Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
66/14.6PDMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: PENA SUSPENSA
PRORROGAÇÃO
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RP2017030866/14.6PDMAI.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE COM 1* DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 710, FLS. 296-302)
Área Temática: .
Sumário: A pena suspensa só é declarada extinta depois de findo o período da suspensão, quando o processo pela prática de novo crime que possa levar à sua revogação ou o incidente por falta de cumprimento dos deveres de suspensão findarem e não houver lugar à revogação da pena suspensa ou à prorrogação do período da suspensão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 66/14.6 PDMAI.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo supra identificado, inconformado com o despacho proferido em 29/09/2016 em que, contrariando promoção nesse sentido, decidiu-se não prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado B… e, simultaneamente, decidiu-se declarar tal pena extinta, dele veio recorrer o Ministério Público nos termos que constam de fls. 168 a 175, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

I. O regime da suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto essencial a abstenção do arguido da prática de ilícitos típicos;

II. Não se abstendo de tal prática, e face à inaplicabilidade do instituto da revogação (alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal), não pode o comportamento do arguido passar incólume, mediante o arquivamento do processo, sem mais;

III. Cometendo o arguido novo ilícito típico doloso – condução sem habilitação legal – de igual natureza à condenação sofrida nestes autos, o qual reclama especiais exigências de prevenção geral – durante o período da suspensão da pena de prisão em que tinha sido condenado, in casu, na pena de 5 (cinco) meses de prisão suspensa por 1 (um) ano e estando ciente da aplicação dessa pena, a qual constituiu um juízo de prognose favorável no futuro comportamento do arguido através da abstenção da prática de ilícitos típicos, revela tal comportamento desconformidade com os valores ético sociais, sendo adequada a prorrogação do período da suspensão da execução da pena de prisão, sob pena de tal comportamento censurável não acarretar qualquer consequência jurídica;

IV. Pelo que, salvo sempre o devido respeito, na douta decisão recorrida se violou o disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal.

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 177).

O arguido/condenado veio responder nos termos que constam de fls. 179 e 180, aqui tidos como reproduzidos, para informar que concordava na íntegra com a decisão recorrida.

Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 187 a 193, aqui tido como renovado, através do qual preconizou que o recurso deveria obter provimento.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, o despacho recorrido é do teor seguinte (transcrição):

Nestes autos, foi B… condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3°, n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98 de 03.01.
Os factos pelos quais foi nestes autos condenado reportam-se a 9 de março de 2014 e a sentença transitou em julgado em 10-04-2014.
O arguido veio a ser condenado, no processo n.° 97/14.6PGGDM do ora extinto 1° Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar na pena de 10 meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, por factos praticados a 10 de Junho de 2014 (ou seja, posteriores ao trânsito em julgado da sentença nestes autos proferida) e por sentença transitada em julgado em 23-09-2014.
Em vista, o Ministério Público promove seja prorrogado o período de suspensão de execução da pena de prisão, com comparência junto da DGRSP, sempre que para tal seja convocado, frequentando nomeadamente ações gratuitas de prevenção rodoviária, caso sejam realizadas e para as mesmas seja convocado, nos termos e com os argumentos aduzidos na, aliás, douta promoção que antecede.
O condenado foi ouvido e notificado do teor da douta promoção que antecede, nada disse.
***
Cumpre, agora, decidir, da eventual revogação e/ou prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a este condenado.
A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, como resulta do disposto no art. 58°, n.° 1, al. b) do Código Penal, não é automática, ou seja, mesmo verificada a prática, dentro desse período, de outro crime pelo qual o arguido venha a ser condenado, tal revogação só poderá operar se o Tribunal concluir que por via de tal condenação as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas por meio dela.
Não obstante tal juízo a fazer no caso concreto, precede-nos uma outra questão: a de saber se, estando esgotado, como está no caso, o período de suspensão de execução da pena de prisão desde 10 de abril de 2015, é possível equacionar, agora, a prorrogação desse período de suspensão já terminado.
Desde já adiantamos que não.
Senão veja-se.
O artigo 55°, al. d) do Código Penal prevê a possibilidade de prorrogação do período de suspensão da execução da pena até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano, nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.° 5 do artigo 50°.
Convocando o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-04-2012, disponível em www.dgsi.pt, diremos que “a lei não prevê nenhuma espécie de suspensão na contagem do prazo. Verdadeiramente, a proceder este entendimento, o arguido estaria sob a ameaça duma pena suspensa até setembro de 2012, quando de lei expressa resulta que o termo do período de suspensão, mesmo em caso de prorrogação, não podia ir além de 4 de maio de 2011”.
Ora, tal é precisamente o que sucede no caso ora em apreciação.
O termo do período de suspensão, nos autos em apreço, mesmo com eventual prorrogação, terminaria em 10 de abril de 2016, prazo esse já ultrapassado, pelo que se ultrapassariam os limites temporais máximos legalmente fixados, ignorando o tempo decorrido entre o a data do termo da suspensão e a decisão de o prorrogar.
Ante o exposto, decido não prorrogar o período de suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao aqui condenado B….
***
Partindo, agora, da decisão ante proferida, cabe agora conhecer da eventual extinção da pena.
O aqui condenado foi-o por crime de idêntica natureza, por factos praticados após o trânsito em julgado da sentença nestes autos proferida.
Pese embora se sufrague, aqui, o douto argumento aduzido atinente à censurabilidade da conduta do condenado, pelo decalcamento do ilícito penal em que veio a ser posteriormente condenado e bem assim a proximidade temporal entre a data do trânsito em julgado da sentença aqui proferida e dos factos pelos quais veio a ser condenado, o certo é que do relatório junto a fls. 110 a 112 dos autos, também em termos substantivos a prorrogação improcederia, pois que teria como subjacente um comportamento culposo, no sentido de ter frustrado, por completo, a suspensão determinada.
Ora, do aludido relatório resulta que o condenado apresenta, agora, maiores competências suportadas numa dinâmica familiar adequada, expressa e exterioriza uma maior consciência das consequências da sua conduta, decidiu vender o veículo automóvel de que era proprietário e candidatar-se à frequência de aulas de condução para obtenção do respetivo título.
Como tal, declaro extinta a pena aplicada nestes autos ao condenado B….
*
b) apreciação do mérito:

Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente[2], devendo sublinhar-se, contudo, nesta sede, que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar.
*
Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das conclusões trazidas à discussão pelo Ministério Público aqui recorrente, importa saber se no caso vertente era ainda possível e imperioso optar-se pela prorrogação do período de suspensão inicialmente fixado, sob pena de um comportamento censurável decorrente da prática do mesmo tipo de crime durante o período de suspensão não acarretar qualquer consequência jurídica.

Vejamos, pois.

Após resenha do histórico do processado e a coberto de adequado enquadramento legal, interpretativo e jurisprudencial, o Ministério Público, aqui recorrente, alega depois, e em síntese, que é facto assente que o arguido cometeu um crime durante o período da suspensão de execução da pena, o que reflete uma manifesta indiferença do mesmo para com a condenação sofrida nestes autos, sendo certo que, ao voltar a delinquir, colocou em causa a relação de confiança que o tribunal tinha depositado na sua pessoa quando decidiu suspender a pena de prisão e, por este facto, a última condenação por si sofrida não pode ser desconsiderada.
Ora, adianta, e tal como se considerou na decisão recorrida, concedendo-se que do cometimento desse novo crime doloso não resulta de forma definitiva que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas para efeitos de revogação da suspensão, impunha-se, contudo, que o tribunal recorrido tivesse extraído consequências da condenação sofrida pelo arguido durante o período da suspensão e, em consequência, prorrogasse o período da suspensão da execução da pena de prisão aqui decretada, pois que não poderia manter o mesmo juízo de prognose favorável que antes tinha sido efetuado, declarando, como o fez, extinta a pena aplicada nestes autos, desconsiderando que o mesmo fez tábua rasa da condenação sofrida durante o período da suspensão.
Sustenta, pois, que, ao declarar a pena extinta, a decisão recorrida violou e fez uma incorreta interpretação do disposto no artigo 55º do Código Penal, pelo que preconiza que a mesma que seja revogada e substituída por outra que prorrogue por mais um ano o período de suspensão determinado ao arguido, solução que se lhe afigura como essencial para assegurar as finalidades da punição.

O arguido/condenado respondeu para informar que concordava na íntegra com a decisão recorrida.

