Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15312/09.0IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CRIMES FISCAIS
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ESTADO DE NECESSIDADE
Nº do Documento: RP2013051515312/09.0IDPRT.P1
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – A declaração de insolvência dissolve a sociedade, mas esta não se extingue de imediato pois que entra em fase de liquidação (art.º 146º do CSC).
II – A dissolução não extingue a responsabilidade criminal contra a pessoa colectiva, a qual só se verifica com o registo do encerramento da sua liquidação.
III – O facto de ter sido decretada a insolvência da sociedade não impede os gerentes de fazerem o pagamento de dívidas pelas quais são também responsáveis.
IV – Não age em estado de necessidade o gerente de uma sociedade que, em vez de entregar o IVA recebido ao Estado, o aplica para solver outras dívidas da sociedade, designadamente os salários dos trabalhadores
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Proc. nº 15312/09.0IDPRT.P1
1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia

Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, no processo comum singular nº 15312/09.0IDPRT, foram submetidos a julgamento os arguidos B….. e C….., Lda., tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:
A) Condeno o arguido B..... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT, na pena de um ano e quatro meses;
B) Suspendo na sua execução tal pena pelo período de um ano e quatro meses a partir da data do trânsito em julgado desta decisão sob condição de, no prazo de três anos, o arguido B.....proceder ao pagamento da quantia em dívida e legais acréscimos.
C) Condeno a arguida C....., Lda. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 7.º, 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT, na pena de duzentos e trinta dias de multa, à taxa diária seis euros, o que perfaz a quantia de mil trezentos e oitenta euros;
Custas a cargo dos arguidos, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (art. 344.º, n.º2, alínea c), 513.º, n.º1, 2 e 3, do CPP, art. 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III).
Será dado cumprimento ao previsto no art. 372.º, n.º5, do CPP.
Proceda à recolha das impressões digitais do arguido B....., de acordo com o que dispõe os artigos 1.º, n.º2, da Lei n.º57/98, de 18 de Agosto e 5.º, nºs. 5 e 6, do DL n.º381/98, de 27 de Novembro.
Após trânsito:
Remeta o competente boletim à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal (art. 5.º, n.º1, alínea a), da Lei n.º57/98, de 18 de Agosto);
Comunique o teor da presente decisão à competente Direcção de Finanças do Porto – Divisão de Justiça Tributária.
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Inconformados com a decisão condenatória, vieram os arguidos interpor o presente recurso, terminando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I - Afigura-se aos recorrentes que a materialidade dada por assente em audiência de julgamento, não comporta subsunção ao tipo de crimes, que erroneamente foram aplicados e sentenciados.
II - Na verdade, sopesando tais factos, não se pode concluir pela condenação, uma vez que não preenchem os elementos típicos do crime.
III - Efectivamente, não se conformam com o sentido e entendimento conferidos aos segmentos dos preceitos materiais, substanciados na Decisão, respeitante ao Artigo 105 do RGIT, com referência aos Artigos 81, nº1, 90, do CIRE, assim violados. Ademais, é discernível na decisão recorrida, a adopção de um critério normativo, com carácter de generalidade, não vinculado ao caso em apreço.
IV- Na situação objecto dos presentes autos, não está tanto em causa o facto de o não pagamento ter existido, mas tão-somente a impossibilidade legal, da sua efectivação, que exclui a ilicitude e a culpa. Os arguidos agiram em declarando direito de necessidade nos termos do artº 34 do Código Penal, pois apenas diferiram o pagamento para poderem “… suportar as despesas da sociedade arguida – salários, electricidade, aquisição de matéria prima. “
O arguido B.....“actuou desse modo, em virtude das dificuldades financeiras da sociedade, para satisfazer os compromissos comerciais daquela, para obviar essa situação durante esse período de tempo;”
(Por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas. (CPP Leal Henriques, Simas Santos, 2, 739).
V – Inversamente, apesar da não entrega de um valor diminuto do IVA, referente aquele trimestre, (mormente quando comparado com montantes de dívida ao Estado, em processos com alguma analogia), tal liquidação apenas seria possível através do administrador da insolvência.
VI- Como é consabido, nos termos e para efeitos do artº 105 do RGIT, e tendo em consideração o limite mínimo da Lei 68-A/2008, os factos em análise são puníveis, apenas se: “nº 4 alínea a), tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; alínea b) a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Descendo ao caso concreto e tal como decorre dos autos, temos pois que, em 11 de Dezembro de 2008, no Tribunal do Comercio de Vila Nova de Gaia, a sociedade arguida foi declarada como Insolvente, ou seja, ainda mal se tinha iniciado o prazo dos legais 90 dias, após envio da correspondente declaração.
VII- Aquando da declaração de insolvência, a sociedade arguida, quer os seus representantes legais, ficam impedidos de cumprir qualquer obrigação legal, consequência da sua actividade.
Essa responsabilidade transita de imediato para o administrador da sociedade declarada insolvente, face aos comandos plasmados no artº 81, nº 1 do CIRE.
VIII -O artº 90 do CIRE impõem que: “ os credores de insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos deste código, durante a pendência do processo de insolvência.”
Acresce, que os respectivos credores só serão pagos, depois da obrigatória graduação de créditos, como se impõem nos artigos 47º, 51º, 90º e seguintes, 128º e seguintes e 172º e seguintes.
IX – A questão dos presentes autos, substancia situação de dívida fiscal, cuja cobrança é exigível independentemente do Processo Crime, verbi gratia por Execução Fiscal, sendo o procedimento criminal a última ratio, e desde que se verifiquem os pressupostos, o que não é o caso.
X - O Recorrente fundamenta o presente recurso com argumentos que importam analisar, não devendo, pois, ser valorada a motivação da decisão de Direito uma vez que contrária ao ordenamento jurídico em vigor, e que se aplica por força do artº 4 do C.P.P. . Tal interpretação viola assim, o princípio do Estado de direito democrático (também na sua vertente de segurança jurídica) - artigo 2.º CRP, bem como o disposto no n.º 2 do artigo 3.º da lei fundamental.
Mais,
XI – Entendem os recorrentes, contrariamente ao tribunal recorrido, que os arguidos não praticaram qualquer ilícito criminal e nunca na forma continuada, nos termos e para os efeitos do artº 79 do C. Penal.
XII - Vinculando-se a entendimento que não resulta desses preceitos, mas como se deles derivasse, houve uma errada aplicação desses preceitos, devendo ser revogada a sentença no alcance sobreditamente propugnado, por erro de julgamento quanto à questão de direito.
Termos em que e nos melhores de Direito, e sempre com mui douto suprimento de V. Exas deve:
Porque houve contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, como se deixou dito, modificar-se a decisão recorrida, absolvendo-se os Arguidos dos crimes de abuso de confiança fiscal, não tanto pelo alegado, mas mais pelo suprido, deve a sentença recorrida ser revogada,
Assim se fazendo a acostumada justiça!
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Em resposta ao recurso dos arguidos, o Ministério Público em 1ª Instância pugnou pela improcedência do mesmo e manutenção da sentença recorrida.
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Nesta Relação, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, aderindo na íntegra à resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal, tendo os recorrentes respondido, mantendo o anteriormente alegado e concluindo pelo cumprimento do que se extrai do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2012.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal singular.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida (transcrição):
II – Fundamentação:

De Facto:

