Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2541/19.7JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUTAÇÕES VAGAS E GENÉRICAS
CRIME DE INCÊNDIO
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP202006172541/19.7JAPRT.P1
Data do Acordão: 06/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AUDIÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A condenação pela prática de um crime de violência doméstica não pode basear-se em alegações vagas e genéricas (como “comportamento agressivo” ou “clima de terror psicológico”) ou reportadas a um período temporal muito longo.
II - No caso em apreço, relativo à prática de um crime de incêndio motivado por vingança, justifica-se a não suspensão da execução da pena de prisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
No presente processo, por acórdão datado de 29/01/2020, e no que ora importa salientar, decidiu-se condenar o arguido B…:

● pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nºs. 1 al. d) e 2 do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão;

● pela prática, em autoria material, de um crime de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, al. a), com referência ao artigo 202º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;

● e, em cúmulo jurídico das referidas penas, condená-lo na pena unitária de quatro anos e dez meses de prisão.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes dos autos (refª 25232108), aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

A) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos supra identificados, por se entender que (i) houve incorreta decisão sobre a matéria de facto, a qual terá de levar necessariamente à absolvição do arguido quanto ao crime de violência doméstica e, por outro lado, (ii) errónea ponderação na decisão de não suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido;

B) Quanto à matéria de facto, impõe-se a modificação da decisão do Tribunal “a quo” sobre os seguintes pontos da matéria de facto que se consideram incorretamente julgados (412º, nº 3, al. a), do C.P.P.): pontos 3), 4), 5), 6) e 22) do douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”.

C) São provas que impõem decisão diversa da recorrida (art. 412º, nº 3, al. b), do C.P.P.), o depoimento do Arguido, aqui, recorrente, B…; da Ofendida e Assistente C…; e das Testemunhas D… e E…;

D) O arguido confessou, na sua essencialidade, os factos pelos quais vinha acusado quanto ao crime de incêndio, demonstrando arrependimento face aos mesmos e quanto ao crime de violência doméstica, admitiu que “tratava um bocado mal a (minha) mãe” (sic).

E) A assistente referiu que só quando o filho bebia é que ficava agressivo e violento verbalmente, e que, de resto, quando tal não acontecia, era uma “joia”, nas suas palavras, um “rapaz calmo”, não conseguindo, porém, concretizar um só impropério que aquele lhe tenha dirigido para consubstanciar tal agressividade verbal.

F) De resto, disse que aquele lhe havia dado dois “empurrõezitos”, que lhe pedia dinheiro e que, quando bebia, tinha medo dele.

G) As testemunhas D… e E… referiram que quando o arguido bebia o mesmo era agressivo psicologicamente e tornava-se “chato”.

H) Referiram que pedia dinheiro à sua mãe, aqui, assistente, mas não conseguiram concretizar, porém, também, qualquer impropério, mais referindo a testemunha E… que a única coisa que se lembra era ele dirigir-se à sua avó como “a senhora”, mas “nomes feios” nunca ouviu.

I) Assim sendo, a prova produzida no que tange à matéria de facto dada como provada nos artigos 3 a 6 e 22 é ténue e frágil.

J) Tais factos surgem, na verdade, no libelo acusatório para circunstanciar os factos consubstanciadores do crime de incêndio, pois caso não fossem estes, o arguido não teria sido acusado por um crime de violência doméstica.

K) De facto, os factos imputados ao arguido e que, alegadamente, consubstanciam o crime de violência doméstica, são completamente vagos, e não minimamente circunstanciados no tempo, sendo que a única circunstanciação feita em termos de tempo é disso reveladora e é a que consta no artigo 3º da matéria de facto dada como provada: «Desde data não concretamente determinada, mas seguramente há menos de 9 anos, o arguido tem manifestado (…)»

L) Tal, coarta de maneira injustificável a defesa do arguido, o que não pode ser admitido.

M) Não se pode concordar que se tenha dado como provado o alegado “terror psicológico” referido no artigo 3º da matéria de facto dada como provada, pois para além de tal conceito redundar num conceito conclusivo, e não ser um facto propriamente dito, da prova produzida isso não decorre, no modesto entender da defesa.

N) Do comportamento agressivo do arguido, pela prova produzida, só se podem retirar, com eventual relevância, para o crime, aqui, em causa, dois “empurrõezitos”, contudo não são os mesmos suficientes para consubstanciar um crime de violência doméstica.

O) Primeiro, porque a própria ofendida e assistente os desvaloriza e não deve – cremos a tutela penal, sendo de ultima ratio – ser severa ao ponto de não retratar o sentimento da própria ofendida. E tanto assim é que a própria ofendida nunca referiu que o mesmo era fisicamente agressivo, mas referindo apenas que ele verbalmente era agressivo (sic).

P) Por outro lado, porque também, por sua vez, as testemunhas referiram quanto a este concreto ponto que o mesmo nunca havia sido agressivo fisicamente.
Q) Para além disto, temos – ou ficamos com - os pedidos de dinheiro, e as ameaças não concretamente ou minimamente circunstanciadas e cremos que isto não é, também, suficiente para consubstanciar a prática pelo arguido do crime violência doméstica.

R) Pelo que, na nossa modesta opinião, o tipo legal do crime de violência doméstica p. e p. no art. 152º, nº 1, al. d) e nº 2, al. a) e nº 4 e 4 do Código Penal não se encontra preenchido.
Tal, viola um dos princípios basilares do Estado de Direito e do Processo Penal, nomeadamente o princípio da legalidade previsto no nº 1 do artigo 1º do Código Penal, segundo o qual só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei (…).

S) De resto, o princípio da livre apreciação da prova tem de ter sempre aquele outro princípio como princípio limitador. Uma interpretação contrária, desvirtua todo o sistema penal e viola, também, as mais elementares garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas no art. 32º da CRP e ainda o princípio do in dubio pro reo.

T) Violou o douto acórdão, aqui, em crise, entre outras disposições, o disposto no art. 1º, nº 1, do Código Penal, no art. 127º do C.P.P. e, ainda, no art. 32º, nº 1 e 2, da C.R.P..

Por fim, e sem prescindir,

U) O arguido confessou os factos atinentes ao crime de incêndio.

V) Admitiu, ainda, que não andava a tratar bem a mãe, embora, como vimos – e sem prescindir – entendamos isso como não sendo suficiente para configurar o crime pelo qual vinha acusado de violência doméstica.

W) Para além disso, o arguido mostrou-se arrependido.

X) E não tem antecedentes criminais.

Y) Todos estes factos são favoráveis ao arguido e deviam ter sido ponderados pelo Tribunal “a quo”, nomeadamente para efeitos de suspensão da pena de prisão a que foi condenado.

