Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14766/22.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RP2023032714766/22.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o art. 733.º, n.º 1, al. a) CPC, com o recebimento dos embargos, suspende-se o prosseguimento da execução, se o embargante prestar caução, nos termos do incidente referido no art. 915.º e regulado nos arts. 913.º CPC e 906.º e ss. CPC.
II - Na providência cautelar, ao abrigo do disposto no art. 365.º, n.º 3, CPC, é sempre admissível, para assegurar a efetividade da providência decretada, a fixação da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829.º- A CC para o caso de obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.
III - Esta sanção não tem por fim a indemnização do credor (que está salvaguardada na parte final do n.º 2 para os danos moratórios), mas compelir o devedor a prestar o facto infungível, evitando o descrédito nas instituições judiciárias, pelo que não pode ser substituída por caução, nos termos do art. 368.º, n.º CPC.
IV - Diferente é, porém, a prestação de caução, não para suspender a aquela sanção, mas para suspender a execução para entrega de coisa certa e cobrança de crédito proveniente de sanção pecuniária compulsória, havendo sido apresentados embargos de executado. E essa suspensão, por via de caução, não está excluída na lei (art.733.º, n.º 1 al. a), CPC).
V - Só se impõe a prestação de caução de forma autónoma se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo. Nesse caso, é de admitir que os valores já depositados na execução em consequência da penhora sejam considerados no valor da prestação a caucionar para obter a suspensão da execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 14766/22.3T8PRT-A.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Por apenso à ação executiva sumária contra si instaurada, a 31.8.2022, pela exequente, A..., Lda, com sede na Rua ..., ..., ..., Bairro ... distrito urbano de ..., Luanda, veio a executada, B..., Lda, com sede na Avenida ... ..., Vila Nova de Gaia apresentar, a 6.10.2022, embargos de executado (apenso B), onde foi proferido despacho saneador, a 31.1.2023, achando-se esse processo em fase de recolha de prova prévia (perícia) ao julgamento. Foi também deduzida oposição penhora, a 13.10.2022.
Na mesma data, e por apenso àqueles embargos, apresentou a executada o presente incidente de prestação de caução (apenso C), a fim de ver suspensa a execução e canceladas as penhoras executivas.
Propôs-se prestar caução no valor de € 43.500,00, acrescido de 10% para despesas prováveis, custas e juros, no total de € 47.850.

Notificada, a requerida/embargada, opôs-se à procedência da prestação de caução e da suspensão da execução, argumentando que, sendo o título executivo uma decisão proferida em providência cautelar que, além de condenar a executada a entregar à exequente um conjunto de documentos, fixou uma sanção pecuniária compulsória (spc) de € 15.000,00, diários, sanção essa que, além da garantia penal – art. 375.º CPC, e nos termos do art. 365.º, n.º 2 CPC, tem em vista compelir o devedor a cumprir a decisão judicial provisória e impedir o desrespeito pelas decisões judiciais, mesmo que credor venha a decair na ação principal, pelo que não é admissível suspender a aplicação e execução da sanção pecuniária compulsória.
Se assim não for considerado, é diminuto o valor pretendido caucionar, posto que, desde a data do trânsito em julgado da decisão que fixou a spc e a data da oposição ao incidente (28.10.2022) decorreram 92 dias, à razão diária de € 1.500,00, num total de € 138.000,00, não se prevendo o fim dos embargos antes de mais 150 dias (até 27.3.2023), significa isso mais € 225.000,00, ao que tudo acresce 10% de despesas prováveis e custas, num total de 399.300,00, valor que deverá ser reforçado mensalmente, desde 27.3.2023, em € 45.000,00, até ao trânsito dos embargos.

O tribunal proferiu decisão, a 16.12.2022, decidindo:
(…) julgar procedente o presente incidente, considerando idónea a caução indicada, a prestar por meio de deposito, em dez dias, no valor de € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo [31.8.2022] e até à data da realização do depósito.