Discutida a causa, mostram-se provados, com interesse, os seguintes factos:
A) Pela apresentação 18 de Dezembro de 1981, a sociedade C....., Lda., pessoa colectiva 501 221 727, com sede na Rua …, n…., …, Maia, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do Porto;
B) A sociedade tem por objecto social a indústria de garagem, lavagem e lubrificação de veículos, comércio de combustíveis, lubrificantes, acessórios e pneus;
C) A actividade comercial exercida pela C....., Lda. encontrava-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral;
D) Por decisão proferida no dia 11 de Dezembro de 2008 no âmbito do processo n.º797/08.0TYVNG que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia a sociedade arguida foi declarada insolvente;
E) Desde pelo menos, o mês de Julho de 2008 até à data aludida em D), era o arguido B.....que tratava de todos os assuntos relacionados com o giro comercial e contabilístico da sociedade arguida – transacções, recebimentos e pagamentos;
F) Na qualidade aludida em E), o arguido era responsável pela liquidação do Imposto de Valor Acrescentado e pela entrega da Administração Tributária do montante liquidado;
G) No terceiro trimestre de dois mil e oito, o arguido, em nome e representação da sociedade arguida, prestou serviços relacionados com a sua actividade comercial, emitiu facturas e liquidou IVA;
H) Em relação ao aludido em G), o arguido, em nome e em representação da arguida sociedade, remeteu aos Serviço de Finanças a declaração periódica, porém não entregou até à data limite – quinze de Novembro de dois mil e oito -, nem nos noventas dias subsequentes, nem após notificação, nem até à presente data, a quantia liquidada a título de IVA, no montante de sete mil, novecentos e vinte e quatro euros e sessenta e oito cêntimos, montante que, pelo menos até ao mês de Novembro de dois mil e oito, recebeu dos respectivos clientes;
I) A quantia aludida em H) foi utilizada pelo arguido B.....para suportar despesas da sociedade arguida – pagamento de salários, electricidade, aquisição de matéria prima;
J) O arguido actuou de modo livre, voluntário e consciente bem sabendo que, após receber a quantia liquidada a título de IVA, deveria proceder à entrega da mesma ao Estado, mediante o preenchimento da declaração periódica e consequente entrega do modo de pagamento;
K) Agiu o arguido com o propósito de se apropriar do montante pela sociedade recebido, utilizando-a para fazer face às despesas da sociedade arguida, com a consciência que a quantia não lhe pertencia e que a actuava contra a vontade da administração fiscal, o que quis e conseguiu;
L) Actuou desse modo, face às dificuldades financeiras da sociedade, para satisfazer os compromissos comerciais daquela, para obviar essa situação durante esse período de tempo;
M) Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei;
N) O arguido é licenciado em engenharia mecânica;
O) É casado e vive com a esposa numa casa arrendada;
P) O arguido é professor universitário e presta serviços de consultoria;
Q) A esposa está desempregada e não aufere qualquer rendimento;
R) Mensalmente o arguido aufere, como professor, a quantia de seiscentos e vinte e três euros e pela prestação de serviços na área de consultoria, em média, dois mil e quinhentos euros/três mil euros;
S) Mensalmente, suporta na renda da habitação mil euros, em alimentação seiscentos euros, em água, electricidade e gás, em média, oitenta euros;
T) Não são conhecidos bens à arguida sociedade;
U) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º67/06.8IDPRT que correu termos no 2.º Juízo de Competência Especializada da Maia, transitada em julgado no dia 04/02/2010, o arguido B..... foi condenado pela prática no dia 21 de Setembro de 2007, como autor de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º do RGIT, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de três euros;
V) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º2756/06.8 TDPRT que correu termos no 1.º Juízo de Competência Especializada da Maia, transitada em julgado no dia 10/11/2011, o arguido B.....foi condenado pela prática no ano de 2006, como autor de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo art. 105.º, n.º1 e 7, 107.º do RGIT, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de seis euros;
W) A arguida sociedade não tem averbadas no seu certificado do registo criminal quaisquer condenações.

Não se provou que:

1) O arguido B.....gastou a quantia aludida em H) em proveito próprio.

Motivação da convicção do Tribunal

Quanto aos factos provados:

Como dispõe o art. 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo de que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
O arguido prestou declarações quanto aos factos e quanto à respectiva situação sócio económico. Confessou a matéria vertida no libelo acusatório.
No que se reporta ao aludido em A), o Tribunal atendeu ao teor da certidão da matrícula junto da Conservatória do Registo Comercial de fls. 80 a 90.
Quanto ao aludido em B), C), E), F), G), H), I), J), K), L) e M), o Tribunal atendeu às declarações cabalmente confessórias do arguido no que se reporta aos factos típicos, sendo-o, ainda, quanto ao real objecto social e sede da sociedade (de forma coincidente, aliás, com o que se mostra averbado na Conservatória do Registo Comercial), ao teor de fls. 13 a 15 (no que concerne à síntese cadastral, obrigatoriedade de entrega do Imposto sobre o Valor Acrescentado e respectiva periodicidade), de fls. 16 e 17 (quanto à apresentação da declaração, período a que respeita e montante liquidado/devido à Administração Tributária), de fls. 24 a 58 (suportes contabilísticos a atestar, nesse período, a actividade da empresa), de fls. 117 (quanto à notificação a que alude o art. 105.º, n.º4, alínea b), do RGIT), completados pelo depoimento da testemunha Humberto, Técnico da Administração Tributária, interveniente na operação de fiscalização, o qual, em razão dessa sua intervenção, meramente profissional, atestou, sem hesitações, recuos, de forma circunstanciada e compatível com os elementos documentais constantes dos autos, e, por isso, merecedora de credibilidade, o montante devido, o efectivo recebimento por parte dos clientes do tributo em causa e a ausência da entrega do mesmo, até à presente data, ao Fisco. Quanto ao prazo limite para entrega do tributo, considerou-se, ainda, o disposto nos art.s 27.º e 41.º do Código do IVA, importando, no caso, ademais face à entrega do montante pelos clientes e, ainda, à próxima declaração de insolvência, proceder, como fez, à sua concretização.
Atendeu-se, ainda, no que se reporta ao destino de tais quantias, ao referido pelo arguido B....., posto que perfeitamente plausível de acordo com as regras da normalidade ademais quando se considere a necessidade de continuação da laboração, às despesas referidas, a essencialidade do pagamento destas para manter a actividade de uma qualquer sociedade, e à situação de ruptura, que veio a culminar, nos termos atestados a fls. 62, com a apresentação à insolvência por parte de devedora.
No que se reporta ao aludido em D), foi decisivo o teor da decisão de fls. 62 e seguintes.
Quanto ao aludido em N) a T), na ausência de outra prova, o Tribunal atendeu ao aludido pelo arguido B.....já que não infirmado por qualquer elemento objectivo junto aos autos.
Quanto ao aludido em U), atendeu-se ao teor do relatório de fls. 47 e seguintes.
No que se reporta ao aludido em W) e X), ao teor dos certificados do registo criminal de fls. 194, 197 e 198.

Quantos aos factos dados como não provados:

Fez-se prova de realidade distinta.

III. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

3.1. Da responsabilidade criminal:
O arguido B.....e a arguida sociedade estão acusados da prática de factos susceptíveis de integrar um crime de abuso de confiança fiscal.
A Lei n.º15/2001, de 5 de Junho – que entrou em vigor, de acordo com o seu art. 14.º, no dia 5 de Julho de 2001 – aprovou o RGIT, e, entre outros, revogou o RJIFNA.
Na nova lei, o tipo anteriormente previsto no citado art. 24.º passou a integrar o art. 105.º, que dispõe:
“1- Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2- Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja a obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3- É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha a natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação.
5- Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a €50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.
6- Se o valor da prestação a que se referem os números anteriores não exceder €1000, a responsabilidade criminal extingue-se pelo pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após a notificação para o efeito pela administração tributária.
7- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devem constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”

Por força da alteração introduzida pelo art. 95.º da Lei n.º53-A/2006, de 29 de Dezembro – Lei do Orçamento - em vigor a partir do dia 1 de Janeiro de 2007, ao n.º4, do art. 105.º do RGIT, o referido art. 105.º (consagrador dos elementos típicos e condições objectivas de punibilidade e de exclusão da responsabilidade criminal do Abuso de Confiança Fiscal), passou a ter a seguinte redacção:
“1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 – (…).
6 – (…).
7 –(…).”
Em relação a tal alteração, veio o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 09/04/08, fixar Jurisprudência no sentido de que “a exigência prevista na alínea b) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º53-A/06, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, nos termos do art. 2.º, n.º4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º4 do art. 105.º do RGIT).[1]”
Com a entrada em vigor da Lei n.º64-A/08, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento de Estado para 2009 – a redacção do art. 105.ºfoi alterada. Eliminou-se o disposto no n.º6, passando a constar do n.º1 o seguinte:
“Quem não entregar à Administração Tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7.500, deduzida nos termos da lei e que esteja legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.[2]”

O STJ fixou jurisprudência, através do Acórdão de 09/04/08, no sentido “que a exigência prevista na alínea b) do n.º4 do art. 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º53-A/06, configura uma nova condição objectiva de punibilidade.

Uma vez que a referida disposição consiste numa outra condição objectiva de punibilidade, não ocorreu, pois, qualquer modificação ao nível da tipicidade do ilícito.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/07, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “ (…) Como referem Zipf e Maurach, in Derecho Penal Parte General, Volume I, pg. 371, o poder punitivo do Estado é fundamentalmente desencadeado pela realização do tipo imputável ao autor. Não obstante, em determinados casos, para que entre uma acção o efeito sancionador requerem-se outros elementos para além daqueles que integram o ilícito que configura o tipo. Por vezes, essas inserções ocasionais da lei, entre a comissão do ilícito e a sanção concreta, inscrevem-se no direito material hipótese em que se fala de condições objectivas ou externas de punibilidade, noutros casos constituem parte do direito processual e denominam-se pressupostos processuais. As condições objectivas de punibilidade são aqueles elementos situados fora do delito cuja presença constitui um pressuposto para que a acção antijurídica tenha consequências penais apesar de integrarem uma componente global do acontecer, e da situação em que a acção incide, não são, não obstante, parte desta acção. Por seu turno, os pressupostos processuais são regras do procedimento cuja existência se fundamenta na possibilidade de desenvolver um procedimento penal e ditar uma sentença de fundo. Como os pressupostos processuais pertencem exclusivamente ao direito processual não afectam nem o conteúdo do ilícito, nem a punibilidade do facto, limitando-se exclusivamente a condicionar a prossecução da acção penal. Na distinção dos dois conceitos, e segundo Roxin, é elegível uma solução intermediária. Assim, parece preferível, considerar que a consagração de um elemento ao Direito Material e, consequentemente, a sua eleição como condição de punibilidade, não depende de que esteja desligado do processo, nem sequer de qualquer uma conexão com a culpabilidade, mas sim da vinculação ao acontecer do facto, solução proposta, essencialmente, por Gallas. Este sustenta que as circunstâncias independentes da culpa podem ser consideradas condições objectivas de punibilidade se estão em conexão com o facto, ou seja, se pertencem ao complexo de facto no seu conjunto. Nesta lógica, os pressupostos processuais são circunstâncias alheias ao complexo do facto. Schmidhauser precisou esta posição exigindo para o Direito Material, e em relação à condição de punibilidade, que se trata de uma circunstância cuja ausência já em conexão imediata com o facto tenha como consequência definitiva a impunidade do agente.”
Também no mesmo sentido explica o Professor Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, 2.ª Edição, Lisboa, 1945, pg. 442, “as condições de punibilidade, no sentido de que a expressão é tomada em direito penal, são estranhas ao crime, representam algo que, para além do crime, pode ser indispensável para que tenha lugar a punição, para que seja aplicável, o preceito penal secundário.”
No crime de abuso de confiança fiscal o que está em causa não é a mora, que constitui uma mera condição de punibilidade, mas sim a conduta daquele que perante a Administração Fiscal, agindo esta no interesse público, omite um dos seus deveres fundamentais na sua relação com o Estado.
O preceito em causa, alude, assim, a uma circunstância em relação directa com o facto ilícito, mas que não pertence nem ao tipo do ilícito nem à culpa. Constitui um pressuposto material da punibilidade (Jeschek, in Tratado de Derecho Penal, pg. 506) – Cfr, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/07, supra citado).

