. cumprimento defeituoso! -, e a Autora apenas aceitou porque, “apesar de contrariada”, “confiou no saber e experiência da Ré”.
E foi a mesma ré a responsável pela não entrega pela autora logo em Julho de 1998 de toda a documentação necessária, pois “de imediato se prontificou a Autora a entregar” os documentos necessários à instrução do processo judicial, “e tudo quanto a Ré solicitou”.
Foi a ré quem foi protelando as coisas, fugindo ao contacto com a autora, ao ponto de ter sido a autora a tomar a iniciativa de enviar carta registada com aviso de recepção a exigir uma reunião para o dia 07.04.2000, a fim de ser esclarecida pela autora sobre o andamento das acções judiciais “ que teria proposto em tribunal” - o que, aliás, repete-se, podia ocorrer mesmo sem a referida procuração, agindo a ré como gestora de negócios, caso visse-- como era seu dever, em obediência ao mandato que a autora lhe havia conferido - que o tempo escasseava e podia ter lugar - como, afinal, veio a acontecer - a caducidade do direito de accionar a ré.
A ré, porém, apesar dessa interpelação da autora, continuou a voltar as costas à Autora, voltando a faltar à referida reunião. E só mais tarde é que a autora veio a saber da negligência da ré, confrontada que foi com o inesperado: a caducidade do direito de propor a acção!

Perante este quadro, portanto, dúvidas não temos que a ré não agiu com a diligência que emergia do mandato que lhe foi outorgado, tendo actuado de forma culposa - culpa essa que, aliás, se presumia, já que estamos no âmbito da responsabilidade contratual.

Pode dizer-se, mesmo, que a ré violou a relação de confiança que se criou no espírito da autora, violando o princípio da boa fé contratual.
Com efeito, não se deve esquecer que a boa fé está presente tanto na preparação como na formação do contrato (artº 227º do C. Civil), como, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 762º, do mesmo Código).
É um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional -- princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959, - “Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, a Boa Fé nos Contratos, de Armando Torres Paulo, pág. 124 e “ A Boa Fé no Direito Comercial”, in “temas de Direito Comercial”, conferência no Conselho Distrital do Porto da ordem dos Advogados, págs. 177 e segs. e Baptista Machado, in Obras Dispersas, vol. I.
A autora foi ter com a Ré confiando no seu saber jurídico e no seu sentido de responsabilidade. Foi por confiar “no saber e experiência da Ré” que “acabou por aceder ao conselho” desta.
Mas a ré logrou violar essa relação de confiança: primeiro, deu informação não conforme à verdade jurídica - que a acção anulatória “apenas poderia ocorrer depois do pagamento integral do preço de aquisição do tractor JU, ou seja, para depois do dia 06.04.2000”; depois, esquivou-se ao contacto com a autora, apenas instaurando a acção já depois de decorrido o prazo legal (de seis meses referido no artº 917º do CC), assim vendo caducar tal direito de accionar - tudo em manifesta violação das suas obrigações, como emerge, designadamente, do artº 1161º, als. a) a c) do CC.

Nunca é de mais referir salientar que estamos no âmbito da responsabilidade contratual. E nesta presume-se a culpa do devedor (ora Ré) inadimplente. Ou seja, presume-se a ausência de causas de excusa. A presunção de culpa do artº citado 799º é, na realidade, uma presunção de ilicitude.
Ou seja, perante a falta de cumprimento, presume-se que:
- o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir - ilicitude;
- o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura - culpa.
Ora, tal presunção não logrou a ré elidi-la.

Especificamente, no campo da responsabilidade do advogado, ver, ainda, v.g., o Ac. STJ, de 22.11.2001 ( rel. Consº Araújo de Barros), proc. nº 02B1621, o Ac. Rel. do Porto de 19.10.1999 (relator Des. Armindo Costa), Proc. nº 9920902) e o Ac. da Rel. de Coimbra de 12.10.1999 ( rel. Des. Eduardo Nunes, proc. nº 1646/99.

Não logrou, portanto, a ré efectuar a prova-- conforme lhe competia-- de que actuou com a diligência que o caso exigia e lhe permitiam os seus conhecimentos e experiência. E presumindo-se a sua culpa, a Réu é, naturalmente, responsável pelos prejuízos sofridos pela Autora em consequência de incumprimento por parte daquele do contrato de mandato entre ambos celebrado.