Desta decisão recorreu a requerida, a 3.1.2023, visando a sua revogação e substituição por outra que não admita a prestação de caução para a suspensão da presente execução; ou, caso assim não se entenda, se considere insuficiente e consequentemente inidónea, a caução decidida, devendo ser substituída por uma caução cujo valor será obtido através do somatório do valor que for devido à data em que se vier a efetuar o depósito da caução, acrescido de € 45.000,00 e de 10% sobre o valor em dívida, bem como deverá a recorrida, adicionalmente, ser obrigada a reforçar a caução de 30 em 30 dias, até à data do trânsito em julgado dos embargos no valor de € 45.000,00, sob pena da cessar a suspensão da execução.
Como conclusões, consignou as seguintes:
a) O Tribunal a quo, na sua douta sentença, entendeu, contrariamente ao que era defendido pela exequente e aqui recorrente, que a prestação de caução é sempre possível para suspender uma execução, decisão esta com a qual, humildemente, não se concorda pelas razões infra aduzidas.
b)No processo ao qual este incidente está apenso pretende-se efetuar a execução do que foi ordenado por sentença proferida no âmbito de um procedimento cautelar que correu os seus termos no Proc. n.º 14281/21.2T8LSB, no Juízo Central do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, sentença esta transitada em julgado, a qual estabelece uma sanção pecuniária compulsória diária, na quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) pelo incumprimento da providência que foi decretada.
c) A sanção pecuniária compulsória, pela sua natureza no âmbito de um procedimento cautelar, tem por finalidade e objetivo forçar a requerida – in casu a, aqui, recorrida – a cumprir o que lhe foi ordenado pelo Tribunal. Esta sanção não se destina, assim, a indemnizar o credor mas sim a compelir o devedor a cumprir uma decisão judicial, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 365.º do CPC, isto é sanção compulsória decretada no âmbito de uma providência cautelar, e nos termos da lei processual, não tem por objetivo reparar danos, é independente da indemnização a que houver lugar e visa compelir o devedor a cumprir o que lhe foi ordenado pelo Tribunal, daí o seu carácter coercitivo, é definitiva, não podendo ser revista e é independente de ação principal que venha ou não a confirmar o direito.
d) A prestação de caução para suspender a aplicação e a execução de uma sanção pecuniária compulsória não é possível de efetuar, sob pena de estarmos a permitir que o devedor – mediante a prestação de uma caução - incumpra a sua obrigação de dar cumprimento à douta sentença. De igual forma a admissão da prestação dessa mesma caução, coloca em causa o dever dos Tribunais de respeitarem a providência decretada e carácter definitivo da mesma, sendo que a aceitação da caução não previne, não repara a infração e não permite que seja atingido objetivo da mesma que é a entrega da documentação que, conforme se provou, é essencial para que a recorrente coloque os programas informáticos que tem em Angola operacionais.
e) Pelo exposto, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entende-se que, in casu, não é admissível a prestação de caução ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 733.º do CPC, para atribuir efeito suspensivo aos embargos, pois se tal fosse admitido estar-se-ia a possibilitar que a recorrida se furtasse ao cumprimento da sua obrigação de respeitar a providência cautelar contra si decretada pela mera prestação de uma caução, o que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, de forma unânime, entendem não ser possível. Isto é, a recorrida não entregava a documentação que é essencial para a recorrente trabalhar e cuja falta lhe causa diariamente enormes prejuízos e tudo ficava assim, mantendo-se a lesão que o Tribunal entendeu obstar com a tomada da providência que decretou. De igual forma a admissão da prestação desta mesma caução colocaria em causa o prestígio dos Tribunais e do primado do direito, bem como a coercividade da aplicação das decisões judiciais que in casu até tem uma previsão criminal por crime de desobediência qualificada, conforme resulta do disposto no artigo 375.º do CPC.
f) Assim sendo, não sendo admitido no caso sub judice a prestação de caução tendo em vista a suspensão da execução, não deverá ser admitida a caução decidida, nem a suspensão da execução, com as legais consequências que daí derivam, mormente, prosseguindo-se a execução até final.
g) Pelo exposto, o Tribunal a quo ao decidir admitir a prestação de caução para suspensão da execução em curso, violou o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 733.º e os artigos 365.º e 375.º, todos do CPC, pelo que deverão V. Exas. revogar a douta sentença proferida e substituir a mesma por douto acórdão que não admita a prestação de caução para suspensão da presente execução.
Caso assim não se entenda, sempre se dirá,
h) Contrariamente ao defendido pela recorrente em sede de contestação, o Tribunal a quo, na sua douta sentença, entendeu que a caução a prestar pela executada seria no exato valor da sanção pecuniária que estivesse em dívida à data em que fosse efetuada a prestação de caução, entendendo que, posteriormente, a exequente e aqui recorrente poderia solicitar o reforço dessa mesma caução em procedimento próprio, isto é, o Tribunal a quo entendeu não acrescer ao valor a garantir qualquer quantia, não incluindo despesas com agente de execução e com custas, nem teve em conta que, diariamente, vence-se uma sanção pecuniária compulsória de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
i) O mesmo é dizer que o valor de caução decidido pelo Tribunal a quo, no dia seguinte ao seu depósito torna-se, imediatamente, insuficiente e inidóneo já que não cobre nem as despesas com o Agente de Execução e custas processuais, nem cobre a sanção pecuniária compulsória do dia seguinte que será de € 1.500,00, situação esta que, obviamente, agrava-se na razão de € 1.500,00 por cada dia e € 45.000,00 a cada 30 dias.
j) Conforme tem decidido a nossa jurisprudência, para que a caução seja eficaz há de ser idónea e suficiente e consequentemente deverá ser apta cobrir o crédito exequendo e demais acréscimos que resultem da suspensão do processo executivo. A prestação de caução para suspensão da execução não pode limitar-se ao valor devido na data em que é prestada a caução, já que a mesma visa colocar “o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo da suspensão”.
k) Face ao exposto, verifica-se que, objetivamente, o valor que o Tribunal a quo entendeu estabelecer para a caução a prestar não é suficiente para se considerar idónea a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 733.º n.º 1 a) do CPC e no artigo 623.º n.º 3 do CC, pois, como se disse supra, o mesmo não cobre sequer as despesas do processo e muito menos os valores que se vencem diariamente à razão de € 1.500,00 / dia.
l) Assim sendo, entende-se que, respeitando, os princípios da ponderação e da proporcionalidade que devem reger a prestação de uma caução, o valor a caucionar pela recorrida – caso por hipótese académica se venha a aceitar a prestação dessa caução – nunca poderá ser inferior ao somatório dos seguintes valores: (1) valor que for devido à data em que se vier a efetuar o depósito da caução; (2) a quantia de € 45.000,00 representativa do valor sanção pecuniária compulsória de 30 dias que serviram para caucionar os 30 dias seguintes ao depósito a que alude a alínea a); (3) o valor representativo de 10% sobre o valor em dívida, para cobrir os custos com o Agente de Execução e com os custos processuais.
m) Deverá, ainda, ser decidido, por uma questão de celeridade, economia processual e respeito pelos princípios da adequação e da proporcionalidade que devem reger a prestação da caução, que a executada fique, igualmente, obrigada a reforçar a caução de 30 em 30 dias até à data do trânsito em julgado dos embargos no valor de € 45.000,00, sob pena de cessar a suspensão, condenação esta que tem por objetivo não obrigar a executada a caucionar desde logo mais do que trinta dias de valor vencidos.
n) Efetivamente só esta mesma condenação no reforço de caução desobriga a que a exequente, aqui recorrente, promova, diariamente, semanalmente ou mensalmente, sucessivos incidentes processuais para reforço de caução, com o consequente custo para todos os intervenientes, com claros prejuízos para o Tribunal e para a celeridade processual do presente processo, tudo isto sem qualquer necessidade, porquanto sendo o valor da sanção pecuniária compulsória fixo - € 1.500,00 / dia – e a caução efetuada em dinheiro, facilmente se verifica a idoneidade ou não da caução prestada ou a prestar nos autos.
o) Pelo exposto, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 623.º n.º 3 do CC e a alínea a) do n.º 1 do artigo 733.º do CPC, pelo que deverão V. Exas. revogar a douta sentença proferida e substituir a mesma por douto acórdão que considere insuficiente, e consequente inidónea, a caução decidida na douta sentença e a substitua - caso se venha a entender que a mesma é admissível - por uma caução cujo valor será obtido através do somatório do valor que for devido à data em que se vier a efetuar o depósito da caução, acrescido de € 45.000,00 e de 10% sobre o valor em dívida, bem como deverá a executada, adicionalmente, ser obrigada a reforçar a caução, que vier a prestar, de 30 em 30 dias até à data do trânsito em julgado dos embargos no valor de € 45.000,00, sob pena da cessar a suspensão da execução.