Z) De facto, sem prescindir do que supra se aduziu na primeira parte deste recurso, e ainda que soçobre a mesma, ainda assim, deveria ter sido suspensa a pena de prisão a que foi condenado o arguido.

AA) Na verdade, não se debruçou nem fundamentou devidamente o Tribunal “a quo” a sua opção pela efetividade da pena de prisão aplicada.

BB) E não é pelo facto de o arguido, aqui, recorrente, estar preso preventivamente que essa ponderação há de ser no sentido da prisão efetiva, pois já basta essa “pena” cumprida e certamente que mesma também terá servido de “lição” ao arguido.

CC) Até porque temos conhecimento dos efeitos nocivos das penas efetivas com alguma duração, sendo que, no caso sub júdice, as razões de prevenção especial nesta vertente, deveriam ter sido ponderadas pelo Tribunal “a quo”.

DD) Por outro lado, como sabemos, a suspensão da pena, pela sua própria característica, poderá a todo o tempo ser revogada, se se demonstrar que o recorrente persiste na sua atividade criminosa (art. 56 e ss. do C.P.P.).

EE) É, aliás, Jurisprudência pacífica neste tipo de crimes, a suspensão da pena quando o arguido é primário.

FF) Ponderando o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os motivos e fins determinados, a condição pessoal, social e económica do arguido, a conduta anterior e posterior ao facto, no caso presente, seria e é, sempre, de suspender a pena.

GG) Recordemo-nos que o arguido atuou sob o efeito do álcool, mesmo quando se mostrava mais agressivo verbalmente, era sempre porque estava sob o efeito do álcool – como foram as testemunhas unânimes em declarar - não tem antecedentes criminais, confessou os factos pelos quais vinha acusado e mostrou-se, realmente, arrependido.

HH) Neste contexto, mal andou o douto Tribunal “a quo” no acórdão, aqui, em crise, ao não suspender a pena de prisão aplicada ao arguido,

II) Violando o art. 50º, nº 1 e 2, bem como os art. 71º, nº 2, e 72º, nº 1 e 2, al. c), todos do Código Penal.

O recurso foi regularmente admitido (refª 413007411).

O Ministério Público respondeu nos termos vertidos nos autos, cujos fundamentos aqui temos como reproduzidos (refª 25592856), concluindo que o recurso deveria ser julgado improcedente.

Por seu turno, a assistente C… também veio responder nos moldes insertos nos autos e aqui tidos como reproduzidos (refª 2560925), tendo concluído no sentido de que o acórdão recorrido deveria ser confirmado, negando-se provimento ao recurso.

Neste tribunal, o Ex.mo PGA emitiu o parecer que consta dos autos e aqui tido como renovado (refª 13660909), através do qual sustentou igualmente a improcedência do recurso.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:
No que aqui importa reter, o acórdão recorrido é do teor seguinte (transcrição):
2.1. Os factos provados
1 - O arguido B…, reside na Avenida…, n.º …, …. - … …, juntamente com a sua mãe, C…, nascida em 04-10-1951.

2 - A habitação é constituída por três quartos, uma sala, uma casa de banho e uma cozinha, encontrando-se a habitação integrada num conjunto de habitações contiguas, que vulgarmente se designa por “ilha”.

3 - Desde data não concretamente determinada, mas seguramente há menos de 9 anos, o arguido tem manifestado um comportamento agressivo para com a ofendida, sua mãe, exercendo um clima de terror psicológico sobre a mesma, sempre que esta não cede aos seus pedidos de dinheiro para o consumo de álcool e estupefacientes, adições de que padece o arguido, desde a morte do seu pai.

4 - Assim, desde data não apurada, e com periodicidade igualmente não apurada, o arguido exigia à sua progenitora a entrega de quantias pecuniárias, tendo em vista a satisfação dos seus vícios.

5 - Quando a ofendida não satisfazia as pretensões do arguido este tornava-se agressivo e violento, dirigindo-se a ela em tom ameaçador e, dando-lhe, por vezes empurrões, levando a mesma por diversas vezes a refugiar-se em casa de vizinhos e familiares e a solicitar a intervenção das autoridades policiais.

6 - Igualmente chegou a fechar a sua mãe no quarto à chave, e por outras vezes, era a mesma que se refugiava no quarto, fechando-se a si mesmo à chave para não ter de lidar com o arguido.

7 - Foi assim que, no âmbito desta vivência, durante a manhã do dia 23 de junho de 2019, o arguido exigiu à sua mãe, por diversas vezes, e sob ameaça, que esta lhe entregasse a quantia de €10,00, o que aquela não acedeu.

8 - Por volta da hora do almoço desse mesmo dia, o arguido, que já se encontrava sob a influência do álcool, insistiu com a mãe para que esta lhe desse aquele valor monetário, para supostamente ir para o “São João”, o que aquela novamente não acedeu, tendo o arguido demonstrado desagrado com o facto de não ter dinheiro.

9 - Na tarde desse mesmo dia, quando o arguido se encontrava no interior da sua residência, e encontrando-se sob o efeito de álcool e muito desagradado com o facto de não ter dinheiro, dirigindo-se aos seus familiares, concretamente à sua mãe e à sua filha E…, em alta voz e de forma séria proferiu as seguintes expressões “Vocês vão ver, isto hoje vai parecer o S. João, Vou pôr fogo a isto tudo!”.

10 - Mais tarde, o arguido telefonou à sua irmã D… questionando-a onde estava C…, sua mãe, ao que esta respondeu que não estava consigo, tendo o arguido referido em tom sério e com teor de ameaça “que ia tratar da vida dele”.

11 - Depois o arguido contactou novamente a sua irmã D…, solicitando-lhe que esta lhe desse a quantia de €10,00 (dez euros).

12 - Perante a recusa daquela, que expressamente disse que não lhe dava tal quantia, o arguido desde logo em tom sério e ameaçador disse “ter as roupas arrumadas (em sacos) e que ia tratar da vida dele”.

13 - Vendo-se sem dinheiro e pretendendo vingar-se da mãe por não o ter-lhe facultado, o arguido formulou o propósito de atear fogo à residência desta.

14 - Assim, o arguido introduziu-se na sua residência, comum à ofendida sua mãe, dirigiu-se para o quarto desta e de forma não apurada, mas fazendo uso de uma fonte de calor, o arguido ateou fogo, abandonando de seguida o local.

15 - O arguido sabia, porque ali reside, que o interior da habitação era facilmente inflamável, concretamente aquela divisão, que era o quarto da sua mãe, composto por objetos altamente combustível, nomeadamente a roupa de cama e um guarda-fatos com roupa acondicionada.