Mas há que ponderar, ainda, a redacção, entretanto, introduzida no art. 105.º, n.º1, do RGIT, pelo art. 113.º da Lei n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro (em vigor desde 1 de Janeiro de 2009- art. 174.º, diploma que aprovou o orçamento de Estado para o ano de 2009, no seguimento da proposta n.º226-X OE).
Vejamos.
“Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.”
Esta norma, mantendo-se tipificadora, veio quantificar, especificar, diremos – um elemento qualitativo (a prestação tributária) configurando-se como redutora do âmbito do o facto punível sem, porém, eliminar o mesmo do ilícito criminal. Ou seja, permanecem puníveis as omissões de entrega da prestação tributária que tenham ocorrido – verificadas, como não poderia deixar de ser, as condições objectivas de punibilidade exigidas por lei – em momento anterior à entrada em vigor da lei, conquanto que as mesmas sejam de valor superior a €7.500,00.
Verifica-se que existe uma continuidade normativa quando o valor é superior a €7.500,00 (caso em se impõe a ponderação da lex mitior – cfr. art. 2.º, n.º4, do Código Penal), já não assim quando a prestação não ultrapassa aquele valor em que se verifica uma verdadeira despenalização, impondo-se aplicar o preceituado no art. 2.º, n.º2, do Código Penal.
Isto posto.
A incriminação acabada de referir está inserida no âmbito do direito penal secundário, que tem como uma das suas principais características (que, aliás, o distinguem do direito penal clássico) “a relação de co-determinação recíproca entre o bem jurídico e a conduta típica”, ou seja, enquanto no direito penal clássico o bem jurídico preexiste claramente em relação à conduta proibida, no direito penal secundário a conduta descrita tem um papel importante na definição dos contornos do próprio bem jurídico, assim, entre outros, Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, in O crime de fraude fiscal no novo Direito Penal Tributário Português, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pg. 418.

Bem jurídico protegido:

O sistema português optou por um modelo misto, conferindo ao bem jurídico não só a natureza patrimonial, consubstanciada na “pretensão do fisco à obtenção integral das receitas tributárias”, mas também a natureza de protecção do dever de colaboração leal dos contribuintes com a administração (Augusto Silva Dias, in Crimes e contra-ordenações fiscais, in ob. cit., pg. 445 e ss.) - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias, 2.ª Edição actualizada e ampliada, Áreas Editora, Amadora, 2003, pg. 645 e Susana Aires de Sousa, in Os Crimes Fiscais. Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pg. 121.
Ou dito de uma outra forma, o bem jurídico protegido é, por um lado, de interesse e ordem pública, já que é incumbência atribuída ao Estado, pelo artigo 63.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social”, com vista à defesa dos interesses públicos subjacentes às normas reguladoras dos regimes de segurança social, e, por outro, ainda imediatamente, o património da segurança social, concretizado na função de arrecadação das contribuições que lhe são devidas[3].

Elementos objectivos

Diferentemente do previsto no art. 24.º, n.º1, do RJFINA (“quem se apropriar”), o crime de abuso de confiança fiscal não exige, agora, como seu elemento constitutivo, a apropriação, bastando para a sua consumação a não entrega da prestação tributária – cfr, a propósito o referido por António Augusto Tolda Pinto e Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo, in Regime Geral das Infracções Tributárias, Regimes Sancionatórios Especiais, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pg. 333.

Relativamente ao IVA – tributo em causa nestes autos -, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/11/06, processo n.º1796/06-2, Relator Dr. Anselmo Lopes, disponível para consulta em www.dgsi.pt, decisão que, pelo acerto, seguimos de perto, “o IVA contabilizado é devido independentemente de o preço dos bens vendidos ou dos serviços prestados ser ou não recebido ou de se pedir qualquer compensação. (…).
Dos preceitos respectivos do Código do IVA (cf., em especial os artºs 16.º a 40.º) e da configuração do imposto em causa, resulta inequivocamente que a declaração das operações efectuadas e o montante final liquidado (encontrado, e que serve simultaneamente de reconhecimento da obrigação de pagamento) não depende da efectiva cobrança do imposto aos clientes.
Se assim fosse, além de se perverter totalmente a filosofia do imposto, com a qualidade dos contribuintes que temos - da grande maioria deles - o Estado não receberia um centavo (agora, um cêntimo)!
O exercício de uma actividade sujeita a IVA é aleatório nos seus resultados líquidos e, por isso, envolve vantagens e riscos.
Imputar o imposto nas transacções com os clientes e não o receber é um risco do próprio operador tributário, que apenas tem a válvula de escape prevista no art. 71.º do CIVA para reposição da verdade tributária. Em conformidade, em todos os diplomas legais que passaram a punir a falta de pagamento, total ou parcial, do imposto é expressamente consignado que se trata da “prestação tributária deduzida” e não da que tiver sido efectivamente recebida. Aliás, admitir o contrário, era transmitir ao Estado os riscos próprios da actividade empresarial, ou seja, era fazer com que o Estado suportasse também as consequências das vendas a crédito não cobradas, o que é um absurdo.
Tal tese não tem qualquer sentido e, parafraseando um Ilustre colega, reduziria a estilhas todo o sistema e, em especial, o preceito do citado art. 71.º!!!
Por outro lado, essa tese viria escancarar as portas da fraude e impossibilitar a perseguição criminal sempre que o activo de um contribuinte fosse inferior ao passivo, pelo menos no valor correspondente ao IVA devido ao Estado!!! De tão simples, …o difícil é explicar.
A actividade empresarial é tendencialmente organizada para o lucro, mas também pode resultar em prejuízos. O Estado não é parceiro nos lucros nem nos resultados negativos, mas apenas tem direito aos seus impostos, relativamente aos quais se encontram definidos os métodos de liquidação e cobrança. (…) No caso do IVA, o método é o consignado na lei e a sua liquidação cabe a determinados contribuintes, que deverão entregar os montantes respectivos nas condições já expostas, independentemente de fazerem vendas a dinheiro ou a crédito, e não cabendo ao Estado controlar ou impor qualquer modalidade de venda.
No caso das vendas a crédito, o vendedor assume os consequentes riscos para a sua actividade, mas o Estado garante-lhe, através dos mecanismos do citado art. 71.º, n.ºs 8 e 9, que, pelo menos, quanto aos créditos incobrados, o contribuinte não perderá o valor correspondente ao IVA que já contabilizou e entregou.
(…)
Os actos de liquidação e entrega do IVA têm que se supor sérios e o Estado aceita como boas as declarações dos contribuintes, sem prejuízo do exercício do poder inspectivo, que é, como se sabe, aleatório e circunstancial. …. Exigir-se não punibilidade fiscal ou reclamar-se benefício penal sempre que os contribuintes não tenham de facto recebido dos seus clientes os valores correspondentes ao IVA era impor, praticamente, que o Estado pusesse um agente fiscal junto de cada contribuinte ou, pelo menos, que o Estado tivesse centenas de brigadas de fiscalização para consulta das escritas (quando as houvesse!) dos contribuintes relapsos. E, relapsos porque quiseram.
Os valores do IVA cobrados nas vendas a dinheiro e os que são facturados nas vendas a crédito, recebidas ou não, entram no giro contabilístico do comerciante ou do empresário e, materialmente, confundem-se com os demais bens que constituem o activo, neste incluídas as disponibilidades de caixa. Se as vendas foram feitas a dinheiro, a parte correspondente ao IVA entrou em caixa e deverá ser entregue a quem pertence. …. Se houve vendas a crédito, isso é da conta e risco do contribuinte, que mais não tem que fazer, também, do que entregar ao Estado a sua parte, sendo que, como já por mais uma vez se disse, este lhe garante a devolução, no caso de o contribuinte não vier a receber o seu crédito.”
É, pois, irrelevante que, até à data em que deveria ter procedido à entrega ao Estado, o arguido B....., em representação da arguida sociedade, ainda não tivesse recebido dos clientes a totalidade do tributo.