Também a requerente apresentou recurso, a 4.1.2023, com vista a fixar-se o valor da caução em € 43.500,00, acrescido de 10% para despesas prováveis, custas e juros, no total de € 47.850, devendo ser permito à recorrente o depósito apenas do remanescente, sendo o restante depositado diretamente pela AE, atento o valor já apreendido na execução.
Remata as suas alegações assim concluindo:
1 .A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nestes autos que julgou procedente o presente incidente e considerou idónea a caução indicada, determinando que a mesma fosse prestada por meio de depósito, em dez dias, no valor de € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo e até à data da realização do depósito, por entender que não existiu correta aplicação do Direito, conforme se explanará.
2.0 título executivo oferecido nos autos principais de execução constitui decisão judicial, proferida no âmbito de procedimento cautelar e nos termos da qual a recorrente foi condenada, para além do mais, à entrega de diversos elementos à exequente e ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 1.500,00 diários, pelo não cumprimento das providências decretadas, mas a recorrente não aceita os fundamentos da referida execução, tendo apresentado os competentes embargos de executada, assim como oposição à penhora por a mesma exceder o valor da execução.
3.A prestação de caução nos presentes autos deve sempre ser permitida à recorrente - tanto mais que a caução servirá para garantir o pagamento de qualquer valor no qual venha a recorrente a ser condenada a final, nos presentes autos.
4. Acontece que, na decisão sobre requerida a prestação de caução para atribuição de efeito suspensivo aos embargos, entendeu o Tribunal a quo que o valor oferecido pela requerente não pode ser considerado suficiente, uma vez que a sanção é devida até que se mostre caduca e considerou idónea a caução indicada, a prestar por meio de deposito, em dez dias, no valor de € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo e até à data da realização do deposito.
DO VALOR DA CAUÇÃO A PRESTAR NOS PRESENTES AUTOS:
5.Ora, não aceita a recorrente que o valor oferecido seja insuficiente.
6. A exequente instaurou a ação executiva para entrega de coisa certa e fundamentou a mesma no facto de entender que a documentação entregue pela recorrente, conforme ordenado, não se encontra completa e está imprecisa, peticionando, ainda, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros), correspondente a 29 dias x € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e atribuindo à execução o valor de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros).
7.Assim, o valor a assegurar nos presentes autos é alegadamente de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros), acrescido de custas prováveis, conforme consta do Requerimento Executivo.
8. Para além disto, a recorrente cumpriu integralmente com o decidido no supra referido processo cautelar, pelo que, a obrigação a que se encontrava sujeita foi integralmente cumprida, dentro do prazo fixado para o efeito, sendo certo que a recorrente nada mais tem na sua posse que possa entregará exequente, pelo que, não pode proceder à entrega de coisa certa exigida na presente execução.
9. Também não poderá ser condenada ao pagamento de qualquer valor a título de sanção pecuniária compulsória, dada a referida inexistência de incumprimento da recorrente, ocorrendo, por isso, impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação exigida pelo requerimento executivo e que fundamenta o pagamento da sanção pecuniária compulsória, por força da recorrente ter já entregue à executada tudo o que tinha, encontrando-se materialmente impossibilitada de cumprir com a obrigação à qual a sanção pecuniária pretende coagir.
10.0 que determina a extinção da obrigação (principal) e da obrigação acessória atinente à correspondente sanção pecuniária compulsória.
11. Assim, enquanto for aferido, nos presentes autos, da existência ou não de mais elementos a entregar, não se pode dizer que não foi cumprida a obrigação que a sanção compulsória visava compelir a cumprir, não podendo a recorrente/executada ficar prejudicada pela delonga da decisão judicial.
12.Em todo o caso, sempre se deveria considerar por força da posição e oposição já apresentada pela executada/recorrente, que ocorreu incumprimento definitivo da executada, o que implica que deverá antes pagar à exequente indemnização por incumprimento mas já não qualquer sanção pecuniária compulsória.
13. Pelo que, deve-se considerar que caducou a sanção pecuniária fixada por i) a recorrente já ter entregue tudo o que tinha, ou mesmo antes do julgamento desta decisão, por ii) se considerar que a recorrente assumiu já que não pode e não vai cumprir mais do que o que já entregou, considerando-se por isso incumprimento definitivo sem qualquer direito a sanção pecuniária ou mesmo porque iii) é impossível o cumprimento por a recorrente independentemente de ter ou não cumprido, não ter qualquer outra coisa a entregar à exequente que não tem na sua posse
14.Pelo que, o valor da caução deve fixar-se em € 43.500,00 acrescido de 10% para despesas prováveis ou custas e juros, no total de € 47.850,00.
DA PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO POR MEIO DE DEPÓSITO, DESCONSIDERANDO-SE OS VALORES PENHORADOS NOS PRESENTES AUTOS:
15.0 Tribunal a quo ordenou que a caução fosse a prestar por meio de deposito, em dez dias, no valor de € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo e até à data da realização do depósito.
16.Sucede que, na data da prolação da sentença (16.12.2022) tinham decorrido desde a instauração da execução (26.08.2022) 112 dias, sendo que € 1.500 x 112 corresponde a € 168.000,00, os quais, acrescidos de € 47.850, no total de € 215.850,00, valor que a recorrente terá de depositar para prestar caução nos presentes autos.
17. No entanto, foram efetuadas diversas penhoras à recorrente, concretamente, penhoras de saldos bancários e de créditos de clientes, as quais, conforme informação da Sra. Agente de Execução ascendem ao valor global de € 129.426,16, sem prejuízo de montantes já penhorados mas não recebidos pela mesma, concretamente, do valor de € 83.356,61 que a Sra. Agente de Execução já deverá ter ao seu dispor, tudo no valor de € 212.782,77, que, na data da prolação da sentença, se encontrava na posse da Sra. Agente de Execução.
18. Juntar à penhora de mais de duzentos mil euros efetuada à recorrente a prestação de depósito de mais de € 215.850,00 a título de caução toma-se insustentável para a recorrente a prestação de depósito e a obtenção da suspensão das penhoras que se vêm realizando nos presentes autos.
19.Do exposto resulta que deve ser permitido à recorrente a realização de depósito apenas do valor remanescente (a haver e considerado o recurso do ponto antecedente) para cumprir com a caução fixada, sendo o restante depositado diretamente pela Sra. Agente de Execução atento o excessivo valor apreendido, o qual causa transtornos ao normal funcionamento da atividade da empresa e provoca à recorrente dificuldades financeiras e de liquidez.
A 24.1.2023, a requerida contra-alegou, opondo-se à procedência do recurso da requerente por entender que:
a) No presente processo executivo pretende-se efetuar a execução do que foi ordenado por douta sentença proferida no âmbito de um procedimento cautelar, a qual estabeleceu uma sanção pecuniária compulsória diária, na quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) pelo incumprimento da providência que foi decretada. Ora, a execução desta sanção pecuniária compulsória está, expressa e claramente, referida no requerimento executivo apresentado pela recorrida razão pela qual, salvo melhor e mais douto entendimento, não se entende como é que a recorrente ainda não compreendeu que o valor em execução não é de € 43.500,00 mas sim desta quantia acrescida da quantia diária de € 1.500,00 até que sejam entregues os documentos exigidos pelo Tribunal. Assim sendo, como nos parece ser indiscutível, a douta sentença nunca poderia estabelecer uma caução que não tivesse em conta o valor diário da sanção pecuniária compulsória, o que esta, e bem, fez.
b) Contrariamente ao referido pela recorrente, o incidente de prestação de caução não é, claramente, o local próprio para se apurar se esta deu ou não cumprimento ao decidido no procedimento cautelar, nem tal questão foi, obviamente, objeto de decisão na douta sentença, pelo que visando os recursos o reestudo, por um Tribunal superior, de questões já colocadas, vistas e resolvidas pelo Tribunal a quo não é lícito invocar junto do Tribunal ad quem novas questões que não foram objeto de decisão.
c) Da mesma forma e pelas mesmas razões referidas na conclusão b) nada há apontar à douta decisão do Tribunal a quo que determinou – tal como tinha sido requerido pela própria recorrente – que a prestação da caução se efetuasse por meio de depósito, já que, até à douta sentença, nunca foi suscitada pela recorrente qualquer questão quanto aos valores já penhorados, razão pela qual tal questão não foi objeto de apreciação pelo Tribunal a quo e, por isso mesmo, não se pode reapreciar – em sede de recurso – aquilo que não foi objeto de apreciação pelo Tribunal a quo.