16 - Por conseguinte, o fogo propagou-se de forma rápida e violenta, como o arguido sabia que iria suceder, destruindo totalmente aquele quarto da habitação

17 - O quarto da ofendida C…, de valor não concretamente apurado, ficou totalmente destruído em virtude do incêndio provocada pelo fogo, que consumiu toda a divisão.

18 - Como também ficou completamente destruído todo o seu recheio, composto por pertences da ofendida, nomeadamente, peças de vestuário e mobiliário.

19 - A habitação da ofendida, propriedade de F…, encontra-se inserida num conjunto de habitações contiguas, que vulgarmente se designa por “ilha”, todas de construção antiga, o que também era do conhecimento do arguido, tendo valor não inferior a €50.000.

20 - E, não fosse a rápida intervenção dos bombeiros, as chamas rapidamente alastrariam toda a habitação da ofendida e consequentemente para as outras habitações contíguas, todas de valor não concretamente apurado.

21 - Aliás o incêndio ficou confinado ao quarto da ofendida, dada a pronta intervenção dos bombeiros no combate ao incêndio, que se viram obrigados a partir vidros e janelas de outras divisões da casa para ventilação.

22 - O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de, na residência comum de ambos, com as expressões que dirigiu à ofendida sua mãe, exigindo quantias em dinheiro, sob ameaças constantes, a afetar no seu bem-estar psíquico, não obstante saber que o seu comportamento desencadeava medo na ofendida, limitava a sua autodeterminação pessoal e afetava a sua dignidade pessoal, ciente da sua fragilidade física em função da idade.

23 - Agindo sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, quis também provocar aquele incêndio na residência habitada pela ofendida, propriedade de F…, que sabia não lhe pertencer, apesar de ali residir, ciente que, atuando da forma descrita, levaria, como levou, à completa destruição do quarto da mesma e à inutilização dos pertences da ofendida que se encontravam no seu interior e também sabia que colocava em igual perigo as habitações contíguas àquela, todas elas habitadas e de valor não concretamente apurado, mas superior, cada uma delas, a 5100€, bem como a integridade física e vida das pessoas que aí habitavam.

24 - Sabia ainda o arguido que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

25 - Consta do seu relatório social:
“O processo de desenvolvimento psicossocial de B… decorreu junto do seu agregado familiar de origem, de modesta condição socioeconómica, composto pelos progenitores, ambos laboralmente ativos, e uma irmã mais nova.
A dinâmica familiar é caracterizada como relativamente estável, não obstante a problemática de alcoolismo por parte do progenitor e de uma gestão económica dificultada por esta dimensão, funcionando a progenitora como pilar da estrutura familiar e sustentabilidade do agregado. No campo educativo, a progenitora adotou uma postura de permissividade e proteção enquanto o progenitor práticas mais punitivas, mas sem registo de violência física.
No campo escolar/formativo, B… abandonou o sistema de ensino aos 14 anos, após duas retenções no 7º ano de escolaridade, percurso marcado pelo absentismo escolar e incidentes disciplinares, centrando o seu interesse no convívio com pares. O primeiro contacto com o consumo de substâncias aditivas (canabinoides) surgiu aos 16 anos, comportamento que manteve de forma irregular até à idade adulta, altura em que intensificou esses consumos.
A primeira experiência laboral surge, então, aos 14 anos, como aprendiz de carpinteiro, seguindo-se outras atividades, nomeadamente na área do calçado e construção civil, exercidas em regime informal e por curtos períodos de tempo, sendo este percurso pautado pela instabilidade/itinerância.
Por volta dos 18/19 anos e fruto de uma gravidez precoce, contraiu matrimónio, sendo que dessa união resultou um descendente do sexo feminino, atualmente com 23 anos. O relacionamento conjugal foi marcado pela instabilidade relacional e habitacional, tendo, num primeiro momento o casal solicitado apoio nos respetivos agregados de origem.
Neste contexto, o descendente foi entregue aos cuidados da avó paterna com cerca de um mês, situação que manteve até aos 5 anos da menor. Entretanto, a relação conjugal assume registo de maior tensão e conflitualidade, acabando o casal por se separar ao fim de cerca de 2 anos de casamento, sendo que depois deste momento várias reconciliações foram emergindo.
Segundo o recluso, o foco da instabilidade prendia-se com questões laborais/económicas, não tendo sido possível aferir sobre a dinâmica relacional do casal, embora a progenitora descreva aquele relacionamento como pautado por disfunções várias, observando o arguido um registo obsessivo para com o ex-cônjuge. O divórcio surgiu cerca de 10 anos depois.
Neste contexto, B… regressa ao agregado familiar de origem, sendo que a progenitora caracteriza esta fase como a de maior instabilidade laboral do arguido, passando a exercer atividade em espaços de diversão noturna, com tradução num registo comportamental mais desestruturado e associado a práticas aditivas, quer o consumo abusivo de álcool quer o consumo de haxixe.
A filha do casal ia sendo cuidada pela família alargada, expressando o arguido dificuldades em exercer as responsabilidades parentais de forma consistente, inclusive ao nível do pagamento da pensão de alimentos, responsabilidade entretanto assumida pela progenitora do arguido.
Em 2005 surge o primeiro contacto com o sistema de justiça penal, vindo a ser condenado em pena não privativa de liberdade pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, já extinta.
Com o progenitor, falecido em 2011, a relação era pautada pela conflitualidade e agressividade, assumindo o arguido registo de comunicação intimidatória perante aquele, bem como sobre a progenitora e irmã, nove anos mais nova. Segundo estas últimas, apesar de existir vinculação afetiva, o arguido sempre manteve registo de ciúme e competição em relação à irmã, exercendo uma relação de poder e controle sobre a progenitora.
No período a que reportam os factos constantes da acusação, B… mantinha residência com a progenitora/ofendida, atualmente com 68 anos, pensionista, e com a irmã, 34 anos, laboralmente ativa e que entretanto se autonomizou. A filha, com 23 anos de idade, estava já autonomizada e habitava, tal como atualmente, no mesmo contexto vicinal.
O núcleo familiar ocupava, desde há cerca de 20 anos, uma habitação arrendada, inserida em aglomerado habitacional tipo “ilha”, de tipologia 3 e com adequadas condições de habitabilidade.
B… mantinha um quotidiano desestruturado, desenvolvendo atividade laboral de forma pontual e em regime informal na área da construção civil, sendo o restante tempo passado em convívio com pares em café junto da sua residência, sendo habitual observar consumos abusivos de substâncias etílicas, comportamento que o mesmo assume mas minimiza.
Segundo o ex-patrão, quando trabalhava o arguido assumia conduta ajustada e prestável, desenvolvendo bem as tarefas. Apesar de estabelecer interação ajustada com aquele, a relação com os demais funcionários nem sempre se pautava pela adequação aos níveis da comunicação e interação, agravado pelo consumo excessivo de álcool, comportamento que exacerbava condutas desajustadas.
A subsistência do agregado era essencialmente assegurada pela progenitora/ofendida, a qual aufere duas pensões, de reforma e de sobrevivência, no valor global de 480€, suportando sozinha as despesas de arrendamento da habitação, no valor de 200€, e consumos de água, energia elétrica e telefone, no valor total de cerca de 70€. Esta familiar exercia ainda atividade laboral como empregada doméstica, em casa particular desde há vários anos, como forma de ampliar os rendimentos mensais.
Dos contactos efetuados junto da rede vicinal salienta-se a postura ambivalente assumida, sendo que os elementos contactados mencionam temer pela adoção de condutas idênticas, embora tendam a desculpabilizar as mesmas, considerando que poderá existir problemática de saúde mental nunca diagnosticada ou tratada, agravada pelos consumos abusivos de álcool aos quais é claramente associado.
B… apresenta um projeto de vida baseado na reintegração familiar junto da progenitora, por quem refere nutrir forte afetividade, embora desconheça se a mesma está recetiva a recebê-lo.
Atualmente a progenitora/ofendida reside sozinha na habitação que arrendou há cerca de 20 anos, espaço que tem vindo a reconstruir na sequência do incêndio ali ocorrido. Segundo a irmã do arguido, o senhorio apesar de não pretender assumir uma posição restritiva ou de pedido de indemnização à inquilina, a qual é bem referenciada e aceite na comunidade residencial em geral, colocou como condição o facto de B… não voltar a integrar aquele espaço residencial.
Pese embora o sofrimento que lhe causa, a mãe nesta fase verbaliza temer novas condutas desajustadas por parte do arguido, considerando que o mesmo deverá submeter-se prioritariamente a tratamento antes de admitir a sua reintegração no núcleo familiar.
B… deu entrada no Estabelecimento Prisional G… em 25/06/2019, à ordem dos presentes autos. Não lhe são conhecidos outros processos pendentes.
Em meio prisional B… não tem nenhuma ocupação estruturada, referindo ter sido recentemente transferido de pavilhão devido a procedimento disciplinar que está ainda em curso, por altercação e agressões a companheiros.
No campo clínico/aditivo, refere abstinência e beneficia de acompanhamento psicológico, com consultas regulares. Teve também uma consulta de psiquiatria em agosto último.
B… chegou a beneficiar de visitas de um amigo, entretanto interrompidas por razões de saúde da mãe daquele, segundo o arguido, pelo que presentemente não tem visitas.

26 - Não tem antecedentes criminais conhecidos.

27 - Resulta do relatório de avaliação psiquiátrica: “Não existe evidência clinica da existência de quadro de dependência alcoólica ou de outas substâncias psicoativas, devendo ser considerado um consumidor regular e excessivo de bebidas alcoólicas e cannabis.
Não existe evidência clínica da existência de problemas de saúde relacionados com o abuso de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias psicoativas.
O exame do estado mental é atualmente normal.
Não há registo da ocorrência de estados alterados de consciência, no momento da prática dos factos em apreço, de tal forma graves, que pudessem incapacitar o examinado de avaliar a ilicitude dos atos por si praticados e de se determinar de acordo com essa avaliação pelo que deve ser considerado imputável.
2.2. - Factos não provados:
Que o arguido, para atear o incêndio, tenha utilizado uma lata de um litro, contendo no interior um produto de características não concretamente apuradas, mas de natureza acelerante/combustível, do qual previamente se munira.
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2.3. Motivação dos factos provados e não provados:
Como dispõe o art.127º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
No caso dos autos, teve-se em conta, as declarações do arguido, que de forma lacónica e titubeante, pouco emotiva e revelando um grande distanciamento das situações em análise, esclareceu a sua versão dos factos, numa constante tentativa de menorização dos mesmos, demonstrador que era conhecedor da sua gravidade e das consequências que para si poderiam advir do presente processo.
Assim, se admitiu a autoria do incêndio, já sobre as suas motivações refugiu-se constantemente em não saber explicar porque o fez, pois que na altura “não pensou em nada”.
Sobre os comportamentos que teria para com a sua mãe ainda mais esquivo se revelou, um simples admitir que trataria mal a sua mãe, mas que nunca lhe teria batido, quanto muito que já lhe teria dado um empurrão porque ela também o teria empurrado.
Sobre este circunspecto revelou-se muito pouco esclarecedor, mas demonstrando que o fazia numa tentativa de se esquivar à sua responsabilização.
Na verdade, a assistente C…, nas suas declarações, também não foi propriamente cristalina, mas ao contrário do arguido que pretendia menorizar a situação por medo das consequências, esta fazia-o devido ao incondicional amor de mãe, tão vulgar nestas situações.
É evidente que quando o Tribunal vê perante si uma pequena e frágil senhora, com idade já avançada, a referir que o seu filho lhe deu um “empurrãozito”, percebe perfeitamente que a mesma, por mais que tenha medo do filho, pretende evitar mais sérias consequências sobre ele, e então também ela própria recai numa menorização das situações.
Ainda assim, foi referindo que o arguido era verbalmente agressivo consigo quando lhe dizia que não por algo que o mesmo desejasse, nomeadamente dinheiro, que por vezes dormia com a sua porta fechada com receio do que ele pudesse fazer, ou que fazia tempo em casa de amigas só para não ir para casa, com receio do que fosse encontrar, mas referindo sempre que tal apenas acontecia quando se apercebia que o seu filho estivesse alcoolizado, motivo ao qual atribuía os comportamentos agressivos deste.
É igualmente sua convicção que o arguido entendia que ela seria comandada pela sua irmã e pela filha do arguido, e que por vezes dizia que a matava, que matava todos.
Referiu ainda uma situação em porque se negou a entregar dinheiro, o arguido a fechou num quarto, tendo sido chamada a polícia.
Esclareceu ainda de forma precisa os factos do dia 23 de junho, como o arguido lhe pediu várias vezes dinheiro e como a ameaçou dizendo “vai ficar-te caro esses dez euros”.
Esclareceu ainda quais as consequências do incêndio e prejuízos que sofreu.
D…, irmão do arguido, prestou depoimento sério e convincente, relatando o que tinha observado, sendo certo que saiu de casa da ofendida, sua mãe, nos anos de 2014/2015, mas ainda assim era visita frequente e falava com ela quase todos os dias.
Nunca assistiu a qualquer agressão, mas confirmou que o irmão ficava agressivo quando a mãe se negava a dar dinheiro, sendo sua convicção que esta tinha medo do filho, afirmando que existia um quadro de agressividade “psicológica”, nomeadamente quando aquele bebia demais.
Aliás, relatou como num episódio em que estava a jantar em casa da mãe e sem que nada fizesse prever o arguido ligou para o 112 a dizer que ia matar a mãe e a irmã, encontrando-se alcoolizado.
Nessa noite teve medo de dormir lá.
Foi igualmente precisa em relatar os factos do dia 23 de junho, o que lhe foi dito pelo arguido, sendo determinante para a formulação dos factos dados como provados relativo a tal episódio, negando, no entanto, que tivesse aceite dar dinheiro ao arguido nesse dia.
E…, filha do arguido, prestou depoimento convicto, sincero e sem rebuço, relatando como nunca tinha visto agressões físicas, mas que o arguido quando alcoolizado era “agressivo e muito mau”, ameaçando e insultando a sua avó.
Que esta uma vez ligou-lhe pois estava presa na despensa, que o arguido a tinha fechado lá, e teve de lá ir buscá-la, chegando a chamar a polícia, mas quando esta chegou o arguido foi igualmente agressivo com eles.
Relatou de forma precisa o que foi dito pelo arguido no dia 23 de junho, sendo merecedor de credibilidade dada a forma isenta como o fez.
Explicou os termos em que se aperceberam que a habitação da ofendida estava a arder, bem como as consequências dele resultantes.
H…, genro de uma vizinha do arguido, limitou-se a referir como no dia dos factos avistou o arguido com uma lata de diluente, nada mais sabendo sobre os factos.
I…, limitou-se a referir de forma pouco convicta como o arguido foi a sua casa no dia 23 de junho, mas que nada lhe disse, sendo que pouco depois apareceram umas pessoas a perguntar por ele.
Que no seu entender o mesmo não estava alcoolizado.
F…, senhorio da residência da ofendida, nada sabia de forma direta sobre os factos, sendo importante a esclarecer que a referida habitação teria um valor de cerca de €50.000,00 e que a ofendida pagava uma renda de €200,00.
Mais foram valorados os seguintes documentos dos autos:
Relatório de inspeção judiciária de fls.5 a 10.
Auto de exame e perícia criminalística e respetiva reportagem fotográfica de fls.11 a 24.
Assento de nascimento do arguido e da ofendida de fls.203 a 206,
Relatório dos Bombeiros Voluntários J… de fls. 163.
Relatório de exame clinica medico legal do arguido de fls. 293 a 294
Aqui chegados, dúvidas não existem sobre a autoria por parte do arguido do incêndio em análise nos autos, desde logo face à sua confissão, mas sendo certo que todo o seu comportamento anterior anunciou claramente qual era o seu desígnio.
E é exatamente pelo facto de durante a tarde do dia 23 de junho o arguido ir ameaçando a sua família de que algo de grave iria acontecer que se retira a conclusão que, ao contrário do que o arguido pretende fazer crer, de que tal foi um ato irrefletido e momentâneo, foi sim um ato premeditado, e com um intuito de vingança muito claro.
Apenas não foi possível determinar qual o método usado para deflagrar o incêndio, dado que a perícia criminalística não o determinou e o alegado pelo arguido carece de comprovação – “usei um guardanapo”.
O facto de uma testemunha o ter avistado nessa tarde com uma lata de diluente é tão só uma das hipóteses de que o arguido terá lançado mão, mas não determinante, face, mais uma vez, à sua não comprovação.
Sobre os efeitos do incêndio, para além do depoimento das testemunhas C…, D… e E…, as suas consequências são bem visíveis da fotografias de fls.13 a 24, sendo inequívoco que, se não fosse a pronta intervenção dos bombeiros, as consequência poderia ter sido enormes dada a proximidade de inúmeras habitações, e a configuração de “ilha” no local.
Para além disso, foi tido em conta o depoimento da testemunha F… que referiu o valor da habitação atingida parcialmente pelo incêndio, de onde resulta inequívoco que quer a habitação atingida quer as circundantes sempre teriam valor superior a €5.100,00, como aliás, sempre resultaria das regras da experiencia comum.
Sobre o tratamento infligido pelo arguido à sua mãe C…, foi fundamental as declarações desta, associadas com o depoimento das testemunhas E… e D…, de onde resulta um quadro de constante ameaça e intimidação por parte do arguido sempre que aquela não acedia a dar-lhe valores monetários, tendo existido a referência a empurrões e à colocação da assistente em compartimentos fechados, de tal modo, que era a própria assistente a fechar-se à chave no quarto ou a refugiar-se em casa de família e vizinhos, tradutor inequívoco do receio que a mesma sentia.
Neste circunspecto, o arguido limitou-se a admitir genericamente que tratava a mãe mal e que lhe tinha dado um empurrão, mas que face à prova acima referencia se consubstanciava em bem mais do que isso.
Apenas não foi possível determinar com exatidão momentos temporais em que tais factos tenham acontecido, mas é já reconhecido que situações de violência doméstica, face ao quadro específico em que são vivenciados, raramente se consegue a determinação cabal de datas em que os episódios se sucederam sem que tal ponha em causa a valia dos depoimentos.
Sobre a debilidade física da ofendida em relação ao arguido, tal foi bem visível pela simples constatação em sede de audiência de julgamento, sendo o arguido individuo bem constituído e de altura superior a 1.80m (fls.44) e sua mãe, a assistente, uma senhora franzina e pequenina, já com 68 anos de idade.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal valorou o C.R.C. junto aos autos a fls.234., bem como o relatório social de fls.257 e ss. quanto às condições sócio-económicas.
(…)
A questão que a seguir se coloca é saber se haverá lugar à suspensão da execução da pena de prisão cominada aos arguidos, atendendo ao artº 50º do C. Penal, o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Mas tal não basta, torna-se ainda necessário que a suspensão satisfaça as exigências de prevenção geral positiva, que seja suficiente para manter a confiança da comunidade na validade da norma violada pelo cometimento do crime.
Estamos perante um poder-dever, um poder vinculado do julgador, que, terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão, sempre que se verifiquem os mencionados pressupostos. Como tem vindo ultimamente a ser salientado, tal medida tem um conteúdo reeducativo e pedagógico.
Mas in casu, quer a vertente de prevenção geral positiva quer a vertente especial, inculcam a necessidade de resposta mais firme.
Desde logo, porque a sociedade não entenderia como alguém que é capaz de deitar fogo à própria casa, incêndio esse que poderia ter assumido proporções muito graves, não só ao nível patrimonial, mas também ao nível pessoal, face ao quadro habitacional em causa – “ilha”, não veja os seus atos severamente punidos, sabendo-se do alarme social que tais situações assumem.
Mas mesmo apelando a considerações de prevenção especial, verificamos que o que abona ao arguido é a falta de antecedentes criminais registados e uma confissão mitigada dos factos e nada mais.
Na verdade, a gravidade dos factos praticados pelo arguido é elevadíssima, no que ao crime de incêndio diz respeito, atuando num quadro de quase futilidade dos motivos subjacentes, porquanto não foi satisfeito o seu “capricho” de obter dez euros.
Alguém que é capaz de se reger por uma tal superficialidade no agir, sem atentar às consequências que tal pode provocar no outro é alguém especialmente perigoso.
Aliado com isto, o contexto em que o pratica, num quadro de maus tratos à própria mãe, num clima de ameaças e intimidação, em que o arguido sobrevive quase totalmente à conta desta, sendo que não tem qualquer tipo de doença a obstar a que desempenhe função socialmente ativa de forma continuada.
Ou seja, um indivíduo que pouco ou nada faz de produtivo, dado que só esporadicamente trabalha, e entende que a mãe, com quase 70 anos e que para além da reforma ainda tem de desempenhar tarefas de limpeza, deve satisfazer a imperiosa necessidade de ir para o café da zona satisfazer as suas necessidades etílicas.
Para além disso, não se pode esquecer que sendo o crime de incêndio uma “vingança” decorrente do facto de não conseguir que a ofendida obedecesse aos seus intentos, coloca-se a questão dos limites que poderão advir de, noutras situações, até onde o arguido poderá ser levado a ir, já que (leia-se, não) tem mecanismos frenadores que o impeçam de praticar atos substancialmente perigos.
É evidente que uma pena suspensa nesta situação apenas iria fomentar o continuar de todo este quadro, não se verificando a existência de um quadro mental por parte do arguido que permita supor que no caso da aplicação de uma pena suspensa na sua execução o mesmo iria modificar radicalmente a sua conduta.
Face ao exposto, será efetiva a pena a aplicar ao arguido.
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b) apreciação do mérito:
Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.
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Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, importa saber:
1 – se houve uma incorreta decisão sobre a matéria de facto no tocante ao crime de violência doméstica, impondo-se a sua alteração e a inerente absolvição quanto a tal ilícito, esta em qualquer caso sempre verificável;
2 – se, mesmo a verificar-se a condenação, e ainda que por ambos os imputados crimes, existiu errónea ponderação na decisão de não suspensão da pena de prisão aplicada
Vejamos, pois.
1 – da incorreta decisão sobre a matéria de facto.
O recorrente entende que a matéria de facto vertida como provada nos pontos 3), 4), 5), 6) e 22) está incorretamente decidida, pelas razões que depois explicita, argumentação que, no essencial, vem vertida nas correspondentes conclusões supra transcritas de A) a T)[3] e que, por economia, aqui se considera renovada, concluindo que os supra referidos factos dados como provados não o deviam ter sido, ou pelo menos, a serem, não estão suficientemente circunstanciados ou não são suficientes, por si só, para configurarem a prática de um crime de violência doméstica.

Na resposta, o Ministério Público anotou, em suma, que, lendo o acórdão recorrido e cotejando a prova produzida, fácil é reconstruir o percurso que o tribunal “a quo trilhou para alcançar a convicção que veio a expor em termos de matéria de facto, não tendo sido produzida prova, de natureza refutável, que imponha conclusão diversa, no caso a prevalência da tese do recorrente, sublinhando depois que, nos traços marcantes, as alegações do mesmo apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal e aquela que no caso teria sido a do próprio e que os raciocínios expostos pelo tribunal recorrido, ao fundamentar a decisão de facto, são lineares, claros e totalmente apreensíveis, em termos que seguidamente explicita, concluindo que, não existindo dúvidas no espírito do julgador, afastada está, obviamente, a possibilidade de aplicação do princípio “in dubio pro reo” e que a convicção entroncou no princípio da livre apreciação da prova.

Respondendo, a assistente veio destacar, também em suma, que discordava do entendimento do recorrente, pois que as transcrições pelo mesmo efetuadas foi feita de forma segmentada e focada em transmitir tão só a sua leitura da prova produzida e dissociada de tudo o que foi dito, mas, mesmo assim, dessa transcrição segmentada depreende-se a correta apreciação e valoração da prova produzida pelo tribunal “a quo”, conforme depois especifica, concluindo seguidamente que não restavam dúvidas da correta apreciação da prova por parte daquele tribunal e da prática do crime de violência doméstica por parte do arguido/recorrente.

No aludido parecer, o Ex.mo PGA sublinhou, em síntese, que as transcrições efetuadas pelo arguido dos depoimentos das testemunhas são claramente reveladoras das ameaças e coação exercida pelo mesmo sobre a sua mãe, com vista a obter desta quantias para satisfazer os seus vícios e toxicodependências, de álcool e estupefacientes, conforme excertos que transcreve, anotando depois que os referidos depoimentos transcritos pelo arguido comprovam o acerto da decisão do tribunal ao considerar como provados os factos por si impugnados, contexto em que concluiu depois que o arguido, com a descrita conduta, criava na ofendida e assistente uma situação relacional, uma vivência de medo e tensão, devendo por isso manter-se como provada a matéria de facto aqui questionada e, consequentemente, ser considerada improcedente a pretendida absolvição daquele quanto ao crime de violência doméstica.
Apreciando.
Antes de avançarmos para a concreta argumentação do recorrente, e para nos situarmos em termos legais e interpretativos, convirá começar por sublinhar que o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não corretamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa[4], e daí a razão do estatuído formalismo.
Por outro lado, convém não esquecer igualmente que “Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detetar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório” e que “Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (…) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reações do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir”[5].
De tudo isso cientes, pode dizer-se que o recorrente cumpriu, no essencial, as exigências contidas nos nºs. 3 e 4, do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Mas, antes de nos pronunciarmos sobre a prova cuja sindicância o mesmo requereu, cremos que lhe assiste razão quando alega que os factos que lhe são imputados, e que, alegadamente, consubstanciam o crime de violência doméstica, são completamente vagos e conclusivos, o que lhe coarta, de maneira injustificável, a sua defesa.
Na verdade, o que consta dos pontos 3 a 6 dos factos provados são meras conclusões, pois que, reportando-se a um período temporal muito alargado, não há um único facto concreto, mas apenas meras alegações vagas e genéricas, tais como, “comportamento agressivo”, “um clima de terror psicológico”, “este tornava-se agressivo e violento, dirigindo-se a ela em tom ameaçador”, “dando-lhe, por vezes empurrões” e “chegou a fechar a sua mãe no quarto à chave”, ou seja, não factos, mas meras ilações que, supostamente, os factos aqui inexistentes deveriam suportar.
Para além disso, e auscultadas as declarações da própria ofendida, bem como as da filha e da neta, parcialmente transcritas pelo recorrente, mas que ouvimos na totalidade (cfr. artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal), das mesmas decorre que o arguido terá empurrado a mãe uma vez, levando-a a cair, e noutra ocasião deu-lhe um empurrãozito (expressão da própria ofendida), logo, não poderia afirmar-se que o mesmo lhe dava por vezes empurrões, inexistindo prova alguma que permita suportar a ilação de existência de um clima de terror psicológico, tal como alegava o recorrente.
De qualquer modo, uma vez que o que consta dos referidos pontos 3 a 6 dos factos provados não consubstancia verdadeiros factos, mas meras conclusões, não poderá ser aqui considerado, devendo ter-se como não escritos, o que nos dispensa de alterar essa suposta matéria de facto, já que, como se disse, não teria assento total na prova produzida em audiência.
No mais, e ao abrigo do disposto no artigo 431º, als. a) e b) do Código de Processo Penal, deve ter-se como não provado o que consta do ponto 22 dos factos provados, já que sem suporte em qualquer factualidade sita a montante[6], e afinar, em consonância os pontos 23 e 24, que passarão a ter a seguinte redação:

23 – O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, quis provocar aquele incêndio na residência habitada pela ofendida, propriedade de F…, que sabia não lhe pertencer, apesar de ali residir, ciente que, atuando da forma descrita, levaria, como levou, à completa destruição do quarto da mesma e à inutilização dos pertences da ofendida que se encontravam no seu interior e também sabia que colocava em igual perigo as habitações contíguas àquela, todas elas habitadas e de valor não concretamente apurado, mas superior, cada uma delas, a 5100€, bem como a integridade física e vida das pessoas que aí habitavam.

24 - Sabia ainda o arguido que a sua descrita conduta era proibida e punida pela lei penal.
Consequências.
Expurgada a decisão recorrida daquelas ilações (supostos factos), com a inerente não prova do que consta do ponto 22 dos factos provados, fácil será concluir que não tem sustentação alguma a manutenção da imputação do crime de violência doméstica, o único que, de resto, o recorrente aqui veio questionar, nunca colocando em crise o confessado crime de incêndio, sendo certo que, mesmo que pudesse afirmar-se que a sobredita “factualidade” implicaria apenas a verificação de pelo menos um crime de ofensa à integridade física simples (dois empurrões, um deles um mero empurrazito, logo, seria sempre duvidosa a sua verificação), o que, reitere-se, aqui não sucede, o procedimento criminal deveria ser declarado extinto por falta de queixa, logo, falta de legitimidade do Ministério Público para acusar, pois que a ofendida nunca declarou desejar procedimento criminal contra o arguido e, porque este é seu filho, não quis sequer prestar declarações, sendo certo que também não existem factos que possam encaixar minimamente no crime de ameaça, este sempre dependente de queixa, e no de eventual sequestro, este por total falta de suporte factual mínimo (cfr. artigos 113º, 143º, nº 2 e 153, nº 2, todos do Código Penal).
Em face do exposto, não será apreciada a questão de saber se, mesmo que se mantivesse a pretensa “factualidade” apurada e validada na sua totalidade, ainda assim não estariam verificados os requisitos integradores do imputado crime de violência doméstica, aspeto que, e ainda que forma pouco explicita e linear, ou seja, não dissociado da pretendida alteração factual, o recorrente parecia também questionar.
Procede, pois, este capítulo do recurso.
2 – da não suspensão.
O recorrente alega que o tribunal recorrido não se debruçou, nem fundamentou devidamente a sua opção pela efetividade da pena de prisão aplicada e que, em seu entender, a pena a aplicar deveria ficar suspensa na sua execução, pelas razões que depois adianta e pormenoriza, argumentação que, no essencial, vem vertida nas correspondentes conclusões supra transcritas de U) a II)[7] e que, por economia, aqui se considera renovada,

Na resposta, e após destacar a correspondente fundamentação inserta no acórdão recorrido, o Ministério Público veio depois sublinhar, em suma, que não se afigura legítimo desligar de um acórdão condenatório um pequeníssimo trecho e, só com base nele, alegar que não se mostra fundamentada a não suspensão da execução da pena única de prisão, quando é certo que a respetiva leitura global, concatenando a matéria factual assente com o que o tribunal explanou, permite compreender um conjunto de vetores que, para além de permitir verificar da bondade do decidido, permitem a sua sindicância, pelo que o acórdão recorrido não padece de nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), nem ocorreu violação do art. 375º, n.º1, ambos do Código de Processo Penal, concluindo que entendia ser de manter a pena única de prisão efectiva aplicada, pois não se verificam, no caso concreto, os fundamentos e o circunstancialismo que aconselham a suspensão da execução da pena e, pelo contrário, as necessidades de reprovação e prevenção criminais afastam tal suspensão, tal como foi explanado no acórdão recorrido, conforme depois ainda especifica pormenorizadamente.

Do que se apreende, a assistente não aborda esta concreta questão na sua resposta (talvez porque são consabidas as restrições existentes nesta matéria de mera discussão da pena em sede de legitimidade dos assistentes e decorrentes de jurisprudência fixada).