Mais.

É irrelevante para a consumação do ilícito o facto de o agente, por dificuldades financeiras, afectar as quantias ao pagamento de várias despesas, repete-se, para a consumação do ilícito, não podem justificar o incumprimento das obrigações fiscais … mesmo que isso possa ter contribuído para uma tentativa para continuar a actividade (cfr, entre outros, o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1986, BMJ, 361 e 374, de 18/06/03, disponível para consulta em www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/07/05, CJ, T. III e IV, 38 e 133, respectivamente).

Elemento subjectivo:
O ilícito é um ilícito doloso.
No caso, de acordo com o referido supra, mostram-se provados os elementos objectivos e subjectivos do ilícito.
E aqui importa, ainda, referir o seguinte.
É irrelevante para a consumação do ilícito a circunstância de a sociedade arguida ter sido declarada insolvente no mês de Dezembro de 2008, aplicando-se, a partir de então, no que concerne aos órgãos sociais do devedor, entre outros, o previsto no art. 82.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Como se disse, o crime de abuso de confiança fiscal imputado aos arguidos, p.p. pelo artº 105º nº1 do RGIT, consuma-se hoje com a não entrega dolosa das quantias tributárias devidas, dentro do prazo de entrega previsto na lei, sendo pois configurado como uma infracção puramente omissiva. De acordo com o que dispõe o artº 5.º, nº2, do RGIT “as infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo de cumprimento dos respectivos deveres tributários. O aludido prazo de 90 dias, como condição de punibilidade, está situado fora do tipo de ilícito e tipo de culpa –cfr, entre outros, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Abril de 2012, n.º convencional JTRP00043828, Relatora Dra. Lígia Figueiredo, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Inexistência de estado de necessidade por conflito de deveres ou outra causa de exclusão:
No caso decidendo, resultou provado que o arguido B.....afectou tais quantias ao pagamento a despesas da sociedade e não propriamente em seu benefício pessoal ou no sentido do seu enriquecimento.
Todavia, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/09/07, processo n.º0712239, n.º convencional JTRP00040577, Relator Dr. Borges Martins, disponível para consulta em www.dgsi.pt, na parte que para aqui importa, com as devidas adaptações, … “mesmo que se tivesse provado que as quantias em causa se destinaram só ao pagamento dos salários dos trabalhadores, a pretensão de um conflito de deveres não tinha acolhimento na jurisprudências dos Tribunais Superiores. Veja-se o caso do Ac. STJ de 15/01/1997, CJ, STJ, T. II, pg. 190-194, que considerou nada permitir concluir que o dever de manter a empresa a funcionar, nomeadamente através do pagamento dos salários aos trabalhadores, seja superior ao de cumprir as obrigações fiscais, sendo certo que este último dever “ é uma obrigação legal e assim superior ao dever funcional de manter a empresa com os pagamentos em dia”. Também a ver o Ac. do STJ de 20/06/01, CJ, STJ, T. II, pg. 227. De outra forma, estar-se-ia a distorcer as regras do mercado – algumas empresas teriam vantagens na concorrência, não cumprindo as suas obrigações fiscais, relativamente às que o fazem escrupulosamente. Ao não pagar contribuições devidas ao Estado, está-se a lesar o interesse geral, o da comunidade a que pertencemos. É com as receitas provenientes dos impostos que o Estado, bem ou mal, justa ou injustamente, assegura os programas sociais, que são deficitários na sua maioria. O dever de manutenção da laboração da empresa consubstancia, acima de tudo, um interesse particular, embora reflexamente possa haver interesse colectivo, económico e na manutenção de postos de trabalho. O interesse geral é superior ao individual. Não se verifica pois qualquer conflito de deveres. Não se vê que uma norma ou princípio da ordem jurídica possa excluir a ilicitude dos comportamentos provados. Independentemente de se determinar qual é o bem tutelado no crime de abuso de confiança fiscal – o valor patrimonial da prestação, o regular funcionamento do sistema fiscal ou a tutela dos interesses públicos que irão ser satisfeitos com o produto dos impostos – estamos perante a apropriação de um bem que se sabe ser alheio, o que não é permitido pela ordem jurídica. É esta que estabelece a “graduação” dos valores em causa e não os Tribunais perante as concretas situações: veja-se que ao contrário do que acontece com a não entrega das prestações tributárias, o não pagamento dos salários aos trabalhadores não é crime. A alternativa encontra-se mal colocada na argumentação do recorrente: não se tratou de escolher entre, com dinheiro da E…, pagar a fornecedores e aos trabalhadores ou pagar dividas sucessivamente vencidas à Segurança Social ou à Administração Fiscal. A opção do arguido foi diferente: pagou aos primeiros com dinheiro que não lhe pertencia, do qual era apenas fiel depositário e que tinha que entregar a estas entidades. Estas quantias não eram propriedade da …, mas da Segurança Social e do Estado.” - Cfr, ainda, na doutrina, o aludido por Isabel Marques da Silva, ih Regime das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º5, 2.º Edição, pg. 173 e na jurisprudência, entre outros, o decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/02, processo n.º0240435, n.º convencional JTRP00034589, Relator Dr. Pinto Monteiro, de 15/12/04, processo n.º0441669, n.º convencional JTRP00037475, Relator Dr. Pinto Monteiro, de 14/12/05, processo n.º0443829, n.º convencional JTRP000038591, Relator Dr. B.....Gama, de 12/03/03, n.º convencional JTRP00035668, Relator Dr. Jorge Arcanjo, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Impõe-se, assim, a condenação do arguido B......
Não existem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Isto posto, e no que toca ao agente do crime em apreço, cumpre, ainda, salientar que a responsabilidade criminal não recai apenas no agente singular, abrangendo, também, por força do art. 7.º do RGIT, as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas, quando as infracções forem cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo – no caso, da arguida sociedade.
O arguido B....., em representação da arguida sociedade – em seu nome e no seu interesse -, não entregou ao Fisco o montante que lhe era devido, canalizando-o para suportar despesas desta.
Em face do exposto, o arguido B.....e a arguida sociedade praticaram o ilícito, na forma continuada, pelo qual deverão ser condenados nos termos do artigo 79.º do CP, que manda punir o crime continuado com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação criminosa.

Da determinação da medida da pena
O crime é punido com pena de prisão de um mês a três anos ou multa – art. 105.º, n.º1, do RGIT e 79.º do CP.
Uma vez que a referida norma admite, em alternativa, as penas principais de prisão e de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido.
Ora, estipula o art. 70.º do CP que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Segundo o critério geral de escolha da pena previsto no mencionado preceito, a opção por pena privativa de liberdade só deverá ser tomada por razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico, ou à “defesa” da ordem jurídica, no sentido do patamar mínimo das exigências de prevenção geral positiva ou de integração, o desaconselhem, assim, Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pg. 333 e Temas Básicos da Doutrina Penal, Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal, Sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pg. 105.
Apelando aos ensinamentos de Robalo Cordeiro, in Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pg. 237, “determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas.”
A necessidade de protecção de bens jurídicos consiste “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida, tutela esta que se traduz na ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa” (Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas – Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pg. 228).
São muito fortes as necessidades de prevenção geral dada a frequência com que os crimes desta natureza são praticados, quase sempre com elevados prejuízos para a comunidade e sempre acentuando a desigualdade dos cidadãos no cumprimento de obrigações tributárias e na distribuição das responsabilidades sociais, com violação de um dever sem o qual não é possível falar-se em justiça tributária e solidariedade social.
A gestão de um negócio importa obrigações, quer perante o mercado, quer perante a Administração Tributária, existindo recursos ou expedientes financeiros e legais para suprir dificuldades económicas conjunturais ou simples dificuldades de tesouraria, sendo um dever das sociedades e dos seus representantes recorrer, no momento certo, a medidas de recuperação, de apresentação à insolvência, à lei dos salários em atraso, aos diversos modos de regularização das dívidas tributárias, et caetera.
Nos crimes fiscais e parafiscais a pena de prisão é, em abstracto, a pena mais adequada, por ser a única capaz de responder às necessidades de promover a consciência ética fiscal, na luta contra a evasão fiscal, onde se joga o interesse fundamental do Estado em arrecadas receitas para poder prosseguir os fins de justiça social constitucionalmente fixados (cfr. a propósito o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/2011, processo n.º2760/05.3TAVNG.P1, Relator Dr. António Gama, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/06/2011, processo n.º26/07.3IDVCT, G1, Relator Dr. Fernando Chaves, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Os agentes deste tipo de crime são, em regra, pessoas perfeitamente normais e integradas, que raramente assumem as suas condutas como delituosas, antes se consideram protagonistas de meras irregularidades, que são por todas praticadas e que fazem parte das regras do jogo. Ora é contra este modo de conceber as coisas que se impõe reagir, fazendo sentir aos agentes do crime económico e fiscal que os comportamentos ilícitos típicos são crime. E isso consegue-se, de modo particularmente adequado e eficaz, com as penas de prisão.
O arguido já foi condenado, por duas vezes, pela prática de ilícitos desta natureza. Apesar de se mostrar integrado, atendendo às exigências aludidas supra, considero insuficiente a aplicação de uma pena de multa, para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Optar-se-á pela pena de prisão.