Por requerimento de 29.12.2022, a requerente diz ter sido informada pela AE estar na sua posse a quantia de € 129.426,16, solicitando que a caução por depósito apenas do valor do remanescente.
E, nesse mesmo dia, veio ainda afirmar ter a AE na sua posse a quantia de, afinal, € 212.788,77. Tendo decorrido 112 dias desde a instauração da execução até à decisão do incidente de caução, seria devida a soma de € 215.850,00, requerendo seja permitido apenas o depósito do excedente de € 212.788,77, até ao necessário para perfazer a caução fixada, com os acréscimos diários.

Foi proferido despacho, a 4.1.2023, com o seguinte teor:
Atento o requerido pelo executado, autoriza-se a que a caução seja prestada pela diferença entre a quantia exequenda e os valores penhorados, devendo a AE proceder como requerido.

A 4.1. 2023, a requerente apresentou comprovativo do depósito de € 12.929,88 €, invocando que desde o dia 26/08/2022 até dia de hoje 04/01/2023 decorreram 131 dias x 1500€ = € 196500 acrescidos de € 47850, ascende ao total de € 244350. - a Sra Agente de Execução tem já penhorados nos autos - ora, dos € 244350 deduzidos de € 148063,51 que a Sra AE refere já ter na sua posse – doc. 1 – deduzidos por sua vez de € 83356,61 que a C... (devedora da executada) já transferiu à Sra AE em 12/12/2022 e não foram por esta considerados), obtemos o valor em divida de € 12929,88.

Foi proferido despacho de 10.1.2023, declarando idónea a caução prestada.

A 24.1.2023, a requerida/exequente recorreu do despacho de 4.1.2023, visando a sua revogação, objetivo que alicerçou no seguinte:
a) O despacho recorrido – que foi efetuado em resposta aos requerimentos da executada do dia 29 de dezembro de 2022 - incorreu numa nulidade processual ao abrigo do disposto no artigo 195.º n.º 1 do CPC, já que tal despacho foi proferido antes que a recorrente pudesse exercer o seu direito ao contraditório, a que alude o n.º 3 do artigo 3.º do CPC, direito este que, na nossa modesta ótica, era essencial para a boa decisão do mesmo. Ora, ao agir como agiu, o douto despacho recorrido violou o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC e incorreu, como supra já foi referido, numa nulidade processual – a qual foi, igualmente, arguida, em sede própria perante o Tribunal a quo mas sem resposta até à presente data – nulidade esta que se argui perante V. Exas. e que determina, na nossa modesta ótica, a anulação do despacho proferido e a anulação de todo o processado subsequente que deles dependa ao abrigo do disposto no artigo 195.º n.º 2 do CPC.
b) A douta sentença que decidiu o incidente de prestação de caução determinou que a mesma se efetuasse por depósito da quantia a caucionar à ordem dos autos. Acontece que, o douto despacho recorrido entendeu que a caução fosse prestada pela diferença entre a quantia exequenda e os valores penhorados. Salvo melhor e mais douto entendimento, ao proferir o douto despacho acima referido - o qual altera a forma de prestação de caução - decidindo que esta não se efetuasse por depósito – conforme resulta da douta sentença – mas com a utilização das quantias penhoradas, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma questão sobre a qual já não se podia pronunciar – relativa à forma da prestação da caução, já que tal questão encontra-se já resolvida na douta sentença que decidiu o incidente de prestação de caução
Assim sendo, ao agir como agiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 613.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, com as consequências que dai deriva, nomeadamente, a nulidade do aludido douto despacho ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, nulidade esta que, igualmente, aqui se argui perante V. Exas., com as legais consequências.

E, a 27.1.2023, a requerida/exequente apresentou recurso do despacho de 10.1.2023, visando a sua revogação e sintetizando a sua exposição desta forma:
a) Por douta sentença proferida em 16-12-2022 no âmbito do apenso A – relativo ao incidente de prestação de caução - o Tribunal a quo decidiu julgar procedente o incidente de prestação de caução, tendo considerado idónea uma caução a prestar pela executada, no prazo de 10 dias, no valor de € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500,00 desde a data da entrada da execução em juízo até à data da realização do depósito
b) Resulta, insofismavelmente, dos autos que no dia em que foi prestada a caução por parte da executada através do depósito da quantia de € 12.929,88 (doze mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e oito cêntimos), a Ilustre Agente de Execução tinha, à sua guarda nos autos a quantia de € 148.063,51 (cento e quarenta e oito mil e sessenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), o que totalizada a quantia de € 160.993,39.
c) Resulta, igualmente, da douta sentença que decidiu o incidente de prestação de caução, que no dia em que a mesma foi prestada – 4 de janeiro de 2023 – o valor da caução a prestar teria de ser, exatamente, no valor de € 244.350,00 (duzentos e quarenta e quatro mil trezentos e cinquenta euros), o qual resulta do somatório da multiplicação de 131 dias vezes a quantia dia € 1.500,00 estabelecida como sanção pecuniária compulsória diária, vencidos entre o dia 27 de agosto de 2022 e o dia 4 de janeiro de 2023, no valor de € 196.500,00, à qual acresce a quantia de € 47.850,00, igualmente, estabelecida na douta sentença.
d) Ora, se o valor da caução a prestar em cumprimento da douta sentença era de € 244.350,00 (duzentos e quarenta e quatro mil trezentos e cinquenta euros) e resulta da informação constante dos autos que o valor à guarda da Ilustre Agente de Execução, somado como o valor depositado, apenas e só totalizava o valor de € 160.993,39, na data em que foi prestada a caução e na data em que foi proferido o douto despacho, encontrava-se em falta o valor de € 83.356,61 (oitenta e três mil trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta e um cêntimos) para que a caução prestada se pudesse considerar idónea.
e) Assim sendo, salvo melhor e mais douto entendimento, na nossa modesta ótica, mal andou o Tribunal a quo quando decidiu, no despacho recorrido, que o valor da caução era idóneo, em violação do disposto no artigo 733.º n.º 1 a) do CPC e artigo 623.º n.º 3 do CC.

Contra-alegou a requerente, a 13.2.2023, opondo-se à procedência destes recursos, por considerar subsequentemente:
1. As doutas Alegações de Recurso apresentada pela Exequente não podem merecer qualquer provimento, pois carecem de fundamento.
2. Refere a recorrente que a decisão proferida será nula por não ter sido cumprido o contraditório.
3. Sucede que, o direito ao contraditório não é absoluto, porquanto devem ser acautelados outros direitos que com aquele colidam, o que se verifica quanto à atividade da executada, uma vez que foi executada a cobrança de sanção pecuniária de € 1.500,00 diários, que não se compadecem com qualquer atividade económica que não aufere tais rendimentos diários.
4. Para além disto, trata-se de questão cujo contraditório é de manifesta desnecessidade, porquanto em nada interfere com a decisão a proferir e nenhum dos argumentos aduzidos pela recorrente no exercício do seu direito ao contraditório correspondeu a matéria que a mesma não tivesse já discutido em requerimentos anteriores.
5. Na verdade, podendo a qualquer momento ser suspensa a execução mediante a prestação de caução, torna-se descabido discutir se ela foi ou não atempadamente prestada.
6. Do exposto resulta que despacho em causa foi corretamente proferido, devendo manter-se a decisão e improceder o recurso apresentado.
7. Acresce que, também não se pode considerar que tenha havido pronúncia sobre questão relativamente à qual já não se podia o Tribunal a quo pronunciar – relativa à forma da prestação da caução.
8. Pois, a executada requereu nos presentes autos a prestação de caução mediante depósito de dinheiro pelo valor que venha a ser fixado e através dos montantes inclusivamente já recebidos pela Agente de Execução, tendo-se decidido julgar procedente o presente incidente, considerando idónea a caução indicada.
9. Tendo-se, após requerimento da executada para prestar caução pelo valor remanescente para cumprir a caução fixada, se decidido que se autoriza a que a caução seja prestada pela diferença entre a quantia exequenda e os valores penhorados.
10. Salvo melhor opinião, não se pronuncia o Tribunal a quo sobre questão relativamente à qual já não se podia pronunciar, pois apenas se limitou a autorizar que a caução cuja prestação havia já sido permitida fosse realizada “através dos montantes inclusivamente já recebidos pela Agente de Execução” – tanto mais que apenas neste momento foi indicado o valor que havia sido penhorado pela Sra. Agente de Execução.
11. Desta forma, deverá, também por estes motivos, improceder o recurso apresentado.