Sempre se impõe acrescentar, no entanto, que “para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes da perda de uma determinada causa, se torna necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre aquela conduta omissiva ou negligente e os invocados danos” (Ac. do S.T.J. de 10-5-2001, rel. Consº Óscar Catrola, proc.º n.º 01B829)
Dito de outra forma, à autora incumbia sempre demonstrar (ónus de alegação e prova, ut artº 342º, nº1 CC) o nexo de causalidade entre o facto ( o incumprimento do mandato) e o dano ( a não obtenção do resultado pretendido) - isto é, que a não obtenção do resultado pretendido por via da acção que a ré não instaurou tempestivamente resultou precisamente da falta de instauração tempestiva dessa mesma acção.
Ou, ainda, tem a autora que fazer a prova de que o resultado que pretendia com a dita acção ( o ressarcimento dos danos patrimoniais que aqui peticiona) seria previsivelmente obtido caso a mandatária (ora Ré) tivesse cumprido pontualmente as obrigações que emergiam do contrato de mandato, isto é, instaurasse a acção dentro do aludido prazo de seis meses.
Assim, caso a autora tenha direito a obter os peticionados montantes indemnizatórios da vendedora do camião, então teremos como previsível a obtenção desse mesmo resultado - e, logo, a não obtenção do mesmo poderá ser imputada à Ré. Isto, não obstante as contingências da prova a produzir naquela demanda, bastando à autora alegar e provar os factos que alega - não a culpa na produção dos danos, a qual, como dissemos, se presume (da ré), mas, sim, a existência de nexo causal entre a (já descrita) actuação da ré e o invocado dano da autora.

Pergunta-se, então: será que perante os factos provados, se pode dizer que à autora-- caso a acção de anulação do contrato tivesse sido tempestivamente instaurada - assistia o direito a ser ressarcida dos danos patrimoniais que peticiona?
Vejamos.

Escreveu-se na sentença recorrida:
“Da parca factualidade que a este propósito foi trazida a estes autos, resulta que a A. comprou a prestações um tractor de mercadorias e uma galera, em 06/04/98. Logo após, o tractor foi imediatamente utilizado na actividade da A. Em 08/05/98 (cerca de um mês após), a viatura avariou, tendo essa avaria por origem “problemas ao nível do motor”. Mais se apurou que “ao contrário do que seria de esperar, aquele tractor veio a apresentar vários, enormes e graves problemas, que se indicam exemplificativamente, ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, escape, turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo, etc.”
Perante esta factualidade, que dizer?
Dispõe o artº 913º do C. Civil, que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim (…)”.
O regime da venda de coisas defeituosas está, portanto, relacionado com duas situações diversas, a saber: a coisa padecer de vício (que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina); ou a falta de qualidades (ou asseguradas pelo vendedor ou necessária para a realização do fim a que se destina).
A factualidade trazida a estes autos, acima referida, não é susceptível de consubstanciar qualquer das hipóteses previstas no referido artº 913º do C. Civil. Com efeito, nada foi dito sobre a falta de qualidades que o vendedor eventualmente tivesse assegurado e é manifesto que não se trata de falta de qualidades necessárias para o fim a que a coisa vendida se destinava (tanto mais que a A. a usou para o exercício da sua actividade logo que a comprou e não se queixou da sua falta de aptidão). Resta, pois, a hipótese de a coisa sofrer de vício.
Nesta parte, a factualidade apurada não permite concluir que o veículo comprado pela A. (tractor e galera) padecessem de vício. Na verdade, cumpriram a sua função durante o primeiro mês ao serviço da A., sem qualquer avaria (efectuando três cargas de areia diariamente – cfr. a resposta dada ao artº 9º da B.I.). A primeira avaria sobreveio, portanto, após o primeiro mês de uso, sendo ignorada a respectiva causa (a “origem” da avaria – “ problemas ao nível do motor” – não identifica a causa): deveu-se ao uso que lhe foi dado pela A.? deveu-se a uma causa fortuita? deveu-se ao desgaste inerente à idade da viatura? (nem sequer foi alegado se a viatura foi adquirida no estado de nova ou de usada – embora resulte do artº 7º da petição elaborada pela R., que se trataria de um veículo usado – vide o documento junto com a p.i., fls. 17 dos autos) ou resultou do mau estado de conservação de algum órgão mecânico do veículo, pré-existente à data da venda? Interrogações estas que igualmente se poderiam colocar relativamente às várias avarias (ou “graves problemas”) que foram alegadas pela A. (cfr. a al. C7 da M.F.A.).
Em suma, o único facto invocado pela A. é o de que o veículo por si adquirido sofreu diversas avarias. Mas as avarias não são necessariamente decorrentes de vício da coisa comprada. Aliás, como diziam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela a este propósito (in C. C. anotado, vol. II, 3ª ed., pág. 212, na anotação 4 ao artº 913º) “observe-se que o regime estabelecido nos artºs 913º e ss. se refere apenas às coisas defeituosas (às coisas com defeito) e que, entre os defeitos essenciais, seja porque impedem a realização do fim a que a coisa se destina, seja porque a desvalorizam na sua afectação normal (compra de automóvel como novo, quando se trata de carro já usado…)”.