Por seu turno, O Ex.mo PGA veio sublinhar, em síntese, que a pena de prisão, efetiva, mostra-se indispensável para assegurar as fortíssimas exigências de prevenção geral que os crimes desta natureza reclamam, como forma de assegurar a tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e na vigência das normas jurídicas atingidas, anotando depois que não poderá, também, deixar de ponderar-se no número, muito significativo, de casos em que, nos últimos anos, as vítimas de violência doméstica foram mortas pelos agressores e que, como resulta da matéria de facto provada, o arguido manifestou várias vezes a intenção de atentar contra a vida da ofendida, contexto em que, e após adequada explanação quanto aos conceitos aqui presentes e sua interpretação, concluiu que se fosse imposta ao arguido uma pena não privativa da liberdade, não ficaria devidamente assegurada a proteção dos bem jurídicos violados.
Apreciando.
Começaremos por anotar que a singela leitura da correspondente fundamentação inserta no acórdão recorrido torna incompreensível a alegação do recorrente de que o tribunal não se debruçou, nem fundamentou devidamente a sua opção pela efetividade da pena de prisão aplicada, pois que o tribunal, adentro de adequado enquadramento legal e interpretativo, explicou, e em pormenor, as razões pelas quais entendia não suspender a execução da pena única aplicada, o que sendo para nós linear, nos dispensa outros considerandos.
Inexiste, pois, qualquer nulidade decorrente do incumprimento do estatuído no artigo 374º, nº 2, com referência ao artigo 379º, nº 1, al. a), e tendo ainda como pano de fundo a previsão inserta no artigo 375º, nº 1), todos os citados preceitos do Código de Processo Penal.
Adiante.
Passando agora ao mérito do decidido, e pese embora a sobredita inexistência do crime de violência doméstica, cremos que a pena a aplicar pelo crime de incêndio (cuja aplicação e respectivo “quantum” fixado não vêm questionados) deverá manter-se efetiva.
Neste particular impõe-se relembrar que estipula o artigo 50º, nº 1, do Código Penal, que “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Por outro lado, cremos pacífico que no instituto da suspensão da execução da pena está em causa, como pressuposto material, o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, a efetuar no momento da decisão, e como finalidade político-criminal, o objetivo de que o mesmo se afaste, no futuro, do cometimento de novos crimes[8]. Ou seja, e tal como decorre do citado normativo, aqui está em causa a existência de um juízo de prognose favorável capaz de levar à conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da pena serão bastantes para alcançar as almejadas finalidades punitivas, de forma adequada e suficiente.
Daqui decorre, na esteira do afirmado no Acórdão do STJ, datado de 23/04/08, praticamente alicerçado em citações de identificada obra da autoria do Prof. Figueiredo Dias[9], que a “conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” assenta, obviamente, no pressuposto de que, por um lado, o que está em causa não é qualquer «certeza», mas, tão-só, a «esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda» e de que, por outro, «o tribunal deve encontrar-se a disposto a correr um certo risco – digamos fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Porém, ali se acrescenta, “havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não cometer crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada”, adiantando-se que “É preciso não descaracterizar o papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral de substituição», a funcionar aqui “sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico” e “como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização”. E daí que a pena de substituição, mesmo que “aconselhada à luz de exigências de socialização”, não seja de aplicar se “a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
É claro que, conforme doutrina e jurisprudência pacíficas, um tal juízo de prognose há de ter assento nos fixados factos, única forma de alcançar os demais vetores traçados no assinalado preceito, a saber, a personalidade do arguido, as suas condições de vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
Aqui chegados, e relembrando neste lugar os aspetos atrás enunciados que estiveram na génese da não suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ora ligeiramente reduzida, naquilo que mantêm atualidade, a saber, a elevadíssima gravidade do sucedido no tocante ao crime de incêndio, este ocorrido “num quadro de quase futilidade dos motivos subjacentes”, daí sobressaindo uma personalidade especialmente perigosa, sublinhando-se ainda, e muito bem, que «a sociedade não entenderia como alguém que é capaz de deitar fogo à própria casa, incêndio esse que poderia ter assumido proporções muito graves, não só ao nível patrimonial, mas também ao nível pessoal, face ao quadro habitacional em causa – “ilha”, não veja os seus atos severamente punidos, sabendo-se do alarme social que tais situações assumem», as considerações de prevenção especial, cujos únicos aspetos abonatórios se reconduzem à ausência de antecedentes criminais registados e à existência de uma confissão dos factos no tocante ao crime de incêndio (embora se trate da confissão do óbvio), destacando-se finalmente que «não se pode esquecer que sendo o crime de incêndio uma “vingança” decorrente do facto de não conseguir que a a sua mãe obedecesse aos seus intentos, coloca-se a questão dos limites que poderão advir de, noutras situações, até onde o arguido poderá ser levado a ir, já que (leia-se, não) tem mecanismos frenadores que o impeçam de praticar atos substancialmente perigosos, contexto em que se concluiu que não se verificava a existência de um quadro mental por parte do arguido que permita supor que, no caso da aplicação de uma pena suspensa na sua execução, o mesmo iria modificar radicalmente a sua conduta», tanto mais que o mesmo rejeita tratar-se da sua dupla problemática aditiva, mormente a do consumo excessivo de álcool, este assumido pelo mesmo, mas que minimiza, conforme decorre do relatório social acima transcrito.
Ou seja, trata-se de um quadro que nos reconduz à inexorável ilação de que é impossível alcançar um tal juízo de prognose favorável aqui exigível para a preconizada suspensão da pena de prisão a aplicar, o que, obviamente, nos remete para a manutenção do seu efetivo cumprimento.
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Face ao êxito parcial do recurso, o recorrente não deverá ser condenado em custas (cfr. artigo 513º, nº 1, “a contrario”, do Código de Processo Penal.
Atento o seu decaimento parcelar, a assistente/recorrida deverá suportar as inerentes custas, tendo-se ajustado fixar a taxa de justiça em quatro UC (cfr. artigos 515º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal e c), 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo de eventual isenção decorrente do consignado no artigo 4º, nº 1, al. z) deste último diploma.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B…, em consequência do que, e na parte aqui questionada, decidem absolvê-lo do crime de violência doméstica que lhe vinha imputado, mas, manter como efetiva a pena de quatro anos de prisão que lhe vinha aplicada pela prática do imputado crime de incêndio.

Sem tributação quanto ao arguido/recorrente.

Custas pela assistente/recorrida, fixando-se em quatro UC a taxa de justiça devida, sem prejuízo da eventual isenção supra assinalada.

Notifique.
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Porto, 17/06/2020[10]
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
______________
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] As quais foram transcritas precisamente porque reproduzem a base argumentativa crucial que consta da motivação ou argumentação recursiva e, por isso, e até por razões de economia, permite-nos não a repetir neste lugar.
[4] Vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, datado de 26/01/00, in http://www.dgsi.pt.
[5] Citação do Ac. do STJ, de 29/10/08, in http://www.dgsi.pt.
[6] No tocante ao referido elemento subjetivo, deverá relembrar-se que este, é consabido e pacífico, há de extrair-se a partir da factualidade apurada sita a montante e com recurso a presunções naturais, no seio das quais são necessariamente albergadas as regras da experiência e do normal acontecer, pois que é essa a única forma de poder alcançar-se um tal elemento volitivo que dimana da exteriorizada ressonância do interior da própria pessoa. Quanto ao conceito das presunções naturais, claramente definidas no artigo 349º do Código Civil, vide o Acórdão do STJ datado de 07/04/2011, relatado por Santos Cabral, que temos como emblemático nesse particular, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[7] Veja-se a nota de rodapé nº 3, aqui igualmente aplicável.
[8] Neste sentido, vide Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Equitas, Editorial de Notícias, 1993, págs. 342 a 344.
[9] Vide o citado Acórdão relatado pelo Conselheiro Soreto de Barros in http://dgsi.pt, anotando-se que tal aresto cita o Prof. Figueiredo Dias, in «As Consequências Jurídicas do Crime».
[10] Texto escrito conforme o acordo ortográfico, convertido pelo lince, composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).