Objeto dos recursos:
- Da admissibilidade de prestação da caução para suspender a execução por decorrência de embargos de executado;
- Do modo como caucionar;
- Do respetivo valor;
- Das nulidades do despacho de 4.1.2023;
- Da admissão, a 10.1.2023, da prestação de caução mediante depósito de € 12.929, 88.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
Da consulta dos autos e de todos os processos a que temos acesso eletrónico (incluindo providência cautelar e ação principal já proposta pela exequente), consideramos relevante a seguinte factologia:
1 – No requerimento executivo, apresentado a 31.8.2022, expôs-se: 1. Por douta decisão, transitada em julgado no dia 29 de agosto de 2022, proferida no âmbito do Proc. n.º 14281/21.2T8LSB que correu os seus termos no Juízo Central do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, foi a executada condenada a entregar à exequente, sob a cominação de uma sanção pecuniária compulsória de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por dia de atraso, toda a documentação relativa plataformas informáticas denominadas ..., ..., ... e ..., nomeadamente toda aquela referida no segmento decisório da douta sentença proferida. 2. Acontece que, até à presente data – 26-08-2022 - a executada não entregou à exequente toda a documentação e informação a que estava obrigada. 3. Já que, a documentação entregue pela executada à exequente no âmbito do procedimento cautelar – e que por esta foi junta, conforme ordenado, aos autos ao Proc. cautelar n.º 14281/21.2T8LSB, que correu os seus termos no Juízo Central do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – Juiz 2 - está incompleta face ao decidido.
(…)
7. Entre a data limite em que a executada deveria ter dado integral cumprimento ao decidido pelo Tribunal e a presente data – 26-08-2022 - passaram 29 dias, pelo que a título de sanção pecuniária compulsória a executada é devedora da quantia de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros), a qual, conforme decidido, será acrescida de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) diários enquanto a executada não comprovar a entrega à exequente e ao Tribunal de toda a documentação na qual foi condenada.
2- Como título executivo foi apresentada sentença e acórdão proferidos nos autos de providência cautelar n.º 14281/21.2T8LSB que correu os seus termos no Juízo Central do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, e que agora constituem o apenso B) da ação principal proposta, a 26.8.2023 (com o n.º 6616/22.7T8VNG, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, J1), pela A... contra a B..., onde esta pede a condenação da Ré a entregar à A., quer em formato físico, quer em formato digital, toda a documentação técnica relativamente às plataformas ..., ..., ... e ..., que incluiu os códigos fonte, a que alude o artigo 33.º da presente petição inicial, b) a entregar neste Tribunal e à ordem dos presentes autos o suporte digital de toda a documentação acima referida; c) a efetuar todas as operações que sejam necessárias para que a A. passe a ter o controlo total e integral das plataformas informáticas ..., ..., ... E ...; d) a entregar à A. a cópia das bases de dados constantes das aludidas plataformas que tenha em seu poder; e) a abster de praticar qualquer conduta que possa causar danos à A. e aos clientes da mesma, nomeadamente através da suspensão, alteração, utilização ou comercialização das plataformas ..., ..., ... E ...; a pagar uma sanção pecuniária compulsória nunca inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), diários, enquanto não der integral e efetivo cumprimento à douta sentença que vier a ser proferida.
3- A A..., aí A. e aqui exequente, indicou como valor da ação principal a quantia de € 50.001,00.
4 – Nos autos de providência cautelar, foi decidido a) Determinar que a Requerida proceda à entrega à Requerente. quer em formato físico, quer em formato digital, toda a documentação técnica relativamente às plataformas ..., ..., ... e ..., o que incluiu os códigos fonte, a que alude no facto 13º da presente decisão, com exclusão dos elementos identificados no facto 14º; b) Determinar a entrega, pela Requerida e à ordem dos presentes autos, do suporte digital de toda a documentação referida na alínea anterior; c) revogada pelo acórdão da Relação; d) revogada pelo acórdão da Relação e) Determinar que a Requerida entregue à Requerente cópia das bases de dados constantes das aludidas plataformas que tenha em seu poder; f) Ordenar à Requerida que se abstenha de praticar qualquer conduta que possa causar danos à Requerente e aos clientes da mesma, nomeadamente através da suspensão, alteração, utilização ou comercialização das plataformas ..., ..., ... E ...; g) Condenar a Requerida no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de €1.500,00 diários, pelo não cumprimento das providências decretadas.
4 – Esta decisão transitou em julgado em 28.7.2022, conforme certidão junta pela A... neste apenso B, por requerimento de 16.12.2022.
5- No requerimento de providência cautelar, a A... não indicou valor ao procedimento provisório, tendo sido, não obstante, consignado na sentença de primeira instância: “Fixo ao procedimento cautelar o valor indicado no requerimento inicial”.
6- Consultando a execução apensa, verificamos que, a 8.9.2022, foi junto auto de penhora relativo a depósitos bancários da executada, no valor de € 39.504,52, além de um veículo automóvel a que, nesse ato, se não atribuiu valor, tendo a executada sido notificada para se opor à execução e notificada do auto de penhora[1].
7 - A 10.11.2022, o valor penhorado à executada era de € 135.128,27; a 4.1.2023, estava penhorada e depositada a quantia de € 148.063,51; a 12.1.2023, foi efetuado depósito, por penhora de crédito da executada, da quantia de 83.356, 61 (informação da AE, de 28.1.2023); e a 20.2.2023, a AE informou ter sido recebido a quantia de € 16.643, 49, de penhora de créditos da executada.