Resulta do exposto que não é possível reconhecer que assistia à A. qualquer direito sobre a vendedora, fundado nas avarias que o veículo comprado sofreu. Como tal, não seria previsível que a A. viesse a obter ganho de causa em acção judicial que instaurasse contra a vendedora (nem na acção de anulação que instaurou sob o patrocínio da R., nem em qualquer outra, fundada na compra defeituosa).
Assim, por não ser previsível que a A. viesse a obter vencimento na referida acção judicial, não é possível estabelecer o imprescindível nexo de causalidade (adequada) entre o verificado malogro dessa causa e o cumprimento defeituoso da prestação imputado à R.
Pelo que, relativamente aos danos invocados pela A. (quer os patrimoniais, quer os não patrimoniais), é manifesto que a acção não pode proceder.”

De forma alguma podemos concordar com estas asserções.
Com efeito, parece mais que evidente, salvo melhor opinião, que estamos perante venda de coisa defeituosa.
Como tal, são-lhe aplicáveis os normativos previstos nos arts. 913º ss e arts. 905º ss, ex vi do artº 913º , todos do CC.
Ora, perante os factos provados, ao contrário do que se diz na sentença, cremos que se está perante qualquer das situações previstas no referido artº 913º.
Com efeito, provado está que a Autora “em 06 de Abril de 1998 havia comprado à Sociedade D….. Lda. (D.., Lda.), um tractor de mercadorias, Marca MAN, [….], pelo preço de 4.095.000$00 = 20.425,77 Euros”, tendo o pagamento do preço supra sido “efectuado mediante a entrega de 24 letras na quantia de 170.625$00 = 851,07 Euros, à Soc. D…., Lda, com início de vencimento em 06/05/98 e termo em 06/04/2000”.
Naquele mesmo dia 06 de Abril de 1998 a “Autora também comprou àquela sociedade uma galera de Marca Fruehauf – Benne, com a Matrícula P – 72963, pelo valor de Esc.585.000$00 = 2.917,00 Euros”.
Ora, se é certo que a autora utilizou o tractor JU “Logo após a celebração do aludido contrato de compra e venda”, não é menos certo que tal foi “sol de pouca dura”, pois decorrido apenas um mês “ sobre a aquisição e colocação em circulação daquela viatura ao serviço da Autora a mesma veio a avariar, tendo a mesma sido reparada no local onde havia avariado”.
Só que não se tratava de uma avaria ocasional, sem importância, vulgar, resultante - como parece insinuar-se na sentença (resultante “do uso que lhe foi dado pela A.”).
Não!
Tratava-se de uma avaria cuja origem radicava -- nada mais nada menos-- em problemas ao nível do motor” - o que foi, aliás, prontamente denunciado aos legais representantes da sociedade vendedora.
Mas havia muito mais: é que, como igualmente se provou,”ao contrário do que seria de esperar, aquele tractor veio a apresentar vários, enormes e graves problemas, que se indicam exemplificativamente, ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, escape, turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo, etc.”
Ora, com uma viatura em tal estado, como é possível dizer-se que as avarias não decorreram de vício da coisa?!
Como é possível afirmar-se - como o faz a sentença recorrida - que “a factualidade apurada não permite concluir que o veículo comprado pela A. (tractor…) padecesse de vício”?!, só porque… “cumpriu a sua função durante o primeiro mês”?!!
Mas será que a viatura - afinal o “tractor” não foi assim tão barato, pois custou à autora 20.425,77 Euros e que esta se viu obrigada a pagar de forma naturalmente penosa, “mediante a entrega de 24 letras na quantia de 170.625$00 = 851,07 Euros” - foi comprada para durar… um mês, ou, antes, para exercer a sua “função normal”(ut artº 913º, nº2 do CC)?
Como escrevem os Prof. P. Lime e Ant.Varela, CCAnotado, anotação ao aludido artº 913º, “como interpretativo, manda o nº 2 atender, para a determinação do fim” - “a que é destinada (ut artº 913º, nº1)--, “à função normal das coisas da mesma categoria”. E dá, precisamente, este exemplo: “Assim um automóvel é feito para andar” ( sublinhado nosso).
E não apenas durante um mês!...