Por seu turno, o Ex.mo PGA, após exposição do “iter” processual aqui verificado, veio sublinhar que, como se assinala no recurso, mesmo no caso da suspensão simples, a principal condição a que fica sujeita a suspensão é a da abstenção da prática de crimes, sendo certo que, como diz o Professor F. Dias (in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, página 355), “o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe”, concluindo depois que, se o cometimento de crime pode dar origem à revogação da suspensão, por maioria de razão pode ser fator do prolongamento do período da suspensão.
Passando depois aos concretos fundamentos do despacho recorrido, discorda deste por ali se considerar que a prorrogação do prazo da suspensão é o seu prolongamento, iniciando-se a sua contagem no termo do período inicial da suspensão, e não, como entende, com a decisão que a determina, pois que, a adotar-se tal solução, na maioria dos casos ficariam comprometidas as finalidades que presidem à aplicação da pena de prisão suspensa, além de que um tal entendimento teria ainda evidentes efeitos perniciosos no caso de o arguido cometer um novo crime já após o despacho “de prolongamento” da suspensão, mas antes da sua comunicação ou do seu trânsito em julgado, conforme explicita.
Sustenta, pois, que a prorrogação do prazo da suspensão da pena só pode ter lugar a partir da decisão que a determina, devendo atentar-se ainda na disciplina contida no artigo 57°, n° 2, do Código Penal, daí decorrendo que, mormente havendo motivos justificados que levem a que se prolongue em demasiado a apreciação desse incidente, tal não pode inviabilizar a prorrogação do prazo da suspensão, desde que a extensão da suspensão da pena só tenha efeitos a partir do momento em que é proferida a correspondente decisão, tal como se refere na obra citada do Professor Figueiredo Dias (página 347) e decorre de jurisprudência que cita.
Propõe, por isso, o provimento o recurso.

Não houve resposta ao parecer.

Apreciando.