Cabe-nos, agora, fixar a sua medida:
A pena deve ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.
A culpa não constitui, assim, apenas o pressuposto e fundamento da validade da pena, mas traduz-se no seu limite máximo, o que significa que, não só não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo.
De acordo com a teoria da margem da liberdade, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa, devendo intervir os outros fins das penas, expressamente consignados no art. 40.º do CP.
A escolha do tipo de pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, nada tendo a ver com a determinação da sua medida, a qual depende, essencialmente, da culpa do agente.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva de integração (na qual a pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumento de tutela de bens jurídicos) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial ou individual (negativa - em que a pena tem como objectivo neutralizar a perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retractivo, mas também visa reinserir socialmente o agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, evitando cometer novos crimes – prevenção especial positiva ou de socialização), sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir para a sua reintegração na comunidade, só deste modo e, por esta via, se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos, ou seja, o ilícito deve ser valorado em função da gravidade do ataque ao bem jurídico em particular, nomeadamente, os danos ocasionados, a extensão e gravidade dos efeitos produzidos, em suma, o efeito externo, sem esquecer o desvalor do próprio comportamento delituoso.
Concretizando:
Atento o disposto no art. 71.º do CP, dentro da moldura penal abstracta cumpre determinar a medida concreta da pena em função da culpa do agente, tendo ainda em conta, as exigências de prevenção geral e especial e as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Contra o arguido milita:
- a ilicitude do seu acto, tendo em conta o valor do tributo que não foi entregue ao Estado – sete mil novecentos e vinte e quatro euros e sessenta e oito cêntimos; al. b) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa;
- a intensidade do seu dolo: na forma directa; al. b) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa;
- a gravidade da falta de conformação da personalidade do agente com o padrão do homem fiel ao direito, manifestada no facto e a sua conduta posterior (o arguido, por sentenças proferidas e transitadas em julgado em momento posterior, já foi condenado pela prática de factos que se reportam à falta da entrega de prestações devida ao Fisco e à Segurança Social) - alínea f) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa.
- a falta de regularização das quantias em dívida a título de capital e demais acréscimos legais até à presente data; alínea d) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa e da prevenção;
A favor do arguido milita:
- a situação sócio económica, o facto de ter confessado os factos, de ter utilizado tais montantes para satisfação dos compromissos necessários à continuação da sua actividade (não agiu na satisfação de interesses pessoais/egoístas); releva por via da culpa e da prevenção.
O elevado número de crimes de natureza idêntica ao que constitui objecto dos presentes autos e o sentimento de impunidade que quanto aos mesmos grassa na nossa comunidade, bem como o prejuízo a que condutas com as aqui em apreço conduzem para o Estado e seus cidadãos, a fazerem elevar de sobremaneira as exigências de prevenção geral.
Em termos de prevenção especial, atendendo às aludidas condições económicas e pessoais e à existência de outras condenações (ainda que posteriores), impõe-se medidas medianas de reeducação.
Em face de tais factos, julgo adequado tendo em conta a moldura da pena de prisão aplicar ao arguido uma pena de um ano e quatro meses de prisão.

Não há lugar à atenuação especial da pena a que alude o art. 22.º, n.º1, da Lei n.º15/01 porquanto ainda não foi entregue a totalidade ao Fisco a quantia em falta.

No caso decidendo, a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes e a gravidade dos factos não impõe a consideração da pena de multa enquanto pena de substituição.

Por força do disposto no art. 18.º, n.º2, da CRP, a aplicação de pena de prisão só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade) – cfr, entre outros, o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/09/08, proc. n.º 2383/08 - 3.ª Secção, disponível para consulta em www.stj.pt.
Tendo presente esta exigência constitucional, a lei substantiva penal em matéria de escolha e de substituição da pena estabelece um critério geral segundo o qual o Tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
Assim, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, impõe a lei a aplicação preferencial da pena não privativa da liberdade sempre que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 70.º –, manda suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50.º, n.º1 –, e estatui que se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o Tribunal a substitua por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 58.º, n.º 1.
Estas finalidades estão genericamente enunciadas no n.º 1 do artigo 40.º do CP, de acordo com o qual “[a] aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
São, pois, considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.
Quanto à função e ao papel a desempenhar por aquelas exigências preventivas, há que atribuir prevalência às considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
A prevenção geral deve surgir sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
Como explica o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pg. 333, “desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Enquanto autêntica pena de substituição de carácter não detentivo, a prestação de trabalho a favor da comunidade tem em vista obstar à execução de penas curtas de prisão efectiva, desde que por ela se responda adequada e suficientemente às finalidades da punição: às “finalidade de prevenção de socialização, posto que a elas se não oponham razões de salvaguarda do mínimo de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico” – vide Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 371.
A Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro veio ampliar o âmbito de aplicação das penas substitutivas de prisão, fazendo-o especificamente no que diz respeito à prestação de trabalho a favor da comunidade ao alterar o seu pressuposto formal – alargando de um ano para dois anos a pena de prisão substituível –, certamente por se reconhecerem a esta pena grandes potencialidades como instrumento de política criminal que apela à responsabilização do condenado, conferindo à pena um conteúdo positivo com proveito para a comunidade.
Dispõe assim o artigo 58.º do CP que
“1 — Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 — A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
3 — Para efeitos do disposto no n.º1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
4 — O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.
5 — A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado.
6 — O tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos n.os 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a promover a respectiva reintegração na sociedade.”
Como refere o Professor Figueiredo Dias, a prestação de trabalho a favor da comunidade é “a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão”, pois centra o seu “conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres”, permitindo-lhe “a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas”(ou seja, não o desintegrando socialmente) e, simultaneamente, tem um “conteúdo socialmente positivo” por se traduzir numa prestação activa e de algum modo “voluntária” a favor da comunidade – in ob. cit., pg. 372.
Também no preâmbulo do DL n.º375/97, de 24 de Dezembro, (que estabelece os procedimentos e regras técnicas destinados a facilitar e promover a organização das condições práticas de aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade) se assinala que este instituto penal prossegue os objectivos de “a) Reprovar o crime através de acções positivas de prestação de trabalho; b) Reparar simbolicamente a comunidade, promovendo a utilidade social do trabalho prestado; c) Facilitar a reintegração social do delinquente.”
Vejamos.
No caso decidendo, é patente que se encontra preenchido o requisito formal previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 58.º: ao arguido deve ser aplicada uma pena de prisão que não é superior a dois anos, no caso de um ano e quatro meses de prisão.
Resta aferir se a execução da prisão é necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes ou se, ao invés, a prestação de trabalho a favor da comunidade é susceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição.
No caso, o arguido está integrado e assumiu os factos que lhe são imputados, circunstâncias que são susceptíveis de contribuir de algum modo para a formulação de um juízo de prognose positivo, …. não se vislumbrando relevantes necessidades de prevenção especial.
Todavia, no que diz respeito à prevenção geral são consistentes/elevadas as necessidades respectivas, atendendo ao elevado número de crimes de natureza idêntica ao que constitui objecto dos presentes autos, à natureza do mesmo (delito patrimonial), ao valor em causa, ao sentimento de impunidade que quanto aos mesmos grassa na nossa comunidade bem como o prejuízo, ainda não reparado, a que conduta com a aqui em apreço conduzem para o Estado e seus cidadãos (a ausência da entrega do tributo acarreta diminuição das receitas e do investimento e, consequentemente, consequências pessoais, patrimoniais, económicas e sociais), constituindo um motivo de grande preocupação para a comunidade, a fazerem elevar as exigências de prevenção geral.
O arguido demonstra um comportamento delituoso grave, não tendo ainda ressarcido o Estado e estando, como se disse, num quadro de igualmente elevadas exigências de prevenção geral.
Tendo presentes as assinaladas necessidades preventivas, apesar dos benefícios da pena de substituição (facilitando a manutenção de laços positivos com a sociedade que também é chamada a fornecer o trabalho, beneficiando com o seu produto e com a correspondente diminuição dos encargos económicos que representa a pena de prisão, evitando por último os maus hábitos que a prisão cria, pela ociosidade e contactos viciosos com autores de delitos graves) mas tendo simultaneamente em consideração as características próprias da prestação de trabalho a favor da comunidade, entendo que a aplicação ao arguido desta reacção penal prevista no artigo 58.º do CP ou de qualquer outra, como alternativa ao cumprimento de uma pena de prisão efectiva, não é susceptível de fazer face àquelas necessidades (artigo 58.º, n.º1, primeira parte, do CP).
Não se optará pela aplicação de qualquer pena de substituição.

Não obstante a gravidade da conduta do arguido, considera o Tribunal que deve (enquanto poder/dever) equacionar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
Dispõe o art 50.º:
“1- O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção.
2- (…):
3- (…).
4—(…).
5- O período de suspensão tem a duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar da data em julgado da decisão.”
É consabido que o art. 50.º do CP reflecte um poder-dever que se impõe ao Tribunal, caso estejam verificados os pressupostos - formal (condenação em pena de prisão não superior a três anos) e material.
Tal como escreve Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II, Lisboa, 1993, pg. 342 e Velhas e Novas Questões sobre a Pena de Suspensão da Execução da Pena, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124, pg. 68, pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…)», sendo que, «(…) na formulação do aludido prognóstico, o Tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (…).
A finalidade político-criminal do instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente da prática de novos crimes e não qualquer “correcção”, “melhora” ou - ainda menos – “metanóia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como exprime Zipf, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção de reincidência”, Figueiredo Dias, ob. cit.
Assim, a decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável ao arguido, isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, portanto, de uma certeza de que tal irá ocorrer. Há, por isso, um risco. O que está em causa não é qualquer infalibilidade, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda. Subjacente à decisão de suspender a execução ode uma pena de prisão está uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/05/06, processo n.º695/05-1, Relator Dr. António Eleutério, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Rectius.
O arguido foi condenado na pena de um ano e quatro de prisão, desde logo preenchido o pressuposto formal de que depende a aplicação do regime do art. 50.º.
Há, pois, que aferir do pressuposto material:
Neste particular, o arguido está inserido socialmente (factor que torna pouco acentuadas as exigências de prevenção especial). A aplicação de uma pena de prisão efectiva extravasaria o limite da culpa concreta. Por outro lado, a vivência - nem que seja por um período de tempo mínimo - com a realidade (sobejamente conhecida por todos – os que por lá passam e aqueles que, ainda que, embora pouco atentos, são, não raras vezes, confrontados, através dos media, com episódios ocorridos nesse(s) espaço(s)) das prisões poderia ter efeitos contraproducentes na conduta futura do arguido, a fim de retomar uma vida de acordo com os padrões da ordem jurídica.
Está, pois, verificado o requisito material.
Com efeito, crê-se que a censura do facto e a ameaça da pena, constituindo sério aviso para o arguido, serão suficientes para afastar o arguido da criminalidade. As exigências de exteriorização física da reprovação do cometido expressa na pena é plenamente satisfeita ainda que seja suspensa a sua execução.
De acordo com o estatuído no art. 50.º do CP, n.º5, do CP, a suspensão é-o pelo período de um ano e quatro meses.
Preceitua o art. 14.º do RGIT que a suspensão é sempre condicionada ao pagamento ao Estado de todos os montantes em dívida, em prazo a fixar pelo juiz. Note-se que a este propósito o Tribunal Constitucional já se pronunciou pugnando pela constitucionalidade (cfr. Acórdão n.º367/2003, de 15 de Julho, disponível para consulta em www.tc.pt).
Ponderando o montante da quantia em dívida, a situação sócio económica do arguido (mormente as habilitações e o facto de exercer, em simultâneo, duas actividades,…. tendo a possibilidade de gerar riqueza), entendo adequado fixar o prazo de três anos para pagamento das quantias em dívida nos autos (capital e juros), devendo o seu integral cumprimento ser devidamente comprovado nos autos.