É evidente, portanto, que se se adquire uma viatura - ainda mais pelo preço de 20.425,77 Euros, o que só por si faz presumir que se encontra em bom estado - e ao fim de (apenas) um mês de uso o mesmo avaria e se constata que tal avaria tem a sua origem em “problemas ao nível do motor”, bem assim que, “ao contrário do que seria de esperar” ( al. j) dos factos provados) -- isto é, ao contrário do que esperaria qualquer pessoa colocada DE BOA FÉ no lugar do comprador--, a viatura, afinal, apresenta “vários, enormes e graves problemas, que se indicam exemplificativamente, ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, escape, turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo, etc.”, está-se manifestamente perante um logro, pois se adquiriu coisa que sofre manifestamente “de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada”, ou que não tem “as qualidades” (presumivelmente, pelo menos) ”asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim” ( ut artº 913º, nº1 CC).

Trata-se, portanto, de vícios da coisa. E, como ensinam P. Lima e Ant.Varela, ob. e loc. cits. “este artigo 913º cria, efectivamente, um regime especial” - de anulação - “para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas”.
Assim equiparou o nosso legislador, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidades da coisa.
Portanto, estando em causa-- como parece para nós evidente - qualquer das situações previstas no aludido artº 913º do CC, a anulação do contrato de compra e venda é perfeitamente possível.
Uma coisa parece evidente: a viatura, pelo que referimos supra, era portadora de defeito essencial, pois, a manterem-se os supra aludidos vícios, certamente que inviabilizada estava a realização do fim a que a autora a destinava.

Os vícios de que a coisa adquirida pela autora (camião) padecia enquadram-se naquilo que a doutrina chama VÍCIOS REDIBITÓRIOS.
Basta atentar na sua natureza e do facto de terem sido verificados tempos depois da aquisição da viatura “ao contrário do que seria de esperar” (al. j) dos factos provados).
São, sem dúvida, tais vícios que estão subjacentes ao artº 913º do CC.
Vejamos, melhor, o que caracteriza tais vícios.

São três os elementos que caracterizam tais vícios: gravidade, anterioridade e oculticidade.
Assim, só será redibitório o vício grave, isto é, o vício capaz de atingir a coisa na sua susceptibilidade de utilização para o fim a que se destina. Só assim se pode dizer que o adquirente da coisa foi ludibriado e frustrada a sua intenção de celebrar o contrato, de tal modo que se o comprador tivesse tido conhecimento dos defeitos, não teria comprado a coisa, ou não teria dado por ela o preço ajustado.
Por outro lado, o vício deve ser anterior ao momento da transmissão, pois não se pode obrigar o vendedor a responder pelos vícios posteriores ao dia em que a coisa ficou sendo propriedade do comprador, para este passando consequentemente o risco.
Para ser redibitório tem o risco de ser oculto, isto é, desconhecido no momento da transmissão. Se o defeito é patente ou não o é mas é facilmente verificável por um exame da coisa, a que o adquirente deverá proceder sob pena de negligência - e esta não é protegida pela lei - não será um defeito oculto. O exame que o adquirente deverá fazer não terá de ser minucioso. Parece que bastará que o adquirente tenha posto no exame o cuidado dum adquirente diligente e activo, não sendo necessário que seja levado a cabo um técnico especializado.
Por outro lado, parece que o comprador deve ignorar o defeito, pois se conhecia o vício não poderá mais tarde alegar que só por do mesmo não ter tido conhecimento celebrou o contrato.
Quanto ao vendedor, parece que o defeito continuará oculto desde que se verifiquem as condições já apresentadas, quer conheça ou ignore o defeito.