Cremos que o assunto trazido a esta discussão e que, como se viu, encerra uma dupla questão, não é nada linear.
Na verdade, decorre do estipulado no artigo 57º, nº 2, do Código Penal que “Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão”.
Daqui resulta para nós, linearmente, pois que o texto legal é inequívoco nesse aspeto[3], que é no final do período de suspensão[4], que deverá tomar-se posição caso exista notícia de processo (ainda) pendente por crime que possa levar à revogação da suspensão ou da existência de incidente decorrente do incumprimento de deveres, regras de conduta ou de plano de reinserção que possam vir a comprometer a eventual e normal extinção da pena pelo decurso do prazo de suspensão, o que bem se compreende, pois que deve ser avaliado tudo aquilo que, no decurso de um tal período, possa ser aqui interferente.
O despacho recorrido não compromete um tal raciocínio, mas segue jurisprudência que sufraga o entendimento de que se tiver decorrido o prazo máximo de suspensão que seria possível numa determinada situação em concreto, mercê da tardia apreciação da questão, então já não será possível enveredar por uma eventual revogação ou prorrogação do período da suspensão, uma vez que a lei não prevê nenhuma espécie de suspensão na contagem do prazo.
No fundo, é apenas isto.
Permitimo-nos discordar.
De facto, a lei não prevê uma qualquer suspensão do prazo, mas, simultaneamente, também não estipula, ao menos por via expressa, um qualquer prazo para que seja proferido o despacho que vier a determinar a revogação da suspensão ou a sua prorrogação, mormente, no caso desta última, por remissão para os prazos máximos que esta admite em cada caso.
Impõe-se, pois, voltar ao texto legal, para relembrar que ali se prevê que a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão, o que, logicamente, pressupõe o tempo necessário para o efeito.
Acresce que as eventuais decisões condenatórias aqui interferentes poderão ser alvo de recurso, com efeito consabidamente suspensivo, ao menos no caso da revogação da suspensão (cfr. artigos 408º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal), o que, naturalmente, implica uma maior delonga.
Por outro lado, sendo para nós indubitável, reitere-se, que é no fim, melhor, até ao fim do período de suspensão que é imperioso proceder a uma tal análise, isso significa, naturalmente, que pode existir alguma demora, maior ou menor, na recolha do material probatório necessário, v.g, obter um crc atualizado, uma certidão de eventuais condenações aqui interferentes, mandar elaborar um relatório social para indagar da atual situação do condenado e o contexto em que ocorreram as eventuais situações adversas capazes de poder comprometer a decretada suspensão e proceder à audição do condenado, aspeto que o legislador, experiente e avisado quanto à totalidade do sistema, não terá descurado (cfr. de novo o artigo 9º do Código Civil).
Daqui decorre, ao que cremos, que, sendo inultrapassável a natural ocorrência de alguma demora neste tipo de avaliação, o legislador, disso perfeitamente ciente, diz-nos o próprio texto legal, caso assim o entendesse, não tivesse fixado um prazo máximo para o culminar deste tipo de avaliação, ou seja, para a prolação das correspondentes decisões, seja de revogação da suspensão, seja de prorrogação do respetivo período, bem como das outras legalmente previstas, obviamente, aqui apenas omitidas por estarem arredadas desta discussão.
De resto, e ainda que no seio de uma versão legal anterior e ligeiramente diversa, mas, no essencial, aqui perfeitamente atual, era disso que nos dava conta o Prof. Figueiredo Dias[5] quando nos recordava “…o inconveniente de a revogação ou a prorrogação do prazo da suspensão poderem vir a ter lugar num momento posterior ao fim do período da suspensão…” mas que se tratava “…de um inconveniente inevitável e que tem de ser suportado; a menos que existisse uma norma segundo a qual a revogação ou a prorrogação estivessem legalmente adstritas a um prazo que não pudesse ultrapassar o da suspensão. Mas a inevitável morosidade da justiça conduziria, as mais das vezes, a que ficasse sem efeito sobre a suspensão a prática de um novo crime, gravíssimo que fosse, ou a violação mais grosseira e culposa das condições de suspensão; o que provavelmente acabaria por refletir-se, de forma negativa, nas intenções político-criminais que presidem à suspensão, diminuindo de modo sensível o seu âmbito de aplicação”.
Assim sendo, temos para nós que seria incompatível fixar um qualquer prazo limite que condicionasse a possibilidade de revogação da suspensão da pena ou de prorrogação do prazo inicialmente fixado, razão que, quanto a nós, justifica o silêncio do legislador nesse particular.
Neste contexto, e voltando ao caso vertente, se é certo que prorrogar significa “prolongar o tempo além do estabelecido ou dilatar”[6], a sua interpretação terá de contemporizar com aquelas ontológicas dificuldades de se proceder a uma imediata dilatação temporal.
Claro está que é naturalmente desejável que um despacho da natureza do que ora nos ocupa, atentos os seus possíveis efeitos sancionadores e inerentes interesses a acautelar, seja proferido no menor espaço de tempo possível, o que vale por dizer, agora nas palavras de Figueiredo Dias[7], embora não esteja estipulado um qualquer prazo, leia-se, “dead line”, “… por razões evidentes de estadualidade de direito (nomeadamente de segurança, de paz jurídica e de tutela da confiança), o tribunal deve decidir sobre estas tão rapidamente quanto possível”, sob pena de, “…se a decisão for inadmissivelmente tardia, isso poder constituir motivo suficiente para que a revogação ou a prorrogação não sejam decretadas”.
Significa tudo isto que entendemos que, findo o respetivo prazo inicialmente fixado, é possível em qualquer altura, recomendando-se a maior celeridade possível, como se impõe, tomar posição sobre uma eventual revogação da suspensão da pena ou de uma eventual prorrogação do período da suspensão, pois que o único limite legal é o que decorre da prolação do despacho que ponha fim ao processo, ou seja, que declare extinta a pena, com trânsito em julgado interferente[8].
Porém, é imperioso saber se uma demora “anormalmente” excessiva não poderá comprometer de forma irreversível as próprias finalidades aqui em apreço, o que, tal como sustentava Figueiredo Dias, poderia implicar a não decretação da revogação ou da prorrogação.

Em suma.

Decorre do já antes exposto que não nos revemos nas decisões que, tal como a que foi seguida no despacho recorrido, que sustentam que desde que tenha decorrido o prazo de suspensão e não existir uma decisão de prorrogação até ao período máximo que esta admitiria, pois que, na prática, já que entendemos que não existe aqui um prazo limite nos termos e pelas razões já antes explanadas.
Sem prejuízo de tal, concorda-se que, nos casos em que tendo decorrido tempo demasiadamente excessivo para além do período de suspensão inicialmente fixado e a situação do condenado não justifique, à data da (tardia) decisão, ambas essas premissas deverão ser devidamente ponderadas e deverão remeter-nos para uma tendencial extinção da pena, precisamente por força de uma (superveniente) desnecessidade de “sancionamento” decorrente da sua não atualidade. O que vale por dizer que “…a demora que ocorrer não pode ser tal que leve a que a decisão venha a ser proferida em momento tão distante que se perca o seu sentido útil e se afetem os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, inerentes ao princípio do Estado de direito democrático afirmado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa”[9].

Adiante.

Aqui chegados, e para indagar da morosidade aqui presente e do eventual grau de comprometimento que daí possa decorrer, pelas razões sobreditas, impõe-se revisitar o histórico do sucedido no caso vertente.
Ora, o arguido foi condenado nestes autos por sentença proferida a 11/03/2014, transitada em julgado no dia 10/04/2014, na pena de cinco meses de prisão, com execução suspensa pelo período de um ano.
Logo em 16/07/2014 foi junta aos autos certidão que dava conta de que o mesmo sofrera já uma outra condenação posterior, pelo mesmo tipo de crime, praticado em 10/06/2014, por decisão datada de 08/07/2014 e que se comprovou depois, através do CRC, que veio a transitar em julgado no dia 23/09/2014.
Mostrando-se decorrido o período de suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos, após ter sido já requisitado e junto o mencionado CRC do condenado, e precisamente por força da constatação da existência da sobredita condenação posterior, o Ministério Público promoveu, em 29/06/2015, que o arguido ou condenado fosse ouvido no âmbito da ponderação de uma eventual revogação da suspensão da execução da pena aplicada, audição inicialmente agendada para 09/09/2015, mas que, porque o mesmo se ausentou da morada que constava do TIR, sem disso dar conhecimento aos autos, foi algo difícil de levar a cabo, tendo a sua audição ocorrido apenas em 01/10/2015.
Entretanto, e também de acordo com promoção nesse sentido, havia sido determinada a elaboração do relatório social que consta de fls. 110 a 112.
Finalmente, coligida a necessária documentação referente a um outro processo que culminou com a sua suspensão provisória, em face do cometimento do supra aludido crime da mesma natureza no período da suspensão, e considerando a informação favorável que consta do mencionado relatório social, donde se infere que o condenado apresenta uma maior consciencialização das consequências de um comportamento criminal reincidente, o Ministério Público promoveu, em 11/07/2016, a prorrogação do período de suspensão pelo período de um ano, a qual veio a gerar o despacho ora recorrido, consabidamente datado de 29/09/2016.
De tudo isto decorre que existiu alguma demora na elaboração do relatório social (quase quatro meses?!?) e alguns atrasos na movimentação do processo, ao que acresceu alguma dificuldade em notificar o arguido para que o mesmo fosse ouvido pessoalmente (neste caso, sibi imputet; apesar disso, na prática, o atraso na sua audição não chegou a um mês, pelo que pouco relevo teve), o que, tudo somado, gerou um atraso considerável, pois que a decisão ora sob censura acabou por ser proferida apenas um ano, cinco meses e dezanove dias após o termo da suspensão inicialmente fixada.
Paralelamente, temos um relatório social que nos dá conta de um trajeto positivo entretanto encetado pelo condenado, o qual, de resto, foi acolhido no seio do despacho recorrido para alicerçar a decretada extinção da pena, pois que ali se considerou, em consonância com o teor do sobredito relatório, “…que o condenado apresenta, agora, maiores competências suportadas numa dinâmica familiar adequada, expressa e exterioriza uma maior consciência das consequências da sua conduta, decidiu vender o veículo automóvel de que era proprietário e candidatar-se à frequência de aulas de condução para obtenção do respetivo título”.
Flui de todo o exposto que a prolação do despacho recorrido demorou tempo demasiado e, pior, sem justificação plausível.
A par, temos a sobredita situação favorável do condenado que merecera já a avaliação positiva do Ministério Público no sentido de afastar a proposta de revogação da pena em face do novo crime cometido no período da suspensão e de enveredar apenas pela prorrogação do período de suspensão.
Ora, cremos que será discutível saber se nestes casos, em que a suspensão não está expressa ou formalmente condicionada a um qualquer dever ou regra de conduta, é possível a aplicação de qualquer uma das medidas contidas no artigo 55º do Código Penal.
Propendemos para a tese de que o dever de não cometer crimes durante o período da suspensão está subjacente à suspensão “simples”[10], caso contrário nem faria sentido algum estender a discussão até este ponto, sendo esta a tese de que parte a argumentação recursiva.
Além de que, e parafraseando o mencionado Mestre[11], se “…o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão supõe”, de tal modo que pode alicerçar a própria revogação da suspensão, e, em tempos idos, coevos da obra supra citada, o simples cometimento de um crime nessas circunstâncias gerava até automaticamente a revogação da suspensão, não fazia sentido algum que não pudesse estribar a aplicação de medidas menos gravosas, as contidas no aludido normativo, incluindo a possibilidade de prorrogação do período de suspensão inicialmente fixado e que, no caso, seria de um ano. De facto, e tal como se sustentava no aludido parecer, tal seria um contrassenso.
Aqui chegados, atento o tempo decorrido, excessivo para o caso, no seu cotejo com a situação francamente favorável do condenado[12], não faz sentido algum aplicar agora uma qualquer “sanção” adicional, mormente a almejada prorrogação do período da suspensão, pois que tal contrariaria as próprias finalidades aqui em presença e colidiria com o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso a que alude o artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, verdadeiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias[13].
Termos em que, e ainda que por fundamento diverso, resta-nos confirmar o decidido no tocante à decretada extinção da pena, com o inerente naufrágio do recurso.
Sem tributação, atenta a legal isenção do Ministério Público, ora recorrente (cfr. artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Penal)
*
III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, na sequência do que decidem confirmar a decretada extinção da pena aplicada ao condenado B….

