Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI PENHA | ||
Descritores: | DIUTURNIDADES VENCIDAS JUROS DE MORA ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP202307122200/22.3T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Não se verifica abuso de direito, na modalidade da supressio, relativamente ao pedido do trabalhador no pagamento de juros de mora sobre o pagamento de diuturnidades vencidas, as primeiras há mais de trinta anos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2200/22.3T8MTS.P1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório AA, residente na Rua ..., ..., patrocinado por mandatária judicial, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra A..., S.A., com sede na Rua ..., .... Pedidos: a) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor, a quantia global Eur. 54.107,62, sendo Eur. 37.649,79, de capital, e relativo a diuturnidades devidas e não pagas ao Autor e devidamente discriminadas no artigo 15º, desta petição inicial, e Eur. 16.457,83, de juros de mora vencidos. b) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor os juros vincendos, calculados desde esta data e até integral e efetivo pagamento, bem como nas custas, procuradoria e demais encargos legais. Alega em síntese que: trabalhou para a ré desde o dia 1 de outubro de 1989, até Janeiro de 2010, tendo sido reformado, por invalidez em 7 de junho de 2021, não tendo a ré pago as diuturnidades devidas ao longo da relação contratual. Citada as ré, procedeu-se a audiência das partes, resultando infrutífera a tentativa de conciliação. A ré veio contestar, impugnando os factos alegados na petição inicial, e concluindo: “a) A presente acção ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências. Se assim não se entender: b) Deve proceder, por provada, a exceção da prescrição extintiva dos juros, devendo a Ré ser absolvida do pedido de juros que ultrapasse os últimos 5 anos, considerando a data da propositura da presente acção.” Foi proferido o seguinte despacho: “Melhor analisados os autos, afigura-se que assiste razão à Exa. Sra. Escrivã-Adjunta (conforme informação que havia já sido dada nos autos mas que, por lapso, não se atentou). Vejamos. No âmbito da audiência de partes, realizada a 30/5/2022 foi a ré notificada para contestar em 10 dias (prazo este que findaria a 9/6). No dia 8 de junho as partes apresentaram requerimento conjunto, no qual requereram a prorrogação do prazo para contestar em 10 dias, o que foi deferido (por despacho proferido a 13/6). Tratando-se de prorrogação o prazo conta-se de forma contínua, desde o seu início, como se fosse um só (como não poderia deixar de ser, já que a prorrogação visa tornar mais longo o mesmo prazo). Assim, o prazo para apresentação da contestação passou, então, a ser de 20 dias, contados desde aquele mesmo dia 30/5/2022. Coincidindo o último dia deste prazo com um domingo, o dia 19/6, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (art. 279º, al. e) do Código Civil), ou seja, o dia 20 de junho de 2022. Ora, tendo sido a contestação apresentada a 28 de junho, é de considerar que estava excedido já aquele prazo prorrogado e mesmo decorridos os três dias úteis seguintes que a lei admite para a prática do ato, nos termos regulados no art. 139º, nº 5 e 6, do Código de Processo Civil. Assim, é forçoso concluir ser extemporânea a contestação apresentada pela ré pelo que determino seu desentranhamento e devolução. Em consequência, fica prejudicado o conhecimento da exceção de prescrição invocada. Custas a cargo da ré, fixando em 1/2UC a taxa de justiça. Notifique.” Inconformada, a ré veio arguir nulidade de tal despacho e dele interpor recurso, que subiu imediatamente e em separado, vindo a ser proferido acórdão nesta Secção Social, a 17 de Abril de 2023, no qual se decidiu a final “julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.” Foi proferida sentença, com a seguinte decisão final: “julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €33.653,81, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde o vencimento de cada uma das prestações e até efetivo pagamento.” Fixou-se à acção o valor de € 54.107,62. Inconformada interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo: 1. A Douta sentença recorrida pronunciou-se pela procedência parcial da acção, condenando a entidade empregadora, aqui Ré/Recorrente no pagamento ao trabalhador, aqui Autor/Recorrido, da quantia global de €33.653,81 a título de diuturnidades vencidas e não pagas na pendência do vínculo laboral que os uniu, acrescida do valor dos juros de mora à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações (diuturnidades) e até ao seu efectivo pagamento; 2. Estão em causa diuturnidades que se venceram na pendência do vínculo laboral que uniu o Recorrido à Recorrente, que teve o seu início no dia 01 de Outubro de 1989 e cessou por iniciativa do trabalhador no dia 07 de Junho de 2021, por razões às quais a entidade empregadora foi alheia. (cfr. pontos 2. e 4. dos factos confessados vertidos na Douta sentença recorrida). 3. Além de que, trata-se de diuturnidades que foram peticionadas apenas após o termo do vínculo laboral, que nunca foram reclamadas pelo trabalhador/Recorrido na pendência do contrato de trabalho, em que nunca anteriormente existiu qualquer interpelação dirigida à Recorrente para o respectivo pagamento e para cuja existência a Recorrente nunca foi alertada pelo trabalhador, de cuja obrigação de pagamento não tinha consciência, estando a mesma de boa-fé, em virtude de tratar-se de um desconhecimento que não é culposo, nem sequer censurável. Aliás, a Recorrente, uma vez citada para a acção dos presentes autos, não questionou a existência do crédito das diuturnidades, cujo pagamento admitiu ser devido em sede da contestação por si apresentada. 