A teoria dos vícios redibitórios foi profundamente analisada por PIRES DA CRUZ, “Dos Vícios Redibitórios no Direito Português”, o qual na pág. 72 dá a seguinte noção de vício redibitório: “… são os defeitos da coisa anteriores à transmissão… da mesma e que, prejudicando-a no uso a que convencional ou usualmente se destina, não podiam ser conhecidos do adquirente ou eram dele conhecidos apenas como facto”..
Também Manuel de Andrade, Teoria Geral da relação Jurídica, II, nº 128, II (citando Coelho da Rocha) define os referidos vícios como “os vícios ocultos da coisa vendida, que a tornam imprópria para o uso a que se destina ou lhe reduzem de tal modo a aptidão para esse uso que, se o comprador o soubesse, não a teria adquirido ou não daria o mesmo preço”.

Portanto, perante o explanado e dos factos provados, não parece haver dúvidas de que se está mesmo perante os apontados vícios.
Com efeito, os “vários, enormes e graves problemas, [….] ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, [.…], turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo” são, sem dúvida, defeitos graves e que influenciam, de forma patente, o uso a que o veículo se destina.
É claro que o vendedor sabia o uso seria dado à viatura - desde logo atenta a actividade a que se dedica a autora/compradora.
Por outro lado, os vícios já existiam aquando da venda da viatura - “vários,, enormes e graves, problemas,[…], ao nível do motor”, etc., etc., não surgem ao fim de alguns dias de uso!.Aliás seria à ré que competia provar que tais vícios não existiam à data da compra da viatura.
Trata-se de vícios oculto, pois não eram verificáveis por um exame feito por um adquirente diligente e activo--na sua maioria, pelo menos, atendendo à sua localização e natureza (v. g. motor, etc.).
A compradora desconhecia os defeitos - como resulta dos factos provados (ver expressão “ao contrário do que seria de esperar” (al. j) dos factos provados)--, além de que certamente que se os desconhecesse não aceitaria o camião, pois punha em risco a segurança de pessoas e bens, além de se tratar na quase totalidade de vícios muito difíceis de localizar.
Estamos, portanto, em face de vícios redibitórios, na previsão do artº 913º CC.
Como tal, é aplicável o regime dos arts. 913º ss. - “venda de coisa defeituosa”.

Como tal, o contrato, em princípio, seria anulável por erro, visto a situação factual se enquadrar no disposto no artº 247º do CC (ex vi artº 251º). Com efeito, perante os factos relatados supra, ter-se-á de concluir que a vendedora da viatura não podia ignorar que era essencial para o comprador que o veículo não tivesse os aludidos defeitos.

E como resulta do já explanado, há lugar à indemnização prevista no artº 915º CC já que não resulta dos factos provados que o vendedor desconhecesse os vícios. E se os desconhecesse, sempre nos parece que se trataria de ignorância não desculpável, pelo menos na maioria dos vícios. É que não cremos que fosse necessário um exame muito minucioso feito por um técnico para serem descobertos “vários, enormes e graves problemas ao nível do distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, [.…], turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo”.
Cremos, portanto, que não haverá dúvidas sobre o direito indemnizatório atento, designadamente, o estatuído no artº 909º CC, ex vi do artº 913º, nº12, fine, do mesmo código.
É certo que a lei diz que a indemnização não tem lugar (ver artº 915º) caso o vendedor se encontre na situação prevista na parte anterior do artº 914º, isto é, caso desconheça sem culpa o vício ou falta de qualidade de que a coisa padece.
No entanto, não só se trata de aspecto cuja prova não incide sobre a autora, como também-- como foi já supra salientado--, será difícil aceitar que quem vende uma viatura no estado daquela que a autora adquiriu, desconheça “sem culpa” os aludidos vícios da coisa, tal a sua extensão!

Portanto, do exposto resulta que a autora logrou provar o que lhe incumbia: que o resultado pretendido com a presente demanda teria previsivelmente sido obtido caso a ré/mandatária tivesse instaurado a acção em tempo, cumprindo pontualmente as suas obrigações.
Provou, assim, a autora o nexo causal entre o facto (o incumprimento do mandato) e o dano (a não obtenção do resultado pretendido.