Sem tributação (cfr. artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Penal).

Notifique.
*
Porto, 08/03/2017[14].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio [Voto a decisão, com o esclarecimento de que, à semelhança do tribunal “a quo”, é meu entendimento que, na hipótese em causa, por força das disposições conjugadas dos arts. 56º, n.º 1, al. b) e 57º, do Cód. Penal, só podia haver extinção da pena ou revogação da suspensão a ditar o cumprimento da pena de prisão]
___________
[1] Vide o Acórdão do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, aqui citado a título meramente exemplificativo, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] E aqui convém recordar que, em matéria de interpretação das leis, decorre do preceituado no artigo 9º do Código Civil que não pode sustentar-se interpretação que não tenha o mínimo de cabimento no texto legal, o que cremos suceder com a que estriba o despacho recorrido.
[4] Leia-se, até ao final do período de suspensão, pois que, logicamente, se antes disso os autos já disponibilizarem elementos suficientes e definitivos que comprometam de forma irreversível o decurso da própria suspensão, deverá antecipar-se essa avaliação.
[5] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 358.
[6] Vide Dicionário da Língua Portuguesa, 5ª Edição, Porto Editora, pág. 1.158.
[7] Vide Ob. Cit., pág. 358. Vide também o acórdão proferido neste tribunal em23/11/2016, relatado por Ana Bacelar, in http://www.dgsi.pt, no âmbito do qual, e na esteira da referida doutrina do Prof. Figueiredo Dias, se decidiu que “não pode deixar de se considerar um exagero o período de dois anos e meio para apreciar a necessidade de prorrogação ou de revogação da suspensão da execução imposta nos presentes autos” e que, por conseguinte, decidiu-se que “esgotado que está o período de suspensão da execução da pena de prisão imposta, face ao tempo entretanto decorrido e ao disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, entendemos impor-se a extinção da pena”.
[8] Neste sentido, vide o acórdão proferido pelo aqui relator no processo nº 54/05.3 PTVNG.P1, datado de 27/01/2010, a consultar in http://www.dgsi.pt, no âmbito do qual, e precisamente estribado na obra citada do Prof. Figueiredo Dias, era igualmente sustentada a inexistência de um prazo (formal) limite para apreciar as questões que ora nos ocupam.
[9] Tal como é afirmado no acórdão proferido neste tribunal em 11/01/2017, relatado por Manuel Soares, a consultar in http://www.dgsi.pt, embora se discorde do mesmo quando ali se sustenta a tese de que o início da prorrogação reportar-se-á ao momento em que expirou o prazo inicial. Sublinhe-se que considerou-se ali que “Revogar a suspensão de uma pena de prisão quase 3 anos depois do momento em que terminou esse período parece-nos objetivamente excessivo”.
[10] Assim se aderindo à doutrina do Prof. Figueiredo Dias, in Ob. Cit., pág. 355.
[11] In Ob. Cit., pág. 355.
[12] Recorde-se, além do demais favorável, que a simples decisão de vender o veículo, mormente associada à de frequentar aulas para obter licença de condução, dá nota de uma claríssima intenção de não voltar a delinquir, já que neste tipo de crimes o facto de se possuir um veículo constitui uma “tentação” permanente, diz-nos a lógica e a experiência.
[13] Nestes sentido, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada, 2º edição, 1º vol., pág 170, Coimbra Editora 1984, autores que ali sustentam também que este princípio encerra três sub-princípios, a saber, o da adequação (ou da idoneidade), o da exigibilidade (ou da necessidade ou indispensabilidade) e o da proporcionalidade em sentido restrito.
[14] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico, convertido pelo Lince, composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).