4. A apreciação das questões vertidas na motivação de recuso, fundadas na existência de abuso de direito, tem subjacente, exclusivamente, a ponderação da seguinte cronologia dos factos: a) O vínculo laboral que uniu o Recorrido à Recorrente teve o seu início no dia 01 de Outubro de 1989 e teve o seu termo no dia 07 de Junho de 2021 (por iniciativa do trabalhador); b) A primeira diuturnidade peticionada pelo trabalhador venceu-se em Outubro de 1992; c) A presente acção foi proposta em Maio de 2022, ou seja, volvidos 30 anos após o vencimento da 1ª diuturnidade; d) O cálculo dos juros vencidos e peticionados, incidirá sobre prestações (diuturnidades) vencidas há mais de 5, 20 e 30 anos; e) A Recorrente, por iniciativa própria, portanto, voluntariamente, passou a pagar diuturnidades aos seus trabalhadores no ano de 2013; 5. A questão essencial (até única), cuja apreciação se pretende com a interposição do presente recurso, prende-se, exclusivamente, com a exigência da obrigação (autónoma) dos juros de mora, saber se será legítima a condenação no pagamento de juros, contabilizados sobre prestações, cujo vencimento remonta há 30 (trinta) anos atrás, sem que neste lapso temporal alguma vez tenha existido qualquer interpelação para pagamento da obrigação geradora do vencimento dos juros peticionados. Ou seja, não se contesta o pagamento da obrigação relativa às diuturnidades, cujo direito às mesmas foi confessado em sede de contestação e cujo pagamento foi desde logo aceite, apenas se contesta o vencimento dos juros, contabilizados sobre prestações vencidas há mais de 5, 20 e 30 anos. 6. A cronologia dos factos a que se aludiu supra, é reveladora da existência de uma inércia de 30 (trinta) anos por parte do trabalhador, de que este é o único responsável, por se tratar de uma opção do mesmo, sem qualquer intervenção da entidade empregadora – nem se diga que o não pagamento da obrigação geradora dos juros é da sua responsabilidade, porque a Recorrente sempre pagou pontualmente todos os créditos salariais, durante mais de 30 anos e se não pagou diuturnidades deveu-se ao facto de desconhecer, sem culpa, a sua existência, para a qual nunca foi alertada, reitera-se, durante 30 (trinta) anos. 7. Entende a Recorrente que não é legítimo ao Recorrido, volvidos 30 anos, sem nunca ter interpelado a entidade empregadora para o pagamento das diuturnidades a que sabe ter direito, exigir, para além das mesmas, também o pagamento de juros moratórios, contabilizados desde o vencimento de cada uma das diuturnidades (as primeiras das quais vencidas em Outubro de 1992), quando apenas ao trabalhador se deveu o seu não recebimento em momento anterior à cessação do contrato, ocorrida em 07/06/2021, porque nunca reclamou o pagamento de diuturnidades na pendência do contrato de trabalho, sendo o único responsável pelo decurso do tempo, por ser da sua exclusiva responsabilidade esta inércia de 30 anos. 8. A exigência de juros moratórios, cujo cálculo retroage há 30 (trinta) anos atrás, torna o exercício deste direito de peticionar juros de mora manifestamente abusiva, por tal exigência de juros moratórios exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito em causa, portanto, em violação do disposto no artigo 334º do Código Civil. 9. O legislador português consagrou um conceito amplo de abuso de direito ao fixar o carácter ilegítimo do seu exercício, não só quando se viola o fim social ou económico que o Direito lhe define, mas ainda quando se violam ordens normativas não primariamente jurídicas (boa-fé, bons costumes) que o Direito acolhe, tratando-se de um instituto puramente objectivo, que não está dependente de culpa do agente, nem sequer de qualquer específico elemento subjectivo. 10. No caso concreto, o Recorrido, indiferente à longevidade do seu vínculo laboral, indiferente ao cumprimento pontual de todas as obrigações por parte da sua entidade empregadora na duração do contrato de trabalho, e ainda, indiferente ao facto de, por culpa sua, num hiato de 30 anos, nunca ter exigido as diuturnidades a que sabe ter direito, vem, à revelia dos princípios basilares de boa-fé, peticionar ainda os juros vencidos nos últimos 5 (cinco), 20 (vinte) e 30 (trinta) anos, mesmo se é o único responsável pelas consequências inerentes à sua própria inércia, porque lhe deu causa, mas, ainda assim, vem peticionar juros cujo vencimento ultrapassa os prazos da prescrição ordinária de 20 anos, por existirem cálculos de juros reportados ao ano de 1992. 11. Está em causa o abuso de direito na modalidade de suppressio, e com esta designação pretende-se abarcar as hipóteses em que, devido ao titular de um direito não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, as circunstâncias que rodearam essa inação criaram na contraparte a confiança que o mesmo já não viria a ser exercido, merecendo essa confiança a proteção da ordem jurídica através de um impedimento a esse exercício tardio ou da atribuição à contraparte de um direito subjetivo obstaculizador. 12. Na opinião do Prof. Menezes Cordeiro, os pressupostos de aplicação desta figura (suppressio) não são cumulativos, porque a falta de algum deles pode ser suprida pela especial intensidade que assumam os restantes, e são os seguintes: a) Um não-exercício prolongado do direito de que se arroga; b) Uma situação de confiança, daí derivada; c) Uma justificação para essa confiança; d) Um investimento de confiança; e e) A imputação da confiança a quem não exerceu o direito, em tempo. 13. A apreciação do abuso de direito é de conhecimento oficioso, o que significa que o Tribunal a quo não estava limitado pela iniciativa das partes (considerando a extemporaneidade na apresentação da contestação e a prescrição ali alegada). Tendo sido alegada a prescrição e, simultaneamente, verificando-se a circunstância concreta de existir um lapso de tempo, abrangido pelo cálculo dos juros, superior ao prazo de 20 anos da prescrição ordinária (hiato de tempo superior a 30 anos) impunha-se ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a existência de abuso de direito, por ser-lhe lícito conhecer oficiosamente das questões suscitadas, relacionadas com a alegada existência de um exercício abusivo do direito de reclamar juros. 14. A Douta sentença recorrida violou o disposto no artigos 309º, 310º, 334º, 559º, 561º e 762º todos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 5º, nº 3 do Código Processo Civil e artigo 337º do Código do Trabalho. O autor alegou, concluindo: I. Nos presentes autos, foi proferida douta sentença, que condenou a Recorrente (Ré) no pagamento ao Recorrido (Autor), da quantia global de €33.653,81, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde o vencimento de cada uma das prestações e até efetivo pagamento, acrescentando-se que tal quantia respeita ao valor de diuturnidades não pagas. II. A Recorrente não se conforma com tal decisão, pretendendo, com o presente recurso, exclusivamente: “colocar em causa a exigibilidade dos juros de mora peticionados pelo Recorrido, na medida em que foi determinado que serão contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das diuturnidades vencidas”. III. Não aceitando o pagamento de juros desde o vencimento da obrigação, a Recorrente invoca o abuso de direito por parte do Recorrido, referindo que a exigência de juros moratórios, cujo cálculo retroage há 30 anos, torna o exercício do direito de os exigir manifestamente abusivo, por tal exigência exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito em causa, em violação do disposto no artigo 334º, do Código Civil. IV. Concluiu, ainda, a Recorrente, que o caso dos autos configura o abuso de direito (que invocou) na modalidade de supressio. V. A Recorrente, porém, e como a seguir se verá, não tem razão. VI. Na verdade, é hoje jurisprudência unânime, que o crédito de juros de mora relativos a créditos laborais, não está sujeito ao regime geral da prescrição, decorrente da alínea d), do artigo 310º, do Código Civil, mas sim ao nº 1, do artigo 337º, do Código do Trabalho. VII. De facto, e tal como refere Milena Rouxinol, já atrás citada: “Independentemente da maior ou menor celeridade da atuação judicial do credor, é o incumprimento culposo da dívida de capital que lhe dá causa”. VIII. Acresce que, dada a situação de dependência em que se encontra o trabalhador (vinculado por contrato de trabalho), o não exercício do direito de pedir as diuturnidades em atraso, não lhe é censurável, nem constitui um comportamento culposo do mesmo. IX. Não tendo pago atempadamente o valor das diuturnidades a que o Recorrido tinha direito, e ao mesmo tempo “aproveitar-se” desse incumprimento para não querer pagar os respetivos juros, desde o vencimento da obrigação, sabendo, como sabe, que estamos perante créditos laborais, a Recorrente, não pode, sem abuso: (i) prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; (ii) exercer a posição jurídica violada pelo próprio; (iii) ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada. X. Assim procedendo, porém, é a Recorrente quem litiga com manifesto abuso de direito, na modalidade Tu quoque, tão sabiamente explanada pelo Professor Doutor Menezes Cordeiro. XI. A sentença em crise, porém, atenta a forma como decidiu o presente pleito, não violou quaisquer disposições legais, pelo que deve ser confirmada. XII. Assim o entendendo, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA! Foi fixado ao recurso efeito suspensivo, em consequência de caução prestada pela recorrente. O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer a que as partes não responderam. Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas. A questão colocada pela recorrente no recurso consiste em determinar se é devida a obrigação de juros em função do abuso do direito, em sua opinião resultante do seu não exercício durante um dilatado período de tempo. II. Fundamentação de facto Considerou-se na sentença: “Face ao disposto no art. 57º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, considero confessados os factos articulados pelo autor nos autos, os quais se passam a elencar: 1. A Ré é uma sociedade comercial anónima que se dedica, além do mais, ao transporte rodoviário, logística, serviços aduaneiros e representação fiscal. 2. No exercício daquela sua atividade, a Ré admitiu ao seu serviço o Autor, (por contrato de trabalho na forma verbal), no dia 1 de outubro de 1989, para este, sob as ordens, direção e fiscalização daquela, exercer as funções de “Operador de Máquinas”. 3. O Autor exerceu, de facto, aquelas funções até janeiro de 2010, passando, a partir dessa data e até à cessação do contrato, a ser classificado pela Ré, como “Conferente de Armazém”. 4. O contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré cessou, por reforma por invalidez, do Autor, no dia 7 de junho de 2021. 5. Ao longo da vigência da relação laboral, a Ré apenas pagou ao Autor, entre Janeiro de 2013 e Junho de 2021, uma diuturnidade no valor de €28,00, por mês. 6. Entre o dia 17-12-2018 e 18-06-2019 e entre 10-07-2019 a 06-06-2021, o autor esteve de baixa médica. 7. A Ré foi interpelada pela Ilustre Mandatária do Autor, em representação do deste, através de carta registada com aviso de receção, assinado em 24-01-2022, para proceder ao pagamento do valor em dívida, mas nada respondeu. 