Assim, a Ré, como Advogada-- técnica jurídica - que é, actuou sem a diligência devida, não acompanhando como lhe competia, quer contratual, quer deontologicamente, os interesses da AUTORA, incorrendo, por isso, em responsabilidade civil contratual para com a Autora por incumprimento defeituoso das obrigações emergentes do mandato.

Quanto aos danos sofridos pela autora, cujo ressarcimento aqui peticiona, provado ficou que “O custo da reparação das avarias enunciadas a título meramente exemplificativo nas alíneas C4 a C7 da MFA ascendeu à quantia de 3.504.406$00 (17.749,90 euros)” - al. x) dos factos provados--, bem assim, que “A viatura em apreço ficou imobilizada cerca de 120 dias a fim de ser objecto das várias reparações e que impossibilitou a Autora de realizar, pelo menos, três cargas de areia que efectuava diariamente, numa média de 16.000$00 = 79,81 euros cada carga” - al. z).
E é lícito supor que o lesado não teria sofrido os danos referidos se não fosse o facto - in casu, a omissão das obrigações emergentes do mandato-- praticado pelo lesante, sendo, por isso, responsável a ré por tais danos (ut Prof. Pereira Coelho, Obrigações, pág, 166.
Já se não provou factualidade que permita atribuir à autora indemnização por danos não patrimoniais (cfr. resposta negativa ao quesito 10º).
Assim sendo, tem a autora direito (apenas) a exigir da ré o montante 46.210,66 Euros, por danos patrimoniais havidos com a falta de instauração da acção pela Ré em devido tempo, evitando o decurso do respectivo prazo de caducidade - indemnização que presumivelmente (o que tanto basta) obteria da vendedora do camião.

Não obstante a apelante não falar nesta apelação, de forma expressa, em juros de mora, o certo é que os mesmos foram peticionados na acção de cuja decisão de improcedência vem ora apelar.
E cremos que lhe assiste direito aos juros.
E desde a citação para a acção.
Com efeito, não tendo a obrigação de pagamento prazo certo, atento o disposto nos arts.798º, 804º, 805º, nºs. 1 e 2 al.a) e 806º, todos do C.C., o devedor constitui-se em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, apenas aquela interpelação judicial em que a citação se traduz.

Assim procedem as conclusões das alegações da apelante.

CONCLUINDO:
Há que fazer a destrinça entre mandato e procuração: mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem. O segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele.
O poder negocial é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato; a procuração apenas representa a exteriorização desses poderes: mais não é que o meio adequado para exercer o mandato.
Não obstante a divergência sobre a natureza da responsabilidade civil profissional do advogado-- contratual, extracontratual ou mista--, cremos ser mais conforme ao Direito e às realidades da vida a teoria da concorrência de ambas as responsabilidades. Assim, o mesmo acto ou omissão do advogado pode constituir responsabilidade contratual ou extracontratual: se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana.
Embora se presuma a culpa do devedor (ut artº 799º CC), para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes do incumprimento, ou cumprimento defeituoso, do mandato torna-se necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre o facto (a sua conduta omissiva ou negligente) e os invocados danos (a não obtenção do resultado pretendido).
Vícios redibitórios são os vícios ocultos da coisa vendida, que a tornam imprópria para o uso a que se destina ou lhe reduzem de tal modo a aptidão para esse uso que, se o comprador o soubesse, não a teria adquirido ou não daria o mesmo preço.
São três os elementos que caracterizam tais vícios: gravidade, anterioridade e oculticidade.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, revogando-se a sentença recorrida no que tange à decisão relativa ao pedido indemnizatório por danos patrimoniais - única parte da sentença objecto desta apelação--, condenam a ré a pagar à autora, a título de danos patrimoniais sofridos pelo cumprimento defeituoso do mandato que esta àquela conferiu, a quantia de € 46.210,66 (quarenta e seis mil duzentos e dez euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Quanto a custas, as da primeira instância serão a cargo de Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento - a autora decaiu quanto ao pedido indemnizatório por danos não patrimoniais - e as da apelação ficam a cargo da Ré.

Porto, 27 de Abril de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves