Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4545/22.3T8GDM-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Nº do Documento: RP202402194545/22.3T8GDM-A.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A circunstância de o juiz remeter aos interessados para os meios comuns, sem que antes os tenha advertido de que iria proceder desse modo, não consubstancia violação do princípio do contraditório.
II - A tramitação dos incidentes do processo de inventário segue as regras dos incidentes da instância, comportando garantias probatórias inferiores às das ações declarativas comuns.
III - A alegação e a prova de factos constitutivos da aquisição originária de imóvel pelos inventariados e da realização de benfeitorias que integrem passivo da herança são presumivelmente mais difíceis e falíveis no âmbito de incidente em processo de inventário do que em ação comum destinada a esse fim.
IV - Nessas circunstâncias, entende-se justificado o envio das partes para os meios comuns.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 4545/22.3T8GDM - A.P1


Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório
Nos presentes autos de inventário para partilha de herança em que são inventariados AA e BB, as interessadas CC e DD apresentaram reclamação à relação de bens. Alegam que o bem imóvel relacionado não foi propriedade dos inventariados e serem titulares de um direito de crédito sobre a herança com origem em benfeitorias.
Requereram a alteração da relação de bens, no sentido da eliminação da única verba relacionada, sendo relacionado o direito ao arrendamento sobre o imóvel e a duas sepulturas a serem identificadas pelo cabeça de casal e aditando-se direito de crédito consistente nas benfeitorias e como passivo o montante de € 40 000,00.
O cabeça de casal EE respondeu, negando a existência do arrendamento, sustentando que o imóvel integra a herança, como emerge da caderneta predial e que, ainda que assim não se entendesse, os inventariados teriam adquirido o direito de propriedade sobre o mesmo por usucapião. Impugna as benfeitorias e a existência de passivo da herança. Admitiu a existência das sepulturas.
Foi proferido despacho em que, além do mais, se lê: considerando que compete ao cabeça-de-casal apresentar a relação de todos os bens devidamente acompanhada dos documentos comprovativos da situação jurídica dos mesmos e que, no caso, não está cabalmente demonstrada a propriedade do bem imóvel relacionado, sendo este o cerne da reclamação, esta, na parte respeitante à existência de um contrato de arrendamento ou de um direito de propriedade e ainda sobre a existência de benfeitorias realizadas pelos inventariados e pela interessada reclamante, incide sobre várias questões complexas cuja apreciação em sede de reclamação à relação de bens implica redução das garantias das partes por comparação com a ação de processo comum, pelo que, nessa sequência, devem os interessados ser remetidos para os meios comuns.
Por outro lado, o passivo, tendo sido impugnado, deveria ser decidido apenas quando a questão pudesse ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. (art. 1106.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.Civil). Ora, não foram apresentados documentos que comprovem a existência e montante desse passivo, que, aliás, está intimamente relacionado com as demais questões suscitadas, pelo que também essa parte da reclamação não pode ser decidida neste processo.
O despacho finalizou nos seguintes moldes.
Ante o exposto julgo parcialmente procedente a reclamação apresentada e, em consequência, determino que o cabeça de casal, em 10 dias, apresente nova relação de bens, relacionando o direito que incide sobre as sepulturas, instruindo-a com documento comprovativo e remeto as partes para os meios comuns quanto à reclamação apresentada respeitante à única verba relacionada, benfeitorias e passivo.
Deste despacho interpôs o interessado e cabeça de casal EE o presente recurso. Rematou com as conclusões que se seguem.
1. o douto despacho de fls.___ que remeteu as partes para as para os meios comuns quanto à reclamação apresentada respeitante à verba única relacionada, benfeitorias e passivo, não efetuou uma correta aplicação do direito aos factos.
2. O cabeça de casal, ora Recorrente, no seu requerimento datado de 15.02.2023 juntou aos autos certidão negativa da Conservatória do Registo Predial que atesta a não descrição do imóvel identificado nos autos, sendo que já havia junto a caderneta predial do imóvel, pelo que juntou aos autos os documentos oficiais identificativos do imóvel dos autos, inexistindo outros que possam legalmente atestar a propriedade.
3. O douto despacho ora em crise não permitiu sequer ao cabeça de casal qualquer resposta ou esclarecimento sobre a pretensa falta de documentos, pelo que o douto despacho em crise violou de forma patente o princípio da igualdade substancial das partes (artigo 4º do CPC) e, além disso, ao introduzir e usar tal argumentação enquanto fundamento da sua decisão de remeter as partes para os meios comuns, proferiu em simultâneo uma decisão e fundamento surpresa. (Artigo 3º, nº 3 do CPC).
4. Ainda que a caderneta predial só faça prova da propriedade do bem junto da administração tributária, não deixa de ser um princípio de prova o qual complementado com a certidão negativa da Conservatória do Registo Predial e a prova testemunhal era e é suficiente quanto à prova que o imóvel pertence à herança do inventariado.
5. A remessa para os meios comuns reveste-se de carácter excecional, já que a regra e o princípio que vigora é precisamente o de que é no inventário que devem ser decididas definitivamente todas as questões de facto de que a partilha dependa.
6. A decisão final fundou-se numa incorreta interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
7. Termos em que deve ser revogada o despacho recorrido na parte em que julgou parcialmente procedente a reclamação, com a remessa para os meios comuns, sendo substituída por outra que determine o prosseguimento da ação, com as legais consequências.
8. O despacho recorrido violou os artigos 1092.º, 1093.º, 1098.º do CPC e não está fundamentado, devendo ser revogado, nos termos acima mencionados.
Assim, salvo melhor e Douto entendimento de V. Exas, Senhores(as) Juízes Desembargadores, deve ser dado total provimento ao presente recurso de apelação, com a consequência de a Decisão em recurso ser revogada por outra que, decidindo em sentido contrário, mantenha a regra de ser discutida no processo de inventário e não nos meios comuns a questão da titularidade/propriedade do imóvel identificado como verba única do ativo.
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II - Questões a dirimir:
a - se a decisão proferida constituiu uma decisão surpresa;
b - se a decisão proferida violou o princípio da igualdade substancial das partes;
c - se a decisão proferida não se mostra fundamentada;
d - se a matéria controvertida cuja apreciação foi remetida para os bens comuns deve ser decidida em sede de processo de inventário.
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III - Fundamentação de facto
A matéria a levar em linha de conta é a constante do relatório.
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IV - Subsunção jurídica
a - Se a decisão proferida constituiu uma decisão surpresa
Dúvidas não há de que o princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do processo civil.
O 3.º do C.P.C. preceitua o seguinte:
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de uma e outras (Andrade, Manuel, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 379).
Lê-se no ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2000 (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000): a norma contida no artigo 3.º n.º 3 do CPC resulta, assim, de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões - suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso - que o tribunal vier a decidir.
O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo (Freitas, José Lebre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 1999, p. 8).
O princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (in ac. do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2017, proc. 28354/16.0YIPRT.P1, Fernando Samões, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa).
Vejamos, então, a aplicação do princípio no processo de inventário e na fase em causa.
As interessadas CC e DD apresentaram reclamação à relação de bens nos termos do disposto no art.º 1104.º/1/d do C.P.C..
O cabeça de casal, ora recorrente, foi notificado, conforme preceituado no art.º 1105.º/1, tendo-se pronunciado.
Nos termos do n.º 3 do aludido art.º 1105.º do C.P.C., a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º
Consigna o art.º 1093.º/1 que se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.
O juiz de 1.ª instância remeteu aos interessados para os meios comuns, sem que antes os tivesse advertido de que o iria fazer.
Este procedimento consubstanciará uma violação do princípio do contraditório?
Afigura-se-nos que a resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa.
Efetivamente, no âmbito de uma conceção ampla do princípio do contraditório, entende-se que existe o direito a uma fiscalização recíproca ao longo de todo o processo, por forma a garantir a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio (cf. Freitas, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui, Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, p. 8).
Afigura-se, porém, desajustado e até desenquadrado das exigências legais atinentes ao princípio do contraditório que o juiz tivesse que sobrestar na prolação de decisão, advertindo as partes do sentido em que pretendia vir a decidir. A única exigência legal neste sentido reside na notificação dos interessados dos termos da reclamação, conforme o citado art.º 1105.º/1 do C.P.C..
A virtualidade do contraditório visada pelo apelante é manifestamente excessiva e vai ao arrepio de norma processual estrita, como a contida no n.º 3 do art.º 1105.º, que prevê que o juiz decide depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, sem prejuízo do disposto nos arts. 1092.º e 1093.º do C.P.C.. O art.º 1093.º prevê precisamente a possibilidade de o juiz remeter os interessados para os meios comuns.
Atente-se em que o apelante não extraiu consequências jurídicas da sua invocação da violação do princípio do contraditório. Em todo o caso, sempre se dirá não se verificar nulidade da decisão por não estarmos perante uma decisão surpresa.
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b - Se a decisão proferida violou o princípio da igualdade substancial das partes
O apelante considera que o despacho recorrido não lhe permitiu resposta ou esclarecimento sobre a pretensa falta de documentos, pelo que violou de forma patente o princípio da igualdade substancial das partes.
Dispõe o art.º 4.º do C.P.C. que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
O recorrente foi notificado da reclamação das interessadas e pronunciou-se a esse propósito. Não se alcança, por isso, a medida em que haja sido alvo de tratamento desigual e o sentido da crítica dirigida ao despacho recorrido, crítica essa de que, em todo o caso, não são extraídas ilações.
Improcede também esta linha de argumentação do apelante.
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c - Se a decisão proferida não se mostra fundamentada
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/b do C.P.C. é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão. Está em causa um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade, que afeta a validade da sentença.
Trata-se de um vício emergente da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art.º 208.º/1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 154.º do C.P.C..
O art.º 154.º/1 do C.P.C. prevê que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
O nº 2 do mesmo artigo, por seu turno, consigna que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Esta disposição evidencia que o dever de fundamentação das decisões judiciais conhece diferentes graus, consoante a decisão a proferir e a respetiva complexidade.
O grau mais elevado de exigência legal de fundamentação das decisões judiciais é aplicável à elaboração de sentença em ação contestada (art.º 607.º/3/4 do C.P.C.).
Escreve Tomé Gomes (Da Sentença Cível, p. 39): “(…) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. /A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.”
No ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26-4-95 (Raul Mateus, CJ 1995 - II, p. 58) lê-se o seguinte: “(...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.”
Não basta que apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva. Afinal, neste caso, haverá sempre um juízo de valor subjetivo. O que para uns é bastante, para outros será insignificante ou escasso.
Só a absoluta falta de fundamentação - e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade - integra a previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento (cf. ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11).
Enquadrada que está a questão, entende-se não assistir razão ao recorrente.
A decisão recorrida refere expressamente as razões pelas quais remeteu a decisão da reclamação para os meios comuns.
Desatende-se, assim, a nulidade arguida.
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d - Se a matéria controvertida respeitante à relação de bens deve ser decidida em sede de processo de inventário, sendo injustificada a remessa do conhecimento da questão para os meios comuns.
O apelante peticiona que a decisão que remeteu para os meios comuns o conhecimento de matérias atinentes à reclamação à relação de bens seja revogada por não se verificarem os pressupostos que determinam que a questão seja resolvida fora do âmbito do inventário.
A parte decisória do despacho na parte recorrida na parte tem o exato seguinte teor: ante o exposto (…) remeto as partes para os meios comuns quanto à reclamação apresentada respeitante à única verba relacionada, benfeitorias e passivo.
Vejamos, em sequência, para melhor esclarecimento, as normas jurídicas de que nos socorreremos para a nossa tomada de posição.
Dispõe o art.º 1097.º/3/c/d do C.P.C. que a relação de bens abrange todos os bens sujeitos a inventário, devendo ser acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz e a relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas.
Apresentada a relação de bens pelo cabeça de casal, uma vez citados, os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem apresentar reclamação (art.º 1104.º/1/d do C.P.C.). A essa reclamação podem responder os interessados que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada, devendo as provas ser indicadas com os requerimentos e com as respostas, decidindo-se depois de realizadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz (art.º 1105.º/1/2/3 do C.P.C.).
Preceitua o art.º 1092.º/1 do C.P.C. que, sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:
b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;
E o n.º 2 do mesmo art.º que, no caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.
Prevê o art.º 1093.º/1 que se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.
Nos termos do art.º 1091.º/1, aos incidentes do processo aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º, referente aos incidentes da instância.
Do art.º 293.º/2 emerge que a oposição é deduzida no prazo de 10 dias. Do art.º 294.º/1 que a parte não pode produzir mais de cinco testemunhas. Do art.º 295.º que, finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito.
No caso concreto, o despacho recorrido remeteu as partes para os meios comuns no que se refere ao relacionamento de bem imóvel, que as interessadas reclamantes sustentam dever ser eliminado, e a passivo da herança na decorrência de benfeitorias alegadamente levadas a cabo por essas mesmas interessadas.
O cabeça de casal afirma a existência do direito de propriedade, juntando cópia da caderneta predial e de certidão predial que atesta a não descrição do imóvel relacionado.
Defendem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes, Pedro Pinheiro Torres (in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Coimbra, 2020, p. 50) que apenas tem justificação a remessa dos interessados para os meios comuns quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efetiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum (n.º 1). A diminuição destas garantias reflete-se na impossibilidade de se alcançar uma apreciação e decisão ponderadas em questões que envolvam larga indagação factual ou probatória”.
A indagação probatória em causa concerne à aquisição originária de direito de propriedade de imóvel não descrito na Conservatória do Registo Predial e à realização de benfeitorias no valor indicado de € 40 000, 00, porventura configuráveis como constituindo passivo da herança.
É certo que o tribunal de 1.ª instância se cingiu a considerar que a caderneta matricial e a certidão da Conservatória do Registo Predial em como o prédio não se mostra aí descrito não permitiam, por si só, produzir prova de que o imóvel integre a herança dos de cujus, não tendo sido produzido ou recolhido qualquer outro meios probatórios.
Não se nos afigura tratar-se de questões suscetíveis de averiguação sucinta, já que a complexidade fáctica subjacente, ao menos em tese, não é de negligenciar. Veja-se que a aquisição probatória no âmbito dos incidentes só quanto à prova documental não oferece garantias inferiores às de uma ação comum. A reclamação à relação de bens no que concerne ao bem imóvel depende do cumprimento do ónus da alegação e prova de factos constitutivos da aquisição originária pelos inventariados, por si ou pelos transmitentes do direito. Tais alegação e prova são presumivelmente mais difíceis no âmbito de um incidente em processo de inventário. A descoberta da verdade material, em princípio, beneficiará com a produção de prova numa latitude que o processo de inventário não comporta.
Entende-se, por isso, ter sido justificado o envio das partes para os meios comuns.
Leia-se o que a este propósito se escreveu no ac. da Relação do Porto de 15-12-2021 (proc. 69/20.1T8VLC-A.P1, Eugénia Cunha), do qual respigamos o seguinte:
IV - Requerendo a questão mais aprofundada instrução, averiguação e análise, que não pôde ser objeto de suficiente indagação incidental no processo de inventário, deve o juiz remeter os interessados para os meios comuns, que oferecem garantias processuais acrescidas, permitindo-se às partes, de modo mais ativo e eficaz influenciar a decisão - quer ao nível da alegação fáctica e contradição, quer ao nível das provas quer ao do enquadramento jurídico - nos moldes consagrados para as ações declarativas comuns, não balizadas pelos termos simplificados do incidente, e, assim, ser alcançada uma solução mais justa, por fruto da comparticipação colaborante de todos os interessados.
V - Embora uma decisão para ser justa tenha de ser empreendida com celeridade, nunca os interesses de celeridade se podem impor, de modo absoluto, à verdade material, sempre desejável, mesmo necessária e a buscar, para alcançar a justiça do caso concreto.
Em conclusão, a decisão proferida não merece censura, pelo que deve ser confirmada.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 19-2-2024.
Teresa Fonseca
Fernanda Almeida
Manuel Domingos Fernandes