8. A ré é associada da Associação dos Transitários de Portugal (APAT). III. Fundamentação de direito 1. Prescrição dos juros Consta da sentença: “Pela presente ação pretende o autor a condenação da ré no pagamento das diuturnidades que não lhe foram pagas e que entende ter direito. Invoca o autor, para tanto, a aplicação do CCT celebrado entre a APAT e o SIMAMEVIP publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 20, 1ª Série, de 29 de Maio de 1990, e posteriormente, a partir do ano de 2005, pelo Contrato Coletivo de Trabalho, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 1, 1ª Série, de 8 de Janeiro de 2005, e futuras alterações. Admitindo o autor não ser sindicalizado, invoca sucessivas Portarias de Extensão que determinam a aplicação de tal CCT às entidades empregadoras associadas da APAT e aos trabalhadores ao seu serviço, ainda que não associados dos sindicatos outorgantes. O CCT invocado pelo autor teve sua primeira publicação no BTE nº 20, 1ª série, de 29/5/1990, com revisão global publicada no BTE, nº 1, de 8/1/2005, e é certo que desde 1990, com a Portaria de Extensão publicada no BTE nº 36, de 29/9/1990, (e sucessivas portarias, conforme o autor elenca em seu requerimento datado de 3/8/2022, a fls. 29 e ss), tem vindo a ser determinado que o referido CCT seja aplicável também às relações de trabalho existentes entre empregadores inscritos na associação patronal outorgantes e trabalhadores ao seu serviço, das mesmas profissões e categorias previstas no referido CCT, ainda que não filiados nos sindicatos outorgantes. Como tal, é de considerar que, na verdade, é aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre as partes o CCT invocado pelo autor. Ora, a cláusula 67ª do tal CCT (a que corresponde a cláusula 68ª na revisão global operada em 2005) prevê a atribuição diuturnidades a todos os trabalhadores por cada período de três anos na empresa e até ao limite de cinco. Não logrando a ré demonstrar o seu efetivo pagamento, deverá ser condenada no pagamento das diuturnidades em falta invocadas pelo autor. Resulta dos factos provados, conforme alegação do autor, que este esteve de baixa médica de 17/12/2018 a 18/6/2019 e de 10/7/2019 a 6/6/2021 (ou seja, entre 17/12/2018 a 6/6/2021 apenas trabalhou 21 dias de calendário). Ora, Com a situação de baixa médica (que foi superior a um mês) ocorreu uma suspensão do contrato de trabalho (art. 296º, nº 1, do Código do Trabalho), pelo que nesse período de tempo a ré não estava obrigada ao pagamento da retribuição, nem das suas prestações complementares e acessórias, não sendo ainda devido o pagamento do subsídio de natal (art. 263º, nº 2, al. c) do Código do Trabalho) nem do subsídio de férias (o qual deverá apenas ser pago nos mesmo moldes dos dias de férias a que o trabalhador tenha direito conforme previsão dos arts. 239º, nº 6, e 264º, nº 2, do Código do Trabalho. Deste modo, não terá o autor direito ao pagamento das diuturnidades dos anos de 2018 a 2021, nos termos em que peticionou, pelo que cumpre reformular os cálculos relativos a esses anos (no pressuposto das quatro diuturnidades que reclama). Assim, e em relação ao ano de 2018, sendo certo que o autor esteve de baixa de 18 a 31 de dezembro, a diuturnidade relativa a esse mês corresponde ao valor (proporcional ao tempo trabalhado) de €67,20. Por outro lado, o subsídio de natal corresponde ao valor de €107,89. Como tal, pelo ano de 2018 é devido ao autor o valor de €1.519,09. No ano de 2019 o autor apenas esteve ao serviço 21 dias, pelo que a diuturnidade relativa a esse período ascende ao montante de €78,40. No que respeita ao subsídio de natal a diuturnidade corresponde ao valor de €6,53. Uma vez que no ano de 2019 o autor não esteve ao serviço um mês completo, não adquiriu direito a qualquer dia de férias (cfr. art. 239, nº 1 e 6, do Código do Trabalho), nem, consequentemente, qualquer direito a subsídio de férias (cfr. nº 2 do art. 264º do mesmo diploma). Assim, pelo ano de 2019 é devido o pagamento pela ré da quantia de €84,93. Uma vez que nos anos de 2020 e 2021 o autor esteve sempre de baixa médica, não adquiriu o direito ao pagamento de qualquer diuturnidade. Nestes termos, e com fundamento no exposto, é de concluir que o pagamento devido pela ré a título de diuturnidades ascende ao valor global de €33.653,81. Acresce ainda o pagamento dos juros de mora peticionados à taxa de 4% contados desde o vencimento de cada uma das prestações e até efetivo pagamento (art. 805º, nº 2, al. a), do Código Civil). Insurge-se a recorrente, apenas quanto à condenação em juros, alegando: “O abuso de direito, em qualquer das suas modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – cfr. artigo 334º do Código Civil. O legislador português consagrou um conceito amplo do abuso de direito ao fixar o carácter ilegítimo do seu exercício não só quando se viola o fim social ou económico que o Direito lhe define, mas ainda quando se violam ordens normativas não primariamente jurídicas (boa-fé, bons costumes) que o Direito acolhe. (...) A apreciação da existência de abuso de direito, consubstancia, portanto, matéria de indagação do direito, sendo que, nesse domínio, o Tribunal tem poderes de cognição oficiosa (cfr. artigo 5º, nº 3, do Código Processo Civil). Logo, a apreciação quanto à existência do exercício abusivo do direito de peticionar juros de mora calculados sobre prestações vencidas há 30 anos atrás, estava ao alcance do Tribunal a quo, por se tratar de uma exigência ilegítima, determinada exclusivamente pela inércia do trabalhador, que por este poderia ter sido evitada e que se alcança do alegado na acção interposta pelo próprio trabalhador, aqui Recorrido. O abuso de direito manifestado na modalidade do venire contra factum proprium baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir em incoerência com uma determinada conduta, assumida e mantida durante um longo lapso de tempo, ou seja, ir contra as legítimas expectativas que o seu comportamento gerou na parte contrária. No caso concreto a Recorrente foi condenada a pagar diuturnidades, nos termos melhor descritos na Douta sentença recorrida, porém, a falta de pagamento das mesmas não sucedeu deliberadamente, porque com o intuito de prejudicar o trabalhador, aqui Autor. Sucedeu sim, por excesso de confiança e, diga-se, alguma ligeireza por parte dos recursos humanos da Recorrente, que desconheciam tal realidade (exigibilidade das diuturnidades), motivo pelo qual em 2013 passaram a pagar diuturnidades e convenceram-se que o facto de pagarem retribuições mensais muito superiores às previstas nas tabelas salariais divulgadas nas sucessivas convenções colectivas de trabalho, justificaria o pagamento de apenas uma diuturnidade. Já o trabalhador, não obstante a longa duração do vínculo laboral que o uniu à Ré (01/10/1989 até 07/06/2021), nunca anteriormente a Maio de 2022 reivindicou qualquer pagamento a título de diuturnidades, aquelas a que julgava ter direito, o que apenas veio a suceder através da presente acção. E, ignorando a longevidade do seu vínculo laboral, peticiona ainda os juros vencidos nos últimos 30 (trinta) anos, sem qualquer complacência para com a antiga entidade empregadora, que em relação aos créditos salariais por si reconhecidos e assumidos, durante mais de 30 anos, cumpriu pontualmente com todas as suas obrigações – nem o Autor peticiona quaisquer outros créditos salariais porque tudo lhe foi sempre pago, pontualmente. O que significa, que o Autor, com a sua inércia, vem peticionar juros cujo vencimento e exigibilidade ultrapassa inclusivamente, os prazos da prescrição ordinária de 20 anos, isto porque há cálculos de juros reportados ao ano de 1992. Verificando-se pois, a circunstância de o Recorrido lucrar com a sua própria inércia, que apenas ao comportamento omissivo do mesmo se deve (lucro no que concerne ao cálculo dos juros de mora vencidos, já não em relação às diuturnidades, cujo pagamento é exigível e a Recorrente, logo que citada para a acção admitiu em sede de contestação serem devidas). Logo, uma vez que o vencimento dos juros de mora tem origem na inércia do Recorrido, que com o seu silêncio, já que nunca interpelou a Recorrente para o pagamento das diuturnidades durante a pendência do vínculo laboral, lhe deu causa, constitui um comportamento manifestamente abusivo porque em manifesta contradição com o comportamento por si adoptado durante todo o vínculo laboral de mais de 30 anos, sem exigir as diuturnidades a que julgava ter direito. Acresce que, quando cessou o vínculo laboral (07/06/2021) a Recorrente, de boa-fé, convenceu-se que todos os créditos salariais estavam pagos e que nada mais havia a pagar ao Recorrido. A referida modalidade de abuso de direito, assenta numa estrutura que pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos distintos e deferidos no tempo, em que a primeira (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra). Costumam identificar-se os seguintes requisitos para aplicação desta figura de abuso de direito: a) factum proprium – uma conduta inicial lícita da parte (omitiu sempre o pedido de pagamento de diuturnidades durante mais de 30 anos de duração do vínculo laboral); b) boa-fé da outra parte, que justificadamente confiou nessa conduta (no caso concreto não existe uma atitude deliberada por parte da Ré no não pagamento das diuturnidades, logo, sempre cumpriu com as suas obrigações em termos salariais e sempre confiou que na data da cessação do contrato de trabalho do Autor, todos os créditos salariais estavam integralmente pagos e liquidados); c) comportamento contraditório injustificado (o Autor nunca peticionou diuturnidades na pendência do contrato de trabalho, esperou 30 anos para as exigir); d) existência de dano por causa da contradição (caso o trabalhador tivesse reivindicado na pendência do contrato o pagamento de diuturnidades, estas teriam sido pagas de imediato e não haveria lugar ao vencimento de juros relativos aos últimos 30 anos). Esta outra variante do abuso de direito funda-se na tutela da confiança e na boa-fé (segundo António Menezes Cordeiro, “Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa In Agendo”, página 58), que tem na sua base a inércia, por um longo período de tempo, da parte que exerce o direito, no caso concreto, o trabalhador, aqui Recorrido, trata-se do abuso de direito na modalidade de suppressio. O termo suppressio é a tradução latina proposta pelo Professor Menezes Cordeiro, na sua tese de doutoramento “Da boa fé no direito civil” (cfr. pág. 797 e seguintes, do volume II, Almedina, 1984), da figura da Verwirkung do direito alemão, a qual conheceu as suas primeiras manifestações no último quartel do século XIX, ainda em tempos anteriores à entrada em vigor do B.G.B (sobre a evolução da Verwirkung no direito alemão, Menezes Cordeiro, obra e local citados supra e in “Tratado de Direito Civil Português”, I, tomo 4, Almedina, 2005, pág. 315-318). Com essa designação pretende-se abarcar as hipóteses em que, devido ao titular de um direito não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, as circunstâncias que rodearam essa inação criaram na contraparte a confiança que o mesmo já não viria a ser exercido, merecendo essa confiança a proteção da ordem jurídica através de um impedimento a esse exercício tardio ou da atribuição à contraparte de um direito subjetivo obstaculizador. Em que, fruto da teorização desta figura no direito português, introduzida pelo Prof. Menezes Cordeiro, tem sido invocada pela jurisprudência, em diferentes situações, associada o instituto do abuso de direito, consagrado no artigo 334º do Código Civil. É opinião corrente entre a Jurisprudência que a suppressio abrange situações próximas ou que constituem uma modalidade da figura do venire contra factum proprio (sobre os problemas da integração desta figura na proibição do venire contra factum proprio, Batista Machado, Obra Dispersa, volume I, pág. 422, Scientia Iuridica, 1991 e Menezes Cordeiro, “Da boa fé no direito civil”, vol. II, pág. 212-215), em que o exercício de um direito se revela contraditório com um anterior comportamento de inação prolongada, que, atentas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto, induzem o sujeito obrigado por esse direito a, legitimamente, confiar que o mesmo já não será exercido, pelo que a reivindicação de tal direito ofende os ditames da boa fé. (...) No que ao caso concreto diz respeito, considerando a extemporaneidade na apresentação da contestação, porque a prescrição invocada pela Ré na contestação não é de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo não conheceu da alegada prescrição (alegada com fundamento na alínea d) do artigo 310º do Código Civil, que prevê a prescrição no prazo de 5 anos). Sucede, porém, que sendo certo que o Tribunal a quo não poderia conhecer da alegada excepção de prescrição, é igualmente verdade, que já não existia qualquer impedimento (legal, nem processual) por parte do Tribunal a quo, em relação à apreciação da existência de abuso de direito, considerando tratar-se de juros de mora calculados sobre prestações vencidas há mais de 30 anos, ou seja, cujo período de cálculo ultrapassa o prazo da própria prescrição ordinária de 20 anos. Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 567º do Código Processo Civil, o Tribunal a quo, está obrigado a apreciar as questões de direito que se levantem, porque está legalmente obrigado a decidir conforme for de direito. E, salvo o devido respeito, exigir juros calculados sobre prestações vencidas há 30 anos atrás, é manifestamente abusivo, porque ultrapassa, inclusivamente o prazo de 20 anos da prescrição ordinária.” Respondeu o recorrido: “Não será a Recorrente que abusa do seu direito na modalidade Tu quoque? Atentemos no que nos diz o Professor Menezes Cordeiro, no inédito “Do Abuso de Direito: estado das questões e perspetivas”, que se destinou aos Estudos do Prof. Doutor António Castanheira Neves e, que na parte que nos interessa, diz o seguinte: “Tu quoque exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: – ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; – ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio; – ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada. E acrescenta: a pessoa que viole uma situação jurídica perturba o equilíbrio material subjacente. Nessas condições, exigir à contraparte um procedimento idêntico ao que se seguiria se nada tivesse acontecido equivaleria ao predomínio do formal: substancialmente, a situação está alterada, pelo que a conduta requerida já não poderá ser a mesma. Digamos que, da materialidade subjacente, se desprendem exigências ético-jurídicas que ditam o comportamento dos envolvidos.” A propósito da figura do abuso de direito considerou-se no acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018, processo 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt: “O abuso de direito, em qualquer das suas feições, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – artigo 334º do CC. O legislador português consagrou um conceito amplo do abuso de direito ao fixar o carácter ilegítimo do seu exercício não só quando se viola o fim social ou económico que o Direito lhe define, mas ainda quando se violam ordens normativas não primariamente jurídicas (boa-fé, bons costumes) que o Direito acolhe. A apreciação da existência de abuso de direito, consubstancia, portanto, matéria de indagação do direito, sendo que, nesse domínio, o Tribunal tem poderes de cognição oficiosa (artigo 5º, nº 3, do C.P.C.). (...) O abuso de direito manifestado na variante do venire contra factum proprium baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto. [António Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, página 200] Assenta numa estrutura que pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos distintos e deferidos no tempo, em que a primeira (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra). Costumam identificar-se os seguintes requisitos para aplicação desta figura: a) factum proprium – uma conduta inicial lícita da parte (acção ou omissão); b) boa-fé da outra parte, que justificadamente confiou nessa conduta; c) comportamento contraditório injustificado; d) existência de dano ou potencial dano a partir da contradição. abuso de direito do Banco exequente. (...) Esta outra variante do abuso de direito [na modalidade da supressio] funda-se na tutela da confiança e na boa-fé. [Segundo António Menezes Cordeiro, “Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa In Agendo, página 58, a supressio exige os seguintes requisitos: um não-exercício prolongado; uma situação de confiança, daí derivada; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança; a imputação da confiança ao não-exercente]. O que a distingue do venire contra factum proprium é a ausência de factum (conduta anterior), bastando o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. Assim, o comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um acto comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da supressio. É desnecessária a ocorrência de culpa por parte do titular, bastando a situação objetiva criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia. Mais do que sancionar a inércia do titular do direito, o objectivo da supressio é o de proteger a legítima confiança do terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava. O tempo necessário para que a supressio opere dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança [Baptista Machado, RLJ, Ano 118º, página 228], variando naturalmente de caso para caso. É possível, no entanto, estabelecer algumas referências temporais. Assim, deverá ser inferior ao prazo da prescrição [Referimo-nos, obviamente, ao prazo de prescrição ordinária, que a lei fixa em 20 anos (artigo 309º do CC)] porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado. Conforme tem sido sublinhado pela doutrina, a supressio (tal como outras modalidades do abuso de direito) é um remédio subsidiário para uma situação extraordinária e daí que sejam necessárias todas as cautelas na sua aplicação pelos tribunais.” Estas considerações estão em consonância com a exposição teórica doutrinária explanada pela recorrente, que não merece qualquer reparo. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão deste tribunal da Relação do Porto de 10 de Janeiro de 2023, processo 895/20.1T8AMT.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt, acrescentando: “Na variante da suppressio, destinada igualmente a proteger a confiança de um beneficiário, Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, 3ª edição, pág. 360] aponta os seguintes traços distintivos: - um não exercício prolongado; - uma situação de confiança; - uma justificação para essa confiança; - um investimento de confiança; - a imputação da confiança ao não exercente. Acrescentando, com interesse, que o não exercício prolongado, para ser relevante, deverá reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não será mais exercida. E na ponderação de interesses contrapostos vai-se dar a preferência ao beneficiário: - porque, mercê do investimento de confiança, os danos que ele iria suportar são substancialmente superiores às vantagens a auferir pelo não-exercente, com a sua actuação; - e porque, mercê do nexo de imputação da confiança, o não-exercente se coloca numa situação que permite julgar social e eticamente ajustado o seu sacrifício.” Acrescenta-se, porém, com a citado acórdão do STJ, que “A aplicação do abuso do direito só é justificável perante situações extraordinárias, razão pela qual o julgador deverá fazer um juízo cauteloso e rigoroso, ponderando e avaliando todas as circunstâncias do caso concreto.” A questão está em saber se essa doutrina tem aplicação ao caso concreto, determinando a conclusão de que é abusiva a condenação da recorrente no pagamento de juros sobre as diuturnidades em dívida, considerando o longo lapsos de tempo decorrido desde o vencimento da primeira das diuturnidades em a que recorrente foi condenada. Sobre a questão pronunciou-se esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 24 de Janeiro de 2018, processo 568/17.2T8AVR.P1, acessível em www.dgsi.pt, subscrito pelo aqui relator e primeiro adjunto como adjuntos, nos seguintes termos: “Esta Relação, em processos em que é demandada a ora Recorrente, também já se tem pronunciado, de forma reiterada, sobre esta questão, no sentido da inexistência do invocado abuso de direito, pelo que são aqui aplicáveis as considerações tecidas, entre outros, no Acórdão de 05.12.2016, proferido no Proc. 899/13.0TTVFR.P1, que se passam a transcrever: «O abuso de direito pressupõe a existência do direito; só que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo por ser abusivo. Como dispõe o art. 334º do Cód. Civil “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”. Tal instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria manifestamente intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé, o que, como é entendido, ocorrerá quando a conduta anterior do seu titular que, objetivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa-fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido, traduzindo-se ele, assim, no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente [Cfr. Acórdão da RP 25.12.05, in www.dgsi (P0535984)] (venire contra factum proprium) ou quando uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa-fé, o que consubstancia uma forma de tutela do beneficiário, confiante na inação do agente e que supõe, de acordo com as circunstâncias do caso, um não exercício, prolongado no tempo, do direito justificadamente geradora de uma situação de confiança de que o mesmo não seria exercido (suppressio) – cfr. António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, Almedina, pág. 56. Não se nos afigura, todavia, que tal ocorra no caso em apreço, ainda que o A. não haja, durante prolongado período de tempo, reagido ou reclamado contra a não integração da média das prestações complementares na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal. O contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais, especificidade esta que, aliás e aliada ao interesse da pacificação laboral no decurso da relação, estão bem presentes na razão de ser do regime especial de prescrição dos direitos de natureza laboral, em que a sua contagem tem início, apenas, após a cessação do contrato de trabalho. As razões que justificam o regime especial da prescrição laboral e que, aliás como acima referido, são também aplicáveis aos juros de mora, determinam igualmente que a mera inércia do trabalhador quanto à reclamação de direitos de que seja titular ou de que se considere titular não pode, sem mais, ser equacionada como fundamento do abuso de direito, em qualquer uma das mencionadas modalidades (veniere contra factum proprium ou supressio), nem a mera tolerância do trabalhador