Escolha e determinação da medida concreta da pena – ARGUIDA SOCIEDADE

No que diz respeito à arguida sociedade não se coloca a questão de escolha da pena, uma vez que só a pena de multa é aplicável – art. 12.º, n.º2, do RGIT.
Ora, tendo em conta os limites estabelecidos pelos 12.º, n.s 2 e 3, 105.ºdo RGIT, os montantes globais envolvidos, o benefício que ilicitamente a pessoa colectiva conseguiu com a conduta ilícita do seu representante e o prejuízo causado, julgo adequada a pena de 230 (duzentos e trinta) dias de multa.
No que toca aos elementos para a determinação do quantitativo diário – considerando o referido no art. 15.º do RGIT- , as condições económicas da arguida dadas como provadas (sociedade insolvente, sem bens conhecidos) - fixo o montante diário de 6,00€ (seis euros), o que perfaz a quantia de mil trezentos e oitenta euros.
***
Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada]. [Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/952].
Assim, face às conclusões apresentadas pelos recorrentes, importa decidir as seguintes questões:
- repercussão do processo de insolvência na responsabilidade penal dos arguidos, decorrentes de dívidas fiscais;
- saber se os arguidos agiram em direito de necessidade, nos termos do artigo 34º do Código Penal;
- contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto ao juízo de prognose sobre a razoabilidade da satisfação da condição imposta ao arguido, tendo em conta a sua concreta situação económica presente e futura (em conformidade com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2012, publicado no DR, I Série, de 24.10.2012).
Comecemos pela primeira das questões elencadas.
O arguido B..... foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e quatro meses a partir da data do trânsito em julgado da decisão sob condição de, no prazo de três anos, o arguido B.....proceder ao pagamento da quantia em dívida e legais acréscimos. A arguida C....., Lda. foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 7.º, 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT, na pena de duzentos e trinta dias de multa, à taxa diária seis euros, o que perfaz a quantia de mil trezentos e oitenta euros.
Dispõem estas normas:
- art. 105º, nº 1: «quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias»;
- art. 107º, nº 1: «as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos 1 e 5 do artigo 105º».
Na tese dos arguidos devido à circunstância de a sociedade - cuja gerência assumia à data dos factos -, ter sido declarada insolvente os mesmos ficaram impedidos de cumprir qualquer obrigação legal, consequência da sua actividade, devendo, por isso, ser absolvidos. Essa responsabilidade transitou de imediato para o administrador da sociedade declarada insolvente, face ao disposto no artigo 81º, nº 1 do CIRE.
Vejamos, então.
Na realidade, tal como os arguidos defendem, o art. 81º do CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) dispõe, no nº 1, que «a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência».
Para além disso, decorre da lei que uma das causas de extinção da sociedade é a declaração da sua insolvência - art. 141º, nº 1, al. e), do diploma. Esgotada que seja a sua função social, a sociedade é dissolvida.
Então, se a declaração de insolvência dissolve a sociedade e priva os administradores dos poderes de administração, será que os arguidos têm razão nas suas objecções?
Não têm.
Primeiro, a sociedade dissolvida não se extingue de imediato.
A sociedade, dissolvida pela declaração de insolvência, entra em liquidação, não se extingue - art. 146º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
A extinção só acontece mais tarde, com o registo do encerramento da liquidação, conforme determina o nº 2 do art. 160º do CSC, ao dizer que «a sociedade considera-se extinta … pelo registo do encerramento da liquidação».
A dissolução, por exemplo decorrente da declaração de insolvência, abre uma nova fase na vida da sociedade: a fase de liquidação e partilha.
Mas a sociedade em liquidação não passa a ser uma nova sociedade. A sociedade é a mesma mantendo, nomeadamente, a personalidade de que gozava antes de dissolvida - nº 2 do art. 146º do CSC. Só com o registo da liquidação, como se viu, é que a sociedade se extingue.
E se só com o registo da liquidação é que a extinção ocorre, então até lá tudo decorre com a normalidade possível, embora com as limitações impostas pela lei.
Portanto, a dissolução não determina a extinção da responsabilidade penal.
E que dizer quanto à representação da sociedade após o trânsito da declaração de insolvência?
O trânsito em julgado da declaração de insolvência da sociedade aconteceu em 19.2.2009.
Um dos efeitos desta declaração é a assunção, pelo administrador da insolvência, da representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – art. 81º, nº 4, do CIRE.
No entanto foi o arguido, por si e em representação da sociedade arguida C....., Lda., que em 27-4-2011 foi notificado nos termos e para os efeitos do art. 105º, nº 4, al. b), do RGIT (cfr. fls. 117).
Nos termos do art. 252º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade é representada pelo gerente.
Por outro lado, com a declaração de insolvência é o administrador que passa a representar o devedor. Mas esta representação, di-lo a lei, circunscreve-se aos aspectos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.
Ou seja, tudo o que extravase os aspectos patrimoniais relativos à insolvência não cabe nos poderes de administração do administrador.
Já se viu que não é a declaração de insolvência que extingue a sociedade. Portanto, ainda há um período na vida útil da sociedade em que coexistirão duas entidades que validamente a representam, embora cada uma no seu campo de intervenção específico que não se sobrepõem.
Ora, um dos aspectos que extravasa o âmbito das questões patrimoniais relativas à insolvência são todas aquelas relativas a processos crime. Assim, em todas estas questões a representação da sociedade caberá, portanto, ao respectivo gerente [Neste sentido vide Luís Carvalho Fernandes-João Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência anotado, 1999, pág. 392].
O art. 105º, nº 4, al. b), do RGIT introduziu uma nova condição de punibilidade aos crimes de abuso de confiança fiscal e abuso de confiança contra a segurança social, ao determinar que o crime só ocorrerá depois de efectuada a notificação do devedor para pagar as quantias em dívida.
Tratando-se, manifestamente, de uma questão de âmbito criminal, nada tem a ver com a insolvência, mas antes com outros aspectos da vida da sociedade. Por tal motivo aquela notificação foi feita na pessoa do gerente, no caso o arguido, tal como foi.
Na verdade, a notificação imposta pelo artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, assume uma dimensão criminal, visando, até, extinguir a respectiva responsabilidade.
É certo que quando foi feita a referida notificação, por já ter sido declarada a falência da sociedade, esta era representada pelo liquidatário.
Mas o que está em causa é apenas a responsabilidade dos recorrentes. Por isso o facto de ter sido decretada a falência da sociedade, de modo nenhum os impedia de fazer o pagamento pelos quais também são responsáveis. E o arguido foi notificado para esse efeito (neste sentido o Ac. Deste Tribunal da Relação de 26.03.2008, in www.dgsi.pt).
Tenhamos ainda presente que, se é certo que na empresa declarada insolvente ocorrem algumas limitações quanto às suas regras de funcionamento, a mesma continua a ter existência até ao encerramento da sua liquidação.
«A extinção da pessoa colectiva não implica a extinção da respectiva responsabilidade criminal. A extinção do procedimento criminal contra a pessoa colectiva só se verifica com o registo do encerramento da sua liquidação, porquanto as penas pecuniárias devem ser levadas em conta no momento da sua liquidação. Isto é, a declaração de falência da sociedade não pode ser equiparada à morte para efeitos da extinção do procedimento criminal (acórdão STJ, de 12.10.2006, in CJ, Acs. do STJ, XIV, 3, 207, acórdãos do TRP de 10.3.2004, in CJ XXIX, 2, 201; de 29.6.2005, in CJ XXX, 3, 219 e de 9.5.2007, in CJ XXXII, 3, 205).»
Por tudo o exposto, verificamos que no caso a sociedade comercial recorrente, não obstante ter sido declarada falida, continua a manter intacta a responsabilidade criminal de pessoa colectiva, até porque não há conhecimento de que se tenha verificado o registo do encerramento da sua liquidação.
Diga-se, pois, que a insolvência não determina a extinção da responsabilidade penal própria, da sociedade, assim como não extingue (ou muito menos extingue) a responsabilidade penal de um terceiro, sendo que a responsabilidade penal do gerente não se confunde com a responsabilidade penal da sociedade: são realidades diferentes, dependentes de pressupostos também diferentes.
Pelo que, face a todo o exposto, falece o argumento dos arguidos no sentido de que com a insolvência da sociedade ficaram impedidos de cumprir qualquer obrigação legal.
Passemos a analisar a segunda das questões elencadas: saber se funciona a causa de exclusão da ilicitude invocada pelos recorrentes e prevista no artigo 34º do Código Penal.
Invocam os recorrentes que agiram “em declarando direito de necessidade nos termos do artigo 34º do Código Penal”.
Vejamos.
Dispõe o artigo 34º do Código Penal que:
«Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:
a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado».
Esta causa de justificação funciona para afastar a ilicitude do facto punível.
Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo. O interesse ou bem jurídico cujo perigo se afasta tem de ser superior ao interesse sacrificado.
O estado de necessidade ora reveste a natureza de um verdadeiro direito de necessidade, e então é uma causa de exclusão da ilicitude, ora tem a natureza de causa de exclusão de culpa.
O direito de necessidade torna a conduta lícita, daí a imposição feita no art. 34º-b do Código Penal quanto à superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar.
Daí também que o art. 34º tenha que ser conjugado com o art. 35º, particularmente com o seu n.º 1, e que uma vida nunca possa ser sacrificado no exercício de um direito de necessidade, já que, sendo o bem jurídico de maior valoração, nunca qualquer outro lhe pode ser superior.
De acordo com a jurisprudência, o estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como consequência necessária de o não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao do crime.
Depende ainda da verificação de outros requisitos, como a falta de outro meio menos prejudicial do que o facto praticado e probabilidade de eficácia do meio empregado.
Pode-se então concluir que a superioridade que se exige nos termos do art. 34º do Código Penal entre o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico ameaçado pelo perigo não se mede em termos de quantidade: a quantidade não implica superioridade qualitativa.
O perigo tem que ser um perigo real e efectivo.
Além disso, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou seja, tem que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo esse que pode advir de factos naturais ou facto humanos.
É preciso ainda que cumulativamente se verifique outro elemento desta causa de justificação previsto no art. 34º-b do Código Penal: que exista uma sensível superioridade entre o interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado.
E como último requisito previsto no art. 34º-c do Código Penal temos: a razoabilidade da imposição ao lesado do sacrifício do seu interesse, tendo em atenção o valor e natureza do interessa ameaçado – trata-se de uma limitação ético-social que visa proteger da violação a dignidade e autonomia ética da pessoa de terceiro, pois o direito tem de se conter e de se manter de certos limites, recuando mesmo, se necessário, em face desses valores.
Subjectivamente, o agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para evitar esse perigo, que é uma probabilidade de lesão.
Perante estas considerações pergunta-se: poderá essa figura ser convocada para a presente situação?
A sentença recorrida decidiu a questão da seguinte forma:
“Inexistência de estado de necessidade por conflito de deveres ou outra causa de exclusão:
No caso decidendo, resultou provado que o arguido B..... afectou tais quantias ao pagamento a despesas da sociedade e não propriamente em seu benefício pessoal ou no sentido do seu enriquecimento.
Todavia, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/09/07, processo n.º0712239, n.º convencional JTRP00040577, Relator Dr. Borges Martins, disponível para consulta em www.dgsi.pt, na parte que para aqui importa, com as devidas adaptações, … “mesmo que se tivesse provado que as quantias em causa se destinaram só ao pagamento dos salários dos trabalhadores, a pretensão de um conflito de deveres não tinha acolhimento na jurisprudências dos Tribunais Superiores. Veja-se o caso do Ac. STJ de 15/01/1997, CJ, STJ, T. II, pg. 190-194, que considerou nada permitir concluir que o dever de manter a empresa a funcionar, nomeadamente através do pagamento dos salários aos trabalhadores, seja superior ao de cumprir as obrigações fiscais, sendo certo que este último dever “ é uma obrigação legal e assim superior ao dever funcional de manter a empresa com os pagamentos em dia”. Também a ver o Ac. do STJ de 20/06/01, CJ, STJ, T. II, pg. 227. De outra forma, estar-se-ia a distorcer as regras do mercado – algumas empresas teriam vantagens na concorrência, não cumprindo as suas obrigações fiscais, relativamente às que o fazem escrupulosamente. Ao não pagar contribuições devidas ao Estado, está-se a lesar o interesse geral, o da comunidade a que pertencemos. É com as receitas provenientes dos impostos que o Estado, bem ou mal, justa ou injustamente, assegura os programas sociais, que são deficitários na sua maioria. O dever de manutenção da laboração da empresa consubstancia, acima de tudo, um interesse particular, embora reflexamente possa haver interesse colectivo, económico e na manutenção de postos de trabalho. O interesse geral é superior ao individual. Não se verifica pois qualquer conflito de deveres. Não se vê que uma norma ou princípio da ordem jurídica possa excluir a ilicitude dos comportamentos provados. Independentemente de se determinar qual é o bem tutelado no crime de abuso de confiança fiscal – o valor patrimonial da prestação, o regular funcionamento do sistema fiscal ou a tutela dos interesses públicos que irão ser satisfeitos com o produto dos impostos – estamos perante a apropriação de um bem que se sabe ser alheio, o que não é permitido pela ordem jurídica. É esta que estabelece a “graduação” dos valores em causa e não os Tribunais perante as concretas situações: veja-se que ao contrário do que acontece com a não entrega das prestações tributárias, o não pagamento dos salários aos trabalhadores não é crime. A alternativa encontra-se mal colocada na argumentação do recorrente: não se tratou de escolher entre, com dinheiro da E…, pagar a fornecedores e aos trabalhadores ou pagar dividas sucessivamente vencidas à Segurança Social ou à Administração Fiscal. A opção do arguido foi diferente: pagou aos primeiros com dinheiro que não lhe pertencia, do qual era apenas fiel depositário e que tinha que entregar a estas entidades. Estas quantias não eram propriedade da …, mas da Segurança Social e do Estado.” - Cfr, ainda, na doutrina, o aludido por Isabel Marques da Silva, ih Regime das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º5, 2.º Edição, pg. 173 e na jurisprudência, entre outros, o decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/02, processo n.º0240435, n.º convencional JTRP00034589, Relator Dr. Pinto Monteiro, de 15/12/04, processo n.º0441669, n.º convencional JTRP00037475, Relator Dr. Pinto Monteiro, de 14/12/05, processo n.º0443829, n.º convencional JTRP000038591, Relator Dr. B.....Gama, de 12/03/03, n.º convencional JTRP00035668, Relator Dr. Jorge Arcanjo, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Impõe-se, assim, a condenação do arguido B......
Não existem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.”