Fundamentos de Direito
Foi dado à execução um título executivo judicial que goza de coercibilidade e executoriedade, nos termos do art.703.º, n.º 1 a. a) CPC[2].
Pela execução pretende-se a entrega de coisa certa e o pagamento da sanção pecuniária compulsória aplicada no título exequendo, como expressamente se consignou no requerimento executivo.
Verifica-se, assim, a cumulação de execuções a qual é admissível, nos termos do art. 710.º CPC, devendo atender-se ao disposto no art. 626.º, n.º 4, CPC.
Foram apresentados embargos de executado invocando-se a inexigibilidade da obrigação exequenda/ausência de título executivo, o cumprimento da obrigação da entrega de coisa certa e pedindo-se a suspensão da execução, mediante a prestação de caução.
De acordo com o art. 733.º, n.º 1, al. a) CPC (aplicável à execução sumária, arts. 551.º e 550.º CPC), com o recebimento dos embargos, suspende-se o prosseguimento da execução, se o embargante prestar caução, nos termos do incidente referido no art. 915.º e regulado no art. 913.º CPC e 906.º e ss. CPC.
A requerida/exequente começa por mencionar não ser possível prestar caução porque não pode suspender-se execução onde se peça o valor de sanção pecuniária compulsória.
Interessa relembrar que a execução a que estes autos se acham apensos cumula duas finalidades: a de entrega de coisa certa (obrigação de entrega ou de dare), relativa a determinados documentos e o pagamento do valor fixado a título de sanção pecuniária compulsória.
A spc foi fixada na providência cautelar, ao abrigo do disposto no art. 365.º, n.º 3, CPC, que considera ser sempre admissível, para assegurar a efetividade da providência decretada, a sanção pecuniária compulsória.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª Ed., p. 25, nota 2, o n.º 2 deste art. 365.º CPC deve ser conjugado com o art. 829.º-A CC[3].
Este último normativo expressa logo no n.º 1 as situações de aplicação da spc: nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, não tendo por fim a indemnização do credor (que está salvaguardada na parte final do n.º 2 para os danos moratórios), mas compelir (compulsória) o devedor a prestar o facto infungível, evitando o descrédito nas instituições judiciárias.
Visando estes dois desideratos, o montante da spc destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado (n.º 3).
É, pois, evidente que a remissão do art. 365.º, n.º 2 CPC, para a spc, se refere à aplicação do regime do art. 829.º-A, CC.
Por isso é que, Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., Procedimento cautelar comum, 1998, p. 41, nota 32, explica caber no âmbito dos procedimentos cautelares – “A possibilidade de se formular, em determinadas circunstâncias, pedido acessório de pagamento da sanção pecuniária compulsória para situações de incumprimento de obrigação de prestação de facto infungível, positivo ou negativo (…).”
É conhecida a distinção das obrigações, quanto à finalidade: a prestação pode ser de facto (de facere) ou de coisa (de dare). Por um lado, as prestações de coisa são aquelas em que alguém se obriga a entregar algo a outrem e, por outro, as obrigações de facto são aquelas em que alguém se obriga a prestar uma conduta de outra ordem. Só as primeiras podem ser positivas ou negativas. As segundas são sempre positivas.
Prestações fungíveis são aquelas em que a prestação pode ser realizada por outrem que não o devedor, podendo assim este fazer-se substituir no cumprimento. Por seu turno, as prestações infungíveis são aquelas em que só o devedor pode realizar a prestação, não sendo permitida a sua realização por terceiro.
No caso, a executada foi, em procedimento cautelar, condenada em prestação de dare, como se vê do facto provado em 4, mas ainda que se entendesse estar em causa a prestação de facere, não parece a mesma ser infungível porque o acesso aos documentos em questão poderá ser efetuado por terceiro (estando pendente execução para o efeito), como resulta da própria pi da ação principal (e nos embargos de executado) onde a A./embargada solicita a intervenção de terceira entidade - D... - para verificar o software em causa.
Que a spc se destina a compelir o devedor à prática de prestação de facto infungível, sendo, ao mesmo tempo, uma técnica coerciva do contempto f court, é também mencionado pelo autor citado nas alegações de recurso da requerida, Pedro e Albuquerque, cit., p. 9006 e 9009.
Por esse motivo e porque a spc só é admissível quando esteja em causa uma prestação de facto infungível (prestação em que o interesse do credor apenas pode ser, direta ou indiretamente, satisfeito através da realização do comportamento do devedor), considera aquele autor que as prestações de facto infungíveis devem ter-se por incaucionáveis. Além disso, a spc tem uma natureza coerciva e é independente dos mecanismos indemnizatórios e ressarcitórios, sendo que a prestação de caução é uma autorização dada ao requerido “para afastar a certeza e firmeza da sanção e para torná-la dependente da dita ou ventura do processo principal, numa lógica exclusivamente tributária dos esquemas ressarcitórios e indemnizatórios”, que não os que estão em jogo na spc (cit., p. 9028 e 9029).
Sendo, assim, a spc não pode ser substituída por caução, nos termos do art. 368.º, n.º CPC, e nisso estamos de acordo[4].
Diferente é, porém, a prestação de caução, não para suspender a spc (a sua contagem diária continuará até que se verifique o cumprimento, a inexistência de incumprimento culposo ou a impossibilidade de cumprimento), mas para suspender a execução de entrega de coisa certa e cobrança de dívida, por haverem sido apresentados embargos de executado que já estão em curso.
E essa suspensão, por via de caução, não está excluída na lei (art.733.º, n.º 1 al. a), CPC.
No caso, trata-se de execução sumária (art. 626.º, n.º 2 e 3 CPC).
Nesta forma abreviada de execução comum, uma vez realizada a penhora, o executado, além de notificado para a execução, é notificado do ato de penhora. É, pois, nesse momento que o executado é informado de que tanto pode deduzir oposição à execução como opor-se à penhora, assim como deduzir simultaneamente essas duas formas de oposição (art. 856.º, n.º 1 do CPC).
Neste caso, a executada opôs-se simultaneamente à penhora e à execução (quer para entrega de coisa, para que foi notificada, quer para pagar as quantias exequendas).
Quanto à suspensão, segundo Lebre de Freitas (A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, 6ª Edição, 2014, p. 428), a dedução da oposição à execução, sendo posterior à penhora faz com que o processo de execução se suspenda, sem que seja necessário prestar caução. A ratio iuris de tal entendimento é que o exequente já se encontra garantido com a penhora, tornando-se a caução desnecessária.
Não é, porém, sufragada pela maioria, mas não deixa de ter interesse quando se aquilatar do valor e forma de prestação de caução.
É de admitir, por isso, a prestação de caução.
*
Aqui chegados, vejamos do modo de caucionar e do respetivo valor.
A caução surge prevista no art. 623.º CC.
Prevê o n.º 1 que, se alguém for autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, os meios de a prestar são: depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, penhor, hipoteca ou fiança bancária. Mas também podem revestir forma de caução o contrato de seguro (art.396.º, n.º 2 CSC) e a consignação de rendimentos (art. 907.º, n.º 3, CSC), admitindo-se também o seguro de caução e a garantia autónoma (art. 650.º, n.º 3 CPC).
Na falta de acordo entre os interessados, compete ao tribunal apreciar a idoneidade da caução (n.º 3). Em tal análise tem-se em conta a depreciação dos bens e as despesas que pode acarretar (arts. 912.º, n.º 2, 913.º, n.º 3, e 915.º CPC).
No requerimento inicial de prestação de caução, a executada pediu o seguinte:
QUE SEJA ADMITIDO O PRESENTE INCIDENTE DE PRESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE CAUÇÃO, POR MEIO DE DEPÓSITO DEVENDO CANCELAR-SE TODAS AS RESTANTES PENHORAS.
A decisão recorrida decidiu considerar idónea a caução indicada, a prestar por meio de depósito, em dez dias.
No recurso apresentado pela requerente/executada, refere-se esta a circunstâncias (cumprimento integral do decido na providência, conclusão 9, e, contraditoriamente, incumprimento definitivo, conclusão 12, e caducidade da sps, conclusão 13) que não cabem dilucidar no âmbito deste incidente, o qual se destina apenas à prestação da caução.
E diz mais: considerando que, entretanto, encontra-se já penhorada a quantia de € 212.782, 77, a que acresce o depósito de que efetuou de € 12.929,88 €, deve ser admitida a depositar apenas a diferença entre o valor da spc e o já penhorado e depositado.
A requerida não se opõe a que a caução seja efetuada por meio de depósito.
Sendo, assim, o modo de prestação de caução é o de depósito. Mais adiante veremos que tipo de depósito pode este ser.
Quanto ao valor a depositar, a sentença fixou-o em € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo até à data da realização do depósito.
A este valor opõe a exequente que a caução a fixar deve corresponder ao valor que for devido de spc na data em que for efetuado o depósito, acrescido de mais € 45.000, 00, mensais, por tanto ser o vencimento mensal da sps fixada, mais 10% sobre o valor em dívida, correspondente aos custos prováveis com a execução, com obrigação de a executada efetuar reforço de caução, de mês a mês, em € 45.000,00.
Recorde-se que a execução não visa apenas a cobrança de quantia certa. Tem em vista a entrega de coisa certa, afirmando-se no requerimento executivo não ter a executada entregue até agora toda a documentação e informação informática em causa, pelo que se admite não estar já em questão toda a condenação de prestar contida na providência cautelar, como, aliás, repete a demandante na pi da ação principal já instaurada. Esta circunstância não poderá deixar de ser valorada.