perante determinados comportamentos do empregador significa a aceitação dos mesmos. Diga-se que, no caso, nada foi alegado no sentido de que o A. haja aceite a não integração, na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, da média das prestações complementares, tendo apenas sido alegado que nada foi, por ele e pelos demais trabalhadores, reclamado ao longo do tempo em que tal se verificou, sem esquecer que, na pendência do contrato de trabalho, a renúncia a crédito remuneratório não seria admissível dada a indisponibilidade do mesmo. Por outro lado, mantendo-se ao longo do tempo o comportamento infrator por parte do empregador, não é também legítima, nem tutelável, a expectativa do empregador de que o trabalhador a ele não reaja e/ou não venha a reagir. Acrescente-se, a terminar, que neste sentido se pronunciou, designadamente, o Acórdão desta Relação de 15.02.2016, Processo 658/14.3TTVNG.P1, in www.dgsi.pt, no qual se referiu o seguinte: “Revertendo ao caso, não vislumbramos qualquer elemento factual que permita concluir que o autor agiu em abuso de direito, nomeadamente na modalidade afirmada pela recorrente: “supressio”. Nada evidencia que o autores tenham entrado em contradição com a sua conduta anterior. Não reclamaram os alegados créditos que agora reclamam, mas nada demonstra que tenham dado o seu assentimento ao modo como a R. procedeu ao seu cálculo. Podiam, até, ignorar os alegados direitos que agora pretendem exercer através da acção. De resto, ainda que isso se verificasse – e não se verificou –, só existiria abuso de direito quando o venire atingisse proporções juridicamente intoleráveis, traduzindo-se em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo titular do direito, o que, no caso, em apreço não aconteceu. Por outro lado, convém ter presente, enquanto a relação laboral perdurar, os alegados direitos aos créditos reclamados inscrevem-se no domínio dos direitos indisponíveis. (...) Em suma, os autores apenas vieram exercer um direito que entendem assistir-lhes, não podendo concluir-se que hajam excedido os limites impostos pela boa fé, ou pelo seu fim social ou económico, em termos clamorosamente ofensivos do sentimento jurídico social dominante. A inércia no exercício desse direito não é suficiente para a Recorrente invocar que criou a convicção de que no futuro ele não iria exigir o pagamento dessas prestações e, concomitantemente, dos respectivos juros de mora.” Deste modo, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.»” Este é entendimento pacífico desta Secção Social, conforme, a título meramente exemplificativo, os acórdãos de 13 de abril de 2015, processo 1457/13.5TTVNG-A.P1, acessível em www.direitoemdia.pt, de 18 de Janeiro de 2016, processo 224/14.3TTPRT.P1, de 15 de Fevereiro de 2017, processo 658/14.3TTVNG.P1, e de 19 de Abril de 2021, processo 2838/19.6T8MTS-A.P1, estes acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, ainda a título meramente exemplificativo, veja-se os acórdãos do STJ de 17 de Novembro de 2004, processo 04S2603, e de 11 de Dezembro de 2013, processo 629/10.9TTBRG.P2.S1, e do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Junho de 2017, processo 1907/16.9T8PTM.E1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Junho de 2016, processo 47/14.9TTBCL.G1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Outubro de 2014, processo 1115/13.0TTLSB.L1-4, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Novembro de 2017, processo 231/16.1T8LMG.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. O argumento da recorrente de desconhecer a obrigação do pagamento das diuturnidades não colhe, uma vez que tinha a obrigação se a conhecer, não se tendo provado, por outro lado, que o trabalhador recorrido sempre tivesse conhecido de tal direito e não tendo pedido o mesmo por mera inércia, ou por aceitar a conduta da recorrente. Acresce que não se provou qualquer dano específico para a recorrente do não exercício do direito pelo recorrido, antes dele aproveitando durante todos estes anos. No sentido propugnado pela recorrente pronuncia-se Inês Catarina Azevedo da Costa Santos, em A Retribuição e as Prestações Complementares – Análise das repercussões na retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, Tese de Mestrado, Universidade do Minho – Escola de Direito, 2014, acessível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/44580/1/In%C3%AAs%20Catarina%20Azevedo%20da%20Costa%20Santos.pdf, págs. 130-131, referindo: “parece-nos legítimo invocar a figura da suppressio nas causas que tenham como litígio o conceito de retribuição, se as prestações complementares são consideradas para o referido conceito e em caso afirmativo, quais a que nele devam ser integradas para efeitos de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, e que apenas venham a ser exigidas após uma duração prolongada de tempo, durante o qual o trabalhador (máxime o trabalhador sindicalizado) nunca tenha tido um comportamento discordante de tal prática, provocando no empregador a legítima expectativa de que não se encontra sequer em incumprimento.” Mantemos, contudo, o entendimento jurisprudencial que pacificamente se vem seguindo. Conforme se refere no aludido acórdão desta Secção Social de 15 de Fevereiro de 2017, relatado pelo aqui primeiro adjunto, “só existiria abuso de direito quando o venire atingisse proporções juridicamente intoleráveis, traduzindo-se em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo titular do direito, o que, no caso, em apreço não aconteceu.” Assim, improcede o recurso. IV. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do recurso pela recorrente. Porto, 12 de Julho de 2023 Rui Penha Jerónimo Freitas Nelson Fernandes |