Concordamos com a posição do tribunal a quo e acrescentamos:
A obrigação de entregar ao Estado o montante de IVA não é contratual, sendo antes uma obrigação que deriva do Código do IVA, ou seja da lei.
O devedor tributário, no caso concreto a sociedade arguida, representada pelo arguido também recorrente, encontra-se instituído numa posição próxima da do fiel depositário (o IVA em dívida relativo ao período em causa já foi pago pelos clientes daquela, e, por isso, esse valor, que não pertence à sociedade recorrente, devia ser entregue ao credor tributário - que é o Estado - dentro do prazo fixado na lei).
Ao não entregar o imposto ao Estado, e ao aplicá-lo para solver outras dívidas da sociedade, não se pode deixar de concluir que o arguido utilizou dinheiro alheio (do Estado que foi efectivamente pago pelos contribuintes a jusante da sociedade representada pelo recorrente) para solver dívidas próprias da mesma sociedade.
Compreende-se deste modo que o direito dos trabalhadores ao salário, assim como dos credores ao pagamento das matérias-primas fornecidas, não se afirme superior aos interesses do Estado, termos em que a actuação do arguido, actuando em representação da arguida sociedade, não se encontra justificada por actuar ao abrigo de um direito de necessidade.
Não se encontravam, pois, os recorrentes em estado de necessidade. Como tal, é ilícita a sua conduta, sendo ainda dolosa, atento o teor dos factos provados.
Pelo que, bem concluiu o tribunal quando decidiu que “Não existem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.”
Laboram em erro os recorrentes quando na conclusão XI afirmam que “Entendem os recorrentes, contrariamente ao tribunal recorrido, que os arguidos não praticaram qualquer ilícito criminal e nunca na forma continuada, nos termos e para os efeitos do artigo 79º do C. Penal”, pois, como já se disse, o arguido B..... foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT e arguida C....., Lda. foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 7.º, 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT.
Face a todo o exposto importa concluir que não ocorre qualquer violação dos invocados princípio do Estado de direito democrático, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, nem do princípio da constitucionalidade do Estado, plasmado no n.º 2 do artigo 3.º da lei fundamental.
Tal como não se verifica a invocada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, insusceptível de ser ultrapassado através da própria decisão recorrida.
Vejamos porquê.
Os vícios da decisão quanto à matéria de facto, entre eles a invocada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão são vícios da sentença (previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal), de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, ou, como é afirmação recorrente, são “anomalias decisórias” ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respectivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
Diga-se, pois, que o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
O vício invocado ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada (tendo sido este último o invocado pelos recorrentes).
Ora, considerando todo o exposto é evidente que a decisão recorrida não padece do invocado vício, não se verificando qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, ou seja, a fundamentação não conduz a uma decisão contrária à que foi tomada.
Improcede, pois, também, este fundamento do recurso.
Aqui chegados importa ter em conta que os recorrentes, na resposta a que alude o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, pugnaram pelo cumprimento do que se extrai do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2012, defendendo ser necessário ajuizar da capacidade favorável de pagamento, sendo que a sua omissão constitui nulidade, por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
Efectivamente o acórdão para fixação de jurisprudência do STJ supra mencionado, publicado no DR, I Série, de 24.10.2012, decidiu que “… a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50 n.º 1 do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14 n.º 1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.
Vejamos.
O arguido B..... foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e quatro meses a partir da data do trânsito em julgado da decisão sob condição de, no prazo de três anos, o arguido B..... proceder ao pagamento da quantia em dívida e legais acréscimos. A arguida C....., Lda. foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 7.º, 105.º, n.sº1 e 4, do RGIT, na pena de duzentos e trinta dias de multa, à taxa diária seis euros, o que perfaz a quantia de mil trezentos e oitenta euros.
Todavia, na sentença recorrida, anterior à prolação deste acórdão de fixação de jurisprudência, não se pronunciou, de forma óbvia, acerca da “um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura”, conforme se verifica, através da análise, de fls. 222 e 223, do mesmo.
Assim, no seguimento dessa jurisprudência, da qual não vemos razões para divergir, cuja aplicação, por isso, se impõe, a sentença recorrida deve ser declarada nula, por omissão de pronúncia (cfr. artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal), quanto ao juízo de prognose sobre a razoabilidade da satisfação da condição imposta ao arguido, tendo em conta a sua concreta situação económica presente e futura.
Devendo, consequentemente, ser substituída por outra que, completando-a, se pronuncie sobre a razoabilidade da condição imposta à suspensão da pena de prisão cominada e, no caso de se manter tal condição, especifique o montante que o arguido tem de satisfazer para que se considere possível de ser cumprida a condição em causa.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso e declarar nula a sentença recorrida. Consequentemente, o processo deve ser remetido ao Tribunal “a quo” para que seja proferida nova sentença (elaborada pela mesma Senhora Juíza), expurgada da nulidade, por omissão apontada, tomando em consideração o acórdão uniformizador de jurisprudência supra identificado.
Sem tributação.
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Porto, 15 de Maio de 2013
Elsa de Jesus Coelho Paixão
Maria dos Prazeres Rodrigues da Silva
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[1] No caso decidendo, foi cumprida tal formalidade.
[2] Como salienta Nuno Pombo a propósito de idêntica problemática no âmbito do crime de Fraude Fiscal, in A Fraude Fiscal, Almedina, Coimbra, pg. 85, “a ideia que presidiu a esta redacção, segundo cremos, foi a de que a apreciação quantitativa, pecuniária, dos factos que se devia cingir a condutas isoladas. Daí que não faça sentido, como tem reafirmado jurisprudência uniforme, somarem-se as vantagens pretendidas por comportamentos vários. Estando em causa duas condutas diversas, é razoável que se exija que sobre cada uma delas se formule, isoladamente, um juízo de censura. Juízo esse que não poderá dispensar, para cada uma delas, insista-se o cômputo do benefício almejado.” Continua o mesmo Autor, esclarecendo em relação ao crime de fraude que “se cada declaração apresentada, em si mesma, materializar a pretensão de ser obtida vantagem patrimonial inferior a 15.000 Euros, independentemente do número de declarações a que a única conduta dê lugar, poderia sustentar-se não haver crime. Contudo, pensamos que assim não pode ser. Até porque, a ser como rejeitamos, e a contrario, teríamos tantos crimes quantas as declarações apresentadas caso todas fossem, de per se, de montantes superiores àquela fasquia, o que contraria em termos materiais, segundo cremos, o sacro princípio ne bis in idem.” Concordamos integralmente com esta visão e interpretação da lei, pois a não ser assim a solução oposta, para além de reflectir um excessivo formalismo, permitiria tratamentos díspares para as situações iguais e, consequentemente, injustiças relativas. Com efeito a visão que refutamos pode mesmo favorecer o delito, permitindo que a mesma conduta, desdobrada em (por) várias declarações, se coloque à margem do tipo, ora permitindo um castigo para o infractor que se revele desrazoável (permitindo que se considere a existência de dois crimes no caso em que um só comportamento dá lugar à apresentação de duas declarações por cada uma delas se reportar a tributos distintos – IMT e imposto selo – ser, para cada uma delas, se pretender vantagem igual ou superior ao limite legal). Como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/06/05, processo n.º0412101, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que sufraga este entendimento, a remissão que no n.º3 do art. 103.º do RGIT, “é feita para os valores constantes de cada declaração a apresentar à Administração Tributária não pode ser entendida de outra forma que não seja a de que, para efeitos de exclusão da punibilidade prevista no número anterior, não serão atendidos outros valores que não os constantes de cada declaração. Isto por dois motivos: a não ser assim, deveria entender-se que, por cada declaração entregue, seria renovada a resolução criminosa com inequívoca influência no número de crimes praticados (…), por outro lado, perante situações idênticas, isto é, perante dois contribuintes com idênticos rendimentos, sairia beneficiado, sem razão que o justificasse, aquele que, por exemplo, estivesse sujeito ao regime normal de periodicidade mensal, já que os valores declarados seriam, obviamente, inferiores àqueles que iria declarar, trimestralmente, um outro contribuinte com os mesmos rendimentos.”Assim a vantagem patrimonial ilegítima afere-se ou contabiliza-se pela soma aritmética de todos os valores dos livros da contabilidade ou escrituração (…), se não exceder o limite previsto … tais factos não são puníveis. Retomando a exposição de Nuno Pombo, in ob. cit, “o enfoque não pode afastar-se da conduta (singular ou colectiva, como no caso da celebração de um negócio simulado). Assim, a uma só conduta não pode, neste caso, associar-se mais do que um crime. Independentemente do número de declarações que possam, no decurso dela, ser apresentadas à Administração Fiscal. Até porque um só comportamento, no caso especifico do crime de fraude fiscal, não pode representar uma violação plúrima de diversos bens jurídicos. (…) Não quer com isto dizer-se que se despreza a própria declaração. (…) Contudo, para efeitos de apuramento do número de infracções cometidas e do cômputo da vantagem ilegítima pretendida, devem todas elas ser tidas em conjunto. Até porque, note-se, não é a declaração, em si, que está em causa. ” Ora a análise efectuada para o crime de fraude fiscal, tem idêntica aplicação aos ilícitos aqui em apreciação – considerando as recentes alterações - sendo certo que, no nosso caso cada prestação devida em si mesma é de montante superior ao legalmente previsto.
[3] Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5/05/2004, Relatora Dra. Conceição Gomes, disponível para consulta em www.dgsi.pt.