Depois, na pi da ação principal, a demandante, aqui requerida, não pretende obter qualquer indemnização pelo incumprimento da aí Ré, mantendo, de novo, o pedido de spc, além do pedido de entrega dos elementos relativos ao software.
Atribuiu à ação o valor de € 50.001,00.
Daqui deflui que o valor do interesse real da requerida – obter o acesso total a um software que diz ser já seu – corresponderá ao valor por si atribuído à ação, tendo em conta o disposto no art. 296.º CPC.
A spc, como se disse, não tem em vista indemnizar o requerente, mas tão-só compelir o requerido a cumprir a prestação devida e a respeitar a decisão do tribunal, prestação devida essa a que a exequente atribuiu o valor de € 50.001,00.
Ademais, quanto à spc fixada na providência cautelar, apenas metade é devida ao credor (art. 829.-A, n.º 3 CC), cabendo o resto ao Estado.
Assim, dos € 45.000,00, mensais, devidos a título spc, apenas € 22.500,00, cabem à exequente.
Afigura-se-nos que, no tocante ao Estado, é suficiente a caução pelo valor atribuído à ação pela demandante para sustar uma execução que tem como escopo principal a entrega de coisa, prestação a que a credora atribui o valor de € 50.001,00, acrescido dos 10% previstos no art. 735.º, n.º 1 CPC, ou seja, € 55.001,10.
A decisão que fixou a spc transitou em julgado há oito meses, o que, considerando os € 22.500,00, mensais que seriam destinados à exequente, contabilizaria nesta altura o valor de € 180.000,00, a que acresce o valor da prestação de dare, a que a embargada atribui o valor de € 50.001,00, ou seja, € 185.001,00.
Todavia, a 9.2.2022, foi proferido despacho nos embargos de executado ordenando a realização de perícia que verifique se a prestação de dare foi cumprida (ou em que termos o foi) ou se é impossível, pelo que, se nos afigura desproporcional e desadequado continuar a onerar a executada com a contabilização da spc enquanto dura essa perícia, descontando-se àqueles € 181.001,00, 25 dias (até hoje), à razão diária de € 750,00,00, num total de € € 18.780 que, descontados àqueles € 181.001,00, contabilizariam € 162.221, mais os 10% mencionados, num total de € 178.443,10.
A caução seria, assim, neste momento de € 233.444,20 (€ 55.001,10 + € 178.443,10), não considerando os valores de spc que se vão vencendo desde este dia até à data da realização integral da perícia.
Note-se que não é a spc que se suspende, mas apenas a sua contagem para efeitos de prestação de uma caução justa e equitativa.
Todavia, mesmo aquele valor afigura-se-nos absolutamente exagerado e violador do princípio da justa medida se atendermos a que, parte da prestação de dare (em extensão que ignoramos) já foi cumprida; o valor atribuído pela credora à prestação devida pela executada é de € 50.001,00; a spc, apesar de transitada em julgado e, por isso, exequível, versou sobre uma prestação de dare e não sobre uma prestação de facto infungível.
Deste modo, consideramos adequada a caução de € 180.000,00 (incluindo-se aqui as três vertentes: Estado, credora de spc – tendo em conta as vicissitudes que ficaram expostas - e valor da ação principal), a que acrescem os 10% já mencionados, num total de € 198.000,00.
Aqui chegados, importa ponderar o que está depositado, que não só pode depósito direto da requerente da caução, mas também o depósito de valores seus à ordem da execução.
Antes mesmo de notificada a executada para entregar os documentos ou opor-se à execução, estava já penhorada a quantia de € 135.128,27, e, atualmente, a quantia total de € 248.061,61.
Acresce o depósito direto de € 12.929,88 €, sendo o valor total já apreendido à requerente de € 260.993,49.
Como se refere no ac. RC, de 5.11.2029, Proc. 3141/T8PBL-B.C1: (…) havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo (cfr. entre outros, J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 327 e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 224 e seguintes, especialmente a nota (76)).
Assim, existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão). A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo. (cfr. os citados acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1, relatado por Pinto de Almeida, da Relação de Coimbra de 05.5.2015, proc.º n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, relatado por Manuel Capelo, da mesma Relação, de 17.01.2017, proc.º n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1, relatado por Fonte Ramos e da Rel. de Évora de 6/11/ 2014 – proc.º n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, relatado por Mata Ribeiro.
A particular função da caução prevista na al. a) do n.º 1 do artº 733º do CPC é de garantir o cumprimento da obrigação exequenda acautelando ou prevenindo os riscos que possam resultar da suspensão do processo executivo apresentando-se como requisitos essenciais, a sua prestação por meio adequado e que seja suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos (v. Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 04B211 disponível in www.dgsi.pt).
Assim, não podemos deixar de advogar no sentido de estar com aqueles que não vêem objeção legal a que uma hipoteca já prestada a favor do exequente como garantia da obrigação exequenda possa ser oferecida e considerada idónea em ordem a servir como caução tendo em vista a suspensão da execução.
(…)
Também Lebre de Freitas parece perfilhar de tal posição quando afirma (in A Ação Executiva, 6ª edição, 2014, 225) que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo”
O mesmo entendimento parece defender Rui Pinto quando refere “havendo penhora ou garantia real, a caução cobrirá apenas o eventual diferencial estimado entre o valor garantido pela penhora e o estimado, após a mora processual, se necessário reforçando ou substituindo a penhora nos termos do artº 818º n.º 2 in fine, não se duplicando as garantias na parte já coberta. Mas também por isso mesmo se não houver diferencial, pode ser dispensada a prestação de caução por já haver penhora ou garantia real suficientes mesmo para a mora processual” (in Manual da Execução e Despejo, 2013, 434-435).
Por sua vez Lopes do Rego também parece dispensar a constituição de uma nova garantia aceitando como caução a pré existente ao afirmar que “é evidente que, se, se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, …“prestada” a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente (cfr. Comentário ao CPC, 1999, 543).
Na mesma linha de entendimento Remédio Marques salienta que só se impõe a prestação de caução se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada a penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo (cfr. Curso de Processo Executivo Comum, 2000, 163-164).
Da mesma opinião parece comungar F. Amâncio Ferreira quando refere “sendo função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda, e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no prosseguimento da ação executiva, não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real (v.g., hipoteca) constituída anteriormente à ação executiva, ou se ulteriormente se efetuar penhora, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo”(cfr. Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., 196).”
No mesmo sentido, ac. RC, de 6.6.2015, Proc. 505/13.3 T8TBMMV-B.C1, em cujo sumário se lê: A existência de garantia real não impõe automaticamente a suspensão da execução mas também não é irrelevante para determinar se deve ou não ser prestada caução. Pelo que, existindo garantia real, uma nova caução para suspender a execução só será necessária em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia e se este nada cobre para além do crédito exequendo.
No caso dos autos, foram já efetuadas diversas penhoras sobre o património da executada (art. 601.º CPC).
A penhora é o ato executivo pelo qual se apreendem judicialmente os bens a ela sujeitos, privando-se o executado do pleno exercício dos poderes sobre esses bens.
Nos termos do art. 735.º, n.º1, CPC, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Apela a lei a um princípio geral de proporcionalidade e adequação a que também faz referência a doutrina. Brandão Proença (Lições de Cumprimento e não Cumprimento da Obrigação, 2017, p. 504 e ss.) alude aqui a um princípio “atinente à adequação ou proporcionalidade entre o montante do crédito reclamado e a medida da garantia, da penhora ou do meio conservatório”.
Idêntico raciocínio vale para a prestação de caução que tem em vista sustar a execução no âmbito da qual apenas se levam a efeito medidas adequadas e proporcionais.
No caso dos autos, avultam as penhoras sobre direitos: depósitos bancários (art. 780.º CPC) e créditos da executada sobre terceiros (as penhoras de créditos – art. 773.º CPC). Resulta das informações da AE prestadas na execução (a 4.1.2023), estar depositada à ordem dos autos a quantia de € 148.063,51; mais € 83.356,61, conforme informação de 28.1.2023; estando, ainda penhorado crédito de € 16.643, 49, conforme informação de 20.2.2023. Acresce o depósito efetuado pela requerente, de € 12.929,88 €.
Sendo assim, é de admitir a prestação de caução pela embargante, com vista à suspensão da execução em curso, nos termos referidos, em valor que se fixa em € 198.000,00, já depositado nos autos, quer por via de depósito autónomo da executada, quer por via de depósito resultante das penhoras efetuadas.
*
Neste momento, ficam desprovidos de interesse os recursos da exequente, de 24.1.2023, relativamente ao despacho de 10.1.2023, o qual seria, efetivamente nulo, porquanto desrespeitou o princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º 2 CPC) e seria ineficaz, bem assim, por violação do caso julgado formal que se havia formado pela primeira decisão (arts. 619.º, 620.º e 625.º CPC).
De igual modo o recurso de 27.1.2023, quanto ao despacho de 10.1.2023 que, novamente, se pronunciou sobre questão já decidida antes, tendo-se antes esgotado o poder jurisdicional.

Dispositivo
Pelo exposto, na parcial procedência dos recursos, revoga-se a decisão recorrida, de 16.2.2022, fixando-se a caução destinada à suspensão da execução na sequência da instauração de embargos de executada, na quantia de € 198.000,00, a qual se se considera já prestada pelos depósitos constantes dos autos de execução até esse valor.
Custas pela parte ou partes vencidas nos termos dos embargos de executado.

Porto, 27.3.2023
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Augusto de Carvalho
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[1] Lê-se na carta remetida pela AE para notificação (por se tratar de processo sumário), datada de 8.9.2022: Fica V. Exa citado, nos termos do 859º do Código Processo Civil (CPC), para, no prazo de 20 (vinte) dias, se opor à entrega indicada no requerimento executivo ou opor-se à execução mediante embargos, devendo no prazo de 30 dias informar se pretende alguns dos bens que se encontravam na fracção. Caso entenda estarem reunidos os requisitos previstos no artigo 864º do CPC dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três. Nos termos do n.º 4 e 5 do art. 626.ºdo CPC fica citado para no mesmo prazo pagar as quantias em dívida ou se opor à execução ou penhora conforme requerimento em anexo.
[2] É sobre a coercibilidade da decisão cautelar que aplica a spc que se refere o ac. RG, citado pela recorrente, não se colocando aí o tema da suspensão da execução.
[3] No mesmo sentido o autor citado pela recorrente/exequente, Pedro Albuquerque, O DIREITO AO CUMPRIMENTO DE PRESTAÇÃO DE FACTO, O DEVER DE A CUMPRIR E O PRINCÍPIO NEMO AD FACTUM COGI POTEST. PROVIDÊNCIA CAUTELAR, SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA E CAUÇÃO, p. 9022 da RIBD, Ano 2 (2103), nº 9, ao mencionar o art. 342.º, n.º 2 CPC (atualmente 365.º, n.º 2): “Ao remeter para a lei civil, o Código de Processo Civil garante, desde logo, que a sanção pecuniária compulsória deve ser decretada, nos termos do art. 829-º-A do Código Civil.”- disponível em ODIREITOAOCUMPRIMENTODEPRESTAODEFACTOODEVERDEACUMPRIREOPRINCPIONEMOADFACTUMCOGIPOTEST.PROVIDNCIACAUTELARSANOPECUNIRIACOMPULSRIAECAUO.pdf
[4] É também essa a solução exposta no acórdão do STJ citado pela recorrente, datado de 25.6.98, relatado por Sousa Inês no proc. º 98B476: II - A caução é adequada quando, em si mesma, se mostrar, em juízo de prognose, meio idóneo e eficaz em ordem a evitar a lesão grave e dificilmente reparável do requerente da providência, a que se refere o artigo 399, do C.P.C. de 1967. Portanto, é meio desadequado se, com a sua admissão, se frustrar o objectivo que ditou a providência, propiciando que o requerido reincida na sua conduta, só porque está coberto pela caução e, até, que aproveite o tempo que a causa levará a ser decidida para agravar a lesão; em tal caso, a substituição da providência, não pode, pois, ser autorizada. O aresto alude expressamente à substituição da spc pela caução, mas é evidente não ser essa a situação dos autos.